ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: CONHECER, TEMPO E ARTE
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BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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foi denominado amigo qualificado e, posteriormente, acompanhante terapêutico. Isto ocorreu na medida em que o trabalho foi se dando mais na rua, na casa do paciente e deixando a instituição psiquiátrica e os consultórios.
Esse trabalho nos leva a testemunhar a maneira como os problemas contemporâneos afetam os modos de subjetivação do ser humano. Nessa perspectiva, o adoecimento psíquico pode ser visto não só como decorrente de dinâmicas intrapsíquicas, mas também pelo mal estar no mundo social e cultural.
Diferentes autores (Adorno, Stein, Heidegger) têm assinalado que os problemas contemporâneos são também frutos pelo modo como o processo de conhecimento aconteceu na modernidade. Perspectivas epistemológicas utilizadas na maneira como se aborda o ser humano nas Ciências Sociais levam a conseqüências significativas na desumanização do mundo e na fratura do ethos humano.
Tendo em vista este tipo de situação, tenho recorrido à pesquisa da literatura e da arte como modo de abordar a questão do conhecimento, e do modo como a temporalidade vem afetando a subjetividade humana.
Um autor que tenho considerado bastante fecundo nessa investigação e reflexão é o poeta indiano Rabrindanath Tagore.
Não há como abordar a obra de Tagore sem nos determos na articulação que ele apresenta ao se referir a Deus, à Natureza e ao Homem. Não seria exagero afirmar que toda sua obra é atravessada por esses três pontos e a relação entre eles.
Ao longo de seus poemas, ensaios e palestras, o poeta faz referência a Deus como: Senhor, Ser Supremo, Personalidade Suprema, Criador, Pai, Amigo, Amante, Poeta... O Criador se faz presente em sua criação e se expressa através dela. O Infinito habita o finito. Daí a importância da relação harmoniosa com o mundo e o que nele está, pois nestes elementos vislumbramos o Todo Infinito. O mundo é o lugar da manifestação do Divino. A qualidade da relação que estabelecemos com o mundo contribuirá ou não para nos aproximarmos do Ser Supremo.
Em seu modo de ver, tudo que existe no mundo está envolto por Deus e é fonte de alegria, deleite e experiência poética. Assim sendo, a presença divina se manifesta em todos os elementos da natureza, o que leva o poeta a uma atitude de reverência e sacralização do mundo.
À pergunta sobre o que é esse que tudo permeia, Tagore encontra resposta nos sagradas escrituras do Hinduísmo.
O que é esse espírito? Diz o Upanixade: O ser que é em sua essência a luz e a vida em tudo, que é universalmente consciente, é Brahma. (Sadhana; p. 25)
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Brahma, o Criador, é o princípio, o meio e o fim de todas as coisas, mas ele em si não possui um começo e nem um término. Toda a criação está nele, mas Sua Grandeza não está em sua totalidade contida no universo. Ele está perto e ao mesmo tempo distante. Estamos diante do paradoxo, o mistério que não é passível de ser resolvido. Vejamos como Rabindranath organiza, poeticamente, essa questão do criador e da criatura:
Colocas uma barreira no teu próprio ser, e depois
chamas de volta o teu próprio ser, repartido em milhares
de notas musicais. Essa parte dividida de ti mesmo é
a que se encarnou em mim.
(Gitanjali; estrofe do poema 71)
A relação com o ser supremo determina não só um registro religioso, mas também se torna uma necessidade ética, para que o homem não torne o outro‐coisa e aborde a Natureza, sem que ela seja mera fonte de materiais para os bens de consumo.
Podemos apreender uma relação bastante pessoal e amorosa entre Criador e criatura. Tagore cunhou o conceito de jibandevata, cuja tradução literal seria Deus‐vida, ou seja, o Senhor da vida. Ele a define como “o aspecto limitado da Divindade que tem seu lugar singular na vida individual, em contraste àquela [Divindade] que pertence ao universo” (Imperfect encounter; p. 321). Curiosa esta afirmação do ilimitado fazendo‐se presente na parte, de uma porção personalizada de Deus. Aqui vemos também a proximidade dessas concepções com a perspectiva teológica cristã, na qual Deus limita‐se por meio do esvaziamento de si (kenosis) para permitir que o mundo possa existir. No Cristianismo esse esvaziamento atinge o seu ponto mais dramático pela encarnação da divindade, momento em que a natureza humana é acolhida pela divindade.
No final de seu livro mais autobiográfico, Tagore também faz uma menção a estes aspectos:
Eu não tenho a capacidade de revelar e apresentar a suprema arte pela qual o Guia de minha vida está, alegremente, me conduzindo através de todos os seus obstáculos, antagonismos e sinuosidades, em direção à realização de seu mais profundo significado. E se eu não puder tornar claro todo o mistério deste projeto, o que quer que eu tente apresentar é certo que será confuso a cada passo do caminho. Analisar a imagem é somente alcançar a poeira e não a alegria do artista. (My Reminiscences, pp. 271272)
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Cada vida humana possui um Guia que a conduz em sua travessia pelo mundo. Isso se deve à concepção de que em cada homem habita a face do Criador. Dessa forma o Guia é o Divino no homem, ansiando retornar à fonte original. Vemos que por essa perspectiva Tagore nos mostra que o destino humano é sagrado, pois o Divino procura manifestar um dos aspectos de sua face pela vida singular. Há aqui uma ética frente ao imponderável e à santidade do destino do outro. É nessa perspectiva que o olhar proposto por Tagore se constitui em um lugar ético.
Talvez fosse interessante esclarecermos como ele organiza essa relação harmoniosa mesmo nas vicissitudes da vida. A harmonia está na realização das distintas dimensões humanas. Mas haveria algum dualismo entre Deus e o homem?
Tudo tem seu dualismo de maya e de satyam, de aparência e de verdade. As palavras são maya onde são meros sons e finitas, porém são satyam onde são idéias e infinitas. Nosso ego é maya onde é apenas individual e finito, onde considera a sua separação como absoluta; e satyam onde reconhece a sua essência no universal e infinito, no supremo si mesmo, no paramatman. Isto é o que Cristo quer dizer quando fala que ‘antes que existisse, eu sou’. Esse é o eterno eu sou que fala através do eu sou que está em mim. O eu sou individual atinge o seu perfeito fim quando realiza a sua liberdade de harmonia no eu sou infinito. Então ele é seu mukti, sua libertação da escravidão de maya, da aparência que brota da avidya, da ignorância; a sua emancipação reside no cantam, çivam advaitam, no perfeito repouso na verdade, na perfeita atividade na bondade, e na perfeita união no amor. (Sadhana; pp. 7475; grifo nosso)
Importante assinalar que maya surge pelo sentido de dualidade, quando o homem se desenraiza do infinito, aí surge o ego. No entanto, quando a dualidade é superada pelo acolhimento do paradoxo o que surge é a personalidade, morada da Suprema Personalidade.
A perfeição, na concepção de Tagore, não está na infalibilidade humana, mas na realização da liberdade do eu sou individual em harmonia com o eu sou infinito. O eu sou imortal que se revela no mundo através do eu sou humano. Vemos que ele nos ensina que o desenraizamento, forma epidêmica de adoecimento do ser humano na atualidade, não só acontece no registro ético‐cultural, mas também pela dessacralização da condição humana.
A aparência de dualidade é decorrente da limitação do Poder de Deus com o fim de possibilitar a criação. A separação reside apenas na aparência. O próprio Criador estabelece limites a fim de que sua onipotência não destrua o jogo da vida. O ato de criação é um movimento de kenosis, ou seja, Deus se esvazia de sua plenitude a fim de tornar a criação possível. A compreensão desse ponto é fundamental, pois, embora a criação seja a dança de alegria da Divindade, nela está também contida a dor do sacrifício decorrente da separação de Deus de sua
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plenitude. A criação move‐se em um ritmo de alegria celebrativa, ao mesmo tempo em que sofre pelo anseio de sua fonte. Recoloca‐se nesse ponto o registro do paradoxo na compreensão da relação entre Deus‐Natureza‐Homem. Vejamos como Tagore vê a separação e a dor no mundo:
A dor da separação invade o
mundo e faz nascer inumeráveis formas no
céu infinito.
A tristeza da separação espia de
estrela em estrela no silêncio da noite, e
tornase poética entre as folhas que
farfalham na sombra chuvosa de julho.
Essa dor transbordante se aprofunda
em amores e desejos, em sofrimentos e
alegrias, e penetra os lares humanos. É ela
que sempre se dissolve e reflui em canções,
através do meu coração de poeta..
(Gitanjali, poema 84)
A dor está presente também na alegria. Por outro lado, a alegria de Deus está em submeter‐se às leis que estabeleceu a si mesmo. Enquanto, a alegria do homem está em transfigurar o que aí está e revelar a face do divino na água, na terra e em tudo que nos cerca. É uma alegria que nasce da alma em dor pelo anseio de seu criador. Nesta transfiguração do que aí está naquilo que realmente é, o homem participa da obra do Criador.
Assim como a natureza se acha separada de Deus por meio dos limites da lei, também são os limites do egoísmo que separam o eu em relação a Deus. Ele voluntariamente colocou limites para sua vontade, e deunos domínio sobre o nosso pequeno mundo. É como um pai que entrega a seu filho uma quantia dentro do limite no qual o filho é livre para fazer o que desejar. ...Assim, o amor de Deus, a partir do qual o nosso eu tomou forma, tornouo separado de Deus; e é o amor de Deus que de novo
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estabelece uma reconciliação e une Deus com o nosso eu através da separação. (Sadhana; p.76; grifo nosso)
A vontade para Tagore é fruto do amor e para se realizar verdadeiramente, precisa que a vontade do outro seja livre também. Nesta dimensão, a harmonia é casamento de liberdade e liberdade. O encontro exige um sim de ambas as partes. Vemos então que a relação do homem com Deus e do Criador com o homem é de amor. Tagore afasta‐se, dessa forma, de qualquer outra concepção teológica que vê a relação do homem com Deus pelo vértice da submissão. Deus e homem são amantes e sua câmara nupcial é a Natureza! Vejamos como essa perspectiva comparece na prática do acompanhamento terapêutico:
Na primavera de 1996 acompanhei José a um parque. Sentamos em um banco, enquanto ele fumava um cigarro, conversamos entrecortadamente. Mais tarde, sugeriu que pegássemos um ônibus para passear – percurso que já havíamos feito nas duas semanas anteriores – e eu insisti que naquele dia passeássemos por ali mesmo. Falei da primavera: as flores, o verde claro das folhas jovens, o movimento do povo pelo parque. Resolvemos caminhar um pouco pelo fluxo de pessoas correndo, pedalando, exercitando‐se; crianças brincando, patinando e jogando bola; mães com seus bebês; pombos voando, marrecos e patos agrupados à beira do lago; algumas garças e biguás buscando o de‐comer; sabiás e bem‐te‐vis em coro pelas árvores...uma verdadeira explosão de vida! Em um determinado momento, José me pediu para que fôssemos ao hospital‐dia para ele tomar uma injeção.
Por que você quer tomar injeção?
Porque é bom.
Pela convivência com José ao longo dos anos, observei que apesar de sua medicação não ser feita por meio de injeções, às vezes, quando ele estava mais angustiado ou experienciando sentimentos que não conseguia dar contornos, pedia aplicações de injeção. Além disso, os passeios ao parque sempre tinham um certo padrão: inicialmente recusa e tentativa de ir embora que se transformavam em satisfação com toda a experiência. Resolvi compartilhar com ele a maneira que estava vivendo aquele momento:
Isso que estamos vivendo aqui é uma verdadeira injeção de vida. Estar passeando aqui com você, batendo papo, vendo as pessoas se exercitando, as crianças brincando, os pássaros cantando, as flores, o verdeprimavera das árvores, o lago...me deixa emocionado. Todas essas coisas juntas tocam o coração.
Não me lembro qual foi sua resposta, mas o pedido de uma injeção desapareceu andamos um pouco mais e nos sentamos em um banco com vista para o lago.
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Conversamos sobre assuntos variados. Entretanto, o que mais me chamou a atenção foi um comentário solto que fez na hora de partirmos:
Nossa! Hoje valeu, viu?!
Percebi que nossa experiência havia sido bastante significativa e o fato de compartilhar aquilo que eu estava sentindo ajudou‐o a dar um contorno simbólico para as suas vivencias. Algo bastante diferente de lidar com a situação através de uma injeção.
A travessia humana se consuma no mergulho incessante no universal que brota a cada instante no perfeito casamento de beleza e força. O eu abre‐se para o seu devir, em metamorfoses contínuas, em um vôo saudoso e contínuo em direção ao Ser Supremo. O eu estancado no apego ao tempo pelo temor da vertigem da metamorfose encontra a esclerose da dualidade e se perde nos véus de maya.
Vemos em todo lugar o jogo da vida e da morte – essa transmutação do velho no novo. O dia vem a nós a cada manhã, nu e branco, fresco como uma flor. Mas sabemos que ele é velho, que ele é a própria idade. É aquele longínquo dia que tomou a terra recémnascida em seus braços, cobriua com seu branco manto de luz, e a enviou para a sua peregrinação entre as estrelas. (Sadhana; p 77)
Compartilhamos o destino da terra. Somos peregrinos através das idades do tempo, que a cada dia se apresenta a nós como novo, mas traz em seu seio a antiguidade da origem – novo paradoxo. A verdade é saudação que o dia nos traz abrindo no horizonte o envelope com o amuleto de ouro da eternidade anunciando com a mensagem de amor do criador sempre fresca, jovem e antigo como o ‘Ancião dos Dias’.
A dança da criação é uma dança de renascimentos e mortes em ciclos contínuos e rítmicos. Contraponto entre o “desaparecimento” do ser no abismo infinito e o seu renascer no orvalho de cada manhã. O ciclo dos dias e dos anos espelha a dança cósmica, na qual o homem participa em mortes e renascimentos. A cada dia, a cada aurora a vida celebra a alegria da ressurreição da face do divino que sorri no horizonte do mundo. No reencontro de cada manhã o coração do mestre se derrama em melodias de luz, flores e orvalhos.
A vida é abundante e caprichosa, eternamente gerando o novo no seio do velho, a vida no berço da morte. A juventude da vida demanda a morte e o renascimento a cada instante de vida. O paradoxo é envelhecer para reencontrar a juventude ontológica. O homem é contínua metamorfose e devir. Em seu envelhecer sopra a juventude eterna – o novo, que a cada dia acolhe o ser humano em seu despertar. Vida: perene renovação e ressurreição. Temos aqui a apresentação de um tipo de temporalidade cíclica, aparentada ao modo de ser humano.
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Nossa vida, como um rio, bate a suas margens não para ficar encerrada dentro delas, mas para perceber de novo a cada momento que possui a sua inesgotável saída para o mar. É como um poema que compassa o seu metro a cada passo não para ser silenciado por seus rígidos regulamentos, mas para a cada momento dar expressão à liberdade interior da sua harmonia. (Sadhana; pp. 7879)
O infinito é para ser vivido no coração e não na pele que é a marca da separação e do amor do ser humano em relação ao Ser Supremo. Ter o infinito na pele é querer fechar‐se no egoísmo do tudo‐em‐si.
Rabindranath dá contorno poético à sua consciência da pulsação do universal no coração de todas as coisas. Podemos aqui observar as núpcias acontecendo entre Criador e criatura no leito da Natureza. O amor do poeta não acontece somente em relação ao próximo, mas em relação à terra, ao céu, à Natureza. No mundo ocidental, freqüentemente encontramos formulações nas quais a ética acontece entre o ser humano e o rosto do outro humano (Levinas, 1991). Tagore nos lembra que “A Face” está, não só, nos outros seres humanos, mas em toda criação.
O arranjo das estrelas pode ser explicado na sala de aula por diagramas, mas a poesia das estrelas está no encontro silencioso de alma com alma, na confluência do claro e do escuro, onde o infinito imprime seu beijo na fronte do finito, onde nós podemos ouvir a música do Grande ‘EU SOU’ produzida no grande órgão da criação por meio de suas incontáveis flautas em harmonia infinita. É perfeitamente evidente que o mundo é movimento. (a palavra em sânscrito para o mundo significa ‘o que se move’). (Personality, p.59)
A relação ética com a Natureza não pode ser pautada pelas medidas matemáticas científicas, mas pela poesia. Poesia aqui é ética! É olhar poético que revela o dharma do homem e da Natureza. Entre ambos “A Face” se revela e o amor movido pela dor originária encontra um momento de celebração. O mundo é movimento realizando a eterna sinfonia do Maestro/Compositor.
Qual a possibilidade de olharmos o mundo, a natureza e tudo que nos rodeia com uma visão espiritual que nos revela a verdade total? Esta verdade nada mais é do que o descortinar da unidade que tudo permeia. O mundo visto como oferta de mensagens de amizade, pelo olhar poético do homem, revela a verdade ontológica das coisas. Tagore propõe aqui uma forma de conhecimento do real, da verdade. Este vértice nos remete àquela compreensão védica de natureza humana habitada pelos dois pássaros: um ocupado em comer e encontrar alimento, enquanto o outro, apenas contemplando a beleza do mundo. Penso que esta perspectiva encontra ressonância quando Fernando Pessoa nos adverte que navegar é preciso, viver não é preciso; ou quando Guimarães Rosa diz que é preciso ter um olho na via e outro na poesia.
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A realização plena de nossa humanidade implica na união com Deus por meio da qual percebemos a perfeita harmonia na unidade Deus‐Natureza‐Homem.
Para Tagore o universo é portador de uma mensagem que parte de uma personalidade que se preocupa em nos dar alegria e não apenas informações. Encontra‐se aqui um contraponto com a visão tradicional da ciência. Diferentemente de outras perspectivas, esse toque mágico que revela a personalidade, não é passível de ser decomposto e analisado. Trata‐se de uma experiência que precisa ser sentida. O mundo não pode, eticamente, ser conhecido apenas pela razão e suas medidas, mas, fundamentalmente, pelo coração e sua poesia.
A mera informação dos fatos, a mera descoberta do poder, pertence ao exterior e não à alma interna das coisas. A alegria é o único critério de verdade, e nós sabemos quando tocamos a Verdade pela música que Ela nos dá, pela alegria da saudação que ela envia à verdade em nós. Como eu disse anteriormente, não é com as ondas etéricas que nós recebemos nossa luz: a manhã não espera que algum cientista a apresente a nós. Da mesma maneira, nós tocamos a realidade infinita, imediatamente, dentro de nós, somente quando nós recebemos a verdade pura do amor ou da bondade, não com a explicação de teólogos, não com a discussão erudita das doutrinas sobre a ética. (Lectures and addresses; pp. 1516; grifo nosso)
O poeta assinala que a experiência da verdade não é do domínio do conhecimento e da erudição. A escolástica jamais poderá fazer da Verdade uma refém, seqüestrando‐a do mundo. O único critério para a verdade é a alegria que ela desperta em nossos corações, pois ela é palco de um encontro fundamental entre a Personalidade Suprema e a personalidade humana. A verdade não é encontrada pela coerência e articulação de nossas idéias, ela é descoberta na experiência amorosa de encontro com os outros humanos e com a Natureza.
A lei é o primeiro passo em direção à liberdade; a beleza é a total libertação, alicerçada no pedestal da lei. A beleza harmoniza em si mesma o limite e o além, a lei e a liberdade. (Sadhana; p. 84)
A beleza, a experiência estética revela a face do Infinito na finitude. Ela se encontra entre a plenitude e o limite – lugar da criação. Ela torna a inflexibilidade da lei em direção amorosa.
Na esfera da natureza a flor leva consigo um certificado que a recomenda como possuindo uma imensa capacidade de realizar um trabalho útil, mas ela traz uma carta de apresentação diferente quando bate à porta do nosso coração. A beleza tornase então a sua qualidade única.... A flor, portanto, não tem apenas uma função na natureza, mas também outra grande função, que ela exerce na mente humana. E qual é essa função? Na
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natureza o trabalho dela é de uma serva que deve aparecer em tempos determinados, mas no coração do homem ela chega como mensageira do Rei.... (Sadhana; pp. 8687; grifo nosso)
A flor para a nossa mente racional carrega uma série de informações, mas para o coração humano ela é mensageira do Amante e traz, da parte dele, uma carta de amor. O homem, dessa forma, em seu coração tem o dom litúrgico de dar aos entes naturais o dom da sacralidade. Assim sendo o homem é chamado a revelar a realidade do mundo, ação que só acontece no diálogo em amizade e em alegria com o criador.
Poderíamos ilustrar estes aspectos que estamos discutindo a partir do que o artista plástico Frans Krajcberg relata como seu segundo nascimento e os desdobramentos que essa experiência teve em sua vida e na vida de outras pessoas. A despeito da posição do artista que, certamente, recusaria esta noção de alegria.
Krajcberg nasceu em uma família judia na cidade polonesa de Kozienice. Sofreu na pele toda a discriminação por sua origem judaica. Após a invasão da Polônia pelos nazistas alistouse no exército russo para combater os alemães. Porém, foi afastado da frente de batalha por ter adoecido. Cursou Engenharia e Belas Artes em Leningrado (atual São PetersburgoRússia). Participou nas batalhas que culminaram com a queda de Berlim anos mais tarde, agora ao lado do exército polonês. Com o término da guerra decidiu voltar para sua cidade natal. As atrocidades que havia presenciado fizeram com que ele perdesse toda crença no ser humano. Quando chega à sua cidade, ele relata:
... fui em casa e bati na porta. Uma senhora abriu. Tudo estava como antes. Só que minha família não estava lá. Meus pais e irmãos morreram em campos de concentração ou desapareceram. A seguir a senhora começou a me xingar de uma maneira horrível, por eu ser judeu. Em vez de pegar um revólver e dar um tiro nela, comecei a chorar.... (Caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 10 de fevereiro de 2002, p.16)
Foi o ápice do desalojamento e a descrença no ser humano se aprofundou ainda mais. Perdido e sem rumo, mas determinado a nunca mais colocar os pés na Polônia, passou um tempo na Alemanha. Depois partiu para a França com uma carta de recomendação. Por fim Marc Chagall2 o acolhe em sua casa por quatro meses:
Um dia o dono de uma agência [de viagens] foi jantar lá. O dono da agência disse que podia me arrumar uma viagem para o Brasil. Eu nem sabia direito onde era o Brasil. Respondi que qualquer lugar me servia...cheguei ao Rio. Sem dinheiro, sem falar português, sem conhecer
2 Marc Chagall (1887‐1985), pintor de origem russa radicado na França.
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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ninguém. Dormia na Praia de Botafogo. Não agüentava a miséria. Fui para São Paulo de trem, clandestino. (op.cit., p.17)
Em São Paulo empregou‐se no Museu de Arte Moderna. Tempos depois, mudou‐se para o Paraná, agora empregado como engenheiro. Certo dia, caminhando pela mata local, viveu uma experiência que transformou sua vida: deparou‐se com uma flor de orquídea. Sua beleza e delicadeza o impactaram. Renasceu por meio da flor, renasceu no seio da mata. Em suas próprias palavras, viveu seu segundo nascimento.
Com o passar do tempo dedicou‐se, exclusivamente, às artes plásticas. Seu trabalho ganhou reconhecimento tanto no Brasil quanto no exterior. Não é de se estranhar que sua arte seja, profundamente, ligada à natureza. Por meio de seu trabalho busca denunciar a necessidade de preservarmos e cuidarmos da natureza. Para ele a destruição dos recursos naturais e das matas é equivalente ao holocausto e a uma guerra. São facetas de um mesmo fenômeno. Com o reconhecimento de seu trabalho, os meios de comunicação têm apresentado reportagens a seu respeito.
Há alguns anos atrás uma revista de circulação nacional publicou uma matéria sobre uma série de suas criações a partir de troncos e galhos de árvores marcados pelo fogo, recolhidos de áreas que sofreram queimadas.
Em um presídio feminino na Bahia, uma detenta condenada por assassinato, folheava a revista e interessou‐se pela matéria sobre Krajcberg e sua obra. Encantou‐se com seu trabalho, feliz por saber que existia uma pessoa no mundo capaz de transformar em arte um pedaço de madeira queimada supostamente estragado e sem utilidade. Ela sabia que sua vida tinha se queimado, virado carvão e que não teria mais saída. Presa naquela situação desoladora em que vivia, ficou contente em saber dessa possibilidade no mundo. Escreveu uma carta ao artista plástico contando sua história e como se sentiu ao saber de seu trabalho. Esta carta chegou às mãos do destinatário. Entre as centenas de cartas que costuma receber, esta tocou‐o em particular: guardou‐a.
Cumprindo um ritual que se repetia há alguns anos, de comemorar seu aniversário, em um Café de Paris, com um jovem amigo brasileiro, nascido no mesmo dia; Kajcberg durante a celebração passou a carta ao amigo. Este ficou impressionado e por ser diretor de cinema, disse imediatamente: “Eu vou filmar isto!”
Walter Salles Jr3, o amigo, decidiu fazer um documentário sobre Socorro Nobre, a presidiária. Diferentemente dos outros documentários que já havia realizado, este foi filmado sem roteiro, sem distanciamentos em relação ao objeto do documentário. Foi com sua equipe de trabalho e seus equipamentos para o
3 Walter Salles Jr, dirigiu filmes como Central do Brasil e Abril despedaçado entre outros.
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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presídio. Por cerca de vinte minutos ele nos apresenta os protagonistas: Socorro, Krajcberg e o encontro entre eles. Segundo Frans, a experiência do mergulho no Documentário transforma seu amigo. Durante todo este processo foi amadurecendo no diretor a concepção de um filme realizado alguns anos mais tarde, que se chamou Central do Brasil. O filme conta a história de uma escrevedora de cartas inescrupulosa e desonesta que, gradualmente, se transforma no encontro com um menino órfão na cidade do Rio de Janeiro. Vale lembrar que esta mulher, movida pela ganância, vendeu o garoto para traficantes de órgãos de crianças, mas depois, arrependida, o resgata. Após o resgate a dupla empreende uma jornada pelo sertão do nordeste brasileiro em busca do pai do garoto. Aliás, uma das ocupações de Socorro Nobre na penitenciária era escrever cartas para as detentas analfabetas. Ela participou do filme: a primeira mulher a ditar uma carta para a escrevedora. Fenômeno de saneamento da alma humana por meio da arte e do gesto do outro.
Estas histórias marcadas por tragédias que se transformam pelo encontro com uma flor de orquídea, pelo encantamento com uma obra de arte, pelo encontro significativo com um outro humano, revelam uma dimensão do acontecimento humano apontado pelo escritor russo Fiodor Dostoievsky:
Beleza salvará o mundo!
Para o poeta o encontro entre Ciência e Religião é benéfico para ambos os campos de experiência e conhecimento. Como temos observado, Tagore nunca perde uma visão crítica das duas.
Mencionei em relação à minha experiência pessoal algumas canções que tinha ouvido, inúmeras vezes, dos cantores andarilhos das vilas, pertencentes a uma seita popular de Bengala, chamados Baüls, que não têm nenhuma imagem, templos, escrituras, ou cerimoniais. Eles declaram em suas canções a divindade do Homem, e expressam por ele um intenso sentimento do amor. Vindo de homens nãosofisticados, vivendo uma vida simples na obscuridade, dános um indício ao significado interno de todas as religiões. Pois sugere que estas religiões nunca são sobre um Deus de força cósmica, mas sim, sobre o Deus de personalidade humana.
Ao mesmo tempo devese admitir que mesmo o aspecto impessoal da verdade tratado pela Ciência pertence ao universo humano. Mas os homens da Ciência dizemnos que a verdade, ao contrário da beleza e da bondade, é independente de nossa consciência. Explicamnos como a crença de que a verdade não é independente da mente humana é uma crença mística, natural ao homem, mas ao mesmo tempo inexplicável. Mas não poderia a explicação ser esta, que a verdade ideal não depende da mente individual do homem, mas da mente universal que compreende o indivíduo? Pois dizer que a verdade, como nós a vemos, existe aparte da
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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humanidade é realmente contradizer a própria ciência; porque a ciência pode somente organizar em conceitos racionais aqueles fatos que o homem é capaz de conhecer e compreender, e a lógica é uma maquinaria de pensar criada pelo homem mecânico. (The Religion of Man; pp. 8789, grifo nosso)
A dimensão humana é o denominador comum entre Ciência e Religião. O infinito é a própria medida do homem e do mundo. A concepção de uma verdade impessoal não pode ser aceita por Tagore. Em sua perspectiva, a visão da verdade é fenômeno humano, uma das faces da relação entre o Homem e o homem.
Neste aspecto havia uma divergência entre Einstein e Tagore:
Em 1930, conversando com Albert Einstein na Alemanha, Tagore lhe disse: ‘Este mundo é um mundo humano – a visão científica dele é também aquela do homem científico’. Embora Einstein não tenha concordado, alguns distintos cientistas vêem agora a posição de Tagore. Um deles, Ilya Prigogine, um laureado com o Nobel de Química, afirmou em 1984: ‘Curiosamente o bastante, a atual evolução da ciência está caminhando no sentido indicado pelo grande Poeta Indiano’. (Dutta&Robinson, 1996; p.14)
A ARTE COMO O OUTRO DA CIÊNCIA
O poeta ocupou‐se, principalmente em suas conferências, com a relação entre arte e ciência.
Vimos como o homem primitivo estava ocupado com suas necessidades físicas, e assim restringiramse ao presente que é o limite de tempo do animal; e ele perdeu o impulso de sua consciência em procurar sua emancipação em um mundo de valor humano final.
A civilização moderna pela mesma razão parece voltarse para trás em direção a essa mentalidade primitiva. Nossas necessidades furiosamente se multiplicaram tão rápido que perdemos nosso lazer para a realização mais profunda de nosso self e de nossa fé nele. Isto significa que perdemos nossa religião, o anseio pelo toque do divino no homem, o construtor do céu, o criador de música, o sonhador de sonhos. Isto tornou mais fácil estilhaçar nossa fé na perfeição do ideal humano, em sua totalidade, como o significado mais completo de realidade. Sem dúvida é maravilhoso que a música contém um fato que tem sido analisado e medido, e representa aquilo que a música tem de comum com o zurrar de um burro ou de uma buzina de carro. Mas é ainda mais maravilhoso que a música tem uma verdade, que não pode ser analisada em frações; e lá a diferença entre ela e a impertinência gritante da buzina
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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do carro é infinita. Os homens de nossas épocas analisaram a mente humana, seus sonhos, suas aspirações espirituais, na maior parte das vezes capturada desapercebida no estado estilhaçado da loucura, da doença e de sonhos fragmentados – e descobriram, para sua satisfação, que estes são compostos de animalidades elementares amarradas em vários nós. Esta pode ser uma descoberta importante; mas o que é ainda mais importante de realizar é o fato de que, por algum milagre da criação, o homem transcende infinitamente as partes componentes de seu próprio caráter. (The Religion of Man; pp. 143145, grifo nosso)
A Ciência desenvolve‐se fundamentalmente por meio do emprego da análise dos fatos, dissecando‐os e objetificando‐os a fim de conhecer seus componentes e descobrir a lei que os rege. Como o poeta afirmou anteriormente, o homem também precisa ser conhecido por meio da Ciência. Porém não podemos perder de vista o milagre da criação que faz com que os elementos que compõem o homem, sua personalidade e o mundo transcendem suas partes. Nos dias atuais o cientista tem tido um papel de destaque na sociedade, mas o poeta nos chama a atenção para o toque do divino no homem que vem a ser a religião do artista. Assim a presença da arte, em um mundo organizado pelos princípios da técnica e da objetividade, traz ao homem a memória do necessário à sua natureza, e do anseio que habita o seu ser.
Suponha que algum explorador psicológico suspeite que a devoção do homem à sua amada fundase no anseio do nosso estômago primitivo pela carne humana, não necessitamos contradizêlo; pois o que quer possa ser sua genealogia, sua composição secreta, o caráter completo de nosso amor, na sua combinação perfeita das associações físicas, mentais e espirituais, é única em sua total diferença do canibalismo. A verdade subjacente à possibilidade de tais transmutações é a verdade de nossa religião. Um lótus tem em comum com um pedaço de carniça os elementos do carbono e do hidrogênio. Em um estado de dissolução não há nenhuma diferença entre eles, mas em um estado de criação a diferença é imensa; e é essa diferença que realmente importa. Nos dizem que alguns de nossos sentimentos mais sagrados guardam escondido neles instintos contrários ao que estes sentimentos professam ser. Tais revelações têm o efeito sobre determinadas pessoas de alívio de uma tensão, até mesmo como o relaxamento na morte do incessante desgaste da vida. (The Religion of Man; pp. 143145, grifo nosso)
Essas considerações nos permitem afirmar que a Arte e a Religião são, não somente, o Outro da Ciência, mas também da Psicologia e da Psicanálise. Para conhecermos verdadeiramente algo precisamos encontrá‐lo em seu estado de criação e não de decomposição. É aqui que cada coisa, cada ser é mensagem poética, lembrando ao homem o destino de sua viajem.
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Encontramos na literatura moderna algo como uma gargalhada de uma exultante desilusão que está se tornando contagiosa, e os cavaleiros errantes do culto incendiário estão à solta, ateando o fogo a nossos altares sagrados de adoração, proclamando que as imagens consagradas neles, mesmo que belas, são feitas de barro. Dizem que se descobriu que as aparências no idealismo humano são enganadoras, que a lama subjacente é real. De tal ponto da vista, o todo da criação pode ser compreendido como uma decepção gigantesca, e os bilhões de partículas elétricas pululantes que têm a aparência de ‘você’ ou ‘eu’ devem ser condenados como portadores de falsa evidência. (The Religion of Man; pp. 143145)
Penso que Tagore esteja criticando uma atitude do homem moderno que impregnou todas as áreas de expressão e conhecimento humano, com uma perspectiva objetiva e realista que abole o sonho e a poesia do mundo, levando o homem a um tipo de adoecimento grave: a doença da alma.
Mas quem eles procuram enganar? Se for seres como nós que possuem algum critério inato do real, então para eles estas mesmas aparências em sua integridade devem representar realidade, e não suas partículas elétricas componentes. Para eles a rosa deve ser mais satisfatória como um objeto do que seus gases constituintes, que podem ser torturados para depor contra a identidade evidente da rosa. A rosa, assim como o sentimento humano de bondade, ou o ideal de beleza, pertencem ao reino da criação, em que todos os seus elementos rebeldes estão reconciliados em uma harmonia perfeita. Porque estes elementos em sua simplicidade se rendem ao nosso escrutínio, nós em nosso orgulho somos inclinados a darlhes os melhores prêmios como atores nesta peçamistério, a rosa. Realmente, tal análise está dando somente um prêmio à nossa própria habilidade detetivesca. (The Religion of Man; pp. 143145, grifo nosso)
Infelizmente, nossa cultura tem entronizado este aspecto detetivesco provocando enormes sangrias em tudo que há de mais precioso no tesouro da humanidade. O reino da criação tem sido aviltado continuamente. Trata‐se da impossibilidade de o homem atual deter‐se frente ao mistério da criação, que devolve o homem à sua origem. A arte é fundamental como contraponto à disciplina científica, pois assim as descobertas dessa última encontram seu lugar apropriado na grande música do Homem.
Neste sentido a intervenção por meio do Acompanhamento Terapêutico, por se dar no cotidiano de uma pessoa, favorece o encontro sujeito‐sujeito, acolhendo o tempo da experiência constitutiva. O vértice artístico, neste trabalho presente através da literatura, permite que se possa articular e refletir sobre o acontecer humano preservando os fundamentos de seu ethos.
BARRETTO, K. (2007) Acompanhamento terapêutico: conhecer, tempo e arte. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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