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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Daniele Dionizio dos Santos Nº USP: 8029271 Danilo Willian Cruz Nº USP: Curso: Ciências Sociais Disciplina: Sociologia da Educação Professora: Sylvia Gemignani Garcia Turno: Noturno Reflexos da posição social da família na escolarização dos jovens A escolarização de um jovem é um processo cujos resultados são influenciados por uma diversidade de elementos, como o capital cultural de suas famílias, o meio social em que vivem e o capital econômico a disponível para a educação desse indivíduo. Neste trabalho, propomos uma discussão da relação entre recursos econômicos familiares e seus reflexos na escolarização dos filhos, ou seja, como as estratégias familiares para o sucesso da prole são determinadas pela questão econômica do meio doméstico. Para essa discussão, foram selecionados estudos que tratam sobre o processo de escolarização em diferentes setores sociais. A trajetória escolar dos filhos de famílias pertencentes a camadas populares que ingressaram em cursos de prestígio em universidades públicas é estudada por Écio Portes. Fazendo uso do conceito criado por Bourdieu, Portes define esses jovens como superselecionados, uma vez que tiveram trajetórias escolares brilhantes, inusitadas no contexto social e econômico em que estão inseridos. Esse contexto é marcado por famílias de baixo capital cultural e econômico, que atuam de maneira precária na escolarização de seus filhos, por meio de planos inconstantes e de curto prazo. Portes nota que, na idade escolar, muitos dos alunos pesquisados, tiveram (por meio da intercessão de professores e amigos) a oportunidade de frequentar colégios particulares ou cursinhos. A partir desse contato, houve mudanças na atmosfera social desses jovens, que

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Daniele Dionizio dos Santos Nº USP: 8029271

Danilo Willian Cruz Nº USP:

Curso: Ciências Sociais

Disciplina: Sociologia da Educação

Professora: Sylvia Gemignani Garcia

Turno: Noturno

Reflexos da posição social da família na escolarização dos jovens

A escolarização de um jovem é um processo cujos resultados são influenciados por uma

diversidade de elementos, como o capital cultural de suas famílias, o meio social em que

vivem e o capital econômico a disponível para a educação desse indivíduo. Neste trabalho,

propomos uma discussão da relação entre recursos econômicos familiares e seus reflexos na

escolarização dos filhos, ou seja, como as estratégias familiares para o sucesso da prole são

determinadas pela questão econômica do meio doméstico. Para essa discussão, foram

selecionados estudos que tratam sobre o processo de escolarização em diferentes setores

sociais.

A trajetória escolar dos filhos de famílias pertencentes a camadas populares que ingressaram

em cursos de prestígio em universidades públicas é estudada por Écio Portes. Fazendo uso do

conceito criado por Bourdieu, Portes define esses jovens como superselecionados, uma vez

que tiveram trajetórias escolares brilhantes, inusitadas no contexto social e econômico em

que estão inseridos. Esse contexto é marcado por famílias de baixo capital cultural e

econômico, que atuam de maneira precária na escolarização de seus filhos, por meio de

planos inconstantes e de curto prazo.

Portes nota que, na idade escolar, muitos dos alunos pesquisados, tiveram (por meio da

intercessão de professores e amigos) a oportunidade de frequentar colégios particulares ou

cursinhos. A partir desse contato, houve mudanças na atmosfera social desses jovens, que

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passaram a se relacionar com jovens de classe média, no qual a competitividade e a busca do

sucesso estão mais presentes. Esse contato acaba impulsionando os jovens das classes

populares que, apoiados por suas famílias, passam a programar um futuro escolar que

ultrapasse os limites impostos pelo contexto social e econômico ao qual pertencem.

Além desse fator, há também um conjunto decircunstâncias atuantes: a) educação de ordem

moral dada em casa, voltada à construção de uma ética de honestidade; b) atenção com o

trabalho escolar dos filhos por meio da vigilância e participação em sua vida escolar; c)

esforço para compreender e apoiar os filhos, por meio de incentivos e garantias de bem estar

físico, inclusive durante a graduação; d) por meio de “redes de apadrinhamento” formadas

por professores e amigos que utilizam de sua influência para que o jovem possa ter melhores

oportunidades e condições na vida escolar; e) apoio material dos pais aos filhos, ainda que

seja necessário uma dupla jornada de trabalho ou empréstimos; f) um grupo de coesão e

apoio.

Nota­se, portanto, que nas classes populares, a família tem importante papel na constituição

da vida escolar dos filhos. Esse papel não pode ser negado mesmo nos casos em que há um

“brilhantismo” individual em relação ao trabalho escolar.

Geraldo Romanelli, ao fazer uma análise sobre a relação das famílias de classe média com o

processo de escolarização, disserta sobre a importância da popularização do acesso ao ensino

superior. Esse fenômeno se deu, principalmente, devido às demandas do mercado de trabalho,

que fez surgir uma gama de universidades particulares adaptadas às necessidades dos

estudantes que precisam trabalhar para complementar sua renda.

De acordo com o autor, o acúmulo de capital cultural (proveniente, principalmente, de títulos

universitários) é essencial para a continuidade do processo de ascenção social das famílias de

classe média. Nesse contexto, a família deve garantir ao jovem acesso ao capital escolar,

para tanto, é traçado uma estratégia contínua a longo prazo.

Ao educar seus filhos, as famílias de classe média têm o papel de fornecer apoio afetivo, uma

vez que os pais, no geral, não contam com uma grande acúmulo de capital escolar. Isso

demonstra que, além de garantir a continuidade do processo de ascenção econômica, os filhos

têm a incumbência de superar os pais no que tange aos títulos acadêmicos. Nesse contexto, os

jovens têm determinada autonomia e consentimento de seus pais para escolherem a profissão

que querem seguir. Portes chama esse fenômeno de tríplice autorização, definida como um

processo no qual o filho se autoriza a seguir uma profissão diferente dos pais, os pais

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autorizam o filho em sua escolha profissional e o filho autoriza seus pais a seguirem seus

estilo de vida, respeitando suas vivências e o contexto em que exerceram sua escolarização.

Dessa forma, a família não interfere nas escolhas dos filhos, ainda que exerça influência e

seja responsável pelo apoio moral e econômico, lidando com as despesas do jovem até que

ele obtenha o título de graduado, ainda que boa parte desses jovens optem por trabalhar, a fim

de garantir determinada independência financeira.

Em relação, à escolarização das elites, Michel Pinçon e Monique Charlot­Pinçon realizaram

um estudo sobre como os filhos da velha burguesia e dos antigos nobres franceses se

relacionavam com o processo escolar a partir de suas linhagens familiares. Os pesquisadores

notaram, entre outras questões, a forte presença do espírito dinástico nessa família,

perpetuado por uma lógica de educação de honra aos antepassados voltada para a manutenção

do poder.

Essa manutenção se dá por meio da transmissão dos capitais econômico, cultural e simbólico

para as novas gerações, de maneira a preservar o status quo e a linhagem das famílias. De

acordo com os estudiosos, essa transmissão se dá por meio de três linhas de atuação.

A primeira delas é o papel da família: meio de transmissão de poder simbólico (linhagem do

nome) e de capital econômico acumulado por gerações. O jovem aprende a administrar sua

fortuna, patrimônios e negócios dentro da propriedade familiar, local de erudição e cultura.

Essa casa é frequentada por parentes e pessoas influentes e é nela que o jovem tem o primeiro

contato com a arte (quadros, livros e ensinamentos dos mais velhos), formando ali um gosto

refinado, que faz parte do processo de acúmulo do capital cultural. Outro elemento da casa é

a aprendizagem da história de seus antepassados, geralmente narrada de maneira gloriosa, o

que gera respeito pela história e pelos bens da linhagem. Além disso, desde a infância, o

herdeiro é educado em espaços amplos, que induzem falas públicas e etiquetas sociais

específicas. Dessa maneira, além de acumular capital cultural, esse jovem desenvolve um

sentimento de honra à sua ascendência, se construindo como sujeito social das elites.

Nesse contexto, a escolarização das elites estudadas tem por finalidade consolidar a educação

recebida pela família, por meio de uma metodologia que desenvolve o espírito de

autocontrole e gestão de recursos. A importância do espaço escolar se dá, principalmente,

pela criação de redes duradouras de contatos e influência entre os estudantes a socialização é

fator muito importante.

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A última das três linhas de educação aos herdeiros das grandes elites francesas são os

Rallyes, clubes exclusivos, criados e geridos pelas mães desses jovens, Os Rallyes são

voltados ao treinamento de técnicas sociais, como a manutenção de determinada postura e

assuntos a serem tratatos. Além disso, esses clubes propiciam uma importante e vantajosa

vivência entre pessoas da mesma camada econômica, social e cultural.

Para as elites francesas, os projetos e expectativas estão conectados às práticas, uma vez que

o processo educativo tem como objetivo interiorizar nos herdeiros a necessidade da

manutenção do status ao qual eles pertencem.

A partir dos estudos analisadas, é possível notar que a posição social e econômica das

famílias influenciam diretamente no processo educativo dos indivíduos, uma vez que

determina as possibilidades de movimentação dos mesmos, ou seja, a trajetória dos seus

ascendentes pautam seus anseios profissionais.

Mesmo em casos em que a trajetória escolar sofre forte influencia de fatores externos ­ como

é o caso dos jovens pertencentes às camadas populares que conseguiram acessar escolas

particulares ­, é a família que fornece os principais incentivos para que ocorra o acúmulo de

capital cultural por meio de diplomas de nível superior e outras conquistas escolares que

ultrapassam as dos pais, como é o caso das famílias de classes médias. Já os herdeiros das

elites francesas são educados com a missão de gerir capitais econômicos, simbólicos e

culturais a fim de perpetuar os bens de sua linhagem e transmitir o que lhes foi confiado para

as futuras gerações.

Pode­se afirmar, portanto, que o processo educativo se dá a partir dos interesses dos grupos

familiares em aumentar os diferentes tipos de capitais para as futuras gerações, reproduzindo

uma lógica de apoio aos herdeiros e autorização da superação dos mesmos em relação às

trajetórias de seus antepassados.

São Paulo, 25 de setembro de 2015.

Referências bibliográficas

PINÇON, Michel; PINÇON­CHARLOT, Monique. A infância dos chefes – a socialização

dos herdeiros ricos na França. In: ALMEIDA, Ana Maria F. de & NOGUEIRA, Maria Alice

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(Org.). A escolarização das elites. Um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis/RJ:

Vozes, 2002. p. 11­28.

PORTES, Écio A. O trabalho escolar das famílias populares. IN: NOGUEIRA, Maria Alice;

ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Org.). Família e escola. Trajetórias de escolarização

em camadas médias e populares. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p. 61­80.

ROMANELLI, Geraldo. Famílias de camadas médias e escolarização superior dos filhos – o

estudante­trabalhador. In: NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir

(Org.). Família e escola. Trajetórias de escolarização em camadas médias e populares.

Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. p. 99­123.