A Terceira Onda

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ALVIN TOFFLER A arquitetura da civilização A revolução industrial desencadeou no mundo a Segunda Onda, colidindo com todas as instituições do passado e modificando o modo de vida de milhões de pessoas. O industrialismo foi um sistema rico, multiforme, que tocou todos os aspectos da vida humana e atacou todas as feições do passado da Primeira Onda. Colocou o trator na fazenda, a máquina de escrever no escritório, produziu o jornal e o cinema, e mais importante, interligou todas estas coisas, montando-as como uma máquina, e formou o sistema social mais poderoso, coeso e expansivo que o mundo já conheceu: a civilização da Segunda Onda. - A SOLUÇÃO VIOLENTA Quando a Segunda Onda avançou através de várias sociedades, provocou uma batalha entre os defensores do passado agrícola e do futuro industrial. Nos EUA, esta colisão começou com a chegada dos europeus; no Japão, com a restauração Meiji; na Rússia, com a revolução de 1917. Atualmente o cinturão industrial está em todo o planeta. - BATERIAS VIVAS As sociedades da Primeira Onda tiravam suas energias de “baterias vivas”, ou seja, potência muscular humana e animal; sol, vento e água – todos que a natureza é capaz de renovar. Ao contrário disto, as sociedades da Segunda Onda começaram a extrair suas energias de carvão, pedra, gás e petróleo. Pela primeira vez uma civilização estava consumindo o capital da natureza em vez de apenas viver do rendimento que ela fornecia, o que proporcionou um enorme crescimento econômico. - VENTRE TECNOLÓGICO O salto para um novo sistema de energia foi acompanhado por um gigantesco avanço tecnológico. Nesta fase, surgiu um exército de indústrias para dar o cunho definido à civilização da Segunda Onda. A nova tecnologia acionada

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ALVIN TOFFLER

A arquitetura da civilização A revolução industrial desencadeou no mundo a Segunda Onda, colidindo com todas as instituições do passado e modificando o modo de vida de milhões de pessoas. O industrialismo foi um sistema rico, multiforme, que tocou todos os aspectos da vida humana e atacou todas as feições do passado da Primeira Onda. Colocou o trator na fazenda, a máquina de escrever no escritório, produziu o jornal e o cinema, e mais importante, interligou todas estas coisas, montando-as como uma máquina, e formou o sistema social mais poderoso, coeso e expansivo que o mundo já conheceu: a civilização da Segunda Onda.- A SOLUÇÃO VIOLENTA Quando a Segunda Onda avançou através de várias sociedades, provocou uma batalha entre os defensores do passado agrícola e do futuro industrial. Nos EUA, esta colisão começou com a chegada dos europeus; no Japão, com a restauração Meiji; na Rússia, com a revolução de 1917. Atualmente o cinturão industrial está em todo o planeta.- BATERIAS VIVAS As sociedades da Primeira Onda tiravam suas energias de “baterias vivas”, ou seja, potência muscular humana e animal; sol, vento e água – todos que a natureza é capaz de renovar. Ao contrário disto, as sociedades da Segunda Onda começaram a extrair suas energias de carvão, pedra, gás e petróleo. Pela primeira vez uma civilização estava consumindo o capital da natureza em vez de apenas viver do rendimento que ela fornecia, o que proporcionou um enorme crescimento econômico. - VENTRE TECNOLÓGICO O salto para um novo sistema de energia foi acompanhado por um gigantesco avanço tecnológico. Nesta fase, surgiu um exército de indústrias para dar o cunho definido à civilização da Segunda Onda. A nova tecnologia acionada pelo novo sistema de energia abriu a porta para a produção em massa.- O PAGODE EM VERMELHÃO A produção em massa, entretanto, não tinha sentido sem mudanças paralelas no sistema de distribuição. Então, as mudanças nesta área foram a construção de estradas de ferro, rodovias, canais, que abriram os interiores para o comércio.- A FAMÍLIA AERODINÂMICA A tecnosfera da Segunda Onda, entretanto, precisava de uma sociosfera igualmente revolucionária para acomodá-la. Precisava de formas de organização radicalmente novas. Dentro das casas das famílias, a colisão de frentes de onda tomou a forma de conflito, de ataques à autoridade patriarcal, de relações alteradas entre filhos e pais, de novas noções de propriedade. A família não mais trabalhava junta como uma unidade. A educação da criança era entregue às escolas, o cuidado dos idosos aos asilos. Acima de tudo a nova sociedade exigia mobilidade. - O CURRÍCULO ENCOBERTO Quando o trabalho se deslocou dos campos e das casas , as crianças tinham de ser preparadas para a vida da fábrica. Daí o surgimento da educação em massa. Embutida no modelo industrial, a educação ensinava a leitura e aritmética básica, com um pouco de outras matérias. Era o currículo aberto. Mas por baixo deste havia o currículo encoberto, que consistia em pontualidade, obediência e trabalho maquinal, repetitivo.

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- SERES IMORTAIS Em todas as sociedades da Segunda Onda surgiu uma terceira instituição, que exerceu o controle sobre as demais – a companhia. Com efeito, grandes companhias tornaram-se aspectos característicos da vida econômica em todas as nações industriais, inclusive sociedades socialistas e comunistas.- A FABRICA DE MÚSICA Em volta destas instituições de três núcleos, surgiu um exército de outras organiçoes. Ministérios do governo, clubes esportivos, igrejas, câmaras de comércio, sindicatos, partidos políticos, grupos recreativos, entre outros milhares, criando uma complicada ecologia organizacional com cada grupo servindo, coordenando ou contrabalançando outro.- A TEMPESTADE DE PAPEL Enquanto a Segunda Onda ganhava impulso, cada país corria a fundar um serviço postal. O correio podia levar a mesma mensagem a milhões, mas não rapidamente. Os telefones podiam levar as mensagens rapidamente, mas não a milhões simultaneamente. Esta falha podia ser preenchida pelos veículos de comunicação em massa. Eles tinham o principio básico de fabrica: todos estampavam mensagens idênticas em milhões de cérebros, assim como a fabrica estampa produtos idênticos para uso em milhões de casas.

A cunha invisível A Segunda Onda, como alguma reação nuclear em cadeia, separou violentamente dois aspectos de nossas vidas que ate então sempre tinham sido um – a produção e o consumo. Criou-se então um modo de vida cheio de tensão econômica, conflito social e mal-estar psicológico. Em vez de pessoas e comunidades auto-suficientes, surgiu uma civilização na qual quase ninguém mais era auto-suficiente. Todos eram dependentes da comida, mercadorias e serviços produzidos por outros.- A SIGNIFICAÇÃO DO MERCADO A separação entre a produção e o consumo tornou-se uma característica de todas as sociedades industriais. O procedimento veio a ser visto como um conjunto de transações. Em vez de uma sociedade baseada em amizade, parentesco ou obediência, surgiu uma baseada em elos contratuais, reais ou implícitos. - A CISÃO SEXUAL A Segunda Onda separou o trabalho em duas espécies. Isto teve enorme impacto na vida familiar, nos papeis sexuais e em nossas vidas intimas como indivíduos. A sociedade industrial define os homens como objetivos e as mulheres como subjetivas. A colisão de trabalho de baixa e alta interdependecia produzia grave conflitos sobre papeis, responsabilidades e recompensas. Enquanto o marido, em geral, saia para fazer o trabalho econômico direto, a mulher geralmente ficava em casa para fazer o trabalho econômico indireto. Esta divisão produzia uma cisão na personalidade e na vida intima.

Violando o código Enquanto o industrialismo avançava através do planeta, tornou-se visível o seu singular desenho oculto. Consistia numa serie de seis princípios inter-relacionados que programava o procedimento de milhões. Nascendo naturalmente desunião da produção e do consumo, estes princípios afetavam todos os aspectos da vida, do sexo e dos esportes, ao trabalho e a guerra. São eles a padronização, a especialização, a sincronização, a concentração, a maximização e a centralização. Esses princípios, cada um reforçando o outro, levaram à expansão da burocracia.

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Os técnicos do poder O industrialismo rompeu a sociedade em milhares de partes encadeadas. Para reagrupar as coisas de um modo diferente, são necessários os executivos ou administradores, comissários, coordenadores, presidentes, vice-presidentes, burocratas ou gerentes. Brotavam em todos os negócios, em todos os níveis da sociedade. E revelaram-se indispensáveis. Eram os integradores. Definem papeis, distribuem cargos, decidem quem recebia quais recompensas, faziam planos, estabeleciam critérios e davam ou retiravam credenciais, estabeleciam regras – em suma, combinavam as seções da sociedades. Sem eles o sistema da Segunda Onda nunca podia ter funcionado. Daí surge o maior integrador da sociedade – o grande governo. - AS PIRÂMIDES DO PODER Os técnicos do poder estavam organizados em hierarquias de elites e subelites. Esportes, religião, educação, cada um tem sua pirâmide. O poder da civilização foi distribuído até mesmo à milhares de elites especializadas, que eram integradas por elites geralistas.- AS SUPERELITES Finalmente, num nível ainda mais alto, a integração foi imposta pelas “superelites” que tinham a seu cargo a distribuição do investimento. Estes grupos de tomadores de decisões sem rosto, controlando as alavancas de investimento, formavam a superelite em todas as sociedades industriais. Repentinamente, durante os 300 anos passados, em um país após outro, rebeldes e reformadores têm tentado assaltar as muralhas do poder para construir uma nova sociedade baseada em justiça social e igualdade política. Contudo, o resultado sempre era o mesmo. Sempre os rebeldes criavam de novo uma estrutura semelhante de subelites, elites e superelites. As nações industriais não podiam funcionar sem uma poderosa hierarquia de integradores, sendo capitalista ou socialista. Hoje, como a Terceira Onda de mudança começa a bombardear essa fortaleza de poder gerencial, começam aparecer as primeiras fendas no sistema de poder. Reclamações de participação na gerência, de partilha na tomada de decisões, de controle do trabalhador, do consumidor e do cidadão, e de democracia antecipada nascem nação após nação. Novas maneiras de organizar segundo linhas menos hierárquicas estão surgindo nas indústrias avançadas. Gerentes tornam-se cada vez mais dependentes das informações de baixo. Tudo isso são apenas indicações da vinda da quebra desse sistema político. A Terceira Onda abre oportunidades para a renovação social e política, mas antes devemos analisar o sistema atual para ver como se encaixa no quadro da civilização da Segunda Onda, só então perceberemos por que não é mais apropriado e nem tolerável.