A Revolução dos Trabalhadores - Anton Pannekoek

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    dos

    Trabalhadores

    Anton Pannekoek

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    A Revoluodos Trabalhadores

    Anton Pannekoek

    Editora Barba Ruivahttp://ruivabarba.googlepages.com/home

    [email protected] no Brasil 2007

    Outros livros desta Editora: Memrias Pstumas de Brs Cubas, Machado de Assis O Abolicionismo, Joaquim Nabuco O Anticristo, Friedrich Nietzsche 1984, George Orwell Investigao Acerca do Entendimento Humano, David Hume

    Copyleft: todos os direitos liberados.

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    NDICE

    Apresentao 04

    Prefcio: Pannekoek, Terico dos Conselhos Operrios 05

    O Trabalho 11

    A Lei e a Propriedade 18

    A Organizao no Local de Trabalho 23

    A Organizao Social 28

    Objees 33

    Dificuldades 38

    Crescimento 54

    Sindicalismo 59

    Ao Direta 63

    Ocupao de Fbrica 69

    A Revoluo Russa 75

    A Revoluo dos Trabalhadores 82

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    Apresentao

    O presente livro uma parte da grande obra de Anton Pannekoek, Os ConselhosOperrios, publicada originalmente em 1947. Trata-se do livro 01, A Tarefa, divididoem oito captulos; e do livro 02,A Luta, dividido em seis captulos. Optamos pelo ttulogeral A Revoluo dos Trabalhadores visando no confundir com a obra em suatotalidade, que contm 6 livros, subdivididos em diversos captulos. Estes doisprimeiros livros da obra de Pannekoek so os dois mais importantes e por isso sopublicados agora isoladamente. Eles tambm j foram publicados isoladamente comolivros, em Portugal, sendo que um foi intituladoA Luta Operria e o outroA Tarefa dosConselhos Operrios.

    Anton Pannekoek um intelectual holands, astrnomo renomado mundialmenteno incio do sculo 20, que aderiu ao movimento socialista neste mesmo perodo. Fezparte da ala radical da social-democracia, ao lado de nomes como Herman Gorter, RosaLuxemburgo, entre outros. Passou do radicalismo para o esquerdismo com a ciso dasocial-democracia e, posteriormente, passou a integrar a corrente anti-bolchevistadenominada comunismo de conselhos. Assim, fez parte do amplo movimentorevolucionrio dos conselhos operrios na Alemanha e das correntes crticas tanto doreformismo social-democrata quanto do bolchevismo (comunismo de partido) e doregime russo, caracterizado como um capitalismo de estado. Aps a derrota dosmovimentos revolucionrios dos conselhos operrios, Pannekoek passa a desenvolveratividades tericas, longe do calor da luta. A sua obra Os Conselhos Operrios faz partedesta fase, no qual os adeptos do comunismo de conselhos desenvolviam teses epublicaes, esperando uma nova onda revolucionria, que, esporadicamente, explodiuaqui ou ali e sempre fazendo renascer os conselhos operrios.

    A presente conta tambm com um prefcio de Nildo Viana, que , na verdade, umpequeno artigo para divulgao da obra de Pannekoek, publicado originalmente naRevista Eletrnica Espao Acadmico. Este artigo coloca, em linhas gerais, odesenvolvimento do pensamento de Pannekoek, o que fundamental para entender ostextos aqui publicados.

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    Pannekoek:

    Terico dos Conselhos Operrios

    A histria do marxismo, no perodo posterior a Marx e Engels, foi obscurecida,por um lado, pela historiografia oficial, e, por outro, pelo marxismo oficial. Esteltimo reduz a histria do marxismo histria da social-democracia e do bolchevismo.No entanto, tanto a social-democracia quanto o bolchevismo nada tem a ver com omovimento operrio (Rosenberg, 1986). Este motivo pelo qual vrios tericos quedesenvolveram a teoria marxista foram marginalizados e esquecidos na histria domarxismo, tal como o caso de Anton Pannekoek.

    Anton Pannekoek foi um dos principais representantes do comunismo conselhista.Ele nasceu 1873 na Holanda e morreu em 1960. Escreveu obras fundamentais para omovimento comunista revolucionrio, tais como: Os Conselhos Operrios; Lnin,Filsofo;Revoluo Mundial e Ttica Comunista; e uma diversidade de artigos e outras

    obras.Segundo Paul Mattick, outro terico conselhista,

    Como outros socialistas holandeses notaram, Pannekoeksaiu da classe mdia, e como ele prprio uma vez acentuou, oseu interesse pelo socialismo provinha de uma tendnciacientfica bastante poderosa, para envolver a um tempo asociedade e a natureza. Para ele, o marxismo era a cinciaaplicada aos problemas sociais e a humanizao da cincia eraum aspeto da humanizao da sociedade. Sabia conciliar o seugosto pelas cincias sociais com a sua paixo pelas cincias danatureza; ele torna-se no s um dos tericos dirigentes do

    movimento operrio radical, mas tambm um astrnomo e ummatemtico de reputao mundial (Mattick, 1976, p. 6).

    Pannekoek publicou tambm vrias obras que tratam de temas considerados dascincias naturais, tal como Histria da Astronomia; Marxismo e Darwinismo; e

    Antropognese Estudo sobre a Origem do Homem (h traduo para o esperanto

    desta obra: Pannekoek, 1978), entre outras.Pannekoek foi um militante revolucionrio desde sua juventude. Segundo

    Mattick, ainda jovem estudante em cincias naturais, e especializando-se emastronomia, Pannekoek entrou no Partido Operrio Social-Democrata da Holanda esituou-se imediatamente na sua ala esquerda ao lado de Hermann Gorter e Frank van derGoes (Mattick, 1976, p. 10-11). Neste partido, fundado por Domela Nieuwenhuis, de

    origem anarco-sindicalista, Pannekoek e Gorter fundaram um jornal que representava asposies de sua esquerda e logo a degenerao reformista fez com que eles rompessemcom ele e fundassem o Partido Social Democrata. Este tambm seria abandonado tologo passasse a ser seguidor da linha bolchevique. Neste perodo, Pannekoek assumiuuma posio antimilitarista (era a poca da primeira guerra mundial), rejeitou oparlamentarismo como meio de transformao social e se ops expulso dosanarquistas da II Internacional.

    A exploso da primeira guerra mundial e o apoio da social-democracia serviu paraunir os vrios grupos oposicionistas. Na Alemanha, Rosa Luxemburgo e Karl Liebneckt

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    e outros militantes, formaram a Liga Spartacus, que, futuramente junto com oscomunistas internacionalistas (Rhle e outros) formariam o Partido ComunistaAlemo; Na Holanda, os oposicionistas guerra imperialista se aglutinaram em torno dePannekoek, Gorter, Roland-Host.

    Ocorre, nesse perodo, a Revoluo Russa. Rosa Luxemburgo e os comunistasholandeses demonstraram no oferecer apoio incondicional, como a maioria na poca

    fez. Sem dvida, os militantes de esquerda possuem uma necessidade inconsciente de seagarrar a experincias e movimentos em outros pases para se sentirem do lado dodesenvolvimento histrico, o que demonstra a insegurana psquica de muitosrevolucionrios, que assim apelam para o modelo sovitico, cubano ou guevarista, ouqualquer outro. Rosa Luxemburgo escreveu textos de crtica ao bolchevismo e revoluo russa, demonstrando receio em relao ao autoritarismo bolchevique. Todoseles (Rosa Luxemburgo, Pannekoek, etc.), ofereceram apoio crtico, colocando j asdiscordncias em relao a um processo que ainda no estava claro para pessoas deoutros pases.

    A experincia sovitica e alem influenciou Pannekoek. Ele era um marxistadeclarado. Ele concordava com os princpios bsicos do marxismo, sendo que o modode produo era considerado por ele como elemento fundamental para a explicao da

    sociedade. o modo de produo da vida material que fornece a determinaofundamental do conjunto das demais relaes sociais. Assim, ele observava o quepassava na esfera da produo e sua relao com o movimento poltico geral dasociedade. A luta de classes torna-se o motor da histria, como em Marx, e a lutaoperria se manifesta como o embrio do comunismo e por isso que toda sua obra serdedicada a analisar a forma de emancipao dos trabalhadores e a experincia histricae concreta da luta operria lhe inspirar na sua constituio de sua teoria dos conselhosoperrios.

    A experincia russa dos sovietes (conselhos operrios), que tambm ocorreu naAlemanha, foi fundamental para Pannekoek assumir sua posio conselhista. SegundoMattick,

    Pannekoek reconheceu neste movimento dos conselhos oprincpio de um novo movimento operrio revolucionrio, e aomesmo tempo o incio de uma reorganizao socialista dasociedade. Este movimento no podia nascer e manter-se senoopondo-se s formas tradicionais. Estes princpios atraram aparte mais militante do proletariado em revolta, para grandedesgosto de Lnin que no concebia um movimento escapandoao controle do Partido ou do Estado e que procurava castrar ossovietes da Rssia. No podia tolerar um movimento comunistainternacional fora do controle absoluto do seu prprio partido.Primeiro recorrendo a intrigas, e depois em 1920 abertamente,os bolcheviques esforaram-se por combater as tendncias

    antiparlamentares e anti-sindicais do movimento comunista, sobo pretexto de que era preciso no perder o contato com asmassas que aderiam s antigas organizaes. O livro de Lnin,O Esquerdismo, A Doena Infantil do Comunismo, erasobretudo dirigido contra Gorter e Pannekoek, porta-vozes domovimento dos conselhos comunistas. O Congresso deHeidelberg em 1919 dividiu o partido comunista alemo numaminoria leninista e numa maioria que aderiu aos princpios do

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    antiparlamentarismo e do anti-sindicalismo sobre os quais opartido tinha sido fundado inicialmente. Nova controvrsia se

    junta primeira: ditadura do partido ou ditadura de classe? Oscomunistas no leninistas adotaram o nome de Partido OperrioComunista da Alemanha (KAPD). Uma organizao similar foimais tarde fundada na Holanda. Os comunistas de partido se

    opuseram posteriormente aos comunistas de conselhos ePannekoek colocou-se ao lado dos segundos (Mattick, 1976, p.16-17).

    Assim nasce a mais importante e desenvolvida corrente do marxismo mundial: ocomunismo conselhista. A partir deste momento, vai se firmando cada vez mais estacorrente e sua posio diante do bolchevismo vai se clarificando. Korsch j colocara,anteriormente, o princpio fundamental para a anlise da histria do marxismo: aaplicao do materialismo histrico ao prprio materialismo histrico (Korsch, 1977). Eprocedendo desta forma, ele concebeu trs fases na histria do marxismo, sendo que altima corresponderia retomada do seu carter revolucionrio acompanhando aemergncia das lutas revolucionrias do proletariado no incio do sculo 20, sendoexpresso por tericos como Rosa Luxemburgo, Hermann Gorter, Anton Pannekoek,Otto Rhle, entre outros. Esta corrente deveria, necessariamente, entrar em confrontotanto com a ala reformista social-democrata quanto com a ala bolchevista, o que ocorreuembrionariamente j desde os confrontos de Rosa Luxemburgo contra a social-democracia (Bernstein e Kautsky) e Lnin, e se solidificou com os desdobramentos daRevoluo Russa e das demais tentativas de revoluo proletria na Europa.

    O comunismo de conselhos via nos conselhos operrios (Sovietes, na Rssia)como a forma de auto-organizao revolucionria do proletariado, tal como se pode verembrionariamente na Comuna de Paris e posteriormente em 1905, na primeiraRevoluo Russa, bem como nas diversas tentativas de revoluo proletria na Europa,sem falar na Revoluo Russa de 1917. Os conselhos operrios tambm seriam asinstituies de autogesto social na reorganizao comunista da sociedade. Neste

    contexto, se desenvolvia a crtica aos partidos polticos e sindicatos. Otto Rhle, porexemplo, seria o mais ferrenho crtico dos partidos polticos, no a determinadospartidos, mas aos partidos em geral, tal como se v em seu artigo A Revoluo no Tarefa de Partido.

    Os sindicatos tambm sofreram vrias crticas dos tericos conselhistas. Ao invsde organizaes que representariam os interesses do proletariado, os sindicatosrepresentavam, na verdade, os interesses da classe dominante. Segundo Pannekoek, Ascondies existentes nos sindicatos atuais os transformaram, mais que nunca, em rgosde dominao do capitalismo monopolista sobre a classe operria (Pannekoek, 1977, p.102).

    Pannekoek tambm era um crtico da social-democracia reformista e doparlamentarismo. Para ele, o parlamento um freio para o desenvolvimento da

    conscincia de classe do proletariado e a democracia burguesa uma forma deescravizar e no de libertar a classe proletria (Pannekoek, 1978).Depois do confronto na III Internacional, os tericos conselhistas (Pannekoek,

    Rhle, Wagner, Gorter, etc.) vo cada vez mais aprofundando sua crtica aobolchevismo e ao regime ditatorial russo. A Rssia passa a ser caracterizado como umcapitalismo de estado. Segundo Pannekoek,

    A consolidao do capitalismo de estado na Rssia foi a razodeterminante do carter que tomou o Partido Comunista. Enquanto que nasua propaganda no exterior, continuava falando de comunismo e de

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    revoluo mundial, criticava o capitalismo e chamava os trabalhadores a seunirem na sua luta pela libertao, escondia o fato de que na Rssia ostrabalhadores no eram mais que uma classe submetida a uma ditaduraopressiva e implacvel, privada de liberdade de expresso, de imprensa eassociao, muito mais duramente submetida que as classes operrias dospases ocidentais (Pannekoek, 1977, p. 129).

    A posio de Pannekoek e dos comunistas de conselhos se torna antibolchevista.O bolchevismo passa a ser visto como um movimento contra-revolucionrio que atuadentro do movimento operrio. Tal como colocou Mattick,

    enquanto a luta de Lnin contra a ultra-esquerda era o primeirosintoma das tendncias contra-revolucionrias do bolchevismo, o combate dePannekoek e Gorter contra a corrupo leninista do novo movimento operriofoi o comeo de um antibolchevismo dum ponto de vista proletrio(Mattick, 1976, p. 18-19).

    O capitalismo estatal russo transformou o marxismo em ideologia da burocraciasovitica. Em Lnin, Filsofo, Pannekoek buscava analisar a filosofia leninista edemonstrou que o seu materialismo, oposto ao idealismo de Mach e Avenarius, expostoem Materialismo e Empiriocriticismo, revela mais um fundamento do carter

    semiburgus do bolchevismo, pois ele criticava estes autores com base no materialismoburgus, aqum do materialismo histrico.Segundo Pannekoek,

    O materialismo burgus identifica a matria fsica com a realidadeobjetiva; portanto, deve-se considerar tudo o mais, tambm o espiritual, comum atributo, uma propriedade desta matria. Logo, no estranho queencontremos as mesmas idias em Lnin (Pannekoek, 1973, p. 13).

    Esta concepo de matria, contrria a posio do materialismo histrico, umaretomada do materialismo burgus, que fornece um fundamento filosfico de carterburgus ao bolchevismo. E este o motivo do ataque de Lnin a Joseph Dietzgen,defendido por Pannekoek. O curioso que Dietzgen foi considerado por Engels comoum dos fundadores da dialtica materialista (Engels, s/d; Engels, 1990) e, no entanto, foi

    criticado e abandonado pelos social-democratas e bolchevistas (de Kautsky e Plekhanovat Lnin e os leninistas), apesar de se inspirarem mais em Engels do que em Marx paracriar sua ideologia do materialismo dialtico (Viana, 1997). Mas o que se tem, nestecaso, neste uso do materialismo burgus sob a mscara de materialismo histrico, acriao de uma ideologia de uma nova classe social, a burocracia, ou, segundoPannekoek, a intelligentsia:

    Esta ideologia leninista, que hoje professam os partidos comunistas eque, em princpio, se adequa ideologia tradicional do velho partido social-democrata, j no expressa nenhum dos objetivos do proletariado. SegundoHarper [Pannekoek NV], muito mais a expresso natural dos objetivos deuma nova classe: a intelligentsia (Korsch, 1973, p. 157).

    A Revoluo Russa era vista como uma contra-revoluo burocrtica que sucedia

    a revoluo operria dos sovietes. O bolchevismo, do ponto de vista de Pannekoek,utilizava mtodos que no tem nada a ver com um marxismo revolucionrio, nem coma prxis da luta de classes da Europa ocidental, e que inclusive se encontrava emcontradio com ambos (Brendel, 1978, p. 9).

    A segunda guerra mundial e a ascenso do nazi-fascismo marcaram a crise domovimento operrio e, por conseguinte, do comunismo conselhista. Este sobreviveriamarginalmente na sociedade capitalista, tanto atravs de publicaes e coletivos quereivindicavam o comunismo de conselhos quanto atravs de sua influncia nas mais

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    variadas correntes polticas que buscavam apresentar uma alternativa social-democracia e ao bolchevismo. A hegemonia bolchevista nas organizaes burocrticasque dizem representar o movimento operrio relegou o conselhismo ao esquecimento

    junto a militantes e operrios, e somente recordado como uma doena infantil,chamada esquerdismo (Lnin, 1989). Porm, sempre que h emergncia domovimento operrio, ocorre o ressurgimento do comunismo de conselhos, tal como na

    rebelio estudantil de maio de 68, no qual a idia de autogesto fez ressurgir o interessepela obra dos comunistas conselhistas, inclusive em um dos participantes deste processoque retomava a teoria conselhista do capitalismo de estado para explicar a posio dopartido comunista francs (Cohn-Bendit e Cohn-Bendit, 1969).

    Em 1947, Pannekoek escreveu sua grande obra Os Conselhos Operrios, ondeexpressou a afirmao terica da experincia proletria do caminho para a autogestosocial. Depois disso, devido ao refluxo do movimento operrio na Europa Ocidental,Pannekoek continuaria sua militncia basicamente atravs da teoria, escrevendo epublicando textos, at seu falecimento em 1960. Dentre os tericos revolucionrios,Pannekoek foi o que mais se dedicou ao que ele denominava novo movimentooperrio fundado nos conselhos operrios. Ele pode ser considerado o maior tericodos conselhos operrios e, ao contrrio do que alguns crticos de esquerda do

    conselhismo afirmam, sua viso destas formas de auto-organizao do proletariado noera fixa e acrtica. Os conselhos operrios podiam ser corrompidos, tal como ocorreu narevoluo bolchevique e durante a vigncia do reformismo. Segundo Pannekoek, osconselhos operrios

    no designa uma forma de organizao fixa, elaborada de uma vezpor todas, a qual s faltaria aperfeioar os detalhes; trata-se de um princpio,o princpio da autogesto operria das empresas e da produo. A realizaodeste princpio no passa, absolutamente, por uma discusso terica referenteaos seus melhores modos de execuo. uma questo de luta prtica contra oaparato de dominao capitalista. Em nossos dias, por conselhos operriosno se entende a associao fraternal que tem um fim em si mesma;conselhos operrios quer dizer luta de classes (na qual a fraternidade tem seulugar), ao revolucionria contra o poder do Estado (apud. Bricianer, 1975,

    p. 310).

    Nildo Viana

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    O Trabalho

    Atualmente e no perodo que se est a iniciar, no momento em que a Europa

    devastada e a humanidade empobrecida pela guerra mundial, aos trabalhadores detodo o mundo que cumpre organizar a indstria, para se libertarem da misria e daexplorao. A sua tarefa empreender a organizao da produo dos bens. Pararealizarem esta obra imensa e difcil, necessrio que conheam plenamente o carterdo trabalho. Quanto melhor for o conhecimento que possurem da sociedade e, dentrodesta sociedade, do lugar que a devem ocupar, menos dificuldades, decepes, efracassos encontraro no combate a travar.

    Na base da sociedade encontra-se a produo de todos os bens necessrios vida.A maior parte desta produo faz-se recorrendo a tcnicas muito elaboradas, em grandesfbricas, utilizando mquinas complicadas. Este desenvolvimento das tcnicas, que fezpassar da pequena ferramenta, manejada por um nico homem, s enormes mquinas,postas a funcionar por vastas coletividades de operrios, com qualificaes diferentes,

    operou-se no decurso dos sculos precedentes. Embora ainda sejam utilizadas pequenasferramentas, como acessrios, e embora existam ainda numerosas pequenas oficinas, jno ocupam praticamente qualquer lugar no conjunto da produo.

    Cada fbrica uma organizao minuciosamente adaptada aos seus fins, umaorganizao de foras, tanto inertes como vivas, de instrumentos, de operrios. Asformas e o carter desta organizao so determinados pelos objetivos que devemservir. Quais so estes objetivos?

    Nos nossos dias, a produo dominada pelo capital. O capitalista que possui odinheiro funda a fbrica, compra as mquinas e as matrias-primas, contrata operrios efaz-los produzir mercadorias, que podem ser vendidas. Isto significa que ele compra afora de trabalho dos operrios, fora essa que ir ser despendida no trabalhoquotidiano, e paga-lhe o valor desta fora, o salrio, com o qual podem obter aquilo deque necessitam para viver e para restaurar permanentemente a sua fora de trabalho. Oexcedente conservado pelo capitalista quando o produto vendido, o mais-valor,constitui o lucro que, na medida em que no consumido, acumulado, transformando-se assim em novo capital. A fora de trabalho da classe operria pode ser comparada auma mina: pela explorao, rende mais do que o que custou. Da a expresso:explorao do trabalho pelo capital. O prprio capital produto do trabalho: , na suatotalidade, mais-valor acumulado.

    O capital o senhor da produo. Possui a fbrica, as mquinas, os bensproduzidos, os operrios trabalham sob as suas ordens, os seus objetivos dominam otrabalho e determinam o carter da organizao. O objetivo do capital obter lucro. Ocapitalista no motivado pelo desejo de fornecer aos seus concidados os produtos

    necessrios vida; levado pela necessidade de ganhar dinheiro. Se possui uma fbricade sapatos, o que o move no a piedade pelos que podero sofrer dos ps, simplesmente o fato de saber que a sua empresa tem de obter lucro e que abrir falnciase esses lucros forem insuficientes. A maneira normal de obter lucros evidentementeproduzir mercadorias que possam ser vendidas por bom preo, e geralmente s podemser vendidas se forem bens de consumo necessrios e prticos para quem os compra.Para obter lucros, o negociante de sapatos tem, portanto de produzir bons sapatos,melhores e menos caros que os dos concorrentes. A produo capitalista consegueassim, em perodo normal, atingir aquilo que deve ser o objetivo de toda a produo:

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    fornecer humanidade aquilo de que necessita para viver. Mas toda a gente sabe que,para o capitalista, pode ser mais rentvel produzir, para os ricos, objetos de luxosuprfluos, ou, para os pobres, mercadorias ordinrias, que pode ser mais vantajosovender a sua fbrica a um concorrente, que a pode encerrar se tal lhe aprouver.

    Estes so exemplos freqentes, e mostram claramente que o objetivo primordialda produo atual continua a ser o lucro.

    Este objetivo determina o carter da organizao do trabalho na fbrica. Comeapor impor a autoridade de um senhor absoluto. Se o prprio proprietrio quem dirige,tem de ter o cuidado de no perder o seu capital, bem pelo contrrio tem de o aumentar.O trabalho dominado pelo seu interesse: os operrios so a sua mo-de-obra e devemobedecer. Assim so determinados o seu papel e a sua funo no trabalho. Se osoperrios se queixarem do nmero demasiado elevado de horas ou do trabalhoesgotante, responde-lhes insistindo no seu prprio trabalho e nas preocupaes que oobrigam a manter-se acordado pela noite dentro, quando eles j regressaram a casa e stm que se preocupar consigo prprios. S se esquece de dizer, e de resto ele mesmomal o compreende, que todo este trabalho, muitas vezes to penoso, todos estesaborrecimentos que lhe tiram o sono s servem o lucro e no a prpria produo. Todoo seu trabalho consiste finalmente em procurar como vender as mercadorias, como

    ultrapassar os concorrentes, como conseguir que um mximo de mais-valor entre nosseus cofres. No um trabalho produtivo, e os esforos que despende para lutar contraos concorrentes so inteis para a sociedade. Mas ele o patro, e so os seus objetivosque regem a empresa.

    Se este patro da fbrica um diretor contratado, sabe que foi colocado nesseposto com o fim de obter lucros para os acionistas. Se no o conseguir, despedido esubstitudo por outro. Naturalmente que, se quiser dirigir o trabalho de produo, tem deser um especialista experiente, ao corrente das tcnicas utilizadas no seu ramo deatividade. Mas, alm disso, ou melhor, antes de mais, tem de ser um perito na arte derealizar lucros. Tem de comear por obter e dominar as tcnicas de aumento de lucrolquido, por descobrir como produzir ao menor custo, como vender o melhor possvel,como vencer os rivais. Qualquer diretor sabe isto. isto que comanda a marcha dosnegcios. tambm isto que determina a organizao na prpria fbrica.

    A organizao da produo na fbrica segue, portanto duas vias: a da organizaotcnica e a da organizao comercial. O rpido desenvolvimento das tcnicas no sculopassado, que se baseou em progressos cientficos notveis, provocou melhoramentosdos mtodos de trabalho nestes campos. Ter sua disposio uma tcnica superior amelhor arma para a concorrncia: permite obter um maior lucro custa dosconcorrentes que ficarem para trs. Porque o desenvolvimento tcnico aumenta aprodutividade do trabalho, diminui o preo dos bens teis e de consumo, torna-os maisabundantes e mais variados; aumenta assim as possibilidades de atingir um certo bem-estar e, baixando o custo de vida, - ou seja, o valor da fora de trabalho - permite elevarconsideravelmente o lucro do capital. Este alto nvel de desenvolvimento tcnico atraiu

    s fbricas um nmero cada vez maior de especialistas: engenheiros, qumicos, fsicos,cientistas competentes formados nas universidades e nos laboratrios, indispensveispara dominar as operaes tcnicas complexas e melhor-las constantemente atravs denovas descobertas cientficas. Sob a direo destes especialistas trabalham tcnicos eoperrios qualificados. A organizao tcnica acarreta assim uma colaborao estreitaentre diferentes camadas de trabalhadores: um pequeno nmero de especialistas comformao universitria, um maior nmero de profissionais qualificados e de operriosespecializados, e uma grande massa de operrios no qualificados, que efetuam tarefas

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    manuais. So necessrios os esforos combinados de todos para fazer mover asmquinas e para produzir as mercadorias.

    A organizao comercial deve assegurar a venda da produo. Estuda osmercados e os preos; ocupa-se da publicidade; forma agentes que iro incrementar asvendas. Utiliza o management dito cientfico para fazer baixar os custos de produo,repartindo o melhor possvel os homens e o material; inventa estimulantes para iniciar

    os operrios a esforos mais elevados e mais intensos. Transforma a publicidade numaespcie de cincia, ensinada mesmo nas universidades. Para os capitalistas, aorganizao comercial e as suas tcnicas no so menos importantes do que as tcnicasde produo; so a arma principal na luta entre capitalistas. Se nos colocarmos do pontode vista de uma sociedade que deve assegurar a produo de bens necessrios vida,veremos que isto um desperdcio de talentos sem nenhuma utilidade. Diretores eoperrios vivem integrados num meio social; partilham as mentalidades das respectivasclasses. Seja qual for o lugar onde se efetue, o trabalho assume o mesmo cartercapitalista. essa a sua caracterstica essencial, a sua natureza profunda, apesar dasdiferenas superficiais constitudas pelas condies, melhores ou piores, em que exercido.

    A prpria natureza do trabalho, no regime capitalista, constituir uma extorso.

    Os trabalhadores tm de ser levados, ou pela fora, ou pela arte melflua da persuaso adar o mximo das suas foras. O prprio capital est sujeito a um constrangimentosemelhante. Se no for competitivo, se os lucros forem insuficientes o negciodesmoronar-se-. Os trabalhadores defendem-se instintivamente desta opresso pormeio de uma resistncia contnua. Se no o fizessem, se, voluntariamente, se deixassemarrastar, veriam que Ihes seria extorquido muito mais que a sua fora de trabalhoquotidiana: a sua prpria capacidade fsica de trabalhar seria consumida, a sua foravital ver-se-ia precocemente esgotada ( j o que acontece hoje em dia pelo menos atcerto ponto). Seria, para eles e para a sua descendncia, a degenerescncia, a destruioda sade e das foras. Por isso tm de resistir. Mesmo fora dos perodos de conflitosagudos, de greves ou de diminuio de salrios, cada oficina, cada empresa palco deuma guerra silenciosa e permanente, de uma luta perptua feita de presses e de contra-ofensivas. Nos altos e baixos desta luta estabelecem-se determinadas normas desalrios, de tempo de trabalho, de cadncias, que se situam no ponto limite entre otolervel e o intolervel (se estas normas forem intolerveis, toda a produo serafetada). As duas classes, trabalhadores e capitalistas, embora obrigadas a labutar juntasno quotidiano, nem por isso deixam de ser, profundamente e devido aos seus interessescontraditrios, inimigas implacveis que, quando no se defrontam, vivem numaespcie de paz armada.

    O trabalho, em si mesmo no repugnante. uma necessidade imposta aohomem pela natureza, para obter a satisfao das suas necessidades. O homem, comotodos os outros seres vivos, tem de utilizar as suas foras para obter alimento. Anatureza dotou todos os seres de rgos corporais e de faculdades mentais, msculos,

    nervos e um crebro, para se poderem adaptar a esta necessidade. As necessidades e osmeios de satisfaz-las esto, nos seres vivos, harmoniosamente adaptados uns aosoutros, pelo menos no decurso normal da sua vida. O trabalho, ou seja, esta utilizaonormal dos membros e das capacidades mentais, um impulso normal tanto do homemcomo do animal. Sem dvida que h um componente de obrigao na necessidade deprocurar alimentos e um abrigo. A utilizao livre e espontnea dos msculos e dosnervos, ao sabor dos caprichos do trabalho e do recreio, situa-se na prpria essncia danatureza humana. O constrangimento imposto ao homem pela satisfao das suasnecessidades obriga-o a um trabalho regular, ao recalcamento do impulso do momento,

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    a utilizao das suas foras, a um controle poderoso e assduo. Mas deste autodomnio,por necessrio que seja para a sua prpria preservao, para a da famlia e dacomunidade, o homem extrai a satisfao de ver vencidos os obstculos existentes em simesmo ou no mundo que o cerca, e adquire o sentimento orgulhoso de ser capaz deatingir os fins que se props. O hbito do trabalho regular fixou-se assim pelo seucarter social, pelos usos e costumes da famlia, da tribo ou da aldeia; transformou-se

    numa segunda natureza, num modo de vida natural, numa unidade harmoniosa de forase de necessidades, de tendncias naturais e de deveres. O campons, por exemplo,durante uma vida de trabalho, muito dura ou tranqila, transforma a natureza que orodeia num lugar onde se sente seguro. Do mesmo modo para todos os povos, cada umcom os seus traos especficos, o modo de produo artesanal permitiu ao artesoutilizar alegremente as suas capacidades e a sua imaginao para fabricar coisas teis esimultaneamente belas e boas.

    Tudo isto foi destrudo quando o capital se transformou no senhor do trabalho.Com a produo para o mercado, para a venda, os bens transformam-se em mercadoriasque, alm da utilidade que assumem para o comprador, possuem um valor de troca quede algum modo corresponde ao trabalho realizado para produzi-las. Este valor de trocadetermina o dinheiro que rende a venda. Outrora um operrio que trabalhasse um tempo

    razovel - salvo nos casos excepcionais em que se podia exigir dele um esforo violento- podia produzir o suficiente para viver. Mas o lucro capitalista constitudoprecisamente por aquilo que o operrio produz para alm do que necessita para viver.Quanto maior for o valor daquilo que produz e quanto menor for o valor daquilo queconsome, mais importante ser o mais-valor capturado pelo capital. Dai que asnecessidades vitais do operrio sejam reduzidas, que o seu nvel de vida seja baixado omais possvel, que o tempo de trabalho seja aumentado, que as cadncias sejamaceleradas. O trabalho perde totalmente o antigo carter de utilizao agradvel docorpo e dos membros. Transforma-se numa calamidade e numa degradao. este o seuverdadeiro carter, sejam quais forem as disposies introduzidas pelas leis sociais epela ao sindical, ambas decorrentes da resistncia desesperada dos trabalhadores facea uma degradao insuportvel. Mas tudo quanto podem esperar desse lado conseguirfazer passar o capitalismo do estdio do absurdo poder total ao da explorao normal.Mesmo neste ltimo caso, o trabalho, sob um regime capitalista, conservar sempre oseu carter intrnseco de servido penosa e desumana. Para no morrerem de fome, ostrabalhadores so obrigados a pr as suas foras disposio de uma direo que Ihes estranha, para lucros que Ihes so estranhos, num fabricar desinteressante de coisasdesinteressantes ou de m qualidade. Forados a dar o mximo que o corpo esgotadopode dar, os trabalhadores gastam-se antes do tempo. Economistas ignorantes, que noconhecem a verdadeira natureza do capitalismo, s enxergam a profunda averso dosoperrios pelo seu trabalho, e concluem da que o trabalho produtivo, pela sua prprianatureza, repugnante para o homem e deve, portanto ser imposto, a bem ou a mal, humanidade, atravs dos mais severos constrangimentos.

    Evidentemente, este carter do trabalho nem sempre conscientemente percebidopelos trabalhadores. Por vezes, reaparece igualmente o carter primitivo do trabalho,esse impulso instintivo para a ao geradora de satisfao. Em particular, jovenstrabalhadores, ignorantes da natureza do capitalismo, ambicionando mostrar as suascapacidades, impacientes por se verem reconhecidos como operrios plenamentequalificados, sentem em si uma espcie de fora de trabalho inesgotvel. O capitalismotem mtodos judiciosos para explorar esta disposio. S mais tarde quando surgem,cada vez maiores, as preocupaes e as obrigaes familiares, que o operrio se vaisentir apanhado entre os constrangimentos e os limites das suas foras, acorrentado por

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    inexorveis obstculos de que no consegue libertar-se. Por fim, sente as forasfugirem-lhe numa idade em que o homem da burguesia est no apogeu da sua fora e dasua maturidade. Tem ento de suportar a exploraro com uma resignao silenciosatemendo ser posto de parte, como uma ferramenta usada.

    Por muito mau e condenvel que possa ser o trabalho em regime capitalista, afalta de trabalho ainda muito pior. Como qualquer mercadoria, a fora de trabalho s

    vezes no encontra comprador. A liberdade problemtica, deixada ao trabalhador, deescolher o seu patro, vai de par com a liberdade que o capitalista tem de contratar oudespedir os seus operrios. O desenvolvimento contnuo do capitalismo, a criao denovas empresas, o declnio e a falncia das mais antigas dispersam permanentemente ostrabalhadores: aqui, renem-se grandes massas de trabalhadores, acol se despedem. Nofundo, devem considerar-se muito felizes quando so autorizados a deixarem-seexplorar. Do-se ento conta de que esto merc do capitalismo. S com oconsentimento dos patres tm acesso s mquinas, essas mquinas que esperam poreles para poderem funcionar.

    O desemprego o pior flagelo da classe operria. inerente ao capitalismo. uma calamidade que ressurge sempre. Acompanha as crises e as depresses peridicasque, durante todo o domnio do capitalismo, destroaram a sociedade a intervalos

    regulares, e que so uma conseqncia da anarquia da produo capitalista. Cadacapitalista, enquanto senhor independente da sua empresa, livre para dirigi-la comomuito bem entende, para produzir o que Ihe parece lucrativo, ou para fechar a fbricaquando os lucros diminuem. Em oposio organizao minuciosa que reina no interiorda fbrica, h uma falta absoluta de organizao da produo social global. O rpidocrescimento do capital, resultado da acumulao dos lucros, a necessidade de encontrarlucros tambm para este novo capital conduzem a um aumento rpido da produo. Estainunda assim o mercado com produtos invendveis. Depois vem a queda, que no sreduz os lucros e destri o capital suprfluo, como ainda expulsa das fbricas exrcitosde trabalhadores, abandonando-os unicamente aos seus recursos, ou a uma caridadeirrisria. Nessa altura os salrios diminuem, as greves so ineficazes, a massa dedesempregados pesa muito nas condies de trabalho. O que se ganhou com durasbatalhas num momento de prosperidade muitas vezes perdido na crise. O desempregosempre foi o principal obstculo ao aumento continuo do nvel de vida da classeoperria.

    Alguns economistas afirmaram que o desenvolvimento moderno da grandeindstria faria desaparecer esta alternncia perniciosa de crise e prosperidade.Esperavam que os trustes e os cartis, monopolizando, como fazem vastos setores daindstria, trouxessem um pouco de ordem e de organizao anarquia da produo ereduzissem as irregularidades desta. No tomavam em conta o fato de a corrida aoslucros continuar, conduzindo os grupos organizados a uma competio ainda maisrenhida. A incapacidade do capitalismo moderno para vencer a sua prpria anarquiamanifestou-se claramente na altura da crise mundial de 1930. Durante longos anos,

    pareceu que a produo se havia definitivamente desmantelado. Em todo o mundo,milhes de operrios, de camponeses, e mesmo de intelectuais viram-se reduzidos aviver de socorros que os governos eram obrigados a prestar-lhes: a crise da atual guerradecorre diretamente desta crise da produo.

    Esta crise orientou os holofotes da histria para o verdadeiro carter docapitalismo e para a impossibilidade de faz-lo durar. Para milhes de pessoas era jimpossvel obter o estritamente necessrio. Havia milhes de operrios em plena possedas suas foras que s procuravam trabalho; havia milhes de mquinas, em milhares defbricas, espera de serem postas a funcionar para produzirem mercadorias em

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    abundncia. Mas isso no era permitido. O direito de propriedade capitalista sobre osmeios de produo erguia-se entre os operrios e as mquinas. Este direito depropriedade, defendido se necessrio pelas foras da polcia e do Estado, impedia osoperrios de tocarem nas mquinas e de produzirem aquilo de que a sociedade e elesprprios necessitavam para viver. As mquinas enferrujar-se-iam paradas, ostrabalhadores passariam a vaguear desocupados e a agentar a sua misria. Por qu?

    Porque o capitalismo incapaz de pr em marcha as enormes capacidades tcnicas eprodutivas da humanidade para o seu verdadeiro objetivo: a satisfao das necessidadesda sociedade.

    No h dvida que o capitalismo tenta atualmente iniciar uma espcie deorganizao e de planificao da produo. A sua insacivel sede de lucros no pode sersatisfeita dentro dos seus limites tradicionais. levado a estender-se a todo o mundo, aapropriar-se de todas as riquezas, a abrir mercados e a subjugar as populaes dosoutros continentes. Os grupos capitalistas tm de, custa de uma competio sempiedade, procurar conquistar ou conservar as partes mais ricas do mundo. A classecapitalista de Inglaterra, de Frana, da Holanda obtinha lucros fceis explorando ricascolnias, conquistadas durante guerras passadas. Na mesma altura, o capitalismoalemo podia apenas contar com a sua prpria energia, com as suas capacidades e, a

    despeito do seu desenvolvimento rpido, s lutando pelo domnio do mundo, spreparando-se para a guerra mundial, poderia obter a sua parte, j que chegarademasiado tarde partilha do mundo colonial. Tinha de ser ele o agressor, e os outrosos agredidos. Foi assim o primeiro a pr em ao e a organizar todas as foras dasociedade com vista a atingir este objetivo, e os outros tiveram que seguir o seuexemplo.

    Nesta luta pela vida entre grandes potncias capitalistas, a ineficcia docapitalismo privado no podia ser tolerada por muito mais tempo. O desemprego surgiacomo um desperdcio, no s estpido como criminoso de foras produtivas cujanecessidade era absolutamente vital. Era necessria uma organizao estrita e minuciosapara assumir o pleno emprego de todas as foras de trabalho e do potencial de luta danao. O carter insustentvel do capitalismo revelava-se a partir desse momento sobum aspeto muito diferente, mas igualmente ameaador. O desemprego transformava-seno seu contrrio, o trabalho obrigatrio. Trabalho forado, o desses combates nasfronteiras em que milhes de homens jovens e fortes, dotados dos meios de destruiomais aperfeioados, se mutilam, se matam uns aos outros, se exterminam, se suprimemmutuamente para o domnio mundial dos seus pates capitalistas. Trabalho forado, oque executado nas fbricas por todo o resto da populao, incluindo mulheres ecrianas, que tem de produzir ininterruptamente cada vez mais instrumentos de morte,ao passo que a produo do necessrio vital se limita estritamente ao mnimo. Ararefao de tudo o que necessrio vida, a penria, o regresso barbrie maismiservel e mais atroz, eis a conseqncia do extremo desenvolvimento da cincia e datcnica, eis o fruto glorioso do pensamento e do trabalho de tantas geraes! E por qu?

    Porque, apesar de todos os discursos enganadores sobre a comunidade e a fraternidade,o capitalismo organizado tambm completamente incapaz de fazer funcionar as ricasforas produtivas da humanidade para aquilo que o seu verdadeiro objetivo, no fazseno utiliz-las como meios de destruio.

    A classe operria v-se assim face necessidade de tomar ela prpria em mos aproduo. O domnio sobre as mquinas, sobre os meios de produo, tem de serretirado das mos indignas dos que dele fazem tal uso. a causa comum de todos osprodutores, de todos os que asseguram o trabalho produtivo na sociedade: os operrios,os tcnicos, os camponeses. Mas so as principais e eternas vitimas do sistema

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    capitalista que, alm disso, constitui a maioria da populao , os operrios, que cabea tarefa de se libertarem a si prprios e ao mesmo tempo a humanidade em geral, desteflagelo. Tm que se apropriar dos meios de produo. Tem de se transformar em donosdas fbricas, em donos do seu prprio trabalho e de conduzi-lo segundo a sua prpriavontade. Nesse momento as mquinas reassumiro o seu verdadeiro destino: a produoem abundncia dos bens destinados a satisfazer as necessidades da vida de todos.

    esta a tarefa dos trabalhadores no perodo que se inicia. esta a nica via para aliberdade; a revoluo para que se encaminhe a sociedade, revoluo que ir subvertertotalmente o carter da produo; na base desta iro estar novos princpios. E, desdelogo, porque a explorao ter cessado. O produto do trabalho comum pertencer aosque tiverem participado na obra comum. J no haver mais-valor para o capital, nemapropriao de uma parte do produto social por parasitas capitalistas.

    Mais importante que o fim da apropriao de uma parte do produto social ser ofim do domnio do capital sobre a produo. A partir do momento em que os operriossejam donos das fbricas, os patres perdero a possibilidade de deixar paradas asmquinas, essas riquezas da humanidade, esses produtos preciosos dos esforosintelectuais e manuais de tantas geraes de trabalhadores e de investigadores. Com oscapitalistas, desaparecer o poder de impor a produo de objetos suprfluos, de

    produtos de luxo ou de mercadorias ordinrias. Quando os operrios tiverem o controledas mquinas, servir-se-o delas para produzir tudo o que necessrio a vida dasociedade.

    Isto s ser possvel reagrupando todas as fbricas, membros separados de ummesmo corpo, num sistema de produo bem organizado. Os contatos que, nocapitalismo, so resultado fortuito do mercado e de uma competio cega, dependenteda oferta e da procura, passaro ento a ser objeto de uma planificao consciente. Emvez das tentativas de organizao imperfeitas e parciais do capitalismo moderno, cujoresultado tornar mais ferozes as lutas e as destruies, ir-se- desenvolver umaorganizao perfeita da produo, que se alargar num sistema de colaborao escalamundial, porque as classes dos produtores no podero entrar em competio, mas tosomente colaborar.

    Estas trs caractersticas da nova produo definem um mundo novo. O fim dolucro capitalista, o fim do subemprego dos homens e das mquinas, a regulaoconsciente e adequada da produo e o aumento desta produo graas a umaorganizao eficiente daro a cada trabalhador uma maior quantidade de bens em trocade um trabalho menor. Uma nova via se abre agora para um desenvolvimento muitomais vasto da produtividade. Pela aplicao de todos os progressos tcnicos, a produoaumentar de tal modo que a abundncia para todos se far acompanhar dodesaparecimento de todo o trabalho penoso.

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    A Lei e a Propriedade

    Tal transformao do sistema de trabalho implica uma transformao do Direito.

    No se trata, evidentemente, de fazer votar novas leis no parlamento e pelo Congresso.Estas transformaes atingem as prprias bases da sociedade, todos os seus costumes eas suas prticas, muito alm das modificaes provisrias que resultam dos atosparlamentares. Esta transformao reporta-se s leis bsicas de toda a sociedade e noapenas de um determinado pas, porque se fundamentam nas convices dos homenssobre o Direito e a Justia.

    As leis no so imutveis. As classes dominantes sempre tentaram preservar oDireito existente, proclamando que se baseia na natureza, que se fundamenta nosdireitos eternos do homem, ou que consagrado pela religio. Tudo isto tem comoobjetivo nico consolidar os seus privilgios e votar as classes exploradas a umaescravido perptua. Na histria, pelo contrrio, bem evidente que as leis semodificam incessantemente, segundo as concepes do bem e do mal que, tambm elas

    se vo modificando.O sentido do bem e do mal, a conscincia da justia, no so coisas acidentais no

    homem. Tudo isto se desenvolve, irresistivelmente e naturalmente, a partir da suaexperincia, a partir das condies fundamentais da sua vida. A sociedade tem de viver,e por isso as relaes entre os homens devem ser reguladas de maneira tal que aproduo do necessrio vital se possa processar sem entraves (e este o papel da lei).

    justo antes de tudo, o que bom e necessrio para viver; no s til no momentopresente, mas necessrio em geral tanto para a vida de um nico indivduo como para ade todos, considerados no seu conjunto, isto , como comunidade, no tomandounicamente em considerao os interesses pessoais ou temporrios, mas igualmente afelicidade duradoura de todos. Quando mudam as condies de vida, quando o sistemade produo se desenvolve e assume novas formas, as relaes entre os homensmodificam-se, e simultaneamente o sentido que os homens tm do bem e do mal. A leitem ento de ser modificada.

    Isto transparece claramente nas leis que regem o direito de propriedade. No estadooriginal, selvagem e brbaro, a terra era considerada como pertencendo a uma tribo quenela vivia, caava ou apascentava gado. Para empregar a linguagem de hoje, pode dizer-se que o territrio era propriedade comum da tribo, que o utilizava para viver e odefendia contra as outras tribos. As armas, os utenslios, que o indivduo podia fabricarcom as suas prprias mos, eram de certo modo pessoais, eram a sua propriedadeprivada, mas no no sentido exclusivo, consciente, que este termo assume para ns, eisto devido aos laos mtuos e poderosos que uniam os membros da tribo. No eramleis e sim usos e costumes que regulamentavam as relaes mtuas. Esses povos

    primitivos e mesmo, em pocas mais prximas de ns, determinadas populaesagrcolas (como, por exemplo, os camponeses russos de antes de 1860) no podiamconceber a idia de propriedade privada de uma parcela de terreno, tal como ns nopodemos conceber a idia de propriedade privada de uma determinada quantidade de ar.

    Estas regulamentaes tiveram de se modificar quando as tribos se estenderam ese fixaram, desbastaram as florestas, se dispersaram em individualidades distintas (ouseja, em famlias), trabalhando cada parcela distinta. Modificaram-se ainda mais quandoo artesanato se separou da agricultura, quando o trabalho ocasional de todos passou aser o trabalho permanente de alguns, quando os produtos se transformaram em

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    mercadorias destinadas venda, quando se estabeleceu um comrcio regular, quando osprodutos passaram a ser consumidos por outros que no os produtores. Era, contudo,natural que o campons, que havia trabalhado uma parcela de terra, que a haviamelhorado, que tinha labutado ele prprio, sem recorrer a outras pessoas, dispusesselivremente da terra e dos utenslios, que o produto da terra lhe pertencesse, que a terra ea produo que dela extraa continuassem a ser propriedade sua. Todavia, na Idade

    Mdia, foram feitas restries a estas regulamentaes: assumiram a forma deobrigaes feudais, tornadas necessrias para assegurar a defesa das terras. Por outrolado, era natural que o arteso, nico a manejar os seus utenslios, deles dispusesse emexclusivo, tal como dos objetos que fabricava: continuava a ser o nico proprietriodeles.

    A propriedade privada passou deste modo a ser a lei fundamental de umasociedade baseada em unidades de trabalho de pequena dimenso. Sem que tenha sidoexpressamente formulado, isto foi sentido como um direito necessrio: quem utilizasseexclusivamente os utenslios, a terra, um produto, devia ser dono deles, e dispor deleslivremente. A propriedade privada dos meios de produo prpria do pequenocomrcio, o seu complemento jurdico necessrio.

    Nada deste ponto de vista se modificou quando o capitalismo se transformou em

    senhor da indstria. Quando muito, estes princpios foram expressos, com uma clarezaainda maior, pela Revoluo Francesa que, em pleno conhecimento de causa, proclamoua liberdade, a igualdade e a propriedade como direitos fundamentais do cidado. E eranem mais nem menos que a propriedade privada dos meios de produo que vemosmanifestar-se quando, em vez de alguns aprendizes, o mestre de ofcio recrutava servos,em nmero cada vez maior, para o auxiliarem no seu trabalho, a quem forneciautenslios que continuavam a ser propriedade sua, e que fabricavam, para ele, produtosdestinados venda. Por intermdio da explorao da fora de trabalho dos operrios, asfbricas e as mquinas, propriedade privada do capitalista, transformaram-se em fontede uma acumulao, imensa e sempre crescente de capital. A propriedade privadadesempenha assim uma nova funo na sociedade. Enquanto propriedade capitalista,gerou o poder e uma riqueza cada vez maior a uma nova classe dirigente: os capitalistas;permite-lhes desenvolver poderosamente a produtividade do trabalho e estender o seudomnio sobre a terra inteira. Esta instituio jurdica, apesar da degradao e da misriados trabalhadores explorados, surgiu assim como uma instituio benfica e mesmonecessria, veiculando a promessa de um progresso ilimitado da sociedade.

    Pouco a pouco, este desenvolvimento provocou transformaes no carter internodo sistema social. A funo da propriedade privada modificou-se de novo. Com associedades por aes, cindiu-se o duplo carter do proprietrio capitalista (dirigir aproduo e meter ao bolso o mais-valor). Outrora intimamente ligados, o trabalho e apropriedade esto presentemente separados. Os proprietrios so, hoje, acionistas quevivem fora do processo de produo, que preguiam nas suas longnquas casas decampo e que, por vezes, jogam na bolsa. Um acionista no tem ligaes diretas com o

    trabalho. A sua propriedade nada tem a ver com as ferramentas de que se serviria paratrabalhar. A sua propriedade consiste simplesmente em bocados de papel, em partes nasempresas, que ele nem sequer sabe onde funcionam. A sua funo na sociedade deparasita. A sua propriedade no significa que ele comande e dirija as mquinas ( tarefaunicamente do diretor), simplesmente, ele pode reclamar uma determinada quantia dedinheiro sem ter que trabalhar para obt-lo. A propriedade daquilo que tem em mos, assuas aes, so certificados que indicam os seus direitos garantidos pela lei, pelogoverno, pela justia, pela poltica de participar nos lucros. Ttulos de co-participaonesta grande Sociedade para a Explorao do Mundo, eis o que hoje o capitalismo.

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    O trabalho nas fbricas completamente distinto das atividades acionistas. Odiretor e os quadros todo o dia tm de dirigir, correr por todo lado, pensar em tudo; osoperrios trabalham e pensam de manh noite, pressionados, maltratados. Cada umtem de se esforar por dar o mximo, por produzir o mais possvel. Mas o produto dotrabalho comum no para os que o forneceram. Outrora, os burgueses eramdespojados pelos salteadores de estradas. Hoje, pessoas inteiramente estranhas

    produo vm, fazendo valer os seus papis como detentores de aes devidamenteregistradas apoderar-se da maior parte do produto. Nem sequer tm de fazer o uso daviolncia, no tm que mexer uma palha: a parte que lhes cabe automaticamentedepositada na sua conta bancria. Quanto queles que, em conjunto, forneceram otrabalho, s lhes deixado um soldo de misria ou um salrio modesto. Tudo o resto setransforma em dividendo levado pelos acionistas. Ser loucura? a nova funo dapropriedade privada dos meios de produo. simplesmente o que d, na prtica, aherana da velha lei, aplicada s novas formas de trabalho a que j no est de modonenhum adaptada.

    Pode assim ver-se como, devido modificao gradual das formas de produo, afuno social instituio jurdica se transforma no oposto daquilo que era inicialmente.A propriedade privada que, originalmente, era um meio de dar a cada um a

    possibilidade de desempenhar um trabalho produtivo, transformou-se num meio deprivar os trabalhadores da livre utilizao dos instrumentos de produo. Enquanto que,originalmente, esta propriedade garantia ao produtor a possibilidade de dispor do frutodo seu trabalho, transformou-se no meio pelo qual os trabalhadores so desapossadosdeste fruto por uma classe de parasitas inteis.

    Como possvel que leis to obsoletas continuem a dominar a sociedade? Paracomear, so numerosos os que ainda a elas se agarram, porque pensam que elasgarantem a pequena propriedade e a vida das classes mdias e de todos os pequenoscamponeses, artesos independentes; mas no vm que, na realidade, sofreqentemente vtimas da usura e do capital bancrio, que os tem na mo porintermdio dos ttulos de propriedade, devidamente hipotecados. Quando dizem: soudono de mim mesmo, querem dizer: no tenho que obedecer a um estranho. Sototalmente incapazes de imaginar uma comunidade no trabalho, ou seja, um grupo ondeiguais colaborariam numa mesma tarefa. Mas, e muito mais que isso, se tais leissubsistem , sobretudo, porque o poder do Estado, com a sua fora policial e militar, asimpem, no interesse da classe dominante: os capitalistas.

    Na classe operria, a conscincia desta contradio comea a manifestar-se, sob aforma de noes novas de Direito e de Justia. A transformao do pequeno comrcioem grandes empresas faz com que o direito antigo se tenha tornado nefasto e que tenhasentido como tal. Ele ergue-se contra a regra evidente que os que fornecem o trabalho eutilizam os instrumentos de trabalho devem dispor deles para executar e ordenar otrabalho da melhor maneira possvel. A pequena ferramenta e o pedao de terra podiamser utilizados e trabalhados por uma nica pessoa e a famlia. Os que deles dispunham

    deste modo eram os seus proprietrios. As grandes mquinas, as fbricas, as grandesempresas s podem ser utilizadas por um corpo organizado de trabalhadores, por umacomunidade de foras em colaborao. Por isso este corpo, esta comunidade, ter dedispor delas para organizar o trabalho segundo a vontade comum dos seus componentes.Esta propriedade comum no significa propriedade no sentido antigo da palavra, querdizer, o direito de us-la ou desperdiar segundo a sua prpria vontade. Cada empresano mais que uma parte do aparelho produtivo total da sociedade; por isso, o direito dequalquer organismo, ou qualquer coletividade de produtores dever estar limitado pelo

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    direito superior da sociedade, e tem de ser considerado e posto em prtica atravs deligaes regulares com todos os outros.

    A propriedade comum no deve ser confundida com propriedade pblica. Napropriedade pblica, muitas vezes defendida por eminentes reformadores sociais, oEstado ou outro rgo poltico o dono da produo. Os operrios no so donos do seutrabalho, so dirigidos por funcionrios do Estado que organizam e dirigem a produo.

    Independentemente, das condies de trabalho ou do fato dos operrios serem ou notratados de maneira humana e com muita considerao, o fato fundamental continua aser este: no so os operrios, que so os produtores, mas sim os quadros do Estado, quedispem dos meios de produo, dispem do produto, dirigem todo o processo deproduo e decidem qual a parte da produo que ir ser reservada para as inovaes,para a substituio do material, para os melhoramentos e para as despesas sociais; so,portanto eles que decidem que parte do produto social deve caber aos trabalhadores eque parte ir guardar para si. Os operrios recebem, portanto, um salrio, uma parte doproduto, determinado pelos dirigentes. Sob o regime de propriedade pblica dos meiosde produo, os trabalhadores so ainda dominados e explorados por uma classedominante. A propriedade pblica o programa burgus de uma forma moderna edisfarada de capitalismo. A propriedade comum dos produtores dever ser o nico

    objetivo da classe operria.Uma revoluo no sistema de produo est, portanto, estreitamente ligada a uma

    revoluo no domnio do Direito. Baseia-se numa mutao das concepes maisprofundas do Direito e da Justia. Cada sistema de produo a aplicao de umadeterminada tcnica combinada com um determinado Direito que rege as relaes entreos homens no seu trabalho, que fixa os direitos e deveres destes.

    O nvel tcnico da pequena ferramenta, associado propriedade privada, implicauma sociedade de pequenos produtores livres fazendo-se livremente concorrncia. Onvel tcnico das mquinas complexas, associado ao regime da propriedade privada,corresponde ao capitalismo. A tcnica das mquinas complexas, associada propriedade comum, implica uma colaborao livre entre todos os homens. Ocapitalismo no passa de um sistema intermdio, de uma forma de transio, resultanteda aplicao do Direito antigo a tcnicas novas. O desenvolvimento das tcnicasaumentou enormemente o poder do homem; a lei que vinha do passado e queregulamentava a utilizao destas foras tcnicas manteve-se quase inalterada. Noespanta por isso que ela se tenha mostrado to inadequada e a sociedade tenha cadonuma tal desordem. este o sentido profundo da atual crise mundial: a humanidadedescurou pura e simplesmente a adaptao a tempo das suas velhas leis ao novo poderdas tcnicas. E por isso que tem presentemente de sofrer tantas runas e destruies.

    A tcnica um dado da poca. O seu desenvolvimento rpido com toda aevidncia obra do homem, o culminar normal da reflexo sobre o trabalho, daexperincia e da experimentao, de esforos e de competio. Mas uma vez adquirida,a aplicao de uma tcnica automtica, independente da nossa livre escolha, imposta

    como uma fora inata da natureza. No podemos voltar a atrs, como desejaram ospoetas, e voltar a utilizar os pequenos utenslios dos nossos antepassados. Alm disso, oDireito deve ser fixado pelo homem em plena conscincia.

    Tal como est estabelecido, o Direito determina, em relao aos homens e aoequipamento tcnico, a liberdade ou a sujeio desses homens.

    Quando a lei existente se transforma num meio de explorao e de opresso, naseqncia do desenvolvimento silencioso da tcnica, passa a ser objeto de conflito entreas classes sociais, os exploradores e os explorados. Enquanto a classe explorada admitirrespeitosamente que a lei atual o Direito e a Justia personificados, a sua explorao

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    continuar a ser legal e incontestada. Mas as massas tomam progressivamenteconscincia da sua explorao; surgem ento novas concepes do Direito. medidaque se desenvolve o sentimento de que a lei existente contrria justia, amplia-se avontade de transformar e de fazer das novas concepes de Direito e de Justia a lei dasociedade. Isto significa que o sentimento de laborar no erro no suficiente. S quandoeste sentimento se transformar numa convico clara e profunda para grandes massas de

    trabalhadores, quando tiver penetrado todo o seu ser, comunicando-lhes uma firmedeterminao e um entusiasmo ardente que podero jorrar as foras necessrias para atransformao radical das estruturas sociais. Mas isto no passar ainda de umacondio preliminar. Ser necessria uma luta longa e penosa para vencer a resistnciada classe capitalista, que defender o seu poder at ao ltimo extremo e com todos osrecursos da sua fora; uma tal luta impe-se para estabelecer uma ordem social nova.

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    A Organizao no Local de Trabalho

    A idia de propriedade comum dos meios de produo ameaa a instalar-se noesprito dos trabalhadores. Logo que tomarem conscincia de que a ordem nova, de queo seu prprio domnio sobre o trabalho uma questo de necessidade e de justia, todosos seus pensamentos e Atos se dirigiro no sentido da sua realizao. Eles sabem queisso no se consegue num dia. Ser inevitvel um longo perodo de luta. Para vencer aresistncia obstinada das classes dirigentes, os trabalhadores tero que desenvolvertodos os seus esforos, at aos mais extremos recursos. Tero que utilizar todas as suasfaculdades, tanto as que relevam da inteligncia como as que relevam da forca decarter, todas as suas capacidades de organizao, todos os seus conhecimentos. Teroque mostrar-se capazes de reunir tudo quanto puderem mobilizar. Mas, antes de mais,tero que determinar claramente o objetivo visado e o que representa a ordem nova aestabelecer.

    Quando um homem tem um trabalho a fazer, deve comear por conceb-lo na suamente, sob a forma de um plano ou de um projeto mais ou menos consciente. Eis o quedistingue as aes dos homens dos atos puramente instintivos dos animais. Isto tambm vlido em princpio, nas lutas comuns, nas aes revolucionrias das classes sociais.No inteiramente, evidente, porque h uma grande parte de aes espontneas e nopremeditadas nas exploses de uma revolta apaixonada. Os trabalhadores em luta noso um exrcito conduzido por um estado-maior de chefes competentes, agindo segundoum plano minuciosamente preparado. Formam uma massa que, a pouco e pouco,emerge da submisso e da ignorncia, que, a pouco e pouco, toma conscincia daexploraro, que se v obrigada a lutar implacavelmente por melhores condies de vidae que, assim, v a sua fora desenvolver-se gradualmente. Jorram novos sentimentos,elevam-se novos pensamentos: dizem respeito ao que poderia ser, ao que deveria ser omundo. Agora, tm em mente novos desejos, novos ideais, novos objetivos quedeterminam a sua vontade e guiam os seus atos. Pouco a pouco, as perspectivasesboam-se mais claramente. Aquilo que inicialmente, no era mais que uma simplesluta por melhores condies de trabalho, d origem a idias de reorganizaofundamental da sociedade. O ideal de um mundo sem explorao nem opressoassediou durante geraes a mente dos trabalhadores. A concepo dos trabalhadorescomo donos dos meios de produo, devendo dirigir, eles prprios, o trabalho, impe-secada vez mais claramente a todos.

    Devemos aplicar todos os recursos da nossa inteligncia para procurar saber eexplicar, tanto para ns como para os outros, qual ser esta nova organizao dotrabalho. No podemos extra-la unicamente da nossa imaginao; deduzimo-la das

    condies reais e das necessidades do trabalho e dos trabalhadores no momento atual.No pode, bem entendido, ser exposta detalhadamente: nada conhecemos dascondies futuras que iro determinar as suas formas precisas. Estas formas definir-se-o no esprito dos trabalhadores quando eles afrontarem essa tarefa. De momento,devemos contentar-nos com traar unicamente as linhas gerais, as idias diretrizes queiro orientar as aes da classe operria. Estas idias sero como que uma estrela, comoo objetive supremo para o qual os trabalhadores lanaro permanentemente o olharquando, durante a luta, conhecerem as alternncias de vitrias e de derrotas, asseqencias de sucessos e de fracassos na sua auto-organizao. Estas idias diretrizes

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    devem ser tornadas mais claras, no por minuciosas descries de detalhe, masessencialmente pela comparao entre os princpios deste mundo novo e as formas deorganizao existentes que j conhecemos.

    Quando os operrios se apoderarem das fabricas para organizarem o trabalhovero levantar-se inmeros problemas, novos e espinhosos. Mas disporo tambm denovas foras igualmente numerosas. Um novo sistema de produo nunca uma

    estrutura artificial edificada unicamente pela vontade dos homens. Brota como umprocesso irresistvel da natureza, como uma convulso que abala a sociedade no maisprofundo de si mesma, libertando as mais poderosas foras e paixes do homem. oresultado de uma luta de classe longa e obstinada.

    S atravs deste combate podem nascer e desenvolver-se as foras necessriaspara a construo de um mundo novo.

    Quais sero as bases deste mundo? Sero as foras sociais: a fraternidade e asolidariedade, a disciplina e o entusiasmo; sero as foras morais: a abnegao e adedicao comunidade; sero as foras espirituais: o saber, a coragem, a perseverana;ser a slida organizao que congrega e encaminha para um objetivo ltimo estasforas que, todas, so a concretizao da luta de classe. No se pode cri-lasantecipadamente por uma ao voluntarista. Os primeiros sintomas dessas foras

    surgiro nos trabalhadores espontaneamente, a partir da sua explorao comum;desenvolver-se-o incessantemente atravs das necessidades da luta, sob a influncia daexperincia, do estmulo mtuo, da educao recproca. Nascero necessariamente,porque a sua expanso trar a vitria, ao passe que a sua ausncia sinnimo de derrota.Enquanto estas forcas sociais continuarem insuficientemente desenvolvidas, enquantoos novos princpios no ocuparem completamente o corao e a mente dostrabalhadores, fracassaro as tentativas para construir um mundo novo, mesmo se aslutas obtiverem um certo sucesso. Porque os homens tm de viver, a produo tem decontinuar e, na sua ausncia, outras foras, de coao, de represso e de regressotomaro em mos a produo. Dever ento retomar-se o combate, at que as forassociais da classe operria atinjam um poder tal que possam conduzir ao autogoverno, aodomnio total da sociedade.

    A tarefa maior , para os trabalhadores, a organizao da produo em novasbases. Dever comear pela organizao no interior da fbrica. Tambm o capitalismopossui uma organizao minuciosamente planificada; mas os princpios da novaorganizao sero totalmente diferentes. Em ambos os casos, as bases tcnicas sero asmesmas: a disciplina do trabalho, imposta pelo ritmo regular das mquinas. Mas asbases sociais, as relaes mtuas entre os homens sero o oposto do que foram. Acolaborao entre camaradas, iguais entre si, substituir o comando dos patres e aobedincia dos que os serviam. O medo da fome e do risco permanente de perder otrabalho ser substitudo pelo sentido do dever, pela dedicao comunidade, peloslouvores ou censuras feitos pelos camaradas aos esforos e s realizaes de cada um eque agiro como estimulantes. Em vez de serem os instrumentos passivos e as vitimas

    do capital, os trabalhadores sero os donos e os organizadores da produo, seguros desi, exaltados pelo orgulho de cooperarem ativamente no aparecimento de uma novahumanidade.

    O rgo de gesto, nesta organizao da fbrica, ser constitudo pela coletividadedos trabalhadores que nela colaborarem. Reunir-se-o para discutir todos os problemas etomaro as decises em assemblia. Assim, todos os que tomarem parte no trabalhoparticiparo na organizao do trabalho comum. Este mtodo impe-se naturalmentecomo evidente e normal; parece ser idntico ao que adotado em regime capitalistapelos grupos e sindicatos de trabalhadores quando decidem, pelo voto, assuntos

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    comuns. Mas existem diferenas essenciais. Nos sindicatos, encontramos habitualmenteuma diviso do trabalho entre os delegados e os membros: os delegados preparam eenunciam as propostas e os filiados votam. A fadiga dos corpos e a lassido dosespritos obrigam os trabalhadores a delegar para outros a tarefa de conceber osprojetos. S muito parcialmente e aparentemente que se ocupam dos seus prpriosassuntos. Na organizao em comum da fbrica devero fazer eles prprios tudo ter as

    idias, elaborar os projetos, bem como tomar as decises. A dedicao e a emulao nose limitaro a desempenhar um papel no trabalho de cada um, mas sero ainda maisimportantes na tarefa comum de organizar toda a produo. Para comear, porque setrata de uma obra comum, logo da maior importncia, que no podem deixar para outrosfazerem. Seguidamente, porque est em relao direta com o sistema das relaesmtuas no seio do seu prprio trabalho, que a todos diz respeito e em que todos socompetentes. por isso que esta tarefa deve absorver toda a sua ateno e que osproblemas postos se devem resolver atravs de discusses profundas. No unicamentecom o esforo fsico, mas mais ainda com o esforo intelectual que cada um devercontribuir para a organizao geral da produo e estes esforos sero objeto daemulao e da apreciao recprocas. A discusso dever, alm disso, apresentar umcarter diferente daquele que existe nas associaes e nos sindicatos sob o regime

    capitalista, onde se verifica sempre divergncias devidas existncia de interessespessoais, onde cada um, no mais profundo da sua conscincia, se preocupa antes demais com a sua sorte pessoal e onde as discusses tm por funo ajustar e aplanar asdiferenas com vista a uma ao comum. Na nova comunidade do trabalho, pelocontrrio, todos os interesses sero essencialmente os mesmos e todos os pensamentossero orientados para o objetivo comum da organizao, numa cooperao efetiva.

    Nas grandes fbricas, o nmero de operrios demasiado elevado para quepossam reunir numa assemblia nica e para que possam levar a cabo uma discussoreal e profunda. As decises s podero ser tomadas h dois tempos: pela aocombinada de assemblias nas diferentes oficinas da fbrica com as assemblias decomits centrais de delegados. As funes e o andamento prtico destes comits nopodem ser determinados antecipadamente; constitui algo inteiramente novo, um rgoessencial da nova estrutura econmica. quando se encontrarem a braos com asnecessidades prticas que os operrios constituiro as estruturas adequadas. As linhasgerais de algumas das caractersticas dessas estruturas podem, contudo ser deduzidaspor comparao com as organizaes e os grupos que conhecemos.

    No mundo capitalista, o comit central de delegados uma instituio bemconhecida. Encontramo-la no parlamento, em toda a espcie de organizaes polticas enos bureaux de diversas associaes e sindicatos. So investidos de uma autoridadesobre os que os designaram, ou mesmo, por vezes, reinam sobre estes como verdadeirospatres. Esta a forma assumida por estes organismos, e que corresponde a um sistemasocial em que uma grande massa de trabalhadores explorada e comandada por umaminoria: a classe dominante. A tarefa essencial, no mundo novo, consistir em encontrar

    uma forma de organizao constituda por uma coletividade de produtores, livres eassociados, que controlem, tanto nos atos como na concepo destes, a atividadeprodutiva comum, regulamentando-a segundo a sua prpria vontade, mas com poderesidnticos para cada um; ser um sistema social totalmente diferente do antigo. Nosistema antigo, tambm existem conselhos sindicais que administram os assuntoscorrentes, entre duas reunies dos filiados, a intervalos mais ou menos prximos, emque se fixam as grandes linhas da poltica geral. Aquilo de que estes conselhos seocupam ento so apenas os imprevistos do quotidiano e no as questes fundamentais.No mundo novo, e a prpria base da vida, a sua essncia, que esto em causa: o

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    trabalho produtivo que ocupa e ocupar permanentemente o esprito de cada um, queser o objeto primordial do seu pensamento.

    As novas condies de trabalho faro destes comits de fabrica algo muitodiferente do que conhecemos no mundo capitalista. Sero organismos centrais, mas noorganismos dirigentes, no conselhos governamentais. Os delegados que oscompuserem tero sido mandatados pelas assemblias de seo com instrues

    especficas; viro de novo a estas assemblias para prestar contas da discusso e doresultado obtido e, aps deliberaes mais amplas, os mesmos delegados, ou outros,munidos de novas instrues, voltaro a reunir-se no comit de fbrica.

    Deste modo, atuaro como agentes de ligao entre os membros das diferentessees. Estes comits de fbrica tambm no sero grupos de especialistas encarregadosde fornecer diretivas massa dos trabalhadores no qualificados. Naturalmente quesero necessrios especialistas, isolados ou em equipas, para se ocuparem dosproblemas cientficos ou tcnicos especficos. Os comits de fbrica trataro dosproblemas quotidianos, das relaes mtuas, da regulamentao do trabalho, tudo coisasem que cada um ao mesmo tempo competente e parte interessada. E, entre outrascoisas, tero de estudar a aplicao prtica do que os especialistas tiverem sugerido. Oscomits de fbrica no sero responsveis pelo bom funcionamento do conjunto, porque

    isto teria como conseqncia deixar que cada membro se isentasse das suasresponsabilidades, confiando numa coletividade impessoal. Pelo contrario, e emboraeste funcionamento incumba a toda a comunidade, podero confiar-se a certas pessoas,e s a elas, tarefas especficas que desempenharo devido s suas capacidadesparticulares, sob a sua inteira responsabilidade, recebendo todas as honras se forem bemsucedidas.

    Todos os membros do pessoal, homens e mulheres, novos e velhos, tero umaparte igual no trabalho, uma parte igual nesta organizao da fbrica, tanto na execuoquotidiana como na regulamentao geral. Sem dvida que haver grandes diferenasna natureza dos trabalhos; mais ou menos rduos segundo a forca e as capacidades decada um, sero repartidos em funo dos gostos e das aptides. E, bem entendido, asdisparidades em matria de cultura geral permitiro que os mais conhecedores ou maisinteligentes faam prevalecer a sua opinio. Devido herana do capitalismo,continuaro inicialmente a existir grandes diferenas de educao e de qualificao e,por conseguinte, as massas sentiro a ausncia de bons conhecimentos tcnicos e geraiscomo uma inferioridade grave. Dado o seu pequeno nmero, os tcnicos altamentequalificados e os quadros cientficos devero, portanto atuar na qualidade de dirigentestcnicos, sem por tal se poderem arrogar funes de comando ou privilgios sociaisalm da estima dos camaradas e da autoridade moral que sempre se liga s capacidadese ao saber.

    A organizao da empresa no seno a ordenao e ligao consciente dasdiversas etapas do trabalho, de maneira que estas formem um todo. possvel exportodas estas interconexes entre estas operaes articuladas umas com as outras, por

    meio de um esquema geral, de uma representao mental do processo real. Esta imagempresidiria elaborao do primeiro planning, correspondendo outras aosmelhoramentos e desenvolvimentos ulteriores. Este esquema dever estar presente noesprito de todos os trabalhadores; necessrio que todos tenham um perfeitoconhecimento do que diz respeito a todos. Um mapa, ou um grfico, fixa e mostra, poruma imagem simples e acessvel a todos, as relaes de um conjunto complexo; domesmo modo, a situao da empresa no seu conjunto dever ser mostrada a todo omomento, em todos os seus desenvolvimentos, por representaes adequadas. Sob aforma de nmeros, o que realiza a contabilidade. Esta registra tudo o que se passa no

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    processo de produo: as matrias primas que entram na fbrica, as mquinas de queesta dispe, o que ela produz, a quantidade de horas de trabalho que foram necessriaspara obter um dado produto e que cada operrio fornece, finalmente quais so osprodutos terminados e entregues. Ela segue e descreve os trajetos dos diversos materiaisno processo de produo. Permite assim comparar, com o auxilio de balanossistemticos, os resultados efetivos com as previses do plano. A produo da empresa

    transforma-se deste modo num processo submetido a um controle mental.A gesto capitalista da empresa baseia-se igualmente no controle mental daproduo. Neste caso, como no outro, as operaes so representadas sob forma decontabilidade. Mas, ao contrrio do precedente, o mtodo de clculo capitalista est atodos os nveis adaptado ao ponto de vista da produo de lucro. Os seus dadosfundamentais so os preos e os custos; o trabalho e os salrios entram unicamente naqualidade de fatores no balance da empresa, quando este efetuado para calcular omontante anual do lucro. Pelo contrrio, no novo sistema de produo, o dadofundamental o nmero de horas de trabalho, quer seja expresso em unidadesmonetrias, nos primeiros tempos, ou sob forma real. No seio da produo capitalista, oclculo e a contabilidade continuam a ser segredos reservados unicamente direo.No dizem respeito aos operrios. Estes no passam de objetos submetidos

    explorao, que surgem apenas como fatores entre muitos outros no calculo dos custos edos rendimentos, como vulgares acessrios das mquinas. Com a apropriao coletivada produo, a contabilidade passa a ser um assunto pblico; toda a gente pode teracesso aos livros. Os trabalhadores tm a todo o momento uma viso completa doprocesso de conjunto. S assim podero estar aptos a discutir problemas que se pemnas assemblias da unidade de produo e nos comits de empresa, a decidir quais asmedidas a tomar e a executar. Os resultados numricos so tornados visveis sob aforma de quadros estatsticos, de grficos e de mapas que permitam abarcar facilmente asituao. Estas informaes no so reservadas ao pessoal da fbrica: so pblicas,acessveis a todos, empregados ou no. No passando toda e qualquer empresa de umelemento da produo social, a relao entre as suas atividades e o conjunto do trabalhosocial efetua-se por meio da contabilidade. Assim, o conhecimento exato da produoem cada empresa constitui um simples fragmento de um conhecimento comum aoconjunto dos produtores.

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    A Organizao Social

    O trabalho um processo social. Cada empresa representa uma frao do corpo

    produtivo da sociedade. As conexes e a cooperao entre estas diversas partesconstituem outros tantos elementos da produo social global. Tal como as clulas deque se compe um organismo vivo, estas partes no podem subsistir isoladamente,independentemente do corpo produtivo. Organizar o trabalho nas empresas representa,portanto apenas metade da tarefa. Resta outra parte, infinitamente mais importante:estabelecer um sistema de ligaes entre as diferentes empresas e reuni-las no seio deuma mesma organizao social.

    Estando a empresa j organizada em regime capitalista, suficiente substitu-lapor um tipo de organizao com novas bases. Pelo contrrio a organizao social doconjunto das empresas ou era, at aos ltimos anos um problema absolutamentenovo, sem precedentes, como testemunha o fato de todo o sculo 19 ter considerado quea classe operria tinha por misso construir uma organizao deste gnero, a que se

    chamava o socialismo. O capitalismo compunha-se de uma massa no organizada deempresas independentes o campo de peleja dos empresrios privados, como dizia oprograma do partido trabalhista ligadas entre si unicamente pelos acasos do mercado eda concorrncia, tendo como resultado a falncia, a sobreproduo, a crise, odesemprego e um enorme desperdcio de materiais e de fora de trabalho. Para abolireste sistema, a classe operria teria de conquistar o poder poltico e servir-se dele paraorganizar a indstria e a produo. Pensava-se, nesse tempo, que o socialismo de Estadomarcaria o inicio de uma evoluo nova.

    Nestes ltimos anos, a situao modificou-se na medida em que o capitalismocomeou a utilizar a organizao pelo Estado. No foi levado a isso apenas pelo desejode aumentar a produtividade e os lucros atravs de uma planificao racional daproduo. Na Rssia, por exemplo, era necessrio compensar o atraso dodesenvolvimento econmico por meio de organizao rpida da indstria. Foi o que fezo governo bolchevique. Na Alemanha, foi a luta pelo poder mundial que conduziu aocontrole da produo pelo Estado e organizao estatal da indstria. Esta luta era umatarefa de tal modo pesada que a classe capitalista da Alemanha s tinha a hiptese delev-la a cabo concentrando o poder sobre todas as forcas produtivas nas mos doEstado. Na organizao nacional-socialista, a propriedade e o lucro emborafortemente atingidos pela tributao do Estado continuam nas mos dos capitalistasprivados, mas a direo e a administrao dos meios de produo so assumidas pelosfuncionrios do Estado. O capital e o Estado asseguram para si a totalidade da produodo lucro por meio de uma organizao eficiente. Esta organizao de toda a produobaseia-se nos mesmos princpios que a organizao no seio da empresa, ou seja, na

    autoridade pessoal do diretor geral da sociedade, do Fhrer, do chefe de Estado. Emtodos os casos em que o governo detm em suas mos a alavanca de comando daindstria, a antiga liberdade dos produtores capitalistas cede o lugar aos mtodosautoritrios, coao. Os funcionrios do Estado vm o seu poder polticoconsideravelmente reforado pelo poder econmico que Ihes conferido, pela suahegemonia sobre os meios de produo, base da vida social.

    Os princpios da classe operria situam-se, a todos os nveis, no campo oposto. Aorganizao da produo pelos trabalhadores, com efeito, baseia-se na livre cooperao:nem patres nem servos. O mesmo princpio preside ao reagrupamento de todas as

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    empresas numa organizao social unificada. aos operrios que cabe instaurar omecanismo social correspondente.

    Dada a impossibilidade de reunir os operrios de todas as fbricas numa mesmaassemblia, s podem expressar a sua vontade por intermdio de delegados. De algumtempo a esta parte que estes corpos de delegados vm sendo denominados conselhosoperrios. Cada grupo de trabalhadores que cooperam designa os membros que iro

    expressar as suas opinies e desejos nas reunies dos conselhos. Se tiverem, atravs deuma participao ativa nas deliberaes do seu grupo, evidenciado como defensoreshbeis dos pontos de vista adotados pela maioria, ser delegado a eles a funo de porta-vozes do grupo, que iro confrontar os pontos de vista deste com os dos outros grupos,para chegarem a uma deciso coletiva. Embora as suas capacidades pessoais contemmuito para persuadir os companheiros e para clarificar os problemas, a importncia queassumem no provm da sua fora pessoal, e sim da comunidade que os escolheu comodelegados. No so meras opinies que prevalecem, mas muito mais a vontade e odesejo do grupo de agir em comum. Indivduos diferentes desempenharo as funes dedelegados, consoante as questes postas e os problemas delas decorrentes.

    O problema fundamental, a base de tudo o resto, a prpria produo. Aorganizao desta comporta dois aspetos: o estabelecimento das regras gerais e das

    normas, e o trabalho propriamente dito. necessrio elaborar regras e normas quefixem as relaes mtuas no trabalho, os direitos e os deveres de cada um. Em regimecapitalista, a norma era o poder do patro, do diretor. No capitalismo de Estado, opoder ainda maior do Chefe supremo, do governo central. Na sociedade nova, pelocontrrio, todos os produtores so livres e iguais. O campo econmico, o campo dotrabalho assiste a uma metamorfose comparvel quela que a ascenso da burguesiaprovocou no campo poltico, nestes ltimos sculos. Quando o reinado do monarcaabsoluto foi substitudo pelo poder dos cidados, isso de modo nenhum significou umasubstituio do arbitrrio do autocrata pelo arbitrrio de qualquer outro indivduo.Significava que as leis, conformes com a vontade geral, passavam a fixar os direitos eos deveres. Do mesmo modo, no campo do trabalho, a autoridade do patro desapareceem proveito de regras elaboradas em comum, que visam fixar os direitos e os deveressociais, tanto em matria de produo como de consumo. E os conselhos operrios terocomo primeira misso formul-los. No uma tarefa rdua, nem uma questo que exijaestudos interminveis, ou que origine divergncias graves. Estas regras germinaronaturalmente na conscincia de cada trabalhador, uma vez que constituem a base naturalda sociedade nova: cada um tem o dever de participar na produo segundo as suasforas e as suas capacidades, cada um tem direito a uma parte proporcional do produtocoletivo.

    Como avaliar a quantidade de trabalho efetuada e a quantidade de produtos quecabe a cada um? Numa sociedade em que a produo vai diretamente para o consumo,no existe nem mercado para trocar os produtos, nem valor, enquanto expresso dotrabalho cristalizado nesses produtos, que se estabelece automaticamente, pelo processo

    da compra e da venda. O trabalho despendido na produo tem por isso de ser avaliadode uma maneira direta, pelo nmero de horas de trabalho. Os servios de gestocalculam a quantidade de horas de trabalho cristalizadas em cada elemento ouquantidade unitria de um produto, bem como a quantidade de horas de trabalhofornecidas por cada trabalhador. Fazem-se depois as mdias, tanto em relao aoconjunto de operrios de uma determinada fbrica como ao conjunto das fbricas damesma categoria; desaparecem assim as variaes devidas a fatores individuais e podemcomparar-se os diversos resultados.

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    devido falta de coeso entre os homens do negcio privado e s suas vises limitadas.A aplicao dessas estatsticas era limitada. Mas, agora, so o ponto de partida daorganizao da produo. Para produzir a quantidade de bens adequada, necessrioconhecer as quantidades utilizadas ou necessrias. Simultaneamente, estas estatsticas,resultado numrico condensado do inventrio do processo de produo, resumo globalda contabilidade, expressam a marcha do desenvolvimento.

    A contabilidade geral, que diz respeito e engloba as administraes das diferentesempresas, rene-as a todas num quadro de evoluo econmica da sociedade. Adiferentes nveis, registra o processo total da transformao da matria, acompanhandoesta desde a extrao das matrias-primas, seguindo-a nas diversas fbricas onde trabalhada at se transformar em produtos terminados, prontos a serem consumidos.Reunindo num todo os resultados das empresas do mesmo tipo que cooperam, comparaa eficcia destas, estabelece a mdia das horas de trabalho necessrias e dirige a atenopara as possibilidades de progresso. Uma vez organizada a produo, a administraopassa a ser tarefa, relativamente simples, de uma rede de escritrios de contabilidade,ligados uns aos outros. Cada empresa, cada grupo de empresas ligadas, cada ramo daproduo, cada cidade ou regio ter o seu centro administrativo para reunir, analisar ediscutir os nmeros da produo e do consumo, e para Ihes dar uma forma clara e de

    fcil exame. Graas ao trabalho combinado desses centros, a base material da vidatransforma-se num processo dominado pelo intelecto. O processo de produo patenteado vista de todos, sob a forma de uma imagem numrica simples e inteligvel. nesse momento que a humanidade contempla e controla a sua prpria vida. Aquiloque os operrios e os seus conselhos decidem e planificam numa colaboraoorganizada surge com clareza, traduzido nos nmeros da contabilidade. Porque estesresultados esto permanentemente diante dos olhos de cada operrio, a direo daproduo social pelos prprios produtores pode finalmente ser realizada.

    Esta organizao da vida econmica inteiramente diference das formas deorganizao existentes em regime capitalista; mais perfeita e mais simples. Ascomplicaes e dificuldades da organizao do capitalismo, a que tiveram de seconsagrar tantos grandes homens de negcios de gnio to elogiado, esto liga