A Sociedade Do Culto Ao Corpo Perfeito

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A sociedade do culto ao corpo perfeito Intensificação do culto à estética ao longo dos séculos pode ter colaborado para a transformação do indivíduo em objeto. Produtos de beleza cada vez mais sofisticados, revistas que dão dicas para manter a boa forma, clínicas de estética e de cirurgia plástica, salões de cabeleireiros e academias de ginástica. Hoje o mundo está cercado por serviços à disposição de quem deseja cuidar da aparência ou moldá-la. A preocupação do homem com o corpo, no entanto, não é recente. A origem do culto ao corpo remonta à Antiguidade. Os gregos acreditavam, há cerca de 2.500 anos a.C., que a estética e o físico eram tão importantes quanto o intelecto na busca pela perfeição – pensamento traduzido na frase “mens sana in corpore sano” (mente saudável em corpo são) e na própria história das Olimpíadas. Após a Era Clássica, na Idade Média, as questões estéticas e o físico ficaram relegados ao segundo plano. Durante essa época, o corpo foi tratado pela sociedade de forma discreta, com todo o decoro exigido pelas crenças religiosas, e de acordo com as leis divinas. Apenas no século 18, nos anos que se seguiram às Revoluções Francesa e Industrial, o corpo voltou a ter destaque no cotidiano do homem ocidental. "Doenças como anorexia, bulimia e vigorexia [transtorno caracterizado pela prática de exercícios físicos em excesso] tomaram um vulto assustador. Muitos colocam suas vidas em risco, consumindo remédios para emagrecer e anabolizantes ou até mesmo fazendo cirurgias desnecessárias." o maior prejuízo da valorização exagerada da boa aparência é o fortalecimento da concepção de corpo- objeto. "As pessoas passaram a enxergar o corpo hoje como uma coisa moldável, conforme certos padrões estéticos, fomentados por uma pressão social de classe. Nesse sentido, o físico, os sentidos e a alma são massificados por conta dessa ditadura de idealização da beleza". Alviano completa: "Com essa transformação do corpo em coisa, o próprio indivíduo se reduziu a um objeto, que só possui valor como ostentação dentro dos padrões preestabelecidos". Corpo, consumo e mídia O fim do século passado e o início deste configuram um novo estágio do capitalismo, denominado por muitos, globalização, ou ainda, ocidentalização do mundo. Nessa fase, a comunicação, o desenvolvimento tecnológico e a economia vêm trazendo uma acelerada transformação nas sociedades e, ao mesmo tempo, profundas mudanças no nosso modo de ser, viver, aprender, sentir, pensar e agir. Vivemos em um sistema capitalista, somos impulsionados a produzir e consumir produtos. Por isso, passamos a maior parte do tempo envolvidos com o trabalho, dimensão da vida humana que nos permite atender a toda ordem de necessidades - as essenciais para nossa sobrevivência e as criadas pelo próprio sistema. É nesta lógica que nosso corpo está inserido: por meio dele estamos neste mundo. A partir de suas interações com outros corpos, espaços e culturas, construímos nossas identidades e subjetividades, pensamentos e valores. Então, vamos focar nosso olhar sobre a corporeidade (ou as questões relativas ao corpo) no mundo contemporâneo. Você deve ter observado que os corpos presentes na telinha (principalmente nas propagandas e novelas) são, em sua maioria, corpos bonitos, sarados, brancos, louros, jovens, viris, belos,

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A sociedade do culto ao corpo perfeito

Intensificação do culto à estética ao longo dos séculos pode ter colaborado para a transformação do indivíduo em objeto. Produtos de beleza cada vez mais sofisticados, revistas que dão dicas para manter a boa forma, clínicas de estética e de cirurgia plástica, salões de cabeleireiros e academias de ginástica. Hoje o mundo está cercado por serviços à disposição de quem deseja cuidar da aparência ou moldá-la. A preocupação do homem com o corpo, no entanto, não é recente.

A origem do culto ao corpo remonta à Antiguidade. Os gregos acreditavam, há cerca de 2.500 anos a.C., que a estética e o físico eram tão importantes quanto o intelecto na busca pela perfeição – pensamento traduzido na frase “mens sana in corpore sano” (mente saudável em corpo são) e na própria história das Olimpíadas.

Após a Era Clássica, na Idade Média, as questões estéticas e o físico ficaram relegados ao segundo plano. Durante essa época, o corpo foi tratado pela sociedade de forma discreta, com todo o decoro exigido pelas crenças religiosas, e de acordo com as leis divinas. Apenas no século 18, nos anos que se seguiram às Revoluções Francesa e Industrial, o corpo voltou a ter destaque no cotidiano do homem ocidental.

"Doenças como anorexia, bulimia e vigorexia [transtorno caracterizado pela prática de exercícios físicos em excesso] tomaram um vulto assustador. Muitos colocam suas vidas em risco, consumindo remédios para emagrecer e anabolizantes ou até mesmo fazendo cirurgias desnecessárias."

o maior prejuízo da valorização exagerada da boa aparência é o fortalecimento da concepção de corpo-objeto. "As pessoas passaram a enxergar o corpo hoje como uma coisa moldável, conforme certos padrões estéticos, fomentados por uma pressão social de classe. Nesse sentido, o físico, os sentidos e a alma são massificados por conta dessa ditadura de idealização da beleza". Alviano completa: "Com essa transformação do corpo em coisa, o próprio indivíduo se reduziu a um objeto, que só possui valor como ostentação dentro dos padrões preestabelecidos".

Corpo, consumo e mídia

O fim do século passado e o início deste configuram um novo estágio do capitalismo, denominado por muitos, globalização, ou ainda, ocidentalização do mundo. Nessa fase, a comunicação, o desenvolvimento tecnológico e a economia vêm trazendo uma acelerada transformação nas sociedades e, ao mesmo tempo, profundas mudanças no nosso modo de ser, viver, aprender, sentir, pensar e agir. Vivemos em um sistema capitalista, somos impulsionados a produzir e consumir produtos. Por isso, passamos a maior parte do tempo envolvidos com o trabalho, dimensão da vida humana que nos permite atender a toda ordem de necessidades - as essenciais para nossa sobrevivência e as criadas pelo próprio sistema.

É nesta lógica que nosso corpo está inserido: por meio dele estamos neste mundo. A partir de suas interações com outros corpos, espaços e culturas, construímos nossas identidades e subjetividades, pensamentos e valores. Então, vamos focar nosso olhar sobre a corporeidade (ou as questões relativas ao corpo) no mundo contemporâneo. Você deve ter observado que os corpos presentes na telinha (principalmente nas propagandas e novelas) são, em sua maioria, corpos bonitos, sarados, brancos, louros, jovens, viris, belos, bem cuidados, ágeis e felizes. Corpos gordos, velhos, flácidos, não são reproduzidos, mas escondidos, disfarçados e dissimulados. Quase sempre, apenas nos telejornais, é comum aparecerem os corpos do cotidiano, de gente simples, ligados muitas vezes à pobreza, violência, tragédia e assim por diante. Isto nos faz pensar que existe um modelo de corpo desejado e suscitado pela mídia, que o transforma em objeto a ser conquistado e comprado. Torna-se algo idealizado e, na atualidade, é sinônimo de saudável, belo, atlético, como se esse modelo de corpo fosse a única possibilidade de ser. Vivemos uma verdadeira tirania da aparência em que o corpo tem sido mais valorizado por suas próteses, enfeites, vestuário, enfim, pelo que tem e não pelo que é.

Assim, o corpo se torna uma mercadoria como qualquer outra. Compram-se seios, nádegas, narizes, orelhas. Eliminam-se os sinais de envelhecimento mudando a cor dos cabelos, injetando produtos para minimizar as rugas, etc. O corpo é o principal estímulo da indústria da beleza associada à imagem de juventude que esbanja saúde, alegria. Em nome da beleza (veja bem, da beleza e não da saúde e da qualidade de vida) consomem-se roupas,

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alimentos, adereços, aparelhos, suplementos, silicones, imagens e exercícios físicos. Essa mercantilização dos corpos tem estimulado o comércio e o consumo de produtos.

O próprio corpo tornou-se veículo utilizado para vender os mais variados tipos de produtos. Nesse mercado do corpo, aqueles que não têm acesso aos produtos de consumo tornam-se, muitas vezes, mercadorias baratas. Num país marcado pela desigualdade social, e também racial, como é o nosso, os representantes de etnias negras e indígenas são os mais atingidos.

Podemos perceber que é uma tendência do mundo moderno reproduzir a mesma lógica do mercado, isto é, o corpo é explorado economicamente e utilizado para vender e consumir produtos de toda natureza, mesmo que não sejam tão recomendáveis como as bebidas e os cigarros. Mulheres sedutoras vendem produtos destinados ao público masculino e, o contrário, recentemente, também tem acontecido. É o caso, por exemplo, das propagandas de cerveja. Como as mulheres já constituem parte considerável do público que usufrui o produto, é hora de usar modelos, atores e outros ícones da beleza e do sucesso masculino, com o fim único de vender mais e mais, lucrar mais e mais. São comerciais planejados e preparados para atingir uma determinada camada da população, cada vez mais vulnerável a essa visão estereotipada propagada pela mídia – corpos jovens perfeitos, como modelos a serem copiados e reproduzidos.

A mulher magra que é admirada hoje seria considerada feia até pouco tempo atrás.

No mundo atual, e no Brasil principalmente, a busca pela beleza e pela juventude está em todo o lugar. O apelo vem da televisão, do cinema, das propagandas onde homens e mulheres parecem ter vindo do Olimpo, sem qualquer imperfeição física. Na modernidade, a busca pela beleza virou comércio e movimenta bilhões de dólares em cosméticos, cirurgias plásticas, tratamentos contra rugas, celulites e gordurinhas inconvenientes. Está declarada a guerra contra a natureza que criou o envelhecimento. E nessa batalha, a pressão pela beleza recai com mais força sobre as mulheres. O poeta Vinicius de Moraes resumiu a situação com certa crueldade quando disse simplesmente: as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental. Mas a revolta da

humanidade com o passar do tempo vem de longa data. A Grécia Antiga admirava a beleza dos corpos e cultuava deuses imortais, sempre jovens e sedutores.

"A busca da beleza é natural. A busca da juventude é natural, no sentido de que isso acontece em todas as civilizações. Isso vem na nossa consciência que somos finitos, nós tememos a morte, não queremos a morte. Nós sentimos que quando o nosso corpo envelhece isso significa uma certa proximidade maior da morte. Então de certa maneira é natural que tanto homens quanto mulheres queiram manter a juventude" Mas o que é ser belo? Essa pergunta já teve diversas respostas ao longo da história. Mas algumas características aparecem em lugares e épocas diferentes.

Não é verdade que homens achem muito bonitas mulheres muito magras. Elas perdem os ícones sexuais, a relação da cintura quadril fica prejudicada porque o quadril emagrece, e ficam praticamente com ausência de mamas.

A magreza sempre é vista da perspectiva da fome, do empobrecimento e da doença. A gordura como padrão de beleza se associa também com o consumo alimentar das elites que tinham acesso ao açúcar, artigo raro e muito caro naquela época.

No decorrer dos séculos, o corpo feminino mais cheio continuou a ser admirado. As curvas seguiam insinuando o poder feminino de gerar. E esse potencial procriador está nos quadris, está nas cadeiras, no bumbum, no ventre. Quanto mais cheio embaixo, mais bonita era a mulher. A moda, inclusive, vai acentuar esse critério estético porque a moda das anquinhas (que era uma almofada ou armação que as mulheres usavam sob a saia, para entufá-la), que atravessa toda a segunda metade do século XIX, ela acentua o posterior da mulher, enquanto o espartilho comprime violentamente a cintura, projetando os seios. Então, realmente a mulher se torna no imaginário masculino um verdadeiro violão. Nesse mesmo século XIX, a magreza vira moda na esteira das heroínas românticas retratadas nos livros. As mulheres se deixavam emagrecer e se maquiavam para simular olheiras mais profundas. Mas foi um modismo passageiro, e a imagem das carnes cheias como padrão de beleza vai chegar até o século XX. Mas nesse momento, transformações importantes acontecem com a mudança nos papéis da mulher e sua entrada no mercado de trabalho.

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O fortalecimento da indústria da beleza e a globalização também irão modificar a maneira como as pessoas buscam uma forma física atraente.