A TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL: CONCEPÇÕES DA PUC-RJ E...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO A TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL: CONCEPÇÕES DA PUC-RJ E DA FGV-SP OSMANI PONTES MORENO matrícula nº 106075826 emails: [email protected] e [email protected] ORIENTADOR: Prof. André de Melo Modenesi email: [email protected] SETEMBRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

A TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL:

CONCEPÇÕES DA PUC-RJ E DA FGV-SP

OSMANI PONTES MORENO

matrícula nº 106075826

emails: [email protected] e [email protected]

ORIENTADOR: Prof. André de Melo Modenesi

email: [email protected]

SETEMBRO 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

A TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL:

CONCEPÇÕES DA PUC-RJ E DA FGV-SP

______________________________

OSMANI PONTES MORENO

matrícula nº 106075826

ORIENTADOR: Prof. André de Melo Modenesi

SETEMBRO 2013

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As opiniões expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor

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Dedico este trabalho a todos aqueles que,

independentemente da corrente de pensamento à

qual se identificam, enxergam as complexidades da

realidade econômica, não ficando presos aos úteis,

porém simplificados modelos acadêmicos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente, e por motivos óbvios, a Jesus Cristo a quem jamais deixei e

deixarei de ter infinita fé.

Em relação a esta monografia, agradeço imensamente a meu orientador, o professor

André Modenesi pelo apoio e incentivo em todos os momentos, por acreditar desde o

princípio na proposta deste trabalho e por ter me dado toda a tranquilidade do mundo, sem

exercer pressão negativa em nenhum momento. Agradeço ainda ao professor Carlos

Pinkusfeld, por ter aceitado participar da minha banca e por ter sido um dos grandes

responsáveis pelo meu interesse pela inflação inercial, nas inesquecíveis aulas de Brasileira II.

Agradeço também ao professor Franklin Serrano que gentilmente aceitou meu convite para

compor a banca examinadora.

Em relação à graduação como um todo, agradeço primeiramente à pessoa mais

importante da minha vida, minha mãe Myriam Celeste que sempre acreditou em mim mesmo

nos momentos mais difíceis, que sempre teve paciência e respeito para lidar com minha

personalidade e fundamentalmente por todo amor dedicado ao longo de todos esses anos. Em

segundo lugar agradeço à minha querida madrinha Noemi Pontes sem a qual certamente meu

caminho teria sido enormemente dificultado e que sempre demonstra preocupação e

disposição a ajudar. Não posso deixar de agradecer ainda aos demais familiares, e não menos

importantes, meu pai Osmani Valporto e sua esposa Denise Porto, meu irmão Eric Porto,

sempre fonte de incentivo, meu padrinho Adaílson Assis e meus amados avós Paulo Pontes e

Florzinda Correia, os quais sempre demonstram imensurável paixão por mim e parecem ter

vivido os últimos anos à espera da conclusão deste curso por minha parte.

Em relação aos colegas e amigos, gostaria de lembrar meus companheiros de período

2006.2 e todas as demais turmas que tive o prazer de conhecer, sobretudo 2009.1 e 2009.2.

Não posso deixar de citar ainda alguns nomes como o da melhor amiga e pessoa que conheci

na graduação Luisy Trott, pelo companheirismo e confiança incondicionais, do gente

finíssima Pedro Henrique Toledo, do amigo Rodrigo Suprani e da incrível Ísis Mathias com a

qual eu tive o prazer de conviver nos últimos períodos da graduação. Gostaria de lembrar

também da companheira de ensino médio Ariane Costa, certamente a primeira pessoa para a

qual eu esbocei algum tipo de explicação de economia diante das instigantes e curiosas

perguntas nas aulas do terceiro ano, nas já distantes manhãs de 2005.

Por fim gostaria de agradecer ao Instituto de Economia da UFRJ, minha eterna casa ao

qual sempre terei o infinito orgulho de ter participado de sua existência. Aproveito aqui para

agradecer a todos os funcionários e professores, em especial à professora Viviane Luporini, ao

professor Reinaldo Gonçalves e ao professor Marcelo Resende, com os quais tive o imenso

prazer de conviver durante inesquecíveis dias. Não posso deixar de agradecer aos amigos da

copiadora Luiz André Vaz, Guilherme Caetano e Alexandre Mendonça, que foram por mim

extremamente perturbados todos esses anos, mas jamais deixaram de ajudar sempre que

puderam.

A todos que de um modo geral passaram por mim e que o espaço não permite que os

cite, meu muito obrigado. Esclarecendo sempre que todos os citados aqui estão totalmente

isentos de quaisquer responsabilidades sobre erros e falhas deste trabalho.

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RESUMO

Este trabalho compara as concepções de inflação inercial da PUC-RJ e da FGV-SP. Parte-se

da apresentação das teorias de Sunkel, Rangel e Simonsen. Os autores da PUC-RJ partem de

um cenário de conflito distributivo em que a inflação é uma forma de reduzir salários reais

permitindo aos empresários alcançar determinada parcela real desejada na renda e

consequentemente levando a economia a determinada taxa de crescimento. A partir disso,

concluem que há uma relação direta entre inflação e crescimento. Ao analisar empiricamente

a economia brasileira, no entanto, acreditam que haja mais alguns componentes nessa relação

e incluem basicamente mais dois elementos visando melhorar o modelo tradicional: os

choques salarial e externo. A conclusão dos autores é que existe um mecanismo de reajuste de

preços na economia que impede a plena vigência da relação tradicional. As propostas para

combater a inflação são o choque heterodoxo e a moeda indexada. Os autores da FGV-SP

partem de críticas às hipóteses monetaristas e keynesianas e consideram que a inflação no

capitalismo moderno é caracterizada pela ação de oligopólios, dos sindicatos e do Estado.

Para os autores, diante de uma recessão os oligopólios aumentam seus preços acima da

inflação visando ao menos manter suas margens diante da queda de vendas, tal movimento é

acompanhado pelos sindicatos que visam manter seus salários reais. Disso resulta uma relação

direta entre recessão e inflação. Assim, os autores contribuem para Rangel explicitar em 1985

uma ideia que não estava clara em 1963, a “curva de Rangel” que supõe o contrário da curva

de Phillips. As propostas para combater a inflação são o controle administrativo de preços e a

desindexação parcial. A conclusão deste trabalho é que existem quatro diferenças

fundamentais entre as visões da PUC-RJ e da FGV-SP: de caráter inicial, uma vez que a teoria

da PUC-RJ parte inicialmente de uma relação direta entre inflação e crescimento, enquanto

que a da FGV-SP critica as hipóteses tradicionais; de caráter metodológico, pois a concepção

da PUC-RJ é predominantemente empírica ao passo que a da FGV-SP é predominantemente

teórica; de caráter essencial, que se refere aos diferentes elementos identificados por cada

teoria e de caráter conclusivo, pois o grupo de autores da PUC-RJ conclui que existe uma

relação tradicional, inversa, entre inflação e desemprego que é atrapalhada pelos mecanismos

de indexação, já os autores da FGV-SP acreditam que há uma relação direta entre inflação e

recessão, propondo o contrário da relação da curva de Phillips.

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SIGLAS

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

FGV-SP Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

ORTN Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional

PAEG Programa de Ação Econômica do Governo

PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

TQM Teoria Quantitativa da Moeda

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 8

CAPÍTULO I - ANTECEDENTES DA TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL ................................11

I.1 - Osvaldo Sunkel e o problema da oferta ..................................................................................11

I.2 - Ignácio Rangel e a “inflação necessária” ................................................................................15

I.2.1 - As necessidades de inflação ............................................................................................15

I.2.2 - As causas da inflação ......................................................................................................18

I.2.3 - As reações da economia a um determinado impulso inflacionário ....................................19

I.3 - Mário Henrique Simonsen e os três componentes da inflação .................................................21

I.3.1 - O modelo formal .............................................................................................................21

I.3.2 - Os componentes do modelo e suas respectivas formas de tratamento ...............................22

I.3.3 - Os tipos de estabilização .................................................................................................23

CAPÍTULO II - A INFLAÇÃO INERCIAL NA VISÃO DOS ECONOMISTAS DA PUC-RJ ..........26

II.1 - O ponto de partida teórico.....................................................................................................27

II.2 - Os testes empíricos ...............................................................................................................35

II.2.1 - A “surpresa” de Lara Resende e Lopes ...........................................................................36

II.2.2 - As tentativas de recuperar a relação tradicional e a consolidação da incorporação dos

novos elementos ........................................................................................................................41

II.3 - Pós-testes e as soluções propostas .........................................................................................45

II.3.1 - O choque heterodoxo de Lopes ......................................................................................46

II.3.2 - A moeda indexada de Arida e Lara Resende ...................................................................47

CAPÍTULO III - A INFLAÇÃO INERCIAL NA VISÃO DOS ECONOMISTAS DA FGV-SP ........50

III.1 - Crítica a monetaristas e a keynesianos .................................................................................50

III.1.1 - A crítica à visão monetarista de inflação .......................................................................51

III.1.2 - A crítica à visão keynesiana de inflação ........................................................................53

III.2 - A inflação intrínseca ao capitalismo ....................................................................................54

III.2.1 - O papel dos oligopólios e dos sindicatos .......................................................................55

III.2.2 - O papel do Estado.........................................................................................................57

III.3 - A relação recessão x inflação e a explicitação da “curva de Rangel” ....................................59

III.4 - Um “mix” de políticas econômicas como forma de combater a inflação ...............................63

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................................68

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INTRODUÇÃO

Na segunda metade dos anos 1980, depois de um delicado contexto macroeconômico

externo, como é mostrado em Bastos e Rubens (2008, p. 6-7), a economia brasileira passa a

enfrentar um grave problema inflacionário, como é comentado por Modenesi (2005, p. 231).

A análise de Modenesi (2005, p. 230) evidencia que as políticas restritivas, baseadas em

diagnósticos tradicionais, não geravam efeitos, mostrando-se inadequadas à realidade da

economia do país.

Tal cenário sugeria que a inflação não seria resultado apenas de fatores causadores,

que estavam sendo combatidos, mas também resultava de fatores que estavam mantendo

aquele patamar inflacionário. Configurava-se então um tipo de inflação, denominada inercial,

que uma vez iniciada pode persistir mesmo na ausência dos fatores causadores, como

destacam Rego, Mazzeo e Freitas Filho:

[...] nas economias modernas, em fase oligopolista e tecnoburocrática, a

inflação possui uma dinâmica com autonomia suficiente para se auto-

alimentar (sic) independentemente do elo primário que iniciou o processo de elevação dos preços. Este é o componente de inércia. (REGO; MAZZEO;

FREITAS FILHO, 1986, p. 10).

Sendo assim em determinado momento praticamente todos os economistas brasileiros

passaram a acreditar que no Brasil havia uma inflação predominantemente inercial, sugerindo

um consenso. No entanto, como observa, a esse respeito, Serrano (1986, p. 106):

É tão raro encontrar uma proposição que seja aceita consensualmente entre economistas acadêmicos que, quando nos deparamos com uma, somos

levados a desconfiar que o consenso só existe porque cada grupo de

economistas interpreta o conteúdo da proposição de forma diferente.

(SERRANO, 1986, p. 106).

De fato, Rego, Mazzeo e Freitas Filho, assim como Serrano, indicam a existência de

diversas teorias que poderiam ser incluídas sob a manta de “inflação inercial”.

Dentro desse contexto, pode-se observar que a produção teórica daquele período

engloba o surgimento de duas grandes e diferentes teorias acerca da inflação inercial

brasileira: a concepção dos professores da PUC-RJ e a concepção dos professores da FGV-

SP. O primeiro grupo é mais heterogêneo e é representado por cinco economistas: André Lara

Resende, Edmar Bacha, Eduardo Modiano, Francisco Lopes e Pérsio Arida. Aqui é

importante destacar que não há igualdade entre as concepções destes cinco professores,

existem diferenças principalmente quanto às soluções propostas, no entanto foram agrupados

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em uma única concepção para facilitar a identificação da mesma e por, afinal, serem filiados à

mesma instituição acadêmica. O segundo grupo é menor e mais homogêneo e é formado pelos

professores Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, tendo proximidades com outros

economistas ligados à FGV-SP.

No entanto, é muito comum que a teoria da inflação inercial seja vista apenas como

uma concepção dos economistas do primeiro grupo. Também é comum que ambas as

concepções sejam consideradas parecidas. Como observa Bresser-Pereira (2009), tudo isso se

deve, dentre outros motivos, ao fato de que alguns membros do primeiro grupo participaram

da elaboração e da implantação do Plano Real, que combateu a inércia inflacionária.

Recentemente Bresser-Pereira (2009, não paginado), ao analisar a produção acadêmica da

época, afirmou algo que desperta interesse investigativo ainda maior sobre o tema em

questão: “[...] Yoshiaki Nakano e eu logramos desenvolver o que suponho ter sido o primeiro

modelo simples e compreensivo do mecanismo que tornava essa inflação autônoma de

demanda.”

Em cima de tudo que foi dito e dada a importância da teoria da inflação inercial

desenvolvida nos anos 1980 no Brasil, que foi a base de todos os planos de estabilização entre

1986 e 1994 e talvez seja a principal contribuição de economistas brasileiros ao pensamento

econômico, é útil investigar e comparar as concepções de inflação inercial da PUC-RJ e da

FGV-SP.

Este trabalho parte da hipótese de que existem diferenças substanciais entre as duas

concepções da teoria da inflação inercial. Sendo assim, o objetivo geral é evidenciar tais

diferenças através de objetivos específicos que consistem em, através das principais obras de

cada grupo: verificar quais eram os respectivos pontos de partida teórico; explicitar o caráter

metodológico predominante em cada concepção; evidenciar os principais elementos

analisados por cada grupo e analisar as conclusões resultantes de cada concepção.

Vale destacar ainda que o trabalho dará uma atenção especial à relação entre inflação e

crescimento econômico nas duas concepções. Além disso, a análise se restringe à discussão na

literatura brasileira sobre o assunto.

O trabalho está dividido em três capítulos e uma conclusão, além desta introdução. O

capítulo I trata das concepções que antecederam as teorias inercialistas, e que podem ter

pontos em comum com estas, apresentando as visões de três autores: Osvaldo Sunkel, Ignácio

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Rangel e Mário Henrique Simonsen. O capítulo II trata da concepção da PUC-RJ analisando o

ponto de partida teórico dos autores e os testes econométricos realizados, bem como os

elementos mantidos e incorporados ao longo dos testes. São tratadas ainda as soluções

propostas pelos autores. O capítulo III trata da concepção da FGV-SP analisando as críticas

dos autores às concepções tradicionais e os papéis que alguns agentes exercem no processo

inflacionário do capitalismo moderno. É destacada ainda a relação direta entre recessão e

inflação identificada pelos autores, mostrando que estes contribuíram para Rangel

desenvolver sua “curva”, que estabelecia o oposto da curva de Phillips. Também são tratadas

as soluções propostas pelos autores. A conclusão encerra o trabalho explicitando as principais

diferenças entre as duas concepções.

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CAPÍTULO I - ANTECEDENTES DA TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL

Este capítulo está dividido em três seções. Na seção I.1 será analisada a contribuição

de Osvaldo Sunkel para as teorias sobre inflação. Na seção I.2 será analisada a visão de

inflação de Ignácio Rangel. Por fim, na seção I.3 será analisada a concepção de Mário

Henrique Simonsen.

I.1 - Osvaldo Sunkel e o problema da oferta

Desde o final da década de 1940 e principalmente na primeira metade da década de

1950, o Chile viveu um período de forte inflação. As políticas adotadas, de um modo geral,

baseavam-se nas teorias tradicionais que recomendavam políticas econômicas restritivas.

Sendo assim, as políticas de estabilização continham elementos como: redução da oferta

monetária, aperto da demanda, redução de gastos públicos, entre outros. De fato, as teorias

monetaristas e também as keynesianas predominavam no receituário seguido tanto por países

desenvolvidos quanto subdesenvolvidos. O resultado foi um relativo sucesso no combate à

inflação, mas com estagnação no desenvolvimento econômico até 1955, quando se converteu

em depressão econômica. Aqui nota-se uma semelhança com o caso brasileiro da década de

1980: os tradicionais mecanismos de combate à inflação recomendados e usados mundo afora

não surtiram efeitos, sugerindo algo mais específico ao país.

Diante desse cenário, Osvaldo Sunkel (1958) desenvolve uma explicação sobre o

processo inflacionário no Chile que leva em conta características intrínsecas observadas no

país não consideradas pelas teorias tradicionais (monetaristas e keynesianas), que na verdade

haviam sido elaboradas a partir da observação de um cenário de países desenvolvidos,

basicamente dos Estados Unidos. Como observa Sunkel:

[...] as fontes subjacentes de inflação nos países pouco desenvolvidos se

encontram em problemas básicos do desenvolvimento econômico, nas características estruturais que apresentam os sistemas produtivos desses

países. (SUNKEL, 1958, p. 571, tradução minha e itálicos no original).

A partir dessa análise Sunkel elabora também propostas de solução da inflação

divergentes das que vinham sendo utilizadas, classificadas por ele (1958, p. 570) de

“simplistas”, “superficiais” e incapazes de resolver problemas de longo prazo, apenas de curto

prazo. É importante notar que o modelo desenvolvido é o grande ícone da visão da CEPAL

sobre inflação e, embora baseada na realidade chilena, tal concepção pode ser útil para os

demais países latino-americanos, como afirma Sunkel:

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Não parece errado supor então que a inflação chilena - como em

outros países de similar grau de desenvolvimento, parecida estrutura

econômica e comparável evolução histórica - deve ser analisada à luz

de uma interpretação própria [...] (SUNKEL, 1958, p. 571, tradução e

grifos meus).

O modelo proposto por Sunkel será brevemente descrito a seguir. Existem dois

elementos importantes em um processo inflacionário: as pressões inflacionárias e os

mecanismos de propagação da inflação. As pressões inflacionárias são os elementos que

causam a inflação, enquanto que os mecanismos de propagação são os elementos que mantém

a inflação e resultam basicamente da tentativa das diversas classes sociais de defenderem suas

rendas reais. Os mecanismos de propagação são, segundo Sunkel, mais facilmente percebidos

fazendo com que as políticas de estabilização direcionem-se apenas para eles. O resultado é

que tais políticas não combatem as verdadeiras causas, mas apenas (e mesmo assim de uma

forma mais violenta e inadequada) os mecanismos que mantém a inflação, ou seja, eliminam

ou enfraquecem apenas os mecanismos de defesa dos agentes. O que ocorre é a permanência

das causas, mas sem os mecanismos de defesa. Logo, a inflação é mantida, acentuando-se a

redistribuição regressiva da renda e agravando os problemas dos países subdesenvolvidos. O

autor destaca ainda que o resultado do agravamento do processo de redistribuição de renda é o

contínuo desajuste das demandas em relação às ofertas nos diversos mercados de acordo com

as respectivas elasticidades-renda dos setores, agravando ainda mais a questão inflacionária.

Segundo Sunkel, as pressões inflacionárias podem ser estruturais, circunstanciais e

acumulativas. As pressões estruturais são basicamente quatro: i) oferta inflexível; ii)

insuficiente taxa de formação de capital; iii) crescente piora da produtividade média da

economia e iv) sistema tributário deficiente.

A oferta inflexível caracteriza-se por uma incapacidade da oferta de alimentos

acompanhar o crescimento da demanda e mais especificamente apresentar uma tendência a

reduzir-se em relação ao crescimento populacional. Vale destacar que as teorias dominantes

até então reconheciam de fato o problema da oferta, mas o atribuíam a uma deficiência nos

mecanismos de preços do mercado. Sunkel (1958, p. 576-579) mostra, porém, que havia uma

relação positiva no mercado alimentício tanto entre os preços alimentícios e os preços gerais

da economia quanto entre os preços dos insumos e os preços finais desse mercado. Logo,

conclui (SUNKEL, 1958, p. 579, tradução minha): “[...] a estagnação da produção agrícola

não pode ser atribuída às condições de mercado, de demanda e de preços mas a fatores que se

encontram na própria estrutura da atividade agropecuária.” Outro elemento que caracteriza a

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oferta inflexível é a inelástica capacidade de importar. Tal situação era causada pelo baixo

poder de compra das exportações chilenas, que financiavam as compras internacionais do

país, ou seja, também não havia possibilidades de aumentar a oferta interna de alimentos via

importações. O caso se agravava com o crescimento populacional e uma maior pressão para

importar. O resultado era uma desvalorização cambial que por sua vez pressionava a inflação.

A solução para esses problemas seria um forte investimento público nos setores alimentícios

(a fim de aumentar a oferta ao mercado interno) e nos setores exportadores (a fim de aumentar

a receita de exportações permitindo importações que desafogassem a oferta interna de

alimentos).

A insuficiente taxa de formação de capital causava um sério problema, pois a taxa

observada era incapaz de gerar aumento na capacidade produtiva exigida para absorver o

aumento populacional nos setores das cidades (principalmente causado pela migração de

trabalhadores do campo para a cidade).

A terceira pressão estrutural é a crescente piora da produtividade média da economia,

causada pelo deslocamento de trabalhadores do setor de cobre (que apresentava alta

produtividade do trabalho) para os demais setores (que apresentavam baixa produtividade do

trabalho).

A quarta pressão estrutural é o sistema tributário deficiente que apresentava

dificuldades de ajustar gastos e vinha apresentando redução na arrecadação principalmente em

relação ao setor externo. Tal redução não foi acompanhada por um aumento da arrecadação

interna devido à regressividade e à inflexibilidade do sistema. A solução proposta seria uma

reforma tributária que além de corrigir tais problemas, incentivaria o investimento em setores

essenciais da economia.

As pressões circunstanciais citadas por Sunkel (1958, p. 583-585) são: aumentos

salariais generalizados, gastos ligados a catástrofes naturais e a guerras, aumento dos preços

dos importados e instabilidade externa. Ou seja, basicamente são aqueles elementos que

causam inflação, mas que fogem de qualquer controle prévio e que expressam uma

determinada situação momentânea.

As pressões acumulativas podem ser definidas como as distorções de um processo

inflacionário sobre o funcionamento da economia. De acordo com Sunkel, essas distorções

ocorrem sobre os investimentos, sobre a produtividade e sobre as expectativas. Os

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investimentos são afetados pois diante dos controles de preços em um cenário inflacionário,

os recursos que seriam direcionados para a formação de capital acabam indo para o sistema

financeiro e mesmo os recursos já empregados na formação de capital tendem a sair dos

setores com preços controlados e migrar para atividades que não contribuem para a produção

de bens e serviços. O resultado é a redução da oferta de bens e serviços, gerando pressão

inflacionária estrutural. Já a produtividade é afetada negativamente (aumentando os preços)

principalmente devido aos controles de preços, que incentivam o surgimento de atividades

pouco eficientes em detrimento de um aumento da capacidade produtiva em setores mais

eficientes. O resultado disso é a piora da qualidade dos produtos. Sunkel (1958, p. 586-587)

cita ainda efeitos negativos sobre os estímulos do setor público, sobre a seguridade social e

sobre o setor exportador. Por fim, diante de um cenário inflacionário naturalmente as

expectativas dos agentes tendem a ser altistas levando-os a reduzir poupanças. Os efeitos

sobre os investimentos e sobre a produtividade seriam resolvidos com a eliminação dos

controles de preços, o que exigiria uma prévia resolução do problema da oferta. Já as

expectativas melhorariam com o tempo diante da redução da inflação.

Os mecanismos de propagação transmitem a tendência inflacionária de um

determinado setor para o restante da economia. Essa transmissão pode ser de quatro tipos. O

primeiro tipo é do setor público para a economia e se dá basicamente devido à rigidez para

baixo dos gastos (muitas vezes devido a problemas em alguns setores privados o que acaba

exigindo um maior gasto do governo) que causa um déficit público financiado com expansão

monetária. A solução proposta é a realização de uma reforma tributária.

O segundo tipo é do setor assalariado para a economia e basicamente se dá devido aos

reajustes salariais automáticos nos quais, através do poder de barganha, os trabalhadores

conseguem repor perdas reais em suas rendas devido à inflação passada. A solução para isso

seria a limitação do reajuste, que deveria ocorrer a partir de uma determinada taxa de inflação

apenas.

O terceiro tipo é do setor privado para a economia e ocorre devido à defasagem entre o

aumento dos custos incorridos pelas empresas e o reajuste de seus preços, tal fato reduz em

termos reais o capital circulante das empresas, que recorrem ao setor bancário gerando

expansão de crédito, o que afeta a economia.

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O quarto tipo é do setor externo para a economia e se dá pela desvalorização cambial

(causada no Chile pela redução dos subsídios às importações), pelo aumento do preço dos

importados e pela queda do poder de compra das exportações.

I.2 - Ignácio Rangel e a “inflação necessária”

Ignácio Rangel desenvolve uma análise interessante e peculiar da inflação brasileira.

Utilizando conceitos da macroeconomia, da microeconomia e da economia política, mobiliza

Marx e Keynes para criticar monetaristas e estruturalistas. Sua teoria da inflação pode ser

analisada em três partes, como será feito nesta seção: i) necessidades de inflação; ii) causas

da inflação e iii) reações da economia a um determinado impulso inflacionário. Nas

necessidades de inflação encontra-se uma visão bastante particular onde o autor define o

inverso da crença estruturalista, afirmando que não é a oferta que é insuficiente e sim a

demanda. Tal raciocínio resulta na inversão da causalidade demanda agregada-inflação. Nas

causas, Rangel utiliza elementos microeconômicos para atribuir a inflação às falhas de

mercado (nesse sentido se aproxima dos estruturalistas ao ver a inflação como endógena,

embora com causa diferente) e nas reações da economia ao impulso inflacionário novamente

utiliza uma análise microeconômica para criticar os monetaristas, invertendo a causalidade da

relação moeda-preços da TQM e atribuindo outro papel ao governo diante de um impulso

inflacionário. A seguir é apresentado o modelo de Rangel.

I.2.1 - As necessidades de inflação

O ponto de partida de Rangel é a questão agrária:

O Brasil empreendeu sua industrialização sem previamente remodelar as

relações de produção na agricultura. Daí resulta que, acima das contradições

internas do seu setor capitalista (entre o capital e o trabalho) e do seu setor

feudal (entre o latifúndio feudal e a servidão de gleba), paire a contradição entre o seu lado moderno [...] e o seu lado arcaico [...] (RANGEL, 1978

[1963], p. 36, itálicos no original).

Para ele o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil se iniciou sem uma

reforma agrária que permitisse à estrutura fundiária eliminar elementos arcaicos e

transformar-se em uma estrutura moderna que pudesse receber o capitalismo de forma

adequada. De um modo geral, o desenvolvimento capitalista exige um certo aumento na

produtividade do trabalho rural a fim de gerar excedente agrícola, que possa abastecer as

cidades, e excedente de mão de obra, que possa ser absorvido pela indústria nascente. Porém,

diante do atraso da estrutura agrária brasileira, o aumento da produtividade foi maior que o

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necessário gerando excedentes em demasia e ocasionando uma “crise agrária”. O excedente

de mão de obra não foi totalmente absorvido pela indústria gerando desemprego que reduziu

salários e poder de barganha dos trabalhadores. A consequência desse processo é o aumento

da taxa de exploração do trabalho, expresso pela relação entre mais-valia e salários ,

como destaca Rangel (1978 [1963], p. 39): “Em síntese, o capitalismo brasileiro se

desenvolve nas condições de um ‘exército industrial de reserva’ exorbitante, cujo efeito é

elevar a taxa de exploração do sistema

.” Além disso, Rangel (1978 [1963], p. 38)

considera a razão investimento / consumo uma forma de expressar a taxa de

exploração: “Basta, por enquanto, determinar que a razão

[...] não passa de uma

reencarnação [...] da razão

[...]” Uma vez que a propensão a consumir da economia pode

ser representada pela razão

, percebe-se que quanto maior for a taxa de exploração do

trabalho menor será a propensão a consumir da economia. De fato, como observa Rangel

(1978 [1963], p. 61) quanto mais forte for a desigualdade da distribuição de renda, menor será

a parte da renda voltada para a demanda global e maior será a parte da renda voltada para os

investimentos. É em cima disso que Rangel (1978 [1963], p. 35) conclui: “[...] a verdade é

que o Brasil é um país de baixíssima propensão a consumir [...]” Ou seja, há na economia

brasileira uma insuficiência de demanda. Tal fato se agrava com o crescente aumento da

produtividade agrícola não acompanhado por um aumento dos salários, logo há uma

tendência à redução da propensão a consumir na economia.

Rangel coloca que a economia possui alguns mecanismos de defesa diante dessa baixa

tendência a consumir, dentre eles os direitos trabalhistas, os sindicatos e o “empreguismo” por

parte do governo, no entanto tais mecanismos são ineficazes. Com isso, o sistema passa a

depender fortemente das imobilizações1 para compensar o baixo consumo no curto prazo

2. No

entanto, em uma economia com baixa propensão a consumir e tendência à ociosidade da

1 Ao longo de toda sua obra, Rangel considera imobilizações todos os tipos de “aprazamento de consumo”,

incluindo-se nessa expressão os investimentos de produção (compra de bens de produção) e os de consumo

(compra de bens de consumo duráveis). Segundo o autor, isto permite distinguir consumo corrente de consumo

futuro. 2 Nesse aspecto Rangel (1978 [1963], p. 105-109) faz uma análise marxista que pode aprofundar a questão. No

longo prazo a taxa de exploração do trabalho é

. No curto prazo, movimentos conjunturais determinam a taxa

de exploração conjuntural

. Um aumento na taxa conjuntural via aumentos de mais-valia e de salários,

mesmo com a primeira subindo mais (aumentando a taxa estrutural no longo prazo), gera ganhos absolutos para

os trabalhadores, e é isso que eles desejam, o que seria bom para patrões e trabalhadores. Tal situação só ocorre

se os empresários aumentarem o uso da capacidade produtiva empregando mão de obra. Se investirem somente

no aumento da capacidade produtiva, tal aumento será maior que o aumento da renda pois o multiplicador é

pequeno (tem relação direta com a propensão a consumir que é pequena), logo o aumento da ociosidade será

ainda maior no longo prazo, além disso, nessa situação os trabalhadores perdem. Outra situação é o aumento da

mais-valia diante da redução dos salários, o que seria não um aumento da renda, mas uma redistribuição desta.

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capacidade produtiva (que só aumenta com a dependência dos investimentos), a rentabilidade

do capital tende a ser negativa, o que desestimula as imobilizações. Porém, devido ao atraso

econômico do país ainda existem setores que possuem capacidade produtiva insuficiente que

acabam recebendo os recursos dos investimentos. Quando tais setores também ficam

saturados, é necessária a preparação de novas atividades, mas até que isso ocorra surge uma

tendência à queda da taxa de imobilização. Cria-se então uma tendência à depressão na

economia.

Diante dessa situação, em um cenário onde a inflação seja “regular” e

“institucionalizada” como afirma Rangel (1978 [1963], p. 33), os agentes incorporam tal

elevação de preços em suas expectativas definindo a partir daí a parcela da renda mantida sob

forma de moeda (determinada pela preferência pela liquidez) e a parcela da renda que será

gasta. O resultado da inflação é a perda de valor da moeda levando a um enfraquecimento da

preferência pela liquidez: “A inflação é necessária porque provoca uma ‘corrida aos bens

materiais’ [...] porque ‘deprime a preferência pela liquidez do sistema’.” (RANGEL, 1978

[1963], p. 67, negritos meus). Ou seja, diante da queda da preferência pela liquidez os agentes

gastam mesmo sem uma necessidade real, o que quer dizer, em termos de investimento

produtivo, que as empresas investem mesmo com capacidade ociosa no sistema. Logo, a

inflação estimula as imobilizações aumentando a demanda agregada e compensando a

insuficiência própria à economia. A conclusão de Rangel é bastante particular:

[...] tanto estruturalistas como monetaristas [...] colocam como centro de sua

problemática uma hipotética insuficiência da oferta, perante uma demanda

supostamente excessiva, quando a verdade é que o nível de demanda é este que aí temos [...] precisamente por causa da inflação. (RANGEL, 1978

[1963], p. 31, itálicos no original).

Isto permite afirmar que para ele, a inflação não é causada por um problema da oferta

diante de uma demanda excessiva, mas pelo contrário, a inflação eleva a demanda agregada

evitando uma depressão. Sendo assim Rangel, ao explicar os motivos que levam a sociedade a

permitir a subida dos preços, relaciona diretamente a taxa de inflação com o crescimento

econômico, em termos da inflação gerar crescimento a partir de um cenário de recessão:

[...] a economia precisa de que os preços subam. Esta subida de preços,

continuada e, por assim dizer, institucionalizada, deve ter uma função

estratégica, relacionada com o nível e com a taxa de expansão do produto real [...] (RANGEL, 1978 [1963], p. 30, itálicos no original).

No entanto faz um alerta (1978 [1963], p. 70) de que a continuidade desse processo

levará a crescimentos cada vez maiores da capacidade ociosa e consequentemente a quedas na

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rentabilidade do capital, o que exigirá uma inflação cada vez maior para gerar imobilizações

que compensem a falta de demanda. Tal situação pode levar à depressão ou à inflação

galopante.

I.2.2 - As causas da inflação

É interessante notar que na visão de Rangel, embora a inflação seja tão necessária para

evitar a depressão da economia, ela não é causada diretamente pela sociedade de maneira

intencional. Na realidade a função da sociedade é apenas permitir que as origens da inflação

permaneçam agindo e que ela seja endossada pelo governo, como será visto na próxima parte.

Para Rangel, o aumento dos preços inicia-se no setor agrícola. A comercialização de

bens agrícolas é um oligopsônio na relação com a oferta, que é bastante elástica permitindo

que os intermediários manipulem a quantidade ofertada e os preços. Além disso, a mesma

comercialização é um oligopólio em relação à demanda, que é bastante inelástica permitindo

que os intermediários manipulem os preços finais aos consumidores. O resultado é

evidentemente um maior poder dos intermediários em fixar os preços agrícolas. Nas palavras

de Rangel (1978 [1963], p. 90):

[...] manipulando os preços ao produtor e submetendo este último a condições erráticas de comercialização, o oligopsônio-oligopólio deprime e

desorganiza continuamente a produção, tornando-a escassa; apoiado nessa

escassez [...] aproveita-se da inelasticidade da demanda, a qual deixa indefeso o público consumidor, para impor a este preços extorsivos [...]

(RANGEL, 1978 [1963], p. 90, itálicos no original).

No raciocínio de Rangel, tais grupos de formação de preços são “pré-capitalistas”, não

derivando de nenhuma “ordem técnica”, logo deveriam ser “desmantelados”. Porém, o que

ocorre é que o governo não apenas permite a operação como incentiva tais grupos. O

incentivo ocorre através de uma “máquina” estatal que facilita a reunião dos componentes

desse grupo a fim de reduzir possíveis concorrências entre eles. O que se forma então é um

monopsônio-monopólio que possui ainda mais poder de manipular preços tanto do lado da

oferta quanto do lado da demanda.

Com esta análise Rangel critica monetaristas e estruturalistas ao afirmar que a análise

do setor agrícola é suficiente “[...] para provar que nem há tal abandono, nem há tal

inelasticidade.” (RANGEL, 1978 [1963], p. 89, itálicos no original). Conclui, portanto que

“Tudo depende das condições concretas de comercialização do produto.” (RANGEL, 1978

[1963], p. 90, itálicos no original).

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I.2.3 - As reações da economia a um determinado impulso inflacionário

Uma vez surgida a inflação no setor agrícola, como descrito acima, o impulso

inflacionário tende a se alastrar pela economia. Rangel utiliza a fórmula da TQM

3 para mostrar como ocorrem os movimentos na economia para em seguida mostrar que a

conclusão monetarista está equivocada.

No seu pensamento, um aumento inicial dos preços agrícolas ( para ) é

representado como uma elevação setorial de preços tal que . Como observa Rangel

(1978 [1963], p. 29) o aumento de preços de “[...] itens tão decisivos da cesta de consumo das

massas trabalhadoras [...] implica em redução do salário real [...]” A consequência disso é a

queda da demanda destes trabalhadores. No entanto, a demanda de alimentos por ser bastante

inelástica não se reduz, cabendo esta redução aos bens de demanda mais elástica, como bem

observa Rangel (1978 [1963], p. 29), a perda real “modifica a estrutura da demanda popular”

levando a um aumento da parcela da renda gasta com alimentos e a uma redução da parcela da

renda gasta com os demais bens. O efeito disso é a retenção de estoques por parte das

empresas dos setores de demanda mais elástica, tal que na equação de trocas ocorre que:

reestabelecendo a igualdade. Ou seja, enquanto para os monetaristas basta

que a autoridade monetária mantenha constante para forçar uma queda de preços, Rangel,

ao afirmar que há uma retenção de estoques nos setores de demanda mais elástica, considera

as diferenças setoriais: “[...] a elevação original dos preços e a retenção dos estoques têm

lugar em áreas diferentes do sistema econômico.” (RANGEL, 1978 [1963], p. 30, itálicos no

original).

Com tal retenção de estoques, como afirma Rangel (1978 [1963], p. 86): “Rompe-se o

equilíbrio econômico-financeiro das empresas” pois os estoques aumentam em prejuízo do

disponível das firmas. Ou seja, as empresas perdem liquidez e recorrem ao sistema bancário

que encontra garantias naquelas justamente em função dos estoques acumulados. Porém os

bancos também passam a enfrentar problemas de liquidez levando o governo a emitir moeda

para salvar o sistema bancário. Assim, com a emissão, o estoque sobe para e o que ocorre

com a equação de trocas é um aumento do lado esquerdo tal que: . Para

reestabelecer a igualdade as empresas se desfazem dos estoques, mas para isso é necessário

3 Na equação de trocas da TQM, sabe-se que é a oferta monetária determinada pelo Banco Central; é a

velocidade de circulação da moeda, ou como define Rangel, a “eficácia da moeda”; é o nível geral de preços,

obtido como uma ponderação dos preços da economia e é a quantidade física de bens produzidos na economia.

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recuperar o salário real dos trabalhadores, o que se dá com um aumento dos salários nominais.

O que se tem é .

Sendo assim, o governo emite moeda apenas para evitar uma quebra do sistema

bancário (e das empresas) e também para obter os ganhos de uma expansão inflacionária, a

saber: a receita tributária dos bens que estavam estocados; os ganhos sobre a nova quantidade

de moeda criada e os ganhos obtidos devido aos depósitos compulsórios. Aqui é fundamental

destacar a inversão da causalidade da TQM, pois para Rangel a emissão ocorre devido ao

aumento dos preços e não o contrário como suposto pelos monetaristas. “[...] a emissão

não é o ponto de partida da inflação, mas o seu ponto de chegada, isto é, sua culminação.”

(RANGEL, 1978 [1963], p. 25). Isto significa que a inflação de fato surge no “bojo” da

economia e não devido a decisões monetárias do governo. O governo tem um papel “passivo”

neste processo sendo vítima de uma “armadilha” da sociedade. Mais ainda, a emissão em si

não gera nenhum efeito real além da reabsorção dos estoques, os efeitos reais são causados

pelos próprios aumentos de preços (1978 [1963], p. 32). A emissão apenas evita que a

inflação seja sufocada4.

Deve-se destacar ainda outra motivação do governo em permitir o alastramento dos

preços: a necessidade de manter as expectativas inflacionárias dos agentes a fim de que estes

as incorpore em suas decisões de reter moeda e gastar em bens materiais. Foi visto que em

momentos de depressão é útil uma inflação que comprima a preferência pela liquidez para que

ocorra aumento das imobilizações. No entanto, ainda de acordo com Rangel, o governo

propriamente dito não tinha essa noção, o que acontecia é que o sistema econômico percebia

de alguma forma que a “inflação era boa”. O resultado disso é que há uma cumplicidade, de

certa forma velada, de todos os agentes com a inflação.

Para encerrar a análise de Ignácio Rangel, vale destacar duas questões importantes.

Em primeiro lugar, deve-se saber que sua obra inclui diversos mecanismos de solução para a

inflação brasileira. Todos esses mecanismos se assentam nas ideias por ele desenvolvidas,

sendo que basicamente seguem um determinado algoritmo composto por: primeiramente

tornar a taxa de imobilização independente da taxa de inflação (incentivando os

investimentos; desenvolvendo um forte mercado financeiro nacional que agilize as

transferências de recursos de setores saturados para setores promissores; estimulando a

remuneração do capital nos setores com rendimentos negativos; entre outros). Encontra-se

4 Neste sentido, Rangel se aproxima do chamado horizontalismo (Kaldor (1982) e Moore (1988)).

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também em sua obra um destaque à importância de uma reforma agrária, de uma

redistribuição de renda em favor dos trabalhadores e de um aumento do poder de barganha

destes. Um segundo passo seria então o combate às imperfeições de mercado e por fim seria

preciso tornar a arrecadação governamental menos dependente da inflação.

Um último aspecto importante é a percepção de Rangel de que havia algo de

permanente na inflação do país, tal fato é mais facilmente detectado a partir de uma análise

dos mecanismos de proteção aos oligopsônios-oligopólios e das formas de legitimar a inflação

por parte do governo, tudo isso resultando das necessidades que a economia do Brasil tinha de

uma inflação. Sobre isso, destaca-se a seguinte passagem, onde após defender formas de

tornar o investimento independente da inflação ele afirma: “Isto posto, [as soluções] a

inflação deixaria de ser automática, orgânica, como agora, para converter-se em fruto de uma

decisão inteligente e planificada.” (RANGEL, 1978 [1963], p. 86, itálicos no original e

negrito meu).

I.3 - Mário Henrique Simonsen e os três componentes da inflação

Após apresentar as principais teorias já conhecidas sobre inflação, Mário Henrique

Simonsen (1970, p. 123) afirma: “Alguns problemas, porém, como o da crise de estabilização

e o do ajuste da liquidez, merecem um estudo mais pormenorizado do que o sugerido por

êsses (sic) modelos.” Mais a frente ressalta a importância da resolução desses problemas para

um país que busca “implantar” um “processo de estabilização monetária”. A partir de então,

se dedica a analisar o processo inflacionário brasileiro constantemente recorrendo a testes

econométricos para elaborar uma concepção que identifica alguns elementos essenciais no

processo, com destaque ao componente da realimentação.5 O pensamento de Simonsen será

apresentado a seguir a partir de três partes: i) o modelo formal; ii) os componentes do modelo

com suas respectivas formas de tratamento e iii) os tipos de estabilização.

I.3.1 - O modelo formal

O modelo de Simonsen é formalizado pela equação (1):

(1)

5 A esse respeito, Serrano (2010) lembra que provavelmente Simonsen foi influenciado por Felipe Pazos quando

este desenvolvia relatórios sobre as economias latinas nos anos 1960. Na mesma linha, Bastos (2001) comenta

que Pazos (1972) teve papel importante no desenvolvimento da ideia de inflação inercial.

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Onde: é a taxa de inflação do período t; é a inflação autônoma do período t; é o

coeficiente de realimentação inflacionária (sem hiperinflação, entre 0 e 1); é a taxa de

inflação do período t-1; é o coeficiente de regulagem da demanda; é a demanda real do

período t considerando apenas a inflação autônoma e o efeito de realimentação; é a

demanda real do período t-1 (igual ao produto real de t-1) e é a taxa normal de crescimento

da demanda, ou seja, a taxa pela qual a demanda cresce sem causar inflação, tal taxa é

determinada basicamente pela taxa de crescimento da capacidade produtiva.

I.3.2 - Os componentes do modelo e suas respectivas formas de tratamento

Pela equação acima, pode-se ver que a inflação é causada por três componentes

básicos: a inflação autônoma; a realimentação inflacionária e a regulagem pela demanda.

A inflação autônoma é determinada por elementos institucionais como uma subida

brusca de salários, aumentos na taxa de câmbio, aumentos de impostos indiretos e problemas

na produção agrícola. Segundo Simonsen (1970, p. 167), a melhor forma de combater tal

inflação é através do combate à inflação de custos, tal combate é feito via congelamento de

preços em geral, inclusive salários. No entanto, o autor faz um destaque importante:

[...] os congelamentos puros e simples, por mais eficazes que possam

considerar para o estancamento da inflação autônoma, talvez se classifiquem como indesejáveis por uma política contenciosa que pretenda preservar a

representatividade do sistema de preços [...] (SIMONSEN, 1970, p. 167).

A realimentação inflacionária é o repasse, via o coeficiente de realimentação, da

inflação do período anterior para o período presente. Para Simonsen (1970, p. 128) tal

mecanismo ocorre devido a uma “[...] tentativa de reconstituição, pelos agentes econômicos,

de uma participação no produto nacional dissolvida pela inflação passada.” Esses aumentos

são causados basicamente devido aos reajustes de salários e de margens de lucros pelos seus

interessados, que visam recompor eventuais perdas reais. Outro elemento lembrado é a

legislação que muitas vezes inclui correções monetárias. A forma de combater tal mecanismo

se dá basicamente por tentativas de reverter expectativas dos agentes, de cessar reajustes

automáticos e também pelos controles de preços, pois embora esta seja uma forma de

combater apenas os sintomas, como observa Simonsen (1970, p. 140): “[...] podem ser a

fórmula mais simples de se reduzir o coeficiente de realimentação.” No entanto, devem

ocorrer apenas em setores oligopolizados pois estes têm coeficiente de realimentação

relevante e em outros casos atrapalharia o mercado. Simonsen destaca ainda que tais controles

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podem não ser eficazes pois os agentes podem manter as expectativas e continuar praticando

reajustes. Além disso, o governo pode temer problemas futuros nos preços.

A regulagem pela demanda é o efeito, via coeficiente de regulagem, que a diferença

entre a taxa real de crescimento da demanda

e a taxa normal de crescimento da

demanda causa na taxa de inflação. A referida diferença é o que contemporaneamente se

chama de hiato do produto. Nota-se que se a taxa real for igual à taxa normal, não haverá

efeito regulagem. Se a taxa real for menor que a taxa normal, haverá uma redução da taxa de

inflação. E se a taxa real for maior que a taxa normal, haverá um aumento da taxa de inflação.

Simonsen (1970, p. 169-174) descreve como o governo pode controlar a taxa real de

crescimento da demanda. Tal descrição será sucintamente apresentada a seguir.

Simonsen supõe que o governo deseja programar no período t (e manter programado

nos períodos seguintes) três elementos determinantes da inflação corrente: o coeficiente

automático; o coeficiente de realimentação e a taxa real de crescimento da demanda. Como

consequência programará simultaneamente a taxa de inflação corrente, o nível geral de preços

correntes (determinado pela taxa de inflação corrente sobre o nível de preços do período

anterior) e a taxa de crescimento do produto real (que depende da taxa real de crescimento da

demanda). Além disso, tais mudanças afetam ainda a liquidez real desejada (e

consequentemente o ajustamento da liquidez real) que depende do nível de produção, da taxa

de inflação e da taxa de juros do período t. É fácil perceber que o volume dos meios de

pagamento também sofrerá alterações devido a mudanças no nível de preços do período t. A

partir do período seguinte, a demanda real vai sendo alterada devido a essas mudanças. A

demanda real em t+1 depende de quatro variáveis que foram alteradas com as mudanças

ocorridas em t: a liquidez real de t que foi alterada via mudança nos preços em t; o nível de

gastos do governo em t+1 aos preços de t, que por sua vez foram mudados; o efeito da

realimentação em t+1, alterado pela mudança na inflação em t e as expectativas de inflação

em t+1 que dependem da inflação em t, que por sua vez foi mudada. A demanda de t+1

depende também da inflação autônoma em t+1, que continuará fixada pelo governo, e

também de duas variáveis de t+1 que podem ser alteradas pelo governo: a taxa de juros e o

nível de gastos do governo. Como destaca Simonsen (1970, p. 173): “[...] é possível obter

uma mesma trajetória da demanda ou com maiores gastos autônomos e juros mais altos ou

com menor dispêndio autônomo e juros mais baixos.”

I.3.3 - Os tipos de estabilização

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Uma estabilização sem crise ocorre quando o governo consegue reduzir a taxa de

inflação sem alterar a taxa de crescimento da demanda. De acordo com Simonsen (1970, p.

130), nesse caso a equação de preços pode ser escrita como: , o que no limite

e com o componente autônomo mantido constante levaria a

. Esta é uma taxa limite

que será alcançada em algum momento. A partir dessa observação, Simonsen (1970, p. 131)

afirma: “Isso mostra o fato trivial de que é impossível qualquer combate à inflação se não se

reduzir substancialmente a inflação autônoma e o coeficiente de realimentação.” Simonsen

considera que o governo define uma taxa limite desejada e que possa manipular

substancialmente o coeficiente autônomo ou o coeficiente de realimentação. Através de

exercícios numéricos, Simonsen mostra que caso o governo opte por controlar

substancialmente a inflação autônoma e diminuir pouco o coeficiente de realimentação, a taxa

limite será alcançada em um período de tempo maior do que se optar por reduzir

substancialmente o coeficiente de realimentação e diminuir pouco a inflação autônoma. No

primeiro caso ocorre um “gradualismo moroso” com o risco de o coeficiente de realimentação

não ser mantido baixo durante o período necessário para se alcançar a taxa limite. Tal risco

pode concretizar-se em um cenário de lentidão e com a percepção por parte dos empresários

de que não serão punidos caso reajustem preços. No segundo caso, ocorre um “gradualismo

mais rápido”, no entanto também há o risco de que o coeficiente de realimentação não seja

mantido durante o período necessário para a obtenção da taxa limite. Esse risco pode

concretizar-se principalmente devido aos descongelamentos de preços. A partir dessas

observações, Simonsen (1970, p. 132) afirma:

[...] dada uma taxa limite de inflação (que pode ser moderada ou pela

redução da (sic) componente autônoma ou pela baixa do coeficiente de realimentação), a convergência para essa taxa limite é tanto mais rápida

quanto menor fôr (sic) o coeficiente de realimentação. (SIMONSEN, 1970,

p. 132).

Uma estabilização com crise ocorre quando, diante da lentidão em se alcançar a taxa

limite nos casos acima, o governo opta por reduzir a taxa real de crescimento da demanda

tornando-a menor que a taxa natural e alcançando a taxa limite de forma mais rápida, mas

gerando uma crise. No entanto, para Simonsen (1970, p. 133) esta crise é apenas transitória,

desde que uma vez alcançada a taxa limite não haja tentativas de reduções da taxa de inflação:

“[...] ela [a crise] persiste enquanto a inflação está baixando, mas não depois que a inflação

baixou ao nível desejado.” De fato, Simonsen mostra em exercícios numéricos que quando a

taxa de inflação alcança o limite desejado, a taxa real de crescimento da demanda pode voltar

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a se igualar à taxa normal. Isso ocorre pois o efeito realimentação já terá diminuído devido à

redução da inflação passada.

Simonsen (1970, p. 134-135) mostra ainda que para alcançar-se uma escolhida taxa

limite em um determinado tempo, a redução da taxa de crescimento da demanda real em cada

período dependerá inversamente do coeficiente de regulagem e diretamente do coeficiente de

realimentação. No entanto, o efeito deste último é ainda mais forte do que o do primeiro.

Como observa Simonsen:

[...] a viabilidade de um processo desinflacionário rápido e que apele para as

crises de estabilização depende de vários fatores. Primeiro, da baixa de

coeficiente de realimentação [...] Segundo, da reatividade da taxa de inflação às variações na demanda [...] (SIMONSEN, 1970, p. 135).

Simonsen destaca ainda a importância da manutenção de uma inflação autônoma

moderada e a necessidade de não haver uma visão imediatista por parte do governo.6

6 Simonsen (1970, p. 137-139) coloca ainda a existência de um mecanismo de realimentação múltipla do tipo:

. Porém, pondera que os resultados seriam

basicamente os mesmos que os verificados no modelo simples. No entanto, há mais duas novidades: i) quanto

mais períodos de realimentação, mais lenta será a obtenção da taxa limite e ii) quanto mais períodos de

realimentação, mais intensa será a redução da taxa real de crescimento da demanda nos primeiros períodos da

estabilização com crise.

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CAPÍTULO II - A INFLAÇÃO INERCIAL NA VISÃO DOS ECONOMISTAS DA

PUC-RJ

As teorias de inflação desenvolvidas pelos professores da PUC-RJ a partir da década

de 1980 influenciaram a implantação de todos os planos de estabilização entre 1986 e 1994,

desde o Plano Cruzado até o Plano Real. Tais teorias diferenciavam-se entre si e também

sofreram mudanças se compararmos as concepções originais que estes autores tinham durante

os anos 1980 com as concepções que defendiam às vésperas do Plano Real, tais mudanças são

mostradas por Bastos e Rubens (2008). No entanto, a concepção original desses autores foi

formulada após a realização de diversos testes econométricos e de certa forma não era

totalmente compatível com uma percepção que tais autores defendiam antes destes testes.

Pode-se dizer portanto que a teoria original dos autores da PUC-RJ, que orientou os planos e

sofreu as alterações mostradas por Bastos e Rubens (2008), é uma teoria a posteriori. Esta é

uma característica essencial dessa teoria que é, portanto, essencialmente empírica.

Isto quer dizer de certa forma que os elementos identificados pelos professores da

PUC-RJ como principais responsáveis pelo cenário inflacionário brasileiro daquele período,

não constavam em trabalhos anteriores ou se constavam pelo menos não eram tratados como

protagonistas, casos do choque externo e da política salarial. Após os testes econométricos,

como será mostrado, tais elementos já figuram como os principais responsáveis pelo processo

inflacionário, com todos os mecanismos de combate propostos direcionados sobre eles.

Este capítulo procura mostrar a transformação das ideias dos autores da PUC-RJ desde

a fase anterior aos testes econométricos até a elaboração das soluções propostas ainda nos

anos 1980, destacando os elementos principais que passaram a constar no diagnóstico desses

autores. Não serão tratadas aqui as mudanças sofridas pelas teorias entre os planos dos anos

1980 e o Plano Real, pois isto já consta no trabalho de Bastos e Rubens. O principal objetivo

aqui é mostrar que a teoria original sobre inflação desenvolvida pelos autores da PUC-RJ foi

essencialmente resultante dos trabalhos empíricos cujos resultados ao passo que surpreendiam

os próprios autores, foram moldando suas visões sobre a dinâmica da inflação no Brasil.

O capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção serão comentados alguns

trabalhos anteriores aos testes empíricos, permitindo a identificação dos elementos pré-testes.

Na segunda seção serão abordados os testes econométricos realizados em diversos trabalhos

desses autores, mostrando a surpresa gerada nos próprios autores e a tentativa de alguns de

recuperar uma formulação inicial. Por fim, na terceira seção serão tratadas as soluções

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propostas pelos autores para combater a inflação e que se baseavam nos resultados obtidos

pelos testes e consequentemente na teoria deles resultante, com destaque para a diferença

entra a proposta de Francisco Lopes e a proposta de Lara Resende e Arida.

II.1 - O ponto de partida teórico

Nesta seção serão comentados trabalhos anteriores à realização dos testes empíricos a

fim de mostrar que muitos elementos que posteriormente figurariam como determinantes para

explicar o processo inflacionário brasileiro não constavam com tanta importância nestes

trabalhos seminais. A análise das ideias de Lopes (1976) e (1986 [1978]), Lopes e Williamson

(1980), Bacha (1980) e Lara Resende (1981), mostra que tais autores não incorporavam até

então elementos que permitissem explicar de forma consistente o cenário inflacionário

brasileiro e de certa forma, em alguns casos, chegaram a conclusões inversas ao que os

próprios testes posteriormente revelariam.

Em alguns desses trabalhos não necessariamente eram tratados casos específicos da

economia brasileira e sim uma análise macroeconômica mais abrangente, mesmo assim é

possível identificar visões que os autores tinham sobre a dinâmica inflacionária. Será

mostrado também que algumas conclusões levam à existência de uma relação inversa entre

inflação e desemprego nos moldes da curva de Phillips. Vale destacar que isto não quer dizer

que os autores em questão tivessem uma visão monetarista e ortodoxa e que não incorporaram

elementos peculiares da economia brasileira, pois na realidade são usados alguns elementos

estruturalistas como em Bacha (1980) e Lara Resende (1981). Porém, as conclusões destes

trabalhos acabam por definir uma relação direta entre inflação e crescimento. Da mesma

forma Lopes e Williamson (1980), Lopes (1976) e Lopes (1986 [1978]) já davam grande

importância ao controle de preços como forma de combater a inflação, diante da existência de

um determinado mecanismo de reajustes salariais. Porém estes elementos apareciam como

secundários, com os tradicionais esquemas de controle de demanda protagonizando a análise

de um combate efetivo.

Lopes (1976) dá grande importância a um mecanismo de correção monetária e de

controle de preços para garantir uma inflação com neutralidade, isto é, que não cause

alterações no uso e na organização dos recursos produtivos. No trabalho em questão, Lopes

parte do princípio de que em um cenário de aceleração inflacionária ocorre um crescimento

das taxas de remuneração dos fatores de produção. No entanto, algumas crescem em

velocidade superior aos preços, obtendo ganhos reais, ao passo que outras crescem em

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velocidade inferior aos preços, incorrendo em perdas. Tal cenário se limitaria somente ao

curto prazo, mas em uma economia sem controle de preços essa situação poderia se estender

também a longo prazo, configurando-se uma inflação sem neutralidade. A única forma de

obter-se uma inflação neutra seria se as taxas reais médias de remuneração fossem constantes

e compatíveis com o uso dos recursos produtivos, mas isto, segundo o autor, dependeria de

expectativas e das taxas desejadas de remuneração dos agentes. Após realizar uma análise

detalhada sobre tais circunstâncias, Lopes (1976, p. 441) conclui: “Fica claro então que

somente por coincidência uma inflação não-controlada (sic) será neutra.” O autor mostra que

uma forma de alcançar a neutralidade inflacionária é através do controle de três variáveis: as

expectativas (de demanda e de inflação) dos agentes; as taxas desejadas de remuneração

daqueles que reajustam seus preços em velocidade menor que a inflação e a taxa efetiva de

crescimento da demanda. Tais controles só seriam possíveis através do controle de preços. No

entanto, ao final do trabalho a conclusão de Lopes apenas ratifica sua ideia inicial, a saber:

A experiência brasileira dos últimos anos parece indicar que a neutralidade

inflacionária pode ser aproximada na prática com o uso conjunto da correção monetária, dos controles de preços e dos instrumentos usuais de controle da

demanda global. (LOPES, 1976, p. 427, grifos meus).

Sendo assim, as questões do reajuste de preços e da consequente necessidade de

controle destes para evitar uma inflação distorciva aparecem como coadjuvantes, com os

tradicionais mecanismos de combate à inflação desempenhando o papel principal. A

conclusão final não deixa dúvidas:

[...] estes instrumentos [ortodoxos de política monetária e fiscal] são, quando

usados isoladamente, insuficientes para engendrar uma estabilização com

neutralidade, e que tal objetivo só pode ser alcançado se forem auxiliados pela correção monetária e pelos controles de preços. (LOPES, 1976, p. 454-

455, grifo meu).

Ou seja, embora sozinhos os mecanismos tradicionais da ortodoxia não consigam

evitar uma inflação indesejada, continuam sendo os principais elementos de combate, sendo

apenas auxiliados por outros mecanismos.

Talvez a visão mais aguda, nessa fase pré-testes econométricos, sobre o processo

inflacionário, ou seja, aquela que mais se aproxima de uma visão elaborada posteriormente

aos testes, seja a que consta em Lopes (1986 [1978]) e em Lopes e Williamson (1980). Nesses

trabalhos são analisados os tipos de reajustes que ocorrem e propostos mecanismos que visam

evitar a continuidade de um estado inflacionário. Mesmo assim, logo no início de sua

apresentação Lopes (1986 [1978], p. 44) esclarece seu objetivo: “A intenção neste caso é

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conseguir, por meio da interferência direta nos processos de fixação de preços da economia,

que a curva de Phillips seja deslocada para baixo ao longo do tempo.” Dessa forma fica claro

que qualquer proposta apresentada terá a intenção de melhorar os termos da curva de Phillips

(no sentido de reduzir os custos, sobre o nível de emprego, de uma política de restrição),

suposta existente e válida pelo autor. No entanto, a grande contribuição desses trabalhos de

Lopes é analisar detalhadamente os esquemas de reajustes salariais da economia brasileira.

Lopes (1986 [1978]) destaca que um sistema de indexação pode ser parcial, quando

repõe parte da inflação passada ou total, quando repõe integralmente a inflação passada. Neste

último caso, o autor lembra que ocorre uma perpetuação da inflação passada em todo o

sistema, ao passo que a indexação parcial é mais eficiente no combate à inflação. No modelo

inicial de Lopes (que sofrerá algumas sofisticações no trabalho posterior com Williamson), o

autor supõe que o reajuste salarial ocorre no início de cada período e depende de uma

parcela da inflação passada , tal que:

, ϵ (0,1) (2)

Já o reajuste dos preços ocorre no final de cada período através de um controle de

preços (que determina a sensibilidade dos preços ao reajuste salarial, via um peso , e ao

reajuste de preços dos insumos, via um peso ) e de um componente de demanda , tal

que:

(3)

Substituindo (2) em (3) obtém-se:

(4)

Com indexação integral ( ), e , Lopes mostra que:

(5)

A equação (5) mostra que com indexação integral há uma perpetuação da inflação de

um determinado período para os outros. Lopes pondera ainda o que ocorreria caso somente os

salários fossem reajustados parcialmente ( ) com os preços sendo reajustados

integralmente ( ), nesse caso para a diferença entre a taxa de crescimento dos salários e

dos preços obtém-se a seguinte expressão:

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(6)

Sendo , pode-se verificar que o lado direito é negativo, o que implica que a

diferença entre a taxa de variação de salário e de preços é negativa, logo os salários reais estão

diminuindo. A solução, basicamente, exigiria uma indexação parcial tanto de salários quanto

de preços. Esta proposta é esboçada em Lopes (1986 [1978]), mas é sofisticada em Lopes e

Williamson (1980).

Neste último trabalho os autores consideram que os sindicatos procuram reajustar o

salário nominal a fim de atingir um salário real desejado. Após este reajuste as empresas

também reajustam seus preços a fim de cobrir os custos de mão de obra e de insumos e atingir

um coeficiente de lucros desejado. Se os desejos forem compatíveis com o produto há uma

estabilidade de preços. Mas se os desejos forem incompatíveis então, para os autores, as

empresas elevam seus preços para minar, ao longo do período, o salário real desejado pelos

trabalhadores e compatibilizar os desejos ao nível de produção. Dessa forma cria-se uma

aceleração inflacionária. Será mostrado mais adiante que esta ideia de conflito distributivo

está presente também nos trabalhos de Bacha (1980) e Lara Resende (1981).

Nesse contexto, um mecanismo de indexação que reponha integralmente a inflação

passada, denominado de “indexação tradicional”, reajusta os salários nominais no início de

cada período a fim de recuperar o salário real do início do período anterior. Os autores

argumentam que: “[...] o efeito da introdução da indexação é perpetuar a taxa de inflação

predominante no momento em que aquela indexação é introduzida.” (LOPES;

WILLIAMSON, 1980, p. 70). Para os autores, portanto, uma indexação tradicional iniciada

em um momento de inconsistência de desejos tende a perpetuar esta inconsistência ao longo

do tempo, uma vez que irá restaurar um nível de salário real incompatível com os desejos dos

empresários àquele determinado nível de produto, e a alastrar tal inconsistência para todo o

sistema, mesmo que iniciada em um determinado setor. Esta análise é importante e vale

lembrar que os autores identificam aqui, bem como em Lopes (1986 [1978]), causa e

tendência inflacionária que independem diretamente de movimentos de oferta e de demanda.

A solução proposta por Lopes e Williamson (1980) e que já constava em Lopes (1986

[1978]) é a chamada “indexação consistente”. Através desse mecanismo no início de cada

período o salário nominal deve ser aumentado a fim de que ao término do período o salário

real tenha média igual à média do salário real do período anterior. A ideia do mecanismo é

fazer a função que a inflação faria (levar o salário real a uma média que compatibilize os

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desejos dos agentes dado um nível de produção), não havendo necessidade de nova aceleração

inflacionária. Obviamente nesse mecanismo de reajuste, a média do salário real ao fim do

período dependerá do teto alcançado no início do período e da taxa de inflação vigente ao

longo do período, como esta não é conhecida, é estimada.7 Vale destacar ainda que a proposta

visa também um controle sobre os demais preços, de forma que não são apenas os salários que

devem seguir um tipo de ordenamento.

Ao término do trabalho, Lopes e Williamson (1980) relaxam algumas hipóteses do

modelo e concluem que pode haver algum efeito de uma redução da renda e da demanda

sobre a queda da inflação. Da mesma forma, consideram que um gasto do governo pode ser

visto como um recurso que está deixando de ser investido pelo setor privado, reduzindo a

renda deste e contribuindo para agravar os efeitos de uma inconsistência de desejos, levando a

uma aceleração inflacionária. Sendo assim, chegam à tradicional relação direta entre inflação

e crescimento.

Nos trabalhos de Bacha (1980) e Lara Resende (1981) as conclusões dos autores

permitem explicitar mais claramente uma relação entre inflação e crescimento econômico. Em

Bacha (1980) a inflação está diretamente ligada a uma questão de conflito distributivo.

Para Bacha, a renda gerada é repartida entre uma parcela para os

trabalhadores e uma parcela para os capitalistas, tal que: (7).

A suposição básica é que os trabalhadores gastam tudo que ganham enquanto que os

capitalistas poupam uma parcela que determina o nível de investimento da economia. O

nível de renda gerado depende por sua vez de uma parcela de capital utilizado no

processo produtivo, tal que: (8).

Variações no nível de capital equivalem à diferença entre o nível de investimento

e a taxa de depreciação do capital , de modo que: , com vem que:

(9). Substituindo-se (9) para variações na equação (8) vem que: (10).

Em equilíbrio pode-se escrever que o investimento é igual à poupança que por

sua vez é a parcela poupada pelos capitalistas, de modo que: (11).

7 Como pode ser visto, esta política foi a base do PAEG de 1964 que teve importante contribuição de Simonsen.

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Sendo (12), o total de salários igual ao produto entre o nível de

emprego da economia e o salário real , de modo que: (13), fazendo as

devidas substituições (considerando , o índice de produtividade normal do trabalho)

e expressando a equação em termos de taxas de variação, obtém-se:

(14)

A equação (14) expressa uma relação inversa entre taxa de crescimento do produto e

salário real. Esta relação ficará mais clara logo à frente.

Considerando-se que o salário real desejado pelos trabalhadores seja ,

então pode-se estabelecer uma relação entre o salário real desejado e o salário real de fato, tal

que sendo e os níveis de preços corrente e passado respectivamente e a sensibilidade

dos reajustes nominais de salários ao nível de preços presentes (com ), então para

, pode-se chegar à seguinte expressão:

(15)

A equação (15) explicita uma relação inversa entre salário real e taxa de inflação (que

é o inverso da relação ). Mais ainda, quanto menor mais sensível é o salário real à

inflação. Substituindo (15) em (14) e expressando a equação em função de obtém-se a

chamada relação YP de Bacha, tal que:

(16)

O que Bacha mostra é que caso a parcela, desejada pelos capitalistas, do lucro na

renda, e necessária para obter-se determinada taxa de crescimento, seja incompatível com a

parcela, desejada pelos trabalhadores, do salário na renda, os primeiros aumentam seus preços

a fim de reduzir o salário real até o nível em que este se torne compatível com a parcela de

lucros desejada. Para Bacha (1980, p. 545): “A inflação é um instrumento de redução da

parcela dos salários na renda, de modo a permitir aos capitalistas investirem e consumirem

nos níveis que desejam.” Só não haverá inflação se as parcelas desejadas forem compatíveis.

A taxa de inflação necessária depende do nível de sensibilidade dos reajustes salariais aos

preços presentes de modo que quanto maior for este coeficiente, maior será a inflação

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necessária para alcançar-se determinada taxa de crescimento do produto8. O que a equação

(16) expressa é uma relação direta entre inflação e taxa de crescimento.

Bacha mostra ainda que caso a taxa de inflação seja maior do que a necessária para

alcançar-se o crescimento desejado haverá excesso de oferta sobre demanda, sendo necessária

uma redução da taxa de inflação. De maneira similar, caso a taxa de inflação seja menor do

que a necessária para alcançar-se o crescimento desejado haverá excesso de demanda sobre

oferta, sendo necessária uma subida da taxa de inflação. No entanto, Bacha mostra que em

economias oligopolizadas a taxa de inflação tende a se manter igual à inflação passada9,

movimentos de preços ocorrem muito lentamente. Da mesma forma o nível de investimento é

exógeno no curto prazo, não corrigindo eventuais distorções nos mercados. Porém, considera

que no curto prazo a oferta de moeda é endógena ajustando-se de acordo com as necessidades

do mercado. Mas para a análise de médio e longo prazo, Bacha já considera que a oferta de

moeda é exógena e a autoridade monetária pode não acomodar a emissão de acordo com as

condições dos mercados, sendo assim a taxa de investimento deve adequar-se às condições de

liquidez do mercado monetário e a taxa de inflação deve adequar-se às condições do mercado

de bens. Estas taxas deixam, portanto, de ser inflexíveis e exógenas para tornarem-se

endógenas.

O modelo de Bacha incorpora, portanto, elementos estruturalistas ao considerar os

efeitos de mercados imperfeitos sobre a formação dos preços e esboça uma tendência de

continuidade do processo inflacionário brasileiro. No entanto, também acredita na existência

de uma tradicional relação direta entre inflação e crescimento.

Lara Resende (1981) também considera que os preços são formados a partir de um

markup sobre os custos, mais ainda, afirma que: “[...] a fração dos lucros na renda nacional, e

portanto o ‘mark-up’, é determinado pela necessidade de se garantir o equilíbrio

macroeconômico.” (LARA RESENDE, 1981, p. 134). Para o autor, este equilíbrio ocorre

8 Bacha considera que no Brasil o coeficiente deve ser menor do que 1 de modo que existe um trade-off entre inflação e desemprego mesmo em um médio prazo, diferentemente do que considera a ortodoxia, para a qual este

coeficiente é bem próximo de 1 nos países mais desenvolvidos. 9 Para Bacha, os preços são determinados a partir de um markup sobre os custos variáveis. Considerando

a mão de obra o único componente variável, tais custos podem ser expressos pela relação entre taxa de salários

e a produtividade individual do trabalho . Sendo assim, pode-se estabelecer que: .

Bacha supõe que no curto prazo tanto a taxa de markup quanto a produtividade sejam constantes, logo a taxa de

variação de preços depende unicamente da taxa de variação dos salários, tal que:

. Expressando a

variação de salários como:

, e substituindo esta última fórmula na penúltima, ob

tem-se:

. Ou seja, chega-se a conclusão de que em economias oligopolizadas a inflação tende a ser

igual à inflação do período anterior.

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quando a propensão média (ponderada) a poupar é igual à parcela dos investimentos na

renda.10

Sendo assim, um aumento do markup, e portanto dos lucros, aumenta a propensão

média a poupar (supondo que a parcela poupada pelos capitalistas seja maior que a parcela

poupada pelos trabalhadores). Este movimento desloca o nível de equilíbrio para um patamar

superior, aumentando os investimentos e a taxa de crescimento do produto.

Assim, o markup pode ser expresso em termos de taxa de crescimento do produto

, através de uma relação positiva:11

, com (17)

A partir dessa ideia, o autor parte para analisar a questão do conflito distributivo. Para

Lara Resende antes de uma negociação salarial, trabalhadores e capitalistas possuem parcelas

desejadas de salário e de lucro na renda respectivamente e , com os últimos tendo

implicitamente uma taxa de markup desejado . Após a negociação, são postas em prática

as parcelas negociadas de salário e de lucro na renda e com o markup sendo . Se

a parcela do lucro negociada (resultante de uma parcela de salário necessária para satisfazer

os desejos dos trabalhadores) for menor que a desejada, surge um “hiato de

incompatibilidade” ( ).

Em oligopólios, as empresas aumentam o markup com o objetivo de reduzir salários

reais e atingir a parcela de lucro desejada, como afirma Lara Resende (1981, p. 137, itálicos

no original): “A inflação permite tornar compatíveis, ex-post, demandas que são

incompatíveis ex-ante.” A inflação depende, portanto, diretamente do hiato, tal que:

(18)

10 Sendo os preços um markup sobre os custos, dados pelo produto entre o inverso da produtividade do

trabalho e a taxa de salário nominal , e considerando que a renda gasta na economia é formada pela

soma dos gastos dos trabalhadores ( , a mão de obra empregada) com o gasto dos capitalistas , então Lara Resende obtém uma expressão para o equilíbrio entre poupança (dada pelas parcelas de renda poupadas por

trabalhadores e capitalistas, e respectivamente) e investimento, e em seguida obtém uma expressão para

que inclui o nível de produto, tal relação é obtida a partir de uma expressão da quantidade de mão de obra

utilizada, que se relaciona com o nível de produção. 11 Para Lara Resende, dada uma parcela de lucros retida por uma empresa e conhecendo-se a parcela de

investimentos que não será financiada com recursos externos , é possível definir um nível de lucros

necessário para obter-se um determinado nível de investimentos. Em seguida, a expressão para esse nível de

lucros é substituída por uma expressão que contém o markup e a quantidade de mão de obra (esta em função da

quantidade de produto). A partir disso, obtém-se uma expressão para o markup que inclui a relação investimento-produto, da qual pode-se obter a taxa de variação da produção, tal que:

. Onde é a relação capital-produto.

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Sabendo que a parcela de lucro desejada depende do markup que por sua vez se

relaciona com a taxa de crescimento do produto como mostrado em (17) então, a parcela de

lucro desejada é função diretamente relacionada com a taxa de crescimento do produto. É

imediato que o hiato também depende positivamente da taxa de crescimento. A conclusão é

obtida por Lara Resende (1981, p. 137, negritos meus): “A equação (16) [aqui 19, a seguir]

expressa um trade-off entre inflação e desemprego.” A equação a que Lara Resende se

refere, é expressa nos seguintes termos:

(19)

Nesse modelo, o autor afirma que só não haverá inflação caso não haja

incompatibilidade, caso haja será necessária a inflação. A aceleração desta inflação ao longo

do tempo depende das expectativas dos agentes e da capacidade destas em incorporar

inflações passadas.

Como pôde ser visto, tanto o modelo de Bacha quanto o modelo de Lara Resende,

embora considerem elementos mais estruturalistas como a questão dos oligopólios na

formação dos preços e o conflito distributivo como causa básica do processo inflacionário,

acabam concluindo que existe uma relação direta entre inflação e nível de atividade. No

entanto, como será mostrado mais adiante, após a realização de trabalhos econométricos,

autores que antes partilhavam dessas ideias convencionais percebem que a inflação brasileira

não funcionava exatamente dessa forma. Tal fato os leva a conclusões inversas às anteriores e

os obriga a incluir elementos que não foram considerados até aqui, ou o foram, mas de forma

bastante discreta.

II.2 - Os testes empíricos

Esta seção faz uma análise dos testes empíricos realizados por alguns professores da

PUC-RJ, ressaltando os elementos que passaram a constar na análise desses professores após

a realização dos trabalhos tratados. A seção está dividida em duas partes, na primeira será

tratado o trabalho de Lara Resende e Lopes, que surpreendentemente mostrou que não havia

uma relação entre inflação e desemprego, nos moldes da curva de Phillips tradicional, para a

economia brasileira. Na segunda parte, será mostrado que diante da surpresa, alguns autores

buscaram defender que a relação existia embora fosse fraca, ao passo que incorporaram

elementos em suas teorias que pudessem explicar as causas da inflação brasileira.

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II.2.1 - A “surpresa” de Lara Resende e Lopes

Até a realização do trabalho de Lara Resende e Lopes (1981), acreditava-se de certa

forma, mesmo que com elementos e conjecturas diferentes dos pensamentos tradicionais, que

havia a relação direta entre inflação e nível de atividade econômica. Tal ideia era reforçada

por todos os trabalhos econométricos realizados até então que confirmavam a existência de

uma curva de Phillips tradicional para a economia brasileira. Dito isso, é fácil entender porque

as políticas anti-inflacionárias baseavam-se em apertos na demanda e no emprego.

É importante notar que a motivação dos autores em realizar o teste que será tratado

nesta parte não surgiu de um elemento teórico previamente desenvolvido, surgiu de uma

desconfiança dos autores. Desconfiaram que houvesse um elemento importante para explicar

o processo inflacionário, mas que não vinha sendo considerado nos trabalhos realizados até

então. A passagem a seguir deixa isso bastante claro: “Deve-se lembrar que nos últimos 15

anos existiu no Brasil uma regra compulsória de reajuste salarial, que só pode ser evadida

pelas empresas através dos (sic) custoso expediente da rotação da mão-de-obra (sic).” (LARA

RESENDE; LOPES, 1981, p. 600). Dessa forma, pode-se ver que foi a partir da observação

de um determinado elemento da economia brasileira que os autores se dispuseram a realizar

um novo experimento. Pode-se ainda perceber que a desconfiança tinha base econométrica,

isso fica claro na passagem de Lopes ao criticar os testes anteriores:

Os erros-padrão da regressão são substanciais (da ordem de 10 pontos percentuais para a taxa de inflação) e as equações perdem totalmente sua

aderência no episódio recente de aceleração da inflação (o erro de previsão

da equação 6 [uma das equações de modelos anteriores citados pelo autor] para o ano de 1980 é da ordem de 40 pontos percentuais). Além disso, a

estimativa do coeficiente do hiato é extremamente sensível à definição da

amostra. (LOPES, 1982, p. 643).

Os trabalhos até então não incluíam a política salarial12

. Neste sentido, a hipótese

implícita era de que a política salarial era irrelevante para explicar a formação de preços no

Brasil. Esta foi justamente a hipótese testada por Lara Resende e Lopes. Para testar a hipótese

os autores dividiram o mercado de trabalho em dois setores. Um seria o setor “mercado” onde

12 De fato, como mostram os autores, as pesquisas tradicionais baseavam-se em algumas premissas para elaborar

a equação da curva de Phillips tradicional. Uma primeira premissa considerava o hiato do produto uma

proxy para o desvio do desemprego vigente em relação à taxa natural , tal que: ,

com . Outra premissa considerava os preços formados como markups sobre salários com os primeiros

crescendo em relação direta com o crescimento dos salários, tal que: . O crescimento dos salários por sua

vez dependia dos movimentos no mercado de trabalho e das expectativas de inflação dos agentes , de modo

que: com . Como pode ser visto, não havia nenhum elemento que considerasse os

efeitos da imposição de uma regra salarial como a que existia no Brasil dos anos 1970 e 1980.

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os salários seriam determinados pela dinâmica do mercado de trabalho via um

coeficiente e pelas expectativas; o outro setor seria o “institucional” onde os salários

seriam determinados em parte pela dinâmica do mercado via um coeficiente e em parte pela

regra de política salarial representada por , então:

, (20)

, (21)

Sendo a participação do setor “mercado” na formação do preço do trabalho, os

salários da economia seriam então determinados de tal forma que:

, (22)

Uma suposição importante feita pelos autores é a de que os preços industriais são

formados via um markup sobre os custos que são formados por uma razão

salários/produtividade do trabalho

, uma variável que considera o setor externo (

com

representando a taxa de câmbio, o preço em dólar do insumo importado e a razão

produto-insumo importado) e uma razão preço do insumo doméstico-produtividade desse

insumo . Cabe destacar que a variável que considera o setor externo é outra “novidade”

em relação aos trabalhos anteriores, que não a incluíam. Dessa forma, a expressão para os

preços é tal que:

(23)

Em termos de taxa de variação (com , e 13 constantes e com , e

representando, respectivamente, os pesos do insumo importado, dos salários e do insumo

doméstico sobre a formação de preços industriais) vem que:

(24)

13 É importante destacar aqui, que ao considerar markups constantes e que não variam de acordo com mudanças

no nível de demanda, os autores estão excluindo qualquer possibilidade de os oligopólios manipularem preços a

fim de manter margens de lucro como forma de defesa em um cenário de recessão. Em alguns trabalhos

posteriores essa hipótese até chega a ser flexibilizada pelos autores da PUC-RJ, mas logo depois acabam

descartando-a.

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Fazendo as devidas substituições (20 e 21 em 22 e depois o resultado desta

substituição em 24) e com algumas suposições14

, chega-se à seguinte expressão que é o

modelo a ser testado:

(25)15

O que se tem então é um modelo no qual os preços são explicados pelo hiato do

produto e pela produtividade do trabalho, como nos testes tradicionais, mas também são

explicados pela inflação passada, pela variável que capta choques externos e pelo nível de

salários que por sua vez são afetados por uma política salarial.16

Os autores estimaram o modelo para três períodos da economia brasileira: 1960-1978;

1979 e 1980, neste último caso usando estimações de dados. Para o primeiro período, os

resultados mostraram que os coeficientes da produtividade e do hiato de produção eram

insignificantes estatisticamente ( e ).17

Tais resultados implicam que a parcela

do setor “mercado” na determinação dos salários é desprezível e que no setor “institucional” a

sensibilidade dos salários aos movimentos do mercado de trabalho (e ao hiato de produção)

também é insignificante.18

A conclusão do trabalho, portanto, é que a política salarial exerceu

um papel fundamental na determinação dos preços entre 1960 e 1978, e mais ainda que não

14 Os autores consideram que as expectativas de inflação dos agentes para o período presente sejam iguais à

inflação verificada no período anterior, tal que:

. Trabalham ainda com a ideia de que o nível de preços

do insumo interno seja determinado em parte pela inflação presente dos preços industriais via um coeficiente e

em parte pela inflação passada tal que:

. Outra suposição importante é a definição de uma

variável de choque externo que depende da inflação passada, de variações na taxa de câmbio e de variações

dos preços em dólar dos insumos importados. De modo que:

.

Por fim, a regra salarial é definida a fim de considerar o aumento salarial e o aumento da produtividade do

trabalho tal que: .

15 Onde ; ; ; e . 16 Lara Resende e Lopes observam que a variação salarial e os efeitos de um choque externo podem não ser

exógenos ao modelo. Para contornar isso, foram estimadas duas equações com variáveis instrumentais (usando

como instrumentos uma constante, a produtividade do trabalho, a inflação passada, a variação de preço em dólar

dos insumos importados, a diferença entre o produto potencial e a produtividade do trabalho e uma variável

dummy para 1963), uma equação considerou todas as variáveis e a outra foi o modelo restrito não considerando

a constante, nem o hiato de produto e nem a variação da produtividade do trabalho. Também estimaram outras

duas equações sem instrumentos via Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), da mesma maneira, um modelo

considerou todas as variáveis e o outro foi um modelo restrito descartando o hiato e a variação de produtividade

do trabalho. 17 É imediato que os resultados do modelo restrito são iguais aos resultados do modelo completo, e os autores

mostram que isso ocorreu tanto para o modelo de variáveis instrumentais quanto para o modelo MQO. 18

Matematicamente é possível mostrar tais conclusões: Se , então (ver nota de rodapé 13): .

Como o coeficiente de variação salarial é diferente de zero, então , logo . Então

pode-se mostrar que . Ou seja, a participação do setor “mercado” na determinação de salários é

insignificante. Além disso, se e , então vem que: , mas como foi mostrado que ,

obrigatoriamente . Ou seja, a sensibilidade da variação salarial no setor “institucional” a movimentos no

mercado de trabalho é insignificante.

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existia nenhuma relação entre inflação e nível de atividade econômica. O comentário dos

autores em relação à conclusão é forte para a visão predominante até então:

Os resultados aparentemente favoráveis obtidos em outros trabalhos para o

modelo da curva de Phillips, onde o hiato aparece significativamente entre

os determinantes da inflação, desaparecem quando se estima um modelo

mais completo. A inclusão de variáveis que captam os efeitos dos choques e da política salarial na equação de preços industriais faz desaparecer o trade-

off entre inflação e hiato de produto. Este aparente trade-off tem sido

utilizado para justificar a necessidade de políticas recessivas para a obtenção de sucesso no combate à atual inflação brasileira. (LARA RESENDE;

LOPES, 1981, p. 604, itálicos no original).

É interessante observar também as explicações dos autores para o fato de os testes

anteriores terem confirmado a relação da curva de Phillips:

O período 1964/67, quando a inflação é muito pequena, corresponde à política salarial do primeiro governo pós-1964, que, conforme amplamente

estudado, exerceu forte controle sobre o salário mínimo, ao passo que os

anos de 1973 e 1974, quando a inflação se acelera, corresponde ao período de choque externo devido à elevação dos preços do petróleo. Estes são

justamente os dois períodos em que o hiato e a inflação estão se movendo na

direção prevista pela curva de Phillips. Na verdade, pequenas alterações no hiato nestes dois períodos parecem estar associadas a grandes variações na

taxa de inflação. Se o modelo estimado não considerar as duas importantes

variáveis relacionadas aos choques externos e à política salarial, haverá

claramente uma fabricação estatística que tornará significativa a relação inversa entre hiato e inflação [...] (LARA RESENDE; LOPES, 1981, p. 604-

605).

Ou seja, os testes anteriores só mostraram uma relação significativa entre inflação e

hiato devido a uma mera coincidência estatística que ocorreu quando a inflação se reduziu em

virtude da política de aperto salarial, em um cenário de redução do crescimento econômico, e

quando a inflação acelerou-se em virtude do choque do petróleo, em um período de expansão

da economia.

Conclusão parecida é obtida, em um trabalho posterior, por Lopes (1982, p. 648): “[...]

a conclusão é que, aparentemente, não há nenhuma relação significativa entre taxa de inflação

e nível de atividade na economia brasileira.” Logo em seguida no mesmo trabalho o autor

sentencia:

[...] as estimativas tradicionais da curva de Phillips [...] representam apenas

uma ilusão estatística. A idéia (sic) é que se forem eliminadas [...] as observações “contaminadas” ou por choques externos (como em 1974, 1976,

1979 e 1980) ou por indexação imperfeita dos salários nominais (como

1965, 1966, 1967 e até mesmo 1968), então desaparecem totalmente a impressão de uma relação inversa significativa entre a aceleração da inflação

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e o hiato de produto. A ilusão estatística teria resultado da coincidência de

os choques externos inflacionários terem ocorrido em períodos de alto nível

de atividade (hiato pequeno) e os choques salariais deflacionários em períodos de baixo nível de atividade (hiato grande). (LOPES, 1982, p. 648-

649, negritos meus).

O mais importante a ser lembrado é que Lara Resende e Lopes incluíram as variáveis

choque externo e regra salarial, por desconfiarem que elas melhorariam os modelos

anteriormente estimados, ou seja, que ajudariam a explicar o processo inflacionário

juntamente com a variável hiato do produto (representando o nível de atividade). Pode-se

falar que o trabalho não “deveria” chegar a um resultado tão extremo, de negar a existência

da esperada relação, até porque, como citado anteriormente, os autores não tinham um modelo

teórico que justificasse a inflação a partir de uma negação, ou da insignificância, da relação

inflação-desemprego. A “surpresa” sentida pelos próprios autores fica clara na seguinte

passagem de Lopes:

Quando o modelo [...] foi concebido, nossa expectativa a priori era que tanto

os choques salariais e externos como a pressão de demanda deveriam

contribuir para a explicação do processo inflacionário, mas que a inclusão dos choques na análise econométrica iria reduzir substancialmente o

coeficiente do hiato. A possibilidade de esse coeficiente ser nulo, que não

pode ser rejeitada pela evidência [...] não se incluía no nosso campo de

cogitações. (LOPES, 1982, p. 650, itálicos no original e negritos meus).

Como será mostrado na próxima parte desta seção, esta surpresa acabou por orientar

alguns professores da PUC-RJ a tentar recuperar uma relação original da curva de Phillips, o

que evidenciará que, de fato, esses economistas não tinham em suas concepções originais uma

explicação definida a priori para a inflação brasileira. Ficará a partir disso claro que as

concepções foram surgindo a posteriori, conforme os resultados iriam apontando para

determinado caminho. Este ponto já é observado no trabalho de Lara Resende e Lopes (1981)

tanto ao explicarem a importância do efeito da maxidesvalorização cambial do final de 1979

sobre a inflação, quanto ao explicarem a discrepância da previsão do modelo (25) estimado

para 1980, diferentemente da boa previsão verificada para 1979. Os autores argumentam que

a discrepância foi causada por uma mudança estrutural para o ano de 1980. Isto ocorreu

devido à mudança dos reajustes salariais, de anuais para semestrais.

Lara Resende e Lopes mostram formalmente que a redução da periodicidade dos

reajustes salariais acelera a inflação. Isso ocorre, pois com tal redução a média dos salários

reais ao fim do período menor de reajuste será maior se a inflação se mantiver constante (pois

um determinado salário real inicial foi desgastado durante menos tempo pela inflação), isto

implica uma redução das margens de lucro. Para que tal redução não ocorra, as empresas

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aumentam seus preços a fim de recuperar lucros anteriores, o resultado é uma maior inflação

que levará o salário real à média anterior ao reajuste, média que vigorava a uma maior

periodicidade, mas a uma inflação menor.

II.2.2 - As tentativas de recuperar a relação tradicional e a consolidação da

incorporação dos novos elementos

A partir do trabalho de Lara Resende e Lopes, diversos professores da PUC-RJ

dedicaram-se a realizar outros testes que de certa forma obtiveram resultados similares, mas

não idênticos. O importante a se destacar é o fato de que alguns trabalhos, principalmente

Lopes (1982), Modiano (1983) e Modiano (1985), se preocuparam em mostrar que a relação

tradicional inflação-nível de atividade não era inexistente como sugeria o trabalho de Lara

Resende e Lopes (1981), apenas era uma relação fraca que não justificava a implantação das

tradicionais políticas restritivas.

Ao passo que a velha relação inflação-desemprego era “resgatada”, os principais

textos baseados nos testes explicitavam cada vez mais a importância de certos elementos para

a compreensão do processo inflacionário como os reajustes salariais, a tendência a repetir a

inflação passada e o choque externo, este bastante evidenciado principalmente em Lopes e

Modiano (1983). A leitura atenta desses trabalhos mostra a forma pela qual a identificação

dos problemas inflacionários brasileiros resultava diretamente das conclusões obtidas nos

testes empíricos. Mais ainda, e como será mostrado adiante, as próprias críticas a trabalhos

anteriores fundamentavam-se em problemas econométricos identificados nos modelos

criticados. Isto apenas evidencia o forte viés empírico que fundamentava todo um tipo de

retórica e conjectura dos professores da PUC-RJ.

Uma primeira tentativa de “remediar” o modelo de Lara Resende e Lopes, é vista em

Lopes (1982). Este autor reafirma sua posição defendida em conjunto com Lara de que é

praticamente inevitável que as empresas escapem de uma política salarial, pois para isso

deveriam incorrer em grandes custos. No entanto afirma:

Não é razoável, entretanto, inferir daí que a taxa de inflação [...] deve ser

também totalmente insensível a uma retração generalizada de demanda. Existem setores menos desenvolvidos do mercado de trabalho [...] em que a

maioria dos empregos tem curta duração e a noção de contrato implícito de

trabalho não tem nenhuma relevância. (LOPES, 1982, p. 650).

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Dito isso, o autor conclui o que seria a sua motivação para se dedicar a novo teste:

“Nestes setores, a política salarial não deve estabelecer um piso muito efetivo para a variação

do custo da mão-de-obra (sic).” (LOPES, 1982, p. 651). A partir daí, elenca alguns casos em

que a política salarial não deve constituir-se como um elemento muito forte. Com base nisso,

Lopes ainda busca apegar-se à ideia de haver uma relação direta entre inflação e nível de

atividade. É interessante notar que tal tentativa é levada a cabo mesmo sem uma

fundamentação teórica clara que justifique o motivo pelo qual o coeficiente do hiato foi

considerado insignificante em seu trabalho anterior com Lara Resende. A seguir uma

passagem de Lopes que deixa claro tal cenário:

Estas reflexões sugerem que, apesar da política salarial, deve haver alguma

ligação entre inflação e nível de atividade, ainda que possivelmente tênue.

Como então explicar os resultados da tabela 2? [tabela onde o autor reproduz os resultados do modelo estimado no trabalho conjunto com Lara Resende].

Esta é uma questão complexa, para a qual infelizmente não temos uma

resposta definitiva. (LOPES, 1982, p. 651, itálicos meus).

A passagem de Lopes, mais uma vez bastante sincero, mostra que o autor continua

acreditando na relação inflação-desemprego o que contraria a evidência por ele mesmo

encontrada em trabalho anterior e obrigá-lo-ia a explicar porque o trabalho precedente obteve

tal conclusão. Essa resposta como confessado pelo autor, ele ainda não havia encontrado. A

partir de então, busca eventuais falhas econométricas para explicar o “erro” do modelo de

Lara e Lopes. Pondera que o hiato pode não ser uma boa aproximação para o nível de

atividade, que pode haver uma falha de especificação no modelo que não permita captar a

relação inflação-desemprego e que a dinâmica dos reajustes salariais pode impedir uma

identificação adequada do modelo.

Modiano (1983) também busca recuperar a versão tradicional da curva de Phillips:

O renovado interesse na existência de uma relação direta entre a inflação e o nível de atividade na economia brasileira tem origem na experiência recente

de mudanças da política salarial, simultaneamente com a liberalização

política e o aguçamento dos conflitos. O esgotamento dos instrumentos de

pura e simples repressão salarial justifica uma investigação mais detalhada dos efeitos de uma recessão para lidar com o problema da inflação.

(MODIANO, 1983, p. 40-41).

Modiano (1985) novamente se dedica a refazer testes a fim de certficar-se que não

havia o chamado “pessimismo deflacionista” mostrado por Lara Resende e Lopes. A análise

destas passagens mais uma vez confirma que o grupo de professores da PUC não possuía uma

teoria construída para explicar a dinâmica da inflação brasileira, cujo resultado foi explicitado

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no modelo Lara-Lopes. O que fazem a partir de então, é realizar novos testes ao mesmo

tempo em que vão aceitando os resultados destes, conciliando tal aceitação com uma

preservação de elementos tradicionais mantidos ali graças a algumas hipóteses e esforços de

rearrumações econométricas, configurando uma teoria que vai sendo constituída ao longo do

tempo e sofrendo eventuais mudanças, ora na tentativa de preservar elementos tradicionais ora

na tentativa de incorporar elementos evidenciados nos testes.

O modelo alternativo proposto por Lopes (1982) assume duas hipóteses básicas: i)

markups constantes e ii) os salários afetam os preços mais rapidamente que os demais custos.

O modelo estimado para o período 1969 a 1981 considera que a variação dos preços

industriais depende de uma variável de choque externo ligado a insumos energéticos

, de uma variável de choque externo ligado a outros insumos importados e da

variação de custo médio do trabalho . No entanto, para Lopes esta última variável

depende da regra salarial e também do hiato do produto via um coeficiente , tal que

. Este último fato se deve, segundo o autor, à ideia de que a política

salarial pode não ser totalmente seguida. Formalmente:

(26)

Os resultados da estimação mostraram que os coeficientes de choques externos e de

hiato são significativos, no entanto para o coeficiente do hiato Lopes mostra que: “[...] uma

alteração do hiato que seja sustentada ao longo do tempo, produz um impacto muito maior

sobre o processo inflacionário ao longo do primeiro ano após a alteração do que nos anos

subseqüentes (sic).” (LOPES, 1982, p. 661). Para o autor isso ocorre, pois no curto prazo o

setor mais moderno da economia brasileira tem produção inelástica não respondendo a

aumentos da demanda, que caso suba configura uma redução de hiato que aumenta os preços.

Mas no longo prazo com o deslocamento de trabalhadores do campo para as cidades, aumenta

a oferta de produto no setor mais avançado e o hiato aumenta, reduzindo a inflação. Após

elaborar tal esforço teórico, o autor conclui:

[...] eles [os resultados das simulações] parecem corroborar o

pessimismo deflacionista sugerido pelo nosso trabalho com André

Lara Resende. A recessão, a despeito de seu alto custo social, parece

ser um mecanismo pouco eficiente para o combate à inflação no caso

brasileiro. (LOPES, 1982, p. 664).

A saída de Modiano (1983) é construída a partir da ideia de um “ciclo de determinação

simultânea de salários e preços da economia”. Nesse esquema, a política salarial repassa aos

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salários inflação do passado e do presente. Sendo assim, os salários nominais reajustados no

presente incorporam em parte a inflação passada. Após o reajuste, as empresas remarcam seus

preços afetando o nível de preços corrente que, por sua vez, afeta os salários via sensibilidade

destes à inflação presente.

Modiano considera o markup industrial constante e estabelece equações, em termos de

taxas de variação, para três variáveis: salários que dependem da inflação passada ,

da inflação presente e do hiato do produto ; preços industriais que

dependem dos salários, da produtividade do trabalho e do preço dos insumos e

nível de preços da economia que dependem em parte do preço industrial e em parte do

preço agrícola . As equações são tais que:

(27)

(28)

(29)

Após estimar o modelo simultâneo19

, os resultados mostram que todos os coeficientes

são significativos, no entanto o coeficiente de hiato é bastante pequeno. Os efeitos de uma

redução do nível de atividade são elevados sobre salários mas pequenos sobre o nível de

preços, isso ocorre porque os salários formam uma parcela dos preços industriais que por sua

vez formam uma parcela do nível geral de preços. A conclusão de Modiano é bastante

parecida com a de Lopes, a saber:

Os resultados da estimação do modelo simultâneo de determinação de

salários e preços [...] denotam um certo “pessimismo deflacionista”, em

contraste tanto com o “otimismo deflacionista” [...] quanto com o “niilismo

deflacionista” sugerido pela análise de Lara Resende e Lopes [...] (MODIANO, 1983, p. 51).

Pode-se dizer, portanto, que os testes empíricos posteriores ao trabalho de Lara e

Lopes objetivaram resgatar a tradicional relação direta entre inflação e nível de atividade,

mesmo que sendo esta reconhecidamente tênue, ao passo que foram incorporando elementos

antes não tão privilegiados, basicamente o choque externo e a regra salarial. Com respeito a

esses dois elementos, deve-se frisar o trabalho de Lopes e Modiano (1983) que inclui

19 Modiano estima também o modelo da forma reduzida, pelo qual as variáveis endógenas dependem apenas das

variáveis exógenas. A regressão para os dados de 1966 a 1981 é feita utilizando-se a forma apresentada acima e

a forma reduzida. Para cada caso, são realizadas duas estimações, uma em MQO e a outra com o uso de variáveis

instrumentais.

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variações do preço de importados diretamente na determinação do nível de preços internos.

Modiano (1985) ressalta não somente a importância de choques externos sobre a inflação

brasileira, como coloca a existência de multiplicadores de efeitos de choques. Tais

multiplicadores são determinados por um componente inercial, pela magnitude do choque e

pelo grau de indexação da economia, ou seja, a capacidade de os reajustes captarem a inflação

corrente.

Nessa mesma linha de investigação, pode-se observar a conclusão de Lopes (1982) ao

analisar a política salarial brasileira. Para ele, mesmo considerando que a política salarial

poderia não ser seguida por todos os setores, o que era uma crítica ao modelo de Lara e Lopes

(1981), através das expectativas, que poderiam assimilar de certa forma a intenção da regra

salarial, tal regra poderia determinar a inflação.20

Para Lopes:

[...] o padrão inercial na economia (ou seja, a taxa de inflação que ocorre

quando ) é determinado pela política salarial, apesar de existir

um segmento do mercado de trabalho em que os salários resultam do livre jogo das forças de mercado. (LOPES, 1982, p. 666, itálicos meus).

Como pôde ser visto, após a surpresa com o teste de Lara Resende e Lopes, os

principais trabalhos dos professores da PUC ao mesmo tempo em que tentavam mostrar que a

tradicional relação inflação-desemprego existia, incorporavam novos elementos, resultantes

dos testes e da observação, para os quais elaboravam uma justificativa teórica. As conclusões

obtidas serviram para a proposta de soluções para a economia brasileira.

II.3 - Pós-testes e as soluções propostas

Como já afirmado anteriormente, os diversos testes realizados moldaram as

concepções dos autores da PUC-RJ, a consequência foi um abandono do receituário

tradicional pelas propostas de combate à inflação, que cada vez mais incluíam os novos

elementos. A seguinte passagem mostra bem qual era a preocupação após os testes:

Em contraste com o diagnóstico ortodoxo da inflação, que privilegia o

déficit público e a suposta orgia monetária, generaliza-se hoje em dia o

diagnóstico heterodoxo, que vê a inflação como propulsionada por choques

20 Formalmente, Lopes parte do princípio de que no setor “mercado” a variação salarial

depende da taxa de

desemprego no setor via um coeficiente e das expectativas . No setor “institucional”, a variação

salarial depende da taxa de desemprego no setor via um coeficiente e da regra salarial

. Ou

seja:

e

. A inflação da economia pode ser expressa como: . Fazendo as substituições e considerando as expectativas racionais, onde

, pode-se obter:

. É fácil ver que se os mercados estiverem em equilíbrio com , então

. Ou seja, a regra salarial acaba definindo a inflação.

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de oferta e sustentada inercialmente por conflitos distributivos. [...] O eixo

do debate reside agora em extrair as conseqüências (sic) práticas do

diagnóstico heterodoxo. (ARIDA, 1986 [1984], p. 159, negritos e itálicos meus).

Um exemplo bem claro da existência de uma nova formulação já bastante diferente

daquela anterior aos testes, e abordada na primeira seção deste capítulo, é encontrada em

Lopes (1986 [1984b]). No trabalho em questão o autor diferencia choques (que resultam de

tentativas por parte dos agentes de alterar os preços relativos) de tendências inflacionárias

(que seria a inflação predominante na ausência de choques). Lopes afirma que no Brasil:

[...] ainda que seja possível identificar estatisticamente uma curva de Phillips para a economia brasileira, a importância quantitativa dos choques de

demanda é pequena quando comparada aos níveis correntes da taxa de

inflação. (LOPES, 1986 [1984b], p. 122).

O autor conclui que no Brasil a inflação é causada por choques externos e agrícolas e

por uma tendência causada não pelas expectativas, mas pela inércia. A seguinte passagem

explicita este último ponto: “[...] na ausência de choques inflacionários a inflação corrente é

determinada pela inflação passada, independentemente do estado das expectativas.” (LOPES,

1986 [1984b], p. 124, grifos meus). Neste esquema, os agentes até possuem expectativas,

mas, em uma dinâmica de teoria dos jogos, temem que os demais agentes não se comportem

como o esperado: “[...] a tendência inflacionária [...] tende a reproduzir a taxa de inflação

passada quando os agentes têm um padrão de comportamento defensivo dos seus picos de

renda real. Esta é a essência da hipótese de inflação inercial.” (LOPES, 1986 [1984b], p. 125-

126, itálicos meus).

Para encerrar este capítulo, serão analisadas brevemente as duas principais propostas

de combate à inflação dos professores da PUC-RJ: a proposta de Lopes e a proposta de Arida

e Lara Resende.

II.3.1 - O choque heterodoxo de Lopes

Para Lopes (1986 [1984b], p. 123): “[...] um programa efetivo de combate à inflação

brasileira atual tem que se basear menos na geração de choques deflacionários que em

políticas que atuem diretamente sobre a tendência inflacionária.” A solução apresentada por

Lopes é um “choque heterodoxo” que “consiste no congelamento ríspido e total dos preços

acompanhado por uma liberalização das políticas monetárias e fiscais.” (LOPES, 1986

[1984a], p. 119).

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De acordo com esse plano, em uma primeira fase todos os preços seriam congelados,

exceto os salários que seriam reajustados a uma taxa mensal de 0,5% a fim de que não

houvesse congelamento com muita defasagem. Lopes justifica esta desindexação da seguinte

forma: “[...] o impacto do congelamento sobre o processo inflacionário seria fundamental para

dar credibilidade ao programa e para viabilizar politicamente as alterações que se fariam

necessárias na política salarial.” (LOPES, 1986 [1984a], p. 120). Em uma segunda fase,

haveria uma liberação dos reajustes, mas acompanhados de uma política de controle

determinada pelo governo. De um modo geral, ao longo de todo o processo a política cambial

procuraria manter o câmbio valorizado a fim de compensar a inflação externa.

Um ponto muito destacado por Lopes é a questão de uma liberalização da política

monetária que se caracterizaria por um aumento da liquidez real acompanhada de uma política

de gastos públicos que objetivasse o crescimento econômico e a compensação de distorções

causadas pelo congelamento.

A proposta de Lopes evidencia duas questões fundamentais: i) o abandono definitivo

de uma política ortodoxa (que o autor chega a reconhecer que é eficaz para países onde o

patamar da inflação é baixo e não no Brasil, onde é alto e não teria efeitos facilmente

percebidos pela sociedade. Como pode ser visto aqui, para o autor, tal política só não serve

por causa desse detalhe e não pelo fato de que a inflação brasileira não era causada por

problemas de demanda) e ii) a identificação da indexação como forma de perpetuação do

processo inflacionário, o que se agrava em uma economia altamente indexada e cronicamente

inflacionada como a brasileira. Lopes já destacava, no entanto alguns problemas que

poderiam ser enfrentados pela aplicação de sua proposta. De fato, sua ideia foi posta em

prática logo na implementação do Plano Cruzado, não gerando os efeitos desejados.

II.3.2 - A moeda indexada de Arida e Lara Resende

A proposta de moeda indexada foi originalmente apresentada nos trabalhos de Arida

(1986 [1984]) e Lara Resende (1986 [1984]), sendo sintetizada no trabalho conjunto dos

autores, Arida e Lara Resende (1986 [1985]), e tendo suas ideias essenciais postas em prática

na fase anterior à implementação do Plano Real.

Na concepção dos autores fica claro o abandono de qualquer receituário mais

tradicional de combate à inflação. É feita uma crítica às diversas soluções propostas até então,

desde as monetaristas até o choque heterodoxo de Francisco Lopes. Nos trabalhos pós-testes

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de Arida e Lara Resende, observa-se a crítica à ideia de que o déficit público e a expansão

monetária são as causas básicas do processo inflacionário, mostrados sob controle pelos

autores. A premissa fundamental é que: “A inflação é agora essencialmente inercial, isto é, os

preços sobem hoje porque subiram ontem, de acordo com o mecanismo perverso de catraca da

economia indexada.” (LARA RESENDE, 1986 [1984], p. 151).

Já a crítica ao choque heterodoxo (que em linhas gerais pregava a desindexação e o

congelamento) se baseava em dois pontos básicos: i) a desindexação, enquanto proibição dos

mecanismos legais de indexação, não seria capaz de acabar com a indexação propriamente

dita uma vez que em uma economia que sofre há muito tempo de uma inflação crônica, os

agentes encontrariam naturalmente um caminho para protegerem-se da alta dos preços; ii) o

congelamento não seria eficiente, muito pelo contrário geraria distúrbios distributivos graves,

uma vez que a economia brasileira era caracterizada por uma forte assincronia temporal dos

reajustes. Dessa forma, imagina-se que em um dado momento um preço nominal acabara de

ser reajustado (estando “intacto” em termos reais) ao passo que outro será reajustado

nominalmente no mês seguinte (estando totalmente desgastado em termos reais), sendo assim,

se houver um congelamento nesse momento, congelar-se-ia uma estrutura de preços relativos

gravemente distorcida. Esta última crítica foi originalmente colocada por Lara Resende (1986

[1984]).

Os autores partem de uma análise teórica sobre a indexação para formularem a

concepção de moeda indexada. Dado um choque de oferta (agora mais privilegiado que um de

demanda) e o consequente efeito sobre preços relativos, os agentes buscam reduzir os prazos

de reajuste de preços. Esta redução de periodicidade tem dois efeitos ambíguos sobre a

inflação. Por um lado aumenta a média de salário real, podendo levar a uma aceleração

inflacionária para manter os lucros constantes. Por outro lado, há uma redução da memória

inflacionária (que é determinante para o reajuste periódico), o que aumenta o peso de uma

queda na taxa de inflação em algum momento dentro do prazo de reajuste. Para os autores:

“[...] zerar a memória do sistema é uma condição crucial para romper a inércia.” (ARIDA;

LARA RESENDE, 1986 [1985], p. 19). Paradoxalmente o efeito de zeragem de uma memória

inflacionária, como citado pelos autores, ocorre em hiperinflações que levam à extrema

redução dos prazos de reajuste. Para que não seja preciso tal remédio, a saída é uma reforma

monetária que realize essa função. Isto é a chave da questão.

A proposta consistia na criação de uma nova moeda, que em uma fase de transição

circularia paralelamente à moeda antiga, com paridade fixa e de um para um com a ORTN,

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que era o indexador amplamente utilizado na economia e reajustado de acordo com o índice

de preços em moeda velha. Haveria uma conversão diária entre moeda velha e moeda nova.

Esse processo seria acompanhado de estímulos à conversão direcionados aos agentes. É

intuitivo que a taxa de inflação em moeda nova seria nula, o que a faria melhor que a moeda

velha nas funções básicas, de forma que os agentes seriam cada vez mais estimulados à

conversão. Além disso, haveria uma redução da velocidade de circulação da moeda (em

termos de moeda nova), o que curiosamente levaria o Banco Central a emitir mais moeda

(onde Lara Resende (1986 [1984]) destaca a vantagem que isso traria por não emperrar a

liquidez e nem o investimento), ponderando o perigoso efeito sobre as expectativas. Com o

tempo, não faria mais sentido medir a inflação em moeda velha e todos os preços seriam

medidos em moeda nova. Teria-se então uma economia com inflação zero e não indexada.

Lara Resende conclui:

A moeda indexada diariamente equivale à indexação total e instantânea da

economia. Com isto não tem sentido o cruzeiro [moeda velha] e a inflação medida em cruzeiros e desaparecem, portanto, os problemas de indexação e

de inércia inflacionária. (LARA RESENDE, 1986 [1984], p. 157).

Dessa forma, fica claro que a ideia dos professores era de que a nova moeda ao

substituir a moeda antiga, eliminaria a memória inflacionária e consequentemente excluiria o

componente inercial do processo inflacionário, que passaria a depender apenas do

componente não inercial.

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CAPÍTULO III - A INFLAÇÃO INERCIAL NA VISÃO DOS ECONOMISTAS DA

FGV-SP

No mesmo período em que os professores da PUC-RJ desenvolviam seus trabalhos

sobre a inflação inercial, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, dois professores da

FGV-SP, também se dedicaram a analisar o processo inflacionário brasileiro. No entanto, o

caminho percorrido, a teoria em si e as conclusões obtidas são bastante diferentes em relação

ao grupo da PUC-RJ.

A concepção do grupo de professores da FGV-SP parte de uma crítica consistente às

teorias monetarista e keynesiana para elaborar uma visão que não sofre alterações ad hoc e

não depende essencialmente de testes econométricos, características essas que encontram-se

na visão dos autores da PUC-RJ. Aqui a visão depende de conjecturas que baseiam-se em

elementos estruturais das economias na fase do capitalismo oligopolista. O diagnóstico,

embora também evidencie a existência de uma inércia inflacionária, tem elementos bastante

peculiares para a análise da inflação.

Este capítulo procura destacar os elementos essenciais da concepção dos professores

da FGV-SP e que não foram tratados pelo grupo da PUC-RJ. O capítulo está dividido em

quatro seções. Na primeira seção será destacada a crítica a monetaristas e a keynesianos,

desenvolvida pelos autores da FGV-SP. Na segunda seção será tratada a inflação que

caracteriza a nova fase do capitalismo com destaque para os importantes papéis que Bresser e

Nakano atribuem a três agentes do sistema econômico moderno para o processo inflacionário:

os oligopólios, os sindicatos e o Estado. Na terceira seção será mostrado que Bresser e

Nakano tiveram uma visão de certa forma pioneira em não apenas negar a relação tradicional

da curva de Phillips (crescimento causa inflação), mas, a partir de uma curva de Phillips,

mostrar que pode haver uma inversão desta relação (recessão causaria inflação). Será visto

ainda que tal conclusão contribuiu fortemente para Rangel (1985) explicitar uma ideia que

não era tão óbvia em Rangel (1978 [1963]) e desenvolver aquilo que ficou conhecido como a

“curva de Rangel”. Por fim, na última seção serão tratadas as propostas dos autores para

combater a inflação inercial no Brasil.

III.1 - Crítica a monetaristas e a keynesianos

Nesta seção serão tratadas as críticas que Bresser e Nakano direcionam às duas

principais concepções sobre inflação: a teoria monetarista e a teoria keynesiana. Vale destacar

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aqui uma importante diferença entre o grupo da FGV-SP e os demais autores tratados até

agora (à exceção de Rangel) no que se refere a esta questão. De uma forma geral, Sunkel e

Simonsen discordavam das teorias tradicionais por estas não considerarem alguns elementos

particulares das economias latino-americana e brasileira o que inviabilizava uma aplicação

daquelas teorias para o caso dessas economias. Já os autores da PUC-RJ sustentavam a ideia

de que as visões convencionais não incluíam algumas variáveis importantes para explicar a

inflação. Sendo assim, as críticas desse último grupo eram bastante sutis e, em alguns casos,

superficiais não sendo utilizadas como ponto de partida teórico. A abordagem da PUC-RJ

tinha como ponto de partida a observação dos fatos em si.21

Dessa forma, fica a ideia de que

grande parte dos autores vistos até aqui elaboravam críticas que originavam modelos que

seriam apenas uma exceção às teorias tradicionais ou um aperfeiçoamento destas.

Já no caso dos autores tratados neste capítulo, isso não ocorre. Bresser e Nakano

criticam as hipóteses das concepções tradicionais e a partir daí passam a desenvolver uma

nova teoria. Esta não soa como exceção, pois ao discordar das hipóteses convencionais e

rejeitá-las em parte, ousa elaborar uma concepção bastante peculiar que embora tenha

semelhanças com outras visões anteriores, considera novos elementos e relações. Esta

característica confere um caráter inovador à concepção de Bresser e Nakano22

.

Para facilitar a compreensão desta seção, ela será dividida em duas partes, na primeira

será tratada a crítica à concepção monetarista e na segunda, será tratada a crítica à concepção

keynesiana.

III.1.1 - A crítica à visão monetarista de inflação

Considerando a equação de trocas da TQM e supondo-se a velocidade de circulação da

moeda constante, aumentos na quantidade de moeda maiores que crescimentos do produto

(suposto em equilíbrio) fazem com que os agentes fiquem com excesso de moeda em relação

ao “necessário”, levando-os a demandar mais bens do que a quantidade que está sendo

produzida, causando inflação. Sendo assim, para os monetaristas a inflação é o aumento da

21 Assim se aproxima da chamada abordagem “Data-Driven”. 22 Isto não significa dizer que a concepção de Bresser e Nakano não tenha levado em consideração os fatos

observados, que eram bastante citados em suas obras. Apenas deve-se destacar que esses autores justificaram de

forma mais consistente, em termos teóricos, a não aplicação das teorias convencionais aos fatos observados. Ou

seja, a rejeição de algumas hipóteses básicas das visões tradicionais explicou facilmente porque os modelos

tradicionais não serviam para explicar a inflação moderna, diferentemente das outras concepções vistas neste

trabalho, onde a ausência de críticas às hipóteses convencionais faz parecer que os fatos observados é que

levaram às divergências e à elaboração de uma “nova teoria”. Em outras palavras, Bresser e Nakano encontraram

uma explicação para os fatos observados, sem que estes fossem vistos como anomalias ou exceções mas sim

como inerentes ao capitalismo moderno.

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oferta de moeda e o aumento dos preços é uma mera consequência da expansão monetária. O

alvo da investigação é determinar o que causa o aumento da oferta de moeda, sendo a

resposta, a incompetência dos governos.

Esse conceito é duramente criticado por Bresser (1981):

Os velhos textos de economia definiam inflação como o aumento desproporcionado dos meios de pagamento em relação à renda nacional [...]

O aumento dos preços era a conseqüência (sic) da inflação e não a própria

inflação. Não se discutia se o aumento da quantidade de moeda causava ou não aumento generalizado de preços. Este ponto era pacífico. A discussão

estava na determinação das causas do aumento da moeda em circulação.

(BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 7).

Mais adiante conclui:

Ora, hoje não faz o menor sentido definir inflação nesses termos. Inflação é

simplesmente o aumento generalizado e persistente de preços. É o processo de perda do poder aquisitivo da moeda. O aumento da quantidade de moeda

poderá ser uma das causas da inflação, jamais a própria inflação.

(BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 7).

Para Nakano (1986 [1982], p. 160): “[...] nada está mais longe da realidade do que a

tradicional teoria neoclássica de preços.” Os trabalhos de Bresser (1981) e de Bresser e

Nakano (1984a; 1984b) permitem a identificação de críticas a três hipóteses fundamentais da

visão neoclássica: i) A oferta de moeda é exógena ao sistema econômico; ii) A causalidade se

dá de moeda para preços e iii) A moeda não exerce efeitos sobre variáveis reais do sistema

econômico.

As duas primeiras hipóteses neoclássicas podem ser criticadas através de um mesmo

raciocínio. Mesmo sem descartar a relação da TQM, é óbvio que um aumento do nível de

preços que preceda um aumento da oferta de moeda, com a velocidade de circulação

constante e o produto em equilíbrio, exigirá automaticamente um aumento da oferta de moeda

para garantir a igualdade da equação de trocas. Em termos práticos, e em uma análise bem

próxima de Rangel (1978 [1963]), um aumento de preços reduz a quantidade real de moeda,

ameaçando uma crise de liquidez. A solução é a autoridade monetária (ou o sistema bancário

via crédito) aumentar a oferta de moeda. Sendo assim:

Neste caso, o aumento na quantidade de moeda não pode ser considerado

causa ou fator acelerador de inflação, mas mero fator sancionador dessa inflação. A expansão monetária simplesmente acompanha a elevação dos

preços, transformando-se em uma variável endógena do sistema, e não em

uma variável exógena como pretende um tipo de pensamento linear como o

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monetarista. (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 13, itálicos

meus).

Dessa forma, o aumento de preços pode ser a causa do aumento da oferta de moeda

que apenas responde ao primeiro movimento sendo endógeno, portanto, este aumento de

moeda. Os autores sentenciam: “A correlação entre o aumento da quantidade de moeda e taxa

de inflação é indiscutível, mas a direção da relação causal é inversa daquela pretendida pelos

monetaristas.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 14). Sendo assim, para Bresser e

Nakano, o objetivo do estudo deve ser identificar os fatores que causam o aumento de preços,

dentre os quais pode estar o aumento da oferta de moeda.

A terceira hipótese neoclássica é criticada em Bresser e Nakano (1984b) devido ao

fato de que no mundo real há entesouramento, ou seja, a moeda pode ser retida pelos agentes

(como reserva de valor) que, nesse caso, reduzirão a demanda e a produção diminui. Logo não

há uma relação estável no longo prazo entre demanda de moeda e renda real.

III.1.2 - A crítica à visão keynesiana de inflação

A principal crítica dos professores da FGV-SP à visão keynesiana de inflação dá

origem a um dos principais elementos da concepção de inflação inercial da FGV-SP. A crítica

se concentra basicamente no fato de que o modelo keynesiano tem como hipótese a

estabilidade de preços (hipótese que também predomina no pensamento monetarista). Isto

sugere que a inflação seria apenas uma exceção ao funcionamento “normal” do sistema

econômico, a inflação é, portanto, exógena ao modelo.

Bresser (1981) destaca que no capitalismo recente a inflação passa a fazer parte da

realidade dos sistemas econômicos dos países, tornando-se um fenômeno estrutural: “[...] ela

[a inflação] deixou de ser um fenômeno principalmente monetário, para se transformar em um

elemento intrínseco ao sistema econômico não apenas dos países subdesenvolvidos, mas

também dos países centrais.” (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 3). Dessa forma, não é razoável

pensar a inflação como mera excepcionalidade das economias capitalistas, pois a estabilidade

de preços é que deveria ser vista como algo excepcional. A crítica à concepção keynesiana

fica mais clara no trabalho de Bresser e Nakano (1984a):

[...] agora é necessário partir da crítica de Keynes, que conservou o

pressuposto de estabilidade de preços e só admitiu inflação de demanda. Na verdade, agora só é possível compreender a inflação, que assumiu caráter

relativamente autônomo em relação ao mercado, se partirmos do pressuposto

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de que ela é um fenômeno estrutural das economias capitalistas. (BRESSER-

PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 6).

Fica claro, portanto que o modelo keynesiano não é adequado para explicar o processo

inflacionário do capitalismo moderno. Por trás dessa crítica, há a ideia de que o diagnóstico

keynesiano também é incompleto por não considerar elementos estruturais que causam a

inflação e concentrar-se apenas na inflação causada pela demanda. Bresser e Nakano (1984a)

também apontam como uma falha o modelo keynesiano não diferenciar os elementos que

causam a inflação daqueles elementos que mantém o processo inflacionário.

Outra hipótese keynesiana atacada por Bresser e Nakano (1984a) é a ideia de que a

margem de lucro é constante. Os autores consideram um erro Keynes não considerar a

distinção entre as estruturas de mercado que podem afetar o comportamento microeconômico

das empresas: “Em termos gerais a margem de lucro é constante quando a economia se

desenvolve em termos normais ou de relativa tranquilidade. Fora dessa situação, é necessário

distinguir o setor competitivo do setor oligopolista.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO,

1984a, p. 19).

De uma forma geral, é a partir das críticas a essas hipóteses neoclássicas e keynesianas

que Bresser e Nakano desenvolvem a nova concepção. Incluem ainda duas hipóteses básicas

sobre a ideia de inflação estrutural, a saber: a ideia de que os agentes buscam, pelo menos,

manter suas participações na renda e que a sociedade tende a rejeitar políticas restritivas.

III.2 - A inflação intrínseca ao capitalismo

A grande inovação dos professores da FGV-SP é tratar a inflação como um elemento

crônico e resultante da nova fase do capitalismo mundial que se consolida a partir da segunda

metade do século XX e caracteriza-se basicamente pelo predomínio dos oligopólios e, no caso

dos países mais desenvolvidos, pelo fortalecimento dos sindicatos: “[...] o fenômeno

fundamental é o crescente poder sobre o mercado, de um lado, das empresas públicas e

privadas e dos sindicatos, e, de outro, do estado (sic).” (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 12).

Bresser considera que a nova dinâmica do sistema capitalista condiciona novos

comportamentos para os principais agentes (oligopólios, sindicatos e Estado) que passam a

exercer diretamente papéis no processo inflacionário. Nesse contexto o surgimento das

empresas multinacionais consolida o surgimento de um “sistema de planejamento”, onde o

nível de preços passa a ser cada vez mais administrado pelos agentes e menos dependente da

demanda:

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[...] a formação social deixa de ser meramente capitalista para ser capitalista

monopolista de estado (sic) ou capitalista-tecnoburocrática. Ao mesmo

tempo que uma nova classe de tecnoburocratas emerge ao nível das grandes empresas, do estado (sic) e também dos grandes sindicatos, o plano substitui-

se ao mercado, a administração ao sistema de preços, não em toda a

economia, mas em amplos e agora dominantes setores do sistema econômico. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 14, negritos meus).

A partir disto, Bresser conclui:

A formação e recente dominância do sistema monopolista ou de planejamento, e portanto a transformação do capitalismo em capitalismo

tecnoburocrático, é o fato novo mais geral e decisivo a explicar a nova

inflação dos anos setenta. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 14).

Nesse “capitalismo de Estado”, a inflação surge como resultado de um conflito

distributivo especificado nos seguintes termos:

[...] a inflação é um processo de luta deflagrado por cada agente econômico

ou por associações de agentes econômicos organizados em setores, sistemas,

classes, para aumentar ou pelo menos não deixar diminuir sua participação no excedente econômico. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 18).

Esta seção analisará o papel de cada um dos agentes no processo inflacionário e no

conflito distributivo dentro dessa nova fase do capitalismo. A seção será dividida em duas

partes, na primeira será tratado o papel dos oligopólios e dos sindicatos e na segunda será

tratado o papel do Estado.

III.2.1 - O papel dos oligopólios e dos sindicatos

Para os professores da FGV-SP, no capitalismo oligopolista a grande empresa pode se

valer de seu poder de mercado para administrar seu preço independentemente do nível de

atividade. Isto é um exemplo do predomínio da inflação administrada sobre os demais tipos

de inflação.

Bresser (1981), Nakano (1986 [1982]) e Bresser e Nakano (1984a) consideram que

para qualquer nível de inflação as empresas de um setor oligopolista podem aumentar suas

margens de lucro, aumentando seus preços mais que a inflação. Diante das fortes ligações

intersetoriais e das defasagens temporais dos reajustes, os demais agentes tentarão, ao menos,

manter suas participações reais na renda (deterioradas pela inflação setorial) através do

conflito distributivo e, utilizando mecanismos de indexação, também aumentam seus preços

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mais que a inflação vigente. Assim, a inflação setorial alastra-se para toda a economia e os

aumentos constituem-se em fatores aceleradores da inflação.23

É importante destacar que as empresas oligopolistas podem aumentar suas margens

visando aumentar suas participações reais na renda ou mesmo visando manter suas

participações diante de uma queda nas vendas em um cenário de recessão:

Para manter a taxa de lucro (lucro sobre o capital), as empresas do setor

oligopolista tenderão a aumentar suas margens de lucro nos períodos de recessão. Dessa forma, a queda nas vendas é compensada pelo aumento da

margem, buscando manter-se o volume de lucro e a taxa de lucro.

(BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 9).

Ou seja, Bresser e Nakano estão afirmando que em economias oligopolizadas, diante

de uma recessão a tendência natural das empresas é aumentar suas margens, gerando inflação.

Tal ideia já se encontrava em Bresser (1981):

Imaginemos que a economia entre em recessão, ou seja, entre na fase

descendente do ciclo. Neste momento as empresa (sic) se verão diante de

vendas declinantes. Para manter sua taxa de lucro [...] a alternativa óbvia será elevar a margem de lucro [...] Isto significará necessariamente o

aumento de preços, considerando constante, para efeitos desta análise, a taxa

de produtividade. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 16, grifos meus).

A inflação surge então como um mecanismo de defesa como novamente é reafirmado

em Bresser e Nakano (1986): “O aumento das margens de lucro é um mecanismo de defesa

das empresas para proteger a taxa de lucro frente à recessão, ou seja, à redução das vendas e

ao correspondente aumento dos custos fixos unitários.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO,

1986, p. 72, grifos meus).

Esta análise permite concluir que é natural que haja uma relação direta entre recessão

e inflação com causalidade da primeira para a segunda24

, este ponto é fundamental e será

tratado na seção III.3.

23 Caso a indexação seja plena, após determinado período de tempo, o aumento inicial terá sido totalmente

neutralizado, a estrutura de preços relativos retornará ao nível inicial e o aumento da inflação será igual ao aumento original. Nesse caso, o agente que iniciou o aumento do preço pode iniciar nova elevação que será

respondida pelos demais agentes, provocando outra aceleração inflacionária. Caso a indexação não seja plena e

nenhum outro agente aumente seus preços, o nível de inflação deixa de acelerar-se. 24

Para Nakano (1986 [1982]) setores competitivos reduzem os preços diante de recessões, assim o efeito de uma

recessão sobre o nível de preços depende da estrutura do sistema: “[...] o que ocorrerá com a inflação acaba

dependendo do peso relativo destes dois segmentos competitivos e oligopolizados na economia. Se o peso

relativo dos setores concentrados for muito grande a recessão tende a realimentar a inflação compensando as

quedas verificadas nos setores competitivos.” (NAKANO, 1986 [1982], p. 163). Porém, como será visto na

próxima seção, a conclusão geral dos autores é que a tendência é um aumento dos preços diante da recessão.

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O mesmo raciocínio aplicado sobre os oligopólios, também vale para os sindicatos.

Sendo assim, se estes tiverem poder de barganha, podem conseguir aumentos de salários

médios reais acima da produtividade iniciando uma aceleração inflacionária.

No entanto, oligopólios e sindicatos podem simplesmente manter suas margens de

lucro e seus salários reais visando manter suas participações reais na renda. O efeito será a

manutenção do patamar de inflação: “O patamar da inflação será mantido na medida em que

todos os agentes econômicos estejam relativamente satisfeitos com sua participação na

renda.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 9). Nesse caso, a inflação é mantida

mesmo na ausência de novos fatores aceleradores:

Se um aumento de margens ou um aumento de salário real, acima da produtividade elevarem o patamar da inflação, em seguida não são

necessários novos aumentos para que aquele patamar seja mantido. A

inflação mantém-se naquele nível independentemente de haver pressão de

demanda, e pode conviver com elevados níveis de desemprego. (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984a, p. 9, itálicos e negritos meus).

Essa manutenção de margens e/ou salários reais também é obtida com o conflito

distributivo através dos mecanismos de indexação que nestes casos constituem-se como

fatores mantenedores da inflação configurando uma inflexibilidade dos preços em baixar.

O conflito distributivo, através dos mecanismos formais e informais de indexação,

permite, portanto, dois tipos de ações aos agentes (oligopólios e sindicatos): i) aumentar seus

preços mais que a inflação diante de um aumento de preços setorial para manter ou mesmo

aumentar suas participações na renda, em ambos os casos alastrando o aumento inicial para a

economia e tendo um caráter acelerador e ii) apenas ajustar seus preços visando manter as

participações atuais na renda, tendo nesse caso um caráter mantenedor e conferindo à inflação

uma tendência inercial. Isso fica claro na seguinte passagem:

A inflação inercial torna-se assim o resultado do conflito entre empresas,

capitalistas, burocratas e trabalhadores para manter sua participação na

renda. Esse conflito pode ser agressivo - buscar aumento de participação na

renda - e então será fator acelerador. No caso da inflação inercial, porém, esse conflito é essencialmente defensivo. (BRESSER-PEREIRA, 2009, não

paginado, itálicos meus).

III.2.2 - O papel do Estado

Em Bresser (1981) e em Bresser e Nakano (1984a) encontra-se uma descrição das

funções desempenhadas pelo Estado no processo inflacionário dentro do contexto do

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capitalismo oligopolista. Mais precisamente em Bresser (1981), o Estado assume um papel

bastante peculiar:

O estado (sic), nesse tipo de formação social, substitui-se parcialmente ao

mercado no controle ou coordenação da economia. O que se pretende do

estado (sic) é que ele impeça as flutuações cíclicas que seriam propiciadas

pela coordenação pura e simples do sistema econômico pelo mercado. Espera-se do estado (sic) uma atuação compensatória ao movimento cíclico

descendente. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 28).

Já foi comentado na seção III.1 que o aumento nominal de moeda para fazer frente a

um aumento de preços e evitar uma crise de liquidez não causa inflação: “O que podemos

afirmar neste caso é que o aumento de moeda ‘sancionou’ a inflação já desencadeada,

tornando endógeno o aumento de M [moeda].” (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 9). Nesse

caso, portanto, o Estado desempenha uma função que se constitui em um fator sancionador

da inflação.

No entanto, o Estado também assume outros papéis. Segundo a análise de Bresser

(1981), diante da ineficácia do mercado em controlar preços, o Estado busca exercer essa

função através de uma política de rendas. Porém, esta ação pode causar distorções na lei do

valor uma vez que alguns preços estabelecidos podem ficar distantes dos verdadeiros valores

dos produtos. Então, ainda segundo o autor, a tendência é que o Estado incorra nos custos

dessas distorções: “[...] [o Estado] controla preços de determinados setores internos ou

externos ao estado (sic), e compensa os prejuízos decorrentes com transferências crescentes.”

(BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 23).

Dessa forma, como cita Bresser (1981), o governo diminui a taxa de câmbio para

evitar inflação de importados, mas subsidia setores exportadores. Toma também medidas

como subsídios a outros setores afetados por algum tipo de tabelamento, além de promover

aumentos insuficientes de preços de estatais tornando-as deficitárias. Em todos esses casos,

como é enfatizado em Bresser e Nakano (1984a), o resultado é o aumento do déficit do

governo. Este é financiado com a emissão de moeda que, permitindo que empresas e

sindicatos de setores com oferta estrangulada aumentem suas margens e salários reais,

provoca uma inflação compensatória.25

Nas palavras de Bresser (1981):

Agora não são mais os preços que aumentam automaticamente, provocando o aumento da quantidade de moeda, mas é a quantidade de moeda que

cresce, provocando o aumento dos preços. Desencadeia-se o que propomos a

25 Esta ideia contraria a endogeneidade da moeda e pode gerar certa ambiguidade em relação às funções do

Estado.

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chamar de “inflação compensatória”. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 24,

itálicos meus).

Nesse caso, o aumento da quantidade nominal de moeda, bem como o processo

inflacionário compensatório, é um fator acelerador. O Estado tem um papel de acelerar a

inflação, assim como também o terá no caso de um aumento de impostos.

Para encerrar a análise do grupo da FGV-SP sobre o papel do Estado, é preciso

destacar que em dado momento, quando o governo já se encontra em delicada situação de

endividamento, opta-se pela eliminação da política de rendas. Então o governo retira os

subsídios e corrige nominalmente os preços que estavam controlados (inclusive a taxa de

câmbio) reajustando-os aos valores verdadeiros. Diante disso, os demais agentes que não

estavam com preços controlados aumentam nominalmente seus preços para não incorrerem

em perdas reais. Este processo constitui-se em uma inflação corretiva que é um tipo de

inflação administrada. Nesse caso, a ação do Estado também é um fator acelerador da

inflação.

III.3 - A relação recessão x inflação e a explicitação da “curva de Rangel”

Foi comentado na seção III.2 que para Bresser e Nakano há uma relação direta entre

recessão e inflação, onde a recessão causa inflação. Esse ponto será tratado com mais detalhes

nesta seção.

Há uma inegável contribuição de Rangel (1978 [1963]) para o desenvolvimento da

concepção dos professores da FGV-SP, como pode ser visto na seguinte passagem de Bresser

(1981):

No Brasil, depois da análise clássica de Ignácio Rangel [...] verificou-se que

essa correlação [da curva de Phillips] também não existia, ou melhor, que no

período 1960-1980 revelou-se invertida. [...] Dezessete anos transcorreram do trabalho pioneiro de Rangel e a história só confirmou sua análise

fundamental. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 4).

Porém, aqui cabem alguns esclarecimentos.

Rangel (1978 [1963]) considera que a inflação resulta da ação de oligopólios-

oligopsônios que atuam na comercialização de determinados bens. Por outro lado, vê a

inflação como uma forma de aumentar a demanda agregada, provocando retomada do

crescimento a partir de um cenário de recessão. Porém, Rangel (1978 [1963]) não afirma que

a atuação dos oligopólios em recessão é mais agressiva (no sentido de aumentar preços) do

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que em períodos “normais” ou de crescimento. Sendo assim, é como se os oligopólios

atuassem sempre aumentando margens, mas da mesma maneira, independentemente da fase

do ciclo em que se encontram. Esse “detalhe” não permite a Rangel estabelecer uma relação

clara e direta entre recessão e inflação e tampouco a relação causal. Fica a ideia de que a

inflação “surge” como uma salvação para a recessão, resultando de um comportamento

corriqueiro dos oligopólios.

Sendo assim, por mais implícita que possa estar, a relação recessão x inflação, não é

explicitada em Rangel (1978 [1963]). Essa explicitação só ocorre em Rangel (1985). Nesse

trabalho, embora o autor não defina o comportamento dos oligopólios diante de períodos

recessivos (o que prejudica a explicitação da relação causal), expressa aquilo que ficou

conhecido como a “curva de Rangel”:

[...] há pelo menos um quartel de século, a inflação integra a síndrome da

recessão, isto é, surge ou se exacerba quando a economia se desaquece e,

inversamente, desaparece ou, pelo menos, tem sua intensidade reduzida, quando a economia se reaquece. Não há, portanto, nenhum trade-off a fazer,

porque o combate á inflação é inseparável do combate à recessão [...]

(RANGEL, 1985, p. 5, itálicos no original).

Mais adiante, após comentar a regularidade entre inflação e recessão observada no

Brasil, afirma:

Isso deve bastar para que nos apliquemos à busca de outra etiologia para o

fenômeno da inflação, dado que a tradicionalmente aceita é incompatível

com o fato óbvio de que a inflação se exacerba nos períodos recessivos, isto é, quando a demanda é mínima, vale dizer, quando a economia está

sobrecarregada de desemprego e capacidade ociosa. (RANGEL, 1985, p. 13,

itálicos no original).

Logo, por mais sutis que possam parecer as diferenças entre os dois trabalhos de

Rangel, é somente em 1985 que ele forma sua concepção clara de uma relação direta entre

recessão e inflação (embora a causalidade continue sem ser explicitada). Esse fato é

percebido por Bresser e Rego (1993): “[...] Rangel, em 1985, formula de forma precisa uma

ideia que já vinha desenvolvendo há muito: a ‘curva de Rangel’. Rangel nega a teoria

universalmente aceita, embutida na curva de Phillips [...]” (BRESSER-PEREIRA; REGO,

1993, p. 114, itálicos meus). Bresser (2009) também vê a explicitação da “curva de Rangel”

apenas em 1985: “A curva de Rangel, já está presente em A Inflação Brasileira (1963), mas

ela só foi exposta plenamente em ‘Recessão, inflação e dívida externa’ (1985).”

(BRESSER-PEREIRA, 2009, nota de rodapé n. 6, itálicos no original e negritos meus).

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Mais ainda, a ideia de haver uma relação direta entre recessão e inflação foi

desenvolvida claramente por Bresser e Nakano em trabalhos anteriores à Rangel (1985). Isso

foi feito, sobretudo em Bresser (1981), Bresser e Nakano (1984a) e em Bresser e Nakano

(1984b), trabalhos esses em que ainda esclarecem a causalidade da relação. De fato, a ideia de

uma inversão da curva de Phillips já é bastante clara para Bresser (1981):

[...] a correlação óbvia entre prosperidade, fase ascendente e auge do ciclo

econômico com inflação, e entre fase declinante do ciclo ou recessão com

deflação deixava de prevalecer. Agora passávamos a ter inflação em todas as fases do ciclo e a inflação podia inclusive acelerar-se nos períodos

recessivos. (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 4).

Bresser e Nakano (1984b) mostram que, a partir de uma curva de Phillips tradicional,

podem ocorrer rompimentos de duas hipóteses básicas do modelo tradicional, o que faz com

que surja uma nova relação entre inflação e desemprego.

Os autores partem de uma curva de Phillips tradicional, que relaciona inflação e

desemprego. Até determinado nível de desemprego ( no gráfico 1) aumentos do

desemprego implicam de fato em redução de preços (provavelmente porque as empresas

ainda estão mantendo suas margens, enquanto os salários nominais estão caindo). Mas a partir

deste ponto, as empresas passam a aumentar margens diante da queda de vendas

(provavelmente em magnitude maior que a queda dos salários nominais) e aumentos de

desemprego aumentam os preços. A curva de preços (curva tracejada no gráfico 1) se

desprende da curva de salários e ocorre um primeiro rompimento da Phillips tradicional: o da

relação salários nominais x preços.

Gráfico 1 - Rompimento da relação salários nominais x preços

Fonte: Bresser e Nakano (1984b, p. 108).

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Diante desse cenário de aumento de preços e com seu poder de barganha, os sindicatos

aumentam seus salários nominais que passam a aumentar, em todos os níveis, para cada

aumento de desemprego. Assim, a curva de Phillips vai se deslocando para cima, como se a

curva de salários tentasse acompanhar a curva de preços, e ocorre um segundo rompimento da

Phillips: o da relação desemprego x salários nominais.

A partir daí, cada aumento de desemprego leva a economia a pontos na nova curva de

Phillips, cada vez mais alta, e não mais ao longo da Phillips inicial. Surge uma nova relação

onde aumentos do desemprego equivalem a aumentos da inflação. A curva de Phillips

tradicional não vale mais, segundo Bresser (1981): “Os dados de Phillips referem-se a um

período anterior, dizem respeito à velha ‘inflação’, mostrando exatamente o inverso da

estagflação.” (BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 11).

Em Bresser e Nakano (1986) há uma demonstração gráfica do que ocorre (gráfico 2),

onde aumentos do desemprego (aqui a partir de e até ) levam a economia a mover-se ao

longo da curva definida pelos pontos , indicando aumentos sucessivos na

inflação.

Gráfico 2 - A relação direta recessão x inflação

Fonte: Bresser e Nakano (1986, p. 73).

Ou seja, a ideia da relação direta entre recessão x inflação já fora desenvolvida por

Bresser e Nakano entre 1981 e 1984, e contribuiu fortemente para Rangel explicitar sua curva

em 1985. Isso fica claro nas seguintes passagens de Rangel (2012 [1985]), onde primeiro

afirma:

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Essa depressão brasileira [referindo-se a dados de 1980-1983] confirmou a

tendência que já se vinha observando, havia pelo menos um quartel de

século, isto é, simetricamente com a recessão, a inflação se elevava. Com a mesma regularidade com que declinava, quando a economia entrava em

recuperação. Uma simetria perfeita, elegante, mesmo. (RANGEL, 2012

[1985], p. 432).

Para em seguida, ao tentar explicar a relação, reconhecer que não tinha “respostas

claras” e concordar com Bresser (esboçando finalmente uma causalidade):

Para isso [relação direta entre inflação e recessão] não temos ainda respostas

tão claras e contundentes, mas, pelo menos como primeira hipótese de

trabalho, podemos alinhar dois fatos relevantes [onde aqui interessa apenas o primeiro]: a) como vem insistindo L.C. Bresser Pereira, a economia acha-se

fortemente oligopolizada, o que permite uma medida considerável de

administração dos preços. O oligopólio, como se sabe, é um monopólio em

potencial, desde que os oligopólios se entendam entre si [...] (RANGEL, 2012 [1985], p. 432).

Logo, a contribuição de Rangel para o pensamento de Bresser e Nakano foi

basicamente ver a inflação como resultado da ação de oligopólios e perceber o papel da

emissão de moeda como elemento sancionador do processo inflacionário. No entanto, o que

estava implícito no pensamento inicial de Rangel só foi exacerbado por ele após as obras de

Bresser e Nakano, que não somente exacerbaram como também completaram seu

pensamento.

III.4 - Um “mix” de políticas econômicas como forma de combater a inflação

As críticas dos professores da FGV-SP às concepções monetarista e keynesiana levam

à rejeição dos respectivos receituários por parte de Bresser e Nakano. Para os autores (1984b,

p. 113) uma política monetarista, baseada na redução da oferta de moeda, é “insustentável em

todos os seus níveis”, pois gera recessão e aumento dos juros, o que só prejudica o

crescimento. Bresser (1981) acredita que embora uma política monetarista procure atingir

todos os rendimentos, acaba por afetar somente os salários. Já uma política keynesiana,

baseada na redução da demanda, para Bresser e Nakano (1984b), só é eficaz caso a economia

encontre-se próxima ao nível de pleno emprego (onde frente às reduções de demanda, as

empresas reduzem margens e os trabalhadores não aumentam salários reais mais que a

produtividade), caso contrário não deve ser aplicada.

Para os autores, de uma forma geral, tais políticas não atuam sobre o ajustamento de

preços relativos, o que favorece os oligopólios e só aumenta a concentração de renda.

Lembram ainda que muitas vezes essas políticas podem causar recessão e como pode ser visto

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em Bresser (1981), há uma grande preocupação dos autores da FGV-SP em defender políticas

que não afetem o crescimento econômico, uma vez que este se constitui como a única forma

de diminuir as resistências de empresas e trabalhadores em reduzir margens e não aumentar

salários reais mais que a produtividade, respectivamente, contribuindo fortemente para não

acelerar a inflação.

A ideia dos professores da FGV-SP para combater a inflação é desenvolvida em

Bresser e Nakano (1984b), mas já se encontra em Bresser (1981):

A política antiinflacionária (sic) deverá necessariamente utilizar, em diversos

graus, todos os instrumentos de política econômica, desde os instrumentos

clássicos de política monetária e principalmente fiscal até os mecanismos de administração de preços e salários, de taxa de juros e de câmbio.

(BRESSER-PEREIRA, 1981, p. 37, itálicos meus).

Ou seja, diante da diversidade de fatores que contribuem para o processo inflacionário,

é preciso adotar uma “cesta” de políticas econômicas onde uma, ou algumas delas, predomine

de acordo com a fonte principal de inflação, isto fica claro em Bresser e Nakano (1984b):

“Como estas causas [do processo inflacionário] não são excludentes, uma combinação dessas

políticas será provavelmente necessária. A ênfase, entretanto, deverá sempre ser dada à causa

principal da inflação em curso.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984b, p. 105).

Em linhas gerais, os autores da FGV-SP propõem a adoção de uma política

administrativa de preços que possui dois instrumentos básicos: o controle administrativo de

preços e a desindexação parcial. Essa política seria completada por políticas monetária e

fiscal que buscassem reduzir o crescimento da oferta de moeda e o déficit público,

respectivamente, de acordo com a redução da inflação. Para Bresser e Nakano: “A estratégia

fundamental de uma política administrativa está em impedir a operação de fatores

aceleradores da inflação e lograr o enfraquecimento dos fatores mantenedores do patamar de

inflação.” (BRESSER-PEREIRA; NAKANO, 1984b, p. 114).

Em seguida, serão comentados brevemente os dois instrumentos básicos.

O controle administrativo de preços visaria controlar os preços das empresas

oligopolistas, uma vez que não estão indexados. Bresser e Nakano (1984b) defendem que é

preciso controlar preços de oligopólios, mas de forma temporária e sem distanciar muito os

preços fixados dos verdadeiros preços de produção. Os autores reconhecem as dificuldades

desse instrumento, mas acreditam que é possível solucioná-las através de um aparelho

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burocrático competente e da adoção do método tentativa e erro. Concluem ainda que

eventuais erros de fixação seriam menos graves do que aqueles que seriam cometidos por um

mercado imperfeito.

A ideia de desindexação parcial, parte do princípio de que em um cenário onde os

preços não indexados estejam caindo e reduzindo a inflação, uma indexação baseada na

inflação passada (maior que a presente portanto) faz com que os preços médios reais dos bens

indexados aumentem ao longo do tempo, dificultando a queda da inflação. A solução portanto

seria uma indexação que considerasse metade da inflação passada e metade da inflação futura

(prevista declinante), visando manter os preços médios reais e não aumentá-los. Como a

inflação futura prevista é menor do que a corrente, essa forma de indexação equivale a uma

desindexação parcial.

Assim, estariam controlados os preços dos setores oligopolizados e dos setores

indexados. Os preços dos setores competitivos, em sua maioria, não necessitam de controle

uma vez que já são controlados pelos mercados.

No entanto, Bresser e Nakano (1984b, p. 123) advertem ainda que essa política pode

não surtir efeitos em cenários de altos níveis de inflação e rápidos reajustes. Nesse caso,

indicam (1984b, p. 123, negritos meus) a aplicação de uma “[...] política heróica de controle

administrativo de preços e de desindexação total da economia [...]”26

Essa política consistiria em quatro etapas. A primeira etapa seria caracterizada por

uma tentativa de ajuste de preços relativos. A segunda etapa seria marcada por uma

desindexação total da economia em um determinado dia, seguida por um congelamento de

todos os preços. Na terceira etapa, haveria um relaxamento parcial do congelamento. Após

essas três etapas, iniciaria-se a quarta etapa, onde seria implementada a política

administrativa apresentada anteriormente.

26 Bresser (2009) esclarece uma divergência que havia entre ele e Nakano. Para Bresser, a “solução heroica” só

deveria ser adotada caso a inflação ultrapassasse 300% ao ano, até então deveria-se adotar a política

administrativa. Já Nakano defendia uma aplicação imediata de tal política mesmo com a inflação a 200% ao ano,

naquele período. No entanto, Bresser (2009) reconhece que a política administrativa só é eficaz com inflação

pequena, em que caso nem todas as empresas sigam a política de controle de preços, as que seguirem incorrem

em perdas pequenas. O mesmo não ocorre com inflação elevada onde tais perdas são grandes, desestimulando as

empresas a seguirem o controle de preços.

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CONCLUSÃO

Este trabalho analisou as concepções de inflação inercial dos economistas da PUC-RJ

e da FGV-SP. Uma comparação entre as duas concepções permite a identificação de

diferenças substanciais que podem ser classificadas em quatro tipos de acordo com a

característica a que se referem.

Uma primeira diferença é de caráter inicial e se refere ao ponto de partida de cada

grupo. Os autores da PUC-RJ, embora considerassem o papel dos mecanismos de indexação

em alguns trabalhos, bem como o conflito distributivo e uma certa tendência inercial, partem

do princípio de haver uma relação direta entre inflação e crescimento como a relação da curva

de Phillips. Nos primeiros trabalhos, o conflito distributivo servia para os empresários

encolherem salários reais desejados, aumentando suas participações reais e gerando

crescimento. A inflação era, portanto, diretamente ligada ao crescimento, não a relacionavam

com um tipo de crescimento a partir de um cenário de recessão, como havia suposto Rangel.

Já os autores da FGV-SP descartam as hipóteses monetarista e keynesiana, cujos modelos são

considerados inadequados para explicar a nova inflação permanente e intrínseca que surge

com o capitalismo oligopolista. Sendo assim, a motivação do grupo da PUC-RJ em

desenvolver sua teoria é apenas aperfeiçoar uma explicação para a inflação brasileira,

acrescentando mais elementos não considerados pelos modelos tradicionais. Já para o grupo

da FGV-SP, o objetivo é elaborar uma nova teoria que explique a nova inflação dos anos pós-

1980.

A segunda diferença é de caráter metodológico. A concepção da PUC-RJ baseia-se

predominantemente em testes econométricos. Todos os elementos incluídos resultam dos

testes, bem como os modelos são avaliados com base nos resultados dos testes realizados. Ao

contrário, a concepção da FGV-SP constrói suas análises com base em hipóteses e

conjecturas, constituindo, assim, um referencial teórico capaz de explicar a inflação do

capitalismo oligopolista.

A terceira diferença é de caráter essencial, referente aos elementos que predominam

na explicação de cada concepção. É evidente que existem grandes diferenças neste aspecto. A

visão da PUC-RJ considera, em linhas gerais, que a política salarial é a principal responsável

pela manutenção do patamar inflacionário que ainda pode ser acelerado por choques dessa

política ou por choques externos. Diferentemente, a visão da FGV-SP é mais aprofundada,

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destacando que a inflação é inerente ao novo capitalismo que atribui funções aos oligopólios,

aos sindicatos e ao Estado, tais funções podem acelerar, manter ou sancionar a inflação.

Por fim, uma quarta diferença é de caráter conclusivo e se refere à mensagem final

deixada por cada teoria para o pensamento macroeconômico. Os autores da PUC-RJ se

surpreendem com os resultados dos testes e, em uma tentativa de manter a vigência da

tradicional relação direta entre inflação e crescimento na qual acreditavam, partem para

agregar os elementos evidenciados pelos testes ao passo que, através de algumas suposições,

mantêm elementos tradicionais. A conclusão a que chegam é que a relação da curva de

Phillips é válida, mas é enfraquecida pelos mecanismos de indexação da economia. Já o grupo

da FGV-SP, conclui que a relação da curva de Phillips não vale mais, pois no capitalismo

oligopolista surge uma relação inversa da tradicional, ou seja, a relação direta entre recessão e

inflação, resultante da ação de oligopólios frente a crises. Como foi mostrado, essa ideia

contribuiu para Rangel explicitar sua percepção anterior.

Diante dessas ponderações, pode-se afirmar que embora ambas as teorias identifiquem

elementos inerciais, vão além de apenas evidenciar tais elementos e ainda se diferenciam

fortemente entre si. Uma análise mais aprofundada mostra que aquilo que ficou conhecido

como “teoria da inflação inercial” comporta, pelo menos, duas distintas concepções.27

A

concepção da PUC-RJ é mais a posteriori, no sentido de incorporar elementos ao longo dos

testes empíricos e de certa forma conter em sua conclusão elementos que não constavam no

ponto de partida. Por outro lado, a concepção da FGV-SP é mais a priori, no sentido de

concluir algo bastante coerente com um ponto de partida teórico e de incorporar elementos

independentemente da realização de testes econométricos.

27 Novamente, isto é mais uma evidência da observação de Serrano (1986) de que a teoria da inflação inercial era

uma espécie de guarda-chuva que abrangia diferentes matizes ideológicos.

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