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I A 18 de Agosto do ano 1797, em Hamburgo dois homens subiam a bordo de um navio que os devia levar para Lisboa, mas ficou ancorado devido ao mau tempo persistente na costa in- glesa, após o que eles continuaram em setem- bro a sua viagem por terra. Cruzaram a França, viajaram através da Espanha e, finalmente, en- traram por Elvas a 11 de Fevereiro de 1798, em solo português. Um deles, o conde Hoffmann- segg, tinha conhecido Portugal dois anos antes e pediu a Heinrich Friedrich Link, professor de botânica, para acompanhá-lo nesta viagem. A partir de Lisboa realizaram várias viagens pelos arredores. Em Maio 1798 foram ao norte atra- vés de Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainha e Gerês. Nestas montanhas tiveram a habili- dade de visitar uma aldeia que fez história, Vi- larinho das Furnas. Uma das raras aldeias geri- das em conjunto através das suas próprias leis e regras, quais restos antediluvianos jazem agora espalhados no fundo duma albufeira, e destes habitantes agora dispersos ainda preservam a memória desta visita. Eles passaram por Coim- bra, onde se encontraram com o professor de Botânica Felix de Avellar Brotero de quem Link fez amizade e retornaram em Agosto de 1798 para Lisboa, devido ao intenso calor. Na Prima- vera de 1799 atravessaram o Algarve e no Verão do mesmo ano a Serra de Montejunto. Para financiar as viagens, que deviam levá- -lo através da Europa, o conde Hoffmannsegg tinha vendido a sua herança, a quinta Ramme- nau, propriedade com jardins e um viveiro afi- liado perto de Dresden. Como Hoffmannsegg admite no prefácio do incomparável trabalho Portugaise Flore, publicado onze anos mais tarde, a seguinte frase de Linnaeus foi o incen- tivo para vir para Portugal: “Depois que os bo- tânicos percorreram todas as partes da Europa, só lhes falta Portugal, terra da mais rica diversi- dade, que merece ser chamada a Índia da Eu- ropa... Será que ninguém virá, que podesse dar para o mundo literário exactamente isso, uma obra dessa região? Meu Deus! Que interessante tipo de trabalho não seria, quem poderia ja- mais esquecer tal bouquet de flores.” Portugal está desde as três eras glaciais como esmagado, mas no meio plano como um prato raso na borda ocidental da Europa, atra- vessado por rios e ribeiras, e todos fluxam para o Oceano Atlântico. Esta paisagem frequente- mente dobrada e com diversificada camada, ex- posta ao sol intenso assim como às fortes chu- vas e tempestades, gera este retalho vegetal e arbóreo único na Europa. Hoffmannsegg e 1 A Rota do Eucalipto por Bernardo Markowsky Como esta árvore chegou a Portugal e mudou o país Se uma vez para ti, povo mal compreendido, chegar uma emocionante iluminação então, ela podia-te aparecer, sem o cadafalso de Pombal do despotismo e sem a francesa guilhotina da liberdade. Heinrich Friedrich Link, Notas sobre uma viagem por Portugal

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IA 18 de Agosto do ano 1797, em Hamburgo

dois homens subiam a bordo de um navio queos devia levar para Lisboa, mas ficou ancoradodevido ao mau tempo per sistente na costa in-glesa, após o que eles continuaram em setem-bro a sua viagem por terra. Cruzaram a França,viajaram através da Espanha e, finalmente, en-traram por Elvas a 11 de Fevereiro de 1798, emsolo português. Um deles, o conde Hoffmann-segg, tinha conhecido Portugal dois anos antese pediu a Heinrich Friedrich Link, professor debotânica, para acompanhá-lo nesta viagem. Apartir de Lisboa realizaram várias viagens pelosarredores. Em Maio 1798 foram ao norte atra-vés de Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainhae Gerês. Nestas montanhas tiveram a habili-dade de visitar uma aldeia que fez história, Vi-larinho das Furnas. Uma das raras aldeias geri-das em conjunto através das suas próprias leis eregras, quais restos antediluvianos jazem agoraespalhados no fundo duma albufeira, e desteshabitantes agora dispersos ainda preser vam amemória desta visita. Eles passaram por Coim-bra, onde se encontraram com o professor deBotânica Felix de Avellar Brotero de quem Linkfez amizade e retornaram em Agosto de 1798para Lisboa, devido ao intenso calor. Na Prima-

vera de 1799 atra vessaram o Algarve e no Verãodo mesmo ano a Serra de Montejunto.

Para financiar as viagens, que deviam levá- -lo através da Europa, o conde Hoffmannseggtinha vendido a sua herança, a quinta Ramme-nau, propriedade com jardins e um viveiro afi-liado perto de Dresden. Como Hoffmannseggadmite no prefácio do incomparável trabalhoPortugaise Flore, publicado onze anos maistarde, a seguinte frase de Linnaeus foi o incen-tivo para vir para Portugal: “Depois que os bo-tânicos percorreram todas as partes da Europa,só lhes falta Portugal, terra da mais rica diversi-dade, que merece ser chamada a Índia da Eu-ropa... Será que ninguém virá, que podesse darpara o mundo literário exactamente isso, umaobra dessa região? Meu Deus! Que interessantetipo de trabalho não seria, quem poderia ja-mais esquecer tal bouquet de flores.”

Portugal está desde as três eras glaciaiscomo esmagado, mas no meio plano como umprato raso na borda ocidental da Europa, atra-vessado por rios e ribeiras, e todos fluxam parao Oceano Atlântico. Esta paisagem frequente-mente dobrada e com diversificada camada, ex-posta ao sol intenso assim como às fortes chu-vas e tempestades, gera este retalho vegetal earbóreo único na Europa. Hoffmannsegg e

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A Rota do Eucaliptopor Bernardo Markowsky

Como esta árvore chegou a Portugal e mudou o país

Se uma vez para ti, povo mal compreendido, chegar uma emocionante

iluminação então, ela podia-te aparecer, sem o cadafalso de Pombal

do despotismo e sem a francesa guilhotina da liberdade.

Heinrich Friedrich Link, Notas sobre uma viagem por Portugal

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Link colheram em sua jornada 2069 das 3000plantas hoje conhecidas. O Conde realizou de-senhos que são de uma enorme nitidez, deta-lhada e fidelidade de cor simultaneamente comcomposição elegante, obras-primas de sua espé-cie. Ao mesmo tempo, ele era um homem sim-ples. O sacerdote sueco Cari Israel Rude queviveu entre 1798 e 1802 em Portugal, relatou oseguinte: “Um amigo meu mostrou -me numanoite de ópera com o comentário curioso: ’Queele é sábio, vê-se infalívelmente, mas que ele éum Conde, alguém tem de nos dizer uma vez.”

Link retornou à Alemanha em 1799, doisanos antes de seu companheiro de viagem, quecontinuou seus estudos, completou a coleção eescreveu um relatório de viagem que ele iniciada seguinte forma: “Nós estudamos a histórianatural, particularmente a botânica deste país,com uma atividade e um entusiasmo, de que sóos amantes desta arte encantadora podem for-mar uma idéia. Quando voltei, li todos os livrosde viagens de Portugal, que eu podia encontrar.

Descobri que entre todos esses viajantes ne-nhum tinha visto tanto deste país, como nós;encontrei também na maioria um grande des-conhecimento da linguagem, um monte de fal-sas notícias e tais mensagem, que cabem ape-nas aos habitantes da capital, mas que foramestendidas falsamente a todo o país. Encontreisomente queixas sobre os preguiçosos portu-gueses, intolerantes e vorazes. . . , eu vi com relu-tância que ninguém havia descrito os vales en-cantadores no Minho, onde a cultura estácompetindo com a inglêsa; que ninguém elo-giou a tolerância do povo comum (não falo doclero onde quer que eles estejam suportadospelo governo, serão sempre os mesmos), de quesabia muitos exemplos; que ninguém elogiou asegurança neste país, onde eu em caminhadasbotânicas em regiões desconhecidas me atireino caminho, e cansado do calor, muitas vezespodia adormecer despreocupado. Peguei na ca-neta para defender os meus portugues; eu que-ria o caracter dos habitantes, seu modo de vida,sua agricultura, que eu, por causa das minhasatividades, sabia exatamente figurar imparcial-mente, e imperceptivelmente se tornou umaapologia num relato de viagem“.

Os dois cientistas caminharam longas dis-tâncias a pé, como requeriam suas ocupações ecomo o relato da viagem de Link revela. Issoper miteu, naturalmente, não só chegar maisperto da natureza mas tambám ás pessoas dapaisagem através do qual viajaram.

“Na Espanha e em Portugal, os viajantes so-litários, muitas vezes têm um servo para acom-panhar, por vezes montado num burro, maisfrequentemente correndo ao lado dele. Eu seique tais servos fazem 11-12 quilômetros a pé, vique os calesseros (cocheiros) várias horas corre-ram ao lado das mulas quase sempre numtrote. É extraordinário, qual rigor o Espanhol eo Português pode suportar, como moderada-mente ele vive entretanto, o quanto ele suportao calor e frio. Não deve imaginar do europeudo sul um homem fraco e afeminado; ele é, tal-vez, mais empreendedor, mais durável do que oeuropeu do Norte e seria certamente capaz de oprovar se os seus governos quisessem.

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A bondade, a leveza, alegre e amigável danatureza destas pessoas comuns imediatamen -te atrai mais para a nação portuguesa que a es-panhola; e a gente não muda este julgamento,contanto que permanece entre as classes maisbaixas da população; só cabe um julgamentomesmo oposto, quando conhece as classes su-periores.”

Depois segue uma abservacão que pareceigualmente actual: “O negócio interno quenum país aproveita exlusivamente vida e vigor,faz falta quase completamente em Portugal...”

Link pinta vibrante as paisagens, a primeirae a segunda impressão, que deleitam-o interior-mente, as formações da terra, particularidadesgeológicas, a vegetação e o arvoredo geral. Maistempo ele leva para o quercus perene Quercusailex, descreve o seu uso multíplo para o carvão,das bolotas para a ceva dos porcos, bem comoassadas para o consumo humano. Ele as achamuito saborosas, acrescenta, no entanto, queelas dariam apenas “um alimento para os po-bres”. Ele se pergunta, porque a árvore queconstitui a “riqueza da região”, não está culti-vada, mas sua proliferação deixada inteiramen -te há natureza. “A variedade de arbustos é incrí-velmente grande, sua beleza ultrapassa de longea maioria das nossas plantas do Norte; tambémsão perenes, e especialmente no inverno no to -po.” Ele descreve o carvalho rasteiro, Quercushumilis. Lam, o sobreiro, Quercus suber, o car-valho kermes, Quercus coccifera, que cresceprincipalmente em solo seco e pedregoso, e en-contrava-se de repente em frente de buchas dezimbro. Ele descreve várias espécies de pinhei -ro, incluindo o pinheiro manso, Pinus pinea,com seus saborosos e valiosos pinhões, o red-bud comum, Cercis siliquastrum, a tamareiraorgulhosa, Phoenix dactylifera, vários ciprestes,olivais, plantações de laranja, limão e amen-doeiras, olmos, choupos, a marcante erectadaAgave americana, o figo indiano Cactus opun-tia, os caules f lorescidos de aloé, em portuguêschamado piteira, a romanzeira, mais avaliadapor as suas belas f lores do que por seus frutos,o medronheiro, Arbutus unedo, que crescendoem comunidade, com troncos tortuosos e ga-

lhos espalhados cria uma floresta peculiarmen -te grotesca em forma dos contos de fadas; afaia, Myrica faya, louro e tinus, Viburnumtinus, o bordo, o quercus de sul, Quercus aus-tralis, a bonita alfarroba , Ceratonia siliqua,amoreiras, o castanheiro, Castanea sativa, e“mesmo carvalhos alemães”, como ele escreve,Quercus robur, não uma espécie endêmica daAlemanha, chamada pelos britânicos, carvalhoinglês. Ele gosta do cipreste português, que de-rivado à sua natureza aberta, expressiva e con-vidativa, ele equaciona ao cipreste libanês.

“Eu não digo nada dum número de plantasde bolbos bonitas, e outras belas, muitas vezesmuito raras, algumas vezes plantas completa-mente desconhecidas. Breve, aparecem e desa-parecem as plantas, uma por uma, como numdrama, dando deliciosa diversão, até em lugaresmais elevados o lódano estabelece um limitepara elas e faz um deserto monótono.”

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O eucalipto era desconhecido para ele, nun -ca o encontrara.

Hoje, mais de um quarto da floresta Portu-guês é derivada ao eucalipto, e quase só dumaespécie, o Eucalyptus globulus.

Conde Hoffmannsegg regressou com suacolecção, seus desenhos e uma miríade de im-pressões poucas processadas em agosto de 1800em Hamburgo, jogou-se com o mesmo entu-siasmo, que o conduziu em sua viagem, no tra-balho, compilar e editar a sua obra planeadacom Link, estabeleceu o seu próprio estúdioem Berlim, com a técnica mais elaborada doseu tempo, conquistou o pintor de porcelanaGottfried Wilhelm Voelcker como colaboradore esteve várias vezes à beira da falência.

IIEm 28 de Setembro 1791, em meio ao tu-

multo da eclosão da violência da RevoluçãoFrancesa, que seu idealismo, no entanto, aindaera fiel, saiu o historiador naturalista Jacques-Julien de Houtou Labillardiere a bordo da fra-gata Recherche sob o capitão Bruny d’Entrecas-teaux no porto de Brest. Labillardiere é cidadãodestes ideais. A Assembleia Nacional Francesadecidiu enviar os navios Recherche e Esperançapara uma expedição de busca dos navios perdi-dos de Jean François de La Pérouse e, portanto,tinha enviado no caminho provavelmente a pri-meira expedição global de resgate humanitáriana história cujas expedições foram na Françaseguidas apaixonadamente. La Perouse foi oprimeiro explorador que se recusou a atribuiros territórios descobertos automaticamente aoseu país e, portanto, inevitavelmente tornar-senum conquistador e seu desaparecimento foium evento que uniu a nação. Ele se deslocou,seguindo James Cook, para Austrália, onde en-tretanto os ingleses fundaram Sydney. Em Feve-reiro de 1788, enviou uma mensagem para casacom a próxima rota planejada: além Tonga,Nova Caledônia e Ilhas Salomão, deveria irpara Nova Guiné. Mas La Pérouse nunca lá che-gou. Tripulação e navios desapareceram semdeixar rasto.

Desde o início, houve tensões violentasentre os oficiais da expedição de resgate, na suamaioria, monarquistas inflexíveis e a tripula-ção, ardentes republicanos. Labillardiere, con -he cido por ser excitável nos conflitos não es-quiva caráter, forçou os oficiais a reconhecer ocalendário republicano. Hoje sabemos que a ex-pedição de La Perouse se despedaçou perto deVanikoro nas Ilhas Salomão. Apesar de d’Entre-casteaux ter navegado muito perto de Vanikoro,não conseguiu esclarecer o destino de La Pé-rouse e mesmo que ele próprio morreu na via-gem, a sua expedição fez uma série de impor-tantes descobertas geográficas. Além disso, suaexpedição foi de grande importância na histó-ria da geofísica pela primeira medição da forçado ímã global, que comprovou que as linhas defluxo são igualmente fortes, partindo do equa-dor para o norte e sul.

Em busca de água potável, a expedição de-sembarcou em uma baía tranquila na costa daTasmânia, hoje conhecida como Recherche Bay.Foi aqui, onde a cansada tripulação encontrou

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não somente a água cristalina e algumas dasmaiores árvores, mas também onde entraramnum até então para os europeus desconhecidoparaíso. D’Entrecasteaux estava entusiasmadoperante as árvores altas, peixes em abundância,bandos de papagaios, cisnes, patos, pelicanos,águias, perdizes e corvos, que operavam os seusjogos no ar, enquanto girou o espeto sobre ofogo. Ambos Labillardiere como Claude Riche eEtienne Pierre Ventenat, assistido pelo jardi-neiro Félix Delahaye realizaram incursões exten-sas para coletar e identificar plantas. Emboraeles passa ssem mais de um mês durante a suaprimeira visita a Recherche Bay, a expedição nãoconheceu os aborígenes da Tasmânia – o povoPalawa –, embora a sua presença fosse evidente. A equipa descobriu uma pequena cabana, sacosde água, algas secas e complicados cestos, tran-çados de tiras de casca. D’Entrecasteaux con-cluiu pela inexistência de armas que eles viviamem paz. A busca por La Pérouse foi continuadaao longo da costa leste da Austrália, passandoas ilhas da Indonésia e ao longo da costa oesteda Austrália, onde d’Entrecasteaux se viu for-çado pela falta de água, a retornar ao RechercheBay. Ele ancorou ali pela segunda vez em 20 de

Janeiro de 1793 para uma escala intermédia demais cinco semanas. No segundo dia da suapermanência, em Paris, no outro lado da terra,o rei Luís XVI foi decapitado. Segundo a tradi-ção, ele perguntou, antes de subir os degrauspara o cadafalso, se havia notícias de La Lapé-rouse. Na Tasmânia, a expedição contactou fi-nalmente os Palawis, que tinham ganhado con-fiança pelo aparecimento por duas vezes dosnavios. Labillardiere procurou um manejo ami-gável com os nativos, descreveou seus hábitos eestudou a língua deles. Sua empatia foi tãoforte quanto a sua personagem nítida. O encon-tro desses dois povos, não apenas geografica-mente opostas, ocorreu em harmonia impertur-bada.

Um dia, quando os navios já estavam prepa-rados para partir, o seu amigo, Riche Claude,perdeu-se por uns dias sozinho no sudoeste daAustrália. A expedição estava a ponto de deixá-lo ficar. Labillardiere tirou os diários de JamesCook e mostrou quanto tempo Cook estavadisposto a esperar pelosos homens que se acha-vam perdidos. Felizmente para Riche isto en-vergonhou a tripulação. Eles esperaram até queele chegasse.

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É uma energia e concentração desses botâ-nicos que parece incomum. Mas não só os cien-tistas e artistas sucumbiram ao fascínio do des-conhecido. Capitão d’Entrecasteaux anotou emseu diário de bordo:

“. . . Árvores de uma imensa altura e comum diâmetro correspondente cujos troncossem nós são cobertos com folhagem perene, ealguns dos quais parecem tão antigas como omundo.”

“Intimamente entrelaçadas umas nas outrasnuma floresta quase impenetrável, serviram aosoutros que as desmoronaram com a idade e fer-tilizaram o solo com as suas ruínas, comoapoio.”

“Natureza em toda a sua força, e no en-tanto num estado de decadência, parece ofere-cer algo mais pitoresco e mais imponente àimaginação, como a vista deste mesmo género,adornado pela mão do homem civilizado.”

“Em desejo só para manter sua beleza, des-truirmos o seu encanto, roubamos à naturezaaquela força, que é apenas a sua, o segredo depreservar em idade eterna a juventude eterna.”

Palavras, permeadas pela luz de Rembrandt.Labillardiere voltou da expedição d’Entre-

casteaux à França revolucionária no auge doterror. Seus amigos tinham desaparecido oupassaram por a navalha do terror ou suicídio.Sua coleção de 5.000 plantas, incluindo 100novas espécies, desenhos e diários, haviam sidoapreen didas pelos holandeses como espólio evendidas na Inglaterra sob a supervisão de SirJoseph Banks – foi recuperada com dificulda-des. Era apreciada pela Rainha Carlota. O seuretorno foi complicado.

Apesar de não ser um favorito da revolução,Labillardiere era pelo menos confiável. Napo-leão, agora Bonaparte, vai depois da sua vitóriagangrenosa sobre os rebeldes em Vendée, sa-quear Itália. Ele precisa de alguém para levartodo o seu dinheiro para a França onde foi en-viado como comissário. Seu senso artístico esua perícia encontram uso bárbaro: da Biblio-teca Ambrosiana de Milão tinha transportadomanuscritos de Leonardo da Vinci, Galileu ePetrarca; pinturas de artistas como Michelan-

gelo, Correggio, Rubens, Rafael, Giorgione. Bi-bliotecas inteiras.. e, claro, coleções botânicas ecientíficas de todos os tipos. A inocência alegredas descobertas tem suas meias-vidas. Masainda assim, e acima de tudo ele era naturalistae promoveu a publicação da obra da sua vida.As contribuições mais valiosas da expediçãonesta área foram feito por Labillardiere. SuaRelation du voyage à la recherche de La Pérouse– uma das obras clássicas da literatura de via-gem francesa, publicada pelo impressor e li-vreiro H.-J. Jansen, não foi apenas acompa-nhada de um atlas, gravuras impressionantescom base de esboços de cenas de Jean Piron,mas também de imagens de plantas do grandePierre-Joseph Redouté e pinturas de aves porJean-Baptiste Audebert. A Relation de Labillar-diere foi aprovada um sucesso internacional.Houve várias edições francesas e em 1817, oatlas foi reimpresso. Quatro edições em inglêssurgiram logo em sucessão 1800-1802, e as edi-ções alemãs foram publicados em Hamburgo(1801) e Viena (1804). Através de sua autoriasobre a »Relation du voyage à la recherche« deLa Pérouse ajudou Labillardiere a estabelecer ocontinente sul no imaginário europeu. Labillar-diere deverá igualmente desenvolver, o que foiem termos práticos a primeira obra publicadaFlora Australiana: o magnífico dois-volumesedição Novae Hollandiae plantarum specimen(1804-06) com 265 gravuras. Labillardiere tema honra, de dar nome aos emblemas florais daTasmânia, (Eucalyptus globulus) e Victoria(Epacris impressa) tanto como o Anigozanthos,gênero que pertence ao emblema floral da Aus-trália Ocidental. Mas ele pouco poderia ter pre-visto o triunfo global de Eucalyptus globulus.

A árvore da febre. O nome “árvore da febre”vem da utilização da espécie Eucalyptus globu-lus para drenar os pântanos habitados pelaslarvas de Anopheles. Muitas zonas húmidas nonorte da Austrália e do Mediterrâneo foram re-florestados com eucalipto, que pelo seu cresci-mento rápido tem uma alta demanda de água,e assim de drenagem. Isso privou o mosquitoanopheles, combatido como um transportadorda malária, da base de vida.

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Em Coimbra no ano de 1866 começa oplan tio de 35.000 eucaliptos como uma medidadefensiva contra a erosão do solo ao longo dasmargens do rio Mondego e na Mata do Chou-pal, uma floresta de álamos. Vai demorar até1870 que os plantios de eucalipto cultivadosfossem estabelecidas em Portugal. A margemdo Mondego é regularmente inundada e a re-gião pantanosa cada vez maior como já obser-vou Link. Como uma primeira medida foramplantados choupos e salgueiros de rápido cres-cimento, que serão substituídos no final do seuciclo de vida natural pelo já tão familiar euca-lipto.

Em 1880, em Abrantes, no centro de Portu-gal, 600 hectares de eucaliptos serão plantadosna Nova Austrália. É estabelecido o até entãomaior plantio de eucaliptos na Europa.

IIIJaime de Magalhães Lima, um homem

jovem de 28 anos de boas famílias com a facul-dade de direito concluída e boas perspectivasdeixou em 1888 Aveiro, sua cidade natal e arri-bou em viagens. Alto, esbelto, barbudo e depassos energéticos, ele era uma figura impo-nente, que irradiou algo sério nórdico.

Heinrich Friedrich Link escreveu sobre a ci-dade: “Aveiro é situado numa área rasa muitopantanosa na foz do Vouga. Não há nenhumacidade em Portugal, que tenha um planície tãorespeitável e pântanos assim grandes, comoAveiro. Por isso, o lugar também é muito insa-lubre, e você vai estar ciente disso pelos rostospálidos dos moradores. Há geralmente febresfrias, e são, como em todos os países quentes,mais perigosas do que nos mais frios; tambémnão são raras doenças de podridão.”

Ao jovem atormentado do sedentarismo,trajando uma crise de fé, nesta situação nada émais promissor da salvação, do que uma via-gem. Jaime atravessou Espanha, França, Suíçae Alemanha. Do seu livro Cidades e Paizagens,publicado um ano depois, podemos seguir osrastros de seu confronto mental e moral com arealidade encontrada fora, da Europa. Seu

pon to de vista tem algo etnográfico sem qual-quer atitude. Ele tem educação europeia, masvem da borda ocidental, ele vê estranho. A ani-mada Paris, agitada e adornada com suas car-ruagens, empurradores dos carrinhos de mão,cafés, artistas e prostitutas, em todo o seumundano e profano fedorento esplendor des-perta os seus sentidos e acelera o passo enér-gico.

Não tem o dom de se perder no meio damultidão. Ele mantem uma visão geral, e emvez disso ele desenvolveu um sentido para asdimensões do tempo. Em Berlim repele, o re-pugnante despotismo Wilhelmino que reluta oseu orgulho masculino mediterrâneo. “Não seique haja país que possua mais profundamenteo fetichismo do dever. Um acto pratica-se por-que é obrigação pratical-o e no cumprimentodas obrigações não há o hesitar – tal é o pri-meiro e mais assombroso resultado educativoque a severidade alemã alcançou para aquellepovo.” Assim Jaime escreve no prefácio, que elechama “advertência” e se lê de certa formacomo uma profecia subtil.

“Em Paris deixamos uma feira; todas as ci-dades mais ou menos o são, porque isso é dasua essência, dentro de termos entre os quaisoscilam. O ponto da escala em que se encon-tram determina o seu caracter. Ora, supondoque esses últimos termos são o estado-maior dapolitica e a feira, quem vier de Paris a Berlim,caíu de um no outro extremo. À vozeria da rua,à confusão dos pregões e ao labutar dos merca-dores sucede o aprumo dos continuos e um ca-minhar pausado e surdo sobre tapetes, cortadode breves notas estridentes, ao sacudir das es-poras. Berlim é a antecamara d’um imperador;muita farda e um grande silêncio, sempre ar-mada e sempre calada, perpetuamente preocu-pada da força e da autoridade. Sobre a cidadepesa um braço de ferro, a multidão abdicounas mãos de uma vontade; só ela a move. Agraça e a elegância, a vivacidade e o riso forambanidos; o povo vai taciturno e lento. . . A Ale-manha, que Berlim nos mostra, afigura-se-meum elefante, a inteligencia e a força em umcorpo informe. Toda a sua alma cristalisou

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nesta aspiração – ser forte, invencivel. . . Podeviver-se assim? É esta a última palavra da civili-zação ou simplesmente uma glória efêmera,saída da coincidência das aptidões d’um povocom as necessidades do momento histórico? Arevolução franceza, iniciando-nos no conheci-mento dos direitos individuais, simultanea-mente deu aos estados constituições que con-duzem à fraqueza e impotência politica; aAlemanha mostrou-nos novas vias conduzindoao pólo oposto.”

Da Suécia, ele viajou para a Rússia, onde seencontrou com o há muito tempo reverenciadoescritor e reformador social, Leo Tolstoi. Ele ovisitou em Yasnaya Polyana, a propriedaderural, para onde o autor de Guerra e Paz setinha retirado, para dedicar-se inteiramente aosseus projetos de reforma e recuperação.

Numa longa conversa Tolstoi desenvolveusuas idéias de um cristianismo reformado quese devia abrir aos sofrimentos sociais do povo,falou sobre o papel dos “santos seculares”como uma nova élite intelectual com responsa-bilidade social, que se movia em toda a Europae especialmente na França. Ele declarou-se anti-nacionalista, enquanto Jaime argumentou. Aexistência de estados-nação não se opunha àfraternidade humanitária, mas seria benéfico.A utopia radical de Tolstoi de comunidadesafastadas do estado leva ao niilismo. O desen-volvimento social das comunidades aumentaatravés de toda a experiência e sua complexi -dade, que demanda necessariamente estruturasda sociedade permeáveis e coesivas. O que osseparava, e Jaime ainda mais tarde, quando elese coognou aluno de Tolstoy e diferiu do seusuposto professor, foi o consistentemente espí-rito crítico de Tolstoi, que tirou do seu tempo,das suas instituições e hábitos todas as mistifi-cações eufemísticas e fez o pelo superfícietransparente. Neste espírito, ele chegou a umarigorosa versatilidade e ousadia, que lembra osantigos clássicos da utopía do socialismo, emSaint-Simon, Fourier e Owen. Eis um exemplonotável, que tem mais a ver com o nosso tema,do que é visível à primeira vista: “Sr. Zola dizque o trabalho torna as pessoas boas, eu sem-

pre observei o contrário: o trabalho em si, oorgulho da formiga sobre o seu trabalho nãosó faz a formiga, mas também as pessoas cruéis... Mas mesmo que a diligência não é um víciodeclarado, em nenhum caso pode ser uma vir-tude. O trabalho não pode ser nem umavirtude como a alimentação de si mesmo. Otrabalho é uma necessidade, que, quando nãofor satisfeita, significa uma doença e não umavirtude. O levantamento do trabalho como vir-tude é tão errado como a elevação daalimentação do homen para uma dignidade evirtude. O trabalho podia ganhar o significadoque lhe é atribuído na nossa sociedade, só ape-nas como uma reação contra o ócio, que tersido levantado para a característica da nobrezae que ainda detém como um recurso da digni-dade em classes ricas e menos instruídos... Otrabalho não é apenas nenhuma virtude, mas éem nossa sociedade erradamente gerida para amaior parte um meio matadora dasensibilidade moral.”

No entanto Jaime procurou através demeios políticos ganhar influência e estava maisinteressado em desenvolvimentos compatíveiscom as estruturas estabelecidas. Tolstoi, radi-calmente crítico, não acreditava na revolução.Jaime, moralmente educado, não acreditava nareforma social. Ele era um conservador comum espírito pioneiro, automoralico, e orto-doxo.

Na viagem de regresso, ele visitou a Argéliae o sul de Espanha. Seu livro de viagem dignosde serem lido mostram um viajantes atento edisposto a aprender, o interesse e o grande pa-drão duma cultura.

Depois do regeresso, ele casou-se determi-nado e prosseguiu com a mesma determinação,para marchar nas instituições, que em Portugal,muitas vezes se assemelham a um passeio notrem fantasma. Ele era o representante do par-tido monárquico, assessor dos tribunais deViana do Castelo e Aveiro, o líder do Partido Li-beral da Regeneração em Aveiro, governadorcivil de distrito, presidente da Câmara deAveiro, provedor de Justiça da Santa Casa daMisericórdia, e sua vida política terminou em

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1908 com a queda do regime de Franco, que eletinha apoiado. Profundamente decepcionadoretirou-se para sua propriedade em Eixo, qua-tro quilômetros em redor de Aveiro, a que cha-mou, São Francisco de Assis. Ele escreveu e pu-blicou continuamente, e permaneceu umescritor prolífico. Um de seus amigos disse aseu respeito que ele falava como água corrente.Ele seguiu a sua utopia muito pessoal e conti-nuou na quinta o seu cultivo intenso de árvo-res exóticas, usando a sua potência como umremédio para as montanhas desmatadas de seupaís acreditando desde a época de sua jornadacomo um homem jovem. A Quinta de S. Fran-cisco tornou-se famosa com os suas mais de oi-tenta variedades de eucalipto e os nove diferen-tes espécies de acácia, incluindo a mimosa,Acacia dealbata Link*, que é hoje em Portugal(e Espanha) uma praga se espalhando rapida-mente e quase indelével. Em 1920, publica seulivro “Eucaliptos e Acácias”, em que ele compar-tilhou suas observações e experiências com aforte ênfase no aspecto econômico.

Concebeu uma brochura elaborada, publi-cada em 2007 e intitulada “Os Eucaliptos e asAves da Quinta de São Francisco” que mostrana sua capa uma foto dum pica-pau em grandetamanho, agarrando-se a uma casca de árvoremuito enrugada, – provavelmente uma sequóia.Seguem fotografías das acácias velhas na luz damanhã e em seguida, um eucaliptal recente –que subitamente desvanece a atmosfera român-tica. É simples mente impossível de encobrir atriste realidade de tais plantações, nenhum fil-tro, nenhuma luz pode ajudar. Esta brochurafoi publicado pela Portucel, a maior produtorade papel em Portugal, responsável pelas mono-culturas de eucalipto, que representam agoramais de um quarto do povoamento florestalportuguês, o que significa o maior estoquemundial de eucalipto em relação à área terres-tre dum país. É isso agora um acaso efémeropara falar com Jaime, ou a combinação dumadisposição pessoal com uma oportunidade his-tórica que esta quinta com o nome do santo,qual, tanto como Jaime adorou os pássaros.Este lugar de contemplação caiu nas mãos de

um grupo de celulose de eucalipto, para servi----lo como uma folha verde da figueira?

IVEm plantios de eucalipto não vivem aves,

não encontram comida e se cruzam uma talplantação, preferem voar ao longo das estradas.As folhas secas caídas, tiras de casca e ramospartidos não apodrecem devido ao seus teoresde alcalóides tóxicos e vapores de óleos essen-ciais, elas são apenas decompostas por fungos.Um estudo da Universidade Eduardo Mon-dlane, liderado pelo Dr. Michael F. Schneiderdiz: “Um estudo qualitativo no plantio de euca-lipto de Zitundo, distrito de Matutuíne, pro-víncia de Maputo, Moçambique, mostrou gran-des quantidades de folhas descobertas no soloda plantação. A diversidade de plantas no sub-bosque é baixo. O 0-horizonte é apenas com-posto de folhas inteiras, sem sinais de decom-posição e é inexistente uma camada de húmus.O material seco acumulado contribui para umamaior probabilidade de incêndios florestais. Osefeitos negativos dos incêndios estão em abun-dância nas palmas das mãos , as bases dostroncos são severamente danificadas e grandespartes da casca e câmbio destruídas. A madeiraexposta está rachada e a mostrar sinais de in-fecção pelo fungo Ophiostoma minus.”

Quem entrou uma vez num eucaliptal emPortugal sabe disto. O solo é duro e seco, enla-meado quando chove, cheio de folhas secas e éinexistente uma camada de húmus. Longas fai-xas de casca dependuradas em farrapos nostroncos, casca essa que rompe regularmente de-vido à sua capacidade de armazenar água emgrandes quantidades por causa do crescimentorápido da árvore. Plantios de matéria prima decelulose não fornecem habitat a qualquer espé-cie europeia, caíem a cada 10-12 anos, sob ocorte raso, e, em seguida são erguidas inteira-mente a partir do zero. Isso não é um ciclo devida, que implica a criação duma comunidadecom outras espécies, morte e renascimento,mas constantemente repetida circulação de ma-terial, que conectado com tremendas despesas

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técnicas e energétias, que se devora a ela emfrente como amoebas. “O eucalipto é inimigode todas as outras formas de vida” disse o Dr.Thomas E. Lovejoy, diretor de programas deconservação do WWF. E o agricultor portuguêsAntero Gonçalves resume suas experiências pes-soais com o plantio de eucalipto em seu livro,publicado em1987 com o significativo título“Eucalipto ou Homem”: “Não vale a pena repe-tir o que o eucalipto é: ele é contra os outrosseres, é contra a terra, é contra a água, contratudo e todos. É difícil entender como a popula-ção rural que aceita calmamente e pacífica-mente e deixa seus melhores solos aráveis aodespojo de glóbolo infernal que ameaça trans-formá-las num deserto.”

Demorou dois anos, até que a revolta dapopulação rural rompeu, mas então violenta-mente. Num artigo da revista “Expresso”, de 24de Março de 1989 lê-se: “Como fogos do pinodo Verão, alastram pelo interior do país os pro-testos de populações ameaçadas pelo avanço doeucalipto. Tocam sinos a rebate, nas aldeias, emulheres, sobretudo, e velhos também pegamem foices, enchadas e até vassouras – contra co-ronhadas e bastonadas da GNR a cavalo –, parairem arrancar, com raiva, as árvores recém-plantadas que lhes consomem a terra.”

Todo norte de Portugal estava no turbilhão,de Valpaços na ponta norte a Foz de Côa, terrade amendoeiras e do melhor azeite, a leste,

perto da fronteira espanhola. Os plantios deeucalipto foram legalizados. Atraídos por subsí-dios da UE que equivaliam a � 500 euros porhectare para o derrube das vinhas, pomares,olivais e bosques de sobreiro. Beneficiaram par-ticularmente médicos, políticos, diplomatas eimigrantes das terras anteriormente adquiridasmais baratas. Eles deixaram-as arrancar, recebe-ram os subsídios e venderam-as em seguidacom lucro à Portucel. É surpreendente que umvelho conhecido, José Manuel Durão Barroso,Presidente da Comissão Europeia, neste alturao ministro do Interior, estivesse envolvido? UmSr. Fernando Mota, gerente da empresa Empro-sil, com base no Alentejo sul, especializado emsilvicultura, alegou que queria apenas trazer“ aeles (os agricultores) alguma riqueza em vez dasua pobreza feliz” e acusou os adversários deplantios de eucalipto, que estes estavam vindode fora, tinham interesses meramente políticose nada a ver com a silvicultura. Trata-se dumesquema que tem sido aplicado em toda a CEE,para pôr fim à agricultura tradicional, local-mente baseada, industrializar em poucos cen-tros, com o efeito colateral que a propriedade eriqueza foram localmente redistribuídos. Mas arevolta das mulheres rurais em 1989, teve su-cesso. Ambientalistas e verdes trouxeram suasalegações ao parlamento e, pelo menos, no fér-til norte o grande cultivo de eucalipto foi inter-rompido.

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A propagação de eucalipoem Portugal

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Recordamos a observação de Heinrich Frie-drich Link, de 1789, de que o azeite portuguêsé melhor e mais saboroso do que o espanhol.Isso ainda hoje é verdade. Mas nunca houve umesforço sério, a implementar esta vantagem dequalidade no mercado europeu, por consequên-cia as oliveiras portugueses foram julgadascomo não rentáveis e poderiam ser liberadaspara o abate. Hoje, como qualidade e saboresestão na demanda, será que finalmente chegoua hora de fazer esforços nesse sentido?

É concebível um maior contraste culturalentre a produção de plantios de eucalipto e aplantação das oliverais, onde até a primeira co-lheita deve esperar geralmente sete anos? Asazeitonas maduras podem ser batidas parabaixo com longas varas, como Link viu, mas eutambém vi como elas foram pacientemente ti-radas individualmente, árvore por árvore. Nodestrito de Tavira está em pé uma oliveira, quetem resistido por mais de dois mil anos. Elapossui uma copa de 8 metros e seu troncomede 3,60 m de diâmetro. São preciso cincopessoas para abraçá-la. Entretanto, uma aldeiacresceu em torno dela. Esta árvore já deu azei-tonas antes do nascimento de Cristo e teve1.200 anos de idade, quando Portugal foi fun-dado; ela sobreviveu ao terramoto de 1755, qualepicentro foi nesta zona, e até hoje ela dá fruto.

Vale ressaltar neste contexto, Jaime Maga-lhães Lima que em seu diário de viagem vee-mentemente manifestou o seu desagrado poroliveiras, devido a seus caules curtos e folhaspequenas.

A história da flagrante bulimia industrialem imensas e como inexoravelmente crescendasáreas naturais começou nas colónias portugue-sas de Angola e Moçambique nos anos cin-quenta.

VPortugal, o primeiro império colonial da

história, abriu o caminho para a colonizaçãodas suas colônias com eucalipto, destinado ausos industriais e comerciais em 1949/50, emseguida a prometidos plantios experimentais

sob a responsabilidade da Companhia de Cami-nho- de -Ferro de Benguela. Em grande escala,especialmente o de rápido crescimento euca-lipto saligana (grandis) foi plantadao em terrasaltas e o eucalipto camaldulensis em zonas hú-midas. Eles foram utilizados para abasteci-mento das suas locomotivas a vapor, postes te-legráficos e linhas de caminho-de-ferro. Atéessa altura, as locomotivas eram abastecidas apartir de madeiras da flora local. O sucessoimediato destas plantações iniciais, deu azo aque essa empresa nunca mais parasse de asfazer, estendendo-se pelas províncias doHuambo, Bié e Moxico, nas faixas que lhe ha-viam sido concedidas, cerca de 1,150 km aolongo de toda a linha férrea até à cidade deCubal, na fronteira com a República do Congo,com uma área total de cerca de 40.000 ha.

No início dos anos cinquenta também co-meçou a polpa empresa Companhia de Celu-lose do Ultramar Português as suas primeirasplantações de eucalipto saligana (grandis) naárea florestal do Alto Catumbela na provínciade Benguela, o lugar onde em 1958/59 foiconstruída a fábrica, juntamente com os bair-ros associados. Na fábrica de celulose do AltoCatumbela trabalhavam cerca de 300 trabalha-dores e funcionários. O Serviço Florestal em-pregou até 1.000 pessoas, 90 por cento dosquais africanos, que foram recrutados nas al-deias vizinhas para o trabalho sazonal. A cadaum foi dado um cobertor e sua ração diáriaque consistia numa tigela de fuba (papa demilho), sal e uma lata de mandioca. Eram su-pervisionados por cipaios brancos. Essa foi aaplicação das orientações político-ideológicosdo país mãe. “Eles têm de ser liderados peloseuropeus, mas como ajudantes são indispensá-veis. Os negros são considerados como forçasprodutivas, usados numa economia lideradapelo branco.” Ensinou em 1952 o sucessor pos-terior de Salazar, Marcelo Caetano a seus estu-dantes em Coimbra. Uma “lei nativa” classifi-cou todos os africanos que não sabiam falarportuguês, como sub-humanos: eles não ti-nham direitos civis, não podiam entrar em de-terminados bairros depois de escurecer, e ti-

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nham que fazer trabalhos forçados. Esta men-talidade de dono colonial revela seu duplo sig-nificado, se souber que Angola era usada assimcomo Cabo Verde e Guiné-Bissau como umlugar de exílio para os criminosos de todos ostipos, os chamados “degredados”. Tentativas deatrair cidadãos inocentes a emigrar para An-gola para estimular a agricultura e fabricação,bem como para gerir melhor a colônia, falha-ram por causa da sua má reputação. Da mesmaforma, fracassará as repetidas tentativas paradeter “degredados”, que já tinham ocupado asposições sociais mais importantes no exército,polícia e comércio, especialmente no de escra-vos. Este comércio de escravos era maisatraente para eles do que o trabalho agrícola, apecuária ou qualquer outro tipo de trabalhoprodutivo. O trabalho forçado de nativos só foiabolido em Angola em 1961, após a sangrentarepressão das revoltas nas plantações de café,onde 50 mil pessoas foram mortas.

O tempo de rotação entre a plantação e des-matamento de eucalipto foi inicialmente deonze anos, diminuiu gradualmente em quatro,

que reduziu os custos e aumentou drástica-mente a produção. Em Moçambique, a áreatotal de eucalipto (E. saligna) em 1975, estavaprestes de 10.000 ha, a maior parte dela naBacia do Limpopo, uma outra área importantefoi Chimoio. No final da campanha florestalem 1974/75, o plantio de CCUP tinha-se expan-dido em Angola para 100 mil hectares, pelo quenaquele tempo foi proprietária do maior cul-tivo de eucalipto do mundo. Esta área foi con-siderada necessária para abastecer uma nova fá-brica planejada no Alto Catumbela. Aassinatura do contrato da construção desta fá-brica de celulose, foi agendada para ser seladaem Lisboa para a tarde de 25 de Abril de 1974,mas no entanto, este dia já tinha um outrocompromisso histórico.

VIA colonização do país mãe com eucalipto

começou largamente despercebida a meadosdos anos sessenta. Em 1964, a Socel - Socie-dade Industrial de Celulose, começou em Setú-bal, com a produção de celulose branqueada deeucalipto, usando um procedimento que tinhasido desenvolvido no Alto Catumbela, Angola ejá aplicado desde 1958. Para comparação, de1927, a área plantada com eucalipto (incluindoacácias) aumentou de 8.000 hectares para150.000 hectares em 1962. Depois disso, a colo-nização de eucalipto aumentou extraordinaria-mente a partir dos anos setenta em diante, al-cançou na década de oitenta mais de 250.000ha, e 450.000 hectares em 1990, para atingir647.000 ha em 2005. Após os protestos violen-tos dos anos 1987-89, o governo português lan-çou uma lei, que regula o plantio de eucalipto.Nas planícies ideológicas da auto-aclamação dosite da Soporcel lê-se desta maneira: “Desde1988, regido por legislação rigorosa, as planta-ções de eucalipto para uso industrial são atual-mente suportadas pela gestão da floresta sus-tentável, que proporciona a proteção doambiente e valores culturais.”

Anteriormente, o pinheiro foi das principaismatérias-primas para a indústria de papel, na

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Trabalhador angolano na década dos anos sessenta

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sua forma nativa de pinheiro bravo e de pi-nheiro europeu, Pinus sylvestris.

O ramo dum eucalipto com suas folhas temforma, linhas, movimento. A fruta é tão enig-mática como uma máscara, e como ela, de forteodor, seu tronco forte, de pé, alto, ele puxa oponto de vista para cima, com as sempre de-penduradas lancetas das folhas caindo nova-mente para baixo. Individualmente é atraente,tolerável em grupo, repulsivo em massa. Emseus plantios se sente indesejado e move-secomo em território inimigo. Eu sempre gosteide pinheiros, eles formam comunidades,mesmo em grande quantidade, mas quandoqueimados parecem horriveis, porque eles car-regam vida enquanto estão vivos, e o ventocanta em seus topos de uma maneira fina e pe-culiar.

Paralelamente à disseminação massiva eacelerada de pinus e eucalipto para as últimasquatro décadas, deflagram os incêndios flores-tais de forma incontrolável.

O pinheiro com a resina chama o fogo, suassementes espalham-se em incêndios como pro-jéteis, emquanto seus troncos explodem. Os eu-caliptos contêm óleos essenciais inflamáveis, folhas secas e restos de casca incorruptíveisjazem em seus pés. Um incêndio que emergemovendo-se num pedaço dum prado seco rela-tivamente devagar atinge uma plantação de eu-calipto e aí dispara imediatamente para cima ebate em longas línguas de fogo subindo pico apico, enquanto as labaredas queimam crepitan-tes muito tempo em pós-combustão.

O ataque renovado no solo português co-meçou nesta primavera com o anúncio dogrupo Portucel em querer construir uma novafábrica. Isso foi em 15 de Maio de 2012. Aomesmo tempo, uma garantia para a produçãode matéria-prima foi solicitada, embalado naoferta de criar postos de emprego. Lê-se assim:“15.000 postos de trabalho dependem de40.000 ha de eucalipto” (i-online). Outros mo-tivos: a companhia possuía três fábricas nopaís, importa, no entanto, mais da metade damatéria-prima necessária com uma qualidadeabaixo da média nacional e, ao dobro do preço.

A fim de fornecer por si mesma, a empresaatualmente precisava de mais de cerca de 40mil hectares de eucalipto. Para fornecer umanova fábrica teria de ser feito ainda mais. Nestecaso, o governo provavelmente removia algu-mas restrições devido à proteção ambiental.

A isca no gancho. Nenhuma palavra emcomo surgiram esses números estranhos. Acompanhia emprega atualmente 2.300 pessoas.Nos jornais nenhum plano de gestão atual foiconfirmado pela gerêcia. Mas estes aprenderamde fontes bem informadas... Foram regadoscom dezenas de comentários de leitores irrita-dos. O mais forte foi: “Tinha Portugal uma le-gislação equilibrada, a plantação de eucaliptoseria punida com pena de prisão, devido aosmaus efeitos que ele tem. Bem, há aqueles quecolocam todos anos fogo em plantações de eu-calipto.”

Foi o que aconteceu em uma rápida suces-são. Primeiro, foi uma ideia que parecia ab-surda. O governo cogita, disseram, de entregara gestão da floresta nacional ao grupo privadoPortucel. Choveram protestos, apelos de todosos lados, foram coletadas assinaturas de pro-testo. Mas sem parar, sem hesitação, sem ouviros votos de advertência dos ambientalistas ecassandras ao longo dos anos suspensas e, istoseguiu em frente. Em 20 de Julho, pontual paraa abertura da época de incêndios, anunciou A.Cristas, há um ano nomeada Ministra da Agri-cultura, das Pescas, do Planeamento Regional...e Proteção Ambiental, de que foram fornecidosmeios pelos fundos da UE para a “ajuda dopós-fogo”. Que é há ordem de cerca de 100 mi-lhões de euros. Para o plano de acção pós-fogo faz parte a arborização. Ela confirmou namesma declaração que as leis de conservaçãovão ser “liberalizadas”. Podemos contar com apossibilidade de que uma parte dos 100 mileuros serem gastos para a plantação do euca-lipto “liberalizado”. Onde há uma vontade: jáem 20 de Setembro apresentou a ministra anova projetada lei, disfarçada como uma sim-plificação, de facto a desregulamentação dagestão florestal, na Assembleia da República.Ela queria uma lei enxuta, que servirá como

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um “esboço” e não políticamente reguladora. Desde 1987, era proibido plantar nas áreas

queimadas outras espécies do que aquelas queexistiam previamente aí. Esta regulação, urgen-temente necessária, após anos da plantação for-çada de eucalipto pelo ataques de fogos repeti-dos em áreas que não foram eucaliptizadas, jáfoi removida. Esta desregulamentação dispu-nha não apenas um preço por crimes, é umconvite ao crime. Os pequenos proprietáriosflorestais com terrenos de menos de 4 hectares,dos quais há milhares, devem contar com sub-sídios para obter o plantio de “espécies de cres-cimento rápido”.

Áreas agrícolas ou espaços usáveis tambémnão são mais protegidos. Este é o cenário dapropagação de despovoamento da área ruralonde nada cresce com o eucalipto. Não é difícilentender de onde vem essa idéia criminosa. Umgoverno que em tempos de crise não tem um

plano de longo prazo para recuperar o país eco-nomicamente, jogou-se nas promessas de lu-cros elevados de curto prazo. A celulose tem es-paço para crescimento. Para as consequênciasdo uso nem os governantes atuais, nem os diri-gentes no fundo vão pagar. Guiados por pre-conceitos ideológicos, cegos contra os limitesdo mercado, bem como aos recursos naturais esociais, leva-os obrigações de interesses econó-micos mais poderosos – ou de desespero econó-mico. A dureza, intolerância e obstinação, comque isso e muito mais será executado no sota-vento da crise, tem um corte stalinista, assimcomo o núcleo da ideologia neo-liberal assentanum reverso liso da ideologia stalinista e naaplicação e implementação revela a sua origemmedíocre. E assim criam os protagonistas deeucalipto do que eles mesmo surgiram: mono-culturas.