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A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE Luciane Martins de Araújo Mascarenhas 1 INTRODUÇÃO A concepção existente até pouco tempo era de que os recursos naturais eram ilimitados, existiam em abundância, motivo pelo qual o homem não se preocupava com a questão ambiental, ao contrário, a degradação do meio ambiente era sinônimo na maioria das vezes de progresso. O homem via a natureza como um depósito, onde se retira tudo que lhe parecia interessante, deixando no lugar o lixo, os resíduos do processo de produção. O processo de evolução da humanidade era subordinado à degradação ambiental. O grande número de catástrofes ambientais serviu para demonstrar a importância do meio ambiente para a humanidade. Não adianta atingir o máximo em desenvolvimento e progresso econômico se a vida em nosso planeta corre perigo. O homem começou a perceber que nosso planeta possui recursos finitos e se não mudarmos a concepção que ainda vigora, nossa sobrevivência estará ameaçada. Neste sentido, desde a década de 1970, impulsionada principalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, o homem começou a se preocupar efetivamente com o meio ambiente e com o destino da humanidade, caso a degradação ambiental continuasse de forma devastadora. 1 Advogada da Caixa Econômica Federal, mestranda em Direito pela Universidade Federal de Goiás

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A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

Luciane Martins de Araújo Mascarenhas1

INTRODUÇÃO

A concepção existente até pouco tempo era de que os recursos naturais eram

ilimitados, existiam em abundância, motivo pelo qual o homem não se preocupava com a

questão ambiental, ao contrário, a degradação do meio ambiente era sinônimo na maioria

das vezes de progresso.

O homem via a natureza como um depósito, onde se retira tudo que lhe parecia

interessante, deixando no lugar o lixo, os resíduos do processo de produção. O processo

de evolução da humanidade era subordinado à degradação ambiental.

O grande número de catástrofes ambientais serviu para demonstrar a

importância do meio ambiente para a humanidade. Não adianta atingir o máximo em

desenvolvimento e progresso econômico se a vida em nosso planeta corre perigo.

O homem começou a perceber que nosso planeta possui recursos finitos e se

não mudarmos a concepção que ainda vigora, nossa sobrevivência estará ameaçada.

Neste sentido, desde a década de 1970, impulsionada principalmente pela

Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na

Suécia, em 1972, o homem começou a se preocupar efetivamente com o meio ambiente

e com o destino da humanidade, caso a degradação ambiental continuasse de forma

devastadora.

A legislação pátria em matéria ambiental também tem sofrido os impactos

dessa mudança de concepção, visto que esta tinha uma visão apenas utilitarista e agora,

influenciada principalmente pela nova visão existente na Constituição Federal de 1988,

em especial com relação a seu cunho protetivo que ora abordaremos, começa a haver

uma preocupação real com o meio ambiente.

1. O HISTÓRICO DO MEIO AMBIENTE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A primeira Constituição brasileira, de 1824, não fez menção a qualquer matéria

na esfera ambiental. Vale lembrar que nosso país naquela época era exportador de

1 Advogada da Caixa Econômica Federal, mestranda em Direito pela Universidade Federal de Goiás

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produtos agrícolas e minerais, no entanto, a visão existente com relação àqueles produtos

era apenas econômica, não existindo nenhuma conotação de proteção ambiental.

As Constituições brasileiras retrataram esse pensamento, tendo a Constituição

do Império, de 1824, trazido dispositivo tão somente proibindo indústrias contrárias à

saúde do cidadão. O Texto republicano de 1891 neste aspecto abordou apenas a

competência da União para legislar sobre minas e terras. Tal dispositivo, tinha por objetivo

proteger os interesses da burguesia e institucionalizar a exploração do solo, não tendo

nenhum cunho preservacionista. Apesar disto, foi a primeira Constituição a demonstrar

uma preocupação com a normatização de alguns dos elementos da natureza.

A Constituição, de 1934, trouxe dispositivo de proteção às belezas naturais,

patrimônio histórico, artístico e cultural e competência da União em matéria de riquezas

do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração. A Carta

Constitucional de 1937, trouxe preocupação com relação aos monumentos históricos,

artísticos e naturais. Atribuiu competência para União legislar sobre minas, águas,

florestas, caça, pesca, subsolo e proteção das plantas e rebanhos.

A Carta Magna de 1946, além de manter a defesa do patrimônio histórico,

cultural e paisagístico, conservou a competência legislativa da União sobre saúde,

subsolo, florestas, caça, pesca e águas. Dispositivos semelhantes estavam presentes

tanto na Constituição de 1967, quanto na Emenda Constitucional nº 1/69. Neste último

texto constitucional, nota-se pela primeira vez a utilização do vocábulo “ecológico”.

Os dispositivos constantes nestas Constituições tinham por escopo a

racionalização econômica das atividades de exploração dos recursos naturais, sem

nenhuma conotação protetiva do meio ambiente.

De qualquer sorte, apesar de não possuírem uma visão holística do ambiente e

nem uma conscientização de preservacionismo, por intermédio de um desenvolvimento

técnico-industrial sustentável, essa Cartas tiveram o mérito de ampliar, de forma

significativa, as regulamentações referentes ao subsolo, à mineração, à flora, à fauna, às

águas, dentre outros itens de igual relevância. 2

1.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1988

2 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio ambiente. Direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. p. 62

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A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes inovações na esfera ambiental,

sendo tratada por alguns como “Constituição Verde”. Diferentemente da forma trazida

pelas constituições anteriores,

já abordada anteriormente, o constituinte de 1988 procurou dar efetiva tutela ao

meio ambiente, trazendo mecanismos para sua proteção e controle.

Cumpre-nos observar que esta alçou a fruição do meio ambiente saudável e

ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Como bem coloca o mestre José

Afonso da Silva, senão vejamos:

O ambientalismo passou a ser tema de elevada importância nas

Constituições mais recentes. Entre nelas deliberadamente como direito

fundamental da pessoa humana, não como simples aspecto da atribuição

de órgãos ou de entidades públicas, como ocorria em Constituições mais

antigas.3

E ainda, salienta o mesmo autor, que a “Constituição de 1988 foi, portanto, a

primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma

Constituição eminentemente ambientalista.”4

Destarte, o grande marco e impulso na mudança de concepção foi, se dúvida,

as disposições da Carta Magna de 1988, trazendo um arcabouço legislativo superior ao

das legislações do primeiro mundo.

Nossa Constituição traz a preocupação com as questões ambientais como

fundamentais para continuidade da vida em nosso Planeta, eis que esta preocupação é

de cunho global. Deve haver além de um bom aparato jurídico sobre o assunto, um

envolvimento de toda sociedade.

Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas e

autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria

para a existência efetiva da vida real, pois, na verdade, o maior dos problemas ambientais

brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido ou impunível, à legislação vigente. É

preciso, numa palavra, ultrapassar-se ineficaz retórica ecológica – tão inócua, quanto

aborrecida – por ações concretas em favor do ambiente e da vida. Do contrário, em breve,

3 SILVA. José Afonso. Direito Ambiental constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 43.4 SILVA. op. cit. p. 46

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nova modalidade de poluição – a “poluição regulamentar” – ocupará o centro de nossas

atenções.5

Nos diversos artigos que se referem ao meio ambiente na ordem constitucional,

nota-se claro o caráter interdisciplinar desta questão, eis se referem a aspectos

econômicos, sociais, procedimentais, abrangendo ainda natureza penal, sanitária,

administrativa, entre outras.

O artigo 225 do texto constitucional, assim prescreve:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao

Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material

genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a

supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente

causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de

impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio

ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

5 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática e jurisprudência, glossário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001. p. 232.

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VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou

submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio

ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos

causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o

Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua

utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a

preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por

ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização

definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Observe-se que o disposto nos parágrafos do artigo 225 visam justamente dar

efetividade ao disposto no caput, qual seja, que todos tem direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado. Destarte, tendo em vista a extensão da matéria nele

abordada, vamos nos ater à essência dessa mudança na visão sobre o meio ambiente,

constante no caput do artigo.

Primeiramente, podemos inferir que o meio ambiente sadio e equilibrado é

direito e dever de todos, tido como “bem de uso comum”, definido por HELY LOPES

MEIRELLES, como aquele “que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens

públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição”.6

Cumpre observar ainda, que por “bens de uso comum” não se pode entender

somente os bens públicos, mas também os bens de domínio privado, eis que podem ser

fixadas obrigações a serem cumpridas por seus proprietários. Estes têm o dever de

envidar esforços visando a proteção do meio ambiente.

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 16ª ed. São Paulo: RT. 1991. p. 426.

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Assim, nenhum de nós tem o direito de causar dano ao meio ambiente, pois

estaríamos agredindo a um bem de todos causando, portanto, dano não só a nós

mesmos, mas aos nossos semelhantes. O Poder Público tem um papel relevante nesse

processo e dele devemos cobrar atitudes condizentes com esse dispositivo constitucional.

O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito indisponível

e tem a natureza de direito público subjetivo, ou seja, pode ser exercitável em face do

próprio poder público, eis que a ele também incumbe a tarefa de protegê-lo “cria-se para o

Poder Público um dever constitucional, geral e positivo, representado por verdadeiras

obrigações de fazer, vale dizer, de zelar pela defesa (defender) e preservação (preservar)

do meio ambiente.” 7

Não se pode olvidar ainda, que esse mesmo dever imposto ao Poder Público

se estende também a todos os cidadãos. São titulares deste direito a geração atual e

ainda as futuras gerações.

Assim, o homem, na condição de cidadão, torna-se detentor do direito a um

meio ambiente saudável e equilibrado e também sujeito ativo do Dever Fundamental de

proteção do meio ambiente, de tal sorte que propomos a possibilidade de se instituir, no

espaço participativo e na ética, uma caminhada rumo a um ordenamento jurídico fraterno

e solidário. Ancora-se a análise da preservação ambiental como um direito fundamental,

constitucionalmente reconhecido. Porém, esta não é a única questão suscitada: a

proteção ambiental constitui-se em responsabilidade tanto do indivíduo quanto da

sociedade, admitindo suas posições no processo de preservação, reparação e promoção,

assim, reveladas como um dever fundamental. Como inerente do direito, pressupomos a

exploração dos conceitos de eficácia e de efetividade da norma em relação à aplicação de

princípios jurídicos à proteção do meio ambiente.8

É necessária e fundamental, a participação da comunidade, eis que muitas

vezes ela é que constata a ocorrência de dano ambiental.

O Direito Ambiental abriu amplamente as portas para a participação da

comunidade e de outros aparelhos do pode estatal na proteção da nossa grande casa. O

cidadão e o Poder Judiciário entram com força decisiva nesse magno combate do milênio:

salvar o planeta.9

7 MILARÉ. op. cit. p. 235.8 MEDEIROS, op. cit. p. 21.9 CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é Direito Ambiental. Dos descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis: Habitus. 2003. p. 152.

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A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu artigo 3º, define meio

ambiente como “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,

química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

O mestre Paulo de Bessa critica referido conceito, eis que apesar de possuir

caráter eminentemente interdisciplinar, traz uma definição do ponto de vista puramente

biológico, não tratando da questão mais importante, qual seja, o gênero humano e o

aspecto social que é fundamental quando se trata de meio ambiente. E acrescenta:

Um aspecto que julgamos da maior importância é o fato de que, após a entrada

em vigência da Carta de 1988, não se pode mais pensar em tutela ambiental

restrita a um único bem. Assim é porque o bem jurídico ambiente é complexo. O

meio ambiente é uma totalidade e só assim pode ser compreendido e

estudado.10

Sem dúvida o aspecto mais importante quando se refere a meio ambiente é a

proteção à vida, lembrando que a expressão meio ambiente inclui ainda a relação dos

seres vivos, bem como “urbanismo, aspectos históricos paisagísticos e outros tantos

essenciais, atualmente, à sobrevivência sadia do homem na Terra”.11

A Constituição Federal, no artigo já citado, trouxe a preocupação caráter

eminentemente social e humano. Ficou clara a inter-relação existente entre o direito

fundamental à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana e o meio ambiente.

Todos eles são fundamentais e necessários à preservação da vida.

O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência

de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem,

é que há de orientar todas a formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente.

Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de

quaisquer outras considerações com as de desenvolvimento, com as de respeito ao

direito de propriedade, com as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no

texto constitucional, mas a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental

à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É

que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através

dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade de vida.12

10 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004. p. 68.11 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 17.12 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4º ed. São Paulo: Malheiros. p. 70.

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2. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO

Como já dito anteriormente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é

dever e direito fundamental de toda coletividade. Trata-se, pois de direito difuso,

enquadrando-se como direito de terceira dimensão ou geração.

Os autores que adotam referida terminologia, com Paulo Bonavides, que utiliza

a terminologia gerações e Ingo Wolfgang Sarlet que utiliza o termo dimensões, explicam

que os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, podendo portanto,

metodologicamente serem divididos em dimensões ou gerações. Dependendo da

natureza do bem ou objeto a ser tutelado estes se classificam em direitos fundamentais

de primeira, segunda ou terceira gerações ou dimensões.

Optamos pela terminologia gerações, eis que tem sido mais utilizada pelos

doutrinadores e também pelo Supremo Tribunal Federal, não deixando, no entanto, de

observar que a expressão dimensão passa uma idéia que se encontra mais de acordo

com a classificação, visto deixar mais clara a possibilidade de desenvolvimento e

expansão de cada um desses direitos, diferentemente da idéia de gerações, que como

criticado por muitos, dá a idéia de ocorrências cronológicas.

É discutida a natureza destes direitos. Critica-se a précompreensão que lhes

está subjacente, pois ela sugere a perda de relevância e até a substituição dos direitos

das primeiras gerações. A idéia de generatividade geracional também não é totalmente

correcta: os direitos são de todas as gerações. Em terceiro lugar, não se trata apenas de

direitos com um suporte coletivo – o direito dos povos, o direito da humanidade. Neste

sentido se fala de solidarity rights, de direitos de solidariedade, sendo certo que a

solidariedade já era uma dimensão ineliminável dos direitos econômicos, sociais e

culturais. Precisamente por isso, preferem hoje os autores falar de três dimensões de

direitos do homem (E. Riedel) e não de “três gerações”.13

No dizer de Bonavides, a Revolução Francesa de 1779 profetizou a “seqüência

histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. “14

Os direitos de primeira geração, portanto, são aqueles de cunho negativo, ou

seja, uma conduta não positiva do Estado visando resguardar os direitos fundamentos

ligados à liberdade, à vida, à propriedade.

13 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Ed. Almedina. 1999. p. 362. 14 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constituicional. 10ª ed. São Paulo: Malheiros. 2000. p. 521.

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Os direitos de liberdade, cujo destinatário é o Estado, e que têm como objeto a

obrigação de abstenção do mesmo relativamente à esfera jurídico-subjetiva por eles

definida e protegida.15

Já os direitos de segunda geração possuem status positivo, ou seja,

demandam comportamento ativo do Estado, visando a realização da justiça social. São

conhecidos também como direitos prestacionais. Dentre estes direitos se incluem os

direitos sociais, culturais e econômicos.

Apesar da doutrina já acenar pela existência do direito de quarta geração, que

estaria surgindo em face da globalização dos direitos fundamentais, interessa-nos neste

estudo, a classificação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é tido

pela maioria da doutrina como direito de terceira geração.

Na terceira geração dos direitos fundamentais estariam presentes os direitos

de fraternidade e solidariedade, de caráter altamente humano e universal. Destarte, tais

direitos fundamentais não têm por objetivo a proteção de interesses individuais, mas sim

do próprio gênero humano. A titularidade dos direitos de terceira geração é coletiva, por

vezes indefinida e indeterminada.

O meio ambiente caracteriza-se por interesse difuso, pois trata de interesses

dispersos por toda a comunidade e apenas ela, enquanto tal, pode prosseguir,

independentemente determinação de sujeitos.16

Além do direito à proteção do meio ambiente, incluem-se em referida geração

de direitos fundamentais, o direito à paz, à autodeterminação dos povos, à

desenvolvimento, à qualidade de vida, o direito de comunicação e direito de propriedade

sobre o patrimônio comum da humanidade.

O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito da coletividade, portanto, de terceira

geração, senão vejamos:

A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

EQUILIBRADO. DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO. PRINCÍPIO DA

SOLIDARIEDADE.

15 CANOTILHO, op. cit. p. 375.16 MEDEIROS, op. cit. p. 133.

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O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração –

constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do

processo de afirmação de direitos humanos, a expressão significativa de um

poder atribuído, não a indivíduo identificado em sua singularidade, mas num

sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que

compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais realçam o princípio

da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e

culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas –

acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que

materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas

as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um

momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e

reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores

fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.17.

Nessa esteira de raciocínio, como direito de terceira geração ele deve envolver

a todos, não adiantando um só indivíduo ou país lutar por um meio ambiente equilibrado.

Esta atitude, no entanto, começa em cada um de nós.

Cada um pode, no universo em que habita, contribuir para tornar o mundo

melhor. Esse é um exercício de cidadania. Dispensável a vocação heróica. Basta

acreditar na causa. E para crer, basta convencer a vontade. Assim se constrói a

democracia. Sem participação da cidadania, não há necessidade de regime

democrático.18

Nota-se que é necessário o envolvimento de cada indivíduo na luta por um

meio ambiente ecologicamente equilibrado assim será possível o envolvimento e

mudança de postura de toda sociedade em face do meio ambiente, daí a classificação

como direito de terceira geração, que consagra o princípio da solidariedade.

Por este princípio, nota-se clara a importância da cooperação buscando em

conjunto a melhoria da qualidade de vida de todos. Como define Leon Duguit19, este é o

ponto de apoio da concepção do direito.

17 MS - 22.164-0/SP, rel. o Min. Celso de Mello, in DJU 17/11/95, p. 39206.18 NALINI, José Renato. Ética Ambiental. Campinas: Millennium. 2001. p. 203.19 Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 70. 1982. p. 415.

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Destarte, nota-se que é fundamental a participação da coletividade, de todos

nós, visando a proteção e defesa do meio ambiente.

3. DIREITO ADQUIRIDO EM MATÉRIA AMBIENTAL

O artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal garante que “a lei não prejudicará

o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Em matéria ambiental esta garantia encontra-se mitigada, eis que na hipótese

de uma atividade em que posteriormente ao seu licenciamento ambiental, se mostre

danosa ao meio ambiente não se poderá se recorrer a este princípio constitucional

visando resguardar o direito já “adquirido” pelo poluidor.

Neste caso, prevalece o interesse maior que é o da coletividade, a quem foi

dado o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É certo que o Direito Ambiental, para cumprir a sua missão de tutela ao

interesse público, deverá poder impor medidas antipoluição a instalações já existentes,

sob pena de violar-se o princípio poluidor-pagador e perpetuar o direito a poluir.20

Destarte, se houver conflito entre o direito auferido por alguém em virtude da

expedição de licença ambiental e o interesse da coletividade que está sendo prejudicada

em virtude da atividade que apesar de licenciada causa danos ambientais, deve

prevalecer o interesse da coletividade.

4. MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA

No aspecto econômico, vale lembrar que não faz muito tempo que a visão

comum era no sentido de que as preocupações com o meio ambiente eram descabidas e

prejudicariam o crescimento e industrialização dos países em desenvolvimento. A

prioridade era a aceleração do crescimento econômico. As externalidades negativas, ou

seja o custo ambiental resultante da degradação ocorrida nesse processo produtivo seria

neutralizado com o progresso dessas nações. Como bem ressalta o mestre Paulo de

Bessa Antunes:

O desenvolvimento econômico no Brasil sempre se fez de forma degradadora e

poluidora pois, calcado na exportação de produtos primários, que eram extraídos

sem qualquer preocupação com a sustentabilidade dos recursos, e, mesmo após

o início da industrialização, não se teve qualquer cuidado com a preservação dos

20 MILARÉ, op. cit. p. 261.

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recursos ambientais. Atualmente, percebe-se a existência de vínculos bastante

concretos entre a preservação ambiental e a atividade industrial. Esta mudança

de concepção, contudo, não é linear e, sem dúvida, podemos encontrar diversas

contradições e dificuldades na implementação de políticas industriais que levem

em conta o fator ambiental e que, mais do isto, estejam preocupadas em

assegurar a sustentabilidade utilização de recursos ambientais21

Dentro da nova visão sobre meio ambiente trazida pela Constituição Federal,

há que se ressaltar que seu disciplinamento protetivo não se esgota no dispositivo

constante no artigo 225. O Título VII, que trata da Ordem Econômica e Financeira, traz

em seu artigo 170, o seguinte:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os

ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VI – defesa do meio ambiente.

O artigo acima citado eleva à condição de princípio da ordem econômica a

defesa do meio ambiente. Do exposto se infere que a ordem econômica estabelecida

constitucionalmente funda-se primeiramente na valorização do trabalho humano

buscando assim, inibir práticas abusivas à pessoa humana, reforçando pois, o princípio da

dignidade humana. Deve basear-se ainda, na livre iniciativa, característica do sistema

capitalista, na justiça social e na observância do princípio de defesa do meio ambiente.

O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo

do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do

pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à

realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também,

ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput22.

A inclusão do princípio da defesa do meio ambiente na ordem econômica,

demonstra a preocupação do legislador que o desenvolvimento não pode estar dissociado

da proteção ambiental. Lembre-se que o desenvolvimento econômica sempre gera algum

21 ANTUNES. op. cit. p. 3022 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 219.

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tipo de impacto ao meio ambiente, porém, deve-se buscar formas no sentido de que este

impacto seja o menor possível, bem como devem existir medidas para compensá-lo.

Devemos lembrar que a idéia principal é assegurar existência digna, através de

uma vida com qualidade. Com isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento

econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa

alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de

forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio

ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto

é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes

adequados para a menor degradação possível.23

A conciliação entre desenvolvimento e proteção ambiental deve ser pautada no

chamado desenvolvimento sustentável, “que consiste na exploração equilibrada dos

recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente

geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras.24

A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir

que ele atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as

gerações futuras atenderem também às suas.25

A meta a ser alcançada com o desenvolvimento sustentável é buscar a aliança

entre o desenvolvimento econômico com o aproveitamento racional e ecologicamente

sustentável da natureza, preocupando-se em conservar a biodiversidade, sem que haja o

esgotamento dos recursos ambientais, garantindo ainda, uma condição mais digna aos

habitantes de nosso planeta, principalmente os que vivem em condições sub-humanas.

Portanto, o desenvolvimento sustentável não pode ser apartado da melhoria da

qualidade de vida das populações pobres ou mesmo miseráveis, visto que o estágio em

que se encontram estas populações é conseqüência da forma de desenvolvimento

econômico adotada que fechou os olhos para populações carentes e para o meio.

O desenvolvimento econômico deve assegurar a existência digna e a justiça

social, que estão umbilicalmente ligadas à proteção do meio ambiente, eis que estes

fatores são indispensáveis para a continuidade da vida em nosso planeta.

23FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 2724 SILVA. op. cit. p. 2625 Nosso futuro comum. O Relatório Brundland. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas. 1990. p. 9.

13

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Fala-se no Direito ambiental econômico, de um princípio de extrema

importância, que é o da ubiqüidade. Consoante este princípio, qualquer atividade a ser

desenvolvida há de estar vocacionada para a preservação da vida e, assim, do próprio

meio ambiente.26

CONCLUSÃO

1. Do estudo realizado neste trabalho, pudemos observar que o novo

tratamento constitucional em matéria ambiental foi um passo fundamental rumo a

preservação do meio ambiente.

2. A partir daí, novas leis ambientais foram promulgadas e já tiveram uma

concepção diversa daquela existente, ou seja, estamos deixando um visão utilitarista do

meio ambiente e partindo para uma visão mais preservacionista dos recursos naturais.

3. Urge, no entanto, que esta mudança atinja não só a legislação ambiental

brasileira, mas que perpasse por cada um de nós, visto que os danos que estão

ocorrendo no meio ambiente têm afetado também os seres humanos, por vezes de forma

violenta e trágica.

4. Isto, como salientado anteriormente passa também por uma mudança na

postura do desenvolvimento econômico, que deve estar aliado à preservação ambiental,

criando mecanismos para melhoria na qualidade de vida dos habitantes deste planeta,

não se esquecendo da preocupação com as gerações que estão por vir.

5. Destarte, as portas para a participação popular foram abertas pela Carta

Magna vigente. Faz-se necessário que cada um de nós assuma seu papel tanto em

defesa do meio ambiente, adotando atitudes concretas neste sentido. De nada valerá um

arcabouço da legislação ambiental louvável, se este não for efetivamente colocado em

prática.

O desenvolvimento econômico no Brasil sempre se fez de forma degradadora e

poluidora pois, calcado na exportação de produtos primários, que eram extraídos sem

qualquer preocupação com a sustentabilidade dos recursos, e, mesmo após o início da

industrialização, não se teve qualquer cuidado com a preservação dos recursos

ambientais. Atualmente, percebe-se a existência de vínculos bastante concretos entre a

preservação ambiental e a atividade industrial. Esta mudança de concepção, contudo, não

é linear e, sem dúvida, podemos encontrar diversas contradições e dificuldades na

26 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico. São Paulo: Método. 2003. p. 199.

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implementação de políticas industriais que levem em conta o fator ambiental e que, mais

do isto, estejam preocupadas em assegurar a sustentabilidade utilização de recursos

ambientais27

27 ANTUNES. op. cit. p. 30

15

Page 16: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

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17

Page 18: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

Nelson Santana do Amaral *

1. INTRODUÇÃO

A questão do meio ambiente tem sido a grande preocupação da maioria dos

países desenvolvidos nos últimos anos desta década, levando-os a se reunirem em

conferências para lançar postulados ou princípios norteadores de uma convivência

pacífica, harmoniosa e proveitosa na relação do homem com a natureza. Desde a

Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente, conhecida como Convenção de

Estocolmo, realizada em 5 a 16 de junho de 1972, na Suécia, que se declarou

solenemente a necessidade de proteger o meio ambiente para as gerações presentes e

futuras.

O Brasil, dentro desta perspectiva de proteção ao meio ambiente, editou a Lei

nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, dispondo acerca do parcelamento do solo urbano;

A Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, dispondo sobre a criação de Estações Ecológicas

e Áreas de Proteção Ambiental; e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981, dispondo

sobre a Política Nacional do Maio Ambiente, tendo como objetivo a preservação, melhoria

e recuperação da qualidade ambiental estabelecendo princípios e instrumentais de

execução dessa política.

Realiza-se no Rio de Janeiro, de 03 a 14 de junho de 1992, a Conferência das

Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, reafirmando a Declaração da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, aprovada em Estocolmo, em 16

de junho de 1972. O Brasil passa a elaborar uma política de desenvolvimento sustentável.

É sobre a inflexão desses compromissos que foram elaboradas as normas legais

específicas que foram bem recepcionadas pelo legislador constituinte de 88, onde o

Brasil, pela primeira vez, a nível de norma constitucional, estabelece uma política do meio

ambiente, com normas programáticas, impondo a todos a sua observação .

Finalmente, eleva o Meio Ambiente à condição de matéria constitucional,

recepcionando princípios e regras sobre a matéria, no Capítulo VI, do Título VI – Da

Ordem Econômica e Financeira – no art. 225, § 1º à 6º.

Neste trabalho, pretendemos mostrar como a Constituição Federal abordou a

questão ambiental no Brasil, disciplinando a matéria, dizendo dos deveres do Poder

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Público e das condutas do particulares. Mostraremos os princípios e regras que emanam

da Magna Carta como orientadores da tutela constitucional ao meio ambiente. Antes,

faremos um escorço histórico sobre a legislação infraconstitucional anterior a Carta de

88 e a sua influência na normatização constitucional específica sobre o meio ambiente.

1.1. A EVOLUÇÃO DA CONSCIÊNCIA MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE.

Atualmente, os países desenvolvidos em todo o mundo se voltam para a

discussão sobre a ecologia na busca de alternativas de solução que lhes permitam um

desenvolvimento sem agredir o meio ambiente. Alternativas de desenvolvimento chamado

de sustentável, ou seja, com um real equilíbrio entre desenvolvimento e o uso racional

dos recursos ambientais. É uma tomada de consciência a partir de desastres ecológicos

causados pelo uso irracional de tecnologias modernas, sobretudo em experiências

nucleares, a céu aberto e no subsolo, do lixo radioativo, de grandes desmatamentos, do

uso indiscriminado de agrotóxicos, do despejo de lixos industriais nos mares e rios, e de

tantos outros problemas gerados pelo homem na sua relação dialética com a natureza. O

homem, nesta sua angústia pela busca de novas tecnologias, na busca de novas formas

de progresso, acaba por traçar para si mesmo um caminho quase sem retorno.

Sem embargo, a degradação do meio ambiente preocupa a todos, sobretudo

nas grandes aglomerações urbanas, nos grandes centros industriais das economias mais

avançadas, preocupação que pressente os riscos que corremos, diminuindo a nossa

qualidade de vida. Precisamos despertar o quanto antes para isso, sobre pena de

sucumbirmos pela nossa próprias mãos. Certo o biólogo da USP, Álvaro Fernando de

Almeida, (1998:7), quando assevera que: “se for possível sobrevivermos enquanto

humanidade, nos próximos séculos, essa sobrevivência passa necessariamente pela

conservação da biodiversidade “.

Biodiversidade, meio ambiente, ecossistema, são palavras de grande

significado no mundo de hoje, em face dos inúmeros agentes poluidores, em face do uso

irracional dos recursos naturais. Arnold Toynbee ( 1979: 17 )já advertia:

"Qualquer espécie que utilize demais seus recursos renováveis ou estoque, os

insubstituíveis condena-se à extinção. O número de espécies extintas que

deixaram vestígios no registro geológico é assombrosamente elevado, em

comparação com o número das ainda existentes“.

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Page 20: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Nas décadas de 60 e 70 as empresas mantinham uma postura de resistência à

idéia de que poderiam estar causando impactos desfavoráveis ao meio ambiente. Porém,

problemas ecológicos concretos como o caso do Lago Eire nos Estados Unidos, que foi

dado como morto e, na Europa, o Rio Reno que estava em chamas com a emanação de

gases tóxicos ou, no Japão, onde ocorria o envenenamento das pessoas através do

mercúrio orgânico, foram casos concretos que levaram-nas a pensar melhor acerca do

meio ambiente tornando-se, em muitas situações, parceiras na política de

desenvolvimento sustentado.

A poluição é assim um fenômeno que afeta a vida de todos os serem vivos,

especialmente do homem. A tomada de consciência de que os atos de degradação do

meio ambiente causa sérios problemas à humanidade é que tem levado os países do

mundo moderno a estabelecer diretrizes na busca de um desenvolvimento sustentável.

Antes dessa época, vale transcrever aqui o que mostram Ophir Filgueiras

Cavalcante e Suzy Elisabeth Cavalcante Koury ( Direito Ambiental e a Questão

Amazônica, OAB, Conselho Federal, 1989 – Introdução, p. 13, ) citados por Toshio Mukai

(1992:102): “O homem da antigüidade, que se considerava parte integrante de um mundo

em que o humano, o divino e o natural encontravam-se entrelaçados, convivia em

harmonia com o meio ambiente."

Essa harmonia originária foi abalada pela afirmação definitiva da cultura

antropocêntrica, que fez do homem a medida de todas as coisas, pelo racionalismo

cientificista e, por último, pelo triunfo do liberalismo”, como observou com acuidade

Heisenberg (La Nature dans la Psyque Contemporaine, Paris, Galimard, 1962):

“A consideração da natureza como algo distinto do mundo divino só começou a

firmar-se a partir do século XVIII. A natureza, não mais cenário da participação

da vida divina e humana, tornou-se objeto indiferente e homogêneo das

experiências científicas. O termo natureza passou a designar muito mais uma

descrição científica da natureza, do que ela mesma. As montanhas, as florestas,

os rios, as fontes, os astros celestiais e os próprios animais foram morrendo e

desaparecendo aos poucos do cenário humano, reduzidos a equações

matemáticas, fórmulas científicas, esquemas racionais e pragmáticos, elementos

físicos do universo".

O fato mais marcante da evolução da tomada de consciência da humanidade

sobre ecologia, foi a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, realizada

20

Page 21: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

entre os dias 05 a 16 de junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia, quando ali,

solenemente, se declarou que o homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade

e às condições de vida satisfatórias em um meio ambiente cuja qualidade lhe permita

viver com dignidade e bem-estar. Estabelece ainda que o homem tem o dever solene de

proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.

A situação mundial do meio ambiente apresenta aspectos interessantes. Os

países ricos são pobres em biodiversidade, ao contrário dos países pobres que são,

geralmente ricos em biodiversidade, porém pobres de recursos para investir neste

importante segmento da vida humana. O Brasil, por exemplo, detém a maior

biodiversidade do mundo, todavia, por falta de recursos e investimentos neste setor, não

estamos conseguindo mantê-la, nem conservá-la e nem preservá-la.

1.2. DELIMITAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE MEIO AMBIENTE

Mas, antes de adentramos ao tema que a nos propomos, necessário se faz

delimitarmos o conceito jurídico de meio ambiente para uma melhor compreensão desta

exposição. O conceito jurídico de meio ambiente sofre as inflexões da sua normatização

em diplomas diversos, aparecendo como “patrimônio público a ser necessariamente

assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo" (Lei nº 6.938, de 31.08. 81 – art.

2º, I). Na mesma lei, ele é conceituado como “conjunto de condições, leis, influências e

interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em

todas as suas formas“. (art. 3º, I). Na Carta de 88 ele aparece como “direito difuso“ (art.

129, III) e como “direito de todos“, e como “ bem de uso comum do povo, essencial à

sadia qualidade de vida“. Segundo o texto constitucional vigente, a tutela do meio

ambiente aparece como um direito essencial à saúde, portanto, neste sentido o conceito

de ambiente ganha uma maior amplitude para significar qualidade de vida.

Mas, buscando analisar o disposto no texto constitucional temos que o meio

ambiente não se limita apenas ao conjunto formado pelo solo, água, ar atmosférico, flora,

fauna (art. 225, caput, § 1º,da CF), envolvendo também todos os elementos naturais

responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem,

formando o meio ambiente natural. Temos ainda o meio ambiente cultural (art. 215 e 216

da CF) composto do patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico,

científico e pelas sínteses culturais que integram o universo das práticas sociais das

relações de intercâmbio entre o homem e a natureza; o meio ambiente artificial (CF – art.

221,XX, 182 e §§ e 225) constituído de edificações, equipamentos, rodovias e demais

21

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elementos que formam o espaço urbano ou construído pela ação humana: o meio

ambiente do trabalho (CF – art. 200,VIII) formado pelo conjunto dos bens, instrumentos e

meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce as suas

atividades laborais, segundo a classificação extraída do texto constitucional por Sebastião

Valdir Gomes (1999:29).

Os autores portugueses, como muita razão, afirmam que a expressão meio

ambiente se constitui em um pleonasmo visto que “meio”e “ambiente” são sinônimos. Mas

a expressão já se encontra consagrada na sociedade brasileira superando a expressão

ecologia, como anota Toshio Mukai.

Por outro lado, segundo nos informa Toshio Mukai, foi Ernest Haeckel

(Generelle Morphologie der Organísmen, de 1866) quem criou o termo ecologia,

“designando o estudo da influência do meio ambiente sobre os animais ( do grego: oikos

= casa/logos = ciência ) ”e definida como “a investigação das relações totais do animal

tanto com seu ambiente orgânico como inorgânico”. (1992:120). Daí ser extraído o

conceito de Ecossistema denominando as interações do meio físico com as espécies que

nele habita e vive.

De tudo isso, sente-se que o termo meio ambiente envolve uma complexidade

de elementos na sua definição, sendo tomado desde ‘direito individual’, como assinala

Paulo de Bessa Antunes (1994:79) ou como integrante do rol dos “ novos direitos

humanos “, como afirma Antônio Augusto Cançado Trindade (1993:38), ou como “direito

difuso”. Estas divergências acentuadas na doutrina segue-se por conta de ser um tema

ainda novo e, via de regra, carente de uma formulação conceitual mais objetiva. Assim,

tem-se que o conceito jurídico de meio ambiente, como acontece com os institutos do

direito administrativo, é o que emana da lei, da própria constituição, sem perder de vista

os conceitos outorgados pelas outras ciências do homem, na medida em que fornecem

elementos integradores a uma interpretação mais ampla do conceito.

2. NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS SOBRE MEIO AMBIENTE ANTERIORES À

CONSTITUIÇÃO DE 88

No que se refere à normatização constitucional, temos a que as constituições

anteriores a de 1988 não fizeram qualquer referência ao meio ambiente, de forma

específica, embora podemos encontrar referências de forma genérica relativamente às

22

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riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça e pesca, nas cartas anteriores,

mas se tratava de pontuar a questão pela ótica da competência legislativa e das

atribuições dos poderes públicos.

A constituição de 1824 não fez qualquer referência à matéria ambiental, nem

tampouco o Ato Adicional de 1826 A constituição de 1891, em seu art. 24, nº 29, atribuía

competência legislativa à União para legislar sobre as suas minas e terras. No entanto, as

constituições de 1934 (art. 5º, inciso XIX, alínea “j“), de 1937 (art. 16, inciso XIV); de 1946

(art. 5º, inciso XV, alínea “l“), de 1967 (art. 8º inciso XVII, alíneas “h“ e “I“) e a Emenda nº

1, de 17 de outubro de 1969 (art. 8º, inciso XV, alínea “b “ e inciso XVII, alíneas “h“ e “i“)

dispunham que competia privativamente à União legislar sobre bens de domínio federal,

sobre o subsolo, mineração, metalurgia, água, energia elétrica, floresta caça e pesca,

sendo que a emenda de 1969 se referia a energia elétrica, térmica, nuclear ou qualquer

outra.

Vamos encontrar também referências ao meio ambiente na legislação ordinária

como no Código Civil, quando trata do direito de vizinhança (arts. 554/578/582583) e do

direito de construir ( 572/573/587).O verbo poluir aparece no art. 584, do Código Civil,

assim: "São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar para o uso diário a água

de poço ou fonte alheia, a elas existentes".

Igualmente encontramos referências ao meio ambiente, ainda que

indiretamente, no Código Penal, quando trata dos crimes contra a saúde pública (arts.

267/268/269/270 e 270 § 1º), na Lei das Contravenções Penais (arts. 37/38) e na

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Legislação de Infortunística (Dec-Lei nº

7.036, de 10.11.45) Dentro das normas codificadas, temos: O Código de Águas (Decreto

nº 24.643, de 10/07/1934), o Código Florestal ( Lei nº 4.771, de 15/09/65 ), o Código de

Caça (Lei nº 5.197, de 03.01.67), o Código de Mineração ( Dec-Lei nº 227, de 28/02/67 ) e

o Código Brasileiro do Ar (Lei nº 6.833, de 30/09/80) que também trazem disposições

relativas ao meio ambiente. O anteprojeto de lei do Código Penal tratava dos crimes

contra o meio ambiente (Título XIII).

Já dentro do espírito da proteção ao meio ambiente, decorrente da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente realizada em Estocolmo, na

Suécia, de 05 a 16 de junho de 1.972, surge a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981,

tratando da Política Nacional do Meio Ambiente, dispondo que o objetivo dessa lei e “ a

23

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preservação, melhoria e recuperação da qualidade de vida ambiental propícia à vida,

visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos

interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana,

estabelecendo vários princípios assecuratórios da execução dessa política. A Lei nº

7.347, de 24 de julho de 1.985 que trata da Ação Civil Pública se constituiu em importante

instrumento na defesa dos interesses difusos e coletivos, onde se insere o meio ambiente.

Toda essa legislação foi, em grande parte, recepcionada pelo legislador

constitucional de 1988, como veremos adiante.

3. O MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DE 88

É a primeira vez, na história constitucional brasileira, que uma constituição

dedica inteiramente um capítulo à matéria ambiental. A Constituição de 1988, no Título

VII - Da Ordem Econômica e Financeira - dedicou o capítulo VI ao Meio Ambiente,

preconizando medidas de efetividade do direito ao meio ambiente a cargo do Poder

Público, nos incisos I à VII, do § 1º, e nos parágrafos 2º ao 6§, do art. 225, determinando

regras e princípios gerais norteadores da política ambiental nacional, além de apresentar

outras disposições referentes ao mesmo tema em outros capítulos da Magna Carta.

Dentro do espírito de uma constituição que destaca e privilegia medidas próprias do

Estado Democrático de Direito, proclamadas no seu art. 1º, atende a reivindicações de

grupos ambientalistas que reclamam uma política de proteção maior aos ecossistemas e

ao próprio homem e preconiza medidas fundamentais para a cidadania.

Embora a Carta de 88 assegure à União a supremacia, quanto à competência

para legislar sobre à proteção ambiental, sobre os demais entes da federação,

encontramos competências distribuídas para os estados e para os municípios. Neste

aspecto, José Afonso da Silva (1994:49) anota que existe competência material exclusiva,

competência material comum, competência legislativa exclusiva e competência legislativa

concorrente. À União incumbe a elaboração da política geral do meio ambiente, além de

outras disposições pertinentes estatuídas no art. 21 e 22, da Magna Carta. A competência

material comum entre a União, Estados, o Distrito Federal e os municípios está estatuída

no art. 23, incisos III e IV e VI e VII. A competência concorrente está delimitada no art. 24,

incisos VI, VII e VIII. No âmbito desta competência cabe à União estabelecer as normas

gerais. A competência dos Estados é suplementar, não tendo competência exclusiva em

matéria de meio ambiente. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990:193) entende que a

responsabilidade ali prevista não é a criminal e nem a civil, em face da competência

24

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exclusiva da União para legislar sobre esta matéria. Entende ele que a competência ali

referida é a de caráter administrativo. José Afonso da Silva questiona o fato de que

embora seja prevista competência concorrente para legislar sobre a responsabilidade pelo

dano ecológico ( art. 24, VIII ), tendo a União a competência para estabelecer normas

gerais e o Estado normas suplementares, diz que encontra aí dúvidas e controvérsias à

vista do disposto no art. 22, I, da Constituição Federal, que dá a competência privativa da

União para legislar sobre direito penal e civil. Critica o entendimento de Manoel Gonçalves

Ferreira Filho dizendo que a sua interpretação esvazia o preceito, uma vez que, em sendo

uma inovação, como ele mesmo reconhece, não seria apenas para legislar sobre matéria

administrativa, o que já é competência de todas as unidades federadas. Assim, conclui o

mestre José Afonso da Silva que a União estabeleceria as normas gerais deixando aos

Estados e Distrito Federal as providências suplementares. Diz, textualmente:

“A lei federal não incidirá em inconstitucionalidade se, nesse assunto, determinar

aos Estados que, por lei própria, definam a responsabilidade do causador do

dano ecológico nas situações a eles peculiares, como também não se reputará

inconstitucional a lei estadual que, na inexistência de lei federal, suprir a

carência, com base nos parágrafos do art. 24 da Constituição“. (1994: 208)

Ao se analisar as disposições referentes ao meio ambiente contidas na Carta

Maga de 88, verifica-se que o legislador constituinte recepcionou as normas contidas na

Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual estabelece a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação.

O legislador constitucional de 1988, no art. 225, se expressou sobre o direito ao

meio ambiente, in verbis:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao

Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações.

No caput do art. 225, vemos o meio ambiente definido como bem de uso

comum - res cummuni omnium - e pela primeira vez tutelado, uma vez que a tradição do

Brasil é a ausência de tutela jurídica dos bens de uso comum, tidos como bens de

ninguém ou res nullius, conforme anota Adriana Fagundes Berger.

O direito ao meio ambiente se constitui assim em direito subjetivo público de

toda pessoa humana, conferindo ao Estado a responsabilidade não só de regrar mas de

25

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fazer cumprir os ditames constitucionais, sobretudo assegurando para as presentes e

futuras gerações uma sadia qualidade de vida.

Trata-se de norma constitucional programática onde, para assegurar a

efetividade direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o legislador impôs ao

Poder Público a obrigação de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais a

todo o ecossistema, além de medidas de fiscalização, controle e de proteção

estabelecendo que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores a sanções penais, administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados.

Paulo de Bessa Antunes (1992: 72) observa que a inserção do capítulo sobre o

meio ambiente no setor destinado à ordem econômica é equivocada, “na medida em que

implica em uma escala de valores que, nem sempre, será favorável à proteção ambiental

“, contudo ressalva que isto não significa impedimento para a defesa do meio ambiente.

3.1. AS OBRIGAÇÕES DO PODER PÚBLICO PARA COM O MEIO AMBIENTE

Diz o § 1º , do art. 25, da Constituição de 1988, expressamente:

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo

ecológico das espécies e ecossistemas.

Neste inciso temos que o legislador constituinte impôs ao Poder Público o

dever de defender e preservar o meio ambiente tomando as medidas e providências

indicadas no § 1º, do art. 225, visando assegurar a efetividade do direito de todos ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado. Emerge da disposição deste artigo o princípio da

responsabilidade pública que será adiante analisada, imputando ao Poder Público a

obrigação de elaborar medidas efetivas que assegurem o cumprimento do preceitos

constitucionais sobre o meio ambiente, seja ele a União, o Estado ou o Município.

A preservação dos processos ecológicos essenciais não é apenas uma

obrigação do Poder Público, através dos seus diversos órgãos, como quer Paulo de

Bessa Antunes (1992:83), mas também uma obrigação dos entes particulares quando,

por força de sua atividade, mantiver alguma relação com algum ecossistema. O mesmo

se pode dizer da restauração que não é apenas uma obrigação das entidades públicas

voltadas para esta tarefa. Também aqui entendemos que a restauração dos processos

26

Page 27: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

ecológicos essenciais pode ser feita pelo particular, ainda que decorrente de decisão da

administração, mas, sobretudo, em face de atividade que desenvolva e que tenha caráter

poluidor ou degradante ao meio ambiente.

Paulo de Bessa Antunes questiona também a expressão “processos ecológicos

essenciais “ dizendo ser a mesma incoerente e contraditória, em face de que a interação

e o equilíbrio são as características fundamentais da vida em natureza. Para ele, o

legislador constituinte quis apenas “resguardar uma estrutura mínima capaz de assegurar

a reprodução e desenvolvimento de determinado ecossistema, ou seja, compete ao

Estado sustentar o equilíbrio ecológico“.(1993:84). Ressalta da necessidade de buscar

uma conceituação adequada de que seja natureza biológica e ecológica a fim de permitir

uma melhor exegese jurídica do inciso acima comentado.

Neste sentido destaca que o equilíbrio ecológico é constituído pela participação

desigual de todos os elementos que constituem as comunidades vivas que se

interrelacionam no interior de um determinado ecossistema. Cita Negret, que preleciona

assim:

“(...) cada ser vivo desempenha função específica qualitativa e quantitativamente

nessa dinâmica energética, e é justamente nessa participação desigual, nesse

desequilíbrio complementar que se baseia a estabilidade do sistema. A

desigualdade é a alma que impulsiona a evolução e a revolução. De cada um,

segundo as suas possibilidades; a cada um, segundo suas necessidades. Esta

lei universal cumpre-se inexoravelmente e conduz o processo histórico na

evolução da matéria“. (1995:25)

Citando Roger Dajoz que assim diz conceitua ecossistema:

"um ecossistema apresenta certa homogeneidade do ponto de vista topográfico,

climático, botânico e zoológico, pedagógico, hidrológico e geoquímico. As trocas

de matéria e de energia entre seus constituintes fazem-se com intensidade

característica. Do ponto de vista termodinâmico o ecossistema é um sistema

relativamente estável no tempo e aberto (...).”

No que se refere ao “manejo ecológico“ das espécies e ecossistemas, entenda-

se que o legislador constituinte quis dizer da necessidade de se utilizar os recursos

naturais de acordo com as peculiaridades ambientais locais. Assim, é preciso que a

utilização dos recursos naturais não venha a desvirtuar as características fundamentais

de cada região, de cada sítio ecológico. Cabe ao poder público observar estritamente este

27

Page 28: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

preceito constitucional não autorizando qualquer atividade que venha a destruir as

características básicas de uma determinada realidade ecológica. II - Preservar a

diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades

dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

Questão altamente complexa é a posta pelo presente inciso pois envolve a

matéria de engenharia genética, tema que já vem preocupando os povos mais

desenvolvidos do mundo. Entendemos, ao lado de José Afonso da Silva, que o legislador

constituinte não apenas se preocupou em tratar de material genético referente às

espécies animais e vegetais, mas também do patrimônio genético humano. O

desenvolvimento da biogenética na época atual com as experiências já realizadas tem

sido realmente um desafio para a consciência ética da humanidade. Isto tem levado à

sistematização de estudos sobre a bioética, como uma ciência da vida e de suas

transformações genéticas. As experiências de clonagem como a da ovelha “Dolly “ e

outras experiências, como o bebê de proveta, através do congelamento de cromossomas,

tem levado os juristas e estudiosos a pensarem em uma legislação capaz de conterem os

abusos das experiências genéticas com grandes prejuízos para o ser humano, como

ocorre na Europa, onde já se fizeram congressos sobre o tema.

Enfim, a preservação da diversidade biológica do país indica a necessidade de

serem tomadas medidas efetivas no sentido de se respeitar o direito à existência e ao

desenvolvimento, independentemente dos critérios de utilidade, pureza ou sanidade, das

raças e das espécies animais e vegetais de exercerem os seus diversos papéis dentro

dos ecossistemas. É uma garantia da sua preservação contra os atos de manipulação da

espécie humana:

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a

supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que

comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

A definição dos espaços territoriais e seus componentes a serem

especialmente protegidos já se encontra respaldada na legislação infraconstitucional

existente a qual oferece os elementos administrativos que permitem ao poder público

cumprir com esta obrigação constitucional. Com efeito, segundo Sebastião Valdir Gomes,

os principais institutos estabelecidos pela lei e que possuem diferentes níveis de ação do

Poder Público para a preservação ambiental, são: a) O zoneamento ambiental; b) As

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Page 29: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

reservas e estações ecológicas; c) As áreas de proteção ambiental; d) As áreas de

relevante interesse ecológico; e) As florestas de preservação permanente. (1999:54).

No que concerne ao zoneamento ambiental, trata-se de um instrumento

importante para o Poder Público poder planejar e ordenar a ocupação dos espaços

territoriais e à utilização do solo, de acordo com as atividades e os recursos naturais

disponíveis em cada espaço territorial. O objetivo da disposição constitucional constante

deste inciso é definir quais são as áreas proibidas ou permitidas para esta ou aquela

atividade que tenha natureza poluidora ou degradadora do meio ambiente. É um

poderoso instrumento de intervenção do Estado na racionalização do uso dos espaços

territoriais e dos seus componentes, mormente quando se trata de área a ser preservada

em razão das suas condições ambientais, formar um ecossistema tecnicamente

caracterizado.

No que concerne às áreas industriais, já objeto do Dec-Lei nº 1.413, 14 de

agosto de 1975, a Lei nº 6.803, de 02 de julho de 1980, antes mesmo do advento da

Carta de 88, já regulamentara a matéria, ao subdividir as zonas ambientais em três tipos:

a) zonas de uso estritamente industrial; b) zonas de uso predominantemente industrial; c)

zonas de uso diversificado (§ 1º, do art. 1º). A primeira, se refere as zonas onde podem

ser localizados os estabelecimentos industriais cujos resíduos sólidos, líquidos e gasosos,

ruídos, vibrações e radiações possam causar perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança

das populações, mesmo depois da aplicação de métodos adequados ao controle e

tratamento de efluentes, segundo determinações que lhe sejam apropriadas (art. 2º)

Dispõe a citada lei ainda que:

§ 1º - As zonas a que se refere este artigo deverão:

I - Situar-se em áreas que apresentem elevada capacidade de assimilação de

efluentes e proteção ambiental, respeitadas quaisquer restrições legais ao uso

do solo;

II - Localizar-se em áreas que favoreçam a instalação de infra-estrutura e

serviços básicos necessários ao seu funcionamento e segurança;

III - Manter, em seu contorno, anéis verdes de isolamento capazes de proteger

as zonas circunvizinhas contra possíveis efeitos residuais e acidentes.

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Page 30: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

§ 2° - É vedado, nas zonas de uso estritamente industrial, o estabelecimento de

quaisquer atividades não-essenciais às suas funções básicas, ou capazes de

sofrer efeitos danosos em decorrência dessas funções.

As zonas ditas de uso predominantemente industrial destinam-se,

preferencialmente, à instalação de indústrias cujos processos, submetidos a métodos

adequados de controle e tratamento de efluentes, não causem incômodos sensíveis às

demais atividades urbanas e nem perturbem o repouso das populações. (§ 3º). As zonas

a que se refere este artigo deverão:

I - Localizar-se em áreas cujas condições favoreçam a instalação adequada de

infra-estrutura de serviços básicos necessária a seu funcionamento e segurança;

II - Dispor, em seu interior, de áreas de proteção ambiental que minimizem os

efeitos da poluição, em relação a outros usos.

As zonas denominada de uso diversificado destinam-se à localização de

estabelecimentos industriais cujo processo produtivo seja complementar das atividades

do meio urbano ou rural em que se situem, e com elas se compatibilizem,

independentemente do uso de métodos especiais de controle da poluição, não

ocasionando, em qualquer caso, inconvenientes à saúde, ao bem-estar e à segurança

das populações vizinhas.

As reservas e estações ecológicas estão previstas na Lei nº 6.902, de 27 de

abril de 1981, na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 e no Decreto de nº 99.274, de 06

de junho de 1990, são destinadas a realização de pesquisas básicas e aplicadas à

ecologia, à proteção do ambiente natural e ao desenvolvimento da educação

preservacionista. Compõem-se estas reservas as denominadas reservas biológicas e os

parques nacionais.

Relacionam-se ainda entre os espaços territoriais que gozam da proteção

constitucional citados, as chamadas Áreas de Proteção Ambiental (APA) criadas pela Lei

nº 6.938/81, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 7.804/89 e regulamentadas

pelo Decreto nº 99.274/90. Nessas área não há proibição de habitação, residência e

atividades produtivas, contudo, devem ser orientadas e supervisionadas pela entidade

encarrega de assegurar o atendimento das finalidades da legislação instituidora (arts. 28

e 32, do Dec. 99.274/90).

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Page 31: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

As áreas de relevante interesse biológico são aquelas que merecem do Poder

Público cuidados especiais por abrigar exemplares raros na biota regional e estão

definidas no art. 2º, do Decreto de nº 89.936, de 31 de janeiro de 1984.

As florestas de preservação permanente já mereceram tratamento legislativo

especial desde o Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15.11. 65), que já as concebiam como

bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Neste diapasão da relevância

das florestas na preservação ambiental, a Carta de 88, fez referência expressa não só no

art. 225, parágrafo 1º, inciso III e parágrafo 4º, mas também no art. 23, inciso, VIII e no

art. 24, inciso VI, neste último caso, no que se refere à competência comum da União, dos

Estados e do Distrito Federal e dos municípios para preservarem as florestas, a fauna e a

flora, bem como para legislar, concorrentemente sobre florestas, entre os itens.

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente

causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de

impacto ambiental, a que se dará publicidade;

O estudo prévio do impacto ambiental (EIA) não é matéria nova. Ao contrário,

trata-se de mais uma matéria já tratada pelo legislador ordinário, que fora recepcionada

pelo legislador constituinte elevando-a ao nível de matéria constitucional. O § 3º do art.

10, da Lei nº 6.803/80, já dispunha sobre a exigência de estudo prévio de impacto

ambiental.

§ 3° - Além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de

zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior

será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto,

que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada.

O art. 1º, da Resolução de nº 1, de 23.01.86, do CONAMA, conceitua o que

seja impacto ambiental, assim:

“(...)considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas,

químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria

resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente afetam:

I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II - as atividades sociais e econômicas

III – a biota

IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente

31

Page 32: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

V - a qualidade dos recursos naturais ”

Pelo preceito constitucional, todas as atividades potencialmente poluidoras ou

que sejam degradantes ao meio ambiente ou à qualidade de vida ambiental dependem,

para seu licenciamento, de elaboração de estudo de impacto ambiental (EIA) e do

relatório do impacto ambiental (RIMA), cabendo ao Poder Público, através dos seus

agentes ou prepostos a responsabilidade pela infração deste preceito. O Conama

estabeleceu as diretrizes a serem tomadas no Estudo do Impacto Ambiental (EIA) na

Resolução de nº 01/86. Após o estudo do impacto ambiental e apresentado o relatório

segue-se a audiência pública visando expor aos interessados e à comunidade o

resultado do estudo de impacto ambiental, dirimindo-se dúvidas e recolhendo-se críticas e

sugestões Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo

Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente

promoverá a realização de audiência pública. Resta registrar que o instituto da audiência

visa assegurar o implemento dos princípios da publicidade e da participação cidadã, como

afirma Sebastião Valdir Gomes.

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e

substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio

ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a

conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

Entre outros deveres do Poder Público na tutela do meio ambiente está o dever

de controle das atividades e substâncias que comportem risco à qualidade de vida e ao

meio ambiente. Anota, Sebastião Valdir Gomes que o disposto neste inciso já fora

abordado no art. 200, e seus incisos, da Carta Magna, quando tratou das atribuições do

Sistema Único de Saúde. Assevera que se trata mesmo de tautologia, “face à inter-

relação que possuem com as matérias em epígrafe, o que demonstra que a temática do

meio ambiente não pode ser entendida e pratica fora do contexto da saúde pública, já que

ambas dizem respeito à qualidade de vida“. Em que pese o alto conhecimento do

renomado mestre, ousamos discordar do entendimento de que a matéria do meio

ambiente deveria ter sido tratada no contexto da tutela da saúde pública. Sem querer ser

adepto da febre legiferante de que são tomados os nossos legisladores e nem ser adepto

de uma carta constitucional abrangente, entendem dos que a elevação do tema do meio

ambiente ao nível de tratamento constitucional se impôs pela relevância da matéria para o

mundo hodierno. Além do mais entendemos que a temática do meio ambiente, pela sua

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Page 33: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

complexidade e abrangência, não deveria ficar restrito à seção “Da saúde“. A sua

elevação a condição de capítulo especial dentro da “Ordem Social“ evidencia a

preocupação do legislador constituinte com um tema tem importante para as gerações

presentes e futuras de nosso país. O seu destaque constitucional tem a finalidade de

despertar a atenção de todos e de se lutar pela sua efetivação como norma programática

constitucional.

A expressão “qualidade de vida“, segundo relata Sebastião Valdir Gomes,

embora muito utilizada na atualidade, carece de um conceito jurídico próprio que está

para ser construído. No entanto, pode ser tomada no sentido do estado de bem-estar

físico, mental e social, estabelecido pelas condições da existência humana.

Neste inciso, devemos destacar que o controle de produção, comercialização e

o emprego de substâncias que comportem risco para vida, a qualidade de vida e o meio

ambiente se trata de matéria que se insere no capítulo dos direitos fundamentais da

pessoa humana. Direito a ser informado sobre quais são as substâncias que comportam

risco para a qualidade de vida humana, mas também para o meio ambiente na medida em

que os riscos a que se expõem o meio ambiente se trata de risco a que se expõe a vida

humana. Assim, impõe-se ao poder Público o poder-dever de informar acerca de

agrotóxicos, conservantes químicos em alimentos e bebidas, produtos farmacêuticos e

produtos químicos outros que afetam as condições de vida e a qualidade de vida. São

direitos que, pela sua natureza, são chamados direitos difusos e coletivos, tendo o Estado

um papel preponderante na mantença de informações cruciais à existência humana,

devendo ser responsabilizado no caso de omissão.

Dentro da necessidade de se conscientizar a população sobre a importância do

meio ambiente, como direito comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

estabeleceu a Magna Carta a obrigatoriedade do Poder Público promover a educação

ambiental em todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade,

objetivando capacitá-la para participar ativamente na defesa do meio ambiente. A Lei nº

6.938, de 3108.81, no seu art. 2º, inciso X, já preconizava a matéria que foi recepcionada

pela Magna Carta. Porém a sua elevação a preceito constitucional fortalece a disposição

de caráter ordinário contida na lei mencionada. Embora seja uma disposição legal de

aplicação imediata, no sentir de todos os juristas que abordaram o tema, ser considerada,

portanto, como uma norma plenamente eficaz, por conter todos os requisitos necessários

à produção dos seus efeitos, contudo, ainda se nota que tal dispositivo não vem sendo

regularmente cumprido pelas escolas, quer de nível de 1º, 2º e de 3º graus. Cabe ao

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Page 34: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Poder Público, em todas as suas esferas, fiscalizar o cumprimento deste inciso da Magna

Carta, sobretudo porque se trata de norma imperativa de ordem pública, que mereceu do

legislador constituinte o destaque da obrigatoriedade, o que não ocorreu a nenhuma outra

disciplina do ensino.

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou

submetam os animais à crueldade.

A proteção a fauna e a flora já encontrava suporte jurídico em leis

infraconstitucionais especiais anteriores à Carta de 88. Assim, a fauna com a Lei nº 5.197,

de 03 de janeiro de 1967 que “dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências“

e a flora com a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1.995 (Código Florestal), tiveram

tratamento especial pelo legislador ordinário.

Em verdade, a proteção à fauna, foi elevada à condição de mandamento

constitucional deixando de ser res nullius como dispunha o Código Civil (art. 593, I), ou

seja, coisa de ninguém, para passar a ser patrimônio comum do povo gozando da

proteção efetiva do Poder Público. Pelo Código Civil os animais bravios, enquanto

entregues a sua natural liberdade, eram considerados coisas sem dono e sujeitas à

apropriação. A Lei nº 5.197, de 03.01.67, no seu art. 1º, já modificara esta condição de

coisas sem dono para estatuir que os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase

do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna

silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, são propriedades do

Estado, gozando da proteção no que concerne a proibição de sua utilização, perseguição,

destruição, caça ou apanha.

Desta forma, a Constituição Federal deu nova dimensão à fauna silvestre o que

implica a todos a obrigação de preservá-la.

Quanto à tutela constitucional da flora, como já afirmamos, o novo Código

Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771, de 15.11.65), já elevara à condição de bem de interesse

comum a todos os habitantes do País as florestas existentes no território nacional e as

demais formas de vegetação(art. 1º). A Constituição Federal também outorgou proteção

às florestas que não estejam demarcadas como espaços territoriais de preservação

ambiental permanente pelo Poder Público, lembra Sebastião Valdir Gomes, uma vez que

impôs restrições quanto à exploração de seus recursos naturais pelos seus proprietários,

como expressamente consta dos arts. 23, inciso VIII; art. 24, inciso VI e art. 225, § 1º,

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Page 35: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

inciso IV e § 4º, sendo que a exploração de quaisquer produtos nelas contidos depende

de prévio licenciamento pelo poder Público.

3.2. AS OBRIGAÇÕES DAS PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS PARA COM O MEIO

AMBIENTE.

No parágrafo 2º do art. 225, da Magna Carta está prescrito que “aquele que

explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de

acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.”

Emerge desta imposição constitucional o princípio da atividade poluidora e ao mesmo

tempo o do poluidor pagador ou ainda chamado da responsabilidade ambiental. Pelo

princípio da atividade poluidora não importa que o agente causador do dano ecológico

esteja realizando uma atividade lícita ou autorizada pelo Poder Público. A obrigação de

indenizar decorre da natureza da sua atividade. A doutrina tem sustentado o

entendimento unânime de que a responsabilidade é a objetiva decorrente do nexo de

causalidade existente entre o exercício da atividade e o fato danoso. O que a doutrina e a

jurisprudência tem divergido é quanto às excludentes como o caso fortuito e a força maior.

Assim, as condutas decorrentes de atividades lesivas ao meio ambiente

sujeitam ainda os infratores às sanções penais e administrativas independentemente da

obrigação de reparar o dano (§ 3º, do art. 225 da CF/88). Como já analisado neste

trabalho, ao infrator cabe reparar os danos causados ao meio ambiente mas está sujeito à

dupla penalidade: uma de natureza administrativa e outra penal, mesmo que seja a

pessoa jurídica, conforme exporemos adiante.

4. OS PRINCÍPIOS DA TUTELA CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE

Do texto do art. 225, seus incisos e parágrafos emergem vários princípios de

Direito Ambiental, tuteladores da questão do meio ambiente, que podemos assim alinhá-

los, seguindo também o entendimento de outros estudiosos.

4.1 O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PÚBLICA

Este princípio emerge do disposto no art. 225, caput, “in fine“, da Constituição

Federal que impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente

para as presentes e gerações futuras. Trata-se de obrigação de fazer conferindo-se à

coletividade o direito de exigir do Estado a implementação da política ambiental inclusive

através dos meios judiciais. Esta responsabilidade está traduzida pelo que consta dos

incisos I à VII, do parágrafo 1º, do art. 225, da Carta Magna, como acima comentados.

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Page 36: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Em verdade, deve-se entender como Poder Público a todas as entidades

territoriais públicas, notadamente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Paulo Affonso Leme Machado prefere denominar este princípio como Princípio

da Obrigatoriedade da Intervenção Estatal em função do que consta do Princípio 17 da

Declaração de Estocolmo que preleciona: “Deve ser confiada às instituições nacionais

competentes, a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos

ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente“.

Lembra Machado que este princípio fo amplamente seguido em todo do

mundo.

4.2. O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL

O desenvolvimento econômico sustentável é uma construção teorética nascida

da necessidade de se criar uma política racional de desenvolvimento sem afetar as

condições existenciais humanas. É o princípio que norteia toda a tese da preservação do

meio ambiente como um direito de todos, nos termos do disposto no art. 225, caput, da

Constituição Federal. Segundo a definição de Cristiane Derani (1997:170) é “um conjunto

de instrumentos preventivos, ferramentas de que deve lançar mão para conformar,

constituir, estruturar políticas que teriam como cerne práticas econômicas, científicas,

educacionais, conservacionistas, voltadas à realização do bem estar generalizado de toda

uma sociedade. A constituição de 88 acolheu a tese do desenvolvimento sustentável ou

sustentado, princípio internacional de direito ambiental, ciente dos propósitos que

nortearam a elaboração dos princípios estabelecidos na declaração da Assembléia Geral

das Nações Unidas, em Estocolmo em 1972. Neste conclave assegurou-se que “o

desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um

ambiente de vida e trabalho favorável a criar, na Terra, as condições necessárias à

melhoria da qualidade de vida". Na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Desenvolvimento do Rio de Janeiro, realizada entre 3 e 14 de junho de 1992, foi

reafirmado o princípio de que os seres humanos tem direito a uma vida saudável e

produtiva, em harmonia com a natureza. Este princípio está inserto no § 2º, do inciso VII,

do art. 225, quando ali está estatuído:

Desenvolver uma economia global sustentável é o grande desafio deste novo

milênio. Várias empresas, consciente da necessidade de uma nova postura, aceitam a

responsabilidade de procurar não causar danos ao meio ambiente. Procuram substituir os

produtos e os processos de produção por uma tecnologia mais limpa. É como afirma

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Page 37: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Stuart L. Hart ( 1998:26): “para ser conciso: à medida que procuramos satisfazer as

nossas necessidades, estamos destruindo a possibilidade de futuras gerações

satisfazerem suas necessidades“.

4.3. O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL OU PRINCÍPIO DO

POLUIDOR-PAGADOR

Este princípio visa impor aos responsáveis a obrigação de reparar os danos

causados ao meio ambiente, seja pagando os custos das medidas que o Poder Público

tenha que tomar para eliminar a contaminação ou para reduzir aos padrões estabelecidos

pelo próprio :Poder Público a fim de assegurar a qualidade de vida, de todos, não

importando se o agente causador do dano é pessoa física ou jurídica, de direito público ou

privado. Pressupõe a tomada de consciência por parte dos responsáveis pela atividade

poluidora da necessidade de tomar medidas preventivas ao chamado dano ecológico.

Assim, tem este princípio também um caráter preventivo, na medida em que impõe

sanções, quer de natureza civil, quer de natureza administrativa ou de natureza penal aos

agentes infratores, por desestimular aqueles que exercem potencialmente danosa ao

meio ambiente.

Este princípio emerge da Lei nº 6.938, de 31.08.81, do seu art. 4º, inciso VII,

quando ali está estatuído que: “a Política Nacional do Meio Ambiente visará à imposição,

ao poluidor e ao agente predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos

causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins

econômicos”. Este princípio, diz Paulo Afonso Leme Machado, “afasta a hipocrisia de

afirmar-se que em se taxando o poluidor, ele estaria ganhando o direito de poluir “.(op.

cit.). Lembra o mesmo autor que este princípio constou com o nº 16, da Declaração do

Rio de Janeiro, em 1992.

O princípio da responsabilidade ambiental ou o princípio do poluidor-pagador

na sua materialização estabelece que o agente causador do dano responde independente

de culpa, bastando o nexo objetivo de causalidade entre a sua conduta e a ocorrência do

dano. Aplica-se a chamada responsabilidade objetiva.

A teoria objetiva da responsabilidade civil se traduz como da maior importância

para a apuração da autoria do dano causado ao meio ambiente, uma vez que consagra o

princípio da obrigação de reparar independentemente de culpa já preconizado pela Lei nº

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6.938, de 31 de agosto de 1981 e recepcionado pelo legislador constitucional no citado §

3º, do art. 225. Por este princípio, não exclui a obrigação de indenizar, ainda que a

atividade desenvolvida pelo agente causador do dano é lícita ou se foi autorizada pelo

órgão competente, ou se obedeceu aos padrões técnicos ditados pela administração

pública para o exercício de suas atividades. Neste aspecto, como preleciona a Dra.

Adriana Fagundes Berger, (1998 s/d), “o titular da atividade assume todos os riscos dela

oriundos, não se operam como causas excludentes de responsabilidade o caso fortuito e

a força maior“. É a chamada teoria do risco integral que impõe o dever de indenizar pelo

simples fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo.

E mais adiante preleciona Berger: “Então, para que exista o dever de indenizar

pelo dano ambiental, basta se constatar a existência do evento danoso e do nexo causal

que aponte o poluidor. O evento danoso é o fato ensejador do prejuízo ao meio ambiente.

O nexo causal é a dedução de que a atividade do poluidor contribuiu para o evento

danoso, independentemente de culpa ou intenção de causar prejuízo ao ambiente.“

Como afirma Adriana Fagundes Berger, esta lei “ao tutelar interesse difuso,

trata o poluidor com o instituto da responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente

de culpa na sua conduta, deve o poluidor reparar o dano causado. Alterando o sistema

que até então dificultava a condenação do poluidor em razão da quantidade de provas

exigidas da vítima além de todas as excludentes de responsabilidade que podem ser

invocadas por aquele sistema que agora, com a responsabilidade objetiva, não é mais

possível. Antes, apenas o dano culposamente causado era passível de indenização,

restando à vítima a hercúlea tarefa de provar que o violador agira com culpa, o que, no

mais das vezes, não era logrado“

4.4. O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO OU DA PRECAUÇÃO

Este princípio, lembrado por Sebastião Valdir Gomes, traduz a compreensão

de que existe um conjunto de danos ambientais que são irreversíveis ou de difícil

reparação, tais como a extinção de uma espécie, os efeitos radioativos, a destruição de

florestas (e, por conseguinte, de seus ecossistemas e diversidade biológicas milenares), a

desertificação de áreas produtivas, entre outros. Pela natureza desses danos, as medidas

de precaução contra o risco de sua ocorrência devem surtir um maior efeito do que

aquelas tomadas após a ocorrência do fato. Com preleciona o citado mestre, através do

princípio da precaução o que se busca é o afastamento, no tempo e no espaço, do perigo

de dano ambiental, bem como a proteção contra o próprio risco nas atividades

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Page 39: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

potencialmente danosas. O que se busca, enfim, com este princípio é a prevenção não

só de riscos iminentes mas de riscos futuros. É uma posição que tem relevância na

medida em que costumamos somente visualizar apenas a responsabilidade depois que

ocorrem os danos. Dentre as medidas preventivas de possíveis degradação do meio

ambiente está o Estudo do Impacto Ambiental (EIA), previsto desde a Declaração do Rio

de Janeiro, de 1992, através do princípio de nº 17, onde ali se preconizava a necessidade

da avaliação do impacto ambiental, como instrumento racional, a ser realizada para as

atividades propostas em que haja a possibilidade de causar um significativo negativo

sobre o ambiente.

4.5. O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO OU DA COOPERAÇÃO

Embora, a todo o momento, se tenha afirmado neste trabalho que cabe ao

Poder Público a responsabilidade de tomar as medidas necessárias para a efetivação da

política ambientalista, para que todos possamos ter um meio ambiente ecologicamente

equilibrado, não se pode deixar de dizer que o dever de defesa, de preservação do meio

ambiente pertence ao Estado, mas também a todos os cidadãos em particular. Do

processo de conscientização de cada cidadão e de sua interação com o meio ambiente,

procurando a convivência harmoniosa, dependemos nós e as gerações vindouras. Mas,

no momento atual, é preciso que os cidadãos tomem consciência e procurem agir dentro

dos princípios basilares do que a Constituição Federal chamou de que todos tem direito

a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por outro lado, releve-se o papel do

poder Público de fornecer as informações indispensáveis à educação ambiental seja

através de escolas mas também dos meios de comunicação de massa, mas ainda

facilitando o acesso do cidadão interessado às ações judiciais e administrativas que

visem a imposição de sanções aos infratores do meio ambiente ou a obtenção de

reparações decorrentes de atividades poluidoras.

O princípio da participação ou da cooperação pressupõe a atuação conjunta do

Poder Público e da sociedade civil, seja estabelecendo prioridades nas políticas públicas

em matéria ambiental, seja estabelecendo formas de atuação em parceria. O princípio da

cooperação deflui da interpretação do art. 225, da Carta Magna, quando declarou

expressamente ser dever de toda a coletividade atuar na defesa e proteção do meio

ambiente. Releve-se, neste aspecto, a participação necessária das Organizações Não-

Governamentais (ONGs), nos órgãos colegiados, bem com a participação de outros ou

instituições, como escolas, universidades, além de pessoas de notório saber que devem

participar dos conselhos ambientais.

39

Page 40: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

4.6. O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Poderíamos alinhar ainda os princípios da publicidade, embora regente de toda

a Administração Pública e o princípio da universalidade ou da ubiqüidade, como o faz,

Sebastião Valdir Gomes. O primeiro baseado no fato de que todos tem o direito de

receber, dos órgãos públicos, as informações de interesse individual e coletivo, em

matéria ambiental.

4.7. O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE OU DA UBIQÜIDADE

Significa que a preservação do meio ambiente saudável, como essencial à

sadia qualidade de vida, é tutelada normativamente como um valor universal de

extraordinária relevância dentro das políticas públicas porque se refere às próprias

condições da existência humana.

4.8. O PRINCÍPIO DA ACUMULAÇÃO DAS SANÇÕES

O legislador constitucional, dentro do princípio da acumulação das sanções,

dispôs no § 3º do art. 225, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, além da civil, quando preconizou a obrigatoriedade dos infratores

repararem os danos causados. Aqui emergem a teoria objetiva da responsabilidade civil e

a teoria da criminalização da pessoa jurídica.

Fiel ao espírito da Carta de 88, a Lei nº 9.506, de 12 de fevereiro de 1998, ao

dispor sobre os crimes contra o meio ambiente, estabelecendo as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, identifica os

agentes ativos, aqueles que concorrem para a prática dos crimes previstos nesta lei, na

medida da sua culpabilidade, seja pessoa física ou jurídica.

No que concerne à criminalização da pessoa jurídica, na forma disposta no §

3º, do art. 225, temos que a Lei nº 9.506, de 12 de fevereiro de 1.998, no seu art. 3º,

dispôs que “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e

penalmente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da

sua entidade”.

40

Page 41: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Também esta lei não excluiu a responsabilidade da pessoa física quando

autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato com as pessoas jurídicas (parágrafo

único, do art. 3º).

Desde que a personalidade da pessoa jurídica for obstáculo ao ressarcimento

de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, será essa desconsiderada.

Do ponto de vista da ação penal esta é pública incondicionada, todavia esta lei

prevê a aplicação da Lei nº 9.099/95, visando a composição de dano ambiental, além da

aplicação de penas restritivos de direitos da pessoa jurídica, a suspensão de atividades e

a interdição.

Ao explorador dos recursos minerais que degradar o meio ambiente fica

obrigado a recuperá-lo de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público

competente, na forma da lei. (§ 2º, do art. 225 da CF/88. Neste sentido, o legislador

constitucional abraça o princípio do poluidor pagador, de que nos fala Antônio Herman

Benjamim, partindo do princípio do Direito Ambiental de imputar ao poluidor os custos

sociais da poluição por ele causada, prevenindo, ressarcindo e reprimindo os danos

ocorridos, não apenas a bens e pessoas, mas também à própria natureza. Cumpre

salientar que este princípio não se resume na simplicidade de quem polui paga, posto que

não se trata de princípio de compensação dos danos causados pela poluição, mas vai

mais além, posto que inclui também os custos da proteção ambiental de qualquer ordem

como prevenção, reparação e repressão do dano ambiental.

4.9. O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Preocupado em preparar as gerações futuras para preservar o meio ambiente

dispôs a legislador que compete ao Poder Público promover a educação ambiental em

todos os níveis de ensino e realizar a conscientização pública (inciso VI, do § 1º,do art.

225, da CF/88). A educação deve ser calcada em postulados positivos capazes realmente

de mudar a consciência refratária do brasileiro sempre arredio à mudanças de costumes,

diga-se maus costumes, arraigados na sua cultura. Álvaro Fernando de Almeida

(1998:29) afirma peremptoriamente: “Não adiante proibir o homem, tem que educar o

homem. Se tivermos uma chance de sobrevivência nesse planeta, vai ser através da

educação. Educação ambiental séria, não coisa de fundo de quintal. Tem que ter técnica

para fazer isso. Hoje, vender natureza é tão difícil quanto vender sabonete na televisão”.

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Page 42: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

A educação ambiental é o caminho para o homem viver em harmonia

consciente com a natureza.

5. REGRAS DA TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE

A Constituição Federal estabeleceu os mesmos princípios da distribuição das

competências em geral das entidades federativas quando tratou da matéria relativa ao

meio ambiente. Assim, temos regras de competência e regras específicas sobre o meio

ambiente.

5.1. REGRAS DE COMPETÊNCIA DA TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO

AMBIENTE

O Poder Público chamou para si a incumbência da defesa e preservação do

meio ambiente para as gerações presentes e futuras, tomando as providências e medidas

constantes dos incisos I à VII, do § 1º, do art. 225, da Carta Magna. No entanto,

estabeleceu a competência exclusiva da União para traçar a política geral do meio

ambiente. Nos art. 21, IX, estabeleceu a sua competência exclusiva para elaborar e

executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento

econômico e social, onde, lembra José Afonso da Silva, se insere o estabelecimento de

planos nacionais e regionais de proteção ao meio ambiente. No inciso IV, do art. 22, está

sua competência privativa para legislar sobre águas e energia.

Nos incisos III,IV, VI e VII, do art. 23, está estabelecida a competência comum

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em matéria de direito

ambiental cultural e natural, como a proteção das obras e outros bens de valor histórico,

artístico e cultural, os monumentos, as paisagens notáveis e os sítios arqueológicos

(inciso III). Impedir a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens

de valor histórico, artístico ou cultural (inciso IV) e o combate a poluição em qualquer de

suas formas (inciso VI) e a obrigação de preservar as florestas, a fauna e a flora (inciso

VII).

A competência legislativa concorrente da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios está prevista no art. 24, incisos VI, VII e VIII, quando ali se

preconiza que lhes compete legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da

natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle

da poluição (inciso VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e

42

Page 43: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

paisagístico (inciso VII); responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a

bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso VIII);

Para José Afonso da Silva, no âmbito da legislação concorrente, a União tem

competência para estabelecer normas gerais, no entanto, salienta que os Estado não tem

como legislar sobre dano ecológico, face o que consta no art. 22, I, da Constituição

Federal, que diz competir privativamente à União legislar sobre matéria civil e penal. Para

o renomado mestre, os Estados não tem competência exclusiva em matéria de meio

ambiente, restando-lhe a competência legislativa supletivas e complementar. Cita neste

sentido as várias leis emanadas da União, onde os estados e municípios deverão

observar as diretrizes gerais dessas leis na elaboração dos seus planos referentes ao

meio ambiente. No que se refere ao município a competência se insere no campo das

ações materiais, ou seja, no campo da execução de leis protetivas do meio ambiente do

que legislar sobre o assunto.

Encontramos ainda no texto constitucional regras diversas tratando de matéria

concernente ao meio ambiente, direta ou indiretamente.

Assim, no art. 5º e seu inciso LXXIII - dos Direitos e Deveres Individuais e

Coletivos - dispôs sobre a legitimidade de qualquer cidadão propor ação popular contra

ato lesivo ao meio ambiente. No Capítulo em que trata da competência da União

relativamente aos seus bens e sua competência para legislar sobre a biodiversidade em

geral. (art. 20, incisos II à XI e seu § 1º e no art. 21 e seus incisos XII, letra b, XIX, XX,

XXIII, letras a, b, e c, XXIV, art. 22 e seus incisos III à VII, 24 e incisos VI à VIII).

Estabelece normas referentes aos Estados e Municípios, bem como ao Conselho de

Defesa Nacional (arts. 26, 30 e 91 e seus incisos), ao Ministério Público (art. 129, inciso

III), e no Título da Ordem Econômica e Financeira, arts. 170, incisos I à VI; 173 § 3º; 174,

§ 3º; 186, incisos I e II). Ainda no aqui analisado Título da Ordem Social, nos arts. 196,

200, incisos IV e VIII; 216, incisos I à V, § 1º à 5º; 220 § 3º, incisos I e II, § 4º; 231 § 1º à

6º e art. 232.

5.2. REGRAS CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS SOBRE MEIO AMBIENTE

A constituição Federal no art. 225, e seus parágrafos e incisos , estabelece

regras específicas sobre o meio ambiente. São disposições relativas às obrigações do

Poder Público e dos particulares no que concerne a defesa e preservação do meio

ambiente. Destas regras se extraem teorias e princípios já acima comentados que

norteiam os estudos de Direito Ambiental.

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Page 44: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

No § 3º, do art. 225, temos: " As condutas e atividades consideradas lesivas ao

meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Da interpretação deste parágrafo, emergem regras ou teorias ou ainda

princípios como a teoria da criminalização da pessoa jurídica pela primeira vez, na história

do Direito Brasileiro. Ao impor, ao mesmo tempo, sanções penais e administrativas às

pessoas jurídicas, por condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente,

estamos diante da regra ou princípio da acumulação das sanções. O legislador

constituinte estabeleceu que a obrigação de reparar o dano causado. Todavia, foi a Lei nº

6.938, de 31.08.81, que estabeleceu que o poluidor é obrigado a indenizar ou a reparar os

danos causados ao meio ambiente, independentemente de culpa. É o princípio ou teoria

da responsabilidade objetiva pelo dano ecológico.

Dos incisos I à VII, do § 1º, do art. 225, temos a determinação de

comportamentos ou de regras a que o Poder Público se submete. Assim, temos;

preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais (inciso I); preservar a

diversidade e a integridade do patrimônio genético do país (inciso II); definir os espaços

territoriais e seus componentes a serem protegidos (inciso III).

6. CONCLUSÃO

A legislação ambiental brasileira, tanto a contida na Carta de 88 como a

legislação ordinária é considerada pelos especialistas como instrumentos adequados para

a gestão ambiental. Todavia, melhor se não tivéssemos qualquer legislação, mas

estivéssemos suficientemente educados para conviver com o meio ambiente na forma

como ele nos foi apresentado desde os primórdios do nosso país. Temos uma legislação

boa, mas falta-nos recursos financeiros e meios técnicos de gerir o problema ambiental,

de forma racional e sistemática para dele usufruirmos o melhor sem esgotá-lo, sob pena

de também com ele sucumbirmos.

Sobre o futuro do meio ambiente, várias são as expectativas. A Agenda 21,

gerada a partir da ECO 92, está aí envidando esforços, buscando parcerias, em vários

municípios, pelo desenvolvimento sustentável, conscientizando todos sobre a

necessidade de estabelecermos uma relação harmoniosa, racional e lógica com o meio

ambiente. O caminho parece ser realmente o desenvolvimento sustentável. Neste

aspecto, os americanos começaram a explorar a idéia da desmaterialização da sociedade

humana. Segundo Vera Maria Weigand 1998: 15): “A desmaterialização foi definida como

44

Page 45: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

a redução no tamanho ou a diminuição no peso dos materiais utilizados nos produtos

finais industrializados ou na ‘energia embutia’ dos produtos”(11).

É a chamada visão para “além do verde” (beyond greening) que nos orienta a

encarar a sustentabilidade como algo além do controle da poluição.

Em recente artigo publicado no jornal “A Tarde”, Lutero Maurício, pós-

graduando em Ecologia e Gestão Ambiental e coordenado do meio ambiente da

SEPLAM/Prefeitura Municipal de Salvador, com muita propriedade diz que se tivéssemos

que dar um nome ao século XX, nós o chamaríamos de ‘século dos 3 Ds’: século do

desenvolvimento, século da degradação ambiental e século do despertar da consciência

ecológica. Conclui, dizendo que “ por uma questão de sobrevivência do planeta, o século

XXI se apresenta como a necessidade de se constituir no Século do 3 Rs: século do

repensar, doreciclar e dorecuperar.“(12).

O Min. Sydnei Sanches, em palestra proferida sobre o tema, afirma:

“Vê-se, pois, que, no Brasil, a proteção ao meio ambiente só não se

tornará efetiva se os legitimados a defendê-lo não o fizerem

adequadamente ou não estiverem devidamente aparelhados para isso.

Ou, ainda, se o Poder Judiciário, com suas eternas deficiências de

pessoal suficiente e qualificado, suas invencíveis insuficiências

orçamentárias e administrativas, ou à falta de entusiasmo de seus

membros e servidores, não puder responder, a tempo e hora, aos

reclamos da sociedade brasileira. Normas constitucionais e legais é que

não faltam.“(1998, s/d).

A constituição de 1988 e a legislação posterior dá-nos a condição de dizer que

estamos devidamente instrumentalizados, do ponto de vista legal, para defendermos o

meio ambiente, que é a nossa própria defesa, tornando-o saudável, preparando-o para as

gerações presentes e futuras. Tudo depende de nós.

45

Page 46: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Cadernos do Centro de Recursos Ambientais – CRA-Bahia, Caderno III, Série Palestras,

2ª ed. rev. , Salvador: 1988

ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental, 2a. ed., Rio de Janeiro: Renovar,

1992ERGER,

Adriana Fagundes. “Responsabilidade Civil por Dano Causado ao Meio Ambiente”, in CD-

ROM da Juris Síntese, Porto Alegre: Síntese, 1999.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, São Paulo: Max Limonad, 1997.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição de 1998, vol. I, São

Paulo, Saraiva, 1990.

GOMES, Sebastião Valdir. Direito Ambiental Brasileiro: Porto Alegre, Síntese, 1999.

HART, Stuart L. Atuação Empresarial Além do Verde: Estratégias Para Sustentabilidade

do Mundo Futuro in As Empresas e a Sustentabilidade, Cadernos in Cadernos do Centro

de Recursos Ambientais, 2ª edição. CRA-Bahia, Caderno I, Salvador: 1988

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental, São Paulo: Malheiros,

1.994.

MAURÍCIO, Lutero. Século XX – O Século da Degradação Ambiental in A TARDE:

Salvador, pág. 8, Caderno I, Opinião, em 05.06.2000.

MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado, Rio: FU, 19

MARIA CÉLIA DELDUQUE. Advogada. Especialista em Direito Sanitário e

Mestranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Planejamento e Gestão Ambiental

da Universidade Católica de Brasília.

46

Page 47: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

RESUMO

Este artigo, sobre os elementos normativos e fáticos que deram ensejo à aprovação do

plantio da soja transgênica no Brasil, em 2003, ressalta as situações em que a proteção

do meio ambiente e da saúde, hospedada na Constituição Federal, foi desconsiderada.

Aborda, também, a discussão sobre o princípio da precaução, a evolução do conceito e a

sua aplicabilidade ao tema.

Palavra-chave: soja transgênica, meio ambiente, saúde, Constituição Federal, princípio

da precaução.

ABSTRACT

This paper, about the normative and factual elements that allowed the approval of the

plantation of transgenic soybean in Brazil, in 2003, remarks the situations which the

protection of the environment and the public health, helded by the Federal Constitution,

was disconsidered. Approach, also, a discussion about the precaution principle, the

evolution of the concept and its application in this subject.

Discriptors: transgenic soybean, enviroment, health, Federal Constitution, precaution

principle

INTRODUÇÃO

A edição da Medida Provisória nº 131, pelo Chefe do Poder Executivo,

autorizando o plantio de soja geneticamente modificada, ou soja transgênica, no Brasil,

sem o devido Estudo de Impacto Ambiental – EIA – e em desprestígio ao Princípio da

Precaução, serviu para acirrar o debate entre aqueles que defendem um posicionamento

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Page 48: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

preventivo quanto a utilização de produtos geneticamente modificados, lançados no meio

ambiente e postos ao consumo humano, e aqueles que consideram que só haverá

avanços econômicos se o país adotar, com a possível brevidade, essa nova tecnologia,

especialmente na agricultura.

Pela observação do cenário político em que se desenrolou tal episódio,

depreende-se que as estruturas estatais passam a estabelecer suas prioridades nas

análises econômicas em desfavor das estruturas sociais e institucionais representadas

pelas garantias constitucionais conquistadas em 1988.

É claro que é ainda imprecisa a avaliação das conseqüências do uso de OGM

para a saúde e para o meio ambiente. É a revolução tecnológica alterando um paradigma

fundamental que nos conta Kuhn (1) (1992 p.13), cem anos após outra revolução científica

que levou à formulação do projeto de lei da vacinação obrigatória, saga empreendida pelo

Presidente Rodrigues Alves e seu Diretor de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, e que deu

ensejo à célebre Revolta da Vacina, na cidade do Rio de Janeiro, em 1904 (2). De um lado,

estão os que defendem que os sacrifícios à biodiversidade compensam os benefícios

econômicos trazidos por estes produtos da engenharia genética. Ao revés, outros criticam

o fato de que, por não se ter ao menos relativa certeza científica, a fim de garantir

segurança contra possíveis efeitos danosos à saúde e ao meio ambiente, tais produtos

deveriam submeter-se a mais pesquisas. A questão que se coloca é relacionada ao

cultivo da soja transgênica no Brasil onde, de um lado, está a precaução legítima

assecuratória da saúde e do meio ambiente e, do outro, um prejuízo econômico nacional

de monta aos agricultores do sul do país.

Cabe ao Direito o papel de pacificador do conflito entre essas duas vertentes.

No entanto, o Direito, como destaca Silva (2002, p. 413), levado ao sabor dos interesses

de diferentes grupos, não encontrou ainda o seu ponto de equilíbrio no conflito entre dois

princípios: o da liberdade da atividade econômica e a necessária proteção ao meio

ambiente. "A lei passou a atender a interesses de grupos, as partes da sociedade, e não

mais ao interesse público" (DALLARI, 2002, P. 65).

TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE E DA SAÚDE

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Page 49: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 225 que:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder

público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações" (grifo nosso)

Muito embora o termo "sadia qualidade de vida" possa não ser exato,

especialmente porque o conceito varia entre grupos sociais e mesmo através do tempo,

pode-se entender como "sadia qualidade de vida", o conjunto das condições externas à

pessoa que consiste e favorece seu desenvolvimento integral, tanto na dimensão

individual como coletiva, compreendendo, de maneira não exaustiva, a garantia de saúde,

ensino, moradia, trabalho, lazer e, óbvio, qualidade do meio ambiente. Deste modo, a

tutela do meio ambiente está em função da tutela da qualidade de vida como observa

Silva (1997). Esta afirmativa está em conformidade com o texto constitucional, segundo o

qual, o meio ambiente é elemento essencial à "sadia qualidade de vida" e que, por isso, o

artigo 225 da Constituição Federal de 1988 deve ser lido em consonância com os

princípios fundamentais inseridos nos artigos 1º a 4º do mesmo diploma, que fazem da

tutela ao meio ambiente um instrumento de realização da cidadania e da dignidade da

pessoa humana.

Nesse sentido, o devido cuidado na regulação, licenciamento e fiscalização de

atividades possivelmente causadoras de degradação ou poluição ambiental têm amparo

não somente no meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF), mas,

também, na garantia do direito à saúde previsto no art. 196 da Constituição Federal.

Ainda está consignado na Carta Maior que a ordem econômica deve observar

os princípios da defesa do meio ambiente e que, para a instalação de atividade

potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, é exigido o Estudo de

Impacto Ambiental (art. 170, VI e art. 225, IV CF/88).

Como pode-se aferir, o objeto do direito constitucional é a tutela do meio

ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, "a conservação e a salvaguarda dos

recursos naturais em suas diversas angulações, extravasando as acepções limitadas à

paisagem, à ordenação do território e à salubridade do ambiente" (FARIAS, 2002, p. 118).

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Page 50: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

Constata-se, ainda, que as normas constitucionais impõem ao Estado, não uma postura

corretiva, realizada após o dano, mas uma postura preventiva, ou seja, a de preservar e

defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Também, à sociedade é dada a

exigência de não atentar contra o ambiente e a incumbência de impedir que atentem,

tanto que a Constituição colocou à sua disposição ações específicas que possam ensejar

a atuação da cidadania em prol da natureza.

O caso da soja transgênica no Brasil, projeção in vitro do conflito entre o capital

mundial e a "esfera pública não estatal" (ARAUJO, 2003) impôs a toda a sociedade a

exigência de um olhar mais atento aos interesses e manobras políticas e do capital

globalizado bem como uma participação mais efetiva na proteção do nosso patrimônio

ambiental e da saúde pública.

A CHEGADA DA SOJA TRANSGÊNICA AO BRASIL

Antes de tudo, é preciso entender que "Organismo Geneticamente Modificado

é todo organismo cujo material genético (DNA/RNA) tenha sido modificado por qualquer

técnica de engenharia genética, entendida como atividade de manipulação de DNA/RNA

recombinante, mediante a modificação de segmentos de DNA/RNA natural ou sintético

que possam multiplicar-se em uma célula viva" (SANTOS, 2002, p.90). O milho Bacillus

Thuringienses, o Milho Bt, por exemplo, possui uma proteína que tem a capacidade de

matar o inseto que procura alimentar-se de partes da planta, trata-se de uma planta

biocida. A soja geneticamente modificada é apta a tolerar expressivas quantidades de

herbicidas, sem sofrer alterações, como a chamada soja Roundup Ready - RR, na qual foi

introduzido um gene com o código de uma proteína que funciona como antídoto ao

veneno.

Em 5 de janeiro de 1995, quando foi editada a Lei nº 8.974 – mais conhecida

como a Lei da Biossegurança – o Chefe do Poder Executivo vetou o artigo que criava a

Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio –, órgão colegiado

multidisciplinar pensado pelo Legislativo com a finalidade de prestar apoio técnico

consultivo e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e

implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM. Porém, no Decreto

que regulamentou esta Lei (Decreto nº 1.752/95), foram dadas competências e

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composição à CTNBio, reconhecendo sua vinculação ao Ministério da Ciência e

Tecnologia. Ao vetar o artigo da Lei que criava a CTNBio, deu-se vida a uma comissão

"surreal " que passou a funcionar sem o devido amparo legal.

Durante a existência "virtual" da CTNBio houve a emissão de inúmeras

instruções normativas, pareceres técnicos prévios conclusivos e certidões de qualidade

em biossegurança. Ao apreciar o pedido da Monsanto no sentido de cultivar a soja RR no

Brasil, a CTNBio baseou-se em estudo denominado Análise de Risco – Risk Assessment

– realizado nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Porto Rico e Argentina. Segundo

Reale (2001, p. 112) para a aprovação do pleito da Monsanto, de cultivo da soja RR,

houve a dispensa do Estudo de Impacto Ambiental e conseqüente Relatório de Impacto

no Meio Ambiente – EIA/RIMA – porque o Risk Assessment mostrava-se mais adequado

se comparado ao EIA/RIMA, para o caso. A Comissão tomou esta decisão com base no

Decreto nº 1.752/95, que se transcreve:

"Art. 2° - Compete à CTNBio:

XIV - exigir como documentação adicional, se entender necessário, Estudo

de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente

(RIMA) de projetos e aplicação que envolvam a liberação de OGM no meio

ambiente, além das exigências específicas para o nível de risco aplicável." (grifo

nosso)

Impressiona a rapidez com a qual estes produtos geneticamente modificados

estão sendo introduzidos nos países. A pressa em se aprovar o plantio da soja

transgênica no Brasil foi capaz de dar à "virtual" CTNBio, por meio de um Decreto, a

possibilidade de dispensar o EIA/RIMA, instrumento exigido pela Constituição Federal e

pela legislação ambiental (3). É a pressão de quem detém a tecnologia sobrepujando a

legalidade em nome da eficiência econômica.

Esta autorização não chegou a ser posta em prática teoricamente, porque uma

Ação Civil Pública foi promovida contra a União pelo Instituto de Defesa do Consumidor –

IDEC. Dentre as discussões jurídicas sobre a dispensa do EIA/RIMA pela CTNBio, foi

debatido a própria legalidade da existência da Comissão e com a emissão de uma liminar,

ficou suspensa a autorização de cultivo da soja RR no Brasil.

51

Page 52: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

No entanto, em face do ingresso clandestino no território brasileiro de

sementes de soja geneticamente modificada e da incapacidade (ou vontade política) do

Governo Federal de fiscalizar as áreas de cultivo no Brasil, as sementes foram plantadas.

Em 2001, o Chefe do Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 2.191,

com a finalidade de alterar a Lei de Biossegurança, dando, desta maneira, existência legal

a CTNBio e validando, então, seus atos administrativos praticados no passado.

Revertendo-se a lógica que ampara o Estado Democrático de Direito, os

grupos de apoio às sementes RR, com penetração nas mais altas instâncias estatais,

fizeram com que, em março de 2003, o novo Governo, pressionado, editasse a Medida

Provisória nº 113 para solucionar "o problema" (4).

Esta MP foi transformada na Lei nº 10.688 em 13 de junho de 2003, embora

consagrasse uma desobediência à uma decisão judicial e legitimasse a comercialização

do produto de um crime - prática constatada de contrabando de sementes - explicita não

haver vontade de ter-se outras safras transgênicas no país. Assim, a excepcionalidade da

autorização do comércio dos grãos fica demonstrada em dois momentos: no primeiro,

quando afirma que a comercialização deverá se dar até janeiro de 2004 e que o estoque

que sobrar seja incinerado, com completa limpeza dos espaços de armazenagem e

quando impõe a incineração como forma de destruição das propriedades produtivas das

sementes. Porém, não se esperava que, uma vez mais, o Poder Executivo iria reverenciar

o ilícito. O pior ainda estava por vir.

Eis que, então, em 26 de setembro de 2003, sob a perplexidade da população

brasileira, foi editada a Medida Provisória nº 131. Esta MP regulamentou o primeiro

plantio de organismo geneticamente modificado em escala comercial no Brasil, fato este

que atesta a situação insólita em que o governo colocou o país, autorizando o que havia

proibido a Lei nº 10.688 há somente três meses.

Na MP nº 131, em seu art. 1º, onde é estabelecido o objeto e o âmbito de

aplicação da norma, é determinado que a Medida Provisória se aplique às sementes da

safra de soja 2003, reservadas pelos agricultores para uso próprio, aquelas mesmas

proibidas de serem plantadas após janeiro de 2004, conforme a Lei nº 10.688/03.

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Uma vez mais, o Governo Federal anuncia que os descumpridores da Lei nº

10.688/03 que guardaram sementes poderão utilizá-las em novos plantios porque, como

dito, o plantio autorizado refere-se às sementes para uso próprio (5), guardadas pelos

agricultores da safra de 2002. No Congresso, a MP não sofreu significativas mudanças.

A MP nº 131 ainda obriga o produtor/comerciante de soja à assinatura do

Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta – TCRAC –, que

terá eficácia de título executivo extrajudicial. Além de ser inconstitucional, a adição do

TCRAC no rol dos títulos executivos extrajudiciais por medida provisória, por se tratar de

matéria processual, a MP omite a sanção pelo descumprimento da assinatura do referido

termo, restringindo-se às questões de ordem de financiamento.

Além disso, a MP impõe ao produtor de soja transgênica a responsabilidade

pela indenização ou reparação integral independentemente de culpa, pelos possíveis

danos causados ao meio ambiente e a terceiros, eximindo completamente a indústria

produtora das sementes e o próprio Estado autorizador do plantio. Neste assunto, o

Congresso incluiu a empresa detentora da patente de soja geneticamente modificada no

rol dos responsáveis, corrigindo uma omissão da MP e declara que os royalties devidos,

só serão cobrados na comercialização das sementes e não na dos grãos, além de vedar

aos agricultores a comercialização da soja como semente. (6)

A Medida Provisória geneticamente modificada pelos interesses econômicos

alienígenas e dominadores do mercado global" (PRUDENTE, 2003) afronta o Estado

Democrático de Direito. A MP desconsidera a harmonia entre os Poderes Públicos ao

liberar de forma casuística o que a decisão judicial vetou. Prudente (2003) muito bem

assevera que, se toda vez que decisões judiciais contrariarem interesses do Poder

Executivo e este editar Medida Provisória para anular as decisões da Justiça "só restará à

sociedade brasileira o velório da soberania nacional".

O QUESTIONAMENTO JUDICIAL DA CONSTITUCIONALIDADE DA MP nº 131

Quando da redação deste artigo (nov/dez 2003) três Ações Diretas de

Inconstitucionalidade – ADIN – contra a MP nº 131 tramitavam no Supremo Tribunal

Federal. A primeira delas, de autoria do Procurador Geral da República, a segunda

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promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG (7) –

e a terceira do Partido Verde.

O principal argumento nas três ações é de que a Medida Provisória nº 131 é

inconstitucional, pois a liberação do plantio sem a realização prévia de estudos de

impacto ambiental fere o disposto no artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Outro

ponto questionado pela ADIN é a justificativa apresentada pelo Governo para a edição da

MP nº 131 de 26 de setembro de 2003, de que havia urgência para se resolver o assunto

(prejuízo econômico nacional de monta). O texto defende que o Governo já havia admitido

o plantio ilegal em março, quando publicou a MP nº 113 liberando a venda de soja

transgênica da safra 2002/2003 e que não poderia haver nova invocação ao caráter de

urgência para a safra futura de soja 2003/2004 em matéria já conhecida pelo atual

governo há pelo menos seis meses. Além disso, argumentam as ações que a Medida

Provisória também legitima situações criminosas, como o contrabando de sementes, a

utilização de agrotóxico sem registro e o plantio de sementes não-autorizadas. Há uma

grande expectativa da manifestação do Supremo Tribunal Federal quanto a esta questão

posta a seu julgamento.

O "PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO"

No imbróglio da soja transgênica no Brasil, a resposta para o medo da

população em relação à saúde, à qualidade dos alimentos e ao equilíbrio do meio

ambiente traz para as relações sociais a noção de que a incerteza científica autoriza a

restrição comercial. A esta noção é dado o nome de "principio da precaução". "Assim, o

novo paradigma, em fase de formação que dá às obrigações morais a forma de ética e

transforma o princípio de responsabilidade em precaução é a segurança".(DALLARI &

VENTURA, 2003, p. 36).

O princípio da precaução foi utilizado pela primeira vez no direito ambiental

alemão, na década de 1970 (BOY, 1995, p. 5). No mesmo período, os legisladores norte-

americanos introduziram esse princípio de maneira informal na maior parte das leis

relativas ao meio ambiente, mas foi na Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, que a

precaução foi consagrada expressamente, estando inscrita no princípio n 15 :

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"De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.

Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta

certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas

eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental."

(grifo nosso)

Merece nota a relação que há entre a gravidade da ameaça de dano ao meio

ambiente e à saúde e o grau de incerteza científica presente em cada caso concreto e a

aplicabilidade do princípio da precaução. "Naquelas circunstâncias em que o dano sob

apreciação é considerado muito grave, pode ser observado um relaxamento nas

exigências de indicativos objetivos da plausividade de sua concretização. Já nas

hipóteses em que a ameaça não é considerada tão grave, exige-se um grau maior de

certeza científica para se tornar obrigatória a adoção de medidas de precaução" (WALD,

2003, p.19).

E é exatamente porque em relação aos organismos geneticamente modificados

afirma-se não haver tão grave dano a ser provocado na natureza e na saúde humana que

a certeza científica deve ser apurada, criteriosamente, a fim de se aplicar o princípio da

precaução. "Trata-se, pois, de fenômeno social que implica a radicalização da

democracia: exige-se o direito de participar – possuindo todas as informações

necessárias e indispensáveis – das decisões públicas ou privadas que possam afetar a

segurança das pessoas" (DALLARI & VENTURA, 2002, p.58).

Há uma discussão, entretanto, entre duas correntes jurídico-doutrinárias, sobre

a imperatividade jurídica do Princípio da Precaução no nosso país. De um lado estão os

que consideram que o Princípio da Precaução não é vinculante porque se trata de uma

soft law (8), e que, portanto não seria fonte do direito internacional. De outro lado estão

aqueles que defendem a imperatividade jurídica do Princípio da Precaução, dentre eles,

Caminho (1998, p.156):

"a expressão convenções internacionais, usada no texto do artigo 38 do Estatuto

da Corte Internacional de Justiça, é a mais ampla possível, referindo-se às mais

diversas formas de manifestação de acordo de vontade entre Estados, para o

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Page 56: A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE.docx

fim de dispor sobre direito e obrigações recíprocos, abrangendo, portanto,

convenções, tratados, acordos, ajustes, convênios, pactos, protocolos etc"

Se, no âmbito do direito internacional, discute-se a força coercitiva ou não do

Princípio da Precaução, há de se destacar que no que se refere ao Direito Interno, a

Constituição Federal de 1988, muito embora não tenha declarado expressamente o

Princípio da Precaução, é de se depreender que quis o legislador constituinte adotar uma

postura de segurança diante da dúvida e da incerteza em relação à saúde e ao meio

ambiente, tanto que no artigo 196 declara ser dever do Estado garantir a redução do risco

de doença e de outros agravos à saúde e no artigo 225, inciso IV e V prevê o EIA,

previamente, para a instalação de atividades potencialmente causadora de degradação

ambiental. – "Potencialmente, deve ser compreendido no texto como dano certo, incerto

ou provável" (SAMPAIO, 2003, p.69) –. E o inciso V impõe o dever de controle da

produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que

comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Portanto, a CF/88

admite o princípio da precaução.

CONCLUSÃO

O presente artigo teve a intenção de refletir sobre o impasse acerca do

desenvolvimento econômico representado pela introdução da soja transgênica no Brasil

sem estudos de impacto ambiental e a possível degradação ambiental, que repercute

diretamente na satisfação da qualidade de vida e na efetivação do direito à saúde.

Conclui-se que não há dúvida de que o tema "organismos geneticamente

modificados" merece reflexão e debate. A autorização do plantio da soja transgênica no

Brasil, da forma como foi processada, deixou transparente a intenção dos Poderes

Executivo e Legislativo em priorizar o ganho econômico e a balança comercial do

mercado internacional de soja, em detrimento da proteção à biodiversidade e da saúde do

consumidor brasileiro, desconsiderando a Constituição da República, leis federais e

outros tantos atos normativos protetores da natureza e da saúde, tudo em nome de uma

nova tecnologia produtora de elevados índices de produtividade agrícola. São dessas

concepções errôneas da natureza (de sua capacidade inesgotável de suportar agressões)

e dessa concepção superada do mundo (aumentar a produtividade e o consumo e a

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acumulação de capital), que se enfrenta uma crise sem precedentes em todas as partes

do mundo.

É necessário que haja discussão entre o povo e os governantes, e que a

segurança da saúde e a preservação ambiental, ao lado da ciência e do bom senso,

sejam o mote determinante a indicar o futuro.

Para finalizar, ficamos com as reflexões de Warat (1994, p.101):

"(...) A prática do cuidado é uma forma de forçar o poder para que encontre

limites com os quais deva negociar. A dimensão política do cuidado passa pela

necessidade de dizer não ao poder que nos maltrata. Impondo-lhes limites,

buscando por todos os meios evitar que fiquemos atados por uma estrutura

cesarista. (...) Por aqui começa o sentido mais amplo de cidadania como uma

forma solidária de encontrar-se, autônomo, frente à lei, de exigir cuidado público

da vida.(...) A cidadania como uma questão ecológica e de subjetividade: o

mundo e o outro como limite que me constitui autônomo."

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ambiental: os entornos eco-sócios-territoriais. Artigo apresentado ao II Seminário

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v.2.n.2, Ed. Max Limonad, São Paulo, 1998.

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16, Brasília, jan./mar.2002.

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57

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58

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WARAT, Luis Alberto. Eco-cidadania e direito – alguns aspectos da modernidade, sua

decadência e transformação. Tradução de José Luis Bolzan de Morais. Seqüência, set.

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WOLD, Chris. Introdução ao Estudo dos Princípios de Direito Internacional do Meio

Ambiente. In Princípios de Direito Ambiental na Dimensão Internacional e Comparada, Del

Rey ed. Belo Horizonte, 2003.

NOTAS

1 Thomas Kuhn revela que as revoluções científicas não ocorrem de forma acumulativa

mas com rupturas de teorias até então adotadas. No entanto, as novas realidades

trazidas por essa revolução não são absorvidas pela sociedade da mesma forma,

requerendo-se um lapso temporal para que os novos paradigmas instalados pelas

rupturas de teorias possam ser incorporados na cultura social estabelecida. O paradigma

ao não atender às expectativas de resolução dos problemas provoca anomalias que

geram crises que vão estabelecer novo paradigma. Mais informações em Thomas Samuel

Kuhn, 1992.

2 Para Bagueira Leal, que escrevia artigos sobre artigos, a vacina antivariólica era o

envenenamento forçado da espécie humana. O higienista Nuno de Andrade defendia que

não se poderia obrigar alguém são a vacinar-se para que não adoecesse. J. Carlos

sugeria que o vacinador (Oswaldo Cruz) fosse enfrentado por uma megera munida de um

bom cabo de vassoura. Atesta a imprensa da época que o Código Sanitário aprovado em

1904 era na verdade um Código de Torturas que significa uma agressão à dignidade

humana, um ultraje à probidade médica e um atentado aos brios do povo. Maiores

informações em Valdemar de Oliveira, Oswaldo Cruz, Paixão, Glória e Morte, Academia

Pernambucana de Medicina, 1974.

3 Art. 225, §1, II,IV,V,VII da CF/88; arts. 2, 3, 8, incisos I, II, e 9º, inciso III, da Lei federal nº

6.938/81; art. 8, inciso II, e 9, inciso III do Decreto nº 99.274/90, e cuja definição legal está

inscrita no art. 1º da Resolução nº 001/86 do CONAMA.

4 Ainda recorre-se a metáforas para explicar que o "problema" é conhecido como "Soja

Maradona" ou "Safra Pirata", tendo em vista que as sementes de soja RR que entraram

em território brasileiro na ocasião, fizeram o mesmo caminho que as armas ilegais, drogas

ilícitas e todos os demais contrabandos, ou seja, o caminho da clandestinidade.

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(MIRANDA, Ary. II Seminário de Direito Sanitário. Transgênicos: Uma visão

multidisciplinar. FIOCRUZ, Brasília, 2003). Após o plantio e colheita da soja

contrabandeada, o agricultor viu-se na situação de comercializar a produção ou enfrentar

um duro prejuízo financeiro.

5 Sementes para uso próprio são definidas pelo inciso XLIII, do art. 2º da Lei nº

10.711/2003: "Semente para uso próprio é a quantidade de material de reprodução

vegetal guardada pelo agricultor, a cada safra, para semeadura ou plantio exclusivamente

na safra seguinte e em sua propriedade ou outra cuja posse detenha observados, para

cálculo da quantidade, os parâmetros registrados para a cultivar no Registro Nacional de

Cultivares – RNC".

6 Esta matéria já está regulada na Lei de Cultivares (Lei nº 9.456, de 25/4/97).

7 A Contag representa 15 milhões de trabalhadores rurais (assalariados, permanentes ou

temporários) e agricultores familiares (incluindo comunidades tradicionais extrativistas),

proprietários ou não de terras, organizados em 25 federações estaduais e 3.630

sindicatos, em todo o país.

8 Recomendações, declarações de princípios, pactos e resoluções. Normas flexíveis e

não obrigatórias são tratadas como soft law, ao passo que as duras obrigações das

convenções são tratadas como hard law. Monsserat, José, em artigo publicado na Revista

da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial assevera que soft law pode ser entendido

como um "direito suave", superficial, vago, apenas indicativo, sem detalhamentos, que

não adota compromissos firmes e inquestionáveis. É a opção cada vez mais preferida das

grandes potências, interessadas em manter as mãos livres e regular questões

internacionais por meio de leis nacionais, suas.

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