Abordagens e Perspectivas de Participação Social No Monitoramento de Políticas Públicas

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403 R. Pol. Públ., São Luís, v. 19, n 2, p. 403-410, jul/dez de 2015  ABORDAGENS E P ERSPECTIV AS DE P ARTICIP AÇÃO SOCIAL N O MONITORAMENT O DE POLÍTICAS PÚ BLICAS ABORDAGEN S E PERSPECTIVAS DE P ARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Leandro Antônio Grass Peixoto Universidade de Brasília (UnB) ABORDAGENS E PERSPECTIVAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Resumo: O presente trabalho reúne algumas das recentes abordagens sobre a participação social nas etapas das políticas públicas, considerando-as em sua complexidade de atores e elementos. Evidencia especialmente a etapa do monitoramento, cujo potencial de participação social tem sido pouco debatido nas análises sobre gestão pública na contemporaneidade.   Apresenta reexões acerca do p otencial part icipativo dos sistemas de m onitoramento, contemplando- os em sua integralidade de elementos. A partir de diferentes referenciais teóricos e práticos, pretende estabelecer, aqui, uma sucinta e relevante contribuição para o campo da gestão de políticas públicas, ressaltando a participação como fundamento dos processos democráticos no século XXI. Palavras-chave: Complexidade, ação pública, participação social, monitoramento de políticas públicas.  APPROACHES AND PARTICIPA TION PROSPECTS ON THE MONITORING OF SOCIAL POLICIES Abstract: This work brings together some of the recent approaches on social participation in public policies steps, considering them in its complexity of actors and elements. It evidences especially the stage of monitoring, whose potential for social participation has been little discussed in the analysis of public management in contemporary times. Reections on the potential for social participation of monitoring systems, contemplating them in their entirety aspects and structures are presented. From different theoretical and practical benchmarks intended to establish here a succinct and relevant contribution to the eld of public policies management, highlighting participation in support of democratic processes in the XXI century. Key words: Complexity, public action, social participation, monitoring of public policies. Recebido em: 30.06.2015. Aprovado em: 25.09.2015.

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ABORDAGENS E PERSPECTIVAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MONITORAMENTODE POLÍTICAS PÚBLICAS

Leandro Antônio Grass PeixotoUniversidade de Brasília (UnB)

ABORDAGENS E PERSPECTIVAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MONITORAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICASResumo: O presente trabalho reúne algumas das recentes abordagens sobre a participação social nas etapas daspolíticas públicas, considerando-as em sua complexidade de atores e elementos. Evidencia especialmente a etapa domonitoramento, cujo potencial de participação social tem sido pouco debatido nas análises sobre gestão pública nacontemporaneidade.  Apresenta reexões acerca do potencial participativo dos sistemas de monitoramento, contemplando-os em sua integralidade de elementos. A partir de diferentes referenciais teóricos e práticos, pretende estabelecer, aqui,

uma sucinta e relevante contribuição para o campo da gestão de políticas públicas, ressaltando a participação comofundamento dos processos democráticos no século XXI.Palavras-chave: Complexidade, ação pública, participação social, monitoramento de políticas públicas.  

APPROACHES AND PARTICIPATION PROSPECTS ON THE MONITORING OF SOCIAL POLICIESAbstract: This work brings together some of the recent approaches on social participation in public policies steps,considering them in its complexity of actors and elements. It evidences especially the stage of monitoring, whose potentialfor social participation has been little discussed in the analysis of public management in contemporary times. Reectionson the potential for social participation of monitoring systems, contemplating them in their entirety aspects and structuresare presented. From different theoretical and practical benchmarks intended to establish here a succinct and relevantcontribution to the eld of public policies management, highlighting participation in support of democratic processes in theXXI century.Key words: Complexity, public action, social participation, monitoring of public policies.

Recebido em: 30.06.2015. Aprovado em: 25.09.2015.

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1 INTRODUÇÃO

O fortalecimento da participação socialnas diversas etapas que compõem o ciclo daspolíticas públicas tem sido amplamente debatidonas ciências sociais. O entendimento de quea efetividade, a ecácia e a eciência de umadeterminada política pública relacionam-se ao nívelde controle e participação exercidos sobre esta,tem ganhado destaque na abordagem de diversosautores. A noção de que as políticas públicas sãomais do que iniciativas centralizadas no Estado,dotadas essencialmente de instrumentos técnicos eburocráticos, vem sendo gradualmente substituídapor abordagens que convergem para uma maiorcomplexidade e integralidade desses processos. Oentendimento da política como uma ação públicaleva a considerar que nas iniciativas pretendidas ao

tratamento dos problemas públicos encontra-se umavariedade de elementos, atores e representações aser considerada pelos gestores.

Essa perspectiva indica uma análise complexaacerca das políticas públicas que, fundamentadasna participação, passam a caracterizar-se poruma forte dialogicidade fomentadora de cidadania.Conferências, audiências públicas, orçamentoparticipativo e conselhos gestores exemplicam abusca pela consolidação da participação social nosdiversos ciclos das políticas públicas. Especialmentena formulação, tem sido grande a relevância das

contribuições da sociedade civil organizada, emboraainda haja muito que se avançar nessa etapa. Porém,outras etapas ainda apresentam certa incipiência noque diz respeito ao nível de controle e participaçãosocial, a exemplo do monitoramento.

Sendo assim, o presente artigo pretendeapresentar o monitoramento como uma etapasujeita à participação social, considerando que talaspecto condiciona a própria dimensão participativada política em sua integralidade. Parte-se doprincípio de que a política pública, entendida comoum objeto complexo, para que seja participativa,deva expressar essa dimensão em suas diferentes

etapas.Com base nas contribuições de Edgar Morin

(2003), Lascoumes e Le Galés (2012) e Tenório(2013), serão inicialmente apresentados os elementosque sustentam o entendimento da política públicacomo um processo de signicativa pluralidade e compotencial de promoção da cidadania se constituídoem parâmetros de participação sustentados por umarazão comunicativa. Serão apresentados elementosrelativos à teoria da complexidade, sociologiada ação pública e gestão social. Tais construtosteóricos visam auxiliar na compreensão do processo

de participação social nas políticas públicas.Em seguida, com base nas contribuiçõesde Jannuzzi (2005), Silva (2005) e Tonella (2014),serão discutidos os aspectos da complexidade

e da participação especicamente na etapade monitoramento das políticas públicas. Serádestacada relevância de se considerar o sistemade monitoramento dentro de sua multiplicidade deelementos, de tal forma que seu caráter participativose revele em variáveis e instrumentos que permitam

o controle social e o acompanhamento por atoressociais interessados na política.Em suma, o presente trabalho propõe

uma breve discussão que visa correlacionaras perspectivas de complexidade, diálogo eparticipação, constituintes da ação pública comoum todo, a partir de uma de suas etapas: omonitoramento. Seu sistema, se parte integrante deuma política que se propõe fortalecer a cidadania viaparticipação, também deve estar construído sob talperspectiva, de forma que todos os seus elementosestejam organizados e sustentados pelas mesmas.

2 AÇÃO PÚBLICA E COMPLEXIDADE

Os estudos sobre políticas públicas seconstituíram a partir de diferentes abordagensmetodológicas e conceituais. Durante um bomtempo, grande parte delas concentrou-se no papeldo Estado e em seu voluntarismo, compreendendoa política pública como uma iniciativa técnica eburocrática. O desenvolvimento do campo permitiuque as abordagens burocráticas e estatistasdividissem espaço com perspectivas que apresentamas políticas públicas como um objeto mais amplo,

chamando a atenção para elementos que vão alémdo Estado e apontando para a relevância de outrosatores.

 A fragmentação analítica não representauma exclusividade do campo das políticas públicas,mas da própria sociedade moderna, em especialda ciência. Mais do que uma demanda da própriaárea, a pertinência de abordagens integrais e maisamplas se apresenta como uma rota já apontada porvários pensadores, em especial Edgar Morin (2003). A denominada Teoria da Complexidade, centro dascontribuições deste autor, serviu de embasamento

para inúmeras abordagens nos mais variadoscampos do conhecimento. Na direção oposta àtradicional fragmentação cientíca, essa perspectivaindica a importância de um olhar holístico acercados fenômenos e de suas partes. Morin (2003, p.2) justica a relevância da complexidade tendo emvista que

[...] o princípio da separação torna-nostalvez mais lúcidos sobre uma pequenaparte separada do seu contexto, masnos torna cegos ou míopes sobre arelação entre a parte e o seu contexto.

 A abordagem complexa representauma contraposição às perspectivas lineares efragmentadas que desconsideram a historicidade

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e a multiplicidade de atores que compõe umadeterminada situação. A complexidade aplicada àsciências sociais contribui para a conexão entre asrelações que constituem um determinado fenômenoda realidade. No campo das ciências sociais podeser vericado na análise sobre a integração entre

indivíduo e sociedade:

Produzimos a sociedade que nosproduz. Ao mesmo tempo, não devemosesquecer que somos não só umapequena parte de um todo, o todosocial, mas que esse todo está nointerior de nós próprios, ou seja, temosas regras, a linguagem social, a culturae normas sociais em nosso interior.Segundo este princípio, não só a parteestá no todo como o todo está na parte.Isto acarreta consequências muito

importantes porque, se quisermos julgarqualquer coisa, a nossa sociedadeou uma sociedade exterior, a maneiramais ingênua de o fazer é crer (pensar)que temos o ponto de vista verdadeiroe objetivo da sociedade, porqueignoramos que somos uma pequenaparte da sociedade. Esta concepçãod e pensamento dá-nos uma lição deprudência, de método e de modéstia.(MORIN, 2003, p. 5).

Uma das abordagens das ciências sociaisque se relaciona com a teoria da complexidade éa Sociologia da Ação Pública. Desenvolvida pelosfranceses Pierre Lascoumes e Patrick Le Galés(2012), a concepção das políticas públicas como umprocesso que engloba múltiplos atores e aspectos,para além do Estado e sua burocracia, vem ganhandodestaque. Rompendo com o voluntarismo políticoe a unicidade estatal, esta abordagem apresentaas interações entre diferentes atores e instituiçõescomo elemento central na análise das políticas.Trata-se de entender a política pública como umainiciativa coordenada que visa à realização deobjetivos comuns associados ao enfrentamento do

problema público.Nessa linha, a ação pública é compreendida a

partir de cinco elementos, que segundo Lascoumese Le Galés (2012), constituem o pentágono dapolítica pública: atores, instituições, representações

 processos e resultados (Figura 1). Os atores, sejamindividuais ou coletivos, são guiados por interesses efazem escolhas segundo os recursos que possuem. As representações “[...] são os espaços cognitivosque dão sentido às suas ações, as condicionam e asreetem.” (LASCOUMES; LE GALÉS, 2012, p. 44).Os atores interagem por meio das instituições, que

normatizam e criam uma rotina para os processos.Por m, os resultados reetem as consequências daação pública e desse conjunto de interações.

Os mesmos autores relacionam o fracassodas políticas públicas, especialmente em sua

implementação, às fragilidades que o modelo top

down  apresenta por desconsiderar as dinâmicassociais existentes no contexto. Tal fracasso,interpretado a partir da inefetividade, ineciência  eda inecácia, associa-se a essa desconsideraçãoda complexidade das políticas, sendo este um

fator signicativo para que as ciências sociais

desenvolvam novas abordagens acerca do tema.Mais adiante, tais aspectos, em especial o daeciência, serão analisados dentro do processo demonitoramento. Portanto, a consideração da políticapública como um fenômeno dinâmico e complexopassa a vigorar, rompendo com a tradição de análisecentrada no Estado e em sua burocracia, de forma aadmitir a existência de outros fatores, especialmenteos que evidenciam a participação de diferentesatores sociais.

3 ESTADO, CIDADANIA E GESTÃO SOCIAL

 A abordagem da Sociologia da Ação Pública,apoiada e combinada com a teoria da complexidade,indica a relevância  do papel dos atores sociais esuas representações nas diferentes etapas daspolíticas públicas. O seu posicionamento nas etapasda política, em especial no monitoramento, conduz àreexão acerca das condições de participação social ede uma nova relação Estado-sociedade. A perspectivaclássica e tradicional das políticas públicas, em sua

verticalidade analítica, combinada com teoriasmodernas da administração, fortaleceu a noção degestão como uma iniciativa técnica e burocrática.No entanto, recentes experiências e abordagensdestacam uma nova concepção de gestão, sustentadapela participação intensa da sociedade civil organizadanas diversas etapas das políticas públicas. Trata-seda concepção de gestão social.

 A gestão social pressupõe o diálogo nosprocessos constituintes da ação pública que,rompendo com a instrumentalidade – em especialpor parte do Estado – das políticas, se constrói

mediante um processo que viabiliza simultaneamentea emancipação via participação. Inspirada nasanálises e abordagens da Escola da Frankfurt, anoção de gestão social se contrapõe a de gestãoestratégica (TENÓRIO, 2013). Essa dicotomia se

Processos Resultados

Re resenta ões

Atores

Institui ões

Fonte: LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. Sociologie del’action publique: domaines et approches. 2. ed. Paris: Armand Colin, 2012. P. 45.

Figura 1- Pentágono das políticas públicas

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estabelece em parâmetros que estão associadosao sentido da razão, tal como sustentado na críticados frankfurtianos, contrapondo razão instrumentale razão comunicativa.

Na gestão estratégica, os sistemas depolíticas públicas

[...] são congurados e orientadossegundo os princípios da razãotécnica (instrumental), a qual chega aidenticar-se com a razão política ouaté com a razão de uma maneira geral.(TENÓRIO, 2013, p. 15).

Nesse contexto, todo o modelo político-institucional se adequa a essa lógica que, orientadapela instrumentalidade, nega as dimensõessubjetivas do processo, em especial a ideológica.Desta forma, a contraposição entre as duasperspectivas reside justamente no fato de que

[...] enquanto no processo de gestãoestratégica, harmônico com oagir estratégico, monológico, umapessoa atua sobre a outra(s) parainuenciar a continuação intencionalde uma interação (neste tipo de açãoa linguagem é utilizada apenas comomeio para transmitir informações), sobuma ação comunicativa, dialógica,um indivíduo procura motivar

racionalmente outro(s) para que esteconcorde com sua proposição (nestetipo de ação a linguagem atua comofonte de interação social). (TENÓRIO,2013, p. 17).

 A oposição entre esses dois modelos seapresenta também nos formatos dos processosdecisórios. A gestão social pretende a substituiçãode uma relação unilateral e vertical por processosmais dialógicos, capazes de oportunizar aintervenção dos diferentes atores sociais. Orientadapor uma racionalidade comunicativa, a gestão

social pressupõe a contemplação das diferentesrepresentatividades e, sem impor suas aspirações,busca estabelecer decisões coletivas a partirda escuta das diferentes expressões. Estas,expressadas e compreendidas racionalmente,tendem a contribuir para o estabelecimento de umalegitimidade em torno da ação pública e potencializarsua ecácia.

 A gestão social, orientada por uma açãogerencial dialógica contempladora das diferentesrepresentações e atores sociais, viabiliza aemergência do que se compreende como cidadania

deliberativa (TENÓRIO, 2013). Trata-se de umanova modelagem da interação Estado-sociedade,permitindo que os cidadãos tenham acesso ainstrumentos de controle sobre as políticas públicas.Nesse processo, o indivíduo

[...] ao tomar ciência de sua funçãocomo sujeito social e não adjunto, ouseja, tendo conhecimento da substânciasocial de seu papel na organização dasociedade, deve atuar não somentecomo contribuinte, eleitor, mas comouma presença ativa e solidária

nos destinos de sua comunidade.(TENÓRIO, 2013, p. 19).

Nesse contexto, a interação dos diferentesatores deve ser compreendida a partir de umacontextualização que permita estabelecer a relaçãoexistente entre o problema público e os sujeitosenvolvidos, bem como a carga representativa esimbólica que cada grupo ou indivíduo traz consigo.Nesse sentido, é fundamental considerar a dimensãopolítica dos problemas públicos. As arenas dasações públicas são carregadas de representações

que ultrapassam a objetividade, dotando-as de umpluralismo, o qual deve ser levando em conta nãotão somente pelo corpo gestor, mas também pelosdemais atores da ação pública. Uma vez que a própriasociedade se faz representada no processo da açãopública, os atores apresentarão as característicasdo universo social em que se inserem:

Um equívoco é analisar o polo sociedadecomo homogêneo, desconsiderando queeste apresenta práticas e concepçõesheterogêneas e está atravessado porinteresses e tensões. São múltiplos ossujeitos, tanto do campo progressistaquanto do campo conservador, quese manifestam também em espaçosdiversos e multifacetados. Sãoassociações de classe, sindicatos detrabalhadores e patronais, conselhos,fóruns, redes de movimentos vinculadosa lutas especializadas (como bairros ouconjuntos habitacionais) ou temáticos(como mulheres, negros). (TONELLA,2013, p. 39).

Considerado a pluraridade histórica e

representativa dos atores e instituições de umaação pública, esta passa a ser entendida não maiscomo um empreendimento técnico e burocrático,caracterizado pela centralidade dos processosdecisórios, mas sim como um processo que seorienta por um construtivismo moderado (TONELLA,2013). A gestão da política se estabelece a partirde um sistema de ordem negociada, cujo sucessoestá diretamente associado às possibilidades demanifestação dos diferentes atores.

No entanto, tal como será apresentadoadiante, as possibilidades de participação social

não necessariamente se limitam apenas àsetapas iniciais da política pública, mas podemocorrer nas demais. Especialmente no Brasil,tem-se apresentado uma variedade de estudose experiências que indicam possibilidades de

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participação social no planejamento, execução,avaliação e, especialmente, no monitoramentodas políticas públicas. São, portanto, ilustraçõesdas noções até aqui representadas, indicando queuma visão sistêmica e complexa da ação públicapermite o reconhecimento de aspectos e atores

que ultrapassam a dimensão do Estado e fortalecea participação, potencializando a legitimidadedemocrática das políticas.

4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MONITORAMENTODAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 A consolidação da participação social nagestão das políticas públicas ainda apresentainúmeros desaos. Embora tenha ocorrido umsignicativo avanço nos processos de organizaçãoe formalização das esferas de participação, como asconferências e os conselhos populares, nota-se queainda há uma série de demandas relativas ao efetivocontrole social nas diversas etapas das políticas. Osconselhos de gestão, em seu caráter essencialmenteconsultivo, muito têm contribuído para a estruturaçãode programas, mas ainda há lacunas da participaçãosocial nas demais etapas que compõem a política. Euma delas é o monitoramento, que por vezes nãoapresenta instrumentos viáveis para um efetivocontrole social.

 As perspectivas de gestão pública doséculo XXI avançaram no que diz respeito à

transparência, comunicação aproximação entreEstado com sociedade civil. O caráter participativodas democracias vem sendo incrementado a partirde diversas experiências que visam legitimar aspolíticas públicas e romper com o voluntarismoestatal. Trata-se em de uma ruptura justicadapor argumentos que tangem a própria essênciado processo democrático, como apresentado porCiavatta (2002, p. 91):

Se as estratégias de decisão políticanão ultrapassarem os mecanismos

formais da participação pelo voto ede eleição de representantes, e nãoincorporarem as demandas formaisdo conjunto dos cidadãos, o jogodemocrático se converte num meroformalismo. O regime democráticorepresentativo torna-se um simulacroútil às dominações oligárquicas que, nahistória constitucional de nossos povos,sempre foram tão excludentes quantorepressivas.

 Apresenta-se, aqui, portanto, uma discussão

central acerca da dimensão participativa naintegralidade das políticas. Compreender a açãopública em sua complexidade, percebendo-a comoum processo que contempla variados aspectos eatores, implica também na criação de mecanismos

que sustentem as conexões de forma efetiva, enão apenas simbólica. A ruptura com o centralismodo Estado deve viabilizar canais que permitamà sociedade civil organizada participar de formaracional e consciente, compreendendo e signicandoprocessos e instrumentos constituintes da política.

Este representa um dos desaos centrais na gestãodas políticas públicas:

  A questão central que as estratégiasde participação e controle socialcolocam para a gestão é comoproceder à melhor tradução possíveldas demandas da sociedade,expressas nos documentos naisdas conferências – sejam elesrelatórios, diretrizes, ou resoluções – em políticas concretas, ajustes

e aprimoramentos dessaspolíticas. A escolha de estratégias,metodologias e instrumentos degestão a serem utilizados em todoo ciclo da política (planejamento,implementação, monitoramentoe avaliação) deve levar em contaargumentos de razoabilidade eeciência gerencial ou técnica, quesão compatíveis com os critériosdemocráticos de responsabilizaçãodos agentes estatais (organizaçõese indivíduos), transparência egarantia de participação e controlesocial. (BRANDT; BEZERRA, 2013,p. 10).

 A participação social no monitoramento daspolíticas públicas tem como um de seus principaisentraves a compreensão dos aspectos que constituemessa etapa por parte dos diversos atores sociais. Faz-se então necessário que os instrumentos constituintesdo sistema de monitoramento sejam inteligíveis eacessíveis às categorias sociais interessadas nadeterminada política. É preciso considerar que o

monitoramento, assim como a formulação da política,também representa uma possibilidade de participaçãoe controle social, não sendo apenas de interesse docorpo técnico-burocrático dos órgãos gestores. Issose deve ao fato de que

[...] o contexto do sistema demonitoramento pode ser representadopor organizações governamentaisque atuem nas diferentes esferas degoverno ou por organizações nãogovernamentais. Quanto aos agentessociais envolvidos no desenvolvimento

e implementação do sistema demonitoramento, estes podem serrepresentantes da comunidade, agentesimplementadores dos programas eagências de pesquisa públicas ou

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privadas, tendo em conta que estascaracterísticas não são excludentesentre si. (SILVA, 2005, p.122)

 Assim como os documentos resultantesdas deliberações populares acerca das políticas

públicas devem ser acessíveis e compreendidospelos gestores públicos, o mesmo vale para ossistemas de monitoramento em relação à sociedadecivil. Tratando-se de um construto analítico, ricoem elementos técnicos de ordem estatística, ainteligibilidade dos indicadores de um sistema demonitoramento certamente representa um dosgrandes entraves para o controle social. Além deseu caráter estatístico e matemático, por vezes osindicadores também carregam fortes traços técnicosem sua própria descrição, fato que potencializaos obstáculos para grupos que têm interesse nomonitoramento, mas que, devido aos pré-requisitos

interpretativos, não se habilitam para participarnessa etapa.

 A diculdade no acesso ao sistema demonitoramento reete os elementos apresentadosanteriormente e referentes à lógica racionalpredominante nos processos de gestão estratégico.Por vezes, a inacessível linguagem técnica na própriadescrição dos indicadores reete uma expressão depoder simbólico, traço da racionalidade instrumentalque rompe com ação comunicativa e bloqueia aemancipação. Os indicadores devem, portanto,ser elaborados contemplando as possibilidades

de acesso e participação por parte dos gruposinteressados na política e permitindo que o própriosistema de monitoramento se torne um instrumentode participação e controle social. Nesse sentido, opróprio corpo gestor que concebe o sistema deveestar imbuído da perspectiva complexa e dialógica:

Para o efetivo monitoramento eavaliação das políticas em geral,os gestores precisaram aprender aescrever enunciados claros para asações, que permitam a compreensão deseus objetivos, a referência a públicos-alvo, bem como metas e indicadoresconsistentes [...] Nesse contexto, háque se renar o debate em torno deindicadores – quais suas qualidadesnecessárias e, principalmente, aassociação estrita com a construçãode dados estatísticos primáriosque os alimentem. A construção deindicadores que meçam o movimentode gradientes de raça/cor ou gênero nosdiversos campos é complexa, mas nãoimpossível. (BRANDT; BEZERRA, 2013,p. 18).

Considerar as contribuições da sociedadecivil e a participação social nas diversas etapasconstituintes do ciclo das políticas públicas tende aservir para a própria qualicação das ações. Não

apenas em sua dimensão qualitativa – de promoçãoda cidadania – mas também nos resultadosquantitativos, uma política tende a ser impactadapositivamente pelo fortalecimento do controle social.Por vezes a centralidade e o voluntarismo, inclusiveno monitoramento, podem sustentar uma noção de

efetividade/eciência/ecácia que não corresponde, defato, aos aspectos fundamentais do problema público.

Isso se justica pelo fato de que, embora oEstado tenha condições e recursos para identicare compreender os variados elementos de umadeterminada realidade na qual se implementauma política, os atores sociais, cotidianamenteconfrontados pelo problema, possuem signicativalegitimidade para interpretar os impactos e asmudanças que ali ocorrem. Nesse sentido,vale destacar que a plenitude do sistema demonitoramento passa, fundamentalmente, pela

escuta e participação destes atores, uma vezque nem sempre os indicadores por si sós serãocapazes de expressar a efetividade da política.Sendo assim,

[...] a opinião da populaçãoatendida por um programaé certamente importante,desejável e complementarem qualquer sistemáticade monitoramento eavaliação, trazendo

subsídios para a correçãoe melhoria do processode implementação dosprogramas e tambémindícios da efetividadesocial desses programas,especialmente aquelesdifíceis de seremmensurados em umaescala quantitativa.(JANNUZZI, 2005, p. 144).

Retoma-se aqui a importância sobre aabordagem da complexidade no estabelecimento deuma ação pública dialógica. As diversas variáveisque compõem o sistema de monitoramento devempermitir que a participação se estabeleça (Quadro1). Dado o enfoque na dimensão dos indicadores,Silva (2005) aponta também para uma concepçãointegral do sistema de monitoramento, de formaque o controle social e o diálogo se estabeleçamem todas as variáveis de operacionalização dessesistema. Nesta concepção, além de se contemplaros próprios atores sociais como uma variável, o

caráter participativo do sistema se expressa nosdemais elementos, desde os objetivos e conceitos,passando pelas metodologias e níveis de análise atéo próprio processo de publicização desse sistema.Em todos eles a perspectiva participativa deve ser

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contemplada, de forma a permitir efetivamente umsistema de monitoramento aberto ao controle social.

Quadro 1 - Variáveis de operacionalização dosistema de monitoramento

1. Objetivo geral

2. Objetivos específcos

3. Conceitos

4. Metodologia

5. Nível de análise

6. Contexto

7. Atores sociais envolvidos

8. Publicização

Fonte: SILVA, Maria de Fátima. Modelo de referência para análisee desenvolvimento de sistemas de monitoramento

de intervenções de governos municipais no campohabitacional. 2005. 382 f. Tese (Doutorado em Engenhariade Produção) - Universidade Federal de Santa Catarina,Florianópolis. 2005. p. 306.

Por m, nesse contexto emerge a questãoacerca das condições que, se não pré-existentes,devem ser dadas para que os grupos e atoresse tornem capazes de participar ativamente domonitoramento. As instituições responsáveis pelaspolíticas devem agir como espaços de facilitação,tomando a comunicação como princípio naestruturação do sistema de monitoramento. À

medida que isso se torna cada vez mais recorrente,agrega-se eciência na política, uma vez que vãosendo potencializados os grupos de interessee demais atores sociais quanto ao domínioconceitual, programático e técnico da política. Oincentivo à participação também se apresentacomo um elemento determinante. É preciso que apopulação sinta-se parte e perceba os benefíciosdesse processo, tomando os resultados da políticacomo causa e consequência de seu própriodesenvolvimento. Retoma-se, aqui, a ideia de quea dimensão participativa tende a reetir no própriosucesso da política, tendo em vista que a

[...] eciência depende do acúmulo deexperiência da ação coletiva, por parteda população, que permita a formaçãode capital social local e da existênciade formatos institucionais adequadosque capacitem os grupos para o debate,formulação de propostas e a criaçãode incentivos seletivos à participação.(SILVA, 2005, p. 197).

Desta forma, pensar um sistema de

sistema de monitoramento que se integre a umaconcepção complexa de participação social implicanecessariamente em pensar este sistema deforma complexa e dialógica. É preciso que seuselementos estejam apoiados em uma racionalidade

comunicativa, que não sendo apenas inteligível eacessível, também sirva como base de participaçãoe controle social.

5 CONCLUSÃO

 A condição do conhecimento na modernidade seestabeleceu dentro de uma perspectiva fragmentadae essencialmente linear. Tal característica ainda nacontemporaneidade se expressa não tão somentena própria construção dos saberes, mas também emsua aplicação. Entre as alternativas de ruptura dessanoção acerca do conhecimento, encontra-se a teoriada complexidade. Enquanto uma proposta cientícade dissociação com esta tendência, esta vem sendocada vez mais apropriada por diversos camposanalíticos e práticos, entre eles as políticas públicas. As abordagens mais recentes do campo apontam

para um entendimento mais integral das açõesdo Estado, dissociando-as de uma centralidade epercebendo-as como uma ação que se relacionaa outros atores e instituições. Constrói-se então aperspectiva da ação pública.

Nessa perspectiva a resolução dos problemaspúblicos passa pela interação entre diversoselementos que, combinados e considerados,tendem a se reetir no próprio sucesso daspolíticas públicas. Considerar a ação públicacomo um processo integral e dialógico implica,consequentemente, no fortalecimento da dimensãoparticipativa dos atores sociais, capazes de exercer

controle desde a formulação até a avaliação daspolíticas públicas.

Muitos são os desaos que se apresentamna consolidação dessa participação nas diversasetapas que compõem o ciclo das políticas públicas.Entre eles, vale destacar os que estão associadosà participação no monitoramento das políticas,predominantemente sistematizado sob umaperspectiva técnica e instrumental. Experiências epesquisas de processos de gestão têm apontadopara alguns aspectos que merecem atençãono fortalecimento da dimensão participativa do

sistema de monitoramento. Entre eles destaca-se arelevância de um conjunto de indicadores que sejamacessíveis e inteligíveis aos atores interessados napolítica, além de um sistema que, como um todo,esteja sustentado dentro de uma razão dialógica emsuas diversas variáveis.

Pensar as políticas públicas como processoscomplexos e dialógicos implica, consequentemente,em estabelecer em suas etapas estes mesmosprincípios. No caso do sistema de monitoramento,uma vez que este se constitui como parte de umobjeto que se pretende a ser controlado e passível

de participação, também deve estar constituídodentro da mesma perspectiva. Em suma, umapolítica pública que permita a participação deveestar construída sobre processos, instrumentos einstituições que sejam essencialmente participativos.

8/17/2019 Abordagens e Perspectivas de Participação Social No Monitoramento de Políticas Públicas

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R. Pol. Públ., São Luís, v. 19, n 2, p. 403-410, jul/dez de 2015 

Leandro Antônio Grass Peixoto

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Leandro Antônio Grass PeixotoSociólogoDoutorando do Programa de Pós-Graduação emDesenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacionaldo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares(CEAM) da Universidade de Brasília (UnB)E-mail: [email protected]

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