A Síndrome de Burnout

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A síndrome de burnout Em um mundo cada vez mais competitivo, o estresse é cada vez mais presente e pode gerar a crise de burnout. por Amaury de Almeida Costa Hoje em dia, são raras as pessoas que não estão submetidas ao estresse: é preciso cumprir prazos, superar metas, destacar-se entre os colegas. Mesmo o trabalho doméstico está sujeito a problemas: a refeição a terminar, o filho a buscar na escola, a faxina, o passeio com o cão, etc. Em qualquer situação, a pressão parece nos acompanhar. A síndrome de burnout pode ser uma das conseqüências do ritmo em que vivemos. Também chamado síndrome do esgotamento nervoso, o problema se caracteriza por um estado de tensão emocional e estresse que se torna crônico, determinado por condições desgastantes de trabalho, onde há envolvimento interpessoal direto e intenso. No médio prazo, surge um distúrbio depressivo, com sintomas no nível físico, emocional e psicológico. Profissionais de educação, saúde, serviço social, recursos humanos, além de agentes prisionais, bombeiros, policiais e mulheres que enfrentam a dupla jornada de trabalho são especialmente suscetíveis à síndrome de burnout. Alguns estudantes concluintes do ensino médio e da graduação também podem sofrer com o problema, principalmente quando o nível de exigência familiar é muito alto, mas esta condição tende a se atenuar em pouco tempo. QUADRO CLÍNICO A síndrome de burnout (do verbo inglês “to burn out”, que significa “queimar por completo”) foi descrita nos anos 1970, pelo psicanalista alemão radicado em Nova York (EUA) Herbert Freudenberger, que inicialmente constatou o transtorno em si mesmo. A dedicação excessiva à atividade profissional é talvez a característica mais visível da síndrome, mas não a única. O desejo de ser o melhor em seu campo de atuação, de obter destaque a partir de um desempenho excepcional é outra etapa importante: o portador mede a auto-estima através da capacidade de realização no campo do trabalho. A priori, não há nada de errado em perseguir o sucesso profissional. Os problemas têm início quando este se torna o único objetivo de vida, colocando os demais em segundo planos. Estudos, amigos, família, lazer e desenvolvimento cultural se tornam apenas acessórios. Com isto, o que inicialmente era um prazer – o domínio pleno das atividades e o destaque em relação aos colegas (que podem inclusive levar a uma ascensão profissional extremamente rápida) – se transforma em dor. Ninguém consegue dominar plenamente todas as competências de uma carreira; em algum momento, haverá deficiências. Esta é uma das razões por que trabalhamos em equipe. Em segundo lugar, o portador de burnout pode começar a ter necessidade de ser reconhecido mesmo nas tarefas mais rotineiras. Surgem então características de obstinação, que podem se assemelhar a um transtorno obsessivo-compulsivo. O paciente realmente sofre com esta necessidade de superação, exige demais do corpo e da mente. EVOLUÇÃO Pode-se identificar um burnout como alguém que sempre se coloca à prova, mesmo que não existam condições de competição à sua volta. A necessidade de auto-afirmação permeia todas as suas atividades. É provável que haja deficiências orgânicas relacionadas ao quadro (por exemplo, anomalias na transmissão de neurotransmissores). O portador tem dificuldades de dividir as tarefas – e isto aumenta progressivamente. Para cumprir as suas tarefas, o paciente deixa de fazer o intervalo para o almoço. Em seguida, começa a negligenciar outras necessidades pessoais, sair com amigos, cuidar da aparência e até dormir passam a perder a importância e o sentido. Isto acende o “sinal amarelo” entre amigos e parentes. O paciente reage isolando- se e negando qualquer anomalia de conduta. Para não ser recriminado, afasta-se ao máximo do seu grupo e chega a inventar mais justificativas – um jovem recém-formado precisa completar os estudos; a mãe passa as noites acordada porque o bebê tem cólicas, dor de ouvido, etc. Apenas um sintoma não é suficiente para identificar a síndrome de burnout. Apenas os mais íntimos conseguem identificar que “algo está errado”. Um empregador pode chegar a ficar impressionado com a dedicação demonstrada pelo novo funcionário. A família se orgulha da dedicação e “sacrifício” com que a família aceita as obrigações da maternidade. Outros sinais são mudanças repentinas e evidentes de comportamento. O paciente deixa de aceitar brincadeiras comuns entre colegas, sem más intenções; progressivamente, passa a evitar os contatos pessoais e mesmo os telefonemas (sempre dá preferência ao envio de e-mails ou mensagens off-line). A despersonalização dá o tom destes contatos. O jovem recém-contratado de nosso exemplo não granjeia novos amigos (nem mesmo para o bate-papo durante o cafezinho). Os colegas menos próximos se afastam, imaginando apenas que o “ex-amigo” ficou chato. Apenas os mais íntimos podem manter as preocupações e os cuidados, mas nem todos encontram este apoio, já que todos estão empenhados em levar adiante seus sonhos e necessidades. Sem ajuda profissional, é difícil que o portador da síndrome consiga equacionar os seus problemas. Consegue perceber o vazio interior, a falta de objetivos além dos relacionados à vida profissional, mas não encontra formas de superação. O isolamento determina ainda mais dedicação ao trabalho. Sobrecarga e longas horas diárias no serviço determinam cansaço, indiferença e mais isolamento. Isto não ocorre de um dia para outro. É necessário um período mais ou menos prolongado (que varia de acordo com as características do indivíduo), mas finalmente instala-se a síndrome de burnout, que corresponde a um colapso físico e mental. Apesar de os transtornos mentais serem quase sempre subestimados, negligenciados ou negados, uma vez que este estágio seja atingido, a ajuda médica e psicológica se torna urgente. SINTOMAS A síndrome de burnout não se caracteriza apenas pela fadiga e isolamento. Não existem características específicas, o que leva a muitos diagnósticos errados, mas o paciente pode

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A sndrome de burnoutEm um mundo cada vez mais competitivo, o estresse cada vez mais presente e pode gerar a crise de burnout. porAmaury de Almeida Costa

Hoje em dia, so raras as pessoas que no esto submetidas ao estresse: preciso cumprir prazos, superar metas, destacar-se entre os colegas. Mesmo o trabalho domstico est sujeito a problemas: a refeio a terminar, o filho a buscar na escola, a faxina, o passeio com o co, etc. Em qualquer situao, a presso parece nos acompanhar.A sndrome de burnoutpode ser uma das conseqncias do ritmo em que vivemos. Tambm chamado sndrome do esgotamento nervoso, o problema se caracteriza por um estado de tenso emocional e estresse que se torna crnico, determinado por condies desgastantes de trabalho, onde h envolvimento interpessoal direto e intenso. No mdio prazo, surge um distrbio depressivo, com sintomas no nvel fsico, emocional e psicolgico. Profissionais de educao, sade, servio social, recursos humanos, alm de agentes prisionais, bombeiros, policiais e mulheres que enfrentam a dupla jornada de trabalho so especialmente suscetveis sndrome de burnout. Alguns estudantes concluintes do ensino mdio e da graduao tambm podem sofrer com o problema, principalmente quando o nvel de exigncia familiar muito alto, mas esta condio tende a se atenuar em pouco tempo.

QUADRO CLNICOA sndrome de burnout (do verbo ingls to burn out, que significa queimar por completo) foi descrita nos anos 1970, pelo psicanalista alemo radicado em Nova York (EUA) Herbert Freudenberger, que inicialmente constatou o transtorno em si mesmo. A dedicao excessiva atividade profissional talvez a caracterstica mais visvel da sndrome, mas no a nica. O desejo de ser o melhor em seu campo de atuao, de obter destaque a partir de um desempenho excepcional outra etapa importante: o portador mede a auto-estima atravs da capacidade de realizao no campo do trabalho. A priori, no h nada de errado em perseguir o sucesso profissional. Os problemas tm incio quando este se torna o nico objetivo de vida, colocando os demais em segundo planos. Estudos, amigos, famlia, lazer e desenvolvimento cultural se tornam apenas acessrios. Com isto, o que inicialmente era um prazer o domnio pleno das atividades e o destaque em relao aos colegas (que podem inclusive levar a uma ascenso profissional extremamente rpida) se transforma em dor. Ningum consegue dominar plenamente todas as competncias de uma carreira; em algum momento, haver deficincias. Esta uma das razes por que trabalhamos em equipe. Em segundo lugar, o portador de burnout pode comear a ter necessidade de ser reconhecido mesmo nas tarefas mais rotineiras. Surgem ento caractersticas de obstinao, que podem se assemelhar a um transtorno obsessivo-compulsivo. O paciente realmente sofre com esta necessidade de superao, exige demais do corpo e da mente.

EVOLUOPode-se identificar um burnout como algum que sempre se coloca prova, mesmo que no existam condies de competio sua volta. A necessidade de auto-afirmao permeia todas as suas atividades. provvel que haja deficincias orgnicas relacionadas ao quadro (por exemplo, anomalias na transmisso de neurotransmissores). O portador tem dificuldades de dividir as tarefas e isto aumenta progressivamente.Para cumprir as suas tarefas, o paciente deixa de fazer o intervalo para o almoo. Em seguida, comea a negligenciar outras necessidades pessoais, sair com amigos, cuidar da aparncia e at dormir passam a perder a importncia e o sentido. Isto acende o sinal amarelo entre amigos e parentes. O paciente reage isolando-se e negando qualquer anomalia de conduta. Para no ser recriminado, afasta-se ao mximo do seu grupo e chega a inventar mais justificativas um jovem recm-formado precisa completar os estudos; a me passa as noites acordada porque o beb tem clicas, dor de ouvido, etc. Apenas um sintoma no suficiente para identificar a sndrome de burnout. Apenas os mais ntimos conseguem identificar que algo est errado. Um empregador pode chegar a ficar impressionado com a dedicao demonstrada pelo novo funcionrio. A famlia se orgulha da dedicao e sacrifcio com que a famlia aceita as obrigaes da maternidade. Outros sinais so mudanas repentinas e evidentes de comportamento. O paciente deixa de aceitar brincadeiras comuns entre colegas, sem ms intenes; progressivamente, passa a evitar os contatos pessoais e mesmo os telefonemas (sempre d preferncia ao envio de e-mails ou mensagens off-line). A despersonalizao d o tom destes contatos. O jovem recm-contratado de nosso exemplo no granjeia novos amigos (nem mesmo para o bate-papo durante o cafezinho). Os colegas menos prximos se afastam, imaginando apenas que o ex-amigo ficou chato. Apenas os mais ntimos podem manter as preocupaes e os cuidados, mas nem todos encontram este apoio, j que todos esto empenhados em levar adiante seus sonhos e necessidades. Sem ajuda profissional, difcil que o portador da sndrome consiga equacionar os seus problemas. Consegue perceber o vazio interior, a falta de objetivos alm dos relacionados vida profissional, mas no encontra formas de superao. O isolamento determina ainda mais dedicao ao trabalho. Sobrecarga e longas horas dirias no servio determinam cansao, indiferena e mais isolamento.Isto no ocorre de um dia para outro. necessrio um perodo mais ou menos prolongado (que varia de acordo com as caractersticas do indivduo), mas finalmente instala-se a sndrome de burnout, que corresponde a um colapso fsico e mental. Apesar de os transtornos mentais serem quase sempre subestimados, negligenciados ou negados, uma vez que este estgio seja atingido, a ajuda mdica e psicolgica se torna urgente.

SINTOMASA sndrome de burnout no se caracteriza apenas pela fadiga e isolamento. No existem caractersticas especficas, o que leva a muitos diagnsticos errados, mas o paciente pode sofrer com dores de cabea, tonturas, tremores, problemas gastrointestinais (enjos, vmitos e diarrias), dificuldade para respirar, oscilaes repentinas de humor, insnia e dificuldade de concentrao. Em alguns pacientes, os sintomas fsicos so prevalentes; em outros, os emocionais so mais evidentes. Pesquisadores do Instituto Superior de Tecnologia de Zurique (Sua) j avaliaram mais de 130 sinais diferentes do esgotamento profissional. A maioria dos diagnsticos errados leva a um tratamento de depresso. Um sinal importante de que o paciente portador de burnout: o colapso ocorre, na maioria das vezes, depois de um perodo intenso de trabalho, sem intervalos adequados para descanso fsico e mental. A anlise do histrico pessoal e profissional contribui para efetivar o diagnstico correto.

TRATAMENTOA imensa maioria dos portadores da sndrome de burnout no dispensa o emprego de medicamentos para superar a fase aguda do transtorno. As drogas mais adotadas pelos mdicos no tratamento (que pode demandar um longo prazo) so os antidepressivos, que ajudam a ultrapassar a sensao de incapacidade e de inferioridade. A psicoterapia fundamental para que o paciente consiga entender suas reais motivaes e instrumentalizar-se para controlar a obstinao e recuperar a capacidade de relacionar normalmente. A metodologia mais empregada a terapia comportamental cognitiva (que apresenta resultados positivos rapidamente), mas o apoio psicoteraputico pode demandar um longo tempo.Alguns pacientes recorrem ao alcoolismo ou ao uso de drogas ilcitas para atenuar (ou mascarar) o somatrio de mal-estares que os acompanham diariamente. Nestes casos, estes distrbios tambm precisam ser tratados. A atividade fsica regular e exerccios de relaxamento e meditao ajudam a controlar os sintomas. O paciente precisa estabelecer uma nova rotina, bem mais adequada melhora da qualidade de vida: boa alimentao, controle das horas de sono, cultivo de hobbies e retorno progressivo vida social e ao convvio dos familiares.