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VERSÃO – DRAFT A vigilância sanitária como prática de proteção e promoção da saúde em contingências de risco Nicolina Silvana Romano-Lieber Farmacêutica. Mestre e Doutora em Saúde Pública. Professora Associada da Faculdade de Saúde Pública – Universidade de São Paulo – USP. Renato Rocha Lieber Engenheiro Químico e Ambiental. Mestre e Doutor em Saúde Ambiental. Professor Doutor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista - UNESP – Campus de Guaratinguetá. A ser publicado em : Pelicioni, M.C.F. & Mialhe, F.L. Educação e promoção da saúde. São Paulo, Ed. Santos, 2012. pp.239-251.

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VERSÃO – DRAFT

A vigilância sanitária como prática de proteção e promoção da saúde em

contingências de risco

Nicolina Silvana Romano-Lieber

Farmacêutica. Mestre e Doutora em Saúde Pública. Professora Associada da

Faculdade de Saúde Pública – Universidade de São Paulo – USP.

Renato Rocha Lieber

Engenheiro Químico e Ambiental. Mestre e Doutor em Saúde Ambiental.

Professor Doutor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista -

UNESP – Campus de Guaratinguetá.

A ser publicado em: Pelicioni, M.C.F. & Mialhe, F.L. Educação e promoção da saúde. São Paulo,

Ed. Santos, 2012. pp.239-251.

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A vigilância sanitária como prática de proteção e promoção da saúde em

contingências de risco

Nicolina Silvana Romano-Lieber

Farmacêutica. Mestre e Doutora em Saúde Pública. Professora Associada da Faculdade

de Saúde Pública – Universidade de São Paulo – USP.

Renato Rocha Lieber

Engenheiro Químico e Ambiental. Mestre e Doutor em Saúde Ambiental. Professor

Doutor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista - UNESP –

Campus de Guaratinguetá.

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A vigilância sanitária como prática de proteção e promoção da saúde em

contingências de risco

Nicolina Silvana Romano-Lieber & Renato Rocha Lieber

1. Introdução

Mesmo nas situações mais primitivas de organização social, as condições de saúde da

população mobilizam sempre alguma forma de atenção por parte de seus integrantes.

Viver implica em manter relações, não apenas sociais, mas também naturais. Tanto num

caso como noutro, ninguém pode negar que perigos e ameaças subsistem enquanto se

vive. Por outro lado, a forma pública de se lidar com esses perigos, de maneira que cada

esforço individual possa trazer o maior benefício coletivo, muda ao longo do tempo,

enriquecendo o rol de opções. Tabus e interdições, quando questionados, vão dando

lugar às leis e regulamentos. Debates em relação aos novos hábitos e às formas tradicio-

nais de se viver podem promover reflexões. Demandas por intervenção são estimuladas,

de forma que a busca se dá não apenas em manter e proteger, mas também em melhorar

as condições de saúde em prol de uma vida melhor. Assim, as condições sanitárias, en-

quanto objeto de uma vigilância, demandam muito mais que a simples conciliação com

as leis e os regulamentos. As condições sanitárias constituem um estado dentro de um

processo, cujo curso pode ser mantido ou alterado, para melhor ou para pior, em função

do conhecimento, da capacidade de ação das pessoas e das contingências na vida de

cada um. Esse cenário de incerteza traduz a condição de risco em que se vive. Nele,

vive-se a apreensão pelo desconhecido. Mas na incerteza, vivem-se também os desejos e

as esperanças, cujos caminhos para realização podem ser mostrados pelas ações de

promoção da saúde.

O propósito desse trabalho é mostrar como a Vigilância Sanitária (VISA) se instituiu no

Brasil nos tempos recentes e confrontar seus preceitos atuais com as propostas de Prote-

ção e Promoção da Saúde (PPS). Como a VISA se organiza orientada pela noção de

risco, é propósito também mostrar como essa situação de incerteza pode ser mais bem

conduzida conforme o preconizado pela PPS.

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Após uma breve revisão dos conceitos e formas de ação preconizados na PPS e na VI-

SA, examina-se uma possível interface entre esses conhecimentos e, por fim, discutem-

se as contribuições, à luz dos principais desafios em que se encontra a VISA.

2. Prevenção, proteção e promoção da saúde.

Proteger e promover são ações de significados distintos e não devem ainda ser confun-

didas com prevenção. Entre outros significados, “proteger” traduz “amparo, colocar-se a

salvo de perigos externos”, enquanto “prevenir” denota “preparar, chegar antes de; dis-

por de maneira que evite (dano, mal)”. No campo da saúde, a prevenção exige uma ação

antecipada. Em termos científicos, a ação de prevenção deve conduzir-se conforme a

história natural da doença, interrompendo o seu curso. “Promover”, por sua vez, denota

movimento, traduzido como “dar impulso a; fomentar”. Enquanto as estratégias de pre-

venção enfatizam um conhecimento acumulado em situações específicas para proteção

geral da saúde, a promoção busca fomentar melhorias nas condições mais gerais de vida

e trabalho, demandando abordagem multifatorial e buscando melhor capacitar o indiví-

duo para as ameaças contingentes à sua saúde.

A proposta conceitual de promoção da saúde tem origem em Sigerist (1946). Este foi

um dos primeiros autores a fazer referência ao termo promoção da saúde, quando defi-

niu 4 tarefas básicas da medicina: promoção da saúde, prevenção de doenças, recupera-

ção dos enfermos e a reabilitação. Conclamando um esforço organizado da sociedade

para além da cura médica, Sigerist afirmou que “a saúde se promove proporcionando

condições de vida decentes, boas condições de trabalho, educação, cultura física e for-

mas de lazer e descanso”.

Muito embora essa colocação pioneira de Sigerist mudasse o foco de atenção da doença

para o doente, a tradição de “prevenção de doenças” não pode até então ser superada,

dado a força do paradigma construído pela bacteriologia e a eficiência dos seus instru-

mentos, como a vacina.1

As tentativas de superação desse paradigma já vinham sendo esboçadas desde as primei-

ras décadas do século XX, tentando associar o fenômeno das doenças epidêmicas às

1 Para mais detalhes relativos ao conflito conceitual no tratamento médico, ver Cassell (1986).

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condições de classe, vida e trabalho. Segundo Terris2, esse movimento caracterizou uma

segunda “revolução epidemiológica”, promovida por movimentos de medicina social na

Inglaterra e de Saúde Pública nos EUA.

Em 1965, Leavell e Clark, em obra disponibilizada entre nós na década seguinte, reto-

mam a perspectiva de prevenção e promoção de uma forma sistemática. Eles enfrentam

o paradigma da bacteriologia ao introduzirem o entendimento da doença enquanto resul-

tado de um processo dinâmico, associado à idéia de “multicausalidade”. Ao relativizar o

significado de “normalidade” e “saúde”, Leavell e Clark vão enfatizar a necessidade de

atenção para com os indivíduos “aparentemente saudáveis”. Enquanto que o entendi-

mento de “múltiplas causas” para as doenças vai sugerir a lógica de intervenção nas

diferentes esferas da vida e do trabalho. Fazendo uso da epidemiologia, eles utilizam o

conceito de promoção ao desenvolverem a história natural da doença, que comportaria 3

níveis de prevenção, com 5 componentes distintos: Prevenção primária (Promoção da

saúde e proteção específica), Prevenção secundária (diagnóstico precoce e pronto aten-

dimento; limitação da invalidez); Prevenção terciária (reabilitação).

Todavia, este modelo mostrou-se limitado para doenças crônicas não transmissíveis,

uma vez que centrava a prevenção e a promoção principalmente na família e no grupo

mais imediato ao sujeito. Com o relatório Lalonde, produzido pelo governo canadense

em 1974, ficou claro que o modelo ecológico (agente, ambiente, hospedeiro), base da

bacteriologia, não apresentava suficiência explicativa para aquelas novas doenças que

passaram a predominar. Com o novo modelo de “campo de saúde” pode-se mostrar a

importância do ambiente físico e do estilo de vida nessas afecções.

A partir da década de 70, o conceito de promoção da saúde foi sendo aperfeiçoado, gra-

ças ao desenvolvimento conceitual exposto nas várias conferências internacionais (Ot-

tawa, 86; Adelaide, 88; Sundsval/Suécia, 91; Jakarta, 97; México, 2000, Bangcoc, 2005,

Nairobi, 2009) e nacionais (Brasil, 2002).

Por consenso, o que caracteriza hoje a Promoção da saúde3 é a constatação do papel

protagonizante dos determinantes gerais sobre as condições de saúde. A saúde é o resul-

2 Ver Terris (1992).

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tado de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo

um padrão adequado de alimentação e nutrição, de habitação e saneamento, boas condi-

ções de trabalho, oportunidades de educação ao longo da vida, ambiente físico limpo,

apoio social para famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e um espectro ade-

quado de cuidados de saúde. Enfocada no coletivo de indivíduos e no seu ambiente, a

promoção da saúde destacará a importância das políticas públicas e dos ambientes favo-

ráveis ao desenvolvimento da saúde e do reforço da capacidade dos indivíduos e das

comunidades (empowerment).

2.1 Práticas da promoção da saúde

As práticas que compõe o campo da promoção da saúde podem se agrupadas em práti-

cas voltadas à prevenção, práticas voltadas à proteção e práticas voltadas à promoção

propriamente.

As práticas voltadas à prevenção são as abordagens tradicionais destinadas a evitar a

ocorrência de doenças ou agravos específicos e suas complicações e seqüelas. Em ge-

ral, são ações de alcance individual, embora repercutam no nível coletivo. Seguem a

prescrição clássica da história natural das doenças, pressupondo as ações de prevenção

primária, secundária e terciária, conforme Leavell e Clark (1976). A prevenção primá-

ria, compreendendo a eliminação ou redução das causas das doenças na fase pré-clínica,

distingue-se das demais enquanto clínicas, como a prática terapêutica (prevenção se-

cundária) e a redução de seqüelas e reabilitação (prevenção terciária).

As práticas voltadas à proteção da saúde são ações específicas com a finalidade de pro-

teger indivíduos ou grupos contra doenças ou agravos. Enquanto a prevenção foca-se

na intensidade dos riscos, a proteção busca incrementar as defesas do sujeito ou da cole-

tividade, tanto na diversidade de opções como na capacidade de cada uma. A redução

da vulnerabilidade (condicionamento físico, por exemplo) é um exemplo de proteção

individual, enquanto campanhas de vacinação prestam-se à proteção coletiva.

Práticas sob ação difusa, sem alvo determinado, contra um agravo ou risco específico

são entendidas como práticas de promoção propriamente. Busca-se, nesse caso, a me-

lhoria global no estado de bem-estar ou qualidade de vida do grupo ou da comunidade.

3 Ver o conceito de Promoção da Saúde em Buss (2003).

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2.2 Estratégias de implementação da promoção da saúde

A proteção e a promoção da saúde atuam em diferentes campos da saúde, como na for-

mulação de políticas públicas saudáveis, na criação de ambientes favoráveis à saúde, no

reforço da ação comunitária, no desenvolvimento de habilidades pessoais e na reorien-

tação do sistema de saúde. Para tanto, sua ação depende de estratégias para implemen-

tação de seus programas. Entres as diferentes propostas, pode-se destacar:

• Ação política intersetorial e pluriinstitucional (governo, empresas e ONGs).

• Comunicação social e marketing sanitário.

• Desenvolvimento comunitário (empowerment).

• Educação em saúde. Em caráter presencial e à distância, envolvendo comunica-

ção midiática (marketing em saúde), escolas promotoras de saúde e reforço às a-

ções comunitárias.

• Mudança organizacional (estrutura e cultura).

• Integração operacional entre as vigilâncias ambiental, sanitária e epidemiológica.

Envolvendo o controle dos riscos ambientais (físicos, químicos, biológicos e so-

ciais) e o Controle de danos (epidemias e endemias).

Reorganização da atenção à saúde individual. Envolvendo organização do sistema

em seus níveis, (re)organização do processo de trabalho médico ambulatorial e

hospitalar e implementação da assistência laboratorial e farmacêutica.

3. Vigilância sanitária no Brasil

O desenvolvimento da vigilância das condições sanitárias teve um percurso singular no

Brasil, sem paralelo em outros países. Graças aos sucessivos movimentos de reorgani-

zação política ocorridos, o Brasil alcançou, enquanto aspiração, uma proposta abrangen-

te e articulada para as ações de vigilância. A linha mestra dessas transformações inte-

gradoras foi a organização do Sistema Único de Saúde (SUS). A formulação de seus

objetivos, diretrizes e políticas foi a forma de atender a Constituição Federal de 1988,

que em seu artigo 6º, estabeleceu a saúde como direito social e individual e nos artigos

196 a 200 a definiu como “direito de todos e dever do Estado, garantidos mediante po-

líticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agra-

vos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção

e recuperação”(Brasil, 1988).

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Até 1988, a Vigilância Sanitária (VISA) vinha sendo definida num caráter essencial-

mente normativo, entendida como “um conjunto de medidas que visam elaborar, con-

trolar a aplicação e fiscalizar o cumprimento de normas e padrões de interesse sanitá-

rio relativo a portos, aeroportos e fronteiras, medicamentos, cosméticos, alimentos,

saneantes e bens, respeitada a legislação pertinente, bem como o exercício profissional

relacionado com a saúde.”

Com os novos dispositivos constitucionais, a Lei 8080, de 19 de setembro de 1990,

também chamada Lei Orgânica da Saúde, organizou o Sistema Único de Saúde (SUS) e

definiu a VISA como “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir

riscos á saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da

produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde abran-

gendo: (I) o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente se relacionam

com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e,

(II) o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com

a saúde”(Brasil, 1990).

Ao adotar grande parte das propostas formuladas na 8ª. Conferência Nacional de Saúde

de 1986, os Constituintes de 1988 permitiram uma maior democratização do acesso à

saúde no País. E a evolução conceitual de VISA, formulada pela nova Lei, vai possibili-

tar a convergência nesse objetivo, ao destacar uma natureza pró-ativa em caráter pre-

ventivo, em detrimento de uma atuação meramente conformativa em fatos dados, como

vinha sendo até então. Isto foi possível na medida em que a VISA passou a situar-se no

âmbito da produção e do consumo, onde conflitos diversos geram circunstâncias de con-

tingência, traduzindo incerteza ou risco. Num Estado moderno, democrático, operando

dentro da economia de mercado, ao órgão regulador cabe reconhecer essas peculiarida-

des da organização social, onde interesses econômicos nem sempre convergem com os

interesses coletivos em saúde.

Embora configurada sob a perspectiva de prevenção e controle, a VISA não perde seu

poder de polícia, inerente ao Estado, ao fazer cumprir leis, normas e regulamentos. Li-

berdades individuais são restringidas em benefício de um interesse público assegurado

pelo poder judiciário. Fato este decorrente das condições assimétricas entre a produção,

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comercialização e consumo, tanto na capacidade econômica como no conhecimento dos

riscos, circunstâncias que expõem a vulnerabilidade da população e obrigam a iniciativa

de intervenção do Estado nas condições sanitárias para proteger a saúde.

Envolvida em fatos decorrentes das relações de produção e consumo, a VISA se depara,

evidentemente, com a maneira de se entender a natureza desses mesmos fatos. Alguns4

vêm argumentando que, como o modo de produção capitalista é movido pelo lucro, cri-

ando o imperativo de produzir e de vender, gera-se, pela propaganda, necessidades fictí-

cias ou artificiais sempre crescentes, sem correlação com a melhoria do bem-estar da

população. O consumo estaria, portanto, em descompasso com as “reais necessidades”

das pessoas, estabelecido pela organização social e sem se basear em “escolhas livres e

conscientes”. Embora à primeira vista essa posição possa refletir a angustia de alguns e

o prazer de outros, é necessário antes de tudo explicitar-se o que se entende por “bem-

estar”, “necessidade” ou “escolhas livres e conscientes”. Numa perspectiva fenomeno-

lógica, por exemplo, o filósofo Ortega-Gasset (1883-1955)5 entendeu “bem-estar” como

algo além do “estar”. Para ele, “estar” é uma condição própria de qualquer ser vivo, mas

“bem-estar” seria uma exclusividade da condição humana. Assim, enquanto aos seres

vivos é necessário o alimento para “estar” no mundo, ao homem cabe a “refeição”, cujo

conteúdo vai muito além de um conjunto de nutrientes. Em outras palavras, é próprio da

natureza humana o acesso ao supérfluo e não apenas o atendimento do necessário. E é a

possibilidade de individualização desse desejo, superando incessantemente suas neces-

sidades, que converte o homem numa pessoa. A escolha torna-se “livre e consciente”,

justamente por não derivar de uma necessidade “natural” ou biológica, nem de outras

mais decorrentes de racionalidades imposta por um entendimento externo ao sujeito

responsável. Em síntese, o sujeito só pode ser “livre e consciente” quando ele detiver

autonomia das suas necessidades, puder fazer escolhas guiadas pelo conhecimento e

responder por suas conseqüências.

3.1. Dimensões e as práticas na Vigilância Sanitária

A VISA, enquanto órgão do Estado, dispõe de diversas dimensões, de maneira a cobrir

as diferentes interfaces em que se requer a sua atuação. A prática da VISA decorre de

uma ação articulada dentro do espaço dessas dimensões, que podem ser identificadas

4 ver Costa e Rozenfeld (2000).

5 ver Ortega y Gasset (1963) .

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como dimensão política, ideológica ou social; dimensão tecnológica e dimensão norma-

tiva ou jurídica.

A dimensão política, ideológica ou social decorre do caráter público da VISA. Suas

ações movem-se em decorrência de motivações justificadas nos interesses coletivos,

uma opção ideológica. Ao interagir em situações de conflito entre estes interesses e ou-

tros mais, como é próprio numa economia de mercado, a VISA constrange o modo de

produção econômico-social através de uma ação do Estado. A legitimidade dessas ações

decorre da sua compatibilidade com as políticas públicas e da atenção com as demandas

coletivas que a sociedade organizada prioriza em função das ameaças percebidas.

A dimensão tecnológica decorre do emprego e do fomento do uso do conhecimento

técnico-cientifico atualizado. Com isso, as práticas, as recomendações, as normas e pa-

drões técnicos ganham fundamentação empírica guiada por teorias científicas. Dessa

forma, a avaliação de processos, eventos e agravos, assim como os prognósticos de risco

minimizam arbitrariedades por parte daqueles que expressam julgamentos. Ao mesmo

tempo, o uso da ciência aprimora a qualidade no âmbito da produção e do atendimento e

estimula a articulação dos diferentes setores envolvidos com a saúde, tanto intra como

extragovernamental.

A dimensão normativa ou jurídica, concebida dentro da interface da ética, do direito

civil e penal, institui a forma e os preceitos da ação policial. A dimensão normativa

compreende obrigatoriedades e recomendações, formalizando os deveres relativos à

aplicação de medidas punitivas. Diante da ameaça à saúde pública, sob a forma de risco

à saúde ou de crimes contra o cidadão, a VISA deve atuar de forma própria, bem como

requerer a atuação das demais esferas de governo. São tarefas tradicionais da VISA,

entre outras, inspecionar, julgar, notificar o infrator, autuar, lavrar termos de aplicação

de penalidades, licenciar estabelecimentos expedindo ou cassando alvarás. Como tam-

bém, são seus interlocutores permanentes as entidades intra e extragovernamentais, co-

mo Ministério Público, Polícia de Defesa do Consumidor, Poder Judiciário, conselhos

de classe e outros órgãos de defesa do consumidor.

4. As contingências de riscos à saúde

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Numa perspectiva histórica, o olhar da vigilância esteve tradicionalmente voltado para o

controle de conformidade nos processos de produção e de serviços oferecidos à popula-

ção. Compartilhando um entendimento que a não conformidade representava um “ris-

co”, popularizou-se a idéia que o “controle” desse risco, ou mesmo a “segurança”, esta-

ria sendo alcançada com o cumprimento de normas e regulamentos. Com isso, a VISA

consolidou sua atuação “controlando riscos à saúde” a partir do controle dos riscos no

uso de medicamentos, alimentos, hemoderivados, vacinas, cosméticos, saneantes, agro-

tóxicos, etc.. O consumo de recursos naturais e outras intervenções sobre o meio ambi-

ente podem trazer riscos à saúde humana e à saúde animal, como é o caso da destinação

dos resíduos, quer sejam industriais ou dos serviços de saúde. Na circulação internacio-

nal de pessoas e produtos existe risco de introdução de novas doenças para a população

humana e animal, além de risco para a agricultura, o que faz necessárias ações sanitárias

em portos, aeroportos e fronteiras.

Todavia, riscos à saúde decorrem de condições de incerteza que se observam nos diver-

sos níveis de relação que a população estabelece ao satisfazer suas necessidades. Essas

condições de incerteza não estão apenas nas condições de adequação dos produtos e nas

formas de serviço utilizadas, mas também no estado de saúde ou de vulnerabilidade de

cada indivíduo ou grupo populacional. Com isso, o risco de fato se estabelece a partir

das relações que são observadas ou previstas.6

Além disso, há situações em que a regulamentação disponível, por si mesma, é incapaz

de “controlar” o risco. No caso da introdução de novas tecnologias, por exemplo, com

alguma freqüência não se sabe nem mesmo quais são os efeitos à saúde esperados em

longo prazo. Ou então, produtos e serviços que vinham atendendo as normas e prescri-

ções, se mostram nocivos com o tempo, impondo a mobilização do órgão de controle

para restrições do uso.7 Embora a estatística possa ser útil neste caso, estabelecendo

risco, no caso de inovações simplesmente não há, a rigor, dado algum para se configurar

probabilidades.

6 Exemplo dessa situação foi o caso recente da interdição nos EUA para importação e consumo de um

produto a base de leite em pó e trigo produzido por uma multinacional no Brasil. Embora atendesse aos

padrões sanitários brasileiros de contaminação por agrotóxicos, o órgão americano o classificou como

impróprio, uma vez que se destinava predominantemente a alimentação de lactentes, o caso em que se

prevê contaminação zero naquele país. 7 O mercúrio cromo foi retirado do mercado brasileiro, em 2001, por conter mercúrio em sua fórmula, o

qual pode causar danos ao sistema nervoso. O produto estava no mercado havia várias décadas.

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Sendo assim, a preservação e a melhoria das condições sanitárias exigem uma gestão de

risco. Esta inclui etapas bem definidas, como caracterização do risco, quando se identi-

fica o perigo e avalia-se o risco associado a ele; a aceitação ou rejeição do risco estabe-

lecido, quando se observam valores compartilhados que atendem uma política pública;

e, finalmente, o estabelecimento de medidas de controle, que pressupõem não apenas

procedimentos, restrições ou permissões, mas também formas de acompanhamento e

monitoramento dos resultados.

Gerenciamento de risco, em suas diferentes etapas, se faz essencialmente a partir de

comunicação de risco. E a comunicação de riscos se observa de diferentes formas, na

melhor conformidade com as necessidades e possibilidades de cada interlocutor. Ela

pressupõe também um caráter biunívoco, onde há efetiva participação sob um diálogo.

É sob esse pressuposto que se pode construir a participação popular, desenvolver a ci-

dadania e permitir o efetivo controle social como se espera em sociedades democráticas.

É também sob esse pressuposto dialógico que o profissional de saúde se habilita a apre-

ender os detalhes das relações de risco na população e o universo das possibilidades do

seu controle.

A VISA conta com vários instrumentos de comunicação de riscos, alguns menos outros

mais dialógicos. Bulas de medicamento, rótulos com composição dos alimentos, exi-

gência de receita médica, controle de propaganda, restrição de fumo em lugares públi-

cos são formas de comunicação de risco. Assim são também as consultas públicas das

agências, bem como os sistemas de informação que acolhem comunicação de efeitos

adversos de medicamentos. Também é nesses termos que deve ser entendido o proce-

dimento de denúncias populares, essencialmente uma forma de comunicação de riscos,

mas onde raramente o denunciante se vê merecedor de algum retorno.

5. Articulação entre as práticas de promoção da saúde e de vigilância sanitária

Graças à sua configuração mais recente, a prática da VISA converteu-se em um impor-

tante recurso de promoção da saúde. Com seu foco nas relações de produção e consumo,

a VISA habilita-se diretamente à prevenção, principalmente à prevenção primária, vol-

tada para eliminação ou redução das causas das doenças em sua fase pré-clínica.

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Em relação à proteção, conforme se entende na promoção da saúde, a ação da VISA,

embora se expresse no nível individual, se volta sempre para o interesse coletivo. En-

quanto ação de Estado, a VISA reduz a vulnerabilidade da população ao ampará-la dos

desvios e das não-conformidades que ameaçam as condições sanitárias e colocam a saú-

de em risco.

Com o seu caráter amplo e compreendendo ações que perpassam diferentes níveis e

formas de relação, a VISA habilita-se às ações de promoção em todas as escalas e em

todas as interfaces que se estabelecem no setor saúde. Tanto nos seus mediadores mais

imediatos, compreendendo os prestadores de serviços para recuperação e reabilitação da

saúde, como em toda a cadeia de recursos ligados aos produtos, insumos e serviços rela-

cionados com a saúde, é a ação da VISA que pode promover padrões de qualidade, mo-

dificando práticas e rotinas. Fato que se repete nas demais áreas de abrangência, como o

meio ambiente, o ambiente de trabalho, a circulação internacional de transportes, cargas

e pessoas.

Todavia é sob o pressuposto do risco que a prática da VISA pode alcançar os propósitos

de promoção de saúde na forma mais efetiva. Ao reconhecer as condições de produção e

consumo como essencialmente incertas e ao admitir que o entendimento de uma condi-

ção sanitária não pode excluir a situação do sujeito que a ela se submete, a VISA ganha

uma perspectiva de fomento, em prol de ação de controle dos riscos em todos os níveis,

nas possibilidades de cada um.

Não é sem razão, portanto, que tanto as práticas de vigilância como as práticas de pro-

moção destaquem a comunicação social entre os seus determinantes. É a comunicação

social, aplicada desde um simples envolvimento midiático até a educação em saúde, que

se presta como recurso ao desenvolvimento comunitário (empowerment) previsto na

promoção da saúde. Em contrapartida, é a Lei 8080/90 que dá competência à Vigilância

Sanitária e Epidemiológica para identificar e divulgar os fatores condicionantes e de-

terminantes de saúde; para divulgar o nível de saúde da população e das condições am-

bientais; e para organizar e coordenar o sistema de informações em saúde.

Práticas específicas previstas na VISA exibem o potencial para atender os objetivos

mais gerais da promoção da saúde, como o foco nas condições de vida e trabalho e uma

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atenção mais local e circunstanciada das necessidades em saúde. Com a Lei 8080/90, as

vigilâncias sanitárias e epidemiológicas organizam-se de forma regionalizadas e passa-

ram a cobrir em suas atribuições a elaboração de normas técnicas e o estabelecimento de

padrões de qualidade para a promoção da saúde do trabalhador.

6. Desafios da vigilância sanitária

A mudança verificada na proposta da Vigilância Sanitária aponta para algumas tendên-

cias e muitos desafios. O maior deles, certamente, é a mudança da cultura institucional,

resultado de décadas de adequação a um modelo que se distanciou da percepção social

para a sua importância e potencial de atuação. Em sintonia com as mudanças, mas na

carência de recursos, a VISA ainda tem se concentrado mais na prestação de serviços

decorrentes da demanda espontânea, tanto no setor produtivo como no atendimento de

denúncias e acidentes.

A situação traduz uma clara carência por desenvolvimento teórico-conceitual e metodo-

lógico. Trata-se não apenas de incorporar novas tecnologias de gestão, ou melhor, capa-

citar os recursos humanos. Mas, sobretudo, trata-se da VISA se aperceber como agente

gestor de situações de incerteza, onde riscos à saúde raramente são eliminados sem ge-

rar outros riscos, e que o posicionamento pró-ativo da promoção da saúde é uma forma

de minimizá-los. Uma tarefa dessa magnitude exige um esforço multidisciplinar, mas

também um pensamento estratégico capaz de articular os recursos disponíveis e anteci-

par-se aos riscos ainda não percebidos, na forma de uma “inteligência sanitária”.

Novos desafios decorrem de novos problemas que demandam “Inteligência sanitária”.

Este é o caso da avaliação das conseqüências decorrente da introdução de novas tecno-

logias, na forma de produtos, aparelhos e serviços. Com o país inserido na economia

globalizada, diferentes implicações podem ser antevistas. Padrões sanitários devem ser

revistos, diante das exigências externas e, ao mesmo tempo, riscos desconhecidos po-

dem ser esperados, por decorrência de práticas mercantis desleais e oportunistas. Com

isso, o desafio à VISA em gerir a distribuição desigual da exposição ao risco, ganha

uma escala maior. Além da desigualdade a ser minorada no acesso a bens e serviços de

saúde, aos produtos de qualidade e à água e ao ambiente saudáveis, o órgão deve prepa-

rar-se para as exportações mundiais dirigidas aos países de economia periférica. Dis-

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pondo de regulamentações frágeis, estas nações ficam sujeitas às exportações de rejeitos

de toda ordem, inclusive lixo tóxico.

Trata-se, portanto, de um largo processo de planejamento e ação, calcado na realidade

sanitária do país. Seu ponto de partida deve ser a análise da situação de saúde, cujos

indicadores epidemiológicos tradicionais se mostrarão sempre insuficientes. A supera-

ção do paradigma da ação centrado na doença exige mudanças de perspectiva na inter-

pretação dos dados, inovação dos questionamentos e das propostas de intervenção, alo-

cação de novos recursos e de novas práticas comunicativas e configuração de novas

responsabilidades em todos os níveis e esferas, inclusive a do consumidor.

7. Considerações finais

A rigor, as ações da VISA sempre buscaram atender parte dos objetivos da promoção da

saúde. Quando um agente sanitário procede a verificações freqüentes dos níveis de con-

taminantes em produtos, ambientes ou componentes de medicamentos, buscando cons-

tatar um padrão mínimo de nocividade conforme estabelecido, ele faz prevenção primá-

ria de riscos específicos ou de proteção da saúde frente a riscos inespecíficos. Em outro

momento, quando o mesmo agente controla a qualidade de alimentos, a segurança de

produtos industriais ou de ambientes de trabalho, ele faz promoção da saúde, uma vez

que se busca com isso a preservação de processos normais de vida biológica e social.8

Todavia, a proteção e a promoção da saúde exigem mais que ações pontuais em entes

isolados, como num processo de aferição de adequações. Para alcançar a promoção da

saúde, a VISA requer ruptura com o modelo tradicional normativo e fiscalizador e com-

prometer-se com um papel social regulador abrangente, como se faz necessário nas mo-

dernas sociedades industriais. Esse objetivo maior depende de uma perspectiva diferen-

te. Quando se toma a promoção da saúde, como uma “articulação de saberes técnicos e

populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e priva-

dos, para o enfrentamento e resolução de problemas de saúde e seus determinantes” 9 ,

fica claro que o caminho de superação é possível e necessário.

8 ver Almeida Filho (2008).

9 ver Buss (2003).

Page 16: A vigilância sanitária como prática de proteção e promoção da saúde em contigências de risco

15

Em resumo, enquanto a VISA limitar-se à prevenção, entendida pela saúde pública co-

mo intervenção voltada para evitar a ocorrência de um problema específico, ela posicio-

na-se aquém das suas possibilidades. Todavia, ao buscar a promoção da saúde, que não

se dirige para uma dada doença ou agravo em específico, a VISA terá condições de in-

crementar o bem-estar, cumprindo o que se espera de um modelo de atenção que pro-

mova intervenção nos determinantes sociais e a proteção contra os riscos à saúde.10

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10

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