aborto_uma visão humanística

download aborto_uma visão humanística

of 5

Transcript of aborto_uma visão humanística

  • 8/7/2019 aborto_uma viso humanstica

    1/5

    706 Estudos Feministas, Florianpolis, 16(2): 691-713, maio-agosto/2008

    Dos mais de 50 milhes de abortosinduzidos a cada ano, por todo o mundo, cerca

    de metade realizada sem condies desegurana. As interdies ao aborto no evitamsua prtica e somente o tornam clandestino einseguro. Com efeito, esse problema social

    Aborto: uma viso humansticaAborto: uma viso humansticaAborto: uma viso humansticaAborto: uma viso humansticaAborto: uma viso humanstica

    Em defesa da vida: aborto edireitos humanos.

    CAVALCANTE, Alcilene; XAVIER, Dulce(Orgs.).

    So Paulo: Catlicas pelo Direito deDecidir, 2006. 230 p.

    desperta polmica e coloca em camposopostos grupos que se autodenominamdefensores do direito escolha por parte da

    mulher e outros que criminalizam diretamenteessa ao. Tais divergncias tm sido objeto deopinies que se circunscrevem no somente aoscampos jurdicos ou da sade, como tambmao campo religioso e moral, tangendo o poderlegislativo, a mdia e a opinio pblica (p. 111).Compreendendo o aborto como um fato socialtotal,1 uma vez que o tema perpassa tanto vriasesferas da vida social como diferentes camposinterdisciplinares, abordar esse tema sempreum ato de coragem, uma vez que se refere aum problema que atinge todos os sujeitos e,

    em particular, as mulheres de uma sociedade.Nessa perspectiva, o livro Em defesa da

    vida: aborto e direitos humanos, editado pelas

  • 8/7/2019 aborto_uma viso humanstica

    2/5

  • 8/7/2019 aborto_uma viso humanstica

    3/5

    708 Estudos Feministas, Florianpolis, 16(2): 691-713, maio-agosto/2008

    Na segunda parte do livro, Humberto Costaabre a discusso tratando os aspectos da saderelativos ao aborto. Nessa entrevista, o mdicopsiquiatra e ex-ministro da sade do governoLula (20032005) responde a questes relativass falhas do planejamento familiar no Brasil, as

    quais podem ser associadas incidncia deabortos clandestinos. Fala da responsabilidadedos sistemas de sade pblico e privado, osquais devem viabilizar o acesso por parte daspessoas, dando informaes que auxiliem numapoltica de planejamento familiar mais organiza-da. Critica a viso preconceituosa e conserva-dora de alguns profissionais da sade noatendimento s mulheres que realizaramclandestinamente um aborto e que buscamatendimento nos servios de sade, mas aomesmo tempo chama ateno para o fato deque boa parte desses profissionais temconscincia de que o abortamento no Brasil realmente um problema de sade pblica.Dessa forma, finaliza sua entrevista apontandopara o fato de que esses profissionais revejamsuas concepes no que diz respeito ao tema.

    Thomaz Rafael Gollop, no artigoAbortamento por anomalia fetal, fala de suaexperincia na participao da instalao, emabril de 2005, da Comisso Tripartite para aReviso da Legislao Punitiva do Aborto. Reflete

    sobre como essa experincia demonstrou anecessidade de aprofundar as discussesrelativas Interrupo Seletiva da Gravidez (ISG),ou seja, interrupes por anomalias fetais. Como advento das ultrassonografias, ele, comomdico ginecologista, lembra que j questio-nava, h muitos anos, a Sociedade Brasileirapara o Progresso da Cincia (SBPC) sobre qualseria a atitude dos mdicos em face de umdiagnstico de patologia fetal, caso a mulherou o casal no quisesse levar adiante umagravidez com essas caractersticas. Nota que,

    passados trinta anos, o mesmo problema aindaest por ser compreendido pelos mdicos epela sociedade brasileira.

    A ginecologista e obstetra Zenilda VieiraBruno aborda em seu artigo as questes desade relativas ao Abortamento na adoles-cncia. A autora chama ateno para oatendimento precrio das adolescentes nasunidades de sade, nas quais no oferecidoapoio ou aconselhamento adequado para asjovens, que, por diversas vezes, entram no ciclorepetido da gravidez-abortamento. Ressalta que

    a incidncia de bitos na adolescncia constituiuma grande preocupao social e que suareduo, assim como a reduo da gravidez

    no desejada ou no planejada, depende demedidas eficazes que assegurem orientao,preveno e suporte psicolgico e social. Aautora traz dados de uma pesquisa realizadaem 2002 com adolescentes que engravidaram,num estudo comparativo entre as adolescentes

    que levaram a gravidez at o final e aquelasque tiveram aborto espontneo ou abortoprovocado.

    A enfermeira Carmen Lcia Luiz revela umpanorama sobre o aborto a partir de sua largaexperincia em enfermagem e, em particular,a partir de seu trabalho nos servios de atenos vtimas de violncia sexual. Nesse artigo, sobo ttulo Mulheres em situao de abortamento:um olhar sobre o acolhimento, a autora observaque diferentes consideraes sobre o abortoso construdas com bases em valores morais,religiosos e culturais. Critica a banalizao dadiscusso em torno da questo proteger odireito do feto x proteger o direito da mulher ouna polmica entre ser contra ou ser a favor.Destaca que muitas mulheres em situao deabortamento sofrem punies por parte daequipe mdica e de enfermagem e que talrealidade carece de mudanas urgentes porparte dos profissionais da sade, que, segundoela, devem ter atitudes menos investigativas epunitivas. Do mesmo modo, fala da urgncia

    em implantar estratgias de planejamentofamiliar mais eficazes, como tambm esclareceos procedimentos das Normas Tcnicas doMinistrio da Sade (1999 e 2005), as quaispropem um protocolo de atendimento svtimas de violncia sexual.

    Maria Berenice Dias, Daniel Sarmento,Roberto Arriada Lorea e Miriam Ventura nosdeixam a par das questes relativas terceiraparte desse livro, dedicada ao tema do Direito,destacando a legalizao e descriminalizaodo aborto, direitos (e deveres) constitucionais

    no Brasil e tambm em outros pases.A desembargadora do Rio Grande do Sul

    Maria Berenice Dias d destaque, em suaentrevista, lei que vigora no Cdigo PenalBrasileiro de 1940 sobre o aborto. Para ela, essalei tem como projeto preservar a moral familiarem detrimento da questo da dignidade damulher. Observa que, mesmo o aborto sendocriminalizado, isso no impede sua prtica naclandestinidade e argumenta que sua penaliza-o se d por influncia da religio e por outrosinteresses lucrativos que enfatizam a perversidade

    da ao. No cabe ao Estado, segundo Dias,definir o incio da vida, uma vez que nem acincia conseguiu faz-lo. Alm disso, de acordo

  • 8/7/2019 aborto_uma viso humanstica

    4/5

  • 8/7/2019 aborto_uma viso humanstica

    5/5

    710 Estudos Feministas, Florianpolis, 16(2): 691-713, maio-agosto/2008

    ateno s restries da legislao brasileirarelativas ao aborto em comparao a outrospases. Nele o autor critica os setores conserva-dores da sociedade que impingem opiniesparciais ao conjunto de sua sociedade demo-crtica e laica. Paixo observa que a descrimi-

    nalizao do aborto no obrigar ningum apraticar o aborto, mas que essa ao respeitara conscincia individual e os princpioselementares do ordenamento jurdico, que setornar, segundo o autor, uma realidade con-creta. De qualquer modo, o mdico e ex-depu-tado federal (PPS/SE) salienta que todo e qualqueravano nas possveis mudanas na legislaoatravs de foras progressistas devem ser vigia-das, pois sempre haver uma intensa luta dossetores conservadores contra a modernidadedemocrtica que apela para as mais autoritriasprticas de desqualificao atravs de umaindisfarvel tendncia inquisitorial (p. 210).

    Aborto no Brasil: obstculos para o avanoda legislao o ltimo artigo dessa coletneaescrito por Jandira Feghali, mdica e ex-depu-tada federal (PCdoB/RJ). Feghali fala sobre anecessidade de ampliar a discusso sobre oaborto, lembrando que, nos ltimos anos, asociedade civil vem observando o debate feitoem diversos fruns atravs da mdia. Entre outrosassuntos, d destaque Comisso Tripartite

    instalada pelo Executivo com o objetivo de revisara legislao do aborto e as discusses promovi-das pela Comisso de Seguridade Social eFamlia, que acabou por colocar em pauta oProjeto de Lei 1.135, que descriminaliza a prticado aborto no Brasil. No artigo, a autora analisaos obstculos que impedem a aprovao dessalei, a qual considerada por ela um avano nalegislao, alm de dar cabo, caso aprovada, indstria clandestina do aborto. Aborda, nessa

    discusso, dois aspectos relativos construoda legislao e contraposio aos argumentosque colocam o direito constitucional vidacomo entrave para a descriminalizao doaborto.

    O conjunto dos artigos acima abordado

    a partir de consideraes mdicas, polticas,ticas, histricas, filosficas e jurdicas sobre otema da legalizao e da descriminalizao doaborto, o que representa, segundo Silvia Pimentel(p. 7), uma contribuio notria ao debatepblico no pas. A partir das diferentes posiesapresentadas, o livro mostra um panoramasegundo o qual o aborto ilegal e inseguropredomina no Brasil, e demonstra o desafio detratar a questo a partir de uma compreensohumanstica, que tem como princpio o respeitoaos direitos humanos das mulheres.

    No tasNotasNotasNotasNotas1 Marcel MAUSS, 1974.2 A CDD uma Organizao No-Governamental feminista

    criada em 1993 por telogas, socilogas, psiclogas,

    cientistas da religio e outras profissionais.3 Entrevista concedida por Maria Jos Rosado Nunes,

    coordenadora do CDD no Brasil, aoJornal Pequeno: rgodas Multides, on line, em 17 de junho de 2007.

    Referncia bibliogrficaReferncia bibliogrficaReferncia bibliogrficaReferncia bibliogrficaReferncia bibliogrfica

    MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a ddiva: forma erazo da troca nas sociedades arcaicas.In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropolo-gia. So Paulo: EPU, 1974[1924]. v. 2.

    Rozeli Maria PortoUniversidade Federal de Santa Catarina

    Miriam Pillar GrossiUniversidade Federal de Santa Catarina