A Violencia Arcaica Em Alagoas

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    A VIOLÊNCIA ARCAICA EM ALAGOAS:O FANTASMA QUE JÁ NÃO ASSUSTA, APENAS

    INCOMODAEdson José de Gouveia Bezerra

    RESUMO: Atualmente em Alagoas, a questão da violência está articulada a uma formaçãodiscursiva mediante a qual, não se atenta para os detalhes das particularidades históricas denossa colonização. Neste sentido, a proposta do presente artigo é vasculhar algumascaracterísticas dos nossos arquivos históricos, no sentido de que, através de uma reflexãodesenvolvida a partir de nossas arqueologias, desenvolvermos uma reflexão sobre o atualquadro e recrudescimento dacultura da violência que atualmente cresce e se avoluma noEstado de Alagoas.

    Palavras-Chave: Violência. Cultura. Alagoas.

    Os Marcos de Origem

    A violência? Ah, a violência, nós não podemos passar sem ela.(Rubens Jambo, jornalista e escritor alagoano)

    A violência que atualmente se alastra em Alagoas tem raízes profundas e, no

    particular, ela aponta para características específicas de nosso processo de colonização,o qual, inserindo-se no geral da colonização, teve características próprias, pois, mesmoque o lugar comum da formação histórico-cultural alagoana tenha se mantido no mesmomodelo do quadro colonial - patriarcal escravocrata – e no geral marcada por umcotidiano debranco escravizando e matando índio, de índio matando branco e índiomatando índio, de negro escravo, de negro revoltado, de quilombos e de guerras permanentes pela posse da terra e pelo poder , a colonização alagoana apresenta

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    algumas particularidades, dentre as quais, amatança genocida dos Caetés e a existênciae destruição da República de Palmares1 são marcos expressivos ediferenciasoriginárias. Foram estes eventos, enquantosuplementos 2 primitivos e associados aocomum da colonização, os responsáveis por diferenças ancestrais no território alagoano.Vai ser a partir da particularidade dessesmarcos de origem que se constituiuhistoricamente as particularidades que o pensamento social identifica em Alagoas a persistência de umacultura da violência.

    Diante do genérico de umacultura da violência, se torna necessário pontuarmosalgumas particularidades históricas na consolidação da sociedade alagoana.

    O isolamentohistórico-geográfico dos primitivos espaços de Alagoas, eis uma

    primeira particularidade histórica. Os relatos sinalizam ter sido o atual espaço alagoano,uma geografia diferencial com o restante da província, uma diferença que ao longo dotempo se consolidaria por critérios geográficos, econômicose históricos-culturais. Comrelação a estas diferenças, Dirceu Lindoso (2000) e Ferreira (2002) salientam trêscritérios diferenciadores dos primitivos espaços alagoanos. Quais sejam:

    a) Geográficos.

    A primeira partição cartográfica das terras do sul do antigo Pernambuco, istoé, das terras sub-unenses, fê-la a administração holandesa-flamenga daCompanhia das Índias Ocidentais. Do rio Una ao rio Santo Antônio Grandedesignou de Alagoas pars borealis, cujo pólo de colonização era Porto Calvo, edo rio Santo Antônio Grande ao rio São Francisco designou de Alagoas parsmeridionalis, cujo pólo de colonização era Penedo. Ambas pertenciam aPerfecturae de Pernambuco.O topônimo Alagoas Boreal não é uma invençãotardia de historiadores, mas uma realidade geográfica e política nascida dasnecessidades da conquista, ocupação e colonização luso-tropical no espaçoatlântico da América do Sul. A administração holandesa-belga da colônia daCompanhia das Índias Ocidentais apenas deu realidade a essa expressãogeográfica e histórica: as Alagoas (Lindoso, 2000: 34, grifo nosso).

    b) Critérioseconômicos, os quais, somados às especificidades geográficas,apresentavam algumas características particulares neste lado sul da capitania:

    (...) constatamos que nos primeiros tempos (pelo menos até a terceira década doséculo XVII), delineava-se uma situação diferente:o sul da Capitania de Pernambuco mostrava uma tendência para se tornar uma fonte permanente de

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    c) E característica especificamenteculturais identificadas nos primitivosmoradores da terra pelo olhar holandês no século XVII:

    Verdonck calcula que do rio de S. Francisco até aí [Una, já no atual território dePernambuco], no espaço de d‟umas 20 milhas, po dem morar cerca de500 a 600homens, quase todos mestiços e gente muito má. (Ferreira, 2002: 43, Grifonosso).

    Aprofundando as particularidades das diferenças originárias, Ferreira especificaalgumas características de Alagoas no que se refere às particularidades de seuisolamento cultural.

    Considerando que tínhamos (...)uma sociedade iletrada, onde não havia a palavra impressa, que permitiria a circulação de idéias (...). No inóspitoterritório não havia o sentimento de conquista, apenas a determinação de fazera vida explorando a terra de acordo com a vontade da coroa (Ferreira, 2002: 11,grifo nosso).

    Isolamento de tal ordem que possibilitaria uma forma específica na estrutura de poder de mando dos detentores da autoridade local:

    O senhor dominava não apenas a vida familiar, mas também a social, cujasnormas, regulamentos, enfim, o governo serão instituídos sempre em função dosseus interesses. A “autoridade imensa do pater -famílias”, para usar umaexpressão de Sérgio Buarque de Holanda, parece que foi mais forte aqui emAlagoas. A objetivação da realidade alagoana, no período estudado, mostra-nos já em andamento a formação de estruturas familiares (senhoriais) com umcaráter marcadamente autoritário e explorador(Idem: 35, grifo nosso).

    Diante da conjuntura dos primeiros séculos de colonização, em comparaçãocom o impacto das ressonâncias históricas das influências culturais dos holandeses edos portugueses em Pernambuco3, o território que hoje compreende o Estado de

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    Alagoas, além de seu isolamento, as heranças alagoanas ficaram por conta das ruínas edas guerras de conquista e destruição.

    Temos que no espaço primitivo do que hoje se entende por Alagoas,

    originalmente ter sido um lugar demassacres e de violências primordiais, diante dasquais, o ser Homeme se tornar sujeito da lei, foi determinado pelo enfrentamento diáriocom o visceral da violência.

    Acontecimentos de origem, palco de cenas primitivas e eventos fundadores de práticas e relações sociais, o genocídio dos Caetés ao Sul, e dos Potiguaresao Norte, eo engendramento e a destruição da República de Palmares4 , foram eventos marcantes eesclarecedores quando procuramos identificar as particularidades de uma violência

    especificamente alagoana. Sobre as particularidades desses suplementos originários, ohistoriador Sávio de Almeida expõe do seguinte modo as razões civilizatórias dogenocídio:

    É com a quebra da resistência destes mesmos caetés, que se terá a liberação de parcela litorânea e, ao mesmo tempo, maiores facilidades de penetração aos sertões. Era necessário o genocídio para ganhar-se um regime de água e de solo para a cana-de-açúcar.O ingresso do capital nas Alagoas se faz demarcado porextrema crueldade de conquista. Será da mesma forma que se fará a liberaçãoda área palmarina, dando acesso às terras férteis dos vales do Mundaú e do Paraíba, dois caminhos de mata de extrema importância, inclusive, pelos seusroteiros de água. A mudança teria de acontecer no significado da terra seriaacompanhada pela prática da violência branca. Deste modo, a empresa colonialfundava-se sobre a morte física e a morte cultural. Assassinava-se, pelo fato deque era necessário aniquilar uma cultura, um determinado modo de apropriaçãodo espaço; um sistema de vida; simulava-se, contudo, nas mais diversas formasde representação, o índio como autor da violência, maneira como o assassinotransferia suas culpas para s vítimas (Almeida,1996, Cap. III: 12, grifo nosso).

    Diante do exposto, teria sido o extermínio dos Caetés e a destruição de Palmares

    os movimentos possibilitadores do acesso à posse da terra ao colonizador.Todavia, torna-se uma questão polêmica a colocação de ter sido o genocídio dos

    Caetés uma necessidade para a implantação da economia açucareira em Alagoas. Pelomenos é que se pode concluir a ser verdade as particularidades históricas da colonizaçãoalagoana apontada por Ferreira (2002). Segundo os dados recolhidos pelo autor a partirdas observações de um estudioso do período holandês, José Gonçalves de Mello, o

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    desenvolvimento e implantação de uma economia açucareira em Alagoas somente seefetivaria com a posterior expulsão do colonizador holandês. Na época da colonização edomínio batavo, o território do que hoje se entende por Alagoas, de um total de 117

    engenhos existentes na província, contava apenas com 10 engenhos. Se levarmos emconta a classificação dos engenhos em três categorias,os sumamente bons, os de menor porte e os de terceira categoria,Alagoas possuía apenas um engenho sumamente bom,sendo os demais classificados dentre as categorias demenor porte e de terceiracategoria sendo ainda que, em sua maioria – dez ao todo – quase todos se localizavamna atual região norte do estado (Porto Calvo) e apenas um estava situado no atualmunicípio de Marechal Deodoro. Deste modo, a produção de açúcar no que hoje se

    entende por Alagoas, representava apenas 5% do total produzido em toda província.Segundo Ferreira, do “total geral da produção (479.642 arrobas), a produção alagoana

    correspondia a 5% (24.381 arrobas) (Ferreira, 2002: 212). Deste modo, não teria havido umarazão instrumental para a matança dos

    Caetés, mas guerra de extermínio. Violência pura,vendetta.Como sempre perversa, o extermínio dos gentios antropofágicos vai ser um

    mero pretexto do colonizador para as razões da matança.

    É em tal contexto que se instala a complexidade de umaviolência primordialnosomatório de rituais, a partir dos quais a banalidade da violência se torna uma práticavivenciada em disputas e guerras sangrentas, das quais, o extermínio caeté vaiexemplificar a sanguinolenta ocupação da terra pelo colonizador em Alagoas.

    Forma-se neste isolado da província, uma configuração de disputa pelo poder, oqual, apoiado nasarticulações das parentelas juntamente com a cooptação e apoio dossegmentos populares, vai determinar uma extrema crueldade nas disputas políticas.

    Comentando sobre as disputas entre Lisos e Cabeludos5

    , ocorrida em meados do séculoXIX, Dirceu Lindoso especifica ter sido “a intervenção oligárquica permanente e ainterferência de segmentos populares que deram a estas rebeliões o seu máximo decrueldade de intolerância” (Lindoso, 1985: 65/66).

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    Aprofundando as particularidades das diferenças alagoanas, Almeida especificaainda ter sido a destruição dos Quilombos dos Palmares um marco fundamental para aestruturação formal de uma estrutura de poder. Segundo ele:

    (...) a matriz da produção correspondia a um determinado tipo de sociedade quese implantava. O território estava integrado à capitania de Pernambuco. Logoapós a queda de Palmares há uma primeira formalização administrativa, com acriação da Comarca das Alagoas, no que se introduzem modificações no sistemaimplantado, quando, pelo menos, três elementos fundamentais podem serevidenciados: (a) a existência de uma identificação territorial, (b) a dinamizaçãodos negócios e o fator principal (c) a segurança (Almeida, 1996, Cap. IV: 3).

    Situando-se o território alagoano no lado sul da capitania e tendo se tornado um

    local de passagem e campo de guerra na disputa entre portugueses e holandeses,teremos uma confluência e sobredeterminação de dois de eventos -extermínio Caetée aconsolidação e a destruição de Palmares -determinantes na estrutura de poder local, daqual, a violenta ocupação da terra e as guerras de extermínio seriam uma das particularidades originárias da formação sócio-cultural alagoana.

    A especificidade de Palmares pode ser avaliada em suas ressonâncias, quando asevidências empíricas indicam que a revolta dos negros por liberdade não cessaria ali.

    Uma vez dominada, a rebelião palmarina se tornaria um fantasma na imaginação diáriados colonizadores que passariam a desenvolver o suplemento paranóico dos sentimentos persecutórios. É para esta particularidade que nos aponta Almeida:

    A queda da resistência palmarina, não vai corresponder à quebra da resistência na área;o problema é que se rastreou, muito pouco, o que aconteceu após a chamada derrocada,desde que a maioria dos ensaios estavam preocupados enfaticamente com odesenvolvimento da história dos Palmares, mas não avançaram após a morte de Zumbi(...) (Almeida, 1996, Cap. II:42).

    De tão “ concreta” e “ real ”, Palmares provocaria curiosas alterações no poder demando. No ano de 1670, o então Governador das Capitanias de Pernambuco, Fernão deSouza Coutinho, ao decretar a proibição contra o uso de armas em toda província,interdita o referido decreto nas imediações de Palmares. Enquanto um texto da lei, oconteúdo é explícito:

    (...) se não compreenderá este bando a nenhuma pessoa de qualquer qualidade,ou sorte que seja, das que se acharem nas fronteiras dos palmares – a saber –

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    Rio de São Francisco, Alagoas, Porto Calvo, Una e Serinhaem, por estaremvizinhos do dito palmares, para cuja defesa se lhes concede o uso das ditasespingardas nos ditos distritos (Almeida, org. 2004:97 grifo nosso)6.

    O que significava que nos espaços geográficos alagoanos, Rio São Francisco,Alagoas7, Porto Calvo, etc., estaria sendo permitido o uso das armas. Com os ataquesquilombolas no entranhado das matas, a morte andava por perto.

    E foi nesta articulação de fatos históricos engendrados de relações entranhadasno diuturno da violência, que vai se consolidar um latifúndio altamente excludente.Ainda segundo Almeida “ não se poderia pensar no estabelecimento de pequenasunidades produtivas, no que se tem a importância do mercado e demais componentes

    externos, interferindo no fazer-se da sociedade colonial ” (Almeida, 1996, Cap III: 6). Foi nestas condições que tivemos a montagem de uma sociedade articulada pelo

    patrimonialismo e pela expropriação da mão de obra africana e índia. Especificamente,enquanto a mão-de-obra negra seria legitima e legal, a índia seria colonizada einstrumentalizada nos espaços militarizados dos aldeamentos:

    Com ele gerava-se um determinado tipo de nucleação, correspondendo avantagens para a sociedade branca, que se ligava à aldeia por uma hierarquização

    militaresca a cumprir uma dupla função; era um instrumento de ligação e dedominação. Os brancos necessitavam jogar com o controle interno doaldeamento e teriam de operar agentes no campo da hierarquia, serviços ereligião. Com o controle, a sociedade branca tinha a possibilidade de gerarmúltiplas manobras, garantindo-se em força de trabalho, arcos, tarefas do tipoalçada, reforço de corpos em guerras particulares e até mesmo contra os próprios índios(Almeida,1996, Cap VII: 3, grifo nosso).

    A articulação e o uso dos índios para a violência não deixa dúvidas quanto aosseus usos e abusos -“reforço de corpos em guerras particulares e até mesmo contra os

    próprios índios”. Guerras particulares com o uso de pobres contra pobres, índio contraíndio, negro contra negro. Era a pobreza mobilizada contra a pobreza geral, jamaisdeixando o poder de especificar ser o uso da violência uma de suas prerrogativas8. Alegitimidade da violência da luta contra Palmares engendrou inclusive a possibilidadedo perdão dos criminosos em troca de seu engajamento na guerra contra os negros. Esta

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    particularidade foi claramente especificada pelo decreto de El Rei, o qual, através do poder de mando do então Governador da província determina as pré-condições daindulgência:

    (...): ordeno que nenhum criminoso, em parte que for ela, possa ser presoenquanto durar as conquista e nela militar , não sendo o crime gravementeescandaloso ou dos executados pelas ordenações, a saber: lesa-majestade, moedafalsa, sodomia ou resistência, porque estes reserva as leis e as ordens de SuaAlteza e apresentando-me certidão de como resistiram e procederam ao sitoSenhor, para que por este serviço se lhe mande perdão geral de todos os homensnobres que forem à dita jornada, serão preferidos aos mais lugares e honras da República (sic) como defensores dela, e se lhes passarão certidão de seu procedimento para requererem a sua Alteza, que, sem dúvida, lhes deferira assuas pretensões por este serviço, com particular atenção;e nenhuma pessoa que for a esta jornada e tirar certidão de como nela assistiu, poderá ser presa para o socorro de Angola em qualquer ocasião de leva que suceda (Almeida, org.2004:99/100, grifo nosso)..

    Crimes perdoados e cargos ofertados pelo poder do Rei. Por ai se encaminharam ostraços de uma violência que atravessaria os tempos e se tornariaherança e símbolo de status sendo então neste sentido que Almeida mos aponta ser a violênciaum elementochave para a construção da sociedade colonial, como se pode demonstrar apelando para os inícios desta mesma matriz, com o indigente caeté (Almeida, 1996, Cap. III: 6).

    O preço do escravismo foi a sociedade branca em atalaia, sendo esta umasituação que se esclarece quando atentamos para a observação de Dirceu Lindoso sobreo somatório dos mocambos aos arredoresde Palmares, os quais segundo os cálculos dealguns cronistas chagavam a “ cerca de 30.000 negros fugidos” (Lindoso, 2000: 52).

    Estes dados são esclarecedores no entendimento sobre a consolidação de doissentimentos que Clóvis Moura e Moacir Santana vão identificar entre os colonizadores:a síndrome do medo e osterrores pânicos9.

    Sobre a permanência e a descontinuidade deste sentimento, Almeida especificado seguinte modo as conseqüências dasarticulações especulatorias de seu mecanismo:

    Há um que diabólico nesta síndrome do medo, na medida em que passa ademonstrar uma sociedade branca permanentemente armada, no exercíciodiuturno de confirmar as suas bases, sobre um lastro perverso. A síndrome domedo demonstrava que a sociedade branca entendia a sua vida pela morte do

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    negro e, daí, derivam os temores. É daí, que derivam os temores, pois a idéia donegro livre, obrigatoriamente, subvertia os princípios em que a própria sociedadese encontrava fundada (Almeida, 1996, Cap.II:20, grifo nosso).

    Na verdade, para além do que poderia existir de fantasmático nos sentimentos persecutórios,tanto a síndrome do medo como os terrores pânicos,foram suplementosestruturantes nas práticas articulatórias10 (Laclau&Mouffe: 1985) na manutenção daideologia colonialista e escravocrata:

    (...) os temores pânicos não estavam somente na ordem da fantasia, mas umaresposta estratégica ditada na síndrome do medo e, deste modo, era fatornecessário de manipulação política; correspondiam, portanto, à ordem direta doreal das demandas políticas da sociedade colonial. É fácil ver, por outro lado, asincidências no imaginário branco. Era preciso imaginar, viver a imaginação para poder conter; o próprio temor, desta forma, fazia-se símbolo e eraindicativo de ação a especificar a sua sobrevivência, independendo daalucinação que o pânico poderia, até mesmo, veicular. É neste sentido, que ostemores pânicos eram naturalmente necessários; não se artificializava, com eles,a visão da sociedade. Ao contrário, enfatizava-se a sua identidade dedominação, pelo pavor em perdê-la. (...) (Almeida, 1996, Cap. II: 20, grifonosso).

    Nesses encaminhamentos torna-se perceptível oenraizamento dos (des)

    caminhos da violência, pois, o que nestes sentimentos poderia existir de fantasmático, o pânico também servia de justificava para a violência.Estamos então diante de uma formação histórica diuturnamente articulada e

    determinada por um simbólico permeado por violências. Ontológico, oespecular deque nos fala Lacan e os processos deinterpelação se tornariam um lugar comum naestruturação da sociedade alagoana. Vai ser a partir desses entremeios que seconsolidam práticas, interditos, normas e regras articulatórias de uma cultura daviolência com características especificamente alagoanas.

    Ainda seguindo as pistas de Almeida, “(...) era preciso imaginar, viver aimaginação para poder conter; o próprio temor, desta forma, fazia-se símbolo e eraindicativo de ação a especificar a sua sobrevivência, independendo da alucinação queo pânico poderia, até mesmo, veicular ” (Almeida, 1996, Cap II: 20, gri fo nosso). Nestaconjuntura,matar e escravizar o índio, explorar o negro, jogar índio contra índio, e

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    índio contra negro, fabricar intrigas e cooptar as lideranças se consolidaram enquanto permanentes estratégias do poder de mando para segregar a pobreza e articular o poderdiante das contendas. Esses foram fatos de experiênciae acontecimentos registrados nas

    memórias coletivas e registros históricos. Estamos diante de práticas permanentes no processo da colonização alagoana, as quais, associadas às violências primitivas eextensivas às relações sociais durante os séculos XVIII, XIX, adentrar-se-iam no XX,tornando-se uma prática atualizada no somatório das relações sociais.

    É aqui que se revela o perverso do especular , em conseqüência do qual, aviolência se tornaria uma pratica articulatória nas relações entrecolonizados, negros,índios e mestiços,enquanto práticas incorporadas e ritualizadas. Uma rápida

    enumeração de alguns dos principais fatos da historiografia alagoana é suficiente paraconstatarmos a matriz de violências históricas em acontecimentos exemplares:oesquartejamento de Calabar, a destruição de Palmares, a Cabanagem alagoana, osirmãos Morais11, a compulsoriedade do serviço militar à Guerra do Paraguai12, oassassinato de Delmiro Gouveia, a emboscada e morte de Lampião sob o comando dealagoanos e o desfile da cabeça de bando por municípios alagoanos e pelas ruas docentro de Maceió. Estas foram alguns dos exemplares atos e práticas ligadas à violência

    entre meados do século XIX até meados da década de 30 (século XX). Ainda em 1930,Apprato registra que em pleno centro da cidade, no dia 24 de Março de 1935, (...)asruas da capital foram juncadas de mortos e feridos, entre os quais Rodolfo Lins eoutros lideres políticos. Jornais empastelados, a prisão na guarnição federal deSilvestre Péricles e dezenas de seus correligionários (Apprato, l995: 104).

    É nesse contexto que devemos compreender as raízes de umacultura daviolência13 especificamente alagoana, enquanto um prolongamento de práticas que

    vêm se atualizando nas disputas entre os grupos na luta pelo poder, uma prática quede resto se consolidaria enquanto um lugar comum entre aselites alagoanas em suashistóricas disputas pela ocupação do poder e manutenção da ordem e das engrenagensda infra-estrutura economia do poder colonia. Ainda segundo Almeida:

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    “A montagem rural propunha e exercitava barreiras para evitar inovações erealizava a filtragem de possíveis inovações, diminuindo a qualquerintensidade na mudança para que se promovesse a continuidade de seuselementos de base. Resguardava a economia. A política, a cultura, até mesmoatravés de uma administração provincial caótica evidenciada pela troca

    constante de Presidentes. Nota-se que em apenas 71 anos tivemos 139administradores” (Almeida, 1987:46).

    Ledo Ivo, que dentre muitos poemas laudatórios à terra, escreveria Planta de Maceió, um poema salpicado debeleza e sangue, ao ser entrevistado sobre o que o terialevado a jogar um copo de coca-cola no seu colega de acadêmico Eduardo Portela ,explicitou do seguinte modo as suas razões:

    Isso acontece de século em século. Nesse episódio da Coca-Cola é precisolembrar que, acima de ser acadêmico, eu sou alagoano.Quem jogou Coca-Colana cara do confrade não foi um acadêmico, foi um alagoano fiel às suas raízes.(risos)(Tribuna de Alagoas, 2005/ 21/08, grifo nosso).

    Os marcos da Tradição

    Ao falarmos da existência de umacultura da violência especificamentealagoana, nós nos deparamos com a permanência de uma tradição, diante da qual, amedida em que nos distanciamos, ela se transmuta, atualizando a colocação de MerleauPonty em ser a “ história de sincronias sucessivas, e a contingência do passado invade o sistema sincrônico” (Ponty:1990: 132).

    Neste entendimento,de um passado invadindo sincronicamente o presente,aviolência tem permanecido umacausa ausente14 , a partir da qual, os sujeitos têm sido

    historicamenteinterpelados. Na verdade, podemos pensá-la enquanto um somatório de práticas pertencentes ao que Foucault (1986) vai caracterizar comoarquivo15.

    É diante desta composição de fatos históricos e formações discursivas que aviolência tem se mantido e se atualizado no somatório das relações e nas representaçõessociais em Alagoas. Sombra vigilante e prática articulatória nas disputas políticas,dela pressentimos seus traços nosenunciados espalhados no senso comum, de resto,

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    uma questão que se torna relativamente esclarecida através da mediação dos conceitosde interpelação e dos movimentos daimagem especular da fase do espelhonaformulação de Lacan. Segundo Althusser, a formação dos sujeitos, através da

    interpelação,supõe a existência doOutro, o Sujeito Central e portador da lei. Segundoele, “a interpelação dos indivíduos como sujeitos pressupõe a existência’de um OutroSujeito, Único e Central, em cujo nome a ideologia (...) interpela os indivíduos como sujeitos” (Althusser, in : Zizek, org. 1996: 136).

    O entendimento deste articulado entre os sujeitos e a existência de umOutroSujeito, Único e Central nos remete para os mecanismos que atuam na formação do queLacan vai identificar deimagem especular que se articulana fase do espelho enquanto

    matriz do simbólico na constituição do sujeito:

    A assunção jubilatória de sua imagem especular, por ser ainda mergulhado naimpotência motora e na dependência da amamentação que é o filho do homemno estágio infants, parece-nos, pois manifestar, numa situação exemplar, amatriz simbólica em que um Eu se precipita numa forma primordial, antes de seobjetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lherestitua, no universal, sua função de sujeito (Lacan, In: Zizek, org.1996: 98).

    Estamos, pois, diante de mecanismos primários, movimentos a partir dos quais

    os indivíduos introjetamlinguagens e afetos na mais terna infância. É este movimentoque permite uma identificação com oSujeito Central , o qual, segundo a herança psicanalítica, é transmitida através dos movimentos especulares da figura paterna.Todavia, o contexto de nossa problemática é compreendermos historicamente asimplicações destas articulações especulatórias na formação cultural alagoana.Questãoque em certa medida se esclarece quando recordamos as particularidades da formaçãohistórico-social de Alagoas, enquanto uma composição de fatos que nos remete para o

    estabelecimento e persistência de umatradição no entendimento de ser umatradição uma força modeladora e seletiva no sentido identificado por Raymond Williams:

    (...)„tradição‟ foi comumente entendida como um segmento relativamente inerte,historicizado, de uma estrutura social: a tradição como a sobrevivência do passado. Mas essa versão da tradição é frágil no ponto mesmo em que o sentidoincorporador da tradição é forte: quando vista, de fato, como uma forçaativamente modeladora. A tradição é na prática a expressão mais evidente das pressões e limites dominantes e hegemônicos. É sempre mais do que umsegmento inerte historicizado; na verdade, é o meio prático de incorporação mais

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    poderoso. O que temos de ver não é apenas „uma tradição‟, mas uma tradiçãoseletiva:uma versão intencionalmente seletiva de um passado modelador e deum presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa no processode definição e identificação social e cultural (Williams, 1979: 118, grifo nosso).

    É então diante de um passado modelador – as ressonâncias das violências primordiais e suas identificações totêmicas, as articulações dos grupos dominantes e ascooptações dos agregados, a coisa de branco escravizando e matando índio, de índiomatando branco e índio matando índio, de negro escravo, de negro revoltado, dequilombos e de guerras permanentes pela posse da terra e pela posse do poder – quetorna-se possível uma compreensão contextual de um presente pré-modelado. É noentranhado entre essas interpelações que se compreende a prática da violência nodiuturno das relações sociais enquanto um forte componente doinconsciente político alagoano em seus movimentos de latência e manifestações explosivas. Exemplar da persistência deste ethos pôde ser observado na reação narcísica das platéias alagoanasquando da exibição do filme Lisbela e o Prisioneiro na cena em que o vilão, ao apontara arma para o mocinho, sentencia:

    - Sou cabra macho, pistoleiro das alagoas.

    Em todas as sessões as platéias se deliciaram!! Desnecessário pontuar ser o riso nestecontexto, umchiste revelador do que Jamesson (1992) vai caracterizar deinconsciente político16 .

    É por esses caminhos que se revela a persistência de uma violência, atributohistórico das práticas articulatórias daselites alagoanas, a qual em seus deslocamentos

    vêm atualizando a colocação de Merleau Ponty sobre a persistência de uma históriacomo “ história de sincronias sucessivas, e a(onde) contingência do passado invade o sistema sincrônico” (Ponty, 1980: 132) e as ressonâncias das práticas especulares e osfantasmas das tradições do cotidiano debranco escravizando e matando índio, de índiomatando branco e índio matando índio, de negro escravo, de negro revoltado, de

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    quilombos e de guerras permanentes pela posse da terra e pela posse do poderque dosarquivos, se deslocam e se atualizam.

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    exigia a necessidade de uma justiça que lhe fosse satisfatória e, então prevaleciam oarremedo, a solenidade, o teatral e a liturgia (Almeida, 1996, Cap. 4: 5, grifo nosso).10. Em conseqüência do assassinato de seu pai, um padre, o qual preso, estava sendo transportado domunicípio de Palmeira dos Índios para Maceió, os Irmãos Morais assolaram o interior de Alagoas comuma seqüência de assassinatos e todo o tipo de barbaridade. Os seus ataques inclusive, chegaram a capital

    do Estado. O bando era poderoso e a força quanto a persistência do fenômeno pode ser associado às particularidades do que estamos apontando de parentela, de resto, uma rede re relações muito poderosaem suas articulações políticas. De um certo modo, a historiografia alagoana associa o fenômeno enquantoum prolongamento da contenda entre Lisos e Cabeludos.11. Segundo o historiador Felix Lima Jr (Lima Jr: 2001), Alagoas teria sido a província brasileira que proporcionalmente mais teria enviado soldados para lutar na Guerra do Paraguai. Segundo ele, a soma dossoldados enviados, em sua esmagadora maioria recrutados entre moradores pobres, escravos e populares,teria chegado a algo em torno de 3.578. Tornar-se-ia folclórica a figura de Manoel dos Balões, umfogueteiro que se tornaria famoso em decorrência de sua milícia articulada com o único objetivo dearrebanhar a força os renitentes.12. Trabalhos recentes têm destacado a especificidade de umacultura da violência enquanto uma sub-cultura do universo cultural alagoano. É o caso dos seguintes trabalhos: FERREIRA, Ruth LopesVasconcelos A cultura de violência em Alagoas: um estudo de representação social, Tese de doutorado(2002), Universidade Federal de Pernambuco.; FREITAS, Geovani Jacó de. Ecos da violência em Alagoas, Tese de doutorado, (2002), Universidade Federal do Ceará e finalmente SANTOS, Nilda deLima A violência dispersa, Dissertação de Mestrado, (2003), Universidade Federal de Pernambuco.13. Retirado de Cd Demo.14. Segundo ele:

    (...) temos na densidade das práticas discursivas sistemas que instauram osenunciados como acontecimentos (tendo suas condições e seu domínio deaparecimento) e coisas (compreendendo sua possibilidade e seu campo deutilização). São todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos de um lado,coisas de outro) que proponho chamar dearquivo.

    Não entendo por esse termo a soma de todos os textos que uma culturaguardou em seu poder, como documentos de seu próprio passado, ou como

    testemunho de sua identidade mantida; (...). Trata-se antes, e ao contrário, do quefaz com que tantas coisas ditas por tantos homens, (...), não tenham surgidoapenas segundo leis do pensamento, ou penas segundo o jogo das circunstâncias,(...); mas que tenham aparecido graças a todo um jogo de relações quecaracterizam particularmente o nível discursivo; (...) (Foucault, 1986:147, grifonosso).

    15. A formulação lacaniana de inconsciente guarda uma visível analogia com o conceito deinconsciente político tal como formulada por Jamesom. Segundo Lacan:

    O inconsciente é esse capítulo de minha história marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: éo capítulo censurado. Mas a verdade pode ser reencontrada; o mais das vezes ela já está escrita em algumlugar. A saber:- nos monumentos: e isso é meu corpo, isto é, o núcleo histérico da neurose onde o sistema histéricomostra a estrutura de uma linguagem e se decifra como uma inscrição que, uma vez recolhida, pode sem perda grave, ser destruída;- nos documentos de arquivo também; e são as recordações de minha infância, impenetráveis como eles,quando eu não conheço a proveniência;- na evolução semântica: e isso responde ao estoque e às acepções do vocabulário que me é particular,como ao estilo de minha vida e a meu caráter;- nas tradições também, e mesmo nas lendas que sob a forma heroicizada veiculam minha história(Lacan. 1978: 124).

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