Acórdão do TC nº 135/2015

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[ TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 135/2015 ] ACÓRDÃO Nº 135/2015 Processo n.º 1139/2014 3ª Secção Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 1. Pela decisão sumária n.º 17/2015, o relator no Tribunal Constitucional não conheceu do recurso interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por A. e B., ora reclamantes. Invocou-se, em fundamento dessa decisão, que a questão de inconstitucionalidade, objeto do recurso, não assumia caráter normativo e que, mesmo que assim não fosse, as normas legais em causa não foram aplicadas pela decisão recorrida com o sentido que os recorrentes reputam inconstitucional, nem se mostrava observado o ónus de prévia suscitação legalmente imposto como condição do conhecimento do recurso. Os recorrentes, inconformados, reclamaram da decisão sumária para esta conferência, invocando, em síntese, que a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação requereram assume caráter normativo, tendo-a suscitado perante o tribunal recorrido. De qualquer modo, sempre se imporia o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, incorrendo a decisão reclamada em nulidade por inobservância do imperativamente preceituado nestas normas legais. Nestes termos, apelam a final pelo conhecimento do recurso mediante prévio cumprimento do convite previsto no artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC. O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação, porquanto efetivamente se não verificam os pressupostos processuais do recurso, que o relator julgou omissos. 2. Cumpre apreciar e decidir. A questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do recurso tem por objeto as normas dos artigos 127.º e 355.º do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação «segundo a qual o poder de livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, designadamente a apreciação e valoração de provas meramente indiciárias, prevalece sobre o princípio da imediação, previsto no artigo 355.º do Código de Processo Penal, ou seja, sobre as provas diretas produzidas em audiência de julgamento, quando entre estas e aquelas haja manifesta contradição, violando assim o princípio constitucionalmente previsto ‘in dubio pro reo’». Sustentam as reclamantes, além do mais, que, contrariamente ao sustentado pelo relator, observaram o ónus de prévia suscitação de tal questão de inconstitucionalidade, quer no recurso que interpuseram perante o Tribunal da Relação de Coimbra (ponto V das conclusões) – de cuja decisão recorrem para o Tribunal Constitucional -, quer na resposta ao parecer do Ministério Público junto daquela instância que apresentaram em juízo. Porém, não o fizeram em qualquer das invocadas peças processuais. Na motivação do recurso interposto no Tribunal da Relação de Coimbra limitaram-se a sustentar que, «ao decidir

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Livre apreciação da prova vs. princípio da imediação.

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ACÓRDÃO Nº 135/2015

Processo n.º 1139/20143ª SecçãoRelator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 1. Pela decisão sumária n.º 17/2015, o relator no Tribunal Constitucional não conheceu do

recurso interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional(LTC), por A. e B., ora reclamantes. Invocou-se, em fundamento dessa decisão, que a questãode inconstitucionalidade, objeto do recurso, não assumia caráter normativo e que, mesmo queassim não fosse, as normas legais em causa não foram aplicadas pela decisão recorrida com osentido que os recorrentes reputam inconstitucional, nem se mostrava observado o ónus deprévia suscitação legalmente imposto como condição do conhecimento do recurso.

Os recorrentes, inconformados, reclamaram da decisão sumária para esta conferência,invocando, em síntese, que a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação requereramassume caráter normativo, tendo-a suscitado perante o tribunal recorrido. De qualquer modo,sempre se imporia o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso,nos termos do artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, incorrendo a decisão reclamada em nulidadepor inobservância do imperativamente preceituado nestas normas legais. Nestes termos, apelama final pelo conhecimento do recurso mediante prévio cumprimento do convite previsto noartigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC.

O Ministério Público, em resposta, pugna pelo indeferimento da reclamação, porquantoefetivamente se não verificam os pressupostos processuais do recurso, que o relator julgouomissos.

2. Cumpre apreciar e decidir.A questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do recurso tem por objeto as

normas dos artigos 127.º e 355.º do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação«segundo a qual o poder de livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código deProcesso Penal, designadamente a apreciação e valoração de provas meramente indiciárias,prevalece sobre o princípio da imediação, previsto no artigo 355.º do Código de ProcessoPenal, ou seja, sobre as provas diretas produzidas em audiência de julgamento, quando entreestas e aquelas haja manifesta contradição, violando assim o princípio constitucionalmenteprevisto ‘in dubio pro reo’».

Sustentam as reclamantes, além do mais, que, contrariamente ao sustentado pelo relator,observaram o ónus de prévia suscitação de tal questão de inconstitucionalidade, quer norecurso que interpuseram perante o Tribunal da Relação de Coimbra (ponto V das conclusões)– de cuja decisão recorrem para o Tribunal Constitucional -, quer na resposta ao parecer doMinistério Público junto daquela instância que apresentaram em juízo.

Porém, não o fizeram em qualquer das invocadas peças processuais. Na motivação dorecurso interposto no Tribunal da Relação de Coimbra limitaram-se a sustentar que, «ao decidir

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tal matéria factual da forma que o fez, violou o Tribunal a quo princípio constitucional ‘indubio pro reo’, ínsito no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa» (cf.conclusão V); na resposta ao parecer do Ministério Público naquela instância de recursoimputaram diretamente ao tribunal de primeira instância a violação direta do mesmo princípioconstitucional, por razões atinentes à forma como julgou a matéria de facto, não concretizandoem momento algum, como lhes competia, o conteúdo da interpretação inconstitucionalalegadamente extraída, nesse âmbito, pelo tribunal a quo dos artigos 127.º e 355.º do CPP (cf.pontos 8 e 16 da resposta).

Não suscitaram, pois, a respeito dos referidos preceitos legais, qualquer questão deinconstitucionalidade normativa que, por devidamente delimitada no seu conteúdo substantivo,o tribunal recorrido estivesse obrigado a conhecer, como imposto pelos artigos 70.º, n.º 1,alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, o que só por si impede o conhecimento do recurso.

Por outro lado, estando causa um pressuposto processual do recurso, é evidentementeinfundada a arguição de nulidade que os reclamantes dirigem à decisão sumária, porinobservância do preceituado no artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, que apenas se dirigem aosuprimento de meras irregularidades formais do respetivo requerimento de interposição.

De modo que, atento o caráter cumulativo dos pressupostos do recurso deconstitucionalidade, não se justifica, por inútil, verificar se estão reunidos os restantespressupostos processuais do recurso que o relator julgou omissos, impondo-se, pois, semnecessidade de mais considerações, o indeferimento da presente reclamação.

3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.

Lisboa, 12 de fevereiro de 2015 - Carlos Fernandes Cadilha - Maria José Rangel de Mesquita - MariaLúcia Amaral

[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20150135.html ]