A Tradição da Saudade

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Quanta saudade do meu pago eu sinto agora Ai, como sofre este gaúcho repentista! Olho pra trás pra ver se enxergo o Rio Grande É muito longe, nem do alto a gente avista. (Razão de uma saudade - Teixeirinha) Gaúchos nos Estados Unidos lutam para manter viva a cultura tradicionalista texto e imagens: Joana Gall A menina de trança atada segue os passos do pai, balançando o xiripá lilás com rendado branco no compasso da gaita. A cada movimento do fole, o casal se movimenta pelo salão e entre uma volta e outra, passam pelas bandeiras do Brasil, Estados Unidos e Rio Grande do Sul penduradas na parede. Olhando mais de perto, é fácil perceber que o chão não levanta a poeira tradicional de um salão de baile, os músicos foram trocados por um aparelho de rádio e o churrasco deu lugar aos salgadinhos. Mesmo assim, Hadassa continua girando, sustentando no ombro direito a faixa de couro com letras queimadas, o orgulho da primeira- -prenda mirim. A brasileirinha, que nunca participou de um rodeio crioulo ou de um festival de declamadores, não conhece outro Centro de Tradição Gaúcha (CTG) que não seja o Saudade da Minha Terra, o qual representa. Mesmo nas- cida no Brasil, a menina de dez anos é denunciada por alguns erros na Língua Portuguesa e, no meio de uma conversa, vez ou outra deixa escapar um “como é que se fala mesmo?”. Hadassa de Souza conta nos dedos quantas vezes visitou a terra natal depois que se mudou, junto com sua família, para a cidade de Newark, em New Jersey, nos Estados Unidos. Para espantar o frio de março, a menina dança na invernada artística do CTG, que vem sendo reformulada e tem planos para visitar o Brasil no próximo ano. “Eu nunca participei de uma competição, mas sei de- clamar e dançar e também ajudo o Saudade, porque essa é a função da primeira- -prenda”. A menina torce as mãos e busca palavras, mas não encontra tradução – nem em Inglês, nem em Português - para explicar o amor pela tradição gaúcha. Hadassa sabe, mesmo sem ter visitado outro CTG, que sua vida fora dos costu- mes riograndenses não seria a mesma. Ainda que a primeira-prenda conheça a cultura, em sua maior parte, através de fotografias ou pela boca dos mais velhos, a menina jura que esta é a melhor infância que qualquer criança pode ter e quando crescer, vai passar tudo o que aprendeu para seus filhos, assim como seus pais fizeram. Pelo salão alugado do restaurante, outras crianças passam correndo ao redor de Hadassa, trocando os pés e os idiomas, brincando de pegar e dançar. O CTG reúne brasileiros vindos de diferentes estados, como Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, além de alguns norte-americanos que nunca tiveram contato com essa cultura, mas hoje, se intitulam gaúchos, vestidos de lenço e bombacha. Enquanto a cuia de chimarrão é entregue de mão em mão, as prendas desfilam com vestidos rodados, confeccionados por elas mesmas, ou importados da terra natal. A erva-mate é outro problema. O chimarrão só chega até Newark quando alguém visita o Brasil ou pelos correios. Ainda assim, Valéria Lessa Shalit, uma das fundadoras do CTG, garante que as dificuldades enfrentadas pelo grupo são as mesmas que qualquer outro Centro de Tradição enfrenta. “O que nos reúne é o amor pela família, pela música e pela tradição. A saudade que temos aqui é a mesma de qualquer outra pessoa que não vive no Rio Grande do Sul sente”. Além de professora na invernada artística do Saudade da Minha Terra, Valéria é filha de um dos maiores estudiosos e defensores da cultura gaúcha, Bar- bosa Lessa. Há 22 anos distante da terra natal, ela segue o legado do pai e oferece aulas de dança para as crianças do CTG. Em uma cidade do exterior, pode pare- cer mais difícil manter os costumes aprendidos ainda no Brasil, mas talvez essa seja a maior razão para preservar a tradição sulina, manter os laços com o lar. Por isso, em Newark, outros tipos de cultura, como por exemplo, a música country, não influenciam tanto no cotidiano e nos eventos do CTG. “O nosso objetivo é seguir a tradição do sul do nosso país, por isso nos reunimos. Se quiséssemos alguma influência de outro estilo musical, não fundaríamos o CTG. A cultura americana afeta muito mais lá no Brasil do que aqui”. Isso não quer dizer que outras pessoas não sejam bem vindas. Valéria lembra que o Saudade da Minha Terra é um ambiente aberto para todos, basta querer aprender e participar dos costumes gaúchos. O Saudade da Minha Terra nasceu em 2004, após um baile com o gru- po Os Serranos. A noite foi um sucesso e faltou ingresso para muitas pessoas, depois disso os brasileiros vindos do sul do país tiveram a ideia de continuar com os encontros e fundaram o CTG. Infelizmente, a vontade dos integrantes foi maior do que a verba, por isso até hoje a entidade gaúcha não tem uma sede fixa. As reuniões acontecem em lugares diferentes todos os meses, geralmente em restaurantes brasileiros. O CTG, com cerca de 60 filiados, tem a documentação atualizada e o reconhecimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). O problema não seria tão grande se não fosse a falta da parte campeira. Sem um terreno apropriado, fica difícil criar os cavalos e manter as atividades do campo, como o laço e a gineteada. Além disso, os Estados Unidos são o país do rodeio country, não crioulo. Por questões financeiras e burocráticas, é complicado pro- mover esses eventos gaúchos, que envolvem muito espaço, dinheiro e animais. Como os tradicionalistas do Brasil, o Saudade respeita os cargos hierár- quicos de dentro de um Centro de Tradições, com capatazes, prendas e peões. O patrão, Fernando Peixoto, deixou Porto Alegre há 11 anos, mas não esqueceu a tradição. Ainda que esteja junto da família, ele lembra com saudade das tardes de domingo em uma roda de chimarrão ou do aroma de um galpão de estância. “Eu valorizo tudo o que meu pai me passou e sentimos muita falta do que tínhamos lá no Rio Grande. Por isso, sempre tentamos programar atividades diferentes aqui”. Fernando, ao contrário de Valéria, acredita que um CTG fora do país enfrenta bem mais dificuldades e falta de apoio. Uma das funções do patrão é unir os inte- grantes e organizar eventos que ajudem na manutenção do grupo, como jantares e costeladas. Além de brasileiros, muitos outros imigrantes moram em Newark e a cidade tem bairros que em época de Copa do Mundo, parecem o Brasil, com bandeirinhas e muros pintadWWos de verde e amarelo. No verão, que acontece entre os meses de junho a setembro no hemisfério norte, a cidade comemora o calor com festas de várias nações, como o Brasil e Portugal. São nesses eventos que os CTG se encontram e os grupos apresentam as danças folclóricas da invernada artística. “Nós já nos apresentamos em festas portuguesas e até os diplomatas vieram para assistir”, conta o patrão orgulhoso.

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A Tradição da Saudade é uma grande reportagem impressa, resultado de um Trabalho de Conclusão no Curso de Jornalismo. As fotografias e o texto foram feitos durante os meses de produção do trabalho e a diagramação da

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Page 1: A Tradição da Saudade

Quanta saudade do meu pago eu sinto agoraAi, como sofre este gaúcho repentista!

Olho pra trás pra ver se enxergo o Rio GrandeÉ muito longe, nem do alto a gente avista.

(Razão de uma saudade - Teixeirinha)

A tradição da saudadeGaúchos nos Estados Unidos lutam para manter viva a cultura tradicionalista

texto e imagens: Joana Gall

A menina de trança atada segue os passos do pai, balançando o xiripá lilás com rendado branco no compasso da gaita. A cada movimento do fole, o casal se movimenta pelo salão e entre uma volta e outra, passam pelas bandeiras do Brasil, Estados Unidos e Rio Grande do Sul penduradas na parede. Olhando mais de perto, é fácil perceber que o chão não levanta a poeira tradicional de um salão de baile, os músicos foram trocados por um aparelho de rádio e o churrasco deu lugar aos salgadinhos. Mesmo assim, Hadassa continua girando, sustentando no ombro direito a faixa de couro com letras queimadas, o orgulho da primeira--prenda mirim. A brasileirinha, que nunca participou de um rodeio crioulo ou de um festival de declamadores, não conhece outro Centro de Tradição Gaúcha (CTG) que não seja o Saudade da Minha Terra, o qual representa. Mesmo nas-cida no Brasil, a menina de dez anos é denunciada por alguns erros na Língua Portuguesa e, no meio de uma conversa, vez ou outra deixa escapar um “como é que se fala mesmo?”. Hadassa de Souza conta nos dedos quantas vezes visitou a terra natal depois que se mudou, junto com sua família, para a cidade de Newark, em New Jersey, nos Estados Unidos. Para espantar o frio de março, a menina dança na invernada artística do CTG, que vem sendo reformulada e tem planos para visitar o Brasil no próximo ano. “Eu nunca participei de uma competição, mas sei de-clamar e dançar e também ajudo o Saudade, porque essa é a função da primeira--prenda”. A menina torce as mãos e busca palavras, mas não encontra tradução – nem em Inglês, nem em Português - para explicar o amor pela tradição gaúcha. Hadassa sabe, mesmo sem ter visitado outro CTG, que sua vida fora dos costu-mes riograndenses não seria a mesma. Ainda que a primeira-prenda conheça a cultura, em sua maior parte, através de fotografias ou pela boca dos mais velhos, a menina jura que esta é a melhor infância que qualquer criança pode ter e quando crescer, vai passar tudo o que aprendeu para seus filhos, assim como seus pais fizeram. Pelo salão alugado do restaurante, outras crianças passam correndo ao redor de Hadassa, trocando os pés e os idiomas, brincando de pegar e dançar. O CTG reúne brasileiros vindos de diferentes estados, como Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, além de alguns norte-americanos que nunca tiveram contato com essa cultura, mas hoje, se intitulam gaúchos, vestidos de lenço e bombacha. Enquanto a cuia de chimarrão é entregue de mão em mão, as prendas desfilam com vestidos rodados, confeccionados por elas mesmas, ou importados da terra natal. A erva-mate é outro problema. O chimarrão só chega até Newark quando alguém visita o Brasil ou pelos correios. Ainda assim, Valéria Lessa Shalit, uma das fundadoras do CTG, garante que as dificuldades enfrentadas pelo grupo são as mesmas que qualquer outro Centro de Tradição enfrenta. “O que nos reúne é o amor pela família, pela música e pela tradição. A saudade que temos aqui é a mesma de qualquer outra pessoa que não vive no Rio Grande do Sul sente”. Além de professora na invernada artística do Saudade da Minha Terra, Valéria é filha de um dos maiores estudiosos e defensores da cultura gaúcha, Bar-bosa Lessa. Há 22 anos distante da terra natal, ela segue o legado do pai e oferece

aulas de dança para as crianças do CTG. Em uma cidade do exterior, pode pare-cer mais difícil manter os costumes aprendidos ainda no Brasil, mas talvez essa seja a maior razão para preservar a tradição sulina, manter os laços com o lar. Por isso, em Newark, outros tipos de cultura, como por exemplo, a música country, não influenciam tanto no cotidiano e nos eventos do CTG. “O nosso objetivo é seguir a tradição do sul do nosso país, por isso nos reunimos. Se quiséssemos alguma influência de outro estilo musical, não fundaríamos o CTG. A cultura americana afeta muito mais lá no Brasil do que aqui”. Isso não quer dizer que outras pessoas não sejam bem vindas. Valéria lembra que o Saudade da Minha Terra é um ambiente aberto para todos, basta querer aprender e participar dos costumes gaúchos. O Saudade da Minha Terra nasceu em 2004, após um baile com o gru-po Os Serranos. A noite foi um sucesso e faltou ingresso para muitas pessoas, depois disso os brasileiros vindos do sul do país tiveram a ideia de continuar com os encontros e fundaram o CTG. Infelizmente, a vontade dos integrantes foi maior do que a verba, por isso até hoje a entidade gaúcha não tem uma sede fixa. As reuniões acontecem em lugares diferentes todos os meses, geralmente em restaurantes brasileiros. O CTG, com cerca de 60 filiados, tem a documentação atualizada e o reconhecimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). O problema não seria tão grande se não fosse a falta da parte campeira. Sem um terreno apropriado, fica difícil criar os cavalos e manter as atividades do campo, como o laço e a gineteada. Além disso, os Estados Unidos são o país do rodeio country, não crioulo. Por questões financeiras e burocráticas, é complicado pro-mover esses eventos gaúchos, que envolvem muito espaço, dinheiro e animais. Como os tradicionalistas do Brasil, o Saudade respeita os cargos hierár-quicos de dentro de um Centro de Tradições, com capatazes, prendas e peões. O patrão, Fernando Peixoto, deixou Porto Alegre há 11 anos, mas não esqueceu a tradição. Ainda que esteja junto da família, ele lembra com saudade das tardes de domingo em uma roda de chimarrão ou do aroma de um galpão de estância. “Eu valorizo tudo o que meu pai me passou e sentimos muita falta do que tínhamos lá no Rio Grande. Por isso, sempre tentamos programar atividades diferentes aqui”. Fernando, ao contrário de Valéria, acredita que um CTG fora do país enfrenta bem mais dificuldades e falta de apoio. Uma das funções do patrão é unir os inte-grantes e organizar eventos que ajudem na manutenção do grupo, como jantares e costeladas. Além de brasileiros, muitos outros imigrantes moram em Newark e a cidade tem bairros que em época de Copa do Mundo, parecem o Brasil, com bandeirinhas e muros pintadWWos de verde e amarelo. No verão, que acontece entre os meses de junho a setembro no hemisfério norte, a cidade comemora o calor com festas de várias nações, como o Brasil e Portugal. São nesses eventos que os CTG se encontram e os grupos apresentam as danças folclóricas da invernada artística. “Nós já nos apresentamos em festas portuguesas e até os diplomatas vieram para assistir”, conta o patrão orgulhoso.

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Mas quando o sol braseia as barras do horizontesSó restam rumos e recuerdos pra seguir

Porém mais vale pra um gaudério esta saudadeDo que não ter saudade alguma pra sentir

(Cambichos – Os Serranos)

Os olhos se enchem de lágrimas quando Sallete Camara se lembra do Rio Grande do Sul. Só de falar da música, dos amigos e da família que deixou, a diarista tem vontade de chorar. Para preencher esse vazio, ela fundou o Piquete Alma Gaúcha, com cerca de 10 inte-grantes. Sallete se mudou há dez anos e não pode visitar Porto Alegre porque não tem a documentação americana. Se sair dos Estados Uni-dos, ela não poderá voltar. Nesse embate, Sallete vai ficando, acom-panhada da filha. “Eu não tinha muitas escolhas lá. Um mês eu não pagava a luz para pagar o aluguel, no outro eu não pagava o gás e pagava a luz, e assim ia”. A ex-professora se mudou para Newark e começou a trabalhar com faxinas, profissão que paga muito bem as contas e garante o con-forto que ela não tinha no Brasil, para onde promete não voltar mais. “Faço o meu horário, sou dona do meu trabalho. Aqui consegui tudo o que não tinha lá, por isso, mesmo com saudades, eu não volto”. Depois de participar do Saudade da Minha Terra, Sallete resolveu unir alguns amigos e fundar o Piquete, que nasceu em dezembro. Como o CTG, o grupo também não desenvolve atividades campeiras e as reuniões acon-tecem ao redor de um chimarrão. Já o 1º capataz, Juarez Zaias, conta os dias para voltar a Pru-

dentópolis, no Paraná. Em 2012, ele quer aproveitar a viagem da in-vernada e, junto com “sua prenda”, voltar para a cidade onde nasceu. O pintor de paredes fez a vida nos Estados Unidos, terra a qual só tem a agradecer, e garante que a fundação do CTG foi a melhor coisa que lhe aconteceu durante esses 12 anos que mora no país. Juarez trouxe de casa o amor pela cultura e quando acusado de não ter nascido no Rio Grande do Sul, ele lembra que “existe muita diferença entre ser gaúcho e ser riograndense”. Mesmo com tantos anos de trabalho, ele permanece ilegal nos Estados Unidos e o impedimento de voltar ao Brasil só faz aumentar a saudade. O casal se mudou para Newark com a mesma intenção da maioria das pessoas, ter sucesso na vida. “Graças a Deus, consegui comprar minha casa, com boa sombra e boa aguada. Agora podem me esperar, porque estou voltando. Minha alma ficou nos faxinais da minha terra, de lá eu brotei e para lá eu vou voltar”. Pilchado a capricho e com o sotaque carregado, Juarez parece um personagem retirado de músicas e poesias gaúchas. O capataz tam-bém é declamador do CTG e para compor os versos, busca inspiração na natureza, no pampa e no cotidiano do homem do campo. Fora do Brasil, ele já declamou mais de 30 poemas, mas de cor ele sabe bem mais do que isso. São cerca de 150 poesias, a maioria do poeta Jayme

De volta ao pagoCaetano Braun, “o melhor que o Rio Grande já viu e com certeza está lá no céu, declamando para o Patrão Celestial”.

Organizando o gaúcho americano Além do Saudade da Minha Terra, mais cinco CTGs foram fundados nos Estados Unidos. Embora sejam todos ativos e mante-nham as atividades, eles não têm muito contanto entre si por causa da grande distância que os separam. Para resolver o problema, os brasilei-ros fundaram a Confederação Internacional de Tradicionalismo Gaú-cho, com os mesmos objetivos do MTG no Brasil: organizar e reunir. Zigomar Vuelma, conhecido por Zico, assumiu há nove meses o posto de presidente e planeja algumas mudanças, a começar pelo nome. “Te-mos que nos reestruturar para conseguir o apoio dos órgãos governa-mentais daqui. O nome, por exemplo, deve ser mudado por questões legais. Depois de tudo pronto, vamos tentar uma verba cultural, por-que por enquanto, estamos por nós mesmos”. Zigomar lembra que um dos motivos da Confederação ter sido fundada foi a falta de apoio encontrado no Brasil. Quando os CTGs começaram a surgir no país, os brasileiros buscaram ajuda de entidades que representam tanto o governo quanto os grupos tradicio-nalistas, mas não tiveram retorno. “O MTG de Santa Catarina ainda foi o que mais nos ajudou. Para se ter uma idéia, o representante daqui, que trabalha no Consulado, não sabia nem o que era um CTG. Sinto que devíamos nos preocupar mais com isso no sentido político”. Todas as entidades promovem eventos para manter os grupos, mas Zico con-fessa que os bailes, importante tradição cultural, não acontecem há um bom tempo. Nos últimos dois anos, principalmente por causa da crise

econômica, tanto a Confederação quanto os CTGs ficaram um pouco parados, já que a maioria das pessoas estava preocupada com emprego e dinheiro, e acabaram se afastando dos eventos. “É mais barato trazer um grupo do Brasil do que contratar alguém daqui, além do quê, exis-te muita burocracia e despesas para se promover uma atividade como essa”. Os Centro de Tradição estão distribuídos nas duas costas dos Estados Unidos, nos estados de Massachusetts, Flórida, Califórnia e Nova Jersey, e todos são muito parecidos no que se refere às condições de infraestrutura e produção de eventos. Um dos mais ativos, o CTG Bento Gonçalves, fica no lado oeste do país, em Los Angeles. “A parte campeira não existe por causa de todas as leis que são diferentes. Mas lá na Califórnia temos o que chega mais próximo, que é uma vaca mecâ-nica. E é o máximo, muito divertido”. Zigomar também já foi patrão do CTG Nova Querência, em Fort Lauderdale, na Flórida, e entregou o cargo no fim do ano passado. Ele estava na diretoria desde que a instituição foi oficialmente fundada, em 1997, mesmo assim afirma que todo o tipo de patronagem deveria ser de no máximo dois anos, renovação para o bem do grupo. No país há mais de 25 anos, Zico faz viagens frequentes para o Brasil e nota que, em certos CTGs, os tradicionalistas do sul do país, por estarem tão próximos da cultura, não dão tanta importância quanto os brasileiros que imigraram. “O Brasil faz coisas maravilhosas, como os festivais de música tradicionalista. Mesmo assim, eu penso que, com tantas cultu-ras educativas e cheias de ensinamento, ainda faltam meios para pro-pagar tudo isso. Falta incentivo e investimento por parte de pessoas do governo, que deveriam apoiar”.

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“Eu gosto de falar aqui do sul, essa música terrunha que re-presenta o folclore do estado, que fala do gaúcho que viveu e vive. E também falar da natureza, do campo, que nos faz muito bem nessa lou-cura de cidade. Tu vais pro campo e te renova, é como se fosse um jujo, um remédio, um chá”. É profunda e carregada de emoção a maneira com que Luiz Marenco descreve a música gaúcha, estilo que escolheu há vinte e um anos. Depois de ouvir uma fita cassete de Noel Guarani, oferecida por um amigo, ele não teve mais dúvidas e soube, naquele momento, que cantaria as coisas de sua terra. O timbre forte do cantor contrasta com a fala macia, enquanto Marenco conta sua carreira e ajeita o lenço maragato ao redor do pescoço. Para cantar sua cultura, ele não pisa no palco sem a pilcha completa, da bota ao chapéu, e mistura a figura do homem sério com a emoção do artista. O cantor ainda lembra as dificuldades que enfrentou no co-meço da carreira e dos convites que recebeu para cantar em outros grupos, mas não desistiu de seguir o caminho que queria. “O que eu canto tu tens que parar, ouvir, pensar e tal. Mas é que eu gosto disso, de trazer uma mensagem. Não tenho nada contra o pessoal que canta outros tipos, eles têm o compromisso com a música deles e eu tenho com a minha. É isso”. Marenco compõe as melodias de algumas mú-sicas que canta e, brincando, explica que sua inspiração deu pra fazer uma letra, e só. Ele até arrisca uns versos da poesia gaúcha, mas guarda para si e explica que de poetas e compositores o Rio Grande já está muito bem servido. “É impressionante porque aonde o gaúcho vai, ele leva isso com ele. Acho que não só a música, mas também a cultura gaúcha é tão forte porque é verdadeira, e, portanto, esse amor que os avós passam para os pais e os pais passam para os filhos fica dentro do coração da gente”. A música do sul é desconhecida da maioria das pessoas, mas faz sucesso no meio tradicionalista, com letras que falam principalmente da vida do homem campeiro, da prenda e da estância. Diferente das músicas tocadas em bailes, o estilo nativista tem palavras e expressões próprias, com letras elaboradas, muitas vezes compreendidas somente por quem freqüenta e sente o ambiente gaúcho. O nativismo já existe há muitos anos, mas ganhou força nas décadas de 70 e 80, com a criação dos festi-vais. Um dos primeiros que surgiram e acontece até hoje é a Califórnia da Canção Nativa, na cidade de Uruguaiana, fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina. Logo depois, várias outras cidades começaram a promover eventos deste tipo, o que aumentou a quantidade de músi-cos, compositores e fãs da canção tradicionalista. Atualmente, vários cantores buscam o reconhecimento do trabalho nestes festivais, assim como Cristiano Quevedo, que viaja por todo o sul do país para fazer shows e participar dos eventos. Nascido em Piratini, município no sul do Rio Grande do Sul, o cantor vem de uma família do interior, o pai trabalhava com veterinária e fazia todo o trabalho a cavalo, “era um peão de fazenda”. Desde menino, Cristiano já frequentava os rodeios, mas lembra que sempre se interessou mais pela parte artística. “Comecei a ir aos Festivais, nessa época eu ainda

estudava e morava em Pelotas e foi lá que tive mais oportunidades com os estúdios de gravação. Foi então que veio o primeiro disco e, a partir dali, eu pensei: ‘bueno, isso agora é meu ganha pão’. Tive que bracear e muito”. Enquanto ceva o mate, Cristiano responde que cultivar a cul-tura e cantar coisas tão regionais é tarefa fácil, pois tudo isso é tradu-ção do amor que o tradicionalista tem pelos costumes e raízes. Sempre vestido com alguma peça da indumentária gaúcha, até mesmo dentro de casa ele não tira a boina da cabeça, mesmo que esteja usando uma bermuda com chinelos. Com bom humor, o cantor explica que são essas pequenas coisas, esses detalhes que ligam quem segue a tradição, aonde estiver. “Somos diferentes, mas temos um elo. O que se fala de costumes do povo, de família, de cultura, ‘bah’ aquilo já nos liga, já está todo mundo em casa. E minhas músicas não falam do gaúcho do lito-ral, da fronteira ou da serra. Também tem o gaúcho de Santa Catarina, o do Paraná, enfim... Porque gaúcho é um estado de espírito”. No entanto, o cultivo da música gaúcha não é suficiente para preservar a cultura cantada. Alguns CTGs permitem a influência de alguns outros ritmos, como o sertanejo, durante os bailes e rodeios. Talvez para conquistar um número maior de público ou com a inten-ção de se adaptar à modernização. A adaptação às mudanças não é o problema, mas sim a maneira como ela é feita, afinal, um Centro de Tradições é mantido justamente para preservar a cultura gaúcha. “Às vezes, acho que tem que fincar o garrão no Movimento Tradicionalis-ta, dentro do CTG, por exemplo. Cuidar das músicas, da vestimenta. Porque se não tiver alguém para acertar, a gente não consegue manter vivo, né? Há um contraponto das coisas, mas sei que não tem preço tu poder oferecer isso pra um filho”, Cristiano defende com afinco.

Nasce o CTG Às margens da Avenida Ipiranga, na zona leste da capital rio-grandense, entre carros apressados e o asfalto quente das ruas, se ergue um galpão de madeira escura. Há mais de 45 anos, o lugar teima por seu espaço no bairro Jardim Botânico e em contraste com as modernas construções, parece sentir a falta do campo. O 35 CTG foi espremido por um grande hipermercado, apertado por prédios residenciais, mas ainda carrega a imponência de ser o primeiro Centro de Tradições Gaú-chas do país. Dentro do velho galpão, os troféus de dança disputam lugar na parede e o cheiro da lenha se mistura com o de erva mate. Os troncos receberam uma camada de óleo, por capricho ou cuidado, mas disfarçar as marcas do tempo e o trabalho dos cupins cus-ta muito caro. Em média, o CTG despende cerca de 22 mil reais, todo o mês, para continuar de pé recebendo os convidados a cada domingo de baile.Ainda assim, a diretoria do 35 segue adiante respeitando à risca os costumes gaúchos desde 1948, quando nasceu o CTG. Enquanto do-

A minha alma se apruma quando a guitarra ponteiaO coração incendeia e a mágoa se desarruma

Eu não escolho nenhuma milonga, chote ou vaneiraSendo gaúcha e campeira pode tocar qualquer uma

(Qualquer uma – Joca Martins)

Gaúcho é um estado de espírito

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bra a bandeira do Rio Grande do Sul, Luiz Clóvis Fernandes explica que muita coisa mudou nestes 63 anos e embora exista dificuldade para manter o lugar, a tradição continua sendo o principal motivo para continuar com as portas abertas. “Se eu abrisse espaço para o maxixe e esses Tchê Music, eu não precisava vender pastel e batata frita para me manter. Eu não cobraria dez pilas de ingresso como cobro, eu pediria trinta reais e me dariam cinquenta, sem pedir troco”. Para ajudar a pagar as contas, o CTG arrendou uma parte do galpão aonde funciona a churrascaria Roda de Carreta. A renda cobre 25% dos gastos mensais com a manutenção e o restante é arrecadado através de eventos e bailes. O respeito e a educação são qualidades exigidas dentro do CTG, que procura servir de modelo dentro do ambiente tradicionalis-ta. Durante as domingueiras, as mulheres já não precisam usar vestidos de prenda e a bombacha não é mais exigida para os homens, desde que não haja exageros nas roupas. Clóvis assume que, para não perder o pú-blico, algumas coisas tiveram que mudar com o tempo. Mas a música campeira, tocada “bem no trancão”, isso não muda. Para subir no palco do 35, tem que tocar com ritmo e letra dentro dos padrões da música gaúcha e com a pilcha completa: bota, bombacha e lenço. “Esse ritmo acelerado, gritado, de vez em quando vem um conjunto aqui, dá uma tentadinha, mas é chamado. E depois, se chama a atenção na hora e se o grupo não atender a gente desliga o contador. Isso já aconteceu, daí eu fui lá e desliguei o som no mas. E aqui não toca mais”. O capataz cuida da parte administrativa do CTG, mas já ocu-pou todos os cargos durante os 22 anos na diretoria. Quando veio do interior para estudar, com apenas 15 anos, Clóvis sentia falta do sítio da família que deixou em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. Foi no 35 que encontrou um remédio para a saudade. “Eu ia para lá antes da aula, depois da aula, de manhã e de tarde. Era a minha casa”. Nesta época, o CTG não tinha uma sede fixa. Primeiro surgiu em uma garagem, na casa de um dos fundadores. Depois passou 15 anos em uma sala de aluguel, cedida por cortesia. Só após se mudar de lugar algumas vezes é que ganhou um terreno, apoio do governo estadual, e fixou a sede onde funciona até hoje.Diferente de outros CTGs espalhados pelo Brasil, o 35 não promove rodeios crioulos. As cocheiras foram desmanchadas há muito tempo e com o crescimento da cidade, o lugar não tem mais cancha para os treinos nem área para acampamento. A equipe de laço até representa o CTG em alguns eventos campeiros, mas nem sempre participa já que age de maneira independente, pela falta de infraestrutura do 35. No lugar do tiro de laço, os peões e prendas investem em cavalgadas que acontecem todo o ano, em diferentes municípios do Rio Grande Sul. Levando a bandeira do CTG, os cavaleiros seguem montados, de uma cidade a outra, e param só quando a “tarde se atora”: é hora de apear do cavalo e preparar o churrasco. Por causa do cargo de patronagem, Luiz Carlos Maffei nem sempre pode cavalgar com o grupo. “Quando eu não estou na cavalgada, estou no apoio, que é muito importante. É quem monta o acampamento, desmonta e deixa tudo pronto para a chegada do cavaleiro, como a comida, a água e o pasto para os ani-mais”. Dos 5.500 filiados no CTG desde que foi fundado, cerca de 300 continuam ativos e com a mensalidade em dia. Além destes, por volta de mil pessoas frequentam o ambiente tradicionalista todo o mês, participando dos bailes, ensaios da invernada ou das rodas de chimar-rão. Em 63 anos, os troncos do 35 já viram diversas famílias sendo formadas. São os pais que chegam com as crianças ainda bem jovens, os adolescentes que se afastam e mais tarde acabam voltando, trazendo seus próprios filhos. Assim seguem os dias do 35, e foi assim que acon-teceu com o capataz Clóvis. “Nosso clube contribui com a vida, permi-te o crescimento moral e ético do jovem e essa é a maior contribuição que se pode dar para a comunidade”.

O ano da Revolução Farroupilha, 1835, foi a data escolhida para servir de nome ao CTG. O exército fazia homenagens aos heróis nacionais e, no Rio Grande do Sul, o revolucionário Davi Canabarro havia sido escolhido. Uma comitiva iria transportar os restos mortais do chefe farroupilha de Santana do Livramento até o cemitário da San-ta Casa, em Porto Alegre. Um grupo de oito jovens estudantes decidiu participar do trajeto, entre eles estava João Carlos D’Avila Paixão Côr-tes. Morando na capital riograndense para estudar, os jovens sen-tiam a falta do campo e dos costumes rurais. Após a Segunda Guerra Mundial, não só o sul, mas todo o país foi invadido com a influência de culturas estrangeiras, vindas principalmente dos Estados Unidos. Além disso, o Brasil estava saindo de um período ditatorial protagoni-zado por Getúlio Vargas, no qual a cultura regional não era valorizada, principalmente pelas pessoas mais jovens. Foi bem nesta época que os estudantes se encontraram e resolveram resgatar a tradição gaúcha, enfrentando o preconceito contra a bombacha e o sotaque da fronteira. Após a homenagem ao comandante Canabarro, o grupo dos oito, como ficou conhecido, continuou se encontrando. Nesta época, o jovem Luiz Carlos Barbosa Lessa também fazia parte das rodas de chimarrão e buscava, junto com os colegas, uma maneira de resgatar os costumes do sul. Certa vez, em uma entrevista, ele contou que “na época, o pessoal do interior era marginalizado e tratado como grosso. Em 1946, um peão de Bagé foi linchado porque ousou atravessar a Praça da Alfândega pilchado”.

Na década de 40, os próprios riograndenses não conheciam as danças e as músicas do folclore e a maioria das pessoas não sabia falar sobre a história do estado. Foi só depois da criação do 35 CTG, em 1947, que os dois amigos partiram em uma viagem pelo interior do Rio Grande do Sul com a intenção de resgatar a cultura e divulgar a tradição. Depois disso, vários outros Centros de Tradição Gaúcha surgiram, inicialmente como filiais do 35, depois adquiriram nome e diretoria próprios. Hoje, mais de três mil CTGs documentados e ativos se espalham não só pelo Brasil, mas também em outros países, reunin-do gaúchos baianos, mineiros, norte-americanos e quem mais vier.

Herdeiro da revoluçãoUm mundo com rincho de potro,

tinidos de espora e revolução,O mundo que preza a bandeira,

que fez a fronteira com sangue no chão.Eu sou guardião desse mundo,

de alma guerreira e rédeas na mão,Mas me pilcho de paz,

quando ponteio um violão

(Gaúcho de coração – Cristiano Quevedo)

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O zumbido do laço cortando o ar afasta os mais curiosos, apoiados na beira da cancha. O cavalo de pelo gateado corre atrás do boi dentro da caixa de areia, com a ânsia de um competidor. O esporte campeiro começa de manhã cedo, quando o narrador chama os laçado-res para as primeiras armadas, e dura o dia inteiro, muitas vezes segue até de madrugada. Durante a laçada, homem e animal tentam vencer a velocidade da boiada e acertar os 8 metros da corda de couro ao redor dos chifres do boi. A corrida exige força e equilíbrio, enquanto poeira e lama são lançadas para trás das patas do cavalo. Mas nessa disputa, quem segura o laço não é a mão de um homem. Edinéia Borges tem vinte e um anos e passou a metade de sua vida dormindo no caminhão, em acampamentos pelo sul do país. A mão esquerda da moça segura as rédeas e guia o cavalo, enquanto a direita boleia o laço, mirando a cabeça do boi. Néia, como é conhecida, deixou de cursar as matérias da faculdade nas sextas-feiras à noite para poder ir mais cedo pros rodeios e trocou a adolescência nas baladas do litoral catarinense por bailes em galpões. Vice-campeã no Rodeio Internacional de Vacaria (RS), um dos maiores do Brasil, a laçadora já perdeu as contas de quantos troféus coleciona em casa. O tiro de laço é quase uma herança de família no CTG Esteio da Tradição, que fica em Barra Velha, litoral norte catarinense. Néia e o irmão Ederson aprenderam a laçar há muitos anos, com o padri-nho. “Eu lembro que a gente treinava de dia e de noite. Quando já tínhamos laçado bastante, ele falava assim: tá bom, agora vamos treinar no escuro, apaga a luz da cancha”, conta, enquanto observa os cole-gas disputando, do alto da arquibancada. Néia usa lentes de contato,

unhas vermelhas e o cabelo moreno trançado em baixo do chapéu, mas a delicadeza da moça não resiste à sujeira de terra. Depois da marcação dos cem metros, que delimitam o final da cancha, a laçadora confirma a armada com o juíz. Se a bandeira é branca, significa que o boi não foi laçado, mas se for vermelha, o narrador já tem a frase pronta para a moça em cima do cavalo e quase cantando solta um galanteio: Ela não laça, ela arremessa. Além do tiro de laço, outras competições fazem parte do fim de semana de um rodeio. As crianças trocam a bola de futebol pela vaca parada e treinam as boleadas desde cedo. Meninos e meninas, assim que aprendem a andar, brincam de jogar a corda nos chifres de uma pequena vaca feita de madeira e quem acertar mais, ganha. A brincadei-ra faz sucesso entre os mais novos, além de ensinar o básico sobre esse esporte campeiro. Uma das modalidades da vaca parada, que envolve os pais, permite com que os adultos brinquem junto com os filhos. E se engana quem pensa que as crianças erram. A partir dos sete anos, as crianças seguem o caminho dos adultos, podem deixar de treinar no chão e laçar a cavalo, formando assim as categorias dos mais novos: Guri, Prendinha, Piá e Prenda. Mas o CTG não é só fonte de lazer e diversão. Quem depende dos rodeios para receber o salário do mês não pode ficar esperando e tem que acompanhar os eventos, viajando pelos CTGs. É assim que Ademilsom Machado vive, ganhando a vida com uma cesta embaixo do braço, há mais de 22 anos. Poucas pessoas o conhecem pelo nome de batismo, mas é só ouvir a frase “Bala, baleiro”, que todos já sabem quem se aproxima: o Amendoim. O vendedor de doces lembra que de

Um armadão de oito metroeu empurro e faço um floreio

se vai nas guampas é dez pontosse vai nos pulso é um boleio

cavalo não me derrubanem que se parta no meio

(Todo mundo veio pro rodeio –Elton Saldanha)

alguns anos pra cá, vem crescendo muito o número de rodeios, antiga-mente a média era de um por mês. “Às vezes, tem fim de semana com três rodeios, daí tenho que escolher qual acho que rende mais. O pes-soal tá investindo bastante, acho que é pra ter um faturamento e assim, participar dos rodeios. Também tem os bailes e cursos de dança que chamam bastante gente e estimulam o pessoal pra conhecer a tradição”. O vendedor coleciona mais de 80 camisas de centros gaúchos espalhados pelo sul do país, além de troféus e homenagens dos ami-gos tradicionalistas. Os amendoins, que deram o apelido a Ademilsom, não vendem mais como antigamente e deram lugar à bandeja repleta de chocolates, ingressos de baile e até cartões de celular. Amendoim nunca laçou e nem dança nos bailes, já que está sempre trabalhando, mas conhece todas as famílias dos acampamentos e carregou no colo crianças que hoje são casadas e têm filhos. “O rodeio ainda é um local de família, tem muita gente boa. Eu costumo ir a CTGs por todo o Sul, mas aqui em Santa Catarina eu gosto mais”. A cada fim de semana, o acampamento campeiro nasce e morre em cidades diferentes,. Barracas, traillers e caminhões chegam na sexta-feira e se agrupam ao redor da cancha, como uma vila que cresce em torno de uma igreja. Estranhos se tornam vizinhos, nem que seja por apenas três dias e levam consigo a família, os cavalos e até os cachorros. Debaixo de chuva ou no calor do verão, essas pessoas se en-contram e vivem o amor pelo tradicionalismo, sentimento dividido por todos, difícil de explicar. No fim de tarde de domingo, hora de arrumar as malas e ir embora, a pequena cidade se levanta e cada um segue seu rumo. Até o próximo fim de semana, em outro rodeio.

Bala, baleiro

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Aguada: Lugar utilizado pelos animais para beberem água. Bebedouro. Chamam-se campos de boas aguadas os que possuem bastante água, apropriada para os animais beberem

Apear do cavalo: descer, desmontar do cavalo.

Bombacha: Calças muito largas, presas por botões nos tornozelos, uti-lizadas principalmente por gaúchos no seu cotidiano.

Centro de Tradições Gaúchas - CTG: é uma sociedade civil, de fins não econômicos, com número ilimitado de sócios. Buscam divulgar as tra-dições e o folclore da cultura gaúcha tal como foi codificada e registrada por folcloristas reconhecidos pelo movimento.

Cevar o mate: o ato de preparar o mate.

Cuia de chimarrão: Cabaça. Porongo, ou, mais propriamente, cabeça de porongo que se usa para preparar o mate. Recipiente de barro, de louça ou de madeira, usado para se tomar mate. A cuia de chimarrão, ou de mate, feita de cabeça de porongo, é, muitas vezes, guarnecida de prata, artisticamente lavrada. Cabeça.

Faxinais: Os faxinais são um sistema alternativo de produção, em que os moradores têm a posse de seus bens, dos animais e das plantações.

Fincar o garrão: Expressão que se refere ao ato de ser persistente, perse-verante. O mesmo que dizer “ter pulso firme”.

Gaúcho: O termo designa o habitante e trabalhador das pampas, des-cendente mestiço de espanhóis, portugueses e indígenas, que labuta e vive geralmente em estâncias. É assim conhecido no Brasil, na Argen-tina, no Paraguai e no Uruguai. Também são chamados gaúchos todos os que, tanto nas pampas quanto na região serrana de Santa Catarina, na Argentina, no Uruguai, Paraguai, ou por todo o Brasil, mantêm as tradições do seu passado com actividades cultivadas nos Centros de Tradições Gaúchas.

Gineteada: consiste em parar no lombo de um cavalo mal domado ou não domesticado e sustentar-se somente no tento e crina, enquanto o animal corcoveia.

Invernada Artística: O termo é comumente usado para designar o gru-po de danças de um Centro de Tradições Gaúchas. De acordo com a idade dos integrantes, as Invernadas são divididas em Mirim (até 11 anos), Juvenil (até 17 anos), Adulta (até 25 anos), Xiru (até 55 anos) e Monarca (acima de 60 anos).

Jujo: erva medicinal desidratada, chá.

Lenço Maragato: o lenço vermelho, que durante a Revolução Farrou-pilha identificava os revolucionários. Atualmente o lenço faz parte da indumentária gaúcha, independente da cor.

Maxixe: O maxixe foi a primeira dança urbana criada no Brasil. Surgiu nos forrós da Cidade Nova e nos cabarés da Lapa, Rio de Janeiro RJ, por volta de 1875. Conhecido como a “dança proibida”

MTG: O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) é uma entidade

cívica, sem fins lucrativos, associativa, dedicada à preservação, resgate e desenvolvimento da cultura gaúcha. Compreende que o tradicionalis-mo é um organismo social de natureza nativista, cívica, cultural, literá-ria, artística e folclórica.

No más: Expressão que enfatiza a frase ou palavra utilizada.

Patrão: Designação dada ao presidente de Centro de Tradições Gaúchas (CTG)

Pelo gateado: Diz-se do cavalo de pêlo amarelo-avermelhado que tem lista escura da cernelha à cauda; os joelhos, garrões e cascos também podem ser escuros ou pretos

Pilchado: homem ou mulher vestido de acordo com a indumentária gaúcha, como por exemplo botas, bombacha, lenço, chapéu e vestido de prenda.

Primeira Prenda: moça, menina ou mulher que representa o lado ar-tístico do CTG no qual é filiada. A primeira-prenda é eleita através de concursos internos dentro das entidades.

Rodeio Crioulo: festa promovida em Centros de Tradição Gaúcha, com a intenção de reunir a família, amigos e preservar os hábitos da tradição sulina, como tiros de laço, bailes e gineteadas.

Tarde se atora: Expressão utilizada para se referir ao fim de tarde, fim do dia.

Tche Music: é uma variação da música gaúcha tradicional, que incor-pora desde elementos de música baiana, do choro, do pagode, do sam-ba, do baião, aos ritmos musicais mais comuns do Rio Grande do Sul, como o chamamé, vaneira e xote e principalmente do Maxixe.

Tiro de laço: O tiro de laço é uma prova realizada em uma raia de 100 metros, onde os ginetes devem laçar o novilho pelas guampas.

Trancão: Passo largo, firme e seguro, do cavalo ou do homem

Vaca parada: Espécie de jogo, competição ou brincadeira que se promo-ve durante os festejos tradicionalistas gaúchos, em todo o Brasil. Trata--se de uma modalidade de laço, para crianças que estão começando na arte das laçadas. Um cavalete de madeira com caracterisiticas de uma vaca é fixado no meio da arena e as crianças jogam o laço.

Xiripá: peça tradicional da indumentária gaúcha até meados do Século XIX, tem dois “modelos” diferentes, mas que consiste basicamente em um abrigo de tecido utilizado na parte de baixo do corpo.

Fontes:

www.usinadeletras.com.brwww.paginado gaúcho.com.brhttp://inema.com.brwww.chasquedoconhaque.com.br

Glossário