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A teoria de instrução na actual reforma educativa: Uma análise sociológica de programas de ciências Ana Maria Morais Isabel Pestana Neves Fernanda Fontinhas Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Versão pessoal revista do texto final do artigo publicado em: Inovação, 11 (1), 109-130 (1998). Homepage da Inovação: http://www.iie.min-edu.pt/edicoes/inovacao-info.htm

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A teoria de instrução na actual reforma educativa:

Uma análise sociológica de programas de ciências Ana Maria Morais Isabel Pestana Neves Fernanda Fontinhas Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Versão pessoal revista do texto final do artigo publicado em: Inovação, 11 (1), 109-130 (1998). Homepage da Inovação: http://www.iie.min-edu.pt/edicoes/inovacao-info.htm

A teoria de instrução na actual reforma educativa: Uma análise sociológica de programas de ciências

Ana Maria Morais

Isabel Pestana Neves Fernanda Fontinhas

1. INTRODUÇÃO

O estudo que se apresenta neste artigo refere-se a uma análise de programas de ciências e faz parte de uma investigação mais ampla sobre a actual reforma educativa em Portugal1, em que se procura explorar o significado sociológico das mudanças contidas nessa refoma ao nível dos 5º/6º anos e do 7º ano de escolaridade. Nessa investigação, que inclui análises a vários níveis do aparelho pedagógico português (constituições, leis de base, programas, manuais escolares), comparam-se, em cada nível, os textos da actual reforma (1991) com textos da reforma precedente (1975).

A análise comparativa dos programas incide em aspectos que dizem respeito ao contexto

de transmissão-aquisição e tem em consideração duas vertentes – o que o Ministério da Educação legitima como discurso pedagógico oficial (DPO) e a forma como o Ministério dá indicações aos professores relativamente ao cumprimento das directrizes contidas no DPO. No primeiro caso, pretende-se estudar o significado sociológico das relações expressas no programa e que, em termos gerais, traduzem o modelo de ensino-aprendizagem veiculado pelo DPO. No segundo caso, pretende-se analisar o grau de controlo que é dado aos professores na implementação do programa, ao nível da sala de aula.

O presente estudo insere-se na primeira vertente da análise e foca-se, em particular, nas relações professor-aluno, procurando investigar qual o modelo de teoria de instrução que é enfatizado na actual reforma e apreciar o sentido de uma eventual mudança relativemente à reforma anterior. Partindo destes objectivos, o estudo investiga o seguinte problema: Em que medida a actual reforma portuguesa do ensino das ciências representa uma efectiva mudança (e qual a direcção dessa mudança) nas relações sociais que caracterizam a interacção pedagógica professor-aluno, isto é, em que medida houve uma mudança na teoria de instrução privilegiada nos textos originais?

Teoricamente, a análise baseia-se na teoria do discurso pedagógico de Bernstein (Bernstein, 1990.

1996; Domingos et al , 1986). Na descrição do estudo, começa-se por apresentar o seu enquadramento teórico, referindo-se os

principais conceitos que fundamentaram as análises realizadas. Seguidamente, descrevem-se os procedimentos metodológicos usados e a análise e interpretação dos dados. Finalmente, é apresentada a conclusão.

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

De acordo com o modelo do discurso pedagógico, desenvolvido por Bernstein, o discurso pedagógico oficial (DPO) é uma expressão dos princípios dominantes da sociedade que são gerados ao nível do Campo do Estado e, posteriormente, recontextualizados no Campo de Recontextualização Oficial. O discurso pedagógico oficial é novamente recontextualizado no Campo de Recontextualização Pedagógica.

A figura 1, que representa parte do modelo referido, ilustra as relações que conduzem à produção do DPO, produção que inclui os níveis de geração e de recontextualização.

Dado que um programa representa um texto oficial elaborado pelo Ministério da Educação (uma

agência do Campo de Recontextualização Oficial), ele expressa o DPO que, num dado contexto socio-político, é legitimado na área da educação. Assim, uma análise sociológica sobre o significado da mudança, contida num qualquer programa oficial, implica que se tenham em consideração as relações envolvidas na sua produção, isto é, na geração e recontextualização dos princípios dominantes da sociedade que constituem o discurso regulador geral (DRG) de um determinado período. Estes princípios são gerados como resultado das relações e influências entre o Campo do Estado e os campos da produção (recursos físicos) e do controlo simbólico (recursos discursivos) e estão, também, em maior ou menor grau, sujeitos a influências internacionais. O Estado funciona, a este nível (nível de geração), como legitimador da distribuição do poder e do controlo social, princípios esses que são incorporados no DPO.

Contudo, o DPO não é uma expressão directa do DRG, uma vez que este sofre um processo de transformação no Campo de Recontextualização Oficial (as várias sub-agências do Ministério da Educação). Este campo, que em última instância é responsável pela constituição do DPO, define o que e o como do discurso pedagógico. O que diz respeito aos conteúdos e relações a serem transmitidos e o como refere-se à forma como esses conteúdo e relações são transmitidos.

Bernstein define o discurso pedagógico através da expressão DI/DR, em que DI corresponde ao discurso instrucional (discurso de competências relativas a uma dada disciplina ou área disciplinar) e DR corresponde ao discurso regulador (discurso de ordem, relação e identidade); nesta expressão, o traço pretende significar a incorporação do DI no DR, com domínio do segundo sobre o primeiro.

Além da produção do discurso pedagógico, o modelo considera ainda a sua reprodução, incluindo um terceiro nível, o nível de transmissão. Ao ser inserido neste nível, o DPO pode ainda ser sujeito a uma nova recontextualização que depende do contexto específico de cada escola e da prática pedagógica de cada professor. Além disso, o discurso que é reproduzido na escola/sala de aula pode também ser afectado pelas relações que se estabelecem entre o contexto escolar e o contexto da família/comunidade. Neste sentido, o modelo, embora sugerindo que a escola/professor se assume com uma função reprodutora dos princípios dominantes da sociedade, pretende evidenciar que na produção e reprodução do DPO está

envolvido um processo de considerável dinâmica e que é este dinamismo que oferece possibilidades de mudança.

No âmbito do modelo teórico apresentado, o discurso pedagógico veicula, como mensagem sociológica, determinadas relações de poder e de controlo entre discursos, agências e sujeitos que, dependendo da recontextualização sofrida, reflectem, em maior ou menor grau, as relações legitimadas no DRG subjacente. De acordo com a teoria de Bernstein, as relações de poder entre as diferentes categorias são analisadas recorrendo ao conceito de classificação (C), enquanto as relações de controlo são analisadas através do conceito de enquadramento (E). No primeiro caso, a análise remete para a natureza da fronteira entre as categorias, podendo essa fronteira ser bem demarcada (classificação forte) ou, pelo contrário, ser esbatida (classificação fraca). No segundo caso, a análise remete para a natureza da comunicação entre as categorias, a qual pode traduzir um controlo centrado na categoria que detém o poder (enquadramento forte) ou um controlo partilhado pelas categorias envolvidas na interacção (enquadramento fraco).

No presente estudo, analisa o discurso pedagógico expresso no texto dos programas situando-se, ao nível do discurso pedagógico oficial (ver parte sombreada da figura 1). A análise limita-se às relações que traduzem a forma como o discurso instrucional é transmitido-adquirido na interacção professor-aluno. Neste contexto de análise, está-se a centrar a atenção na prática instrucional que é preconizada no programa e que, de acordo com o quadro teórico de referência, podia ser especificada em função das regras discursivas (selecção, sequência, ritmagem, critérios de avaliação) que a caracterizam. Analisar a mensagem sociológica subjacente à modalidade de prática instrucional veiculada no programa significa então analisar o controlo que é dado ao professor (transmissor) e ao aluno (aquisidor) ao nível das diferentes regras discursivas que regulam a transmissão-aquisição do discurso pedagógico. Se o programa legitimar uma prática instrucional em que as regras discursivas são controladas pelo professor, ele veicula uma mensagem sociológica em que o poder do professor é explícito e, neste caso, está-se em presença de uma teoria de instrução de natureza didáctica, centrada no transmissor. Se, pelo contrário, o programa legitimar uma prática instrucional em que é dado controlo ao aluno sobre aquelas regras, ele veicula uma mensagem sociológica em que o poder do professor fica implícito e, neste caso, está-se em presença de uma teoria de instrução de natureza auto-reguladora, centrada no aquisidor. Em qualquer destas situações, é o transmissor, a categoria com maior estatuto hierárquico, que detém o poder (sendo, portanto, forte a classificação entre as categorias transmissor e aquisidor). Contudo, a forma como esse poder se manifesta na interacção pedagógica pode assumir diferentes expressões, consoante o maior ou menor controlo do transmissor (respectivamente, enquadramento forte ou fraco). Entre estas duas posições extremadas é ainda possível existirem situações que traduzem modalidades específicas de prática instrucional, cuja diferenciação depende do controlo (do transmissor e do aquisidor) relativamente a cada uma das regras discursivas. Com efeito, pode por exemplo assistir-se a situações em que, a par de regras exclusivamente controladas pelo transmissor, há regras cujo controlo é também permitido ao aquisidor.

Esta forma de olhar para a teoria de instrução confere maior precisão à distinção usualmente feita entre aprendizagem por descoberta e aprendizagem por recepção. Com efeito, ela dá a possibilidade de separar aspectos distintos no processo de transmissão-aquisição de forma a definir a natureza da teoria de instrução, desde as posições extremas de uma teoria totalmente centrada no transmissor (aprendizagem por recepção) ou de uma teoria totalmente centrada no aquisidor (aprendizagem por descoberta) até teorias mistas de vários tipos. Isto permite o afastamento daquelas posições extremas para procurar os aspectos em que, em termos do desenvolvimento da criança, é favorável que a aprendizagem esteja centrada no aquisidor ou no transmissor. O trabalho que já foi desenvolvido ao nível da prática pedagógica implementada na sala de aula (Morais et al, 1992, 1993, 1996) tem feito aquela distinção e dá já algum contributo para uma teoria de instrução mais adequada a todas as crianças. 3. METODOLOGIA

Para responder ao problema em estudo, isto é, de forma a compreender a extensão e sentido da mudança, comparou-se os programas de ciências da actual reforma (1991) com os programas de ciências da reforma precedente (1975).

Como se disse anteriormente, a análise focou-se, dentro de um currículo de colecção, um programa de Ciências da Natureza dos 5º/6º anos e de Ciências Naturais do 7º ano. Embora cada um destes programas contenha várias áreas científicas (Química, Física, Geologia, Biologia), elas não se assumem como ciência integrada mas como ciência composta. Isto é especialmente evidente nos programas do 7º anos de escolaridade, onde existem duas áreas científicas perfeitamente separadas – Biologia e Química na reforma de 1975 e Geologia e Biologia na reforma de 1991. Devido a esta distinção analisou-se também, dentro de cada programa, as áreas nele contidas.

A análise realizada enquadra-se, do ponto de vista metodológico, no paradigma qualitativo/interpretativo. Assim, usando-se a frase2 como unidade de análise, procedeu-se à interpretação da mensagem expressa no conteúdo do programa que estivesse relacionado com o contexto de transmissão-aquisição3. Fizémos, então, uma análise de conteúdo do programa. O conteúdo do programa, entendido neste estudo em sentido genérico, inclui as frases contidas em todos os seus tópicos (Introdução, Objectivos, Temas programáticos, Sugestões metodológicas, etc.). Além disso, as frases analisadas referem-se não só ao texto que está directamente relacionado com as disciplinas de ciências consideradas no estudo, mas também às frases que, sendo comuns a todo o currículo, se aplicam igualmente áquelas disciplinas.

Este procedimento que se revelou necessário para proceder a uma análise mais aprofundada, permitiu também avaliar os princípios gerais estabelecidos ao nível de todo o currículo.

De forma a proceder à análise dos vários programas, começou-se por construir quadros gerais4, contendo, relativamente a cada reforma (1975 e 1991) e a cada ano de escolaridade (5º/6º anos e 7º ano), todas as frases que seriam objecto de análise. As diferentes frases foram numeradas e indicou-se, à frente de cada frase, a área por ela ocupada. Indicou-se ainda, para cada frase, a classificação que resultou da análise inicialmente realizada por um grupo de investigadoras e, posteriormente, validada por duas investigadoras5. Nesta classificação usaram-se três símbolos de natureza diferente, consoante as possibilidades de interpretação. Assim, quando a frase não permitia qualquer interpretação quanto ao foco de análise, colocou-se um traço e, nestas condições, a frase não foi contabilizada na análise dos dados; quando a frase se revelava ambígua quanto à mensagem relacionada com o foco de análise, usou-se um asterisco mas, neste caso, ela foi considerada para efeitos de análise; sempre que a frase permitia extrair o sentido da mensagem relacionada com o foco de análise, recorreu-se a uma escala de enquadramento com três graus (E++, E+, E-).

A escala referida foi construída com base em indicadores que permitissem analisar, de uma forma genérica, a natureza da teoria de instrução preconizada nos programas. De acordo com o quadro teórico da análise, e considerando as limitações decorrentes de uma análise de conteúdo aplicada a um programa, a teoria de instrução poderia assumir três formas distintas, dependendo estas formas do grau de controlo dado, no programa, ao professor e aluno relativamente ao processo de transmissão-aquisição. Desta forma, e em termos gerais, a escala construída baseava-se nos seguintes indicadores:

E++ - A frase contém afirmações que dão uma clara ênfase ao papel directivo do professor no processo ensino-aprendizagem (por exemplo, "diz", "informa", "explica") ou a frase refere competências cognitivas e/ou socio-afectivas que sugerem uma intervenção passiva do aluno. Neste caso, a frase traduz a ideia de que o programa valoriza uma teoria de instrução exclusivamente centrada no transmissor.

E+ - A frase contém afirmações que dão ênfase ao papel orientador do professor no processo

ensino-aprendizagem (por exemplo, "orienta", "acompanha", "apela à participação dos alunos") ou a frase refere competências cognitivas e/ou socioafectivas que sugerem um certo grau de participação do aluno. Neste caso, a frase traduz a ideia de que o programa valoriza uma teoria de instrução que, embora centrada no transmissor, tem também em consideração a intervenção do aluno.

E- - A frase contém afirmações que dão ênfase a um grande grau de intervenção do aluno no

processo ensino-aprendizagem (por exemplo, "realiza actividades livres", "trabalhos

independentes", "trabalhos de projecto") ou a frase refere competências cognitivas e/ou socioafectivas que sugerem um elevado grau de autonomia do aluno. Neste caso, a frase traduz a ideia de que o programa valoriza uma teoria de instrução fundamentalmente centrada no aquisidor.

Uma análise mais rigorosa da teoria de instrução requereria uma sua discriminação em termos das

várias regras discursivas, isto é, em termos de selecção, sequência, ritmagem e critérios de avaliação. Contudo, o facto de se tratar da análise de um texto pedagógico escrito e não de um texto pedagógico em acção impede que a análise de conteúdo das frases seja contextualizada numa situação real de interacção e que, consequentemente, seja suficientemente elucidativa da diferenciação eventualmente existente entre as várias regras que caracterizam uma teoria de instrução. Contudo, foi possível observar que enquanto algumas frases do programas permitiam extrair apenas uma ideia genérica sobre a teoria de instrução, outras continham afirmações que poderiam ser associadas a uma das referidas regras. Assim, embora não ignorando que se estaria a perder informação, pareceu-nos metodologicamente mais adequado tratar todas as frases segundo um mesmo critério o qual, dadas as limitações apontadas, teria maior legitimidade se incidisse sobre a globalidade da teoria de instrução e não sobre os aspectos particulares através dos quais ela se exprime.

Outro aspecto metodológico que foi tido em consideração na análise diz respeito à relação que foi necessário estabelecer entre os indicadores da escala de enquadramento e a natureza das frases em função dos diferentes tópicos do programa. Dependendo do maior ou menor grau de generalidade desses tópicos, a frase foi tomada como expressando a teoria de instrução ao nível macro (como é, por exemplo, o caso dos tópicos Introdução e Finalidades) ou ao nível micro (como é particularmente o caso do tópico Sugestões metodológicas). Por esta razão, os indicadores usados na análise de conteúdo de frases pertencentes a tópicos distintos do programa não são totalmente equivalentes, pelo que o mesmo valor de enquadramento pode ter um significado diferente consoante o tópico em que a frase está incluída.

A título de exemplo, transcrevem-se, para tópicos distintos do programa, algumas frases que ilustram a sua classificação em E++, E+ e E- 6.

Introdução/Estrutura

E+ - Como agente transformador do meio em que vive, é preciso levá-lo à descoberta dos valo-res humanos que devem orientar e dirigir essa transformação, cujo motor terá de ser a energia e a criatividade do homem (Frase 7, Quadro IA).

E- - Realização de uma aprendizagem de base conseguida por uma gama de actividades que

permitam a satisfação de necessidades e interesses diferenciados (Frase 2, Quadro IA).

Finalidades/Objectivos

E++ - [...] o que permite chamar a atenção do aluno para os múltiplos tipos de corpos inanimados, de seres vivos e de manifestações de energia que fazem parte do ambiente e, em consequência, sensibilizá-lo para as relações entre o mundo físico e o biológico (Frase 29, Quadro IIA).

E+ - A pesquisa do ambiente [...] tem como objectivo propiciar ao aluno situações em que ele seja

solicitado a interessar-se pelo meio que o rodeia (Frase 28, Quadro IIA).

E- - Assumir atitudes de iniciativa pessoal, responsabilidade e decisão [...] (Frase 24, Quadro IIA).

Orientações/Sugestões metodológicas

E++ - Entre as formações sedimentares com origem orgânica, referir carvões e petróleos [...] (Frase 67, Quadro VA).

E+ - O professor deverá encontrar os processos genéricos para intervir na orientação do trabalho dos alunos (Frase 48, Quadro IIA).

E- - [...] Pesquisa [o aluno] de informações sobre condições ambientais (Frase 76, Quadro VA).

A partir da classificação das frases nos quadros gerais anteriormente referidos, organizaram-se

quatro quadros, um para cada programa, que permitissem proceder à análise comparativa entre os tópicos incluídos nos diferentes programas. De acordo com esses tópicos, criaram-se cinco categorias de análise: A - Finalidades do currículo; B - Estrutura do currículo; C - Finalidades da disciplina; D - Conteúdos programáticos da disciplina; E - Orientação metodológica para a disciplina. C, D e E referiram-se a Ciências da Natureza ou Ciências Naturais segundo os diferentes nomes dados à disciplina para os 5º/6º ou 7º anos. No quadro respeitante a cada programa, indicaram-se, dentro de cada uma das categorias, os respectivos tópicos e o número de frases neles incluídas, referindo-se também, entre parêntesis, a área ocupada por essas frases. Cada quadro continha assim, não só para a globalidade do programa, mas também para cada categoria de análise e, dentro de cada categoria, para cada um dos tópicos do programa, os seguintes dados: (a) número (e respectiva percentagem) de frases que contém indicações sobre a teoria de instrução e ainda a área (e respectiva percentagem) ocupada por essas frases; (b) número de frases classificadas como E++, E+, E- e ambíguas e as respectivas percentagens.

Com base nos dados obtidos a partir das análises efectuadas - quer ao nível da globalidade dos programas, quer ao nível de cada uma das diferentes categorias de análise dos programas - procedeu-se, finalmente, a um estudo comparativo entre os programas, das duas reformas, respeitantes ao mesmo nível de escolaridade: (a) programas de Ciências da Natureza, das reformas de 1975 e de 1991, dos 5º/6º anos de escolaridade; (b) programas de Ciências Naturais, das referidas reformas, do 7º ano de escolaridade.

Em cada período de reforma, e para os programas do 7º ano, deu-se ainda especial atenção à mensagem que, ao nível das orientações metodológicas, era veiculada através das áreas científicas específicas contempladas nesse programa. Assim, compararam-se, na reforma de 1975, os aspectos metodológicos relacionados com as áreas de química e de biologia e, na reforma de 1991, os aspectos metodológicos relacionados com as áreas de geologia e de biologia.

As considerações tecidas anteriormente mostram que, embora usando uma medida quantitativa das frases contendo uma determinada mensagem sociológica, a investigação pode ser inserida num paradigma qualitativo/interpretativo. Com efeito, não só se procedeu a uma análise de conteúdo de cada uma das frases contidas nas várias secções do programa como se analisou a tendência geral da globalidade do programa para referir a teoria de instrução.

4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

4. 1. A teoria de instrução nos programas dos 5º/6º anos

Os dados resultantes da análise dos programas de Ciências da Natureza dos 5º/6º anos, referentes às duas reformas (1975 e 1991) , mostram que, na reforma de 1991, 61.8% das frases do texto do programa (ocupando uma área relativa de 52.1%) contém indicações sobre a teoria de instrução. Na reforma de 1975, a teoria de instrução é expressa em 76.7% das frases do programa, ocupando uma área relativa de 71.9% do texto. Estes dados sugerem que, independentemente da natureza da teoria de instrução legitimada nas duas reformas, há, na reforma de 1975, uma maior preocupação, do que na reforma actual, em fornecer indicações sobre aspectos relacionados com a teoria de instrução. Este facto, só por si, pode ser um reflexo da mudança que se fazia sentir em Portugal, no início dos anos 70, quanto aos princípios que deveriam orientar a interacção pedagógica (de uma teoria de instrução essencialmente didáctica, centrada no transmisor para uma teoria mais centrada no aquisidor). É possível pensar que a necessidade de explicitar essa mudança se torne mais premente num período de viragem do que num período, como em 1991, em que aqueles princípios já se haviam (pelo menos teoricamente) instalado.

Uma análise, em função das diferentes categorias, em que se agruparam os diferentes tópicos dos

programa, permite reforçar, em parte, a tendência obervada na globalidade do programa. De facto, à excepção da categoria B (Estrutura do Currículo), em que em 1975 não é feita qualquer referencia à teoria de instrução, e da categoria E (Orientação Metodológica), em que a ênfase dada à teoria de instrução é relativamente semelhante nas duas reformas, em todas as outras categorias, há na reforma anterior uma maior incidência do que na reforma actual.

Com base nos dados relativos às duas reformas, elaborou-se o gráfico que se apresenta na figura 2, onde as duas reformas são comparadas. Neste gráfico, indicam-se, para todos os tópicos de cada categoria, e para a totalidade do programa, a frequência das frases (expressa em percentagem relativa) classificadas de acordo com a escala de enquadramento.

Figura 2 – Comparação entre as reformas de 1975 e 1991, no programa de Ciências da Natureza dos 5º/6º anos de escolaridade.

No que diz respeito à comparação entre os textos dos programas na sua totalidade, a análise da figura mostra que, na reforma de 1975, as frases são do tipo E- (50%) e do tipo E+ (28.3%), havendo ainda frases que se revelaram ambíguas quanto ao sentido nelas expresso (21.7%). Na reforma de 1991, o texto contém uma percentagem de frases E+ e E- relativamente semelhante (respectivamente, 33.9% e 30.1%), havendo ainda algumas frases do tipo E++ (10.6%) e frases ambíguas (25.4%). Considerando que a percentagem de frases ambíguas é semelhante nos dois programas, os dados sugerem que na reforma anterior se preconiza uma teoria de instrução tendencialmente mais auto-reguladora, isto é, mais centrada no aquisidor, assistindo-se na reforma actual a uma mudança no sentido de se legitimar uma teoria de instrução mista, tendencialmente menos centrada no aquisidor. Esta tendência é expressa através das várias categorias de análise do programa, embora se verifiquem algumas diferenças associadas à natureza específica dessas categorias. É ao nível da orientação metodológica (categoria E) que se pode observar melhor uma tendência geral semelhante à revelada na totalidade do programa. Se considerarmos que é nesta categoria que se expressa com maior legitimidade as intenções do programa quanto aos aspectos relacionados com a interacção pedagógica, tal observação vem reforçar a interpretação referida quanto ao sentido da mudança.

É interessante ainda observar que nas restantes categorias de análise, em que é possível estabelecer comparações entre as duas reformas (categorias A e C), há em 1991 um maior número de frases ambíguas do que em 1975. Por outro lado, e à excepção da categoria E, não há em 1991 frases E++ nas outras categorias. Estes dois factos podem levar a pensar que o sentido de mudança evidente na reforma actual revela, por um lado, que não se recuou em relação ao passado, na direcção de uma teoria de instrução didáctica, fundamentalmente centrada no transmissor, mas que a mensagem não é suficientemente clara quanto ao peso relativo atribuído ao controlo do transmissor e do aquisidor no processo de interacção pedagógica. Também é possível admitir que a influência do Campo Internacional na área da educação que, no início dos anos 70, se traduzia num forte entusiasmo relativamente a uma teoria de instrução auto-

reguladora, em que a criança assume um papel central no processo de ensino-aprendizagem, principalmente aos níveis mais baixos de escolaridade, associada posteriormente ao facto de se viver em Portugal um período de revolução socio-política, assumissem um papel determinante na tendência observada nos programas de 1975. Numa fase posterior, de maior equilíbrio entre as diversas tendências socio-políticas e passado o entusiasmo inicial, em parte resultado de um certo desencanto quanto às potencialidades educativas daquela teoria (possivelmente, por sua vez, decorrentes de uma preparação deficiente dos professores para a sua implementação efectiva), procura-se em 1991 uma posição que conjugue os princípios pedagógicos defensores de um papel activo do aluno com a possibilidade da implementação desses princípios por todos os professores.

4. 2. A teoria de instrução no programa do 7º ano

Os dados resultantes da análise do programa de Ciências Naturais do 7º ano, referentes às duas reformas (1975 e 1991), mostram que o texto do programa de 1991 contém 59.2% (com uma área relativa de 54.2%) de frases relacionadas com a teoria de instrução, enquanto o texto do programa de 1975 contém 74.5% dessas frases (ocupando uma área de 72.4%). Esta diferença, que se observou também nos programas dos 5º/6º anos, vem reforçar as sugestões anteriormente apresentadas quanto à maior necessidade em 1975, relativamente a 1991, de se enfatizar os aspectos referentes à teoria de instrução.

Quando se consideram as várias categorias de análise do programa do 7º ano, igualmente se verifica uma tendência geral semelhante à observada na totalidade do programa. Além disso, a tendência verificada ao nível dessas categorias é, em geral, semelhante à tendência existente nas categorias dos programas dos 5º/6º anos. As excepções mais evidentes referem-se à categoria D (Conteúdos programáticos), em que não há referência à teoria de instrução quer em 1975, quer em 1991, e à categoria A (Finalidades do currículo), em que a diferença de ênfase na teoria de instrução entre as duas reformas é menos acentuada no programa do 7º ano.

A análise comparativa das duas reformas, em termos da natureza da teoria de instrução veiculada no programa do 7º ano, está expressa no gráfico da figura 3. Na construção deste gráfico, procedeu-se de forma idêntica à indicada na análise dos programas dos 5º/6º anos.

Figura 3 – Comparação entre as reformas de 1975 e 1991, no programa de Ciências da Natureza do 7º ano de escolaridade.

A análise do texto total dos programas mostra que, em ambos, há uma distribuição pelos diferentes tipos de frases, embora com maior percentagem relativa de frases E- em 1975 (55.6%) e de frases E+ em 1991 (34.4%). Além disso, enquanto a percentagem de frases E++ é maior em 1975 do que em 1991, a percentagem de frases ambíguas é maior em 1991 do que em 1975. No conjunto, estes dados apontam para uma maior legitimação, na reforma precedente, de uma teoria de instrução mais centrada no aquisidor e para uma legitimação de uma teoria de instrução mista na reforma actual, tendência que vem de encontro à tendência anteriormente evidenciada nos programas dos 5º/6º anos. Além disso, os dados relativos ao 7º ano reforçam a ideia, também expressa nos 5º/6º anos, de que em 1991 é menos clara a mensagem pretendida ao nível da interacção pedagógica. Neste caso, existe, mesmo ao nível da totalidade

do programa, uma maior percentagem de frases ambíguas em 1991 do que em 1975. Nas diferentes categorias de análise, em que é possível a comparação entre as duas reformas (categorias A, C e E), assiste-se a um padrão semelhante, isto é, há sempre uma maior percentagem de frases ambíguas e uma menor percentagem de frases E- na reforma actual. É ainda interessante salientar que, à semelhança do observado nos programas dos 5º/6º anos, é na categoria E (Orientação metodológica) que mais se reflecte o padrão tendencial global.

A interpretação sobre o sentido da mudança na teoria de instrução, ao nível do 7º ano de escolaridade, pode ser feita com base no mesmo tipo de considerações que foram anteriormente apresentadas para os 5º/6º anos. Contudo, pensa-se que, no caso do 7º ano, o facto de haver também em 1975 uma certa percentagem de frases E++ poderá reflectir algumas diferenças nos princípios pedagógicos defendidos em função do nível de escolaridade - tendencialmente menos centrada no aquisidor, à medida que se caminha para níveis mais elevados do sistema educativo.

Relativamente a este ano de escolaridade, os programas de Ciências Naturais de ambas as reformas dão uma ênfase especial a áreas diferentes do conhecimento científico - no programa de 1975 incluem-se conhecimentos de química e de biologia e, no programa de 1991, conhecimentos de geologia e de biologia. Atendendo à especificidade destas áreas, quer em termos da sua diferente natureza epistemológica, quer em termos da preparação pedagógica dos professores relativamente a campos distintos do saber científico, considerou-se de interesse proceder, em cada programa, a uma análise comparativa da teoria de instrução veiculada através das orientações metodológicas relacionadas com essas áreas. O gráfico da figura 4 expressa os resultados dessa análise.

Figura 4 - Comparação nas duas reformas entre as orientações metodológicas para áreas científicas diferentes do programa do

7º ano.

A análise dos dados referentes a 1975 sugere de uma forma clara que, enquanto ao nível da

biologia, se dá uma maior ênfase a uma teoria de instrução mais centrada no aquisidor, ao nível da química a ênfase recai numa teoria de instrução fundamentalmente centrada no transmissor. A fundamentar esta tendência, os dados mostram que as indicações metodológicas estão expressas numa maioria de frases do tipo E- (60.3%) no caso da biologia e numa distribuição de frases E++ e E+ (46% e 30.8%) no caso da química. Relativamente à reforma de 1991, os dados sugerem a mesma tendência, na medida em que mostram, mais uma vez, que a teoria de instrução tendencialmente legitimada na biologia é uma teoria mais centrada no aquisidor (53.3% de frases E-) e, na geologia, uma teoria de instrução mais centrada no transmissor (37.9% de frases E+ e apenas 20.7% de frases E-).

A diferença na metodologia de ensino entre a biologia e a química, poderá, em certa medida, reflectir o menor estatuto dado tradicionalmente ao ensino da biologia, relativamente ao ensino da química o que se traduziria numa orientação menos académica ao nível biologia. Contudo, é também

possível admitir que essa diferença decorra do facto de, em Portugal, ter sido no ensino da biologia que primeiro se introduziram e implementaram os princípios orientadores de uma nova filosofia de ensino-aprendizagem. Esta última ideia pode ainda também explicar a presente diferença de metodologia entre a biologia e a geologia que, no entanto, não é tão marcada como a diferença entre a biologia e a química na reforma anterior, possivelmente pelo facto do estatuto atribuído ao ensino da geologia ser relativamente semelhante ao estatuto dado ao ensino da biologia. É também curioso observar que a diferença entre a geologia e a química reforça a clara tendência na química para uma teoria de instrução de natureza didáctica, associada a princípios sociais mais autocráticos. Embora se possa, por um lado, defender que não é legítimo estabelecer uma comparação que envolve simultaneamente conteúdos programáticos diferentes (química e geologia) e de reformas distintas, é possível, por outro lado, justificar essa comparação com base nas tendências observadas nos dois períodos considerados. De facto, se é precisamente em 1975 que, nos programas analisados, se observa a tendência para uma teoria de instrução mais centrada no aquisidor, seria de esperar que a metodologia preconizada para a química se aproximasse mais dessa tendência do que a metodologia expressa para a geologia.

4.3. Comparação entre as teorias de instrução nos dois níveis de escolaridade

Outra análise que se afigura interessante no conjunto dos dados obtidos diz respeito à comparação que se pode estabelecer, em cada reforma, entre os dois níveis de escolaridade. Os dados desta análise comparativa estão expressos no gráfico da figura 5. Neste gráfico, considerou-se apenas a totalidade do texto dos programas e as frases que não se revelaram ambíguas quanto ao sentido da teoria de instrução. Assim, os valores percentuais atribuídos ás frases E++, E+ e E- foram obtidos, tomando-se como 100% apenas a totalidade destas frases.

Figura 5 – Análise comparativa do texto global dos programas dos 5/6º anos e do 7º ano nas duas reformas.

Desta análise ressalta que, em qualquer das reformas, há uma certa proximidade nos dois níveis de

escolaridade, quanto à teoria de instrução legitimada, o que consolida a ideia de que a teoria de instrução privilegiada em qualquer das duas reformas reflecte uma coerência quanto aos princípios pedagógicos de cada período. Contudo, no caso da reforma de 1975, verifica-se que enquanto ao nível do 7º ano se tende também a dar importância a indicações metodológicas exclusivamente centradas no transmissor (expressa pela existência de frases E++), no caso dos 5º/6º anos, tal não se verifica. No caso da reforma de 1991, assiste-se a uma inversão nesta tendência, havendo no 7º ano menor percentagem de frases E++ do que nos 5º/6º anos.

É possível admitir que estas diferenças reflictam o facto de em 1975 estar mais interiorizada a ideia de que, para alunos de níveis etários mais baixos, se deveria implementar um ensino menos didáctico, mais em consonância com o espírito da chamada escola aberta. Pode também pensar-se que, surgindo os programas dos 5º/6º anos antes do programa do 7º ano, fosse ao nível dos primeiros que as mudanças que entretanto se começaram a fazer sentir em Portugal assumissem maior relevo.

De outro ponto de vista, quando comparamos os 5º/6º anos com o 7º ano de escolaridade na

reforma de 1975, poderíamos esperar que a teoria de instrução fosse mais centrada no aquisidor no 7º ano. Com efeito, por um lado o programa do 7º ano foi feito em pleno período revolucionário, em que novos valores sobre as relações sociais estavam a emergir. Por outro lado, o 7º ano estava então a começar a fazer parte do ensino unificado. Contudo, essa diferença não ocorreu. Podemos pensar que a discrepância entre a Biologia e a Química, realçada anteriormente, acerca dos seus princípios metodológicos - a Biologia mais centrada no aquisidor e a Química mais centrada no transmissor - possa ter esbatido a tendência esperada. Possivelmente, esta será uma diferença relacionada com os autores das duas áreas científicas dos programas que, não sendo os mesmos, se distanciavam nos princípios pedagógicos que defendiam. 5. CONCLUSÃO

O estudo realizado procurava investigar o modelo de teoria de instrução enfatizado, na actual reforma (1991), ao nível do ensino das ciências e apreciar o sentido da mudança relativamente à reforma precedente (1975). Com este objectivo, analisaram-se os programas, das duas reformas, referentes às disciplinas de Ciências da Natureza dos 5º/6º anos de escolaridade e de Ciências Naturais do 7º ano de escolaridade.

Os resultados do estudo permitiram sugerir que a teoria de instrução preconizada na reforma actual tende a ser uma teoria mista em que, embora seja dado algum controlo ao aluno, o controlo está fundamentalmente centrado no transmissor. Isto acontece para os dois anos de escolaridade o que mostra a coerência dos princípios pedagógicos inerentes a esta reforma.

Quando se compara a reforma actual com a precedente, o estudo sugere uma mudança que se traduz, ao nível dos 5º/6º anos por uma diminuição clara do controlo dado ao aluno, uma vez que na reforma de 1975 se preconizava uma teoria de instrução tendencialmente auto-reguladora, isto é, mais centrada no aquisidor. Ao nível do 7º ano, a mudança não é tão marcada mas ainda assim a tendência geral é semelhante à observada nos outros anos de escolaridade. De facto, o estudo mostra que, na reforma de 1975, o programa veicula uma teoria de instrução tendencialmente auto-reguladora e em 1991 a mensagem do programa aproxima-se mais de uma teoria mista, que embora dando ainda algum controlo ao aluno, é mais centrada no transmissor. Resumindo, ao considerar-se os vários programas analisados, o estudo sugere que a teoria de instrução legitimada na reforma anterior é mais centrada no aquisidor do que a teoria de instrução preconizada na reforma actual e que esta diferença é mais evidente nos programas dos níveis mais baixos de escolaridade. Há algumas diferenças quando se consideram as várias categorias de análise dos programas, que ajudaram a compreender o padrão encontrado. O estudo também mostrou que há na reforma de 1975, quando comparada com a reforma de 1991, uma maior extensão do programa com indicações relacionadas com a teoria de instrução e simultaneamente uma menor ambiguidade quanto à natureza da teoria de instrução. Este aspecto revela não só uma maior preocupação, na reforma anterior, com aspectos metodológicos do processo de ensino-aprendizagem como reforça a ideia de que nessa reforma é mais enfatizada a mensagem pretendida quanto à teoria de instrução a ser implementada.

É também interessante notar como áreas científicas diferentes do mesmo programa podem ter indicações metodológicas diferentes, como é claramente o caso da Biologia e da Química do 7º ano na reforma de 1975. Isto mostra como autores distintos a fazerem o mesmo programa podem originar estas discrepâncias que vão inevitavelmente interferir na aprendizagem das crianças.

Os resultados sugeridos pelo estudo assumem um grande interesse pedagógico dado que expressam um sentido de mudança que à partida poderia não ser esperado, uma vez que a reforma actual surge numa altura em que se estende o ensino obrigatório para além dos 5º/6º anos. De um ponto de vista sociológico, seria mais legítimo esperar que o alargamento da escolaridade obrigatória conduzisse a uma maior ênfase numa teoria de instrução essencialmente auto-reguladora. Contudo, tendo presente que um dado discurso pedagógico oficial tende a reproduzir os princípios dominantes da sociedade, pode-se compreender o sentido da mudança. Com efeito, o período correspondente à reforma de 1975 é um período que, em termos socio-políticos, se caracteriza, em Portugal, por um período de grande mudança - a viragem, com a revolução de 1974, de uma sociedade ditatorial para uma sociedade democrática. Em 1991, a jovem

democracia de 1975 tinha mudado para um sistema democrático mais estabilizado, em que havia um maior equilíbrio entre as diversas forças socio-políticas. A mudança pode traduzir também um desencantamento com os princípios pedagógicos inovadores dos anos sessenta e setenta.

É importante notar que, quando falamos em reprodução, não estamos a atribuir a este processo um papel determinante, tal como explicámos no início. Há no estudo dados que evidenciam de que modo a reprodução pode não ser, e de facto não é, linear. Por exemplo, o caso da Química no programa do 7º ano da reforma de 1975 mostra claramente em que extensão os princípios dominantes da sociedade podem ser recontextualizados - os princípios sociais autocráticos subjacentes aos conteúdos da Química não estão em concordância com a sociedade aberta daquele período.

Do ponto de vista da formação dos professores, os resultados do presente estudo revelam-se particularmente sugestivos pois permitem mostrar o significado sociológico das mensagens contidas nos programas e o significado sociológico da mudança. Se na sua formação inicial e contínua, os professores adquirirem conceitos que lhes permitam compreender o significado dessas mensagens, é possível que reconheçam de uma forma mais fundamentada o sentido das mudanças. No âmbito da investigação educacional, o estudo abre novas perspectivas de análise, uma vez que o modelo que orientou o estudo não só contém indicadores que, pela sua natureza, são aplicáveis a distintas disciplinas do currículo, como dá a possibilidade de estabelecer comparações a diferentes níveis de análise curricular.

No âmbito da investigação educacional, o estudo abre novas perspectivas de análise, uma vez que o modelo que orientou o estudo não só contém indicadores que, pela sua natureza, são aplicáveis a distintas disciplinas do currículo, como dá a possibilidade de estabelecer comparações a diferentes níveis de análise curricular.

NOTAS 1. Ver Fontes et al (1997), Morais & Neves (1997), Neves et al (1999a) e Neves & Morais (1999b). 2. A frase não é tomada, neste estudo, em sentido gramatical; corresponde a um extracto do texto do

programa, com um ou mais períodos que, no seu conjunto, têm um dado significado semântico. 3. Não se procedeu, no presente estudo, à análise do contexto de avaliação, dado que os aspectos da actual

reforma relacionados com este contexto foram sendo objecto de sucessivas directrizes do Ministério da Educação, posteriores à consulta dos documentos analisados.

4. Estes quadros constam de um texto com a análise geral dos programas (Morais et al , 1995) e foram construídos com base nos documentos publicados pelo Ministério da Educação (DGEBS, 1991 a, b, c, d; SEEBS, 1975 a, b).

5. Através da validação, verificou-se ter havido um desvio de 11.3% em relação à classificação inicialmente atribuída.

6. A classificação das diferentes frases dos programas constam de quadros gerais (Quadros I-A a V-A, incluídos em Morais et al , 1995).

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