A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES … · de reprodução humana medicamente assistidas e, em...

215
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO Matr. 0624436/0 Fortaleza Agosto – 2009

Transcript of A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES … · de reprodução humana medicamente assistidas e, em...

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL Dissertação de Mestrado em Direito Constitucional

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES

EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO

Matr. 0624436/0

Fortaleza Agosto – 2009

1

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES

EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação de conteúdo da Professora Doutora Gina Marcílio Vidal Pompeu.

Fortaleza - Ceará 2009

2

__________________________________________________________________________ C349r Castello Branco, Wilfa Campos. A reprodução assistida e os embriões excedentes : tutela jurídica / Wilfa Campos Castello Branco. - 2009. 205 f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2009. “Orientação: Profa. Dra. Gina Marcílio Vidal Pompeu.” 1. Biodireito. 2. Reprodução assistida. 3. Bioética. 4. Direito à vida. I. Título. CDU 342.7:57.08 __________________________________________________________________________

3

WILFA CAMPOS CASTELLO BRANCO

A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES

EXCEDENTES: TUTELA JURÍDICA

Data de aprovação em: ___/___/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Prof. Dra. Gina Marcílio Vidal Pompeu

Universidade de Fortaleza

________________________________________________________ Prof. Dr. Martonio Mont’ Alverne Barreto Lima

Universidade de Fortaleza

________________________________________________________ Prof. Dra. Maria Vital da Rocha

Faculdade 7 de Setembro

4

Aos meus pais, Wilson e Fátima. Ao meu marido, Eduardo. Aos meus familiares e amigos. A minha orientadora Gina.

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Wilson Campos e Maria de Fátima Parente Campos, por me ensinarem a ser forte diante das adversidades da vida sem deixar de lado a alegria e o entusiasmo que são minhas notas distintivas, meu eterno agradecimento. Ao meu marido, Eduardo Lago Castello Branco, pelo incentivo, atenção e compreensão nos momentos difíceis. Por todas as vezes que se colocou a minha disposição. Enfim, pelo amor incondicional que sempre demonstrou ter por mim. A minha querida orientadora, Professora Doutora Gina Marcílio Vidal Pompeu, por todos os momentos dedicados à orientação desta pesquisa e por servir de exemplo de autenticidade, caráter e perseverança. A Professora Núbia Maria Garcia Bastos e ao Professor José Bastos pela atenção e presteza com que me receberam. Ao Professor Pós-Doutor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima e à Professora Doutora Maria Vital da Rocha, que muito me honram ao aceitarem compor a banca examinadora desta dissertação. Aos meus amigos Ivan Magalhães e Virginia Batista, Gilson Rios e Alice Becco, Ivan Dias e Thereza Novais, João Henrique Dummar Antero e Talitha Vieira, Diego Capibaribe, por acompanharem de perto o desenvolver deste estudo, por entenderem todas as vezes que tive de dizer não aos seus convites e ainda assim me incentivarem a seguir adiante. A minha amiga e colega do Mestrado em Direito Constitucional, Isabel Freitas, por compartilhar comigo todas as alegrias e aflições que permearam a realização deste trabalho. A todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho.

6

“C’est une experience éternelle que tout homme qui a du puvoir, est porté à en abuser; il va jusqu’à ce qu’il trouve des limites”. Monstesquieu, De l’esprit de lois, XI, 4.

7

RESUMO

A busca pelo conhecimento acerca dos eventos naturais e do fenômeno da criação da vida parece ter motivado o homem a seguir em direção ao contínuo e acelerado desenvolvimento da ciência. Neste processo cada descoberta conduziu a novos questionamentos, que o impulsionaram a seguir adiante. Com o avanço da ciência e a sua consequente especificação, surgiu um ramo que se denominou “ciência da vida”, que se dedica ao estudo do próprio ser humano. Era questão de tempo até que o homem passasse a dominar certos processos que antes eram considerados estritamente naturais. Como resultado desta inquietude, ele conseguiu criar a vida humana em laboratório, com a finalidade de contornar a esterilidade conjugal. O domínio destas técnicas de reprodução assistida fez surgir muitos questionamentos de ordem ética, jurídica, psicológica e religiosa. Este trabalho tem o objetivo de discutir algumas destas questões e contribuir para ampliar o debate ético e jurídico dos temas nele abordados. Para tanto, inicialmente é feita uma abordagem acerca de duas novas ciências que servirão de base para a presente pesquisa, quais sejam: a Bioética, e os princípios que a informam, e o Biodireito. Num segundo momento, são apresentadas as técnicas de reprodução humana medicamente assistidas e, em seguida, passa-se a expor a questão dos embriões excedentes daquelas técnicas, bem como os destinos que lhes podem ser dados. Analisa-se, posteriormente, o problema da tutela jurídica a ser destinada a esses embriões excedentários. Segue-se com a apresentação das teorias que se dedicam a fixar o termo inicial da vida e propõe-se que estes embriões sejam compreendidos como um novo status jurídico, que necessita de especial proteção do ordenamento em estatuto jurídico próprio. Comenta-se sobre o art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), no que diz respeito às pesquisas com células-tronco embrionárias, a Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de 1992, do Conselho Federal de Medicina, e os principais projetos de lei que tratam da reprodução assistida. Por fim, promove-se uma análise crítica da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, de 30 de maio de 2005, julgada em 29 de maio de 2008, que autorizou as pesquisas com células-tronco embrionárias. Conclui-se com a afirmação de que a vida humana deve ser respeitada, com fundamento no princípio da dignidade humana e no direito à vida, ainda que seja vida humana criada e mantida em laboratório, nos casos em que se verifica a criopreservação. Palavras-chave: Reprodução assistida. Embriões excedentes. Células-tronco. Princípio da dignidade humana. Direito à vida.

8

ABSTRACT

The search for knowledge on natural events and the phenomenon of creation of life seems to have motivated man to follow towards the continuous and rapid development of science. In this process each discovery lead to new questions that stimulated man to keep moving on. With the advances in science and its resulting specification, was created a branch called "life science", dedicated to the study of the human being. It was matter of time until man came to dominate certain processes that were previously considered strictly natural. As a result of this concern, man was able to create human life in a laboratory, in order to circumvent the conjugal sterility. The field of assisted reproduction techniques has surficed questions of ethical, legal, psychological and religious order. This work is aimed at discussing some of these issues and help broaden the debate on ethical and legal issues. Thus, an approach is initially taken about two new sciences as a basis for the present research, namely: the Bioethics, and the principles that inform it, and Biolaw. In a second moment, we present the techniques of medically assisted human reproduction, then, an exposure on the issue of surplus embryos from those techniques, as well as the destinations they can be given. We later analyze the problem of legal protection aimed at those surplus embryos. Following, is the presentation of the theories involved in setting the initial term of life and suggests that these embryos are comprehended in a new legal status that needs special protection status from the ordenment in proper juridic statute. Comments are made to art. 5 of Law No. 11105 of March 24, 2005 (Law on Biosafety), regarding research with embryonic stem cell, Resolution No 1358 of 11 November 1992, the Federal Council of Medicine, and the major project bills dealing with assisted reproduction. Finally, it promotes a critical analysis of the decision of the Supreme Court at the Direct Action of Unconstitutionality No 3510 of 30 May 2005 which authorized the studies with embryonic stem cells. Concludes with the assertion that human life must be respected, based on the principle of human dignity and the right to live, even human life created and maintained in the laboratory. Keywords: Assisted reproduction. Surplus embryos. Stem cells. Principle of human dignity. Right to live.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 A BIOÉTICA E O BIODIREITO 21

1.1 A Bioética 22

1.1.1 O princípio da beneficência 25

1.1.2 O princípio da não-maleficência 27

1.1.3 O princípio da autonomia 28

1.1.4 O princípio da justiça 30

1.2 O Biodireito 33

2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES EXCEDENTES 37

2.1 A inseminação artificial – IA 39

2.2 A fecundação in vitro – FIV 41

2.3 A transferência intratubária de gametas – GIFT 46

2.4 A maternidade de substituição 47

2.5 A doação de embriões 48

2.6 Os embriões excedentes 49

3 A TUTELA JURÍDICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES 64

3.1 O início da vida 65

3.1.1 A doutrina concepcionista 67

3.1.2 A doutrina genético-desenvolvimentista 69

3.1.3 A doutrina natalista 72

3.2 A dignidade da pessoa humana e o respeito à vida 74

3.3 A personalidade no Código Civil 78

3.4 A questão do aborto 84

3.5 O embrião como um novo status jurídico 87

3.6 Lei de Biossegurança 90

3.7 Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina 93

10

3.8 Projetos de lei sobre a reprodução assistida 95

4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS PESQUISAS CIENTÍFICAS COM

CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS 101

4.1 Voto do Relator 103

4.2 Votos dos demais Ministros 111

CONCLUSÃO 118

REFERÊNCIAS 127

ANEXOS 135

11

INTRODUÇÃO

A humanidade pôde comemorar ao longo da história grandes conquistas

nos mais diversos campos da ciência, notadamente naquele que se convencionou

denominar de “ciências da vida”, assim consideradas aquelas voltadas para o

estudo do próprio homem nos seus distintos planos de existência, seja ele

biológico, moral ou social.

A cada nova descoberta, o conhecimento adquirido faz renascer no homem

aquela inquietação que o impulsiona a saber mais, a ir cada vez mais fundo nas

questões que tratam da sua própria existência, do domínio da vida e da morte,

bem como da qualidade desta vida. O que antes pertencia exclusivamente aos

domínios da natureza, e só podia ser explicado pelos mitos, agora está à

disposição do homem, podendo ser explicado pela ciência.

Ocorre que juntamente com as conquistas trazidas pelas ciências da vida,

veio uma série de questionamentos ligados ao campo da ética, que terminou por

causar implicações na seara jurídica, em especial no que diz respeito à proteção

da vida e da dignidade da pessoa humana. Isto se dá porque o homem, na ânsia

de obter as respostas que procura, não reconhece limites, razão pela qual não

pode viver sem regras.

A ciência não pode ser considerada, por si só, como boa ou má. O que a

caracteriza como tal é o uso que lhe é empregado. É justamente neste ponto que

atua o Direito, impondo os limites necessários às atitudes do homem, em prol dos

interesses do próprio homem enquanto ser individual e social.

12

A pesquisa científica é de grande importância e deve ser protegida pelo

ordenamento jurídico, mas se devem pôr em perspectiva os limites aos quais ela

deve se submeter. Não se pode admitir que o homem seja vítima da sua própria

ciência, haja vista que esta só tem razão de existir em função dele, promovendo-

lhe uma melhor qualidade de vida. Deve-se questionar até que ponto é eticamente

possível a manipulação da vida humana sem que isso possa significar uma afronta

ao próprio ser humano. No mesmo sentido afirma Diniz (2006, p. XXIV):

Com essa nova faceta criada pela biotecnociência, que interfere na ordem natural das coisas para ‘brincar de Deus’, surgiu uma vigorosa reação da ética e do direito, que, aqui, procuramos ressaltar fazendo com que o respeito à dignidade da pessoa humana seja o valor-fonte em todas as situações, apontando até onde a manipulação da vida pode chegar sem agredir.

Os novos conhecimentos trazidos do campo das ciências da vida colocaram

à disposição do homem inúmeras tecnologias, também conhecidas como

biotecnologias, dentre as quais podem ser citadas as transfusões de sangue, os

transplantes de órgãos e tecidos humanos, o diagnóstico de doenças, inclusive o

diagnóstico pré-natal, através de diversos exames com maior ou menor grau de

invasão, a mudança de sexo, entre outras. Mas foi na área da reprodução

humana, com a possibilidade de criar vida humana em laboratório, que teve início

um novo momento que revolucionou as idéias acerca da criação, levantando

questões até então inimagináveis.

No ano de 1978, o mundo acompanhou perplexo o nascimento do primeiro

bebê de proveta da história da humanidade, Louise Joy Brown, após 15 (quinze)

anos de pesquisa, sob os cuidados dos Drs. Patrick Setptoe e Robert Edwards,

em Oldham, na Inglaterra. A partir daí houve um rápido aperfeiçoamento destas

técnicas, que se desenvolveram e se difundiram a uma velocidade incrível, e, logo

em seguida, países do mundo inteiro começaram a anunciar seus primeiros bebês

de proveta.

13

O advento destas técnicas possibilitou que casais acometidos pela

infertilidade pudessem pôr em prática seu projeto parental, realizando seu sonho

de ter filhos. Assim, concorda-se com Franco Júnior e Pedrosa Neto (1998, p.

113), ao afirmar que “o determinismo biológico da reprodução e a satisfação do

casal com a chegada de um filho justificam plenamente a utilização das técnicas

de reprodução assistida”.

Todavia, o domínio das técnicas de reprodução humana assistida trouxe

consigo uma série de questionamentos éticos, jurídicos, psicológicos e religiosos.

Isto porque a reprodução pode ser feita, por exemplo, com material genético de

terceiro (doador de óvulo ou espermatozóide), estranho ao casal, dando margem a

questionamentos sobre a maternidade ou a paternidade, ou a ambos, bem como

sobre o sigilo do doador, ou, ainda, sobre os direitos do ser humano gerado, tais

como conhecimento de seus genitores, filiação completa, alimentos, direitos

sucessórios etc.

Outra situação que pode acontecer é o ser humano ser gerado no útero de

outra mulher, o que daria ensejo à dúvida sobre quem deverá ser considerada

mãe, a que gerou ou a que confiante aguarda o nascimento de um filho que talvez

não chegue aos seus braços? Seria possível a locação de um útero? Há ainda a

possibilidade de ser um dos cônjuges manipulado pelo outro a recorrer a uma ou

outra técnica por meio de chantagem ou de outro artifício, desconhecido pelo

médico, fazendo-se questionar se seria lícita a interrupção da gravidez nestes

casos.

Estas são apenas algumas das situações que podem surgir com a

utilização das técnicas de reprodução assistida. O fato é que, ainda hoje,

aproximadamente quarenta e um anos após o nascimento do primeiro bebê de

proveta, o Brasil ainda não tem uma lei que regulamente a reprodução humana

assistida, impondo limites a sua utilização, deixando a critério dos médicos e

14

usuários a decisão acerca do que é ou não é aceitável do ponto de vista da

salvaguarda do direito à vida e do princípio da dignidade humana.

Observa-se que o Direito não é capaz de prever, ou mesmo acompanhar,

os avanços científicos. Mas deve o legislador brasileiro sair da sua zona de

conforto e se colocar numa posição mais ativa, de modo a enfrentar as demandas

da sociedade de forma mais ágil, evitando maiores problemas que podem decorrer

da sua inércia.

A demora na regulamentação das técnicas de reprodução assistida, seja

ela proposital ou não, deixou nas mãos dos médicos e usuários o destino destas

técnicas. Tal fato teve seu preço. Uma das técnicas de reprodução assistida mais

utilizada é a fertilização in vitro, pela qual ocorre a manipulação em laboratório dos

gametas masculinos e femininos para a formação do embrião e posterior

implantação no útero materno. Na falta de lei que determinasse a quantidade de

embriões que poderiam ser formados, a prática médica, com o intuito de evitar

outros procedimentos para retirada de óvulos dada a sua pouca durabilidade,

começou a extraí-los de uma só vez e em grande quantidade, fecundando-os e

congelando os embriões que não foram implantados para posterior tentativa de

gravidez.

O resultado desta prática foi a sobra de vários embriões congelados que

por um motivo ou por outro não despertam mais o interesse dos seus genitores e

findaram por exceder ao projeto parental, não tendo qualquer perspectiva de

serem implantados. Esta situação, como já se pode antever, deu origem a novos

questionamentos, tais como: o que fazer com estes embriões? Deixá-los

congelados eternamente? Simplesmente desfazer-se deles? Poderiam eles ser

doados para outro casal? E para a pesquisa científica?

É precisamente sobre esses embriões excedentes das técnicas de

reprodução assistida que se debruçará a presente dissertação. Responder, ainda

que não seja de forma absoluta, aquelas questões e aos seus desdobramentos

15

éticos e jurídicos é o seu principal objetivo. Dentre elas uma merece especial

atenção, qual seja: a que se refere à doação do embrião excedente para pesquisa

científica.

Não obstante a inexistência de uma lei que trate da reprodução humana

assistida, o Brasil dispõe, desde 24 de março de 2005, da Lei n. 11.105, também

conhecida como Lei de Biossegurança, que prevê a utilização dos embriões

excedentes da reprodução assistida em pesquisas científicas, desde que

atendidos alguns requisitos. Ocorre que quando da sua entrada em vigor, os

artigos que tratam da utilização desses embriões para pesquisa foram atacados

pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.510, cujo recém julgamento pelo

Supremo Tribunal Federal, considerado histórico, será relembrado e analisado no

decorrer desta exposição.

Assim, este trabalho se dedica ao estudo de questões que têm como sujeito

o embrião excedente das técnicas de reprodução assistida. Procura-se, para

tanto, analisar: quais os efeitos causados no ordenamento pátrio pelos novos

paradigmas das ciências biotecnológicas, notadamente os das técnicas de

reprodução assistida que tem, na maioria das vezes, como produto final os

embriões excedentes? Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo Direito,

notadamente no que diz respeito à proteção desses embriões diante da

possibilidade da sua coisificação pelas pesquisas científicas? Como tornar

possível a assunção desses novos paradigmas com a finalidade ética do

ordenamento jurídico brasileiro?

O estudo do tema em questão revela sua importância, na medida em que o

fato de não dispor o Brasil de uma legislação específica que regule e limite o uso

das técnicas de reprodução assistida, tampouco que reconheça o embrião in vitro

como uma nova realidade jurídica, carente de um estatuto jurídico próprio, que o

proteja, assegurando-lhe e conferindo-lhe direitos, gera uma grande insegurança

16

jurídica e põe em risco os direitos e princípios fundamentais que são previstos

pela Constituição.

Assim, este trabalho tem como objetivo geral estudar a variação

comportamental do ordenamento jurídico brasileiro em face da problemática

advinda das técnicas de reprodução humana assistida, dos embriões excedentes

e das pesquisas científicas que envolvem a utilização destes, bem como,

especificamente, demonstrar a relação existente entre o estudo da Bioética,

entendida com ética da vida, e o tema escolhido, analisar os efeitos decorrentes

do uso das técnicas de reprodução assistida no universo jurídico, em especial no

que diz respeito a sua regulamentação e a proteção jurídica dos embriões

excedentes enquanto seres humanos, e apontar, ao final, algumas soluções

passíveis de compatibilizar os interesses da ciência com a finalidade ética do

ordenamento jurídico.

Quanto aos aspectos metodológicos, a investigação das hipóteses se deu

por meio de pesquisas bibliográfica e documental, com a análise de livros e artigos

sobre do tema em pauta, bem como da legislação vigente e da Ação Direta de

Inconstitucionalidade de n. 3510 proposta ao Supremo Tribunal Federal. No que

tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura,

visto o intuito de aumentar o conhecimento sobre o objeto da mesma. Quanto à

abordagem, é qualitativa, uma vez que há uma maior preocupação com o

aprofundamento e a abrangência do tema em estudo, não buscando critérios de

representatividade numérica. É descritiva e exploratória, segundo os objetivos,

posto que classifica, explica e interpreta os fatos, assumindo a forma bibliográfica,

com interferência da pesquisadora, o que se dá através do seu posicionamento

com relação às divergências doutrinárias apresentadas.

Para tanto, o trabalho foi dividido em quatro capítulos, dispostos da

seguinte forma: o primeiro – A Bioética e o Biodireito – atua como “pano de fundo”

para o estudo realizado, uma vez que é imprescindível o prévio conhecimento dos

17

princípios e do complexo jurídico que o norteia. A Bioética surge como uma

tentativa de minimizar, e quando possível evitar, as ameaças que as novas

biotecnologias representam para o homem. Trata-se de uma ética voltada para as

questões que dizem respeito não apenas à vida humana, mas uma vida com

dignidade. Com base nos princípios bioéticos da beneficência, da não

maleficência, da autonomia e da justiça, procura-se responder aos

questionamentos éticos que surgem com o progresso científico.

No entanto, a Bioética sozinha não é suficiente, já que não tem o condão de

impor condutas, mas apenas de lançar reflexões e propor caminhos que devem

ser observados tanto pelos profissionais da saúde quanto pelo Direito. É neste

contexto que tem lugar um novo ramo do conhecimento jurídico, o Biodireito.

Assim como ocorre com a Bioética, o Biodireito é voltado para as questões que

envolvem a vida. O direito à vida, o princípio da dignidade humana e os princípios

bioéticos devem ser entendidos como fundamento de uma legislação que preserve

o ser humano contra a arbitrariedade da ciência. Esta é a principal tarefa do

Biodireito, qual seja, promover um reencontro entre ética e Direito com o fim de

proteger o homem nestes novos tempos.

O segundo – As técnicas de reprodução assistida e os embriões

excedentes – demonstra os principais procedimentos utilizados naquelas técnicas,

bem como suas indicações. O conhecimento das técnicas de reprodução humana

assistida tem relevância para o estudo que ora se apresenta, já que não são todas

elas que têm como resultado final os embriões excedentes objeto deste trabalho.

Assim, abordam-se as seguintes técnicas: inseminação artificial, homóloga ou

heteróloga; a fecundação in vitro, com doação de óvulo, de esperma ou de ambos,

com injeção intracitoplasmática de esperma; a transferência intratubária de

gametas; a maternidade de substituição e a doação de embriões.

Conhecidas as técnicas de reprodução humana assistida e identificada a

que produz os embriões excedentes, demonstra-se a origem da existência e os

18

diversos destinos que podem lhes ser dados. Desta forma, ponderam-se os

seguintes temas: congelar ou não congelar, destruição, descarte direto ou

descarte simulado de embriões, doação de embriões de casal para casal ou para

fins de pesquisa científica.

O terceiro – A tutela jurídica dos embriões excedentes – apontam-se as

teorias científicas que tratam do início da vida. Referidas teorias têm o objetivo de

fixar a partir de que momento tem início a vida humana. Aqui, estudam-se as

teorias concepcionista, genético-desenvolvimentista e a natalista, com seus

eventuais desdobramentos.

Neste capítulo se apresentam o princípio da dignidade humana e o direito à

vida como direito fundamental do ser humano, ambos consagrados pela

Constituição Federal de 1988. O primeiro, previsto no artigo 1º, III, da

Constituição, é compreendido como fundamento da República Federativa do

Brasil. Enquanto o segundo, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição, foi

elevado à categoria de direito fundamental do indivíduo.

Pontua-se a inadequação da categorização oriunda do Direito Privado

clássico, ao evidenciar a necessidade de se definir o embrião in vitro como um

novo status jurídico, equiparando-o ao nascituro enquanto não houver legislação

própria, com o escopo de preservar-lhe a dignidade e o direito à vida, inerente

pela condição de ser humano. Trata da questão do aborto e propõe a elaboração

de um estatuto jurídico do embrião.

Abordam-se, ainda, os pontos mais relevantes da Lei nº 8.974, de 05 de

janeiro de1995, antiga Lei de Biossegurança, e o artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24

de março de 2005, atual Lei de Biossegurança, que foi objeto da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.510, proposta em 30 de maio de 2005; a Resolução nº

1.358, de 19 de novembro de 1992, do Conselho Federal de Medicina; e os

principais projetos de lei sobre a reprodução assistida. Alerta-se para a

necessidade de um estudo de caráter interdisciplinar sobre o tema em tela, dada a

19

sua relevância e complexidade, sob pena de se aprovarem leis que promovam a

instrumentalização do ser humano, desrespeitando o sistema de valores previsto

na Constituição Federal de 1988.

No quarto e último capítulo – O Supremo Tribunal Federal e as pesquisas

com células-tronco embrionárias – procede-se à análise crítica dos votos

proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, que teve por objeto o artigo 5º da atual Lei de

Biossegurança.

Observa-se, por fim, que a todo instante deve-se buscar a preservação da

vida. O direito à vida digna é inerente à condição de ser humano, de forma que

não cabe ao Direito concedê-lo a um ou a outro, mas reconhecê-lo e protegê-lo.

Assim, as manipulações dos embriões excedentes das técnicas de reprodução

assistida que resultem em sua destruição devem ser abolidas por contrariar o

ordenamento jurídico.

Diante do exposto, infere-se a relevância jurídica do presente estudo

dedicado à questão dos embriões excedentes das técnicas de reprodução

humana assistida, principalmente no que diz respeito às pesquisas com células-

tronco embrionárias, que tem causado uma grande expectativa, propagando a

esperança da cura de diversas doenças às custas da destruição em massa

daqueles embriões. Conforme Rocha (2008, p. 01):

A despeito dessa auspiciosa expectativa, cumpre-nos destacar que, se por um lado essas técnicas representam a esperança de cura de inúmeras enfermidades, entre elas as doenças neurodegenerativas, como o Mal de Parkinson e Alzheimer, por outro lado, os riscos que o procedimento acarreta, tanto no que diz respeito à vida humana individualmente considerada quanto no que concerne ao ser humano como espécie a ser preservada não consubstanciam meras expectativas, ao contrário, são reais e verificáveis- dentre os quais destacamos a destruição da vida, a instrumentalização do ente humano, a alteração do patrimônio genético, entre outras conseqüências que se revelam jurídica e eticamente questionáveis.

20

Diante de qualquer situação em que se tenha que decidir pelo homem ou

pela ciência, decida-se pelo primeiro. O ser humano deve ser entendido como um

fim em si mesmo, não podendo ser instrumentalizado pela ciência, já que esta

deve estar a serviço da humanidade e não o contrário.

21

1 A BIOÉTICA E O BIODIREITO

O crescente desenvolvimento das ciências da vida fez surgir uma série de

questões que, nos últimos anos, promoveram uma aproximação entre a Ética e o

Direito, uma vez que permitiram ao homem interferir em processos que antes

eram exclusivamente naturais. De acordo com Barroso (2007, p. 247):

O encontro entre Direito e Ética se dá, em primeiro lugar, na Constituição, onde os valores morais se convertem em princípios jurídicos. A partir daí se irradiam pelo sistema normativo, condicionando a interpretação e aplicação de todo o direito infraconstitucional.

Esta afirmação encontra reforço nas palavras de Conti (2004, p. 03), ao

definir a Ética como “o estudo do comportamento do homem em sociedade. É o

combustível que abastece a sobrevivência humana no planeta, com senso de

dignidade e da responsabilidade de uns para com os outros”. A dignidade referida

por Conti é aquela cujo valor se converteu em princípio jurídico de máxima

importância, prevista no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, reconhecida

como fundamento da República Federativa do Brasil, abaixo transcrito:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. (grifou-se).

Deste encontro entre Ética, Direito e avanços biotecnológicos surgiram

novos ramos do conhecimento humano: a Bioética e o Biodireito. O primeiro com o

objetivo de estudar o comportamento do homem frente aos avanços da ciência,

valorando-o. O segundo visa à elaboração de normas jurídicas que, pautadas nos

22

princípios da Bioética, regulamentem as pesquisas científicas, evitando condutas

que degradem a humanidade.

Conhecer o significado e a importância do estudo da Bioética e do Biodireito

é condição indispensável ao estudo dos desafios trazidos pelas novas conquistas

biotecnológicas, uma vez que seus valores e normas informarão os limites aos

quais a utilização destas estarão submetidas dentro de uma determinada

sociedade e da comunidade global.

1.1 A bioética

O termo bioética surgiu a partir da junção dos termos gregos bios e ethos,

que significam vida e ética, respectivamente. Foi utilizado pela primeira vez por

Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista norte-americano, da Universidade de

Wisconsin, em Madison, em sua obra intitulada Bioethics: a Bridge to the Future,

publicada em 1971. Nesta obra, a bioética foi compreendida como uma “ciência da

sobrevivência”, voltada para a ideia de uma ética global, relacionando-se com a

vida em geral (FABRIZ, 2003, p. 73). Era vista “como uma questão ou um

compromisso mais global frente ao equilíbrio e preservação da relação dos seres

humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta.” (COSTA; GARRAFA;

OSELKA, 1998, p. 15).

Contudo, foi somente com Andre Hellegers, fisiologista fetal holandês da

Universidade de Georgetown, que a bioética assumiu o caráter de uma ética

voltada para o âmbito da medicina e das ciências biológicas (FABRIZ, 2003, p.

74). Este sentido prevalece até os dias atuais e se coaduna com o entendimento

de ser a Bioética a ciência que se ocupa do estudo dos princípios e valores que

buscam a promoção da vida. Mas foi com a publicação da obra The Principles of

Bioethics, de Tom Beauchamp e James Childress, no ano de 1979, que a Bioética

se difundiu e se sedimentou no meio científico. (COSTA; GARRAFA; OSELKA,

1998, p. 15).

23

Conforme ensina Diniz (2006, p. 6):

Esse entrecruzamento da ética com as ciências da vida e com o progresso da biotecnologia provocou uma radical mudança nas formas tradicionais de agir dos profissionais da saúde, dando outra imagem à ética médica e, conseqüentemente, originando um novo ramo do saber, qual seja, a bioética.

Segundo Semião (2000, p. 165): “O debate atual, configurador da

denominada bioética, dá-se no campo da deontologia médica e jurídica, em

confronto com a dignidade do homem”.

Atualmente, os princípios da ética acerca da conduta aplicam-se a novas e

diversas questões que são suscitadas em decorrência da revolução

biotecnológica, que trouxe consigo diversas conquistas, dentre elas o domínio das

técnicas de reprodução assistida, que por sua vez deu ao homem a oportunidade

de interferir em um processo anteriormente regido apenas pelas leis da natureza,

qual seja, a criação da vida, fazendo com que a humanidade vivenciasse uma

nova sensibilidade ética. No mesmo sentido, para Oliveira (2008, p.45):

Não se trata de encontrar uma nova ética na bioética, mas sim, de utilizar-se da velha ética aplicada a cada questão particular que vier a surgir com o desenvolvimento das novas tecnologias [...]. A novidade das questões não permitirá o abandono da ética geral e sua substituição por uma nova ética, mas uma adaptação daquela às situações que se apresentarem.

Já no século XVIII, Immanuel Kant afirmava que os seres humanos,

dotados de racionalidade, são chamados de pessoas porque sua natureza os

diferencia como fins em si mesmos, ou seja, jamais poderão ser entendidos como

meio. Assim, há uma clara limitação dos eventuais caprichos destes seres, visto

que toda pessoa deve ser respeitada como possuidora de valor e dignidade.

(KIPPER; CLOTET, 1998, p. 42).

24

Pode-se perceber que a preocupação com as questões éticas,

especialmente no que diz respeito ao ser humano, existe há muito tempo e que,

apesar da longa data, estão cada vez mais presentes em diversos temas da

atualidade, notadamente no que tange às novas descobertas biotecnológicas.

Emerge, então, diante desses avanços biotecnológicos, a necessidade de

uma avaliação sobre a conveniência e delimitação da utilização dessas novas

tecnologias, que sem a regulamentação necessária resultará no seu uso

indiscriminado, transformando o homem em um mero instrumento do seu próprio

conhecimento. Lembra Fabriz (2003, p. 94) que:

Os problemas bioéticos envolvem as dimensões do poder, que se manifestam como produto da dominação humana sobre seres humanos e coisas. O poderio tecnológico suscita riscos inteiramente inéditos e inapreensíveis. Animado pelas várias e constantes descobertas, encontra-se fadado ao inevitável ir adiante.

Deve-se ter em mente que nem tudo que é tecnologicamente possível seja

necessariamente ético e deva ser protegido pelo ordenamento jurídico. É

exatamente neste ponto que o estudo da Bioética se faz necessário, investigando,

questionando, analisando possibilidades, sejam elas relacionadas aos acertos e

erros, aos prós e contras, bem como quanto aos benefícios e malefícios,

decorrentes do uso indiscriminado dessas novas tecnologias, com o escopo de

alertar a sociedade quanto ao perigo da não regulamentação do uso dessas novas

técnicas. Cabe à Bioética realizar juízos de valor sobre essas novas

biotecnologias.

Assim, em um determinado momento foi necessário ir além das reflexões

trazidas pela Bioética, para que fosse possível discutir e formular princípios que

deveriam ser-lhe intrínsecos e ao mesmo tempo norteadores da conduta humana.

Desta forma, tiveram origem os princípios bioéticos.

Como dito, foi com a publicação da obra The Principles of Bioethics, de

Beauchamp e Childress, em 1979, que a Bioética encontrou seu lugar no meio

25

científico. Esses autores foram os precursores da corrente denominada

“principialismo”. (COSTA; GARRAFA; OSELKA, 1998, p. 15).

Segundo o principialismo, a bioética se desenvolve a partir de quatro

princípios essenciais, quais sejam: beneficência, não maleficência, autonomia e

justiça. (KIPPER; CLOTET, 1998, p. 41). Não se trata de princípios absolutos e

não existe entre eles qualquer hierarquia, devendo o caso concreto servir de

parâmetro para a aplicação de um ou de outro.

Desta forma, havendo colisão entre os princípios que informam a Bioética,

não haverá que se falar em exclusão definitiva de um princípio, mas da escolha de

um deles que, se adequando melhor ao caso em tela, resguarde tanto quanto

possível a dignidade da pessoa humana.

Passa-se, então, a apresentação dos princípios bioéticos da beneficência,

da não maleficência, da autonomia e da justiça.

1.1.1 Princípio da beneficência

É a beneficência o dever de fazer o bem, termo derivado da expressão

latina bonum facere. Deve o profissional de saúde praticar o bem em relação ao

seu paciente, procurando sempre a melhor forma de tratar o paciente como um

todo e não apenas a doença. Segundo Fabriz (2003, p. 107):

[...] o princípio da beneficência indica a obrigatoriedade do profissional da saúde e do investigador de promover primeiramente o bem estar do paciente. O princípio da beneficência demonstra ser, em seus imperativos, de extrema importância na delimitação de padrões de conduta. [...] Tal princípio põe em pauta uma série de indicativos que devem ser levados em consideração nas práticas ligadas à biociência.

Sobre referido princípio, manifesta-se Diniz (2006, p. 17):

26

O princípio da beneficência requer o atendimento por parte do médico ou do geneticista aos mais importantes interesses das pessoas envolvidas nas práticas biomédicas ou médicas, para atingir seu bem-estar, evitando, na medida do possível, quaisquer danos. Baseia-se na tradição hipocrática de que o profissional da saúde, em particular o médico, só pode usar o tratamento para o bem do enfermo, segundo sua capacidade e juízo, e nunca fazer o mal ou praticar a injustiça.

A benevolência, que seria uma forma genérica da beneficência, apresenta-

se como uma espécie de disposição emotiva de quem tenta fazer bem aos outros.

Caracteriza-se como uma virtude, algo que, de forma geral, todos os seres

humanos normais possuem. (KIPPER; CLOTET, 1998, p. 42).

A prática do bem é um dever que deve ser cumprido, não só pelo

profissional da saúde, mas por todos, independentemente da sua profissão. Para

Sá e Naves (2009, p. 33): “O princípio da beneficência impõe ao profissional da

saúde ou ao biólogo o dever de dirigir esforços no sentido de beneficiar o ser

pesquisado”.

Referido dever não tem, todavia, caráter absoluto, visto que pode ocorrer

de dois deveres iguais entrarem em conflito, ou ainda, que o dever de praticar o

bem conflite com um dever maior, situações que demonstram o caráter

condicional da beneficência. Por exemplo, manter alguém que se encontra em

estado vegetativo vivo por tempo indeterminado, com o auxílio de aparelhos,

somente para satisfazer a família, sem pensar no consequente sofrimento

experimentado pelo paciente.

Existe uma forma exacerbada de beneficência, conhecida por paternalismo.

Trata-se do resultado de uma relação desequilibrada entre o médico e o paciente,

na qual o primeiro, sob o prisma da beneficência, age de acordo com suas

convicções, desrespeitando ou simplesmente não perguntando qual a opinião do

paciente. O autoritarismo do médico acaba por anular o paciente. Tal conduta

deve ser refutada no meio médico, por não enxergar o paciente como um ser

humano digno e merecedor de respeito.

27

1.1.2 Princípio da não maleficência

O princípio da não maleficência, derivado da expressão latina primum non

nocere, assim como o princípio da beneficência, não tem caráter absoluto, pois

envolve, na maioria das vezes, a abstenção da prática de uma determinada

conduta, com vistas a não causar dano a alguém; ao contrário do que ocorre com

o princípio da beneficência, que é e requer ação. Em outras palavras: enquanto o

princípio da beneficência requer um fazer, o princípio da não maleficência requer

um não fazer, não sendo exigida a prática de qualquer conduta, uma vez que seu

principal objetivo é se abster para não lesar.

Para Fabriz (2003, p. 107), o princípio da beneficência engloba o da não

maleficência, sendo considerado por Diniz (2006, p. 18) um desdobramento

daquele. Todavia, devem ser entendidos como deveres independentes e não

absolutos, uma vez que enquanto o dever de não fazer o mal é imposto

efetivamente a todos, o de fazer o bem, na prática, acaba por ser menos

abrangente. Conforme Silva (2002, p. 174):

A bem da verdade, o princípio da beneficência, que corresponde à obrigação hipocrática de fazer o bem (do latim bonum facere), e o princípio da não-maleficência, que igualmente corresponde a uma obrigação hipocrática, a de não causar o mal (do latim non nocere), nada mais são do que desdobramentos do reconhecimento da dignidade da pessoa humana no âmbito biomédico.

O “não causar danos” a que se refere o princípio em tela deve ser

interpretado segundo o interesse do paciente, uma vez que o sofrimento

experimentado pelo ser humano só encontra justificativa quando o mesmo é o

primeiro, senão o único, a ser beneficiado.

28

1.1.3 Princípio da autonomia

Questiona-se, atualmente, sobre qual deve ser a postura do médico no que

tange ao esclarecimento do paciente. Saber se deve contar-lhe tudo ou se deve o

médico omitir determinados fatos ao paciente, procurando para tanto um familiar

ou alguém que possa estar a par da real situação do paciente, decidindo junto ao

médico as condutas a serem seguidas. Para Diniz (2006, p. 16-17):

O princípio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a vontade do paciente, ou de seus representantes, levando em conta, em certa medida, seus valores e crenças religiosas. Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento. Considera o paciente capaz de autogovernar-se, ou seja, de fazer suas opções e agir sob a orientação dessas deliberações tomadas, devendo, por tal razão, ser tratado com autonomia.

À capacidade que o ser humano tem de decidir o que julga melhor para si,

dá-se o nome de autonomia. Relata Oliveira (2008, p. 48) que:

Este critério foi introduzido na ética médica nos anos 70, quando houve uma revolução no relacionamento médico-paciente. Eis que emergiu desse comportamento uma relação entre sujeitos, em que o paciente não era mais percebido como objeto. É uma relação de sujeitos autônomos, e que estabelecem relações entre si, compartilhando decisões em parceria e no gozo de plenos direitos [...]

Ao tratar do princípio da autonomia, Sá e Naves (2008, p. 34) afirmam que:

A relação médico-paciente sofre substancial transformação com a consideração desse princípio. A relação de autoridade perde espaço para a consideração do paciente como sujeito partícipe do processo de tratamento. Para tanto, o processo de intervenção deve ser transparente, permitindo que o paciente tenha o máximo de informação antes de decidir.

É pressuposto do ato autônomo, além da liberdade de opção, a liberdade

de ação (MUÑOZ; FORTES, 1998, p. 57). Isso significa que, embora na maioria

das vezes não se possa escolher o que irá acontecer, poder-se-á decidir como

29

agir diante de cada situação. Portanto, é dever do profissional da saúde informar e

esclarecer seu paciente sobre tudo que lhe diga respeito, para que não haja

cerceamento desta autonomia, visto que não há liberdade sem informação.

Leciona Fabriz (2003, p. 109) que:

Identificado como respeito à pessoa, o princípio da autonomia (autos, eu; nomos, lei) denota que todos devem ser responsáveis por seus atos. A responsabilidade, nesse sentido, implica atos de escolha. Devem-se respeitar a vontade, os valores morais e as crenças de cada pessoa.

O paciente tem o direito de ser ou não ser informado, de acordo com sua

convicção, sobre o seu diagnóstico, prognóstico, bem como sobre as condutas

diagnósticas e terapêuticas a serem utilizadas, visto que só assim poderá dar seu

consentimento livre e esclarecido para a realização daquelas condutas. Seguem o

mesmo entendimento Muñoz e Fortes (1998, p. 65):

A informação é a base das decisões autônomas do paciente, necessária para que ele possa consentir ou recusar as medidas ou procedimentos de saúde que lhe foram propostos.O consentimento esclarecido requer adequadas informações, compreendidas pelos pacientes. A pessoa pode ser informada, mas isto não significa que esteja esclarecida, caso ela não compreenda o sentido das informações fornecidas, principalmente quando as informações não forem adaptadas às circunstâncias culturais e psicológicas.

E continuam os referidos autores (1988, p. 67):

A pessoa autônoma também tem o direito de ‘não ser informada’. Ser informado é um direito e não uma obrigação do paciente. Ele tem o direito de recusar ser informado. Nestes casos, os profissionais de saúde devem questioná-lo sobre quais parentes ou amigos quer que sirvam como canais de informação.

Para Silva (2008, p. 69):

O princípio da autonomia reclama a transmissão de informações ao paciente, de modo que, a partir dos elementos apresentados pelo profissional técnico, lhe seja possível escolher, com a assistência do profissional da saúde, qual a melhor direção a ser seguida. Anote-se que este princípio da Bioética,assim como os demais, se constitui em um direito em favor do paciente.

30

Todavia, o princípio da autonomia não temo condão submeter o profissional a emulações do paciente, mas, ao contrário, tem por escopo propiciar desde que possível, uma linha de tratamento mais coerente com as pretensões almejadas pelo destinatário da intervenção.

Observa-se corriqueiramente certa tendência médica em agir sob o prisma

exclusivo da beneficência, ou seja, de forma paternalista, tendo como resultado a

anulação da vontade do paciente, transformando de sujeito desta relação em

objeto. Para Fabriz (2003, p. 109): “O princípio da autonomia justifica-se como

princípio democrático, no qual a vontade e o consentimento livres do indivíduo

devem constar como fatores preponderantes, visto que tais elementos ligam-se

diretamente ao princípio da dignidade humana”.

Vale lembrar que o ser humano não nasce autônomo, ele se torna

autônomo, e essa autonomia não deve ser um direito absoluto. O que se garante é

o direito e proteção à vida, mas não a disposição sobre ela. Equipara-se o

significado dessa autonomia ao da capacidade para o exercício de direitos, ou

seja, todos nascem sujeitos de direito, contudo a capacidade para exercê-los vem

com o tempo e maturidade suficientes.

1.1.4 Princípio da justiça

A questão da justiça sempre suscitou inúmeros e apaixonados debates.

Desde a antiguidade à atualidade, muitos foram os filósofos que tentaram

responder à eterna indagação que tanto angustia a humanidade, a saber: o que é

a justiça? Contudo, nenhuma teoria foi capaz de respondê-la de forma definitiva,

tendo em vista a forte carga de subjetividade deste conceito. Sobre o tema,

manifesta-se Fabriz (2003, p. 118-119):

Não obstante e a despeito das divergências entre os vários posicionamentos sobre a justiça, vale destacar que tal conceito, para ser compreendido como sendo o mais adequado, deve-se manifestar como produto de um consenso que se realiza pelas vias de uma democracia pluralista.

31

Para o citado autor (2003, p. 111):

O princípio da justiça, no campo da Bioética, indica a obrigação de se garantir uma distribuição justa, equitativa e universal dos bens e serviços (dos benefícios) de saúde. Liga-se ao contexto da cidadania, implicando uma atitude positiva do Estado, no que se refere ao direito à saúde.

O princípio, de que ora se trata, tem cunho eminentemente social. É meio

pelo qual a sociedade atua na relação médico-paciente. Corresponde ao princípio

da igualdade, e busca saber o que é justo ou injusto. Segundo Diniz (2006, p. 18):

O princípio da justiça requer a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, no que atina à prática médica pelos profissionais da saúde, pois os iguais deverão ser tratados igualmente. Esse princípio, expressão da justiça distributiva, exige uma relação equânime nos benefícios, riscos e encargos, proporcionados pelos serviços de saúde ao paciente.

Tem-se observado que existe uma forte tendência, na atualidade, a se

legitimar decisões políticas que têm como finalidade a restrição de investimentos

na área da saúde, amparando-se, para tanto, nas mais variadas teorias de justiça,

que para as autoridades competentes tanto influenciam quanto fundamentam suas

argumentações.

Ocorre que os gastos com a saúde pública passam longe de ser suficientes

para o atendimento da demanda. Deveria haver um maior investimento na área da

saúde, porém, a quem cabe decidir não interessa a questão. Não se está pedindo

um nível de excelência em saúde pública digno de países de primeiro mundo, mas

que sejam atendidas as necessidades básicas, que seja garantido a todos um

atendimento com um mínimo de qualidade. Giovanni Berlinguer, em seu livro Ética

de la Salud (SIQUEIRA, 1998, p. 71), afirma que: “Ontem a ética tratava de

Justiça, do acesso aos serviços de saúde, dos direitos dos enfermos; hoje, fala-se

unicamente da racionalização dos tratamentos médicos”.

A saúde, além de um direito, é um bem que deve ser destinado a todos,

porque somente ao se garantir um nível de saúde adequado é que se poderá falar

32

em ética e em justiça. É no corpo de uma Constituição que podem ser percebidos

os princípios de justiça que regem uma determinada sociedade. No caso

específico da Constituição da República Federativa do Brasil, a saúde é erigida à

categoria de direito fundamental, conforme artigos 6º e 196, abaixo transcritos:

Art.6º. São direitos sociais a educação, a saúde , o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifou-se). [...] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado , garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. (grifou-se).

Assim, segundo Sá e Naves (2008, p. 35):

O princípio da justiça refere-se ao meio e fim pelo qual se deve dar toda intervenção biomédica, isto é, maximizar os benefícios com o mínimo custo, Nesse ‘mínimo custo’, devem estar abrangidos não apenas os aspectos financeiros, que quando bem equacionados permitem a igualdade de acesso aos serviços de saúde, mas também os custos sociais, emocionais e físicos. Ou seja, justa é a intervenção médica que leva em conta os valores do paciente, bem como sua capacidade de deliberação e unidade psicofísica.

Sobre os princípios que norteiam a Bioética, Fabriz (2003, p. 119) se

manifesta no sentido de que: “Da tríade de princípios que devem informar a prática

no campo das ciências da vida, o da justiça destaca-se como sendo o mais

elevado, visto que envolve valores que devem ser respeitados pelo conjunto da

sociedade”. 1

Quando se trata de tomada de decisões no âmbito das ciências

biomédicas, saber o que é certo e agir com prudência é tarefa difícil, mas nem por

isso deve deixar de ser intentada. Santos (1998, p. 55-56) lembra que:

1 Fabriz (2003) faz parte de uma corrente que entende existir uma trindade ou tríade de princípios bioéticos, quais sejam: beneficência, autonomia e justiça. Segundo este autor, o princípio da não maleficência é uma decorrência do princípio da beneficência.

33

Os princípios, por si sós, nunca decidem questões éticas, isto é, podemos aderir a força moral dos princípios somente através do estudo de como eles são aplicados e dentro de situações particulares. A aceitação dos princípios citados não descarta a possibilidade de que surjam discordâncias radicais quanto ao objeto de sua aplicação. [...]. Em caso de conflito, serão a situação concreta e suas circunstâncias que indicarão a precedência. Não podemos confundi-los comum simples código deontológico.

Pode-se afirmar que os princípios bioéticos ora tratados visam à garantia do

direito à vida e à dignidade humana, sem as quais os demais direitos pouco ou

nada valerão. Assim, à luz do caso concreto e dos princípios informadores da

Bioética, deve o profissional da saúde procurar encontrar a melhor solução para

os envolvidos, buscando sempre a preservação da vida, da dignidade e o ideal da

justiça.

1.2 O Biodireito

Na busca por novos conhecimentos, o homem não reconhece a existência

de limites, sejam eles naturais, físicos, morais ou éticos. Esta afirmação se faz

mais patente quando se trata das novas descobertas da ciência e das novas

tecnologias relacionadas com a vida, uma vez que a ciência só deve existir em

função da promoção da vida, da saúde e do bem-estar do homem, de forma que

se afigura inadmissível a instrumentalização do ser humano.

Todavia, a cegueira provocada pelo saber demonstra a necessária

intervenção do Estado, criando normas jurídicas que regulamentem a atividade

científica e, quando necessário, o legitime a agir coercitivamente, tendo em vista

que as normas de caráter deontológico não têm qualquer obrigatoriedade. De

acordo com Conti (2004, p. 12):

As regulamentações alternativas existentes são ineficazes e muitos as consideram injustas, pois não são uniformes em todos os países. Acreditamos que uma legislação firme deve ser criada a fim de que

34

regulamente questões, que estão há muito tempo esperando normatização.

O homem sempre deverá ser entendido como um fim em si mesmo, jamais

como uma meio posto à disposição da ciência. Segundo Vieira (1999, p. 18):

Percebemos que a ciência está caminhando mais rápido que a reflexão ética por parte da sociedade. A humanidade ainda não encontrou respostas para diversas questões éticas. Muitos requerem a discussão e a elaboração de leis sobre a bioética para legitimar a sua prática ou para proibir experiências julgadas abusivas. No entanto, com o progresso veloz das pesquisas biológicas, corre-se o risco de já estarem defasadas no momento da sua promulgação.

Da necessidade de regulamentação das questões trazidas pela Bioética e

da imposição de limites à realização dessas novas biotecnologias, é que surge o

Biodireito. Afirma Fabriz (2003, p. 287) que:

A regulamentação jurídica dos eventos que envolvem a Bioética constitui-se um empenho necessário e de grande responsabilidade. A atividade legiferante, nesse terreno, mesmo que ainda de forma acanhada, já vem se manifestando. A liberdade científica não deve ser censurada, o que não quer dizer que a sua atuação possa ir às raias da transgressão aos princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a importância do Direito na atuação conjunta com a Bioética.

De acordo com Oliveira (2008, p. 117): “O biodireito é desejado para

cumprir os princípios da bioética, ou corre-se o risco de haver norma jurídica que

venha a regulamentar estas atividades e que não leve em consideração seu objeto

principal que é o ser humano”.

Infere-se daí que o Biodireito é um novo segmento do saber jurídico, que tem

como objetivo a proteção da vida e da dignidade humana, através da elaboração

de teorias, legislação e jurisprudência sobre os constantes avanços das ciências

biotecnológicas. Para Hironaka (2003, p. 43):

O papel do Direito não é o ‘de cercear o desenvolvimento científico, mas justamente o de traçar [...] exigências mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos que importam na ruptura de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da

35

Humanidade enquanto tal, portadora de um quadro de valores que devem se assegurados e respeitados.

No mesmo sentido, aduz Silva (2008, p. 75):

Destarte, o Biodireito, do ponto de vista principiológico,em consonância com o art. 1º, inciso III,da Constituição da República, objetiva a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, em todas os seus estágios, independentemente de condição social ou convicções ideológicas. Nesse sentido, verifica-se que o Biodireito, consoante diretriz presente na Constituição Federal, assim como outros ramos do direito, ocupa-se com o tratamento jurídico relacionado à vida humana, em especial, com as novas técnicas de reprodução e suas conseqüências na rotina forense. Destacamos, contudo, que o Biodireito não tem como alvo a proibição do avanço tecnológico, longe disso, o que se procura evitar é a pesquisa descuidada, que não atenda aos valores ligados à garantia dos fundamentos da República. (sic).

Lembra Hironaka (2003, p. 42) que cabe ao Biodireito “decidir qual a

humanidade que a atual geração quer para si e para as futuras gerações”, ou seja,

deve o Biodireito se posicionar sobre o uso daquelas novas biotecnologias, com o

intuito de preservar o homem não como indivíduo, mas como espécie a ser

preservada.

Algumas das maiores conquistas dessa nova era biotecnológica foram os

progressos oriundos da biologia, da genética e das técnicas destinadas à

reprodução medicamente assistida. De acordo com Conti (2004, p. 13):

Quando falamos em Biodireito, estamos falando no estudo da engenharia genética, na inseminação medicamente assistida , nos transplantes de órgãos, na eutanásia, no controle da dor e das más formações congênitas, nas mães de substituição , na fecundação in vitro , nos hospices, nas clonagens e em várias outras realidades da vida sob a referência da Ética. (grifou-se).

Segundo o entendimento de Semião (2000, p. 165): “O biodireito e a bioética

invadiram a vida dos casais inférteis que desejam um filho ou, até mesmo, o

direito a um filho, no entendimento de alguns. Em contrapartida os legisladores de

todos os países têm hesitado em tomar medidas”.

36

É sobre o tema da reprodução medicamente assistida que se debruçará o

presente estudo, mais especificamente no que diz respeito às questões

pertinentes à existência dos embriões excedentes, ou seja, aqueles que por

alguma razão não foram implantados e que, por via de consequência, não

resultaram em uma gravidez, cujo destino faz suscitar os mais diversos

questionamentos éticos e jurídicos.

37

2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E OS EMBRIÕES

EXCEDENTES

Ao se estudar a história da humanidade, nota-se que a preocupação

acerca da fecundidade esteve sempre presente. O anúncio da chegada dos filhos

era recebido com muita alegria, sendo inclusive associado às “noções de fortuna,

riqueza, prazer, alegria, fartura, privilégio e dádiva divina.” (LEITE, 1995, p. 17). Ao

contrário do que ocorria com a esterilidade, que era rejeitada em qualquer tempo

da história, segmento social e civilização.

Graças aos avanços científicos na área da reprodução humana, a

esterilidade pode agora ser contornada. A genética devolveu ao homem algo que

a natureza lhe tirou: a condição de procriar. Convém salientar que os vocábulos

esterilidade e infertilidade são utilizados pela doutrina como sinônimos, apesar

disso cabe distingui-los segundo os ensinamentos de Nakamura, citado por Leite

(1995, p. 28):

Esterilidade conjugal ‘é a incapacidade de um ou dos dois cônjuges, por causas funcionais ou orgânicas, fecundarem por um período conjugal, de no mínimo, dois anos, sem o uso de meios contraceptivos eficazes e com vida sexual normal. Chamamos de infertilidade, a incapacidade, quer por causa (sic) orgânicas ou funcionais atuando no fenômeno da fecundação, de produzir descendência’.

Infere-se daí que o domínio das técnicas de reprodução assistida devolve

ao casal com problemas de infertilidade a paz que lhe foi tirada pela esterilidade,

realizando seu desejo de ter filhos, permitindo que exerçam sua vocação natural

para a paternidade.

38

Todavia, ao lado da realização do sonho de dar início ao projeto parental,

as técnicas de reprodução medicamente assistidas trouxeram a possibilidade de

experimentação científica com embriões humanos. Segundo Sá e Naves (2009, p.

109-110):

O final do século XX foi palco de inúmeras e aceleradas transformações advindas dos avanços biotecnológicos. E, nesse contexto, a reprodução assistida trouxe consigo, além das avançadas técnicas que permitem a realização do sonho de ter um filho, a possibilidade de efetivação de experiências genéticas que envolvam embriões humanos. As recentes descobertas relacionadas à Genética clínica colocam-nos diante da possibilidade de abertura da ‘caixa de Pandora’, porquanto dos fatos novos, novos e inquietantes conflitos emergem.

Os conflitos a que se referem os autores abrangem as mais diversas

ordens, sejam elas de cunho religioso, moral, ético, psicológico ou jurídico.

Questiona-se até que ponto esses experimentos podem avançar sem agredir o ser

humano. Pergunta-se se a liberdade científica prevista no art. 5º, inciso IV, da

Constituição Federal, prepondera sobre o direito à vida e à dignidade humana.

Sobre o tema, assevera Rocha (2008, p. 46) que:

[...] a reprodução assistida, além de poder ser utilizada como terapia para superar a incapacidade, ou mesmo, a dificuldade física de ordem natural do ser humano, também pode ser utilizada para fins espúrios. Isso porque, por meio da reprodução humana assistida, é permitido ao médico identificar o conteúdo genético das células germinativas e dos embriões, sendo possível intervir geneticamente para evitar o desenvolvimento de um feto portador de determinada doença genética, bem como garantir a presença de certos fenótipos.

Segue o mesmo entendimento Conti (2004, p. 44), ao afirmar que:

As novas técnicas de reprodução assistida não só são utilizadas como alternativas de esterilidade, mas a tecnologia genética abriu novas perspectivas, permitindo aos cientistas a manipulação de óvulos com fins diagnósticos, terapêuticos ou de engenharia genética, o que suscita uma série de implicações e a adaptação do Direito a estas situações que deverão ser norteadas pela dignidade humana e o bem comum. (sic).

Neste ponto específico, nota-se a importância dos princípios bioéticos e

da normatização a ser imposta pelo Biodireito para a preservação da espécie

39

humana. Diante das infinitas possibilidades trazidas pelos avanços nas técnicas

de reprodução humana, a exemplo do risco do descarte de embriões, da sua

utilização como objeto de pesquisas, da eugenia, da clonagem, entre tantas

outras, o Direito não pode quedar inerte.

Assim, para que se entenda como a ciência da reprodução humana levou

a tantas possibilidades de coisificação do ser humano, faz-se necessário o

conhecimento das técnicas de reprodução assistida e dos destinos que podem ser

dados aos embriões que excedem o projeto parental. É o que se faz a seguir.

2.1 A inseminação artificial – IA

A palavra inseminação provém do latim, inseminare, in que significa dentro

e semen que significa semente. A técnica consiste em depositar o esperma

anteriormente preparado dentro da vagina, dentro do colo ou dentro do próprio

útero. Na prática, as duas últimas são as mais utilizadas, uma vez que já não faz

tanto sentido reproduzir artificialmente o que se faz em ambiente natural.

No primeiro caso, intravaginal, a inseminação, embora artificial, pode ser

realizada pelo próprio casal. Com o auxílio de uma seringa plástica, todo o

esperma é inserido pelo marido na vagina da mulher, que ficará na posição

supina2 por um período de aproximadamente vinte minutos após o procedimento.

Já no segundo caso, dentro do colo do útero, a inseminação ocorre da

seguinte forma: o capilar3 que contém o esperma, anteriormente colhido e

preparado, é retirado do azoto4 líquido minutos antes da inseminação, passando

por um rápido reaquecimento; em seguida, há a introdução do capilar na seringa

2 Posição supina – Neste caso, o que será mantido elevado em relação ao corpo é o quadril. 3 Capilar – Tubo de plástico, de diâmetro interno muito pequeno, utilizado para a inserção dos espermatozóides. 4 Azoto – Nitrogênio. Substância utilizada para o congelamento dos embriões.

40

de inseminação e posteriormente a introdução da seringa no canal cervical.5 Tal

procedimento tem duração média de dois minutos.

Quando se tratar de inseminação dentro do útero, o esperma é injetado

dentro da cavidade uterina com o auxílio do cateter de inseminação e da referida

seringa, assim como no procedimento anteriormente mencionado.

Quanto à origem do material genético utilizado, existem dois tipos de

inseminação artificial: a homóloga e a heteróloga, cada uma com características e

indicações que lhes são próprias, não sendo uma nem melhor nem pior que a

outra, apenas existindo a mais adequada para cada caso. Segundo Vasconcelos

(2006, p. 15):

Antes da tomada de qualquer decisão acerca da submissão à IA, é importante que o paciente tenha acesso a todas as informações concernentes ao procedimento, bem como da viabilidade do tratamento. Fatores como etiologia e tempo de infertilidade, história obstétrica da paciente, idade, características do espermograma, custo-benefício e outros devem ser pesquisados para a indicação de um diagnóstico bem preciso pelo médico.

Fala-se em inseminação artificial homóloga (IAC), também conhecida por

“auto-inseminação”, quando o sêmen que é utilizado na inseminação artificial é o

do cônjuge ou do companheiro. Normalmente este procedimento não suscita

grandes questões de ordem psicológica, exceto quando o casal passa a ver a

inseminação artificial “como uma medida corretiva para a inabilidade de

desempenho.” (LEITE, 1995, p. 34).

A inseminação artificial homóloga é indicada para o tratamento de

subfertilidade6, de perturbações sexuais ou de esterilidade secundária, ou seja,

aquela que resulta de um tratamento esterilizante, por exemplo, um tratamento de

quimioterapia.

5 Canal cervical – Porção interna do colo uterino. 6 Subfertilidade – fertilidade precária ou insuficiente.

41

É heteróloga a inseminação artificial (IAD), também chamada e “hetero-

inseminação”, quando o sêmen utilizado para o procedimento da inseminação

artificial é de terceiro estranho ao casal, que doa seu sêmen em caráter sigiloso ou

não.

Ao contrário do que ocorre com a inseminação artificial homóloga, a técnica

da inseminação artificial heteróloga suscita transtornos de variadas ordens, razão

pela qual se recorre a esta técnica em último caso, quando se constata

esterilidade masculina definitiva, doenças hereditárias, bem como por

incompatibilidade do fator RH do casal.

2.2 A fecundação in vitro – FIV

Data de 20 de julho de 1978 o nascimento do primeiro bebê de proveta da

história da humanidade, Louise Joy Brown, sob os cuidados dos Drs. Steptoe e

Edwards, após 15 anos de pesquisa, no General Hospital, na cidade de Oldham –

Inglaterra.

A técnica da fertilização in vitro reproduz “artificialmente o ambiente da

trompa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente e a clivagem7

prossegue até o estágio em que o embrião é transferido para o útero.” (LEITE,

1995, p. 41). Explica Vasconcelos (2006, p. 17) que:

Por essa técnica de procriação assistida, o médico, em laboratório, numa ‘placa de petri’ ou em um tubo de ensaio – portanto, extracorporeamente – promove a reunião do material genético feminino e masculino com vistas à fusão e conseqüente formação do ovo ou zigoto (óvulo já fecundado), que, por sua vez, será conduzido ao útero da mulher tão logo for constatado o início da sua divisão celular.

Várias são as etapas que compõem a fertilização in vitro: indução da

ovulação, punção folicular, cultura os óvulos, coleta e preparação do esperma,

fertilização propriamente dita, cultura dos embriões e transferência dos mesmos. 7 Clivagem – Divisão celular.

42

A indução da ovulação objetiva uma superestimulação ovariana, que, por

via de consequência, aumenta o número de folículos por ciclo, aumentando

consideravelmente a quantidade e qualidade dos óvulos a serem coletados. Com

este procedimento, aumenta-se quantidade de óvulos fertilizados. Vale salientar

que antes de iniciar este processo de indução, é importante que seja realizada

uma avaliação clínica e ginecológica específica com a finalidade de afastar

patologias pré-existentes ou intercorrentes, visando à diminuição de riscos e

aumento das taxas de gravidez.

Superada a primeira fase, ocorre a coleta dos óvulos, que é feita mediante

punção. Consiste na aspiração por agulha de óvulos e fluido folicular, que são

imediatamente levados ao laboratório, onde o fluido é examinado para saber se

contém óvulos. Anteriormente feita por laparotomia8 ou por laparoscopia9, com

anestesia geral, hoje a maioria das punções é realizada sob controle ecográfico. A

ecografia fez com que a punção folicular se tornasse um procedimento menos

invasivo, diminuindo o tempo do procedimento e podendo ser realizada com uma

leve anestesia, que pode ser geral ou local. O mais moderno e seguro método de

punção é a sonda ecográfica vaginal.

Se encontrados, os óvulos são lavados em meios próprios, sendo

posteriormente colocados em tubos com meio de cultura. Os tubos são colocados

numa incubadora por aproximadamente 4 horas, para que se dê a sua maturação,

fator imprescindível para o sucesso da técnica.

Assim como os óvulos, os espermatozóides precisam de um tratamento

adequado quando da fecundação in vitro. Desta forma, após a coleta, o esperma é

colocado à temperatura ambiente por aproximados 20 minutos para que venham a

se liquefazer. Em seguida é feito um espermograma, para que seja analisada a

8 Laparotomia – Abertura cirúrgica do abdômen. 9 Laparoscopia – Exame endoscópico da cavidade peritoneal (membrana serosa que reveste internamente a cavidade abdominal e pélvica, bem como os órgãos nela contidos).

43

qualidade dos espermatozóides, verificando o número, a mobilidade e a

morfologia dos mesmos. Os espermatozóides são colocados num meio de cultura

para que haja uma migração ascendente destes, de modo que os mais móveis

logo chegam ao nível superior, onde serão colhidos e levados á inseminação.

Vencidas as etapas de preparação dos gametas, passa-se a inseminação

propriamente dita. Separam-se os óvulos maduros, um a um, em tubos diferentes,

e em seguida se adiciona a suspensão do esperma, retornando à incubadora por

12 a 16 horas. Quando do término desse período, o óvulo é observado com o

auxílio de um microscópio, para verificar se houve ou não a fertilização.

Havendo a fecundação, o ovo é transferido para um novo tubo onde deverá

crescer e sofrer algumas divisões num meio de cultura. Cerca de dois dias após a

fecundação, os embriões se dividem, apresentando-se com 2 (duas), 4 (quatro) ou

mais células, momento em que deve ser transferido para o útero. Não havendo a

fertilização, o óvulo é colocado em um tubo para que seja tentada nova

fertilização, colocando de 10 a 10.000 espermatozóides.

Indicada para os casos de esterilidade tubária feminina, subfertilidade

masculina, endometriose10 ou esterilidade inexplicada, a fertilização in vitro pode

ser realizada através da união dos gametas fecundantes do casal, da doação, feita

por pessoas estranhas ao casal, de esperma, de óvulo ou de ambos.

Para que seja indicado uso desta técnica, é necessária a existência de dois

pressupostos, quais sejam: esterilidade tubária feminina e esterilidade masculina.

Em termos médicos, não há qualquer problema que inviabilize o uso desta técnica.

Contudo, a esterilidade masculina pode vir a se transformar em um grande

problema para o casal, mais especificamente para o homem, afastando a

possibilidade do uso da referida técnica. Ocorre que os homens tendem a rejeitar

10 Endometriose – Condição patológica em que são encontrados focos múltiplos de endométrio ectópico - mucosa que reveste a cavidade uterina.

44

a fertilização in vitro com doação de esperma, em parte por se sentirem frustrados,

como se tivessem fracassado no seu dever de homem, o de procriar, em parte por

se sentirem traídos por suas mulheres, já que o sêmen utilizado não é o seu, mas

de um terceiro, estranho ou não ao casal.

Certo é que esse não é o pensamento de todos os homens. Há de se ter

em mente que não há contato físico entre o doador e a usuária da técnica, visto

que a manipulação dos gametas é feita em laboratório, por médicos, bem como a

identidade do doador é mantida em sigilo, sendo esta condição indispensável à

doação através de bancos de esperma. Vale lembrar que ser pai não se resume a

uma questão meramente biológica. Ser pai é, antes de tudo, amar. A verdade

biológica deve ser superada em detrimento da verdade socioafetiva neste tipo de

procedimento, assim como é na adoção.

A doação de óvulos é uma alternativa para as mulheres que desejam ter

filhos e não podem por ocasião de esterilidade por ausência de óvulos, doenças

hereditárias ou tratamento esterilizante. Desde que a implantação seja bem

sucedida, a mulher poderá levar a gravidez adiante como se natural fosse.

Ao contrário do que ocorre com a doação de esperma, a doação de óvulo

não suscita grandes questões de foro íntimo, até porque, ainda que o óvulo seja

doado, o embrião se desenvolve no ventre da mulher estéril. Não há como se

dizer que a criança que ali se desenvolve não é dela, uma vez que ela

experimenta todas as sensações e transformações que acompanham a gravidez,

bem como é ela que vivencia a experiência do parto.

Contudo, decorre desta técnica de fertilização in vitro com doação de óvulo

uma questão ética de grande importância, qual seja: saber se é correto submeter

uma mulher, que nada tem em comum com o projeto parental, a um tratamento de

indução ovariana, sabendo dos riscos inerentes a este tratamento. Surge como

opção para evitar o uso de tal prática, a utilização de óvulos excedentes de uma

45

doadora que já esteja passando por esse tratamento. Ocorre que nem sempre

isso será possível, mas se o fosse diminuiria consideravelmente a quantidade de

embriões excedentes, que têm na estimulação ovariana uma de suas principais

causas.

A injeção intracitoplasmática de esperma (ICSI) é uma fecundação in vitro

mais moderna. Enquanto a inseminação artificial é indicada para casais que

possuem uma quantidade de bons espermatozóides que variam de 5 (cinco) a 15

(quinze) milhões e a fertilização in vitro é indicada para casais que possuem de 1

(um) a 5 (cinco) milhões de bons espermatozóides, a injeção intracitoplasmática

de esperma tem lugar quando a quantidade de bons espermatozóides do casal é

inferior a 1 (um) milhão.

O procedimento é basicamente o mesmo da fertilização in vitro

convencional, exceto pelo fato de que na injeção intracitoplasmática de esperma o

espermatozóide deve ser colocado dentro de uma agulha finíssima e inserido

dentro do óvulo, ou seja, 1 (um) espermatozóide para cada óvulo. É o

procedimento de uma injeção intracitoplasmática de esperma que comumente é

veiculado nas reportagens que tratam do tema. Relata Vasconcelos (2006, p. 25)

que:

Embora a ICSI importe na transferência de até quatro embriões em cada tratamento, clínicas inglesas e americanas já se especializaram no sentido de obter maiores taxas de implantação e gravidez pela transferência de apenas um único embrião por tentativa. Esta técnica denomina-se SET (Single Embryo Transfer) e, de acordo com a última Conferência Anual da Sociedade Européia de Embriologia e Reprodução Humana, levada a efeito em 21 de junho de 2005 em Copenhague, na Dinamarca, foram fornecidas provas científicas de que a SET produz bebês mais saudáveis que aqueles nascidos da utilização de implantações múltiplas.

Levando-se em conta existência desta nova técnica de transferência de um

único embrião, é possível crer que no futuro, com o domínio da mesma, seja

possível a redução do número de embriões excedentes das técnicas tradicionais

de fertilização in vitro.

46

2.3 A transferência intratubária de gametas - GIFT

Esta técnica surgiu como uma alternativa à fecundação in vitro, porém é

raramente utilizada nos dias de hoje. Consiste em transferir os gametas

fecundantes para as trompas de Falópio, ocorrendo desta forma uma fecundação

in vivo e não in vitro, como acontece na fertilização in vitro.

Os procedimentos da transferência intratubária de gametas são

praticamente os mesmos que os da fertilização in vitro. Há a estimulação da

ovulação, a punção folicular, que neste caso é feita através de laparoscopia com

anestesia geral, a coleta e preparação do esperma. Contudo, a maior diferença

reside no fato da fecundação ocorrer in vivo, ou seja, assim que os óvulos forem

colhidos, são introduzidos em finos cateteres com o esperma do cônjuge, sendo

transferidos de imediato para uma ou ambas as trompas. Os óvulos que sobrarem

serão fecundados in vitro e seus embriões congelados, com a finalidade de

conservá-los para uma posterior gravidez do casal.

A transferência intratubária de gametas é indicada nos tratamentos de

subfertilidade inexplicada do casal, hipofertilidade masculina ou endometriose.

Segundo Leite (1995, p. 50), o uso desta técnica tem maior aceitação pela

Igreja, mas para que haja uma total aprovação da técnica pelo Vaticano, seriam

necessárias duas medidas: que o esperma fosse coletado durante a relação

sexual, de modo que não fosse caracterizada nem a masturbação, nem a

contracepção; e que espermatozóides e óvulos fossem “separados por bolha de ar

no cateter de transferência, de tal forma que a fecundação ocorra in vivo”, motivo

pelo qual a transferência intratubária de gametas fosse denominada por alguns

críticos como “a bolha do papa”.

47

2.4 A maternidade de substituição

Na maternidade de substituição é feito um acordo em que uma mulher

carrega em seu ventre uma criança para entregá-la, logo após o seu nascimento,

a outra mulher. A doadora temporária deve pertencer à família, até o segundo

grau de parentesco, de acordo com a Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de

1992, do Conselho Federal de Medicina, seção VII, item 1: “As doadoras

temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, no

parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do

Conselho Regional de Medicina”.

É indicada para os casos de esterilidade feminina por impossibilidade de

gestação, quando a gravidez pode representar um risco para a mãe ou

esterilidade feminina por ausência de óvulos e impossibilidade de gestação.

No primeiro e segundo casos, o procedimento adotado é uma fertilização in

vitro a partir dos gametas do casal, ocorrendo tão somente o empréstimo do útero.

Já no terceiro caso, tem lugar a doação de óvulo e posterior inseminação artificial

com espermatozóide do casal. Neste caso a mesma mulher que empresta o útero

doa seus óvulos, sendo ao mesmo tempo genitora e gestante. Vale lembrar que

em todos os casos é possível a presença de um doador de esperma estranho ao

casal.

Há de se falar em empréstimo de útero ou em doação temporária de útero,

jamais em aluguel, como se pode constatar no item 2, seção VII, da Resolução nº

1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, que diz: “A doação temporária do

útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”. O aspecto comercial não é

compatível com o princípio da dignidade humana.

48

2.5 A doação de embriões

A doação de embriões surge da incapacidade de se dominar

completamente as técnicas de reprodução assistida. Teoricamente, cada óvulo

coletado, após a estimulação da ovulação, deveria ser fecundado e

posteriormente implantado, gerando um novo ser. Ocorre, porém, que a prática

reiterada daquelas técnicas de reprodução humana demonstrou o contrário.

O tratamento utilizado para indução da ovulação, além de caro, pode

acarretar danos à saúde da mãe, fazendo com que de uma vez só sejam

coletados diversos óvulos, que devem ser fecundados tão logo seja terminada a

preparação dos mesmos, visto que atualmente a técnica de congelamento e

descongelamento de óvulos sem o comprometimento de sua estrutura não é

completamente dominada, ao contrário do que ocorre com o congelamento dos

espermatozóides.

Ocorre que o item 6, seção I, da Resolução nº 1.358/1992, do Conselho

Federal de Medicina assim determina a quantidade de embriões a serem

implantados a cada tentativa: “O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem

transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não

aumentar os riscos já existentes de multiparidade”.

Como o número de embriões implantados ao mesmo tempo deve ser de até

4 (quatro), tem-se como resultado os embriões excedentes, que serão congelados

com a expectativa de serem utilizados posteriormente em um novo projeto

parental.

A doação de embriões é indicada nos casos de esterilidade feminina e

masculina por ausência de óvulos e de espermatozóides ou por doenças

hereditárias. É doação “bilateral, de casal para casal” (LEITE, 1995, p. 63),

49

tornando-se assim uma alternativa não só para os casais estéreis, mas para

aqueles cujo projeto parental, do qual esses embriões são provenientes, foi bem

sucedido e resta acabado, ou seja, não têm interesse em uma nova gravidez.

No Brasil, a Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, na

seção IV, referente à doação de gametas ou pré-embriões, em seus artigos 1º, 2º

e 3º, garante gratuidade e anonimato das doações, conforme se verifica abaixo:

1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

Há de se fazer menção à impropriedade da terminologia adotada no que diz

respeito à “doação” de embrião, que conduz à falsa impressão de que o embrião

humano possa ser afastado de sua humanidade e reduzido à condição de coisa.

Melhor seria falar-se em adoção de embrião. O tema da adoção do embrião

excedente das técnicas de reprodução assistida será abordado de forma mais

detida ao final deste trabalho.

Várias são as questões em que figuram como sujeito os embriões

excedentes das reproduções assistidas, assim como vários são os destinos que

podem ser dados a eles. E é justamente sobre essa destinação que se trata a

seguir.

2.6 Os embriões excedentes

Como se afirmou outrora, o uso das técnicas de reprodução assistida, em

especial da fertilização in vitro, trouxe consigo um problema que tem suscitado

50

diversas questões nos meios médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos,

qual seja: os embriões excedentes.

São excedentes os embriões oriundos da fertilização in vitro que, por algum

motivo, não foram implantados no útero materno, seja porque não apresentam o

desenvolvimento adequado, porque ultrapassam a quantidade recomendada para

a implantação, ou porque os pais não demonstram interesse em levar adiante o

projeto parental.

A medicalização do desejo de ter filho, derivada das técnicas de reprodução

assistida, faz com que pais e mães em potencial não reconheçam limites no uso

das mesmas. Isso porque o desejo de experimentar a paternidade os leva a

transpor todas as barreiras, sejam elas éticas, políticas ou religiosas.

Entretanto, a questão é mais profunda do que se possa imaginar. Ao se

submeter a um projeto parental dessa grandeza, o casal inicia uma desgastante

“batalha”. Além de serem suscitadas inúmeras questões de foro íntimo, tais como

o sentimento de frustração em não poder satisfazer o desejo de ter filhos pelas

vias naturais, o casal se submete a uma rotina médica extremamente cansativa,

em especial para a mulher, que passa por uma verdadeira “revolução hormonal”,

quando da indução da ovulação.

Vale salientar que além de caros, chegando à quantia de R$ 10.000,00 (dez

mil reais), os procedimentos utilizados na fertilização in vitro podem representar

sérios riscos à saúde da “pretensa” mãe, em especial o procedimento da indução

da ovulação. Tal procedimento visa à obtenção de múltiplos folículos por ciclo,

através de estímulo hormonal, o que garantirá melhores resultados, não só

quando da punção e aspiração daqueles folículos, mas quando da fertilização

propriamente dita.

51

Na indução da ovulação, a paciente injeta diariamente ampolas de

hormônios, visando à obtenção de vários folículos que serão posteriormente

aspirados. Após a punção e aspiração dos folículos, os mesmos são levados

imediatamente ao laboratório, onde o fluido é examinado para saber se contém ou

não óvulos, passando, em seguida, por todas as etapas mencionadas na

fertilização in vitro, quais sejam: cultura dos óvulos, coleta e preparação do

esperma, fertilização, cultura dos embriões e transferência dos mesmos.

Ocorre que, entre a punção dos óvulos e a transferência de embriões,

muitos óvulos são descartados por não satisfazerem as condições necessárias à

fertilização. Explicando melhor: suponha-se que após a indução são coletados “n”

folículos, em cuja análise se observa que apenas 70% (setenta por cento) deles

contêm óvulos. Por sua vez, feita a cultura dos óvulos, aproximadamente 70%

(setenta por cento) deles passam para a fase seguinte, que é a fertilização, na

qual apenas 70% (setenta por cento) dos óvulos são fecundados, resultando em

“bons embriões”. Entenda-se por bons embriões aqueles que se desenvolveram

conforme o esperado, podendo ainda haver perdas quando da transferência.

Como foi dito, a indução da ovulação pode representar sérios riscos à

saúde da paciente, tais como insuficiência protéica, disfunção renal, trombose,

entre outros. O maior temor dos médicos é a síndrome de hiperestimulação

ovariana (SHO). Salvo raras exceções, a síndrome de hiperestimulação ovariana é

uma condição iatrogênica11 que, normalmente, acomete pacientes jovens e

saudáveis, podendo levá-las à morte.

A síndrome de hiperestimulação ovariana se caracteriza pelo aumento da

permeabilidade vaso-capilar, fazendo com que haja uma grande concentração de

líquidos na cavidade pélvica (quadro conhecido como ascite), tornando o abdômen

notadamente distendido e os ovários palpáveis por via abdominal. Decorrem

desse quadro várias outras complicações, tais como: dificuldade respiratória,

11 Iatrogênica – Alteração patológica no paciente decorrente de tratamento de qualquer natureza.

52

devido à pressão exercida sobre os pulmões; disfunção renal, visto que com a

diminuição significativa de sangue a passar pelos rins, menos sangue é filtrado,

com consequente diminuição do volume de urina; mudanças no volume

sanguíneo, entre outras tantas que podem levar à morte de pacientes jovens e

saudáveis.

Para os usuários das técnicas de reprodução assistida e para os médicos

que as realizam, o alto risco decorrente do tratamento de indução ovariana, por si

só, já seria suficiente para justificar a existência dos embriões excedentes como

consequência da fertilização in vitro. Aliado a este argumento, encontra-se o fato

de que nem sempre existe sucesso na primeira tentativa de gravidez, o que dá

ensejo a novas tentativas, bem como a possibilidade de que o mesmo casal pode

desejar uma nova gravidez, com a consequente utilização daqueles embriões

congelados, evitando que a paciente venha a se submeter novamente a um

tratamento de risco tão elevado quando a indução ovariana.

Contudo, o que se observa é que a quantidade de embriões excedentes é

tão grande que mesmo diante de novas tentativas ou de futura gravidez, que nem

sempre existem, ou até mesmo da chamada “doação” de embrião de casal para

casal, sobram embriões, o que leva à conclusão de que a reprodução assistida tal

como vem sendo praticada se desvirtuou da sua finalidade inicial e passou a

aprisionar seres humanos em laboratório. No mesmo sentido, Rocha (2008, p. 48-

49):

Entretanto, na prática as hipóteses acima vislumbradas para o aproveitamento dos embriões concebidos não vêm sendo verificadas. O que se tem de fato observado é que, alcançando-se êxito na utilização da técnica e consumando-se a gravidez, os embriões produzidos em excesso são freqüentemente, abandonados, esquecidos, deixados ao largo nas clínicas de fertilização in vitro, sendo, após um determinado período, sumariamente descartados. Por tais razões é forçoso concluir que a técnica da fertilização in vitro distanciou-se muito da sua finalidade original. Atualmente, especula-se sobre a possibilidade de estarem sendo deliberadamente produzidos embriões em número superior ao que seria necessário para atender ao projeto parental, com o propósito único de destiná-los à pesquisa científica.

53

Pode-se perceber que a mais importante questão com relação aos

embriões excedentes é saber qual o destino a ser dado a eles. No entanto, a

resposta a esta questão não é tão simples quanto em princípio possa parecer. É

que para se encontrar solução para esse dilema, uma série de outros

questionamentos deve ser preliminarmente resolvida, por exemplo, definir-se qual

o status jurídico do embrião, quais direitos devem ser reconhecidos e quais lhes

devem ser atribuídos pelo ordenamento jurídico. Antes de passar a esta análise

jurídica, cumpre verificar os destinos que podem ser dados àqueles embriões que

excederam ao projeto parental.

Como dito em outra oportunidade, vários são os destinos que podem ser

dados aos embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida, bem como

várias são as teorias que tentam dar suporte a cada um deles. Basicamente

existem 7 (sete) destinos para esses embriões, quais sejam: congelar, não

congelar, destruir, descarte direto ou descarte simulado, doar para casais e doar

para investigação científica.

Quando o casal decide participar de um programa de reprodução assistida,

deve assinar um termo de consentimento informado, no qual, além de constar

dados referentes aos aspectos médicos do uso daquelas técnicas,

detalhadamente expostos, devem conter “dados de caráter biológico, jurídico,

ético e econômico”, de acordo com a Resolução nº 1.358/1992, do Conselho

Federal de Medicina.

No momento do congelamento, deve o casal dispor sobre qual destino será

dado aos embriões criopreservados12 nos casos de divórcio, doenças graves,

morte de um ou ambos os cônjuges ou companheiros, bem como se desejam ou

não doá-los, e em que se situação o desejam (Resolução nº 1.358/1992, do

Conselho Federal de Medicina, seção V, item 3).

12 Criopreservação – Preservação da estrutura celular mediante técnica de congelamento.

54

Porém, na prática, a realidade é outra. O casal adere a um termo de

consentimento específico para a autorização do congelamento. Esse termo não

confere ao casal nenhum poder de decisão, até porque na falta de legislação

específica sobre o tema, vale o que preceitua a referida resolução, e esta impõe

limites claros proibindo a destruição dos embriões, permitindo, contudo a sua

doação. Para o casal, essa adesão, na maioria das vezes, não representa nenhum

problema, visto que o desejo de ter filhos justifica qualquer sacrifício, e a última

coisa em que se pensa é na possibilidade de existirem embriões excedentes.

A técnica de congelamento de embriões consiste em mantê-los

criopreservados em nitrogênio líquido, à temperatura de 196ºC negativos, com o

intuito de parar o seu desenvolvimento e preservar suas estruturas celulares, até

que os mesmos venham a ser novamente utilizados, no mesmo projeto parental

que lhes deu origem, em um novo projeto parental ou para uma futura “doação”

para outro casal.

O embrião pode ser mantido congelado indefinidamente, contudo não se

pode garantir que após anos de congelamento o embrião não esteja sujeito a

patologias decorrentes da ação do tempo.

As vantagens decorrentes do congelamento de embriões podem ser assim

sintetizadas: possibilita uma nova tentativa de gravidez, devido ao insucesso na

primeira tentativa no programa de fertilização in vitro; sua utilização em uma nova

gestação, ou seja, a realização de um novo projeto parental; em ambos os casos

sem os riscos inerentes a uma nova indução ovariana; e, se for o caso, uma

possível “doação” de embrião a um casal com problemas de infertilidade

masculina e feminina.

Os adeptos do não congelamento do embrião humano defendem que sejam

fertilizados o mínimo de óvulos indispensável ao sucesso da técnica para que não

55

haja sobras, destruindo os demais óvulos, uma vez que com o seu congelamento

não tem alcançado o desempenho almejado, ou a sua doação para uma receptora

acometida pela esterilidade.

Como se pode notar, os que seguem esta linha de raciocínio desprezam os

riscos decorrentes da indução ovariana, bem como todo o desgaste físico e

emocional experimentado pelo casal. Apesar dos inconvenientes para o casal, a

tese do não congelamento se adequa melhor à finalidade ética do ordenamento

jurídico brasileiro, visto que reconhece o embrião como ser humano merecedor de

dignidade como qualquer outro e não como um instrumento posto à disposição

dos seus genitores.

Defendem, ainda, que os embriões devem ser transferidos somente no

quinto dia após a fertilização, quando se encontram na fase do blastocisto13, o que

resultaria em uma otimização das taxas de gravidez. Essa otimização só é

possível porque o embrião pode ser observado por mais tempo antes da

transferência, tendo oportunidade de pôr à prova a sua capacidade de

desenvolvimento in vitro, que refletirá as possibilidades de sucesso do seu

desenvolvimento no útero materno. O aumento nas taxas de gravidez de embriões

transferidos nesta fase é quase o dobro das taxas de gravidez de embriões

implantados no terceiro dia após a fertilização, passa de 35% (trinta e cinco por

cento) para 60% (sessenta por cento).

Ocorre que embora a taxa de gravidez aumente de forma surpreendente

quando da transferência na fase do blastocisto, os embriões passam mais tempo

expostos, correndo maior risco de se deteriorarem, diminuindo a possibilidade de

êxito nos programas de fertilização.

13 Blastocisto – Esta fase se caracteriza pelo surgimento do blastócito, que é uma célula embrionária não diferenciada.

56

A destruição de embriões consiste, como se diz no meio médico, em “jogar

os embriões excedentes no ralo da pia”, o que representa uma subversão dos

valores morais que informam a sociedade. É um ato desumano, uma vez que

todos os seres humanos foram, na sua gênese, embriões. Não há como afastar a

humanidade de um ser que deriva da união de gametas de um homem e de uma

mulher. Pensar de outra maneira seria admitir que em algum momento todos os

seres humanos foram uma coisa ou um animal qualquer, para depois adquirirem a

humanidade.

O mesmo entendimento é seguido por Mello (2005, p. 268): “Há seres

vivos, como o homem e seres brutos, como a pedra: é evidente que o pré-embrião

não é um ser bruto. Todos nós fomos pré-embriões e nenhum de nós jamais teve

natureza semelhante à de uma pedra”.

O descarte de embriões pode ocorrer de 2 (duas) formas: direta ou

simulada. No descarte direto utiliza-se o critério da seleção do bom e do mau

embrião. Consideram-se bons embriões aqueles que apresentam um bom

desenvolvimento logo nos 3 (três) primeiros dias após a fecundação, sendo os

outros descartados por não servirem ao projeto parental, tendo em vista que como

não apresentaram um desenvolvimento considerado satisfatório, provavelmente

não o farão no útero materno, diminuindo drasticamente a possibilidade de êxito

no programa de fertilização se fossem implantados.

Já o descarte simulado consiste em transferir os embriões em um dia ruim

do ciclo menstrual. Por exemplo, transferem-se os embriões excedentes no

primeiro ou segundo dia em que ocorreu a menstruação, sabendo-se que não há

nenhuma chance de fixação dos mesmos na cavidade uterina, uma vez que não

há o substrato necessário a essa fixação, o endométrio. 14

14 Endométrio – Mucosa que reveste a cavidade uterina.

57

Ao contrário do que acontece na redução embrionária, a destruição ou o

descarte de embriões não atendem a nenhuma finalidade que seja, no mínimo,

capaz de justificar a eliminação dos mesmos. A redução embrionária tem duas

finalidades, quais sejam: diminuir os riscos decorrentes das gestações múltiplas,

tanto para a gestante, quanto para os bebês. Pode acontecer, por exemplo, de 3

(três) embriões serem implantados, os 3 (três) se desenvolverem,

consequentemente aumentando as chances de um parto prematuro, o que

implica na internação dos bebês em UTI neonatal, expondo-os a infecções

hospitalares, causa de morte de muitos bebês prematuros. Há ainda o risco de

uma divisão dos embriões, dando origem a gêmeos univitelinos15, o que

aumentaria ainda mais os riscos de prematuridade e morte dos bebês e da mãe.

A redução embrionária é proibida pelo item 7, seção I, da Resolução nº

1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, que preceitua: “Em caso de

gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de

procedimentos que visem à redução embrionária”. Mas apesar desta proibição,

como será visto adiante, muito se assemelha ao aborto terapêutico, devendo por

este motivo ser repensada.

Qualquer forma de eliminação do embrião, excedente ou não, é condenada

pela Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, devendo os

embriões excedentes serem congelados, como pode ser verificado no item 2 da

seção V, da referida resolução: “2 - O número total de pré-embriões produzidos

em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-

embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado,

não podendo ser descartado ou destruído”.

Independentemente da forma, descarte direto ou simulado, o resultado é o

mesmo, qual seja: destruição do embrião humano, pelo simples fato de ter

excedido a um projeto parental. O que é destruído não é apenas um conjunto de 8

15 Gêmeos univitelinos – Que provêm de um mesmo ovo.

58

(oito) células, mas vida humana em fase inicial de desenvolvimento, pela qual

todos um dia passaram, portanto, merecedora de respeito e dignidade.

A doação de embrião surgiu como uma alternativa para solucionar o

problema do casal com esterilidade masculina e feminina que deseja ter filho, bem

como para diminuir o número de embriões excedentes das técnicas de reprodução

assistida, de modo que a um só tempo pode ser entendida como técnica de

reprodução assistida e como um destino a ser dado àqueles embriões que

excedem ao projeto parental originário.

Atualmente, doação de embrião pode ocorrer com vistas a duas finalidades

distintas, quais sejam: a doação embrionária de casal para casal, prevista na

Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, e a doação de

embriões excedentários das técnicas de reprodução assistida para fins de

pesquisa, notadamente para pesquisas com células-tronco embrionárias,

autorizada pelo artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, intitulada Lei

de Biossegurança, abaixo transcrito:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (grifo do original).

A questão nesta seara não é tão simples quanto parece. Embora a doação

embrionária de casal para casal atenda a uma boa causa e seja feita de forma

altruísta, quando se fala em doação de embrião, o mesmo parece não passar de

uma coisa, que pode ser livremente disposta de acordo com a vontade das partes

59

envolvidas. Esta forma de pensar o embrião in vitro não pode ser aceita por se

mostrar contrária ao princípio da dignidade humana. O destino a ser dado a estes

embriões é nobre e condizente com a finalidade ética do ordenamento jurídico.

Apenas a nomenclatura é inadequada por não se estar tratando de coisas, mas de

seres humanos, razão pela qual se poderia falar, analogamente, em adoção de

embriões.

Antes de abordar o tema das pesquisas com células-tronco humanas,

convém explicar o que se entende por embrião, células-tronco totipotentes,

células-tronco multipotentes ou pluripotentes, células-tronco embrionárias e

células-tronco adultas. Para tanto, utilizam-se as palavras de Leão Junior (2005, p.

228-229):

Embrião é a designação dada ao ser humano do início de sua existência, com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, até o final da oitava semana. Nos primeiros dias, até a implantação no útero, recebe também as designações de ‘zigoto’ (embrião unicelular), ‘mórula’ e ‘blastocisto’. [...] A partir da nona semana de vida, ocasião em que se está terminada e possui todas as estruturas características do ser humano em suas localizações habituais, passa a se denominar feto. [...] Células tronco são células pluripotentes ou multipotentes, que podem replicar-se e diferenciar-se em células de diversos tecidos. Existem em todos os nossos órgãos e repõem as células mortas: são as células tronco adultas, encontradas em maior quantidade na medula óssea, no cordão umbilical e na placenta. As primeiras células do embrião, a começar da inicial, em que se encontra um código genético específico, também são chamadas de células tronco, pois delas provêm todas as demais células do organismo humano, recebendo as oito primeiras (2º dia) a designação de ‘totipotentes’, e, as existentes no interior do embrião até o oitavo dia, de pluripotentes ou multipotentes, pois têm a capacidade de diferenciar-se em todos os tecidos que compõem o corpo humano. Têm sido designadas por células tronco embrionárias humanas , células em situações substancialmente diversas (a) as células que compõem o interior do embrião entre o 5º e o7º dia de vida em seu processo vital natural de divisão celular [...]; (b) essas mesmas células extraídas do interior do embrião, que é destruído o u morto, cultivadas e mantidas indiferenciadas e reproduzind o-se em laboratório , com a finalidade de pesquisa que objetiva terapia celular. As células tronco adultas são células indiferenciad as, existentes em todos os órgão e tecidos humanos, e em especial na medula óssea, compondo seu sistema regenerativo natural e que podem ser manipuladas objetivando a cura do próprio paciente . São encontradas também em abundância na placenta e no cordão umbilical. (grifou-se).

60

Note-se que independentemente da fase de desenvolvimento em que se

encontre o embrião (zigoto, mórula, blastocisto), trata-se do mesmo ser humano

merecedor de respeito e da dignidade que lhe é intrínseca por ser esta uma

característica inerente à espécie humana.

Para os defensores das pesquisas com células-tronco, não há o que se

discutir em relação aos benefícios trazidos pelo domínio desta técnica. Devido a

sua versatilidade, podem trazer grandes avanços para a medicina. Essas células

são capazes de se reproduzir indefinidamente em laboratório, podendo dar origem

a todas as 216 (duzentas e dezesseis) células que compõem o ser humano, sendo

usadas na reparação de tecidos que por algum motivo foram danificados, bem

como para curar doenças até então tidas por incuráveis.

O ponto conflitante que envolve a pesquisa com células-tronco é quanto ao

modo de obtenção das mesmas. Podem as células-tronco ser coletadas

basicamente de 5 (cinco) formas, quais sejam: no cordão umbilical do recém-

nascido; na medula óssea; em tecidos adultos, onde servirão para substituir

células envelhecidas; pela utilização de embriões excedentes em seus primeiros

estágios de vida, provocando sua destruição; e por clonagem terapêutica.16

As três primeiras modalidades de coleta de células-tronco não suscitam

questões éticas, visto que não envolvem procedimentos invasivos que vão de

encontro à dignidade humana. Cumpre informar que recentes descobertas

científicas demonstraram que existem mais células-tronco em tecidos adultos do

que se podia imaginar. (SCAVOLINI, 2004).

Ao tratar sobre o tema das pesquisas com células-tronco adultas e

embrionárias, Martins (2005, p. 33) afirma que:

16 Clonagem terapêutica – Técnica através da qual são criados embriões exclusivamente para a extração das células-tronco.

61

As células-tronco do próprio paciente ou de cordão umbilical têm permitido fantásticas e bem sucedidas experiências, em tratamento de doenças degenerativas e recuperação de órgãos. As células embrionárias têm gerado transtornos e rejeição. O fracasso das investigações com células embrionárias é de tal ordem, que alguns países, que as adotaram, não admitem que sejam realizadas com óvulos retirados de cidadãs destes países, buscando, pois, as ‘cobaias’ dos países subdesenvolvidos.

Já nos dois últimos casos, o que existe é um pseudo fim altruísta, que

preconiza a cura de diversas enfermidades através da destruição em massa de

embriões humanos, uma vez que para a obtenção destas células-tronco

embrionárias se faz necessária a morte dos mesmos. Não se trata de manipulação

do embrião para seu próprio bem, mas de sua destruição para uma possível cura

de enfermidade alheia. A instrumentalização do ser humano neste caso é notória e

não pode ser admitida pelo Direito, por afrontar diretamente o direito fundamental

à vida e o princípio da dignidade humana, ambos insculpidos no corpo da

Constituição Federal.

Os defensores da doação de embriões para fins de investigação científica

não reconhecem o embrião como ser humano desde a concepção. Vêem o

embrião como um “conjunto de oito células” ou “um amontoado de células”.

Criaram, inclusive, uma denominação própria na tentativa de contornar os

problemas éticos decorrentes desta nova tecnologia, qual seja: pré-embrião.17

Segundo Conti (2004, p.165):

Alguns cientistas fazem uma divisão entre embriões e pré-embrião. Na realidade, esse termo pré-embrião não existe, porque nada existe antes do embrião. Assim, antes do embrião existe apenas um óvulo e um espermatozóide. O óvulo ao ser fertilizado pelo espermatozóide se transforma em um zigoto. Quando o zigoto se subdivide torna-se um embrião.

Assim, o pré-embrião não passa de uma tentativa de mascarar uma

realidade fática, qual seja: a eliminação de vida humana, em sua fase embrionária.

17 Pré-embrião – É o produto da fertilização, ou seja, o conjunto de células referente aos 14 (catorze) primeiros dias da concepção. Convencionou-se chamar de pré-embrião pelo fato de antes desses 14 (catorze) dias não existir nenhum esboço de estrutura nervosa.

62

Deve-se partir do pressuposto de que todos os seres humanos foram embriões.

Não há dúvida, portanto, quanto à humanidade desses seres. Sendo assim, sua

dignidade deve ser preservada e o seu direito à vida, respeitado.

As pesquisas com células-tronco embrionárias devem ser evitadas, pois, a

partir do momento em que há a fusão dos gametas masculinos e femininos, há

vida humana em pleno desenvolvimento. Tanto é verdade que em poucas horas

podem ser observadas as primeiras divisões celulares, que culminarão com o

nascimento de um novo ser humano. Já no momento exato da fecundação estão

presentes todas as informações genéticas que aquele ser humano carregará pela

vida inteira. De acordo com Flores, citado por Souza (2005, p. 161-162):

Inexiste dúvida de que, a partir da concepção e dos primeiros desdobramentos celulares já existe vida. E esta vida carrega, naquele, ainda informe, conglomerado de células, o código genético individual que fará daquele ser um integrante único do gênero humano, diferenciado, em maior ou menos grau, de todos os demais congêneres. [...] Ora, se na vida embrionária, encontramos já estabelecida a vida humana, em toda a sua potencialidade e natureza, forçoso é reconhecer presente, porque inata, a característica da dignidade humana. Preocupante, portanto, a constatação que se faz da ampla realização de experimentos com embriões humanos, como se liberados da barreira ética relativa a sua realização com seres humanos. A banalização do embrião humano resultado do descarte do excesso de embriões utilizados nos métodos de concepção por implante embrionário, conduz a sua coisificação que certamente viola a dignidade humana.

É certo que o progresso das ciências biotecnológicas trouxe muitas

expectativas não só para a comunidade científica, mas para milhares de pessoas

que dependem dos avanços contra a esterilidade. Mas deve-se perguntar até que

ponto é permitido avançar nestas pesquisas sem que isso configure agressão à

humanidade e ao ordenamento jurídico brasileiro.

Existem diversos argumentos que tentam legitimar as experiências com os

embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida. Ainda que não se

tenha qualquer dúvida, do ponto de vista científico, de que o início da vida humana

63

ocorre no exato momento da fecundação, não faltam grupos interessados em

manipular a vida humana, buscando para tanto outros parâmetros para

caracterizar o seu início. (LEÃO JUNIOR, 2005, p. 220).

Deve-se lembrar que antes da edição da Lei nº 11.105/2005, intitulada Lei

de Biossegurança, era proibida no Brasil tanto a utilização dos embriões

excedentes dos programas de fertilização, quanto a clonagem terapêutica como

técnica para a obtenção de células-tronco. Esta proibição podia ser encontrada

tanto na Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, quanto na

antiga Lei de Biossegurança, Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, que serão

abordadas em capítulo próprio.

Todavia, com a entrada em vigor da nova Lei de Biossegurança, Lei nº

11.105/2005, houve a revogação da Lei nº 8.974/1995, e as disposições contidas

na Resolução nº 1.358/1992, do Conselho Federal de Medicina, se tornaram sem

efeito dado o seu caráter deontológico. Este acontecimento deve ser considerado

um retrocesso no cenário jurídico nacional, uma vez que ofende o direito

fundamental à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana. Retrocesso este

que deve ser superado.

64

3 A TUTELA JURÍDICA DOS EMBRIÕES EXCEDENTES

Para que se decida qual destino é o melhor para os embriões oriundos da

fertilização in vitro, faz-se necessário que seja analisada a situação jurídica desses

seres antes da nidação18, enquanto conservados em ambiente artificial, na estufa

ou criopreservados. Porém a questão de maior interesse no presente trabalho é a

que diz respeito aos embriões criopreservados, uma vez que são excedentes da

fertilização in vitro, enquanto os que se encontram na estufa já estão sendo

preparados para a implantação no útero materno.

Há de se ponderar qual a situação jurídica dos embriões criopreservados,

em qual categoria eles podem ou não ser inseridos. Pende analisar se os pais têm

direito de dispor sobre esses embriões excedentes por eles gerados através da

fertilização in vitro, a ponto de decidir pelo descarte ou de permitir que sejam

utilizados em pesquisas científicas, ou ainda se devem ser considerados sujeitos

de direito, em face do Direito atual.

O Direito, antes tido como uma ciência sólida, deparou-se com diversas

questões decorrentes da difusão e utilização das técnicas de reprodução assistida,

que culminaram com a quebra de paradigmas considerados imutáveis pelos

estudiosos daquela ciência, tais como: as presunções de que pater is est quem

justae nuptia demonstrat19 e que mater semper certa est20.

É cada vez mais evidente o descompasso de caráter temporal entre os

avanços da tecnologia e a normatização jurídica. Imprescindível, portanto, o

18 Nidação – Implantação do ovo na mucosa uterina. 19 Pater is est quem justae nuptia demonstrat – Pai é quem demonstra justas núpcias. 20 Mater semper certa est – Mãe é sempre certa.

65

estudo sobre o tema tendo como finalidade a existência de uma legislação

específica que abranja a questão de tantos ângulos quantos forem possíveis. A

falta de legislação sobre o tema em pauta demonstra o quão juridicamente

atrasado se encontra o Brasil em relação a países como Alemanha, Espanha e

Suécia, que já legislam sobre tão controversa questão.

Há quinze anos, Pompeu (1994, p. 21) já demonstrava sua preocupação

com a falta de legislação específica sobre as técnicas de reprodução assistida:

Além do congresso sexual normal, em razão dos avanços que experimentam os campos da Medicina e da Genética, pode o casal gerar filhos pelos métodos da reprodução assistida (RA).

O assunto adquire grande importância internacional. E nacionalmente, conta o Brasil, atualmente, com 22 clínicas de reprodução assistida. Não há, no entanto, nenhuma legislação sobre a matéria, exceto a Resolução n° 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, que re gulamentou a matéria, expedindo normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida.

Somada à necessidade de uma legislação que regule o uso das técnicas de

reprodução humana, está a necessidade de um estatuto jurídico exclusivo para os

embriões, que os defina e proteja enquanto seres humanos que são. Desta forma,

procede-se à análise de teorias e dispositivos legais que versam sobre o tema,

direta ou indiretamente.

3.1 O início da vida

Determinar o início da vida é tarefa que compete à Biologia e à Medicina,

não ao Direito. A este último cumpre assegurar a plenitude da vida humana em

sociedade e para tanto, deve buscar em outras ciências as respostas às questões

que por ventura se imponham. A esta comunicação entre os diversos ramos da

ciência e o Direito dá-se o nome de interdisciplinaridade.

66

As respostas às questões impostas ao Direito pela utilização indiscriminada

das técnicas de reprodução humana devem partir desta relação interdisciplinar

entre o Direito e as ciências biomédicas, a fim de que se possa constatar com

precisão quando se verifica o início da vida humana, para que a partir do

estabelecimento desta premissa possa o Direito assumir o seu papel de guardião

da vida, mais do que isso, de uma vida com dignidade. Corrobora com este

argumento Mello (2005, p. 266):

Como a Constituição Federal ao garantir o direito à vida não definiu ‘vida’, como em decorrência do postulado da racionalidade do Legislador ela nada faz de inútil (não utiliza palavras inúteis), temos que recorrer à Ciência para saber quando se inicia a vida e, com ela, a proteção constitucional.

Assim, para que seja possível avaliar as teorias acerca do início da vida,

faz-se necessário o conhecimento do início biológico da vida. Sobre o tema

manifesta-se o geneticista francês Lejeune (apud VASCONCELOS, 2006, p. 37-

38):

Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos femininos, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco inicial da vida.

[...]

Se logo no início, justamente depois da concepção, dias antes da implantação, retirássemos uma só célula do pequeno ser individual, ainda com aspecto de amora poderíamos cultivá-la e examinar os seus cromossomos. E se um estudante, olhando ao microscópio não pudesse reconhecer o número, a forma e o padrão das bandas desses cromossomos, e não podendo dizer, sem vacilações, se procede de um chimpanzé ou de um ser humano, seria reprovado. Aceitar o fato de que depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano desde a sua concepção até a sua velhice não é uma d isputa metafísica. É uma simples evidência experimental . (grifou-se.)

67

Para a geneticista Azevedo (apud VASCONCELOS, 2006, p. 39):

É biologicamente inexistente e tecnicamente impossível promover-se a geração de um ser humano a partir de outro momento qualquer do desenvolvimento embrionário. O ponto inicial é a formação do zigoto; é o estágio unicelular. Por mais tecnicamente arrojadas que sejam as técnicas de fertilização in vitro, todas elas partem da fertilização, conforme o próprio nome indica. Essas evidências levam à conclusão de que a reprodução humana ou in vitro não oferece começos alternativos; toda ela se inicia com uma única célu la. Conseqüentemente, o zigoto é vida humana em início. (grifou-se).

Em princípio, parece incontestável a afirmação de que a vida humana tem

início com a fertilização21. Contudo, como se pode inferir dos trechos acima,

existem outras teorias que tentam fixar um momento diverso para que a vida

possa ser juridicamente considerada. Referidas teorias têm como objetivo

desprover o embrião da dignidade que lhe é inerente, com o fito de instaurar uma

“cultura da morte” sob o argumento de pretensos fins humanitários.

São basicamente três as doutrinas que abordam o tema em pauta, quais

sejam: a doutrina concepcionista, que é dividida por alguns doutrinadores em

verdadeiramente concepcionista e concepcionista da personalidade condicional; a

doutrina genético-desenvolvimentista; e a doutrina natalista, todas com o escopo

de fixar o marco inicial da vida, determinando a partir de quando o ser humano

passa a merecer proteção do Estado.

3.1.1 A doutrina concepcionista

De acordo com a doutrina concepcionista, a vida humana começa no

momento da concepção, sendo o embrião desde então considerado sujeito de

direitos e, por esta razão, pessoa22. Para esta doutrina o embrião desde a

concepção é entendido como um ser com autonomia genético-desenvolvimentista

21 Fertilização será aqui compreendido como sinônimo de fecundação e concepção. 22 O vocábulo pessoa deve ser entendido como atributo ou qualidade inerente ao ser humano.

68

própria, que o distingue da mãe. Tal assertiva é comprovada pelo fato de que o

embrião, ainda na proveta, dá início por si só ao seu desenvolvimento. Fazendo

do ambiente uterino um fator extrínseco, que apenas contribui para o seu bom

crescimento, o que com o progresso científico poderá restar substituído por um

ambiente totalmente artificial. Ao tratar da doutrina concepcionista Vasconcelos

(2006, p. 37) afirma que:

Esta corrente reconhece o início da vida humana no exato momento da fertilização do ovócito secundário pelo espermatozóide. Enquanto a biologia molecular e a genética lecionam que os antepassados estão ligados às gerações que lhes sucedem por um material contínuo de ligação denominado DNA (ADN – ácido desoxirribonucléico), portador do genoma, que, por sua vez, é transmitido dos pais para os filhos através de suas células germinativas no momento da concepção, a embriologia humana demonstra que é efetivamente a partir deste momento, da fusão dessas duas células germinativas altamente especializadas e programadas (provenientes de sistemas diferentes), que começa a existência de um novo ser, com sistema único e completamente diferente daqueles que lhe de ram origem. (grifou-se).

A partir da constatação de que um ser humano novo, completamente

distinto de seus genitores, existe desde o exato momento em que ocorre a

fecundação, Silva (2002, p. 99-100) afirma que:

A unidade substancial do zigoto e de seus desdobramentos vitais revela uma continuidade substancial. Cada etapa sucessiva do desenvolvimento humano mantém a sua unidade com a etapa antecedente, sem solução de continuidade. Conforme antecedentemente afirmado, o zigoto não pode tornar-se nenhum outro senão o próprio indivíduo humano que ele já é. Posto que sejam relevantes os fatores externos, eles somente são aproveitados nas etapas do ciclo vital na medida em que favorecem o programa de desenvolvimento que o ser humano traz consigo em seu genoma [...]. Fica evidente, assim, que o concepto não é um apêndice passivo do organismo materno [...], mas é sujeito ativo de seu próprio desenvolvimento, dependendo da mãe como um adulto depende do mundo externo para a nutrição, a retribuição e a proteção.

Segue o mesmo entendimento Alonso (2005, p. 417):

Evidentemente, o zigoto é o primeiro momento da vida, mas não é a vida toda. Com ele se inicia o processo de desenvolvimento contínuo, com etapas que se sucederão no tempo e no espaço, durante o qual irão emergindo as suas potencialidades.

69

Mas o zigoto é já uma pessoa, homem ou mulher, num avanço contínuo para uma progressiva complexidade, que requer o meio intracelular, o meio que representam as outras células do próprio organismo e, no seu início, o meio materno, em que se desenvolve a vida intra-uterina, pois o ser humano é ovíparo, sendo da sua natureza contar com a progenitora como hospedeira. (sic).

Deve-se salientar que quando se estiver a falar em zigoto, mórula ou

blastocisto, trata-se de embrião, não importa se o mesmo se encontra ou não

implantado no útero materno, ou seja, não há que se diferenciar embrião in utero

ou in vitro, haja vista que o que importa é a sua condição de ser humano. O

mesmo ocorre com o emprego da expressão “desde a concepção”, a doutrina

concepcionista não exclui o embrião criopreservado, uma vez que para ser

considerado embrião é necessária a concepção. Tal fato faz com que o embrião,

implantado ou não, seja sujeito de direitos, e, portanto, deve ser protegido desde a

concepção.

A doutrina concepcionista se bipartiu em verdadeiramente concepcionista,

ou incondicional, e concepcionista da personalidade condicional. A primeira

sustenta o entendimento de que a personalidade começa desde a concepção; não

se sujeita a nenhuma condição. O nascimento com vida é necessário apenas para

que se observem alguns efeitos decorrentes dos seus direitos, por exemplo, os

direitos patrimoniais. Ao passo que, para a doutrina da personalidade condicional,

o ser humano só será considerado sujeito de direitos se nascer com vida, ou seja,

constatado o nascimento com vida, a pessoa é assim considerada desde a

concepção. Explica Zainaghi (2007, p. 51): “Na verdade essa [...] corrente atribui a

personalidade ao nascituro, porém a deixa condicionada ao fato futuro, que será o

nascimento do mesmo com vida”.

3.1.2 A doutrina genético-desenvolvimentista

Segundo os defensores da doutrina genético-desenvolvimentista, “o ser

humano passa por uma série de fases: pré-embrião, embrião e feto” (LEITE, 1995,

p. 384), não reconhecem a esses seres humanos em formação as características

70

que os individualizam, necessárias para que sejam compreendidos como pessoa.

Tratam da necessidade de se estabelecer critérios para a determinação dessas

características.

Defensor da doutrina concepcionista, o geneticista francês Lejeune (apud

VASCONCELOS, 2006, p. 37-43) critica a utilização da terminologia pré-embrião,

por entender que antes do embrião nada existe:

Cada ser humano tem um começo único, que ocorre no momento da concepção. Embrião: ‘[...] Essa a mais jovem forma do ser...’ Pré-embrião: essa palavra não existe. Não há necessidade de uma subclasse de embrião a ser chamada de pré-embrião, porque nada existe antes do embrião [...]. Desde a existência da primeira célula todos os elementos individualizadores (tricks of the trade) para transformá-lo num ser humano já estão presentes. Logo após a fertilização, no estágio de três células, ‘um pequeno ser humano já existe’ Quando o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide, o resultado disso é a ‘mais especializada das células sob o sol’; especializada do ponto de vista do indivíduo que está sendo criado. [...] No momento em que é concebido, um homem é um homem . (grifos do original).

Diversas teorias surgiram em decorrência da doutrina genético-

desenvolvimentista, todas com o intuito de determinar o momento a partir do qual

embrião pode considerado um ser humano individualizado, sendo-lhe então

atribuída a condição de sujeito de direitos. As duas teorias mais difundidas são: a

teoria do pré-embrião e teoria da nidação.

A teoria do pré-embrião, também conhecida como critério do 14º (décimo

quarto) dia, defende a tese de que somente a partir do 14º dia após a fecundação,

quando deixa de ser pré-embrião (ou embrião precoce) e passa a ser considerado

embrião, é possível o seu reconhecimento como ser humano. Isso porque, para os

adeptos desta teoria, é necessário o aparecimento, ainda que rudimentar, do

sistema nervoso central, responsável pela sensibilidade daquele ser humano. O

pré-embrião é visto apenas como “um aglomerado de células sem forma humana

reconhecível” (MEIRELLES, 2000, p. 122), o que torna possível a utilização

daqueles seres humanos para pesquisa dos mais variados fins. Nesta linha há,

71

ainda, os que julgam necessário o aparecimento da placa neural, o que só é

possível por volta do 18º (décimo oitavo) dia. Para Dworkin (2003, p. 123)

defensor da doutrina genético-desenvolvimentista:

[...] o desenvolvimento fetal é um processo de criação contínuo, um processo que mal começou no instante em que ocorre a concepção. De fato, uma vez que a individualização genética ainda não se consumou a essa altura, poderíamos dizer que o desenvolvimento do ser humano com características únicas só vai iniciar-se cerca de catorze dias mais tarde, no momento da implantação. Depois desta, porém, à medida que prossegue o crescimento do feto, o investimento natural que o aborto poria a perder torna-se cada vez maior em mais significativo.

Segundo a teoria da nidação, só com a implantação já consolidada, o que

se dá por volta do 6º (sexto) dia após a fecundação, poderá o embrião ser

considerado pessoa, porque, só a partir daí, as células que se encontravam fase

do blastocisto passarão para um novo estágio, onde serão consideradas capazes

de gerar um ser humano distinto dos demais.

Contrários à teoria da nidação, Ellorrio e Scala (2005, p. 96-97) atestam

que o marco inicial da vida humana se dá na concepção e não na nidação:

Hoy es un lugar comúm que la vida humana comienza con la fecundación, es decir la unión de los núcleos de las gametas femenina y masculina. Este conocimiento es tan universal, que forma parte de la curricula de las escuelas. Desde que es posible ‘fabricar’ in vitro seres humanos, esto ha pasado a ser uma ‘verdad científica’ incontrastable. En efecto, la fecundación extracorpórea es anterior a la anidación y, cualquiera sea la técnica utilizada, luego de lograda la concepción, es preciso implantar el embrión. Ningún técnico dedicado a la fecundación artificial, se animaría a implantar un ser vivo que no fuera humano; y, a la vez, ninguna mujer fertilizada artificalmente, dio a luz jamás un ser vivo de outra especie, que la humana. Esto muestra empíricamente, que el inicio dela vida humana está en la concepción, y no en la anidación.

Existem outros desdobramentos da teoria genético-desenvolvimentista que

tentam fixar quando haverá a caracterização do concebido como pessoa humana,

por exemplo: a teoria da configuração dos órgãos, a qual diz que deverá ser

constatada a forma humana e a existência de todos os seus órgãos plenamente

72

constituídos; a teoria da funcionalidade do cérebro; a teoria da viabilidade, oriunda

do Direito Romano, que informa ser necessário que se atinja maturidade suficiente

para a vida extra-uterina. Há ainda, segundo Sgreccia (apud MEIRELLES, 2000,

p. 131), estudos que tentam demonstrar o momento em que há a “infusão da alma

no corpo, a determinar a caracterização da pessoa humana”.

Ao refutar a tese defendida pela doutrina genético-desenvolvimentista, Silva

(2002, p. 89) assim se manifesta:

A principal tese dessa teoria é que o zigoto humano, ainda que expressão da natureza humana, não é indivíduo humano em ato, mas apenas uma célula progenitora humana dotada de potencialidade para gerar um ou mais indivíduos da espécie humana. Trata-se de uma tese de caráter ideológico, haja vista que promove a subordinação inconfessa de uma posição teórica a uma postura prática, não tendo outro objetivo senão autorizar a manipulação de seres humanos.

Como se pode constatar a doutrina genético-desenvolvimentista,

independente da teoria adotada, propõe uma gradação na valoração da vida e da

dignidade do ser humano, o que é moral e constitucionalmente inaceitável, uma

vez que a Constituição Federal não classifica a vida humana. Desta forma, ainda

que o embrião não seja considerado pessoa no sentido jurídico, para os que

defendem esta impossibilidade, trata-se de um ser humano desde a sua origem e,

por esta razão, deve ser protegido.

3.1.3 A doutrina natalista

A doutrina natalista entende o embrião como uma expectativa de pessoa,

com expectativas de direito, uma vez que só pode ser considerado como existente

desde a concepção para o que lhe for juridicamente proveitoso. (SEMIÃO, 2000,

p. 40). Para os partidários desta doutrina, só existe pessoa partir do nascimento

com vida, não são necessários os requisitos da viabilidade e da forma humana,

como ocorria no Direito Romano.

73

Esta corrente considera o embrião como uma víscera da mãe, um produto

do corpo humano, reconhece na placenta um órgão em comum entre a mãe e o

filho. Há de se entender que quando se fala em “víscera”, deve-se entender

nascituro, ou seja, o embrião já implantado no útero. Contudo, o que nesta

doutrina se aplica ao nascituro poderá se aplicar ao embrião in vitro.

Para os defensores desta teoria, nascituro e embrião in vitro não têm nem

nunca terão o mesmo significado, salvo se a lei assim o determinar. Até porque se

a lei não confere personalidade civil ao nascituro, que se encontra no útero

materno em pleno desenvolvimento, não a conferirá a um embrião que não se

encontra no ventre materno e que nem se sabe quando se encontrará.

Saliente-se a existência dos natalistas moderados e radicais. Os primeiros,

não obstante defendam o início da personalidade civil apenas com o nascimento

com vida, consideram o embrião desde sua gênese como ser humano, dotado de

valor e dignidade, com direito à vida e integridade física. Condenam a doação de

embrião para fins de investigação científica, o descarte, a destruição, entre outros

abusos que porventura incidam de forma prejudicial sobre a vida humana. Já a ala

dos radicais não lhes reconhece qualquer humanidade, comparando-os a órgãos

que podem ser doados ou extirpados a qualquer momento. Contrária à doutrina

natalista, Vasconcelos (2006, p. 45) explica que:

Referida doutrina é uma construção doutrinária decorrente da não compreensão da autonomia biológica do concepto humano (hipótese cientificamente comprovada hoje de que, desde a concepção, o indivíduo gerado é autônomo, distinto do organismo materno e autogerenciador do seu próprio desenvolvimento).

A veracidade do argumento de Vasconcelos pode ser confirmada quando

se observa a contradição no discurso de Semião (2000, p. 63) defensor da

doutrina natalista:

74

Não há dúvidas de que, no primeiro momento da fecundação, já há biologicamente uma vida humana, dotada de todo um patrimônio genético. Outrossim, a Igreja sempre o considerou pessoa, desde os tempos mais remotos,influenciando os juristas de então de forma iniludível. Assim, ontologicamente, ninguém tem dúvidas de que o filho do homem, logo que concebido, tem vida humana. A discordância é quanto ao fato de ser ele juridicamente pessoa, conceito diverso do conceito filosófico puro de vida humana.

Difícil admitir o entendimento segundo o qual a lei pode estabelecer

categorias normativas completamente dissociadas da realidade fática. O Direito é

criação do homem, existe para garantir a convivência pacífica em sociedade. Ele

parte da realidade dos fatos, atribui-lhes valor e cria a norma. Assim, não há que

se falar em um Direito alheio aos acontecimentos no mundo dos fatos, de forma

que o ser humano deve ser compreendido como tal e protegido desde o momento

inicial da vida, que ocorre com a fecundação.

3.2 A dignidade da pessoa humana e o respeito à vid a

Inicialmente, há de se ratificar o entendimento de que o embrião

criopreservado tem natureza humana e é vida, ainda que em estado de latência.

Portanto, deve ser tratado com igual respeito dispensado a qualquer indivíduo da

espécie humana, reconhecendo-se a necessidade de proteção desse novo ser.

Para Sarlet (2007, p. 240): “Precisamente o debate em torno de temas sensíveis e

complexos como é o caso da interrupção da gravidez, da eutanásia e das

questões suscitadas pela biotecnologia revela o quanto é importante evitar o que

já se designou de uma ‘tirania da dignidade’”.

O princípio da dignidade da pessoa humana23, elevado a fundamento da

República Federativa do Brasil, está previsto no inciso III da Constituição Federal

de 1988:

23 A partir deste momento dar-se-á preferência à utilização da expressão dignidade humana, ao invés de dignidade da pessoa humana, por se filiar a autora à corrente que entende ser o vocábulo pessoa um atributo do ser humano, de forma que seria redundante falar-se em pessoa humana, haja vista que somente seres humanos podem ser considerados pessoas.

75

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. (grifou-se).

A dignidade humana é, pois, fundamento de validade de toda a ordem

constitucional, verdadeiro supraprincípio que deve ser observado por todos,

Estado e sociedade, com vistas a promoção do bem-estar do ser humano

enquanto indivíduo e ser social. Segundo Nunes (2007, p. 45): “É ela, a dignidade,

o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço

da guarida dos direitos individuais [...]. É a dignidade que dá a direção, o comando

a ser considerado primeiramente pelo intérprete”. Segue o mesmo entendimento,

Andrade (2007, p. 163):

Destarte, seja o Estado-juiz, seja o Estado-legislador, seja o Estado-administrador, bem como toda a sociedade, não poderão olvidar os seus comando e alcance, pelos quais todas as políticas e ações públicas, interpretações ou aplicações da regra de direito encontram-se atreladas ao modelo que posiciona a dignidade humana no ápice de todo os sistema.

Para Jacinto (2006, p. 37):

Em sua dimensão material, de vetor a ser exigido na prática das relações humanas, a dignidade constrói-se a partir das considerações acerca do agir humano, concretamente observado. Nessa arena, o conteúdo e extensão da dignidade se elabora a partir da prática observada em todos e em cada um. Em relação aos poderes constituídos, a dignidade ora assume o papel de fronteira à sua atuação, ora se identifica como objetivo da atuação destes.

Percebe-se no texto constitucional a preocupação de se resguardar o valor

da dignidade humana, o que pode ser percebido ao se observar que os direitos e

garantias individuais fundamentais foram erigidos à categoria de cláusulas

pétreas, que constituem o núcleo intocável da Constituição. Leciona Sarlet (2008,

p. 119) que:

76

[...] se da dignidade – na condição de princípio fundamental – decorrem direitos subjetivos à sua proteção, respeito e promoção (pelo Estado e pelos particulares), seja pelo reconhecimento de direitos fundamentais específicos, seja de modo autônomo, igualmente haverá de se ter presente que a dignidade implica também, em ultima ratio por força de sua dimensão intersubjetiva, a existência de um dever geral de respeito por parte de todos (e de cada um isoladamente) os integrantes da comunidade de pessoas para com os demais e, para além disso e, de certa forma, até mesmo em um dever das pessoas para consigo mesmas.

A questão a ser analisada diz respeito à temática dos embriões excedentes

das técnicas de reprodução assistida, cujo núcleo é saber se esses princípios

norteadores do ordenamento jurídico brasileiro podem ou não ser aplicados aos

embriões conservados em laboratório. Para Martins (2003, p. 127):

A dignidade da pessoa humana se apresenta como uma fonte aberta de proteção jurídica, não sendo casual o fato de que temas polêmicos sejam discutidos sob a ótica de seu conteúdo. A rigor, pudemos verificar que a incorporação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental na Constituição de 1988 representou um marco no constitucionalismo brasileiro, que, assim, se abriu a novas possibilidades hermenêuticas.

Não obstante o fato de que existam discussões acerca de ser ou não o

embrião criopreservado considerado sujeito de direitos, bem como não se poder

dizer que o mesmo é brasileiro, estrangeiro ou apátrida, uma vez que não nasceu,

o embrião é vida humana, é um ser humano desde o momento da concepção e

como tal deve ser protegido. Levando em consideração os ensinamentos de Dürig,

Sarlet (2006, p. 118) afirma que:

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa hu mana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável , na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. (grifou-se).

Assim, por ser o princípio da dignidade humana uma fonte aberta de

proteção constitucional, verdadeiro vetor de interpretação das normas que

compõem o ordenamento jurídico brasileiro e por ser a dignidade uma qualidade

77

inerente ao ser humano, irrenunciável e inalienável, pode-se concluir que as novas

realidades trazidas pelos avanços científicos, ainda que não regulamentadas pelo

Direito, devem encontrar fundamento no princípio da dignidade humana.

Outro fundamento constitucional para a proteção do embrião é a

inviolabilidade do direito à vida, prevista no caput do artigo 5º da Constituição

Federal, que afirma que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.

A Constituição não impõe qualquer limite à proteção à vida, não define o

que é vida, até porque esta é uma tarefa que compete à Biologia e à Medicina.

Garante, no entanto, a “inviolabilidade do direito à vida”, não prevê qualquer

gradação entre os seres humanos, se assim não fosse não seria punível o crime

de aborto. Nesse sentido, Meirelles (2000, p. 163) julga inadmissível que o ser

humano venha a ser utilizado “como um mero instrumento na busca de finalidades

egoísticas ou aparentemente superiores”, quando deveriam ser vistos

“exclusivamente como um fim último em si mesmo”. Para Vari (2005, p. 172):

O direito à esperada vida, portanto, tem sua base na concepção. Atacar este princípio traz conseqüências muito negativas para o conjunto da sociedade. Isto já sabiam os romanos, tanto é verdade que há mais de 20 séculos o concebido (conceptus o qui in utero est) ou o embrião, gozavam de uma ampla proteção por parte dos juristas romanos (prudentes), os quais anteviam o direito baseando-se em princípios (além das técnicas), enquanto hoje os ‘legisladores’ e juízes inserem sufocadamente as questões tecnológicas, e, muitas v ezes, perdem de vista os princípios e o sistema . (grifou-se).

Complementa Zisman (2005, p. 34):

O próprio fato de pertencer ao gênero humano, por sua própria natureza, antes mesmo da consagração dos direitos inerentes à dignidade em qualquer postulado jurídico-positivo, confere ao indivíduo o direito ao reconhecimento e preservação da vida digna. A pessoa tem dignidade por ser pessoa, de modo que o princípio da dignidade é o primeiro de todos na escala axiológica – vale mais que qualquer outro direito [...]. Por isso, o ordenamento jurídico interno de cada Estado soberano não

78

cria ou outorga os direitos de liberdades da pessoa, e sim os declara, facilitando a sua proteção.

Não resta dúvida quanto à natureza humana do embrião criopreservado,

tampouco quanto à necessidade de sua proteção jurídica. Enquanto não existe

uma legislação que aborde de forma adequada o tema, devem o Estado e a

sociedade promover a proteção do embrião humano pré-implantatório ou não,

pautando sua conduta no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à

vida, aqui compreendido o direito de se desenvolver e nascer. Deve-se decidir

pela proteção à vida.

3.3 A personalidade no Código Civil

Preliminarmente, cumpre alertar para o fato de o presente trabalho não

pretender uma abordagem histórica acerca do instituto da personalidade civil. Ao

contrário, limita-se a tratar da proteção conferida pelo Código Civil aos embriões

excedentes das técnicas de reprodução medicamente assistida.

Preceitua o artigo 1º do Código Civil que: “Toda pessoa é capaz de direitos

e deveres na ordem civil”. A personalidade, segundo a doutrina brasileira

tradicional, é atributo da pessoa. Trata-se do reconhecimento da aptidão que todo

ser humano possui para ser sujeito de direitos e obrigações. Diferencia-se da

capacidade, entendida como possibilidade de exercício de direitos por si próprio.

Observa-se, pois, que toda relação jurídica tem por titular o ser humano.

Também os embriões excedentes oriundos da reprodução assistida devem ser

assim considerados, uma vez que lhes é inerente a qualidade de ser humano.

Entretanto não é isto que se observa na legislação brasileira. Segundo Meirelles

(2000, p. 47):

Vinculam-se personalidade e titularidade de tal forma que a codificação civil brasileira, a partir desse entendimento clássico sobre sujeito de direito (e, portanto, fundando-se na maior ou menor possibilidade – atual

79

ou futura – de ver caracterizado o titular de direitos e obrigações), aponta para três categorias centrais: pessoa natural , nascituro e prole eventual . (grifo do original).

Sá e Naves (2009, p. 111-112) seguem o mesmo entendimento ao afirmar

que:

As codificações brasileiras adotam o entendimento clássico de que sujeito de direito é aquele que a ordem jurídica define como tal. Ao vincular personalidade e titularidade, tanto o Código de 1916 quanto o de 2002, apontam três categorias distintas: pessoa natural, nascituro e prole eventual. Nada dizem sobre a cond ição do embrião humano . (grifou-se).

A partir da constatação de que o Código Civil não faz referência ao embrião

humano dentro daquelas categorias clássicas, trata-se de demonstrar a

insuficiência das mesmas em face da nova realidade trazida pelo domínio das

técnicas de reprodução assistida, bem como da inviabilidade da extensão de

algumas daquelas categorias hodiernamente existentes aos embriões excedentes.

O Código Civil, em seu artigo 2º, afirma que: “A personalidade civil da

pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a

concepção , os direitos do nascituro.” (grifou-se). Entende a doutrina civilista

tradicional que no Direito brasileiro para ser pessoa basta nascer com vida, não se

exigindo a viabilidade, diferente do que ocorre na França, tampouco a forma

humana, requisitos com raízes no Direito Romano.

Há, todavia, entendimentos em sentido contrário, na defesa de que o

conceito de pessoa pode ser aplicado ao embrião por se tratar de atributo do ser

humano. Para Montano (2005, p. 261 e 262):

El concepto de persona no es fundamental para asignar especial dignidad a la vida humana. Es su consecuencia. La persona es um atributo essencial de la vida humana. Es el atributo que mejor le corresponde. Sin embrago, los ordenamientos jurídicos recientes no han otorgado a la vidapor nacer el estatuto personal porque son normas antiguas. Provienen de épocas en que la ciencia no era capaz de demostrar su existencia. Su evolución se ve dificultada por las

80

vacilaciones científicas creadas por la disputa entre criterios pragmáticos (importa su utilización) y criterios realistas u ontológicos (importa su ser). Pero esta discussión no tiene sentido, no debe existir. Si existe duda, cualquiera sea, hay que pronunciarse a favor de la vida. Este debe ser un principio essencial de la bioética actual – derivado del primum non nocere – y por conseguiente, del Derecho que se basa en ella.

Costuma-se afirmar que o Código Civil adotou a doutrina natalista em

detrimento das demais teorias sobre o início da vida. Todavia, esta opinião não é

unânime entre os estudiosos deste ramo do Direito. Em verdade, para fins de

proteção do ser humano, seja embrião, feto, nascituro ou já nascido, não importa a

teoria adotada, mas que o Direito cumpra o papel que lhe cabe, defender o ser

humano em qualquer fase de desenvolvimento. Sá e Naves (2009, p. 73)

concordam com este posicionamento:

As teorias biológicas que explicam o início da personalidade jurídica são úteis em um discurso de justificação, pois a justificam moral, física ou psicologicamente. Se o direito subjetivo não paira sobre nós, mas é alcançado argumentativamente, não precisamos recorrer àquelas teorias (natalista, personalidade condicional ou concepcionista) para atribuir personalidade ao nascituro. Esse, como referencial de imputação, pode participar de situações jurídicas, e é isso que lhe confere personalidade.

Beltrão (2005, p. 80) afirma que:

Não se pode, do ponto de vista biológico, duvidar que a vida se inicia com a concepção e que a ordem jurídica protege o direito de nascer, sancionando como crime o aborto. Daí que a atribuição de direitos ao nascituro para um momento anterior ao nascimento é o reconhecimento de que o nascituro é sujeito de direitos, tendo então personalidade.

A doutrina civilista clássica, entretanto, firmou o entendimento que nascituro

é o ser humano que já se encontra nidado, fixado no útero materno. Para esta

corrente dizer que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro,

não é o mesmo que lhe conferir os direitos inerentes ao nascido. Argumentam

que, caso contrário, se o nascituro fosse considerado pessoa, não haveria a

necessidade de o legislador especificar um a um seus direitos, é o que se

denomina taxatividade dos direitos do nascituro. Até porque na “perspectiva

81

tradicional, somente são tuteladas pela ordem jurídica as relações expressamente

previstas no direito positivo”. (MEIRELLES, 2000, p. 56).

Assim, os direitos do nascituro seriam apenas os que se encontram

previstos em lei, por exemplo: o direito à vida pela punição do aborto criminoso

(arts. 124 a 127, CP); doação feita ao nascituro desde que aceita por seu

representante legal (art. 542, CC); capacidade de adquirir por testamento (art.

1.798, CC); entre outros. Contrário a este entendimento, Moreira (2005, p. 116):

Pouco importa, aqui, o modo pelo qual, no plano dogmático, se justificará a atribuição de direitos a alguém que, nos termos da primeira parte do dispositivo,ainda não tem personalidade. É assunto para disquisições teóricas, sem dúvida importantes e sedutoras. Seja como for, porém, nenhuma proposta nesse plano poderá minimizar, nem a fortiori desprezar, o dado claro e inequívoco do texto legal: é de direitos que se cuida, e não de qualquer outra figura jurídica. Visto que a lei promete pôr ‘a salvo os direitos do nascituro’; a lógica mais elementar impõe admitir que o nascituro tem direitos. Negá-lo é fazer tábua rasa de disposição cristalina. As construções têm que partir desse ponto firme; se não partem dele são construções erguidas sobre areia.

Ganha espaço entre os civilistas mais modernos o posicionamento que

considera nascituro o ser humano já concebido, aqui compreendido o embrião in

utero ou in vitro. Vasconcelos (2006, p. 73) ao tratar de uma suposta crise do

conceito de nascituro pondera:

[...] Ora, se a vida humana merece proteção desde a concepção, o termo deve ser compreendido dentro do seu significado atual, ou seja, já abarcando a hipótese de ocorrência in vitro! A mesma regra deve ser aplicada ao conceito de nascituro. Se, anteriormente, o termo compreendia o ser concebido in utero, por não se visualizar a concepção em outro ambiente, uma vez demonstrada a ampliação dessa possibilidade, importa tão-somente alargar a extensão do conceito, acomodando-o às novas evidências desveladas pela ciência médica, campo que já há muito contribui com o Direito de uma forma interdisciplinar. (grifos do original).

Para a autora, é suficiente que o conceito de nascituro seja alargado para

comportar o embrião in vitro. Não se pretende adentrar na discussão se deve ou

não o conceito de nascituro compreender o conceito de embrião. O que se pode

afirmar é que, de acordo com Ferreira (1986, p. 1.181), o vocábulo nascituro vem

82

do latim “nascituru” e significa “1. Que há de nascer. [...] 2. Aquele que há de

nascer. 3. Jur. O ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato

futuro certo”. (grifos do original).

Observa-se que etimologicamente não há nenhum motivo para se entender

o nascituro como sendo apenas o ser humano já nidado no útero materno. Esta

compreensão advém de uma época, precisamente a do Direito Romano, em que

não se imaginava outra possibilidade de concepção do ser humano que não no

ventre materno. Diante da nova realidade trazida pelos avanços na área da

reprodução humana, v. g. concepção extra-útero, deve o Direito optar pelo

alargamento da conceituação clássica de nascituro ou por dar ao embrião in vitro

uma tutela diferenciada, capaz de garantir-lhe a proteção jurídica necessária.

Entende-se por prole eventual aquela que ainda está para ser concebida.

Difere, portanto, do conceito de nascituro haja vista que este é ser humano já

concebido. Segundo o entendimento de Pontes de Miranda, citado por Meirelles

(2000, p. 54), “[...] a prole eventual constitui todo ente humano que pode vir a ser

concebido, é o nondum conceptus, o ente humano futuro”.

Prevê o Código Civil, a doação feita em contemplação de casamento a se

realizar, à filiação futura, bem como a aquisição, por testamento, de pessoa a ser

designada pelo testador e que venha a existir no momento da abertura da

sucessão, em seus artigos 546 e 1.799, I, respectivamente:

Art. 546 A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar. [...] Art. 1799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.

83

Não há muito que se dizer sobre uma possível relação entre prole eventual

e embriões excedentes, não são sequer semelhantes. Todavia, uma ressalva

merece ser feita em favor da defesa dos direitos daqueles embriões. Se o Código

Civil protege os interesses de um ser que ainda não existe no mundo dos fatos,

com mais razão devem ser estendidas aos embriões excedentes as proteções

conferidas ao nascituro, haja vista se tratar de ser humano já concebido.

Ao tratar da presunção de filiação o Código Civil, no artigo 1.597, incisos III,

IV e V, fez menção aos embriões, excedentes ou não, das técnicas de reprodução

humana medicamente assistidas:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento o s filhos : I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo q ue falecido o marido ; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embr iões excedentários, decorrentes da concepção artificial homóloga ; V – havidos, por inseminação artificial heteróloga, des de que tenha prévia autorização do marido . (grifou-se).

A inclusão dos embriões oriundos das técnicas de reprodução assistida no

rol do artigo 1.597 do Código Civil contribui para firmar o entendimento segundo o

qual os embriões excedentes ou não daquelas técnicas são sujeitos de direito na

ordem civil. Compreendê-los de forma diversa é contrariar o sistema jurídico.

Menezes sintetiza a questão da proteção a ser conferida ao embrião da seguinte

forma (2008, p. 207):

É certo que a personalidade jurídica surge, no momento em que a lei autoriza, e no Brasil, isto ocorre do nascimento, com vida. Mas não é menos certo que o sistema jurídico assegura proteção ao nascituro. É pacífico entre os juscivilistas que estudam os direitos da personalidade, a ocorrência de uma personalidade (ainda que mitigada) na fase humana pré-natal. No entanto, a fertilização in vitro trouxe uma realidade diversificada que não tem tratamento adequado – o embrião excedentário. Concorda-se com Cifuentes, se não se tem aqui um nascituro, tem-se uma vida, cuja tutela há que ser implementada.

84

Para Beltrão (2005, p. 78):

Os ideais jurídicos são ideais condicionados a uma determinada época ou determinado momento político de um povo específico, que estão condicionados a um determinado momento histórico. [...] Não é porque na história do direito positivo uma determinada lei atribuía personalidade ao infante após 24 horas de nascido que devemos entender que esse direito é o ideal a ser seguido.

Complementa-se o entendimento de Beltrão ao afirmar que o embrião in

vitro para fins de proteção jurídica, enquanto não houver um estatuto jurídico

próprio, deve ser considerado nascituro e, por esta razão, pessoa sob pena de

ofensa à dignidade que lhe é intrínseca; só não pode ser identificado como prole

eventual, uma vez que já se encontra concebido e conservado em laboratório.

3.4 A questão do aborto

Etimologicamente, o vocábulo aborto (do latim: ab, que significa privação, e

ortus, nascimento) significa privação do nascimento (GUIMARÃES, 1999, p. 06). É

entendido como a interrupção, natural ou não, da gravidez com a consequente

morte do feto ou produto da concepção. Embora o termo aborto seja bastante

difundido, inclusive no meio jurídico, a palavra abortamento é mais utilizada no

meio médico e traduz com maior precisão a conduta, pois se refere exatamente ao

próprio ato de abortar.

O Código Penal brasileiro trata do aborto nos artigos 124 a 128,

classificando-o em quatro tipos: natural; acidental ou culposo; legal ou permitido; e

criminoso ou doloso. No primeiro e segundo casos, o aborto não constitui crime,

uma vez que no aborto natural ocorre a expulsão espontânea do produto da

concepção, enquanto o acidental normalmente decorre de algum traumatismo.

85

Vários são os tipos de aborto legal conhecidos pela doutrina e pela

jurisprudência, entre eles: o aborto social ou econômico, que tem lugar quando se

trata de família numerosa, visando a não comprometer mais ainda a condição

econômica da mesma; o aborto eugênico, que tem a finalidade de evitar o

nascimento de uma criança que possa vir a ter alguma grave doença hereditária; o

aborto necessário ou terapêutico, indicado nos casos em que a gestante corre

risco de vida; e o aborto sentimental ou humanitário, permitido nos casos em que

a gravidez resulta de estupro. O Código Penal brasileiro só prevê a existência dos

dois últimos casos, em seu artigo 128, incisos I e II:

Art. 128 Não se pune o aborto provocado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Critica-se de forma veemente a impropriedade da classificação do crime de

aborto estar no Título “Dos Crimes Contra a Pessoa”, especialmente pelo fato de

que para ser caracterizado o crime de aborto é necessário que exista a figura do

nascituro ou do produto da concepção, mas, como se sabe, de acordo com a

doutrina tradicional, nascituro não tem personalidade civil, não sendo, portanto,

considerado pessoa. Contudo, não são suscitadas grandes questões em relação

ao capítulo no qual o crime de aborto se encontra inserido, qual seja: “Dos Crimes

Contra a Vida”. É pacífico o entendimento de que o aborto é um atentado contra a

vida do produto da concepção.

No que diz respeito aos embriões excedentes da fertilização in vitro, a

questão é saber se a destruição ou o descarte dos mesmos, a qualquer título,

pode ser considerado aborto. Em princípio, há de se partir do entendimento, da

doutrina tradicional, de que embrião criopreservado não é o mesmo que nascituro,

visto que não se encontra implantado no útero, tampouco em pleno

desenvolvimento, razão pela qual a destruição ou descarte daqueles não pode ser

86

considerado aborto. Contrariando este posicionamento, Chaves (2000, p. 74-75)

afirma que:

A lei penal brasileira pune o aborto provocado, mas não o define. A doutrina dominante entende haver aborto, (etimologicamente: AB = privação + ORTUS = nascimento), quando ocorre a morte do concepto. Assim sendo, a destruição de um embrião, vida em formação ou elaboração, no útero materno ou fora dele, importa em destruição de uma vida humana, passível de sanção, porque ela existe em germe, quer a chamemos de vida intra-uterina,biológica, fetal ou feto-placental e, por isto, a legislação civil põe a salvo os direitos do nascituro e a penal pune quem a interromper.

Trata-se, mais uma vez, da questão de elevar o embrião criopreservado a

um novo status jurídico, definindo-o, conferindo-lhe direitos, impondo limites à sua

manipulação. Atualmente, há quem fale em “embrionicídio” (MEIRELLES, 2000, p.

65), que seria a tipificação penal para o atentado à vida daquele ser. Sabe-se,

porém, que um dos princípios básicos do Direito Penal é o princípio da

anterioridade da lei penal, segundo o qual: não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem prévia cominação legal. Assim sendo, não haveria como

punir o “embrionicídio” por não haver expressa previsão na legislação penal.

Para não deixar o problema sem solução, enquanto não existe um estatuto

jurídico do embrião, melhor seria afastar da concepção clássica da doutrina, que

compreende o nascituro como o embrião já implantado no útero materno, para

conceituá-lo de acordo com a etimologia do termo, como aquele que está por

nascer, abrangendo assim o embrião em qualquer situação, esteja ele nidado ou

não. Da mesma maneira, a palavra aborto deve ser compreendida como a

privação do nascimento e não da gravidez, ao contrário do que pretendem a

doutrina tradicional. Posicionamento este que autoriza punição da destruição do

embrião como crime de aborto, sem qualquer impedimento legal.

87

3.5 O embrião como um novo status jurídico

Devido à dificuldade de superar os conceitos há muito cunhados pela

doutrina tradicional, para enquadrar o embrião excedente àquelas categorias

codificadas, propõe-se que o mesmo seja reconhecido como um novo status

jurídico, ou seja, deve o embrião criopreservado ser tratado de forma

individualizada pelo Direito, o qual deverá apresentar uma definição que atenda às

finalidades éticas do ordenamento jurídico. Concordam com este entendimento

Corrêa e Conrado (2008, p. 86-87):

[...] Nunca é demais observar que o direito não cria fenômenos naturais, mas sua função é apenas regulamentá-los, seja a priori ou a posteriori, como forma de gerar segurança à comunidade, por meio da pacificação social. No campo dos direitos do embrião, essa pacificação se faz urgente, através da emanação de regras jurídicas próprias sobre a matéria, enfeixadas em um instrumento que provisoriamente podemos denominar por Estatuto do Embrião, e que visa criar instrumentos eficientes de proteção e impedir os conflitos que vêm surgindo entre os cientistas, a Igreja e a comunidade, em vista da discussão em torno do início da vida e da dignidade da pessoa humana do conceptus. (grifos do original).

Segundo o entendimento de Semião (2000, p. 175), devem os juristas

“tentar convergir a lógica e o pensamento jurídico com os resultados das

experiências dos cientistas da biogenética, para adiante proporem a melhor

legislação a respeito”.

Propõe referido autor que o embrião mantido em laboratório seja definido

como “um status jurídico novo entre a pessoa e a coisa” (SEMIÃO, 2000, p. 183),

o que sem dúvida alguma legitimaria a manipulação da vida de seres humanos,

situação que se afigura inadmissível diante da proteção conferida ao ser humano

pela Constituição Federal. Embrião é ser humano, não está, nunca esteve, nem

nunca estará, pela sua própria natureza, a meio caminho entre homem e coisa.

É fato público e notório que as técnicas de reprodução assistida trouxeram

uma nova realidade que não pode ser deixada de lado: o embrião excedente. O

88

embrião, in vivo ou in vitro, tem natureza humana, até porque proveniente de

gametas humanos, não existindo qualquer possibilidade desses gametas uma vez

unidos se transformarem em algo diferente de um ser humano. Assim, deve ser

protegido desde o início do seu ciclo vital, que ocorre com a fecundação. Para

Corrêa e Conrado (2008, p. 89-90):

Os direitos do embrião devem ser protegidos independentemente da forma de fertilização, visto que o art. 2º do Código Civil brasileiro fala em proteção do nascituro desde a concepção. Assim, todos os direitos elencados no ordenamento jurídico de proteção ao nascituro, enquanto não estabelecido um Estatuto do Embrião, podem e devem ser estendidos igualmente aos embriões in vivo e in vitro, posto que eles devem ser vistos como pessoa e não como coisa passível de transferência, alienação e destruição. Ao embrião, além do direito à dignidade humana, tam bém são resguardados outros direitos, estendendo-lhe o dire ito à adoção e ao não abandono, entre outros. Se não pela igualdade com o nascituro, posto que vivem momentos diferentes, pelo menos pela eqüidade tais direitos devem ser garantidos. (grifou-se).

Os direitos à adoção e ao não abandono, citados pelos autores, também

podem ser estendidos aos embriões excedentes e se mostram compatíveis com a

finalidade ética do ordenamento jurídico de proteção do ser humano em todas as

suas fases.

O direito à adoção de nascituro encontrava expressa previsão legal no

artigo 372 do Código Civil de 1916, nos seguintes termos: “Não se pode adotar

sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou

nascituro .” (grifou-se). Todavia, o novo Código Civil não prevê de forma expressa

este direito, o que não quer dizer que não seja possível a adoção do nascituro,

aqui compreendidos os embriões excedentes das técnicas de reprodução

assistida.

Segundo o disposto no artigo 1.621 do Código Civil: “A adoção depende de

consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar,

e da concordância deste, se contar mais de doze anos.” Observe-se que não há

qualquer limitação quanto à fase de desenvolvimento em que se encontra a

89

criança, salvo se maior de doze anos, quando se faz necessária a concordância

deste.

O Estado tem papel preponderante na efetivação da proteção do ser

humano. Acompanhadas de uma legislação reguladora das técnicas de

reprodução assistida, políticas públicas para a promoção da adoção de embriões

excedentes por casais acometidos pela infertilidade podem ser capazes de por fim

aos problemas éticos e jurídicos que são impostos pelo uso indiscriminado das

técnicas de reprodução humana.

Este entendimento pode ser encontrado no artigo 7º da Lei 8.069, de 13 de

julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, que

enuncia que: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,

mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento

e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”

(grifou-se).

O direito ao não abandono também pode ser estendido ao embrião in vitro.

Isso seria uma decorrência da presunção de filiação contida no artigo 1.597do

Código Civil, bem como o dever de guarda dos filhos. Não podem os embriões ser

abandonados à própria sorte, sob pena de cometerem seus genitores os crimes

de abandono material e o moral, previstos nos artigos 244 e 246 do Código Penal.

Tem-se, pois, que o ideal é a elaboração de um estatuto jurídico que confira

ao embrião humano, independentemente do modo pelo qual ocorreu a sua

fertilização, proteção jurídica adequada, que lhe resguarde a dignidade e lhe

garanta o direito à vida, aqui compreendido numa perspectiva mais ampla como o

direito de nascer, com ou sem vida. Para Haddad (2005, p. 437): “O direito ao

nascimento natural, com o sem vida, é uma conseqüência do direito à vida. O

direito à vida não é uma garantia à vida ou de vida, mas uma garantia de ter a

expectativa de viver, e por isso de nascer”.

90

Além dos direitos fundamentais conferidos ao ser humano existentes no art.

5º da Constituição de 1988, que lhe sejam resguardados ao embrião direitos

outros, como o de não ser abandonado e o de ser adotado, evitando assim a

utilização do termo doação, que depõe em sentido contrário, reificando o ser

humano.

3.6 Lei de Biossegurança

Em 5 de janeiro de 1995 entrou em vigor a Lei nº 8.974, também conhecida

como Lei de Biossegurança, determinando os mecanismos pelos quais seria

possível efetivar a limitação do uso das técnicas de reprodução humana para fins

exclusivos de procriação.

A chamada Lei de Biossegurança, embora não fosse a legislação adequada

para tratar sobre a questão dos embriões humanos, limitou o uso das técnicas de

reprodução humana para finalidades outras que não seja com intuito reprodutivo,

como pode se depreender da leitura do artigo 8º, incisos II, III e IV, Lei nº

8.974/1995:

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM: I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei: II - a manipulação genética de células germinais humanas; III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio; IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível.

Cumpre esclarecer o significado de OGM utilizado no caput do artigo 8º,

que é definido no próprio texto legal, como “organismo cujo material genético

91

(ADM/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”

(art. 3º, IV, Lei nº 8.974/1995). Referida lei define como crime a prática das

mesmas condutas vedadas no artigo 8º, em seu artigo 13, incisos I, II e III:

Art. 13 Constituem crimes:

I - a manipulação genética de células germinais humanas;

II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;

Pena - detenção de três meses a um ano.

§ 1º Se resultar em:

a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

Pena - reclusão de um a cinco anos.

§ 2º Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

Pena - reclusão de dois a oito anos.

§ 3º Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

Como se pode constatar, a Lei de Biossegurança inovou ao tratar sobre o

tema, abrindo espaço para que fosse elaborada uma legislação que, como aquela,

respeitasse a natureza humana daqueles embriões, reconhecendo sua dignidade

e que não abra espaço para a utilização dos mesmos com finalidades outras que

não a de atender a um projeto parental.

92

Todavia, configurando verdadeiro retrocesso, em 24 de março de 2005

entrou em vigor a Lei nº 11.105, revogando a Lei nº 8.974/1995, autorizando em

seu artigo 5º as pesquisas com células-tronco embrionárias, nos seguintes termos:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. (grifo do original).

Na tentativa de amenizar o desprezo pela vida humana desses embriões, a

nova Lei de Biossegurança impôs alguns requisitos para a sua utilização: 1) que

sejam produzidos por meio da fertilização in vitro e não utilizados naquele

procedimento; 2) sejam inviáveis (não definindo o que se entende por

inviabilidade) ou que sejam congelados há três anos ou mais; 3) consentimento

dos genitores, tratando-os como algo que está à livre disposição de seus

genitores; 4) submissão dos projetos de pesquisa aos comitês de ética em

pesquisa; e 5) a não comercialização daqueles embriões, que são tratados sob a

denominação de “material biológico”.

Este dispositivo da nova Lei de Biossegurança não foi recebido de forma

pacífica pela comunidade jurídica. Tanto que deu ensejo à propositura de Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, proposta perante o Supremo Tribunal

Federal, em 30 de maio de 2005, dois meses após sua entrada em vigor, pelo

então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles. Os argumentos da

referida ação e os votos dos Ministros serão objeto de capítulo próprio.

93

3.7 Resolução nº 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina

Anterior à Lei de Biossegurança, a Resolução nº 1.358, de 19 de novembro

de 1992, do Conselho Federal de Medicina estabelece normas éticas para a

utilização das técnicas destinadas à reprodução assistida. Trata-se, pois, de um

código deontológico a ser seguido pelos profissionais dedicados àquela área.

Ao tratar especificamente dos embriões excedentes, proíbe o uso dos

mesmos para fins que não sejam reprodutivos, bem como a utilização das

técnicas de reprodução assistida com a finalidade de escolha do sexo do embrião

ou qualquer outra característica biológica, exceto quando se tratar de doenças

relacionadas ao sexo (item 4, seção I) como, por exemplo, a hemofilia. Essa

proibição tem o escopo de evitar que se pratique a eugenia, técnica que visa ao

melhoramento da espécie através da seleção dos genes que determinam as

características dos seres humanos.

A clonagem terapêutica é terminantemente proibida pela Resolução nº

1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, quando a mesma, no item 5 da

seção I, proíbe a “fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade

que não seja a procriação humana”. No entanto, permite a doação de embriões

humanos realizada de um casal para outro, sem fins lucrativos ou comerciais (item

1, seção IV), o que, embora seja dotado de um caráter altruísta, pode conduzir ao

entendimento de que o embrião in vitro não passa de uma coisa que pode ser

disposta de acordo com a vontade dos genitores.

Proíbe a referida resolução qualquer possibilidade de destruição ou

descarte de embriões (item 2, seção V), inclusive quando se tratar de redução

embrionária, que tem lugar nos casos de gravidez múltipla (item 7, seção I).

Entretanto, de acordo com o item 3 da seção V, o casal deverá, no momento da

94

criopreservação, “expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será

dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou

de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los”. A

interpretação deste item deve, todavia, obedecer à regra de não ser possível a

destruição ou descarte do embrião, bem como àquela que proíbe sua manipulação

para outros fins que não os reprodutivos. Como se percebe, a única opção é

quanto à doação do embrião para um casal que deverá ser desconhecido dos

doadores (item 2, seção IV).

O posicionamento adotado pela Resolução nº 1.358/1992 do Conselho

Federal de Medicina demonstra seu interesse em proteger o embrião

criopreservado desde a concepção. Mesmo quando faz a distinção entre pré-

embrião e embrião, não tem o escopo de conduzir ao raciocínio da inexistência de

limites de manipulação durante a fase pré-embrionária. Ao contrário, tal distinção é

feita no sentido de se utilizar as técnicas de reprodução assistida em favor

daquele embrião:

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES As técnicas de RA também podem ser utilizadas na prevenção e tratamento de doenças genéticas e hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica. 1) Toda intervenção sobre pré-embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal. 2) Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões “in vitro”, não terá outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

Apesar de proteger o embrião in vitro, não é esta Resolução o instrumento

adequado para tratar sobre o tema, uma vez que foi feita por médicos e para

médicos. Por se tratar de um código deontológico, não tem aplicabilidade nem

valor coercitivo na esfera jurídica, exceto nos casos de responsabilidade civil do

médico, razão pela qual se faz imprescindível a elaboração de uma lei que

95

regulamente o uso das técnicas de reprodução assistida, pondo fim à problemática

advinda da produção de embriões que terminam por exceder ao projeto parental.

3.8 Projetos de lei sobre a reprodução assistida

No Brasil não existe legislação específica sobre a reprodução assistida,

tampouco um estatuto jurídico do embrião. No entanto, existem alguns projetos de

lei que versam sobre o tema em pauta. A decisão de tratar o presente trabalho,

exclusivamente, do Projeto de Lei nº 90, de 9 de março de 1999, de autoria do

então Senador Lúcio Alcântara, e seus substitutivos, em detrimento dos outros

existentes acerca da reprodução assistida, dá-se pelo fato de ser este projeto tido

como o mais completo e o que mais se aproxima das normas estabelecidas pela

Resolução nº 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, especialmente

quando se verificam os seus substitutivos.

A crítica que se faz em relação àquele projeto, no que diz respeito,

exclusivamente, aos embriões excedentes da fertilização in vitro, é que não

obstante defina como humano o embrião que “resulta da união in vitro de gametas

humanos, qualquer que seja a idade do seu desenvolvimento” (art. 1º, caput), no

decorrer do projeto deixa de lado sua humanidade passando a tratá-lo como coisa,

conforme se verifica no artigo 6º do referido Projeto de Lei: “Será permitida a

doação de gametas e embriões, sob a responsabilidade dos estabelecimentos que

praticam a RA, vedada a remuneração dos doadores e a cobrança por esse

material , a qualquer título.” (grifou-se). Prevê, ainda, casos em que o mesmo deve

ser descartado, como se pode constatar da leitura do artigo 9º, §§ 4º e 6º, e do

artigo 10 do citado projeto de lei:

Art. 9º. Os estabelecimentos que praticam a RA ficam autoriz ados a preservar gametas e embriões humanos, doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.

96

§ 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei. § 2º O tempo máximo de preservação de gametas e embriões será definido em regulamento. § 4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo disposição em contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo descarte , a doação para terceiros ou a doação para pesquisa . § 4º Os gametas e embriões depositados apenas para armazenamento só poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante, sendo que, neste último caso, conjuntamente aos dois membros do casal que autorizou seu armazenamento. § 6º É obrigatório o descarte de gametas e embriões : I - doados há mais de dois anos; II - sempre que for solicitado pelos doadores; III - sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado; IV - nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes; V - no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservados. Art. 10. Ressalvados os casos de material doado para pesquisa , a intervenção sobre gametas ou embriões in vitro só será permitida com a finalidade de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, no caso de ser feita com fins diagnósticos, ou de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, no caso de ser feita com fins terapêuticos. § 1º A pré-seleção sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer nos casos em que os usuários recorram à RA em virtude de apresentarem hereditariedade para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao sexo. § 2º As intervenções autorizadas no caput e no parágrafo anterior só poderão ocorrer se houver garantias reais de sucesso. § 3º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em regulamento. (grifou-se).

Mencionado projeto não teve o cuidado de definir o embrião de forma

suficientemente clara, deixando margem a questionamentos de caráter ético por

todo o texto. Faz ainda menção à doação de embriões humanos para pesquisa

(artigos 9º e 10, caput, Projeto de Lei nº 90/1999), que se não for bem delimitada

não deixa de ser uma forma de destruí-los.

O Projeto de Lei nº 90/1999, trata a vida humana como um bem disponível,

o que é inadmissível tanto em nível ético quanto jurídico. É um texto com caráter

notadamente conservador, haja vista a não permissão da utilização das técnicas

97

de reprodução assistida por mulheres, cuja infertilidade decorra da passagem da

idade reprodutiva (art. 2º, III).

Em razão das críticas desferidas ao Projeto de Lei nº 90/1999, teve origem

um projeto substitutivo, no qual foram feitos ajustes. Trata-se do Projeto de Lei nº

90, de 2001, de autoria do Senador Tião Viana. As principais modificações que se

pode constatar dizem respeito à extensão do uso das técnicas de reprodução

assistida ao casal que vive em união estável (artigo. 1º, § único, I, Projeto de Lei

nº 90/2001), não permitindo, entretanto, que mulheres sozinhas possam fazer uso

daquelas técnicas de superação da infertilidade; e a inviabilização da doação de

embriões, haja vista limitar em três o número de embriões produzidos em cada

ciclo reprodutivo, devendo todos ser implantados a fresco, não podendo mais ser

congelados. Segundo o artigo 14 do referido projeto de lei:

Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida, poderão ser produzidos e transferidos até três embr iões , respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo . § 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos , obedecido o critério definido no caput deste artigo.(grifou-se).

Observa-se aqui uma inovação no que diz respeito ao ônus da reprodução

humana assistida no sentido de ser transferido para a mulher que se submete

àquelas técnicas e não aos embriões que estariam congelados por tempo

indefinido, situação que faz suscitar questões de toda sorte, notadamente éticas e

jurídicas. O artigo 9º do Projeto Original foi convertido no artigo 15 no Projeto

Substituto, com alterações em seu texto:

Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medic amente Assistida ficam autorizados a preservar gametas hum anos , doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento. § 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão ser entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização. § 2º É obrigatório o descarte de gametas:

98

I - sempre que for solicitado pelo doador ou depositante; II - sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre e esclarecido; III - nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante, ressalvada a hipótese em que este último tenha autorizado, em testamento, a utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira. (grifou-se).

Neste ponto, a principal mudança trazida pelo Projeto Substituto é que por

ele só podem as clínicas que praticam a reprodução assistida manter

criopreservados os gametas femininos e masculinos, não mais os embriões, que

como se pode observar devem ser implantados a fresco.

As últimas mudanças referentes à reprodução assistida, que tem como

base o Projeto Original de autoria do Senador Lúcio Alcântara, podem ser

encontradas no Projeto de Lei nº 1.184, de 2003, de autoria do Senador Roberto

Requião. Dentre estas inovações observa-se que a mulher, seja ela solteira,

casada, separada, divorciada ou viúva, pode ser beneficiária das técnicas de

reprodução assistida, bem como os casais que podem viver em matrimônio ou em

união estável, já que o Projeto de Lei não faz qualquer referência ou classificação,

aduz apenas sobre mulheres e casais.

Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida (RA) para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in vitro, no organismo de mulheres receptoras. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de: I – embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente à sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento; II – beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego da Reprodução Assistida;

No que diz respeito ao número de embriões produzidos por ciclo, também

houve modificação, mas permanece a obrigatoriedade de transferência a fresco de

todos os embriões, sem possibilidade de congelamento:

99

Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser produzidos e transferidos até 2 (dois) embriões , respeitada a vontade da mulher receptora, a cada ciclo reprodutivo. § 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos , obedecido ao critério definido no caput deste artigo. (grifou-se).

Configurando verdadeiro retrocesso em relação aos projetos anteriores,

segundo o artigo 3º do Projeto de Lei nº 1.184/2003, fica proibida a gestação ou

maternidade de substituição, contrariando também a Resolução nº 1.358/1992, do

Conselho Federal de Medicina.

Por fim, em seus artigos 7º e 14, o Projeto de Lei nº 1.184/2003, mantém a

permissão da doação de gametas e confere autorização às clínicas para o seu

armazenamento, bem como cita os casos em que é obrigatório o seu descarte:

Art. 7º Será permitida a doação de gametas , sob a responsabilidade dos serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título. [...] Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados apenas para armazena mento , pelos métodos e prazos definidos em regulamento. § 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização. (grifou-se). § 2º É obrigatório o descarte de gametas: I – quando solicitado pelo depositante; II – quando houver previsão no documento de consentimento livre e esclarecido; III – nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação de sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.

Cumpre salientar que nenhum dos Projetos de Lei pode ser considerado

perfeito, mas na pior das hipóteses evitam diversos questionamentos de ordem

ética e jurídica que decorrem da utilização indiscriminada das técnicas de

reprodução assistida. A inversão do ônus destas técnicas para as pretensas mães

é algo inovador e digno de aplausos. Inobstante os riscos enfrentados pela mulher

100

quando da submissão ao tratamento de indução ovariana, deve ser ela a arcar

com eventuais danos e não o produto de sua concepção, o embrião.

101

4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS PESQUISAS

COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

O ano de 2008 foi marcado pelo histórico julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.510, pelo Supremo Tribunal Federal, proposta em 30 de

maio de 2005, pelo então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, em

face do art. 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que autoriza a utilização

de células-tronco embrionárias humanas para fins de pesquisa:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a uti lização de células-ronco embrionárias obtidas de embriões huma nos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Argumenta Fonteles (2005, p. 02) que o artigo 5º e parágrafos da Lei nº

11.105/2005, está eivado de inconstitucionalidade material por configurar ofensa

ao princípio da dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade do direito à vida,

ambos previstos na Constituição Federal, artigos 1º, III, e 5º, respectivamente:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;

102

III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. [...]

Art. 5º Todos são iguais perante a lei , sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]. (grifou-se).

Fundamenta seu pedido trazendo diversos posicionamentos de médicos

embriologistas e geneticistas que são categóricos ao afirmar que o início da vida

humana ocorre com a concepção, dentre os quais se faz referência ao

posicionamento de Batista (apud FONTELES, 2005, p. 10):

No momento da fecundação, a partir da fusão do material genético materno e paterno, a nova célula formada, chamada zigoto, reorganiza-se, perde proteínas inicialmente ligadas ao DNA dos gametas, inicia um novo programa ditado por esta nova combinação de genes, comanda de forma autônoma todas as reações que o levarão a implantar-se no útero materno. Inicia-se uma ‘conversa química’ entre esta célula e as células do útero materno. Este programa é, além de autônomo, único, irrepetível, harmônico e contínuo.

A partir da primeira divisão do zigoto, quando originam-se as duas primeiras células ,estas encontram-se predestinadas . Estudos recentes [...] mostram clara e irrefutavelmente que toda e qualquer parte do embrião ou feto é formada por células já predestinada nas primeiras horas após a fertilização. Portanto, todo o desenvolvimento humano tem como marco inicial a fecundação e, após este evento, tem-se um ser humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado de células com vida meramente ‘celular’. Trata-se, a partir deste evento, de um indivíduo humano em um estágio de desenvolvimento específico e bem caracterizado cientificamente. (grifou-se).

No Direito comparado, lembra que na Alemanha o embrião possui estatuto

jurídico próprio e que o reconhece como vida humana desde a fusão nuclear dos

gametas feminino e masculino, ou seja, desde a fertilização, protegendo-o.

Informa, ainda, que as pesquisas com células-tonco adultas têm se mostrado mais

promissoras que aquelas realizadas com as células-tronco embrionárias.

(FONTELES, 2005, p. 09-11).

Finaliza, requerendo que seja reconhecida e declarada a

inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005, pelos Ministros do

103

Supremo Tribunal Federal, bem como que seja realizada audiência pública,

prevista no artigo 9º, § 1º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, levando-se

em consideração a relevância e especificidade do tema em pauta. (FONTELES,

2005, p. 09-11).

Importante esclarecer que apesar de a referida Ação Direta de

Inconstitucionalidade ter sido julgada em 29 de maio de 2008, nem todos os

Ministros do Supremo Tribunal Federal puseram à disposição os seus votos, de

forma que o seu acórdão ainda não foi publicado, razão pela qual este capítulo se

restringe à análise dos votos que, apesar de não terem sido oficialmente

publicados, encontram-se disponíveis no sítio daquele Tribunal.

4.1 Voto do Relator

Distribuída no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.510/2005 teve como Relator o Ministro Carlos Augusto

Ayres de Freitas Britto (2008, p. 04), que determinou a realização de audiência

pública, considerado “notável mecanismo constitucional de democracia direta ou

participativa”, por entender que a questão a ser discutida “é de tal relevância social

que passa a dizer respeito a toda a humanidade”.

Realizou-se então a primeira audiência pública da história do Supremo

Tribunal Federal, instrumento que mostrou sua importância na medida em que

trouxe para o debate sobre a constitucionalidade ou não das pesquisas com

células-tronco embrionárias a opinião de renomados especialistas na área da

reprodução humana, embriologia, geneticistas, representantes da igreja e outros

segmentos da sociedade.

Como era esperado, o debate se deu em torno da tentativa de delimitar

quando se pode constatar o início da vida humana, Sobre o tema o Ministro

Relator assim se manifestou:

104

Não pode ser diferente. Não há outra matéria-prima da vida humana ou diverso modo pelo qual esse tipo de vida animal possa começar, já em virtude de um intercurso sexual, já em virtud e de um ensaio ou cultura em laboratório . Afinal, o zigoto enquanto primeira fase do embrião humano é isso mesmo: o germe de todas as demais células do hominídeo (por isso que na sua fase de partida é chamado de ‘célula-ovo’ ou ‘célula-mãe’, em português, e de ‘célula-madre’, em castelhano). Realidade seminal que encerra o nosso mais rudiment ar ou originário ponto de partida . (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 35-36).

Prossegue em seu voto, no mesmo sentido, ao afirmar que:

[...] não se nega que o início da vida humana só pode coi ncidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo femini no por um espermatozóide masculino . Um gameta masculino (com seus 23 cromossomos) a se fundir com um gameta feminino (também portador de igual número de cromossomos) para a formação da unitária célula em que o zigoto consiste. (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 35).

Pelo que foi exposto, seria razoável imaginar que o Ministro Relator

desenvolveria todo o seu raciocínio com vistas à proteção do embrião

independentemente da forma como se deu a sua concepção ou a sua fase de

desenvolvimento. Todavia não foi isso que se pôde observar no decorrer do seu

voto.

A tendência à autorização das pesquisas com células-tronco embrionárias

foi ponto marcante no voto do Ministro Relator, bem como dos demais Ministros do

Supremo Tribunal Federal, como se observará no decorrer desta explanação.

Com vistas a este fim, o Ministro Relator deu início a uma tormentosa

interpretação da Constituição Federal, conforme se verifica da passagem abaixo

transcrita:

É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana . Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. Quando fala da ‘dignidade da pessoa humana’ (inciso III do art. 1º), é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, moral e espiritual (o Estado é confessionalmente leigo, sem dúvida, mas há referência textual à figura de Deus no preâmbulo dela mesma, Constituição). E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ (alínea b do inciso VII do art. 34), ‘livre exercício dos direitos [...] individuais’

105

(inciso III do art. 85) e até dos ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea (inciso IV do § 4º do art. 60), está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa . Gente . Alguém . De nacionalidade brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade’, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (art. 5º). (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 24-25).

De fato, a Constituição Federal não diz quando a vida humana começa,

tarefa que deve ser relegada às ciências médicas, privilegiando a

interdisciplinaridade das ciências, cabendo ao ordenamento jurídico a sua

proteção. Desta feita, dizer que quando a Constituição Federal confere a

inviolabilidade do direito à vida e a dignidade humana apenas àqueles que já

nasceram, é deturpar o sentido e alcance de suas normas. Tal limitação só pode

ser feita por ela mesma ou por sua expressa autorização, tal como ocorre com as

normas constitucionais de eficácia contida.

Persiste o Ministro Relator no mesmo equívoco ao afirmar que não importa

saber o início biológico da vida humana, mas saber a partir de que momento esta

vida passa a ser protegida pelo Direito infraconstitucional. Nas suas palavras:

[...] É como dizer: a Inviolabilidade de que trata o artigo 5º é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo (o inviolável é, para o Direito, o que o sagrado é para a religião). E como se trata de uma Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de morte (permito-me o trocadilho), a questão não reside exatamente em se determinar o início da vida do homo sapiens , mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente p rotegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida . (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 26).

Atente-se para o fato de que o Ministro Relator percorreu caminho inverso

ao buscar na legislação infraconstitucional, e não na Constituição Federal, o

momento a partir do qual a vida humana passa a ter relevância e passa a ser

protegida pelo Direito. Este mecanismo fere o princípio da supremacia

constitucional, haja vista ser a Constituição Federal o fundamento último de

validade de todo o ordenamento jurídico.

106

No que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, entende

o Ministro Relator a sua importância para o Direito na medida em que admite o

seu transbordamento para alcançar as normas infraconstitucionais, estendendo

proteção a tudo que conduza ao “indivíduo-pessoa”:

[...] a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento . Transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságüe, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo, ‘desde a concepção, os direitos do nascituro’ (do latim ‘nasciturus’); que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento . Se se prefere - considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intra-corpóreo -, direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacio nal entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade par a avançar na trilha do nascimento. (BRITTO, 2008, p. 30-31).

Continua em seu voto o Ministro Relator:

Não estou a ajuizar senão isto: a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas, levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final dessa metamorfose. (BRITTO, 2008, p. 34).

Ora, diante de tal afirmação, ainda que não se considerasse que há vida

humana no embrião humano desde a sua gênese, tão somente pelo fato de que

este conduz à formação de um “indivíduo-pessoa”, o mesmo seria merecedor de

proteção jurídica à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. O embrião

humano é ser humano no início da vida, não importa a fase em que se encontre e,

enquanto não houver um estatuto jurídico próprio, deve ser entendido e protegido

como nascituro, haja vista que nascituro deve ser entendido como “aquele que

está por nascer”, ou seja, já concebido, mas que ainda não nasceu.

107

A defesa pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco

embrionárias que até agora aparecia no voto do Ministro Relator de forma tímida,

quando tentou buscar fundamento no texto constitucional interpretando-o, começa

a ganhar outros contornos:

[...] não se trata sequer de interromper uma producente trajetória extra-uterina do material constituído e acondicionado em tubo de ensaio, simplesmente porque esse modo de irromper em labora tório e permanecer confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva . [...]. Daí o sentido irrecusavelmente instrumental ou utilitário da Lei de Biossegurança em sede científico-terapêutica [...]. (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 40-41).

O caráter instrumental ou utilitário da atual Lei de Biossegurança é posto

em relevo pelo Ministro Relator. Todavia, não atenta para o fato de que esta

instrumentalidade, como se depreende do próprio nome, importa na coisificação

do ser humano. Afirma, ainda, que não se está interrompendo uma vida, porque

seria este embrião insuscetível de dar continuidade ao seu processo evolutivo, em

outras palavras, seria inviável.

Sobre a viabilidade, afirmou o Ministro Relator que: “O embrião viável

(viável para reprodução humana, lógico), desde que obtido por manipulação

humana e depois aprisionado in vitro, empaca nos primeiros degraus do que seria

sua evolução genética.” (BRITTO, 2008, p. 42). No entanto, tal afirmativa não

condiz com a realidade. Deve-se compreender que referida evolução teve início

quando da fusão dos gametas masculino e feminino, que deu origem a um novo

ser humano, com características únicas, diferentes de todos os demais da

espécie. E que uma vez descongelado, o embrião dá continuidade ao seu

processo evolutivo natural, dependendo do meio externo na mesma medida que

todos os demais seres humanos dependem.

Em outro momento de seu voto, o Ministro Relator se questionou quanto à

fertilização medicamente assistida consistia em meio juridicamente hábil para se

108

pôr em prática o projeto parental de casais acometidos pela infertilidade, ao que

respondeu nos termos a seguir:

[...] Sendo certo que: I - a fertilização in vitro é peculiarizado meio ou recurso científico a serviço da ampliação da família como entidade digna da ‘especial proteção do Estado’ (base que é de toda a sociedade); II - não importa, para o Direito, o processo pelo qual se viabilize a fertilização do óvulo feminino (se natural o processo, se artificial). O que importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta infertilidade, e, assim, contribuir para a perpetuação da espécie humana. Experimentando, de conseguinte, o êxtase do amor-a-dois na paternidade responsável. (BRITTO, 2008, p. 47-48).

A seguir, questionou-se se o casal estaria compelido à implantação de

todos os embriões que resultaram do procedimento da reprodução assistida,

posicionando-se negativamente, levando-se em consideração o que preceitua o

artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal:

[...] não se pode compelir nenhum casal ao pleno aproveitamento de todos os embriões sobejantes (‘excedentários’) dos respectivos propósitos reprodutivos. Até porque tal aproveitamento, à revelia do casal, seria extremamente perigoso para a vida da mulher que passasse pela desdita de uma compulsiva nidação de grande número de embriões (a gestante a ter que aceitar verdadeira ninhada de filhos de uma só vez). Imposição, além do mais, que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição, literis: ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante’. Sem meias palavras, tal nidação compulsória corresponderia a impor às mulheres a tirania patriarcal de ter que gerar filhos para os seus maridos ou companheiros, na contramão do notável avanço cultural que se contém na máxima de que ‘o grau de civilização de um povo se mede pelo grau de liberdade da mulher’. (BRITTO, 2008, p. 50-51).

Concluindo o raciocínio acima apresentado, continua o Ministro Relator

apresentando três possíveis destinos para os embriões excedentários das

técnicas de reprodução assistida:

Remarco a tessitura do raciocínio: se todo casal tem o direito de procriar; se esse direito pode passar por sucessivos testes de fecundação in vitro; se é da contingência do cultivo ou testes in vitro a produção de embriões em número superior à disposição do casal para aproveitá-los procriativamente; se não existe, enfim, o dever legal do casal quanto a

109

esse cabal aproveitamento genético, então as alternativas que restavam à Lei de Biossegurança eram somente estas: a primeira, condenar os embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio ; a segunda, deixar que os estabelecimentos médicos de procriação assistida prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quanto fosse embrião não-requestado para o fim de procriação humana ; a terceira opção estaria, exatamente, na autorização que fez o art. 5º da Lei . (grifou-se). (BRITTO, 2008, p. 58).

Inobstante o fato de não se poder compelir a mulher à implantação de todos

os embriões criopreservados, sob pena de submetê-la a tratamento desumano ou

degradante, não seriam estas as únicas opções. A Lei de Biossegurança poderia,

sim, obrigar os genitores a arcar com os custos do congelamento por tempo

indefinido, haja vista que, ao contrário do que se preferiu afirmar, o embrião pode

ser mantido congelado por muitos anos sem que isso lhe cause qualquer prejuízo,

ou facultar-lhes a possibilidade de dá-los em adoção a outro casal que sofresse do

mesmo mal da infertilidade, restando proibida qualquer forma de destruição dos

mesmos, aqui incluídos o descarte e a pesquisa com células-tronco embrionárias.

Alega, ainda, o Ministro Relator que a opção feita pela Lei nº 11.105/2005,

pela utilização dos embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida em

muito se assemelha à doação de órgãos e tecidos:

Há mais o que dizer. Trata-se de uma opção legal que segue na mesma trilha da comentada Lei 9.434/97, pois o fato é que um e outro diploma normativo se dessedentaram na mesma fonte : o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, assim literalmente posto: ‘A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, vedado todo tipo de comercialização’. (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 59).

Prossegue o Ministro Relator afirmando que:

O paralelo com o art. 5º Lei de Biossegurança é perfeito. Respeitados que sejam os pressupostos de aplicabilidade desta última lei, o embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as pri meiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação . Numa palavra, não há cérebro. Nem concluído

110

nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência, não existe nem mesmo como potencialidade. (grifos do original). (BRITTO, 2008, p. 61).

Não há que se falar em “paralelo perfeito” como pretende o Ministro

Relator, haja vista o abismo existente entre a vida de um ser humano e um órgão

proveniente de um ser humano, este é parte daquele. Ademais, não existe meio

hábil para se constatar a “viabilidade” de um embrião humano nascer com vida,

pois tal não é possível nem com o feto já devidamente implantado e em estágio

avançado de desenvolvimento, ao contrário do que ocorre com a morte cerebral,

que pode ser detectada através dos mais variados exames e é considerada no

meio médico como irreversível.

Ao finalizar seu voto, o Ministro Relator, imbuído de um espírito de

romantismo, faz menção a uma “era do conhecimento” que deve se pôr a serviço

da humanidade, com vistas à solidariedade e à fraternidade entre os homens,

conforme se depreende do trecho a seguir:

‘Era do conhecimento’, ajunte-se, em benefício da saúde humana e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza, num contexto de solidária, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões in vitro, significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam nas ânsias de um infortúnio que muitas vezes lhes parece maior que a ciência dos homens e a própria vontade de Deus. (BRITTO, 2008, p. 69-70).

Entretanto, ao contrário do que afirma o Ministro Relator, há flagrante

desprezo pelos embriões in vitro. Trata-se de seres humanos desde a sua gênese,

fato que impede que sejam mortos em favor de outros, ainda que seja para a

pretensa cura de uma enfermidade. Fala-se em pretensa cura, porque não há

qualquer certeza de que ela virá e, ainda que houvesse certeza, diante do texto da

Constituição Federal, nada justificaria esta postura.

111

4.2 Voto dos demais Ministros

Dando continuidade ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 3.510/2005, manifestou-se sobre um ponto de extrema relevância a Ministra

Ellen Gracie Northfleet (2008, p. 3-4): “Penso que o debate sobre a utilização dos

embriões humanos nas pesquisas de células-tronco deveria estar

necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse

excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da

infertilidade.”

A consideração feita pela Ministra Ellen Gracie ganha importância na medida

em que se pode constatar que se houvesse no Brasil legislação específica para a

reprodução medicamente assistida, regulamentando a quantidade máxima de

óvulos a serem fertilizados nestes procedimentos, seria provável que não

houvesse qualquer debate sobre o que fazer com os embriões excedentários

destas técnicas. Assim, foi a falta de legislação específica sobre o tema, aliada à

irresponsabilidade das clínicas, médicos e usuários destas técnicas, que deu

causa a este problema.

Todavia, a Ministra Ellen Gracie, ao tratar da questão da constitucionalidade

das pesquisas com células-tronco embrionárias, entendeu que não haveria

qualquer ofensa ao princípio da dignidade humana, especialmente pela

razoabilidade do tratamento conferido pela norma sob exame aos embriões

excedentários, que preferiu chamar de pré-embriões, bem como que não restaria

para aqueles embriões outro destino senão o descarte:

Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte. (NORTHFLEET, 2008, p. 8-9).

112

Este também foi o entendimento da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha

(2008, p. 46), ao proferir seu voto:

A ciência que pode matar, é certo, também pode salvar, é mais certo ainda. E se o direito ajusta o que a ciência pode melhor oferecer para que viva melhor àquele que mais precisa do seu resultado, não há razões constitucionais a impor o entrave desse buscar para a dignificação da espécie humana. Entendo que a utilização da célula-tronco embrionária para a pesquisa e, conforme o seu resultado, para o tratamento – indicado a partir de terapias consolidadas nos termos da ética constitucional e da razão médica honesta - não apenas não viola o direito à vida. Antes, torna parte da existência humana o que vida não seria, dispondo para os que esperam pelo tratamento a possibilidade real de uma nova realidade de vida.

Segundo o Ministro Ricardo Lewandowski (2008, p. 20): “No plano

puramente jurídico-positivo, há fortes razões para adotar-se a tese de que a vida

tem início a partir da concepção.” Todavia, para o citado Ministro, a questão dos

embriões excedentes deve ser analisada sob outro enfoque que não o tratamento

a que eles teriam direito ou a partir de qual momento sua vida seria juridicamente

relevante, mas do direito à vida como um bem da coletividade. É o que se entende

do trecho a seguir:

Não obstante esse entendimento, penso que a discussão travada nestes autos não deve limitar-se a saber se os embriões merecem ou não ser tratados de forma condigna, ou se possuem ou não direitos subjetivos na fase préimplantacional, ou, ainda, se são ou não dotados de vida antes de sua introdução em um útero humano. Creio que o debate deve centrar-se no direito à vida entrevisto como um bem coletivo, pertencente à sociedade ou mesmo à humanidade como um todo, sobretudo tendo em conta os riscos potenciais que decorrem da manipulação do código genético humano. (grifou-se). (LEWANDOWSKI, 2008, p. 23).

Ocorre que o indivíduo humano não pode ser massacrado em prol de um

suposto benefício para a coletividade, como no caso da destruição de embriões

humanos para fins de pesquisa científica por configurar ofensa à ordem

constitucional posta.

Na conclusão de seu voto, o Ministro Ricardo Lewandowski (2008, p. 55-56)

julgou parcialmente procedente o pedido constante da Ação Direta de

113

Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, para conferir, sem redução do texto dos

dispositivos atacados, uma interpretação que exclui qualquer outra, qual seja:

i) art. 5º, caput: as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular, sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis; ii) inc. I do art. 5º: o conceito de ‘inviável’ compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrom pido por ausência espontânea de clivagem após período superi or a vinte e quatro horas contados da fertilização dos oócitos ; iii) inc. II do art. 5º: as pesquisas com embriões humanos congelados são admitidas desde que não sejam destruídos nem te nham o seu potencial de desenvolvimento comprometido ; iv) § 1º do art. 5º: a realização de pesquisas com as células-tronco embrionárias exige o consentimento ‘livre e informado’ dos genitores , formalmente exteriorizado; v) § 2º do art. 5º: os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de ética das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos à prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11.105, de 24 de março de 2005. (grifou-se).

Observa-se a frequente utilização do termo inviabilidade, que nas palavras

de Lewandowski encontrou um requisito indispensável a sua configuração: a

ausência de desenvolvimento espontâneo do embrião após a fertilização. No que

diz respeito à admissibilidade das pesquisas com embriões humanos desde que

não importem em sua destruição ou diminuam seu potencial de desenvolvimento,

deve-se entender que estariam afastadas as pesquisas com células-tronco

embrionárias, haja vista a necessidade de destruição das mesmas. Neste ponto,

verifica-se a contradição com a interpretação dada ao art. 5º, § 1º, da Lei de

Biossegurança, autorizando referidas pesquisas, com o consentimento dos pais,

como se os embriões congelados fossem objeto de direito de propriedade deles.

O Ministro César Peluso (2008, p. 44) julgou improcedente o pedido contido

na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, e confere interpretação

conforme para que seja enaltecida a impossibilidade de criação de embriões com

exclusivo fim de pesquisa ou intervenção genética; o caráter terapêutico da

pesquisa; a responsabilidade dos Comitês de Ética em Pesquisa; e a necessidade

114

de uma fiscalização externa destas atividades. Alegou o Ministro Peluso (2008, p.

30) que: “Se a lei subalterna não previsse, nos significados emergentes dos textos

normativos interpretados à luz da Constituição, estratégias eficazes para

resguardo da dignidade imanente aos embriões, seria inconstitucional.”

O Ministro Eros Roberto Grau (2008, p. 12-13) julgou improcedente o pedido,

reconhecendo a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, bem

como estabeleceu certos requisitos a serem observados quando da aplicação

daquela norma, quais sejam:

[i] pesquisa e terapia mencionadas no caput do artigo 5º serão empreendidas unicamente se previamente autorizadas por comitê de ética e pesquisa do Ministerio da Saude [não apenas das próprias instituições de pesquisa e serviços de saude, como disposto no § 2o do artigo 5º]; [ii] a ‘fertilização in vitro’ referida no caput do artigo 5º corresponde a terapia da infertilidade humana adotada exclusivamente para fim de reprodução humana, em qualquer caso proibida a seleção genética, admitindo-se a fertilização de um numero Maximo de quatro óvulos por ciclo e a transferência, para o útero da paciente, de um numero Maximo de quatro óvulos fecundados por ciclo; a redução e o descarte de óvulos fecundados são vedados; [iii ] a obtenção de células-tronco a partir de óvulos fecundados --- ou embriões humanos produzidos por fertilização, na dicção do artigo 5o, caput --- será admitida somente quando dela não decorrer a sua destruição, salvo quando se trate de óvulos fecundados inviáveis, assim considerados exclusivamente aqueles cujo desenvolvimento tenha cessado por ausência não induzida de divisão após período superior a vinte e quatro horas; nessa hipótese poderá ser praticado qualquer método de extração de células-tronco. (sic).

Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 35-36), o vácuo legislativo

deve ser evitado por se mostrar mais nocivo do que a manutenção da norma

impugnada no ordenamento jurídico, sugerindo que a prévia autorização de

órgãos competentes seria suficiente para sanar a questão sob o prisma da

proporcionalidade e da responsabilidade:

O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos impugnados torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma ‘função reparadora’ ou, como esclarece Blanco de

115

Morais, ‘de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade’. [...] O art. 5º da Lei n° 11.105/2005 deve ser interpreta do no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde. Entendo, portanto, que essa interpretação com conteúdo aditivo pode atender ao princípio da proporcionalidade e, dessa forma, ao princípio responsabilidade.

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (2008, p. 07) julgou

improcedente o pedido por considerar constitucional o texto do artigo 5º da Lei n°

11.105/2005, fazendo referência à inviabilidade dos embriões congelados às

cláusulas acauteladoras daqueles embriões, que pretensamente o protegeriam, e

à necessidade de consentimento dos fornecedores do material genético original:

No caso concreto, não está envolvida a denominada viabilidade. Em primeiro lugar, o artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 versa sobre o uso de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, não cogitando de aproveitamento daqueles fecundados naturalmente no útero. Em segundo lugar, a lei contendo inúmeras cláusulas acauteladoras e até mesmo proibitivas, como é o caso da referente à clonagem, condiciona a pesquisa a embriões não utilizáveis no procedimento de inseminação. É bem explícita ao considerar apenas os inviáveis e os congelados há três anos, ao prever o consentimento dos fornecedores dos óvulos e dos espermatozóides e ao proibir a comercialização, versando diversos tipos penais. A viabilidade, ou não, diz diretamente com a capacidade de desenvolver-se a ponto de surgir um s er humano . (grifou-se).

Prossegue o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (2008, p. 11)

afirmando que a Lei de Biossegurança privilegia a solidariedade e o princípio da

dignidade da pessoa humana, na medida em que confere a possibilidade de cura

às pessoas portadoras de severas enfermidades:

Contrapõe-se à visão avessa à utilização dos embriões in vitro dado da maior importância considerado até mesmo predicado que transparece em desuso – a solidariedade. É fundamento da República a dignidade da pessoa humana. Ora, o que previsto no artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 objetiva, acima de tudo, avançar no campo científico visando a preservar esse fundamento, a devolver às pessoas acometidas de enfermidade ou às vítimas de acidentes uma vida útil razoavelmente satisfatória.

116

Pelo acima exposto, o Ministro Marco Aurélio ignora, ou prefere ignorar, o

fato de que há vida humana desde a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, e

que a viabilidade ou não do embrião excedentário jamais poderia dizer sobre a

sua condição humana, porque não há que se falar em se tornar humano, mas em

ser humano. Diante deste entendimento, não se deve cogitar a possibilidade de

instrumentalização de um ser humano em benefício de outro. Pensar diferente

seria admitir que todos os seres humanos tiveram um dia duas naturezas distintas.

Segundo Martins (2005, p. 24):

Trata-se, pois, desde a primeira célula, de um ser humano e não de um ser animal . Se admitíssemos que ainda não fosse um ser humano, apesar de toda a carga genética e seu mapa definitivo de ser humano já estar plasmado no zigoto, teríamos que admitir que todos nós teríamos sido animais nos primeiros anos de vida e só depois nos transformando em seres humanos . Teríamos que declarar que os 11 ínclitos Ministros da Suprema Corte do Brasil, tiveram duas naturezas, ou seja, foram, no início de suas vidas, onze animais, para depois se tornarem 11 seres humanos. (grifou-se).

Todavia, nos votos proferidos no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 3.510/2005, pode-se perceber que existe uma tentativa de

justificar a destruição de embriões humanos excedentes das técnicas de

reprodução assistida, afastando-se de fundamentos científicos. Afirma Eça (2005,

p. 527) que:

Tenta-se atualmente justificar a morte de embriões e fetos com argumentos despidos de fundamentos científicos tais como: - não sabemos quando começa a vida do ser humano [...]. – o embrião é um montinho de células. Mas que células! Se fossem só células comuns certos pesquisadores não estariam tão interessados nelas. ‘Um monte de células da pele’ por exemplo, se dividem e não possuem um programa para evoluir para outro estágio, enquanto as ‘um monte de células’ do blastocisto tem substâncias que sinalizam o programa da evolução para formar o ser humano. Poderíamos dizer também que um barco é um monte de tábuas. Mas estas tábuas estão montadas de tal maneira a lhe dar uma finalidade. Afinal já desde os gregos é aceita a teleologia (a finalidade dos conjuntos). – o embrião humano não tem cérebro e é comparado com a morte cerebral. Comparação absurda pois a morte cerebral é uma situação irreversível, não há maneira de recuperar os neurônios mortos enquanto o embrião dispõe das células pluripotentes que vão originar seu cérebro. – o embrião não tem consciência porque não tem tecido neural. Este argumento decorre do mecanismo descartiano que separou mente/alma do corpo. Fico

117

aguardando que outra justificativa usarão para utilizar o ser humano como objeto de pesquisa.

Assim, tem-se que se a Constituição Federal se limitou a garantir a

inviolabilidade do direito à vida, sem, no entanto, explicitar a partir de que

momento ela começa, por se tratar de cláusula prétrea, prevista no artigo 60, §4º

da Constituição Federal, não cabe ao constituinte reformador, nem ao legislador

infraconstitucional, nem aos doutrinadores ou aos juízes fazê-lo.

Devem os operadores do Direito buscar na Biologia e na Medicina a resposta

para o questionamento sobre o início da vida humana. Somente a partir deste

conhecimento é possível a edição de normas que regulamentem a matéria, seja

por emenda à Constituição Federal, seja por norma infraconstitucional. Todavia,

na atual conjuntura, somente por meio da instauração de uma nova ordem

constitucional pode-se definir no corpo da Constituição outro momento que não o

da concepção para que se tenha por iniciada a vida e com ela a proteção pelo

Direito.

118

CONCLUSÃO

A Bioética surgiu na tentativa de introduzir uma noção de direitos humanos

na investigação científica, sob a ótica do princípio da dignidade humana, do

respeito à vida e à integridade física do ser humano. É a Bioética uma ciência que

se ocupa do estudo dos princípios e valores que informam a vida e buscam sua

promoção.

Não obstante ocupe-se a Bioética de levantar questões que têm como cerne

a importância do respeito à dignidade da vida humana, cabe ao Biodireito traçar as

exigências mínimas para que se efetive uma real compatibilização entre os

avanços na área biomédica, o que certamente representa a ruptura de paradigmas

e a continuidade da observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, já

que se pode inferir que nem tudo que é tecnologicamente possível é ética e

juridicamente aceitável.

Surge então o Biodireito “como conseqüência imediata da bioética e

mediata da biogenética, é um novo segmento de conhecimento jurídico que tem a

vida por seu objeto principal.” (sic). (SEMIÃO, 2000, p. 165).

O trabalho demonstrou que a preocupação com a fecundidade sempre

esteve presente na história da humanidade, desde os mais remotos tempos até os

dias atuais. Enquanto a fecundidade era bem-vinda, a infertilidade era repudiada.

Como visto, foi graças aos avanços obtidos na área da biogenética que

pôde o homem contornar a tão temida esterilidade. As pesquisas neste campo da

ciência deram vazão ao estudo de cada uma das técnicas atualmente utilizadas na

119

prática da reprodução assistida. O estudo que ora se conclui teve como foco a

técnica da fertilização in vitro, haja vista que somente por meio desta modalidade

de reprodução assistida se encontra a figura do embrião excedente.

Ponderou-se para o fato de que os embriões excedentes não são

considerados pelo meio médico apenas uma consequência, mas uma

necessidade direta da fertilização in vitro, seja por fatores econômicos ou clínicos.

No primeiro caso, põe-se em relevo o alto custo envolvido nos procedimentos de

fertilização in vitro, que muitas vezes ultrapassa a cifra de R$10.000,00 (dez mil

reais).

Entretanto, quando a justificativa para o excedente de embriões se dá por

fatores clínicos, os médicos levam em consideração o fato de que as usuárias

daquelas técnicas estão sujeitas a várias complicações de ordem médica. Ocorre

que o tratamento de indução ovariana, pode levá-las à morte se diagnosticada a

síndrome da hiperestimulação ovariana (SHO).

Para a classe médica este risco, por si só, é capaz de justificar a fertilização

de tantos óvulos quantos forem possíveis, ainda que ao final sejam congelados

aqueles embriões que excedem ao projeto parental. Não resta afastada, todavia, a

possibilidade de futura implantação dos mesmos, seja em função da primeira

tentativa não ter logrado êxito, seja em razão de um novo projeto parental.

Identificou-se os diversos destinos que podem ser dados àqueles embriões

criopreservados. Em princípio, tratou-se do congelamento de embriões, que

apresenta vantagens, com o único inconveniente de não se saber por quanto

tempo eles podem ser mantidos congelados sem que estejam sujeitos a

patologias decorrentes da ação do tempo.

Em segundo plano, analisou-se o não congelamento de embriões, em que

se defende que seja fertilizado o mínimo de óvulos indispensáveis ao sucesso

120

daquela técnica, ou melhor, para aquela tentativa, com o intuito de que não haja

sobras.

Passou-se, então, ao tema da destruição, do descarte direto e descarte

simulado de embriões, concluindo que qualquer que seja a modalidade, trata-se

de pôr termo à vida humana em estado latente de criopreservação.

Sobre a doação de embrião de casal para casal, considerou-se imprópria a

utilização da expressão, sob pena de rebaixar o ser humano à categoria de coisa,

preferindo-se assim a terminologia adoção, que se mostra mais adequada para o

tratamento dispensado a seres humanos.

Por último, pontuou-se a questão da doação de embrião para fins de

investigação científica. As células-tronco, devido a versatilidade que lhe é inerente,

podem se transformar em qualquer tecido do corpo humano. Todavia, por

poderem ser obtidas de outras formas que não a destruição de vida humana

embrionária, seja através do sangue contido no cordão umbilical ou em tecidos

adultos, devem ser repudiadas referidas pesquisas, haja vista que se trata de

utilização de vida humana mantida em laboratório como material genético

disponível.

Em relação aos destinos que eventualmente possam ser reservados aos

embriões excedentes há de se levar em conta sua condição de seres humanos

merecedores de respeito e dignidade. O congelamento de embriões associado à

utilização em um novo projeto parental ou à adoção de embriões se apresenta

como a melhor opção reservada aos embriões excedentes atualmente existentes.

O congelamento dos embriões, além de reduzir os custos daquelas

técnicas, evita novo procedimento de indução ovariana e torna praticamente

inexistente os riscos de uma nova tentativa de gravidez. As vantagens se aplicam

tanto ao casal que deu origem aos embriões, quanto àqueles casais que forem,

121

porventura, beneficiados com a adoção do embrião congelado. Ademais são estas

as únicas opções que atendem às finalidades éticas do ordenamento jurídico que

só existe em função da defesa do ser humano. E, embrião congelado é ser

humano.

Os progressos na área da biogenética, mais especificamente na reprodução

humana, fizeram com que o Direito se deparasse com uma nova realidade: a

concepção extrauterina e, como conseqüência dela, a existência de embriões in

vitro (MEIRELLES, 2000, p. 214). Ocorre que esta novidade se afasta

completamente dos moldes do sistema clássico do direito privado, modifica

realidades que antes eram tidas como incontestáveis, como a maternidade.

As doutrinas concepcionista, genético-desenvolvimentista e natalista

defendem um posicionamento diferente acerca do início da vida humana a ser

protegida pelo Direito. A primeira assevera que a vida começa desde a

concepção, posicionamento que favorece os embriões excedentes. A segunda se

caracteriza por dividir a fase embrionária em: pré-embrionária e embrionária.

Defende a teoria que o embrião só merece proteção quando alcançar determinada

fase do seu desenvolvimento. O problema é que surgiram várias ramificações

desta teoria e cada uma defende um grau de desenvolvimento diverso. A terceira

afirma que só há proteção jurídica após o nascimento com vida, antes disso, tudo

não passa de expectativa de direito, ressalvada a condição de nascituro.

Ponderou-se sobre a afirmação de que a doutrina natalista foi acolhida pelo

Código Civil. Argumentou-se que esta posição não é unânime entre os estudiosos

deste ramo do Direito.

Independentemente de se adentrar na discussão sobre qual teoria foi

adotada pelo Código Civil, a doutrina concepcionista apresenta-se como a mais

coerente com as finalidades éticas do ordenamento jurídico brasileiro, que tem no

seu ápice a Constituição Federal, de onde todas as demais normas devem buscar

fundamento de validade. O embrião in vivo ou in vitro é portador de um código

122

genético único que o diferencia de qualquer outro ser humano; desde a sua

origem se desenvolve com autonomia própria, sendo a mãe apenas um “ambiente

favorável” àquele desenvolvimento.

Há de se reconhecer, portanto, que o embrião in vitro é um ser humano e

não um aglomerado de células, como pretendem os defensores da utilização dos

embriões em pesquisas científicas, e que merece respeito. Faz-se necessária a

existência de um estatuto jurídico protetor do embrião, por ser ele um sujeito de

direitos. Deve o embrião ter resguardado o direito à vida, aqui compreendido o

direito de nascer, com ou sem vida. O embrião humano é um fim em si mesmo e

não um instrumento posto à disposição da ciência.

O Direito Civil brasileiro confere aos seres humanos nascidos com vida,

denominados pessoas naturais, uma gama de direitos e obrigações. Ele resguarda

os direitos do nascituro (aquele que está para nascer), assegura, ainda, vantagens

à prole eventual (seres humanos que ainda não foram concebidos). Evidenciou-se

que comumente se defende o fato do embrião in vitro não poder ser enquadrado

em nenhuma das categorias clássicas acima mencionadas, posto que entende a

doutrina tradicional que nascituro é aquele ser humano já implantado no útero

materno. Com o presente trabalho, por outro lado, defende-se que o embrião in

vitro deve ser tratado como nascituro, e por esta razão como pessoa, enquanto

não houver uma legislação que o proteja contra as arbitrariedades da biociência.

Sobre a questão do aborto mostrou-se que pela doutrina clássica não é

possível determinar a ocorrência do crime de aborto com a destruição dos

embriões excedentes, uma vez que não atendem à condição indispensável para a

configuração daquele tipo penal, qual seja estar implantado no útero materno.

Todavia, observou-se que pela etimologia da palavra, o aborto deve ser

compreendido como a privação do nascimento. Não é necessário, pois, determinar

em que meio se encontra o concepto, se in utero ou in vitro. Desta forma, tem-se

que deve ser punido como crime de aborto qualquer destino que importe na

123

destruição do embrião in vitro, aqui incluídas as pesquisas com células-tronco

embrionárias.

No corpo do trabalho, procedeu-se à análise da antiga e da atual Lei de

Biossegurança. Conclui-se que nenhuma delas pode ser considerada lei

específica sobre o tema da reprodução assistida, tampouco dos embriões

excedentes a estas técnicas. No que diz respeito à antiga Lei de Biossegurança

houve, no mínimo, uma proteção àqueles embriões, ao vedar e constituir crime a

manipulação genética de células germinativas humanas, a intervenção em

material genético humano in vivo, exceto quando objetivar o tratamento de

doenças genéticas, e a produção de embriões humanos, criopreservados ou

manipulados, com a finalidade de se tornarem material genético disponível. Ao

passo que a entrada em vigor da nova Lei de Biossegurança configurou um

retrocesso, na medida em que permitiu a utilização do embrião excedente para

pesquisas com suas células-tronco, dando início à reificação do ser humano.

Quanto à Resolução nº 1.358, de 19 de novembro de 1992, do Conselho

Federal de Medicina, que trata da temática da reprodução medicamente assistida,

observou-se que por ser documento de cunho deontológico não tem caráter

coercitivo, serve apenas de diretriz para uma conduta médica pautada na ética da

responsabilidade.

Já o Projeto de Lei do Senado nº 90, de 1999, de autoria do então Senador

Lúcio Alcântara, mostrou-se conservador, não atende às finalidades éticas do

ordenamento jurídico, uma vez que trata o embrião criopreservado como objeto,

afasta-lhe a natureza humana, dispõe sobre a vida daquele embrião, determina

quando sua destruição é obrigatória e permite, inclusive, sua manipulação em

pesquisas científicas; fato que não deixa de ser uma forma de destruição de vida

humana.

124

O Projeto de Lei nº 90, de 2001, de autoria do Senador Tião Viana,

representou um avanço em relação ao Projeto de Lei originário, especialmente

quanto à possibilidade de casais que vivem em união estável recorrerem às

técnicas de reprodução assistida como solução para a sua infertilidade. Pontuou-

se a limitação do número de embriões resultantes daquelas técnicas, que passou

a ser três, sendo obrigatória a implantação de todos os embriões a fresco, ou seja,

sem congelamento. Ponderou-se que esta opção legislativa inviabilizou a doação

de embriões para qualquer finalidade. Ressaltou-se, por fim, a possibilidade de

armazenamento e doação de gametas e não mais de embriões, com previsão de

descarte dos mesmos.

Quanto ao Projeto de Lei nº 1.184, de 2003, de autoria do Senador Roberto

Requião, as inovações implementadas foram em relação à possibilidade da

mulher, em qualquer estado civil, ser beneficiária dessas técnicas, à quantidade

de embriões oriundos das técnicas de reprodução assistida que caíram de três

para dois, mantendo-se as disposições sobre armazenamento, à doação e

descarte de gametas e à proibição da gestação de substituição.

Sob a alegação de que o vazio jurídico torna tudo possível, não se pode

pretender a aprovação de uma legislação em desconformidade com a realidade

das técnicas de reprodução humana hodiernamente disponíveis. É necessário um

estudo mais aprofundado sobre o tema, e que este não seja feito só por juristas ou

médicos, mas por uma equipe multidisciplinar, composta por juristas, médicos

especializados em reprodução humana, biólogos, psicólogos, sociológicos, entre

outros que se fizerem necessários à realização de um estudo completo sobre o

tema, por conseguinte de um projeto de lei mais completo e adequado.

Procedeu-se ainda à análise dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal

Federal em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, de 30 de maio

de 2005, proposta pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio

Fonteles, que tinha como objeto o artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de

125

2005, conhecida como Lei de Biossegurança, que permite a pesquisa com células-

tronco embrionárias humanas.

Observou-se que, por maioria, os Ministros do Supremo Tribunal Federal

decidiram pelo indeferimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

3.510/2005, declarando a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco

embrionárias humanas. Utilizaram para tanto os mais diversos argumentos,

contradisseram-se incontáveis vezes. O que ficou marcado naquele julgamento foi

o desmesurado esforço dos Ministros para fundamentar a decisão de considerar

constitucional uma lei notadamente inconstitucional.

A decisão do Supremo Tribunal Federal configurou verdadeira afronta ao

princípio constitucional da dignidade humana, da inviolabilidade do direito à vida, e

tantos outros que deles decorrem, haja vista que, para a realização de referidas

pesquisas, faz-se necessária a destruição daqueles embriões humanos. Contudo,

esta decisão não deve ser entendida como o fim da luta contra as pesquisas com

células-tronco embrionárias humanas. Ao contrário, ela está só no começo. Outras

leis podem ser editadas como intuito de dar preferência à vida desses seres

humanos e é isto que se deve buscar.

Convém ratificar o entendimento de que embrião excedente da reprodução

humana medicamente assistida tem vida própria, desde a sua gênese, seja ele

criopreservado ou não. Ainda que o Direito não tenha uma resposta imediata para

as questões inerentes aos embriões in vitro, deve-se decidir em favor da vida. O

desejo de ter filhos encontra limite na paternidade responsável. Assim, todos,

Estado e sociedade, devem sempre guardar respeito à vida e à dignidade

humanas.

A tutela jurídica dos embriões excedentes das técnicas de reprodução

humana medicamente assistidas deve ocorrer de forma rápida, clara e inequívoca.

Inobstante o fato de o Direito brasileiro ser capaz de conferir proteção jurídica a

126

esses seres humanos, esta se dá em meio a infindáveis discussões de cunho

doutrinário e jurisprudencial, que na maioria das vezes vão de encontro à

finalidade ética do ordenamento jurídico. Assim, faz-se necessária a elaboração

de leis específicas que se dediquem à regulamentação da utilização das técnicas

de reprodução assistida e da questão dos embriões, in vivo ou in vitro.

No primeiro caso, deve-se fixar, a título de exemplo, quem são os

destinatários daquelas técnicas de reprodução humana; o número de embriões

que podem ser formados a partir da manipulação dos gametas femininos e

masculinos por ciclo de estimulação ovariana; até quantos embriões podem ser

implantados por tentativa, com vistas a evitar o congelamento; a possibilidade ou

não de congelamento dos gametas, quando e em que circunstâncias estes devem

ser descartados; a proibição do descarte e da utilização de embriões em

experiências científicas, haja vista importar em destruição dos mesmos.

Já no estatuto jurídico que se dedicar à proteção dos embriões, deve-se

observar a conceituação desses seres humanos; a fixação da concepção como

marco inicial da vida e momento a partir do qual passam a ser reconhecidos como

sujeitos de direito; a enunciação dos direitos do embrião em caráter não taxativo,

tais como: os direitos à dignidade, à nidação, a nascer, à vida, à filiação, à adoção,

ao não abandono; a proibição de instrumentalização do embrião, e outros que

decorrerem do sistema jurídico.

127

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vander Ferreira de. A dignidade da pessoa humana : valor-fonte da ordem jurídica. São Paulo: Cautela, 2007.

ALONSO, Félix Ruiz. A inviolabilidade da vida. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 398-418.

BARROSO, Luís Roberto Barroso. Em defesa da vida digna: constitucionalidade e legitimidade das pesquisas com células-tronco embrionárias. In: SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia (Coord.). Nos limites da vida : aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 241-264.

BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade . São Paulo: Altas, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil . Brasília, DF, Senado, 1988.

_________________. Código Civil Brasileiro . Brasília, DF, Senado, 1916.

_________________. Código Civil Brasileiro . Brasília, DF, Senado, 2002.

_________________. Código Penal Brasileiro . Brasília, DF, Senado, 1940.

_________________. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União , Brasília, 17 jul. 1990.

128

_________________. Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995. Diário Oficial da União , Brasília, 06 jan. 1995. _________________. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Diário Oficial da

União , Brasília, 28 mar. 2005.

_________________. Projeto de Lei nº 90, de 09 de março de 1999. Disponível em: < http://www.ghente.org/doc_juridicos/pls90.htm>. Acesso em: 25 jun. 2008.

_________________. Projeto de Lei nº 90, de 10 de julho de 2001. Disponível em: < http://www.ghente.org/doc_juridicos/pls90subst2.htm>. Acesso em: 25 jun. 2008.

_________________. Projeto de Lei nº 1.184, de 15 de julho de 2003. Disponível em: < http://www.ghente.org/doc_juridicos/pl1184.htm>. Acesso em: 25 jun. 2005. _________________. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.358, 11 de novembro de 1992. Adotar as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida. Diário Oficial da União, Brasília, p. 16.053, 19 nov. 1992, seção I.

BRITO, Carlos Augusto Ayres de Freitas. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 05 de março de 2008. Disponível em: < http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

CHAVES, Benedita Inês Lopes. A tutela jurídica do nascituro . São Paulo: LTr,

2000.

CONTI, Matilde Carone Slaibi. Biodireito : a norma da vida. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; CONRADO, Marcelo. O embrião e seus direitos. In: CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (Coord.). Biodireito e dignidade da pessoa humana : diálogo entre a ciência e o Direito. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2008.

129

COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel. Apresentando a bioética. In: _________________. (Org.). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p.15-17.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito . 3. ed. São Paulo: Saraiva,

2006.

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida : aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

EÇA, Lilian Piñero. Por que não à terapia com células tronco embrionárias – CTEHs?. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 526-541.

ELORRIO, Aurelio Gracía; SCALA, Jorge. La tutela de la vida ‘desde el momento de La concepción’, pilar del sistema americano de derechos humanos. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 94-111.

FABRIZ, Daury Cesar. Bioética e direitos fundamentais : a bioconstituição como paradigma ao biodireito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa . 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FONTELES, Cláudio. Petição inicial da Adin nº 3.510/2005 protocolada e m 30 de maio de 2005 . Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

GONÇALVES, Denise Willhelm. Reprodução assistida, clonagem terapêutica e o direito. Revista Jurídica Consulex . Brasília, v. 7, nº 152, p. 40-45, maio 2003.

GRAU, Eros Roberto. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 29 de maio de 2008 . Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

130

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário técnico jurídico . 2. ed. São Paulo: Rideel, 1999.

HADDAD, Gilberto Jabur. O direito à vida como direito ao nascimento. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 432-437.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito: revolução biotecnológica, perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. Revista Brasileira de Direito de Família , Porto Alegre, nº 16, p. 40-55, jan.-mar. 2003.

JACINTO, Jussara Maria Moreno. Dignidade humana : princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2006.

KIPPER, Délio José; CLOTET, Joaquim. Princípios da beneficência e não-maleficência. In: COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel (Org.). Iniciação à bioética . Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 37-51.

LEÃO JUNIOR, Paulo Silveira Martins. O direito fundamental à vida dos embriões e anencéfalos. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 216-258.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito : aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: RT, 1995.

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 29 de maio de 200 8. Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

MARTINS, Ives Gandra. O direito do ser humano à vida. In: _________________. (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 22-34.

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003.

MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida embrionária e sua proteção jurídica . Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

131

MELLO, Gustavo Miguez de. Direito fundamental à vida. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 264-281.

MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 05 de mar ço de 2008 . Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 05 de março de 2008 . Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

MENEZES, Joyceane Bezerra de. Notas sobre a natureza jurídica do embrião humano e o marco inicial dos direitos da personalidade. In: Nomos : revista do curso de mestrado da UFC. Fortaleza: LCR, v. 28, p. 191-208, jan.-jun. 2008.

MONTANO, Pedro. In dúbio pro vita. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 260-262.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito do nascituro à vida. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 114-122.

MONTESQUIEU, Charles Louis Secondad. De l’esprit de lois . Paris: Gallimard, 1970.

MUÑOZ, Daniel Romero; FORTES, Paulo Antônio Carvalho. O princípio da autonomia e o consentimento livre e esclarecido. In: COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel (Org.). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 53-70.

NORTHFLEET, Ellen Gracie. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 05 de março de 20 08. Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

132

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa h umana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007.

OLIVEIRA, Simone Born de. Da bioética ao biodireito : manipulação genética & dignidade humana. Curitiba: Juruá, 2008.

PEDROSA NETO, Antônio Henrique; FRANCO JÚNIOR, José Gonçalves. Reprodução Assistida. In: COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel (Org.). Iniciação à bioética . Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 111-123.

PELUSO, Antonio Cezar. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 29 de maio de 2008 . Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

POMPEU, Gina Marcílio Vidal. A adoção internacional no contexto das novas famílias . Fortaleza, UFC, 1994. 216p. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, 1994.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Voto proferido no julgamento da Adin nº 3.510/2005 em sessão realizada em 29 de maio de 200 8. Disponível em: <http://www.stf.gov.br >. Acesso em: 25 jun. 2009.

ROCHA, Renata da. O direito à vida e a pesquisa com células-tronco . Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

SÁ, Maria de Fátima Freire; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de biodireito . Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

SANTOS, Maria Celeste dos. O equilíbrio do pêndulo, a bioética e a lei : implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos diretos fundamentais . 6. ed. Porto Alegre: do Advogado, 2006.

_________________. As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídico-constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia . In: SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia (Coord.). Nos limites

133

da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 209-240.

_________________. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988 . 6. ed. Porto Alegre: do Advogado, 2008.

SCAVOLINI, Francesco. Dolly e os embriões humanos . Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2604200410.htm>. Acesso em: 26 abr. 2004.

SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro : aspectos cíveis e criminais e do Biodireito. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

SILVA, Ivan de Oliveira. Biodireito, bioética e patrimônio genético brasilei ro . São Paulo: Pilares, 2008.

SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito : investigações político-jurídicas sobre o estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002.

SIQUEIRA, José Eduardo de. O princípio da justiça. In: COSTA, Sérgio S. I.; GARRAFA, Volnei; OSELKA, Gabriel (Org.). Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p.71-80.

SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Umas poucas palavras sobre o direito à vida. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 156-170.

VARI, Massimo. O direito de nascer. In: MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Direito fundamental à vida . São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 172-174.

VASCONCELOS, Christiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia . São Paulo: Atlas, 2006.

VIEIRA, Teresa Rodrigues. Bioética e direito . São Paulo: Jurídica Brasileira,

1999.

134

ZAINAGHI, Maria Cristina. Os meios de defesa dos direitos do nascituro . São Paulo: Ltr, 2007.

ZISMAN, Célia Rosenthal. Estudos de direto constitucional : o princípio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: IOB Thomson, 2005.

135

ANEXOS

136

ANEXO A

LEI Nº 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995

137

LEI Nº 8.974, DE 05 DE JANEIRO DE 1995

Regulamenta os incisos II. e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte do organismo geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente.

Art. 2º As atividades e projetos, inclusive os de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e de produção industrial que envolvam OGM no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão tidas como responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências advindas de seu descumprimento.

§ 1º Para os fins desta Lei consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidades como sendo aqueles conduzidos em instalações próprias ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica ou científica.

§ 2º As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

§ 3º As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento.

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, define-se:

138

I - organismo - toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser conhecidas;

II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido ribonuc léico (ARN) - material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

III - moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação. Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV - organismo geneticamente modificado (OGM) - organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

V - engenharia genética - atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinante.

Parágrafo único. Não são considerados como OGM aqueles resultantes de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural;

Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida através das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:

I - mutagênese;

II - formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;

III - fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;

IV - autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.

Art. 5º (VETADO)

Art. 6º (VETADO)

139

Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições, aos órgãos de fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, dentro do campo de suas competências, observado o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei:

I - (VETADO)

II - a fiscalização e a monitorização de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do Grupo II;

III - a emissão do registro de produtos contendo OGM ou derivados de OGM a serem comercializados para uso humano, animal ou em plantas, ou para a liberação no meio ambiente;

IV - a expedição de autorização para o funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM;

V - a emissão de autorização para a entrada no País de qualquer produto contendo OGM ou derivado de OGM;

VI - manter cadastro de todas as instituições e profissionais que realizem atividades e projetos relacionados a OGM no território nacional;

VII - encaminhar à CTNBio, para emissão de parecer técnico, todos os processos relativos a projetos e atividades que envolvam OGM;

VIII - encaminhar para publicação no Diário Oficial da União resultado dos processos que lhe forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão do parecer técnico;

IX - aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts. 11 e 12.

Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas a OGM:

I - qualquer manipulação genética de organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei:

II - a manipulação genética de células germinais humanas;

III - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;

140

IV - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;

V - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;

VI - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.

§ 1º Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis.

§ 2º Os produtos contendo OGM, pertencentes ao Grupo II conforme definido no Anexo I desta Lei, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente.

§ 3º (VETADO)

Art. 9º Toda entidade que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança (CIBio), além de indicar um técnico principal responsável por cada projeto específico.

Art. 10. Compete à Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) no âmbito de sua Instituição:

I - manter informados os trabalhadores, de qualquer pessoa e a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre todas as qüestões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;

II - estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;

III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, visando a sua análise e a autorização do órgão competente quando for o caso;

IV - manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;

141

V - notificar à CTNBio, às autoridades de Saúde Pública e às entidades de trabalhadores, o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;

VI - investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões e providências à CTNBio.

Art. 11. Constitui infração, para os efeitos desta Lei, toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos, com exceção dos §§ 1º e 2º e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes.

Art. 12. Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas a partir de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos de fiscalização referidos no art. 7º, proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes infrações:

I - não obedecer às normas e aos padrões de biossegurança vigentes;

II - implementar projeto sem providenciar o prévio cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação de OGM, e de seu responsável técnico, bem como da CTNBio;

III - liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar sua prévia aprovação, mediante publicação no Diário Oficial da União;

IV - operar os laboratórios que manipulam OGM sem observar as normas de biossegurança estabelecidas na regulamentação desta Lei;

V - não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta, os acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética, ou não enviar relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data de transcorrido o evento;

VI - implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento individual;

VII - deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não imediata, à CTNBio, e às autoridades da Saúde Pública, sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM;

VIII - não adotar os meios necessários à plena informação da CTNBio, das autoridades da Saúde Pública, da coletividade, e dos demais empregados da instituição ou empresa, sobre os riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados, no caso de acidentes;

142

IX - qualquer manipulação genética de organismo vivo ou manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas nesta Lei e na sua regulamentação.

§ 1º No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 2º No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar a atividade imediatamente e/ou interditar o laboratório ou a instituição ou empresa responsável.

Art. 13. Constituem crimes:

I - a manipulação genética de células germinais humanas;

II - a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência, e com a aprovação prévia da CTNBio;

Pena - detenção de três meses a um ano.

§ 1º Se resultar em:

a) incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

Pena - reclusão de um a cinco anos.

§ 2º Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

143

Pena - reclusão de dois a oito anos.

§ 3º Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

IV - a intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio da responsabilidade e o princípio da prudência, e com aprovação prévia da CTNBio;

Pena - reclusão de três meses a um ano;

V - a liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes na regulamentação desta Lei.

Pena - reclusão de um a três anos;

§ 1º Se resultar em:

a) lesões corporais leves;

b) perigo de vida;

c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;

d) aceleração de parto;

e) dano à propriedade alheia;

f) dano ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a cinco anos.

§ 2º Se resultar em:

a) incapacidade permanente para o trabalho;

b) enfermidade incurável;

144

c) perda ou inutilização de membro, sentido ou função;

d) deformidade permanente;

e) aborto;

f) inutilização da propriedade alheia;

g) dano grave ao meio ambiente;

Pena - reclusão de dois a oito anos;

§ 3º Se resultar em morte;

Pena - reclusão de seis a vinte anos.

§ 4º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no meio de OGM for culposo:

Pena - reclusão de um a dois anos.

§ 5º Se a liberação, o descarte no meio ambiente ou a introdução no País de OGM for culposa, a pena será aumentada de um terço se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão.

§ 6º O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente, em face do descumprimento desta Lei.

Art. 14. Sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

Disposições Gerais e Transitórias

Art. 15. Esta Lei será regulamentada no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação.

Art. 16. As entidades que estiverem desenvolvendo atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação, deverão adequar-se às suas disposições no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação do decreto que a regulamentar, bem como apresentar relatório circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos em andamento envolvendo OGM.

145

Parágrafo único. Verificada a existência de riscos graves para a saúde do homem ou dos animais, para as plantas ou para o meio ambiente, a CTNBio determinará a paralisação imediata da atividade.

Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência e 107º da República

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson Jobim José Eduardo De Andrade Vieira Paulo Renato Souza Adib Jatene José Israel Vargas Gustavo Krause

ANEXO I

Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados classificam-se da seguinte maneira:

Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes critérios:

A. Organismo receptor ou parental

- não-patogênico;

- isento de agentes adventícios;

- com amplo histórico documentado de utilização segura, ou a incorporação de barreiras biológicas que, sem interferir no crescimento ótimo em reator ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.

B. Vetor/inserto

- deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências nocivas conhecidas;

- deve ser de tamanho limitado, no que for possível, às seqüências genéticas necessárias para realizar a função projetada;

- não deve incrementar a estabilidade do organismo modificado no meio ambiente;

146

- deve ser escassamente mobilizável;

- não deve transmitir nenhum marcador de resistência a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis, não o adquira de forma natural.

C. Organismos geneticamente modificados:

- não-patogênicos;

- que ofereçam a mesma segurança que o organismo receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência e/ou multiplicação limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.

D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam incluir-se no Grupo I, desde que reúnam as condições estipuladas no item C anterior:

- microorganismos construídos inteiramente a partir de um único receptor procariótico (incluindo plasmídeos e vírus endógenos) ou de um único receptor eucariótico (incluindo seus cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas excluindo os vírus) e organismos compostos inteiramente por seqüências genéticas de diferentes espécies que troquem tais seqüências mediante processos fisiológicos conhecidos.

Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo I.

Publicada no D.O.U. de 06.01.95, seção I, pág. 337 .

147

ANEXO B

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005

148

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005.

Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o

do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança –CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no

8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a MedidaProvisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES E GERAIS

Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

§ 1o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de pesquisa a realizada em laboratório, regime de contenção ou campo, como parte do processo de obtenção de OGM e seus derivados ou de avaliação da biossegurança de OGM e seus derivados, o que engloba, no âmbito experimental, a construção, o cultivo, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o

149

armazenamento, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e seus derivados.

§ 2o Para os fins desta Lei, considera-se atividade de uso comercial de OGM e seus derivados a que não se enquadra como atividade de pesquisa, e que trata do cultivo, da produção, da manipulação, do transporte, da transferência, da comercialização, da importação, da exportação, do armazenamento, do consumo, da liberação e do descarte de OGM e seus derivados para fins comerciais.

Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento.

§ 1o Para os fins desta Lei, consideram-se atividades e projetos no âmbito de entidade os conduzidos em instalações próprias ou sob a responsabilidade administrativa, técnica ou científica da entidade.

§ 2o As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas em atuação autônoma e independente, ainda que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas.

§ 3o Os interessados em realizar atividade prevista nesta Lei deverão requerer autorização à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que se manifestará no prazo fixado em regulamento.

§ 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação.

Art. 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – organismo: toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas;

II – ácido desoxirribonucléico - ADN, ácido ribonucléico - ARN: material genético que contém informações determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência;

III – moléculas de ADN/ARN recombinante: as moléculas manipuladas fora das células vivas mediante a modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou

150

sintético e que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação; consideram-se também os segmentos de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural;

IV – engenharia genética: atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante;

V – organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética;

VI – derivado de OGM: produto obtido de OGM e que não possua capacidade autônoma de replicação ou que não contenha forma viável de OGM;

VII – célula germinal humana: célula-mãe responsável pela formação de gametas presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia;

VIII – clonagem: processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética;

IX – clonagem para fins reprodutivos: clonagem com a finalidade de obtenção de um indivíduo;

X – clonagem terapêutica: clonagem com a finalidade de produção de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica;

XI – células-tronco embrionárias: células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo.

§ 1o Não se inclui na categoria de OGM o resultante de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, inclusive fecundação in vitro , conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural.

§ 2o Não se inclui na categoria de derivado de OGM a substância pura, quimicamente definida, obtida por meio de processos biológicos e que não contenha OGM, proteína heteróloga ou ADN recombinante.

Art. 4o Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:

I – mutagênese;

151

II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;

III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;

IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Art. 6o Fica proibido:

I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;

II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;

III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;

IV – clonagem humana;

V – destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades

152

de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e as constantes desta Lei e de sua regulamentação;

VI – liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação;

VII – a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, entende-se por tecnologias genéticas de restrição do uso qualquer processo de intervenção humana para geração ou multiplicação de plantas geneticamente modificadas para produzir estruturas reprodutivas estéreis, bem como qualquer forma de manipulação genética que vise à ativação ou desativação de genes relacionados à fertilidade das plantas por indutores químicos externos.

Art. 7o São obrigatórias:

I – a investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética e o envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;

II – a notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados;

III – a adoção de meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM.

CAPÍTULO II

Do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS

Art. 8o Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, vinculado à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança – PNB.

153

§ 1o Compete ao CNBS:

I – fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria;

II – analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados;

III – avocar e decidir, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados;

IV – (VETADO)

§ 2o (VETADO)

§ 3o Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização referidos no art. 16 desta Lei.

§ 4o Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requerente.

Art. 9o O CNBS é composto pelos seguintes membros:

I – Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que o presidirá;

II – Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia;

III – Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário;

IV – Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

V – Ministro de Estado da Justiça;

VI – Ministro de Estado da Saúde;

VII – Ministro de Estado do Meio Ambiente;

VIII – Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

IX – Ministro de Estado das Relações Exteriores;

154

X – Ministro de Estado da Defesa;

XI – Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República.

§ 1o O CNBS reunir-se-á sempre que convocado pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ou mediante provocação da maioria de seus membros.

§ 2o (VETADO)

§ 3o Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes do setor público e de entidades da sociedade civil.

§ 4o O CNBS contará com uma Secretaria-Executiva, vinculada à Casa Civil da Presidência da República.

§ 5o A reunião do CNBS poderá ser instalada com a presença de 6 (seis) de seus membros e as decisões serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta.

CAPÍTULO III

Da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio

Art. 10. A CTNBio, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da PNB de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente.

Parágrafo único. A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Art. 11. A CTNBio, composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber científicos, com grau acadêmico de doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, sendo:

155

I – 12 (doze) especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo:

a) 3 (três) da área de saúde humana;

b) 3 (três) da área animal;

c) 3 (três) da área vegetal;

d) 3 (três) da área de meio ambiente;

II – um representante de cada um dos seguintes órgãos, indicados pelos respectivos titulares:

a) Ministério da Ciência e Tecnologia;

b) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

c) Ministério da Saúde;

d) Ministério do Meio Ambiente;

e) Ministério do Desenvolvimento Agrário;

f) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

g) Ministério da Defesa;

h) Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República;

i) Ministério das Relações Exteriores;

III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça;

IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde;

V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente;

VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário;

156

VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego.

§ 1o Os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme disposto em regulamento.

§ 2o Os especialistas de que tratam os incisos III a VIII do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada pelas organizações da sociedade civil, conforme disposto em regulamento.

§ 3o Cada membro efetivo terá um suplente, que participará dos trabalhos na ausência do titular.

§ 4o Os membros da CTNBio terão mandato de 2 (dois) anos, renovável por até mais 2 (dois) períodos consecutivos.

§ 5o O presidente da CTNBio será designado, entre seus membros, pelo Ministro da Ciência e Tecnologia para um mandato de 2 (dois) anos, renovável por igual período.

§ 6o Os membros da CTNBio devem pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato, na forma do regulamento.

§ 7o A reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de seus membros, incluído pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo.

§ 8o (VETADO)

§ 8o-A As decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros. (Incluído pela Lei nº 11.460, de 2007)

§ 9o Órgãos e entidades integrantes da administração pública federal poderão solicitar participação nas reuniões da CTNBio para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto.

§ 10. Poderão ser convidados a participar das reuniões, em caráter excepcional, representantes da comunidade científica e do setor público e entidades da sociedade civil, sem direito a voto.

Art. 12. O funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento desta Lei.

157

§ 1o A CTNBio contará com uma Secretaria-Executiva e cabe ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe o apoio técnico e administrativo.

§ 2o (VETADO)

Art. 13. A CTNBio constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário da Comissão.

§ 1o Tanto os membros titulares quanto os suplentes participarão das subcomissões setoriais e caberá a todos a distribuição dos processos para análise.

§ 2o O funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias serão definidos no regimento interno da CTNBio.

Art. 14. Compete à CTNBio:

I – estabelecer normas para as pesquisas com OGM e derivados de OGM;

II – estabelecer normas relativamente às atividades e aos projetos relacionados a OGM e seus derivados;

III – estabelecer, no âmbito de suas competências, critérios de avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados;

IV – proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados;

V – estabelecer os mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança – CIBio, no âmbito de cada instituição que se dedique ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial que envolvam OGM ou seus derivados;

VI – estabelecer requisitos relativos à biossegurança para autorização de funcionamento de laboratório, instituição ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas a OGM e seus derivados;

VII – relacionar-se com instituições voltadas para a biossegurança de OGM e seus derivados, em âmbito nacional e internacional;

VIII – autorizar, cadastrar e acompanhar as atividades de pesquisa com OGM ou derivado de OGM, nos termos da legislação em vigor;

158

IX – autorizar a importação de OGM e seus derivados para atividade de pesquisa;

X – prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao CNBS na formulação da PNB de OGM e seus derivados;

XI – emitir Certificado de Qualidade em Biossegurança – CQB para o desenvolvimento de atividades com OGM e seus derivados em laboratório, instituição ou empresa e enviar cópia do processo aos órgãos de registro e fiscalização referidos no art. 16 desta Lei;

XII – emitir decisão técnica, caso a caso, sobre a biossegurança de OGM e seus derivados no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como medidas de segurança exigidas e restrições ao uso;

XIII – definir o nível de biossegurança a ser aplicado ao OGM e seus usos, e os respectivos procedimentos e medidas de segurança quanto ao seu uso, conforme as normas estabelecidas na regulamentação desta Lei, bem como quanto aos seus derivados;

XIV – classificar os OGM segundo a classe de risco, observados os critérios estabelecidos no regulamento desta Lei;

XV – acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico-científico na biossegurança de OGM e seus derivados;

XVI – emitir resoluções, de natureza normativa, sobre as matérias de sua competência;

XVII – apoiar tecnicamente os órgãos competentes no processo de prevenção e investigação de acidentes e de enfermidades, verificados no curso dos projetos e das atividades com técnicas de ADN/ARN recombinante;

XVIII – apoiar tecnicamente os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atividades relacionadas a OGM e seus derivados;

XIX – divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e, posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB a sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio;

159

XX – identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana;

XXI – reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;

XXII – propor a realização de pesquisas e estudos científicos no campo da biossegurança de OGM e seus derivados;

XXIII – apresentar proposta de regimento interno ao Ministro da Ciência e Tecnologia.

§ 1o Quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio vincula os demais órgãos e entidades da administração.

§ 2o Nos casos de uso comercial, dentre outros aspectos técnicos de sua análise, os órgãos de registro e fiscalização, no exercício de suas atribuições em caso de solicitação pela CTNBio, observarão, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados, a decisão técnica da CTNBio.

§ 3o Em caso de decisão técnica favorável sobre a biossegurança no âmbito da atividade de pesquisa, a CTNBio remeterá o processo respectivo aos órgãos e entidades referidos no art. 16 desta Lei, para o exercício de suas atribuições.

§ 4o A decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, no exercício de suas atribuições.

§ 5o Não se submeterá a análise e emissão de parecer técnico da CTNBio o derivado cujo OGM já tenha sido por ela aprovado.

§ 6o As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado que tenham obtido a liberação para uso comercial estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio.

Art. 15. A CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento.

160

Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento.

CAPÍTULO IV

Dos órgãos e entidades de registro e fiscalização

Art. 16. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente, e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República entre outras atribuições, no campo de suas competências, observadas a decisão técnica da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos nesta Lei e na sua regulamentação:

I – fiscalizar as atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;

II – registrar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;

III – emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial;

IV – manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados;

V – tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas;

VI – aplicar as penalidades de que trata esta Lei;

VII – subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados.

§ 1o Após manifestação favorável da CTNBio, ou do CNBS, em caso de avocação ou recurso, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente:

I – ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;

II – ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados

161

a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;

III – ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente emitir as autorizações e registros e fiscalizar produtos e atividades que envolvam OGM e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas naturais, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei, bem como o licenciamento, nos casos em que a CTNBio deliberar, na forma desta Lei, que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente;

IV – à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República emitir as autorizações e registros de produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo esta Lei e seu regulamento.

§ 2o Somente se aplicam as disposições dos incisos I e II do art. 8o e do caput do art. 10 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos casos em que a CTNBio deliberar que o OGM é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.

§ 3o A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental.

§ 4o A emissão dos registros, das autorizações e do licenciamento ambiental referidos nesta Lei deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.

§ 5o A contagem do prazo previsto no § 4o deste artigo será suspensa, por até 180 (cento e oitenta) dias, durante a elaboração, pelo requerente, dos estudos ou esclarecimentos necessários.

§ 6o As autorizações e registros de que trata este artigo estarão vinculados à decisão técnica da CTNBio correspondente, sendo vedadas exigências técnicas que extrapolem as condições estabelecidas naquela decisão, nos aspectos relacionados à biossegurança.

§ 7o Em caso de divergência quanto à decisão técnica da CTNBio sobre a liberação comercial de OGM e derivados, os órgãos e entidades de registro e fiscalização, no âmbito de suas competências, poderão apresentar recurso ao CNBS, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da data de publicação da decisão técnica da CTNBio.

CAPÍTULO V

Da Comissão Interna de Biossegurança – CIBio

162

Art. 17. Toda instituição que utilizar técnicas e métodos de engenharia genética ou realizar pesquisas com OGM e seus derivados deverá criar uma Comissão Interna de Biossegurança - CIBio, além de indicar um técnico principal responsável para cada projeto específico.

Art. 18. Compete à CIBio, no âmbito da instituição onde constituída:

I – manter informados os trabalhadores e demais membros da coletividade, quando suscetíveis de serem afetados pela atividade, sobre as questões relacionadas com a saúde e a segurança, bem como sobre os procedimentos em caso de acidentes;

II – estabelecer programas preventivos e de inspeção para garantir o funcionamento das instalações sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação desta Lei;

III – encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação será estabelecida na regulamentação desta Lei, para efeito de análise, registro ou autorização do órgão competente, quando couber;

IV – manter registro do acompanhamento individual de cada atividade ou projeto em desenvolvimento que envolvam OGM ou seus derivados;

V – notificar à CTNBio, aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, e às entidades de trabalhadores o resultado de avaliações de risco a que estão submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente ou incidente que possa provocar a disseminação de agente biológico;

VI – investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades possivelmente relacionados a OGM e seus derivados e notificar suas conclusões e providências à CTNBio.

CAPÍTULO VI

Do Sistema de Informações em Biossegurança – SIB

Art. 19. Fica criado, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados.

§ 1o As disposições dos atos legais, regulamentares e administrativos que alterem, complementem ou produzam efeitos sobre a legislação de biossegurança

163

de OGM e seus derivados deverão ser divulgadas no SIB concomitantemente com a entrada em vigor desses atos.

§ 2o Os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, deverão alimentar o SIB com as informações relativas às atividades de que trata esta Lei, processadas no âmbito de sua competência.

CAPÍTULO VII

Da Responsabilidade Civil e Administrativa

Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

Art. 21. Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas nesta Lei e demais disposições legais pertinentes.

Parágrafo único. As infrações administrativas serão punidas na forma estabelecida no regulamento desta Lei, independentemente das medidas cautelares de apreensão de produtos, suspensão de venda de produto e embargos de atividades, com as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa;

III – apreensão de OGM e seus derivados;

IV – suspensão da venda de OGM e seus derivados;

V – embargo da atividade;

VI – interdição parcial ou total do estabelecimento, atividade ou empreendimento;

VII – suspensão de registro, licença ou autorização;

VIII – cancelamento de registro, licença ou autorização;

IX – perda ou restrição de incentivo e benefício fiscal concedidos pelo governo;

X – perda ou suspensão da participação em linha de financiamento em estabelecimento oficial de crédito;

164

XI – intervenção no estabelecimento;

XII – proibição de contratar com a administração pública, por período de até 5 (cinco) anos.

Art. 22. Compete aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, definir critérios, valores e aplicar multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), proporcionalmente à gravidade da infração.

§ 1o As multas poderão ser aplicadas cumulativamente com as demais sanções previstas neste artigo.

§ 2o No caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 3o No caso de infração continuada, caracterizada pela permanência da ação ou omissão inicialmente punida, será a respectiva penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa, sem prejuízo da paralisação imediata da atividade ou da interdição do laboratório ou da instituição ou empresa responsável.

Art. 23. As multas previstas nesta Lei serão aplicadas pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Saúde, do Meio Ambiente e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, referidos no art. 16 desta Lei, de acordo com suas respectivas competências.

§ 1o Os recursos arrecadados com a aplicação de multas serão destinados aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, que aplicarem a multa.

§ 2o Os órgãos e entidades fiscalizadores da administração pública federal poderão celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para a execução de serviços relacionados à atividade de fiscalização prevista nesta Lei e poderão repassar-lhes parcela da receita obtida com a aplicação de multas.

§ 3o A autoridade fiscalizadora encaminhará cópia do auto de infração à CTNBio.

§ 4o Quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apuração das responsabilidades administrativa e penal.

CAPÍTULO VIII

Dos Crimes e das Penas

165

Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 27. Liberar ou descartar OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1o (VETADO)

§ 2o Agrava-se a pena:

I – de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se resultar dano à propriedade alheia;

II – de 1/3 (um terço) até a metade, se resultar dano ao meio ambiente;

III – da metade até 2/3 (dois terços), se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem;

IV – de 2/3 (dois terços) até o dobro, se resultar a morte de outrem.

Art. 28. Utilizar, comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de restrição do uso:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

CAPÍTULO IX

166

Disposições Finais e Transitórias

Art. 30. Os OGM que tenham obtido decisão técnica da CTNBio favorável a sua liberação comercial até a entrada em vigor desta Lei poderão ser registrados e comercializados, salvo manifestação contrária do CNBS, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Lei.

Art. 31. A CTNBio e os órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei, deverão rever suas deliberações de caráter normativo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a fim de promover sua adequação às disposições desta Lei.

Art. 32. Permanecem em vigor os Certificados de Qualidade em Biossegurança, comunicados e decisões técnicas já emitidos pela CTNBio, bem como, no que não contrariarem o disposto nesta Lei, os atos normativos emitidos ao amparo da Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995.

Art. 33. As instituições que desenvolverem atividades reguladas por esta Lei na data de sua publicação deverão adequar-se as suas disposições no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da publicação do decreto que a regulamentar.

Art. 34. Ficam convalidados e tornam-se permanentes os registros provisórios concedidos sob a égide da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Art. 35. Ficam autorizadas a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas tolerantes a glifosato registradas no Registro Nacional de Cultivares - RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Art. 36. Fica autorizado o plantio de grãos de soja geneticamente modificada tolerante a glifosato, reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada a comercialização da produção como semente. (Vide Decreto nº 5.534, de 2005)

Parágrafo único. O Poder Executivo poderá prorrogar a autorização de que trata o caput deste artigo.

Art. 37. A descrição do Código 20 do Anexo VIII da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, acrescido pela Lei no 10.165, de 27 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

"ANEXO VIII

Código Categoria Descrição Pp/gu

167

20 Uso de Recursos Naturais

Silvicultura; exploração econômica da madeira ou lenha e subprodutos florestais; importação ou exportação da fauna e flora nativas brasileiras; atividade de criação e exploração econômica de fauna exótica e de fauna silvestre; utilização do patrimônio genético natural; exploração de recursos aquáticos vivos; introdução de espécies exóticas, exceto para melhoramento genético vegetal e uso na agricultura; introdução de espécies geneticamente modificadas previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente; uso da diversidade biológica pela biotecnologia em atividades previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

Médio

Art. 38. (VETADO)

Art. 39. Não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos.

Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.

Art. 41. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 42. Revogam-se a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003.

Brasília, 24 de março de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Celso Luiz Nunes Amorim

168

Roberto Rodrigues Humberto Sérgio Costa Lima Luiz Fernando Furlan Patrus Ananias Eduardo Campos Marina Silva Miguel Soldatelli Rossetto José Dirceu de Oliveira e Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 28.3.2005.

169

ANEXO C

RESOLUÇÃO Nº 1.358/92 DO CONSELHO FEDERAL

DE MEDICINA

170

RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA Nº 1358/92

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268 de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045 de 19 de julho de 1958 e, CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la; CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários casos de infertilidade humana; CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstância em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais; CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica; CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992; Resolve: Art. 1º - Adotar as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos. Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação. PUBLICADA NO D.O.U. DE 19/11/92 - SEÇÃO I PÁG. 1605 3.

171

ANEXO DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1358/92 - 11/11/92. NORMAS ÉTICAS PARA UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRO DUÇÃO ASSISTIDA I - PRINCÍPIOS GERAIS 1) As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução

dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade.

2) As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva

de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente.

3) O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis

e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.

4) As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o

sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

5) É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade

que não seja a procriação humana. 6) O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a

receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.

7) Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida

a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.

172

II - USUÁRIOS DAS TÉCNICAS DE RA 1) Toda mulher, capaz nos termos da lei, que tenha solicitado e cuja indicação não

se afaste dos limites desta resolução, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento informado.

2) Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QU E APLICAM TÉCNICAS DE RA As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência de material biológico humano para a usuária de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: 1) um responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais

executados, que seja, obrigatoriamente, um médico. 2) um registro permanente (obtido através de informações observadas ou

relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e pré-embriões.

3) um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material

biológico humano que será transferido aos usuários das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBIÕES 1) A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 2) Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3) Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de

gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

173

4) As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de

forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.

5) Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um

doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.

6) A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível

deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.

7) Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços,

nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS E PRÉ-EMBRIÕES 1) As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e

pré-embriões. 2) O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado

aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.

3) No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem

expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VI - DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE PRÉ-EMBRIÕES As técnicas de RA também podem ser utilizadas na prevenção e tratamento de doenças genéticas e hereditárias, quando perfeitamente indicadas e com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica. 1) Toda intervenção sobre pré-embriões “in vitro”, com fins diagnósticos, não

poderá ter outra finalidade que a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

174

2) Toda intervenção com fins terapêuticos, sobre pré-embriões “in vitro”, não terá

outra finalidade que tratar uma doença ou impedir sua transmissão, com garantias reais de sucesso, sendo obrigatório o consentimento informado do casal.

3) O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões “in vitro” será de 14 dias. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMP ORÁRIA DO ÚTERO) As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética. 1) As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora

genética, no parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2) A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial. PUBLICADA D.O.U. DE 19/11/92 - SEÇÃO I PÁG. 16053.

175

ANEXO D

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 1999

176

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 1999

Dispõe sobre a Reprodução Assistida

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

SEÇÃO I

DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Art. 1º Constituem técnicas de Reprodução Assistida (RA) aquelas que importam na implantação artificial de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:

I - embriões humanos aos produtos da união in vitro de gametas humanos, qualquer que seja a idade de seu desenvolvimento;

II - usuários às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego de RA com o objetivo de procriar;

III - criança ao indivíduo nascido em decorrência do emprego de RA;

IV - gestação ou maternidade de substituição ao caso em que uma doadora temporária de útero tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução, em seu aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de gerar uma criança para os usuários.

Art. 2º A utilização da RA só será permitida, na forma autorizada pelo Poder Público e conforme o disposto nesta Lei, para auxiliar na resolução dos casos de infertilidade e para a prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, e desde que:

I - tenha sido devidamente constatada a existência de infertilidade irreversível ou, caso se trate de infertilidade inexplicada, tenha sido obedecido prazo mínimo de espera, na forma estabelecida em regulamento;

II - os demais tratamentos possíveis tenham sido ineficazes ou ineficientes para solucionar a situação de infertilidade;

III - a infertilidade não decorra da passagem da idade reprodutiva;

177

IV - a receptora da técnica seja uma mulher capaz, nos termos da lei, que tenha solicitado ou autorizado o tratamento de maneira livre e consciente, em documento de consentimento informado a ser elaborado conforme o disposto no art. 3º;

V - exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a mulher receptora ou a criança;

VI - no caso de prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, haja indicação precisa com suficientes garantias de diagnóstico e terapêutica.

SEÇÃO II

DO CONSENTIMENTO INFORMADO

Art. 3º O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos cônjuges e companheiros em união estável, em documento redigido em formulário especial, no qual os usuários manifestem, pela aposição de suas assinaturas, terem dado seu consentimento para a realização das técnicas de RA e terem sido esclarecidos sobre o seguinte:

I - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das técnicas de RA disponíveis, bem como os custos envolvidos em cada uma delas;

II - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de RA nas diferentes situações, incluídos aqueles específicos do estabelecimento e do profissional envolvido, comparados com os números relativos aos casos em que não se recorreu à RA;

III - a possibilidade e probabilidade de incidência de acidentes, danos ou efeitos indesejados para as mulheres e para as crianças;

IV - as implicações jurídicas da utilização da RA, inclusive quanto à paternidade da criança;

V - todas as informações concernentes à licença de atuação dos profissionais e estabelecimentos envolvidos;

VI - demais informações definidas em regulamento.

§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a serem transmitidas, será extensivo aos doadores e seus cônjuges ou companheiros em união estável.

178

§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a identificação do doador vir a ser conhecida pela criança e, em alguns casos, de o doador vir a ser obrigado a reconhecer a filiação dessa criança, em virtude do disposto no art. 12.

§ 3º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos envolvidos, vedada qualquer coação física ou psíquica, e o documento originado deverá explicitar:

I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos usuários;

II - o destino a ser dado, no caso de divórcio ou separação do casal, aos embriões excedentes que vierem a ser preservados na forma do §4º do art. 9º;

III - as circunstâncias em que os doadores autorizam ou desautorizam a utilização de seus gametas e embriões.

§ 4º No caso de utilização da RA para a prevenção e tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, o documento deve conter a indicação precisa da doença e as garantias de diagnóstico e terapêutica, além de mostrar claramente o consentimento dos receptores para as intervenções a serem efetivadas sobre os gametas ou embriões.

§ 5º O consentimento só será válido para atos lícitos e não exonerará os envolvidos em práticas culposas ou dolosas que infrinjam os limites estabelecidos nesta Lei e em seus regulamentos.

SEÇÃO III

DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS

Art. 4º Cabe a clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que aplicam a RA a responsabilidade sobre:

I - o recebimento de doações, a coleta, o manuseio, o controle de doenças infecto-contagiosas, a conservação, a distribuição e a transferência do material biológico humano utilizado na RA, vedando-se a transferência a fresco de material doado;

II - o registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e aos casos em que foi utilizada a RA, pelo prazo de vinte e cinco anos após o emprego das técnicas em cada caso;

179

III - a obtenção do consentimento informado dos usuários de RA, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em união estável, na forma definida no artigo anterior.

Parágrafo único. As normas para o cumprimento do disposto neste artigo serão definidas em regulamento.

Art. 5º Para obter sua licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que aplicam RA devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:

I - funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente licenciado para realizar a RA, que se responsabilizará por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados;

II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as necessidades científicas para realizar a RA;

III - dispor de registro permanente de todos os casos em que tenha sido empregada a RA, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de vinte e cinco anos;

IV - dispor de registro permanente dos doadores e das provas diagnósticas realizadas no material biológico a ser utilizado na RA com a finalidade de evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo de vinte e cinco anos após o emprego do material.

§ 1º A licença mencionada no caput, obrigatória para todos os estabelecimentos e profissionais médicos que pratiquem a RA, será válida por dois anos e renovável ao término de cada período, podendo ser revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seus regulamentos.

§ 2º O profissional mencionado no inciso I não poderá estar respondendo, na Justiça ou no órgão de regulamentação profissional da categoria, a processos éticos, civis ou penais relacionados ao emprego de RA.

§ 3º O registro citado no inciso III deverá conter, em prontuários, elaborados inclusive para a criança, e em formulários específicos, a identificação dos usuários e doadores, as técnicas utilizadas, os procedimentos laboratoriais de manipulação de gametas e embriões, a ocorrência ou não de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as mal-formações de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.

§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deverá conter, em prontuários individuais, a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, uma foto acompanhada das características fenotípicas e uma amostra de material celular.

180

§ 5º As normas para o cumprimento deste artigo serão definidas em regulamento.

SEÇÃO IV

DAS DOAÇÕES

Art. 6º Será permitida a doação de gametas e embriões, sob a responsabilidade dos estabelecimentos que praticam a RA, vedada a remuneração dos doadores e a cobrança por esse material, a qualquer título.

§ 1º Os estabelecimentos que praticam a RA estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e usuários venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informações sobre a criança nascida a partir de material doado.

§ 2º Apenas a criança terá acesso, diretamente ou por meio de um representante legal, a todas as informações sobre o processo que a gerou, inclusive à identidade civil do doador, nos casos autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento responsável pelo emprego da RA a fornecer as informações solicitadas.

§ 3º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter informações genéticas necessárias para sua vida ou sua saúde, as informações relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico solicitante.

§ 4º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade civil do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores informações sobre sua saúde.

§ 5º A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que pratica a RA e deverá garantir, tanto quanto possível, semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador e receptor.

§ 6º Com base no registro de gestações, o estabelecimento que pratica a RA deverá evitar que um mesmo doador venha a produzir mais de duas gestações de sexos diferentes numa área de um milhão de habitantes.

§ 7º Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de equipe do estabelecimento que pratica a RA ou seus parentes até quarto grau.

Art. 7º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não remunerada conhecida como doação temporária do útero, nos casos em que

181

exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na usuária e desde que haja parentesco até o segundo grau entre ela e a mãe substituta ou doadora temporária do útero.

Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, ficando vedada sua modalidade remunerada conhecida como útero ou barriga de aluguel.

SEÇÃO V

DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 8º Na execução de técnica de RA, poderão ser transferidos no máximo quatro embriões a cada ciclo reprodutivo da mulher receptora.

Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a RA ficam autorizados a preservar gametas e embriões humanos, doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.

§ 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei.

§ 2º O tempo máximo de preservação de gametas e embriões será definido em regulamento.

§ 4º O número total de embriões produzidos em laboratório durante a fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo disposição em contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo descarte, a doação para terceiros ou a doação para pesquisa.

§ 5º Os gametas e embriões depositados apenas para armazenamento só poderão ser entregues ao indivíduo ou casal depositante, sendo que, neste último caso, conjuntamente aos dois membros do casal que autorizou seu armazenamento.

§ 4º É obrigatório o descarte de gametas e embriões:

I - doados há mais de dois anos;

II - sempre que for solicitado pelos doadores;

III - sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado;

IV - nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes;

182

V - no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservados.

Art. 10. Ressalvados os casos de material doado para pesquisa, a intervenção sobre gametas ou embriões in vitro só será permitida com a finalidade de avaliar sua viabilidade ou detectar doenças hereditárias, no caso de ser feita com fins diagnósticos, ou de tratar uma doença ou impedir sua transmissão, no caso de ser feita com fins terapêuticos.

§ 1º A pré-seleção sexual de gametas ou embriões só poderá ocorrer nos casos em que os usuários recorram à RA em virtude de apresentarem hereditariedade para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao sexo.

§ 2º As intervenções autorizadas no caput e no parágrafo anterior só poderão ocorrer se houver garantias reais de sucesso.

§ 3º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em regulamento.

SEÇÃO VI

DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA

Art. 11. A criança terá assegurados todos os direitos garantidos aos filhos na forma da lei.

Parágrafo único. Ressalvados os casos especificados nos §§ 2º e 3º do art. 12, os pais da criança serão os usuários.

Art. 12. A criança nascida a partir de gameta ou embrião doado ou por meio de gestação de substituição terá assegurado, se assim o desejar, o direito de conhecer a identidade do doador ou da mãe substituta, no momento em que completar sua maioridade jurídica ou, a qualquer tempo, no caso de falecimento de ambos os pais.

§ 1º A prerrogativa garantida no caput poderá ser exercida, desde o nascimento, em nome de criança que não possua em seu registro civil o reconhecimento de filiação relativa a pessoa do mesmo sexo do doador ou da mãe substituta, situação em que ficará resguardado à criança, ao doador e à mãe substituta o direito de obter esse reconhecimento na forma da lei.

183

§ 2º No caso em que tenha sido utilizado gameta proveniente de indivíduo falecido antes da fecundação, a criança não terá reconhecida a filiação relativa ao falecido.

§ 3º No caso de disputa judicial sobre a filiação da criança, será atribuída a maternidade à mulher que deu à luz a criança, exceto quando esta tiver recorrido à RA por ter ultrapassado a idade reprodutiva, caso em que a maternidade será outorgada à doadora do óvulo.

§ 4º Ressalvado o disposto nos §§ 1º e 3º, não se aplica ao doador qualquer direito assegurado aos pais na forma da lei.

SEÇÃO VII

DOS CRIMES

Art. 13. É crime:

I - praticar a RA sem estar previamente licenciado para a atividade;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

II - praticar RA sem obter o consentimento informado dos receptores e dos doadores na forma determinada nesta Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos constantes do documento de consentimento assinado por eles;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

III - envolver-se na prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de usuário, intermediário, receptor ou executor da técnica;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

IV - fornecer gametas ou embriões depositados apenas para armazenamento a qualquer pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses gametas e embriões sem a autorização deste;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

V - intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das permitidas nesta Lei;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

184

VI - deixar de manter as informações exigidas nesta Lei, na forma especificada, ou recusar-se a fornecê-las nas situações previstas;

Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

VII - utilizar gametas ou embriões de doadores ou depositantes sabidamente falecidos;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

VIII - implantar mais de quatro embriões na mulher receptora;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

IX - realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o disposto nesta Lei;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

X - conservar gametas ou embriões doados por período superior a dois anos ou utilizar esses gametas e embriões;

Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.

§ 1º No caso de gametas ou embriões depositados por casal, incide no crime definido no inciso IV a pessoa que os fornecer a um dos membros do casal isoladamente.

§ 2º A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste artigo acarretará a perda da licença do estabelecimento de reprodução assistida e do profissional responsável, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

SEÇÃO VIII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 14 O Poder Público editará os regulamentos necessários à efetividade da Lei, inclusive as normas especificadoras dos requisitos para a execução de cada técnica de RA, concederá a licença aos estabelecimentos e profissionais que praticam a RA e fiscalizará a atuação de ambos.

Art. 15 Esta Lei entrará em vigor cento e oitenta dias após sua publicação.

185

Art. 16 Revogam-se todas as disposições em contrário.

186

ANEXO E

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 2001

187

PROJETO DE LEI Nº 90 (SUBSTITUTIVO), DE 1999

Dispõe sobre a Procriação Medicamente Assistida

O CONGRESSO NACIONAL decreta :

SEÇÃO I

DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Artigo 1º Esta Lei disciplina o uso das técnicas de Procriação Medicamente

Assistida (PMA) que importam na implantação artificial de gametas ou embriões

humanos, fertilizados in vitro, no aparelho reprodutor de mulheres receptoras.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:

I - beneficiários aos cônjuges ou ao homem e à mulher em união estável,

conforme definido na Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, que tenham

solicitado o emprego de Procriação Medicamente Assistida;

II - gestação de substituição ao caso em que uma mulher, denominada genitora

substituta, tenha autorizado sua inseminação artificial ou a introdução, em seu

aparelho reprodutor, de embriões fertilizados in vitro, com o objetivo de gerar uma

criança para os beneficiários, observadas as limitações do art. 3º desta Lei;

III - consentimento livre e esclarecido ao ato pelo qual os beneficiários são

esclarecidos sobre a Procriação Medicamente Assistida e manifestam

consentimento para a sua realização.

Artigo 2º A utilização da Procriação Medicamente Assistida só será permitida, na

forma autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifica

infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde

que:

188

I - exista, sob pena de responsabilidade, conforme estabelecido no art. 38 desta

Lei, indicação médica para o emprego da Procriação Medicamente Assistida,

consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, e não se incorra

em risco grave de saúde para a mulher receptora ou para a criança;

II - a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei,

que tenha solicitado o tratamento de maneira livre e consciente, em documento a

ser elaborado conforme o disposto nos arts. 4º e 5º desta Lei;

III - a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação

que leve em conta sua idade cronológica e outros critérios estabelecidos em

regulamento.

§ 1º Somente os cônjuges ou o homem e a mulher em união estável poderão ser

beneficiários das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.

§ 2º Caso não se diagnostique causa definida para a situação de infertilidade,

observar-se-á, antes da utilização da Procriação Medicamente Assistida, prazo

mínimo de espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a

idade da mulher receptora.

Artigo 3º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não-

remunerada, nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contra-

indique a gestação na beneficiária e desde que haja parentesco até o segundo

grau entre os beneficiários e a genitora substituta.

Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou

comercial, ficando vedada a modalidade conhecida como útero ou barriga de

aluguel.

SEÇÃO II

DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

189

Artigo 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os

beneficiários, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será

formalizado por instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes

esclarecimentos:

I - a indicação médica para o emprego de Procriação Medicamente Assistida, no

caso específico;

II - os aspectos técnicos e as implicações médicas das diferentes fases das

modalidades de Procriação Medicamente Assistida disponíveis, bem como os

custos envolvidos em cada uma delas;

III - os dados estatísticos sobre a efetividade das técnicas de Procriação

Medicamente Assistida nas diferentes situações, incluídos aqueles específicos do

estabelecimento e do profissional envolvido, comparados com os números

relativos aos casos em que não se recorreu à Procriação Medicamente Assistida;

IV - a possibilidade e a probabilidade de incidência de danos ou efeitos

indesejados para as mulheres e para os nascituros;

V - as implicações jurídicas da utilização da Procriação Medicamente Assistida;

VI - todas as informações concernentes à capacitação dos profissionais e

estabelecimentos envolvidos;

VII - demais informações estabelecidas em regulamento.

§ 1º O consentimento mencionado neste artigo, a ser efetivado conforme as

normas regulamentadoras que irão especificar as informações mínimas a serem

transmitidas, será exigido do doador e de seu cônjuge, ou da pessoa com quem

viva em união estável.

190

§ 2º No caso do parágrafo anterior, as informações mencionadas devem incluir

todas as implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a

identificação do doador vir a ser conhecida.

Artigo 5º O consentimento deverá refletir a livre manifestação da vontade dos

envolvidos, e o documento originado deverá explicitar:

I - a técnica e os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o

número de embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 14

desta Lei;

II - as circunstâncias em que doador ou depositante autoriza ou desautoriza a

utilização de seus gametas.

SEÇÃO III

DOS ESTABELECIMENTOS E PROFISSIONAIS QUE REALIZAM A

PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA

Art. 6º Clínicas, centros, serviços e demais estabelecimentos que realizam a

Procriação Medicamente Assistida são responsáveis:

I - pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e

oportunidade para a realização da técnica de Procriação Medicamente Assistida;

II - pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de

doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material

biológico humano utilizado na Procriação Medicamente Assistida, vedando-se a

transferência a fresco de material doado;

III - pelo registro de todas as informações relativas aos doadores desse material e

aos casos em que foi utilizada a Procriação Medicamente Assistida, pelo prazo de

cinqüenta anos após o emprego das técnicas em cada situação;

191

IV - pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de

Procriação Medicamente Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou

companheiros em união estável, na forma definida na Seção II desta Lei;

V - pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados.

Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem

outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.

Art. 7º Para obter a licença de funcionamento, clínicas, centros, serviços e demais

estabelecimentos que aplicam Procriação Medicamente Assistida devem cumprir

os seguintes requisitos mínimos:

I - funcionar sob a direção de um profissional médico;

II - dispor de recursos humanos, técnicos e materiais condizentes com as

necessidades científicas para realizar a Procriação Medicamente Assistida;

III - dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a

Procriação Medicamente Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de

cinqüenta anos;

IV - dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas no

material biológico a ser utilizado na Procriação Medicamente Assistida com a

finalidade de evitar a transmissão de doenças e manter esse registro pelo prazo

de cinqüenta anos após o emprego do material;

V - informar o órgão competente, a cada ano, sobre suas atividades concernentes

à Procriação Medicamente Assistida.

§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo, obrigatória para todos os

estabelecimentos que pratiquem a Procriação Medicamente Assistida, será válida

por no máximo três anos e renovável ao término de cada período, podendo ser

192

revogada em virtude do descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de

seu regulamento.

2º Exigir-se-á do profissional mencionado no inciso I deste artigo e dos demais

médicos que atuam no estabelecimento prova de capacitação para o emprego de

Procriação Medicamente Assistida.

§ 3º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter, por meio de

prontuários, elaborados inclusive para a criança, e de formulários específicos, a

identificação dos beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção

sexual, quando imprescindível, na forma do art. 17 desta Lei, a ocorrência ou não

de gravidez, o desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações

de fetos ou recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.

§ 4º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá

conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das

características fenotípicas e amostra de material celular.

§ 5º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos

casos especificados nesta Lei.

§ 6º No caso de encerramento das atividades, os estabelecimentos de que trata

esta Seção deverão transferir os registros mencionados nos incisos III e IV deste

artigo para o órgão competente do Poder Público.

SEÇÃO IV

DAS DOAÇÕES

Art. 8º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos

estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida, vedadas a

remuneração e a cobrança por esse material, a qualquer título.

§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do

doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.

193

§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:

I - para quais estabelecimentos já realizou doação;

II - as doenças de que tem conhecimento ser portador.

§ 3º A regulamentação desta Lei poderá estabelecer idade limite para os

doadores, com base em critérios que busquem garantir a qualidade dos gametas

doados.

Art. 9º Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida

estarão obrigados a zelar pelo sigilo da doação e das informações sobre a criança

nascida a partir de material doado.

Art. 10 Excepciona-se o sigilo estabelecido no artigo anterior nos casos

autorizados nesta Lei, obrigando-se o estabelecimento responsável pelo emprego

da Procriação Medicamente Assistida a fornecer as informações solicitadas.

§ 1º Quando razões médicas indicarem ser de interesse da criança obter

informações genéticas necessárias para sua vida ou saúde, as informações

relativas ao doador deverão ser fornecidas exclusivamente para o médico

solicitante.

§ 2º No caso autorizado no parágrafo anterior, resguardar-se-á a identidade civil

do doador, mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter maiores

informações sobre sua saúde.

Art. 11 A escolha dos doadores será responsabilidade do estabelecimento que

pratica a Procriação Medicamente Assistida e deverá garantir, tanto quanto

possível, semelhança fenotípica e compatibilidade imunológica entre doador e

receptor.

Art. 12 Haverá um registro central de doações e gestações, organizado pelo

Poder Público com base nas informações periodicamente fornecidas pelos

194

estabelecimentos que praticam Procriação Medicamente Assistida, o qual será

obrigatoriamente consultado para garantir que um mesmo doador só origine

descendentes para um único par de beneficiários.

Art. 13 Não poderão ser doadores, exceto na qualidade de beneficiários, os

dirigentes, funcionários e membros, ou seus parentes até o quarto grau, de equipe

de qualquer estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida e

os civilmente incapazes.

SEÇÃO V

DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 14 Na execução de técnica de Procriação Medicamente Assistida, poderão

ser produzidos e transferidos até três embriões, respeitada a vontade da mulher

receptora, a cada ciclo reprodutivo.

§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,

obedecido o critério definido no caput deste artigo.

§ 2º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no

aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na

forma da lei.

Art. 15 Os estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida

ficam autorizados a preservar gametas humanos, doados ou depositados apenas

para armazenamento, pelos métodos permitidos em regulamento.

§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento só poderão ser

entregues à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua

autorização.

§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:

195

I - sempre que for solicitado pelo doador ou depositante;

II - sempre que estiver determinado no documento de consentimento livre e

esclarecido;

III - nos casos conhecidos de falecimento de doador ou depositante, ressalvada a

hipótese em que este último tenha autorizado, em testamento, a utilização

póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira.

Art. 16 Serão definidos em regulamento os tempos máximos de:

I - preservação de gametas depositados apenas para armazenamento;

II - desenvolvimento de embriões in vitro.

Art. 17 A pré-seleção sexual só poderá ocorrer nos casos em que os beneficiários

recorram à Procriação Medicamente Assistida em virtude de apresentarem

probabilidade genética para gerar crianças portadoras de doenças ligadas ao

sexo, mediante autorização do Poder Público.

SEÇÃO VI

DA FILIAÇÃO

Art. 18 Será atribuída aos beneficiários a condição de pais da criança nascida

mediante o emprego das técnicas de Procriação Medicamente Assistida.

Parágrafo único. É assegurado ao doador e à criança de que trata este artigo o

direito recíproco de acesso, extensivo a parentes, a qualquer tempo, por meio do

depositário dos registros concernentes à procriação, observado o disposto no

inciso III do art. 6º, para o fim de consulta sobre disponibilidade de transplante de

órgãos ou tecidos, garantido o anonimato.

Art. 19 O doador e a genitora substituta, e seus parentes biológicos, não terão

qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em

196

relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Procriação

Medicamente Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais.

Art. 20 As conseqüências jurídicas do uso da Procriação Medicamente Assistida,

quanto à filiação, são irrevogáveis a partir do momento em que houver embriões

originados in vitro ou for constatada gravidez decorrente de inseminação artificial.

Art. 21 A morte dos beneficiários não restabelece o pátrio poder dos pais

biológicos

Art. 22 O Ministério Público fiscalizará a atuação dos estabelecimentos que

empregam técnicas de Procriação Medicamente Assistida, com o objetivo de

resguardar os direitos do nascituro e a saúde e integridade física das pessoas,

aplicando-se, no que couber, as disposições do Capítulo V da Lei nº 8.069, de 13

de julho de 1990.

SEÇÃO VII

DOS CRIMES

Art. 23 Praticar a redução embrionária:

Pena - reclusão de um a quatro anos.

Parágrafo único. Não se pune a redução embrionária feita por médico se não

houver outro meio de salvar a vida da gestante.

Art. 24 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem estar previamente

capacitado para a atividade:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Art. 25 Praticar a Procriação Medicamente Assistida sem obter o consentimento

livre e esclarecido dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta

197

Lei, bem como fazê-lo em desacordo com os termos constantes do documento de

consentimento assinado por eles

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 26 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de

beneficiário, intermediário ou executor da técnica:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 27 Fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer

pessoa que não seja o próprio depositante, bem como empregar esses gametas

sem a autorização deste:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 28 Deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, deixar de

fornecê-las nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não

autorizados, consoante as determinações desta Lei:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa

Art. 29 Utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos,

salvo na hipótese em que o depositante tenha autorizado, em testamento, a

utilização póstuma de seus gametas pela esposa ou companheira:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa

Art. 30 Implantar mais de três embriões na mulher receptora:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa

Art. 31 Realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o

disposto nesta Lei:

198

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 32 Participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de

genitora substituta:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Art. 33 Produzir embriões além da quantidade permitida:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Art. 34 Armazenar, destruir, ou ceder embriões, ressalvados os casos previstos

nesta Lei:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Art. 35 Deixar de implantar na mulher receptora os embriões produzidos, exceto

no caso de contra-indicação médica:

Pena - detenção de dois a seis anos, e multa

Art. 36 Utilizar gameta:

I - doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe de qualquer

estabelecimento que pratique a Procriação Medicamente Assistida ou seus

parentes até o quarto grau, e pelo civilmente incapaz;

II - de que tem ciência ser de um mesmo doador para mais de um par de

beneficiários;

III - a fresco ou sem que tenha sido submetido ao controle de doenças infecto-

contagiosas:

Pena - reclusão de três a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre:

199

I - o médico que usar o seu próprio gameta para realizar a Procriação

Medicamente Assistida, exceto na qualidade de beneficiário;

II - o doador que omitir dados ou fornecer informação falsa ou incorreta sobre

qualquer aspecto relacionado ao ato de doar.

Art. 37 Realizar a procriação medicamente assistida em pessoas que não sejam

casadas ou não vivam em união estável:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre o homem ou a mulher que solicitar o

emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não o

cônjuge ou a companheira ou o companheiro.

Art. 38 A prática de qualquer uma das condutas arroladas nesta seção acarretará

a perda da licença do estabelecimento de procriação medicamente assistida, sem

prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

Art. 39 O estabelecimento e os profissionais médicos que nele atuam são, entre

si, civil e penalmente responsáveis pelo emprego da Procriação Medicamente

Assistida.

SEÇÃO VIII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 40 O Poder Público regulamentará esta Lei, inclusive quanto às normas

especificadoras dos requisitos para a execução de cada técnica de Procriação

Medicamente Assistida, competindo-lhe também conceder a licença aos

estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida e fiscalizar

suas atuações.

200

Art. 41 Os embriões congelados existentes até a entrada em vigor da presente Lei

poderão ser utilizados, com o consentimento das pessoas que os originaram, na

forma permitida nesta Lei.

§ 1º Presume-se autorizada a utilização, para reprodução, de embriões originados

in vitro existentes antes da entrada em vigor desta Lei, se, no prazo de sessenta

dias a contar da data da publicação desta Lei, os depositantes não se

manifestarem em contrário.

§ 2º Incorre na pena prevista no crime tipificado no art. 34 aquele que descartar

embrião congelado anteriormente à entrada em vigor desta Lei.

Art. 42 A União poderá celebrar convênio com os Estados, com o Distrito Federal

e com os Municípios para exercer, em conjunto ou isoladamente, a fiscalização

dos estabelecimentos que praticam a Procriação Medicamente Assistida.

Art. 43 Esta Lei entrará em vigor no prazo de um ano a contar da data de sua

publicação.

201

ANEXO F

PROJETO DE LEI Nº 1.184, DE 2003

202

Dispõe sobre a Reprodução Assistida.

O Congresso Nacional decreta:

CAPÍTULO I

DOS PRINCÍPIOS GERAIS

Art. 1º Esta Lei regulamenta o uso das técnicas de Reprodução Assistida (RA)

para a implantação artificial de gametas ou embriões humanos, fertilizados in vitro,

no organismo de mulheres receptoras.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, atribui-se a denominação de:

I – embriões humanos: ao resultado da união in vitro de gametas, previamente à

sua implantação no organismo receptor, qualquer que seja o estágio de seu

desenvolvimento;

II – beneficiários: às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o emprego da

Reprodução Assistida;

III – consentimento livre e esclarecido: ao ato pelo qual os beneficiários são

esclarecidos sobre a Reprodução Assistida e manifestam, em documento,

consentimento para a sua realização, conforme disposto no Capítulo II desta Lei.

Art. 2º A utilização das técnicas de Reprodução Assistida será permitida, na forma

autorizada nesta Lei e em seus regulamentos, nos casos em que se verifique

infertilidade e para a prevenção de doenças genéticas ligadas ao sexo, e desde

que:

I – exista indicação médica para o emprego da Reprodução Assistida,

consideradas as demais possibilidades terapêuticas disponíveis, segundo o

disposto em regulamento;

II – a receptora da técnica seja uma mulher civilmente capaz, nos termos da lei,

que tenha solicitado o tratamento de maneira livre, consciente e informada, em

documento de consentimento livre e esclarecido, a ser elaborado conforme o

disposto no Capítulo II desta Lei;

203

III – a receptora da técnica seja apta, física e psicologicamente, após avaliação

que leve em conta sua idade e outros critérios estabelecidos em regulamento;

IV – o doador seja considerado apto física e mentalmente, por meio de exames

clínicos e complementares que se façam necessários.

Parágrafo único. Caso não se diagnostique causa definida para a situação de

infertilidade, observar-se-á, antes da utilização da Reprodução Assistida, prazo

mínimo de 2 espera, que será estabelecido em regulamento e levará em conta a

idade da mulher receptora.

Art. 3º É proibida a gestação de substituição.

CAPÍTULO II

DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Art. 4º O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para ambos os

beneficiários, nos casos em que a beneficiária seja uma mulher casada ou em

união estável, vedada a manifestação da vontade por procurador, e será

formalizado em instrumento particular, que conterá necessariamente os seguintes

esclarecimentos:

I – a indicação médica para o emprego de Reprodução Assistida, no caso

específico, com manifestação expressa dos beneficiários da falta de interesse na

adoção de criança ou adolescente;

II – os aspectos técnicos, as implicações médicas das diferentes fases das

modalidades de Reprodução Assistida disponíveis e os custos envolvidos em cada

uma delas;

III – os dados estatísticos referentes à efetividade dos resultados obtidos no

serviço de saúde onde se realizará o procedimento de Reprodução Assistida;

IV – os resultados estatísticos e probabilísticos acerca da incidência e prevalência

dos efeitos indesejados nas técnicas de Reprodução Assistida, em geral e no

serviço de saúde onde esta será realizada;

V – as implicações jurídicas da utilização de Reprodução Assistida;

204

VI – os procedimentos autorizados pelos beneficiários, inclusive o número de

embriões a serem produzidos, observado o limite disposto no art. 13 desta Lei;

VII – as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus

gametas, inclusive postumamente;

VIII – demais requisitos estabelecidos em regulamento.

§ 1º O consentimento mencionado neste artigo será também exigido do doador e

de seu cônjuge ou da pessoa com quem viva em união estável e será firmado

conforme as normas regulamentadoras, as quais especificarão as informações

mínimas que lhes serão transmitidas.

§ 2º No caso do § 1º, as informações mencionadas devem incluir todas as

implicações decorrentes do ato de doar, inclusive a possibilidade de a

identificação do doador vir a ser conhecida.

CAPÍTULO III

DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E PROFISSIONAIS

Art. 5º Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida são

responsáveis:

I – pela elaboração, em cada caso, de laudo com a indicação da necessidade e

oportunidade para o emprego da técnica de Reprodução Assistida;

II – pelo recebimento de doações e pelas fases de coleta, manuseio, controle de

doenças infecto-contagiosas, conservação, distribuição e transferência do material

biológico humano utilizado na Reprodução Assistida, vedando-se a transferência

de sêmen doado a fresco;

III – pelo registro de todas as informações relativas aos doadores e aos casos em

que foi utilizada a Reprodução Assistida, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;

IV – pela obtenção do consentimento livre e esclarecido dos beneficiários de

Reprodução Assistida, doadores e respectivos cônjuges ou companheiros em

união estável, na forma definida no Capítulo II desta Lei;

V – pelos procedimentos médicos e laboratoriais executados;

205

VI – pela obtenção do Certificado de Qualidade em Biossegurança junto ao órgão

competente;

VII – pela obtenção de licença de funcionamento a ser expedida pelo órgão

competente da administração, definido em regulamento.

Parágrafo único. As responsabilidades estabelecidas neste artigo não excluem

outras, de caráter complementar, a serem estabelecidas em regulamento.

Art. 6º Para obter a licença de funcionamento, os serviços de saúde que realizam

Reprodução Assistida devem cumprir os seguintes requisitos mínimos:

I – funcionar sob a direção de um profissional médico, devidamente capacitado

para realizar a Reprodução Assistida, que se responsabilizará por todos os

procedimentos médicos e laboratoriais executados;

II – dispor de equipes multiprofissionais, recursos técnicos e materiais compatíveis

com o nível de complexidade exigido pelo processo de Reprodução Assistida;

III – dispor de registro de todos os casos em que tenha sido empregada a

Reprodução Assistida, ocorra ou não gravidez, pelo prazo de 50 (cinqüenta) anos;

IV – dispor de registro dos doadores e das provas diagnósticas realizadas, pelo

prazo de 50 (cinqüenta) anos após o emprego do material biológico;

V – encaminhar relatório semestral de suas atividades ao órgão competente

definido em regulamento.

§ 1º A licença mencionada no caput deste artigo será válida por até 3 (três) anos,

renovável ao término de cada período, desde que obtido ou mantido o Certificado

de Qualidade em Biossegurança, podendo ser revogada em virtude do

descumprimento de qualquer disposição desta Lei ou de seu regulamento.

§ 2º O registro citado no inciso III deste artigo deverá conter a identificação dos

beneficiários e doadores, as técnicas utilizadas, a pré-seleção sexual, quando

imprescindível, na forma do art. 15 desta Lei, a ocorrência ou não de gravidez, o

desenvolvimento das gestações, os nascimentos, as malformações de fetos ou

recém-nascidos e outros dados definidos em regulamento.

§ 3º Em relação aos doadores, o registro citado no inciso IV deste artigo deverá

conter a identidade civil, os dados clínicos de caráter geral, foto acompanhada das

características fenotípicas e uma amostra de material celular.

206

§ 4º As informações de que trata este artigo são consideradas sigilosas, salvo nos

casos especificados nesta Lei.

§ 5º No caso de encerramento das atividades, os serviços de saúde transferirão

os registros para o órgão competente do Poder Público, determinado no

regulamento.

CAPÍTULO IV

DAS DOAÇÕES

Art. 7º Será permitida a doação de gametas, sob a responsabilidade dos serviços

de saúde que praticam a Reprodução Assistida, vedadas a remuneração e a

cobrança por esse material, a qualquer título.

§ 1º Não será permitida a doação quando houver risco de dano para a saúde do

doador, levando-se em consideração suas condições físicas e mentais.

§ 2º O doador de gameta é obrigado a declarar:

I – não haver doado gameta anteriormente;

II – as doenças de que tem conhecimento ser portador, inclusive os antecedentes

familiares, no que diz respeito a doenças genético-hereditárias e outras.

§ 3º Poderá ser estabelecida idade limite para os doadores, com base em critérios

que busquem garantir a qualidade dos gametas doados, quando da

regulamentação desta Lei.

§ 4º Os gametas doados e não-utilizados serão mantidos congelados até que se

dê o êxito da gestação, após o quê proceder-se-á ao descarte dos mesmos, de

forma a garantir que o doador beneficiará apenas uma única receptora.

Art. 8º Os serviços de saúde que praticam a Reprodução Assistida estarão

obrigados a zelar pelo sigilo da doação, impedindo que doadores e beneficiários

venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das

informações sobre a pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.

Art. 9º O sigilo estabelecido no art. 8º poderá ser quebrado nos casos autorizados

nesta Lei, obrigando-se o serviço de saúde responsável pelo emprego da

207

Reprodução Assistida a fornecer as informações solicitadas, mantido o segredo

profissional e, quando possível, o anonimato.

§ 1º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida terá acesso, a

qualquer tempo, diretamente ou por meio de representante legal, e desde que

manifeste sua vontade, livre, consciente e esclarecida, a todas as informações

sobre o processo que o gerou, inclusive à identidade civil do doador, obrigando-se

o serviço de saúde responsável a fornecer as informações solicitadas, mantidos os

segredos profissional e de justiça.

§ 2º Quando razões médicas ou jurídicas indicarem ser necessário, para a vida ou

a saúde da pessoa gerada por processo de Reprodução Assistida, ou para

oposição de impedimento do casamento, obter informações genéticas relativas ao

doador, essas deverão ser fornecidas ao médico solicitante, que guardará o

devido segredo profissional, ou ao oficial do registro civil ou a quem presidir a

celebração do casamento, que notificará os nubentes e procederá na forma da

legislação civil.

§ 3º No caso de motivação médica, autorizado no § 2º, resguardar-se-á a

identidade civil do doador mesmo que o médico venha a entrevistá-lo para obter

maiores informações sobre sua saúde.

Art. 10. A escolha dos doadores será de responsabilidade do serviço de saúde

que pratica a Reprodução Assistida e deverá assegurar a compatibilidade

imunológica entre doador e receptor.

Art. 11. Não poderão ser doadores os dirigentes, funcionários e membros de

equipes, ou seus parentes até o quarto grau, de serviço de saúde no qual se

realize a Reprodução Assistida.

Parágrafo único. As pessoas absolutamente incapazes não poderão ser doadoras

de gametas.

Art. 12. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a

comunicar ao órgão competente previsto no art. 5º, incisos VI e VII, até o dia 10 de

cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo

da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida.

208

§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do

Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar esse fato ao referido

órgão no prazo estipulado no caput deste artigo.

§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações

inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais a

multa variável de R$ 636,17 (seiscentos e trinta e seis reais e dezessete centavos)

a R$ 63.617,35 (sessenta e três mil, seiscentos e dezessete reais e trinta e cinco

centavos), na forma do regulamento.

§ 3º A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para cadastramento

de óbito, conforme modelo aprovado em regulamento.

§ 4º Deverão constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de

Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes informações

relativas à pessoa falecida:

I – número de inscrição do PIS/Pasep;

II – número de inscrição do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se

contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário - NB, se a pessoa

falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS;

III – número do CPF;

IV – número de registro de Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor;

V – número do título de eleitor;

VI – número do registro de nascimento ou casamento, com informação do livro, da

folha e do termo;

VII – número e série da Carteira de Trabalho.

CAPÍTULO V

DOS GAMETAS E EMBRIÕES

Art. 13. Na execução da técnica de Reprodução Assistida, poderão ser produzidos

e transferidos até 2 (dois) embriões, respeitada a vontade da mulher receptora, a

cada ciclo reprodutivo.

209

§ 1º Serão obrigatoriamente transferidos a fresco todos os embriões obtidos,

obedecido ao critério definido no caput deste artigo.

§ 2º Os embriões originados in vitro, anteriormente à sua implantação no

organismo da receptora, não são dotados de personalidade civil.

§ 3º Os beneficiários são juridicamente responsáveis pela tutela do embrião e seu

ulterior desenvolvimento no organismo receptor.

§ 4º São facultadas a pesquisa e experimentação com embriões transferidos e

espontaneamente abortados, desde que haja autorização expressa dos

beneficiários.

§ 5º O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será definido em

regulamento.

Art. 14. Os serviços de saúde são autorizados a preservar gametas humanos,

doados ou depositados apenas para armazenamento, pelos métodos e prazos

definidos em regulamento.

§ 1º Os gametas depositados apenas para armazenamento serão entregues

somente à pessoa depositante, não podendo ser destruídos sem sua autorização.

§ 2º É obrigatório o descarte de gametas:

I – quando solicitado pelo depositante;

II – quando houver previsão no documento de consentimento livre e esclarecido;

III – nos casos de falecimento do depositante, salvo se houver manifestação de

sua vontade, expressa em documento de consentimento livre e esclarecido ou em

testamento, permitindo a utilização póstuma de seus gametas.

Art. 15. A pré-seleção sexual será permitida nas situações clínicas que

apresentarem risco genético de doenças relacionadas ao sexo, conforme se

dispuser em regulamento.

CAPÍTULO VI

DA FILIAÇÃO DA CRIANÇA

Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da

criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.

210

§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais

biológicos.

§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão

acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter

informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo

profissional e, sempre que possível, o anonimato.

§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do

doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.

Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito

ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a

partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos

matrimoniais elencados na legislação civil.

Art. 18. Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-se,

sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em

regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de resguardar a

saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se, no que couber,

as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do

Adolescente).

CAPÍTULO VII

DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES

Art. 19. Constituem crimes:

I – praticar a Reprodução Assistida sem estar habilitado para a atividade:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

II – praticar a Reprodução Assistida sem obter o consentimento livre e esclarecido

dos beneficiários e dos doadores na forma determinada nesta Lei ou em

desacordo com os termos constantes do documento de consentimento por eles

assinado:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa;

211

III – participar do procedimento de gestação de substituição, na condição de

beneficiário, intermediário ou executor da técnica:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

IV – fornecer gametas depositados apenas para armazenamento a qualquer

pessoa que não o próprio depositante, ou empregar esses gametas sem sua

prévia autorização:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

V – deixar de manter as informações exigidas na forma especificada, não as

fornecer nas situações previstas ou divulgá-las a outrem nos casos não

autorizados, consoante as determinações desta Lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

VI – utilizar gametas de doadores ou depositantes sabidamente falecidos, salvo na

hipótese em que tenha sido autorizada, em documento de consentimento livre e

esclarecido, ou em testamento, a utilização póstuma de seus gametas:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

VII – implantar mais de 2 (dois) embriões na mulher receptora:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

VIII – realizar a pré-seleção sexual de gametas ou embriões, ressalvado o

disposto nesta Lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

IX – produzir embriões além da quantidade permitida:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

X – armazenar ou ceder embriões, ressalvados os casos em que a implantação

seja contra-indicada:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

XI – deixar o médico de implantar na mulher receptora os embriões produzidos,

exceto no caso de contra-indicação médica:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

XII – descartar embrião antes da implantação no organismo receptor:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

XIII – utilizar gameta:

212

a) doado por dirigente, funcionário ou membro de equipe do serviço de saúde em

que se realize a Reprodução Assistida, ou seus parentes até o quarto grau;

b) de pessoa incapaz;

c) de que tem ciência ser de um mesmo doador, para mais de um beneficiário;

d) sem que tenham sido os beneficiários ou doadores submetidos ao controle de

doenças infecto-contagiosas e a outros exames complementares:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Ao aplicar as medidas previstas neste artigo, o juiz considerará a

natureza e a gravidade do delito e a periculosidade do agente.

Art. 20. Constituem crimes:

I – intervir sobre gametas ou embriões in vitro com finalidade diferente das

permitidas nesta Lei:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa;

II – utilizar o médico do próprio gameta para realizar a Reprodução Assistida,

exceto na qualidade de beneficiário:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa;

III – omitir o doador dados ou fornecimento de informação falsa ou incorreta sobre

qualquer aspecto relacionado ao ato de doar:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa;

IV – praticar o médico redução embrionária, com consentimento, após a

implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de

vida para a mulher:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos;

V – praticar o médico redução embrionária, sem consentimento, após a

implantação no organismo da receptora, salvo nos casos em que houver risco de

vida para a mulher:

Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.

Parágrafo único. As penas cominadas nos incisos IV e V deste artigo são

aumentadas de 1/3 (um terço), se, em conseqüência do procedimento redutor, a

receptora sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, pela

mesma causa, lhe sobrevém a morte.

213

Art. 21. A prática de qualquer uma das condutas arroladas neste Capítulo

acarretará a perda da licença do estabelecimento de Reprodução Assistida, sem

prejuízo das demais sanções legais cabíveis.

CAPÍTULO VIII

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22. Os embriões conservados até a data de entrada em vigor desta Lei

poderão ser doados exclusivamente para fins reprodutivos, com o consentimento

prévio dos primeiros beneficiários, respeitados os dispositivos do Capítulo IV.

Parágrafo único. Presume-se autorizada a doação se, no prazo de 60 (sessenta)

dias, os primeiros beneficiários não se manifestarem em contrário.

Art. 23. O Poder Público promoverá campanhas de incentivo à utilização, por

pessoas inférteis ou não, dos embriões preservados e armazenados até a data de

publicação desta Lei, preferencialmente ao seu descarte.

Art. 24. O Poder Público organizará um cadastro nacional de informações sobre a

prática da Reprodução Assistida em todo o território, com a finalidade de organizar

estatísticas e tornar disponíveis os dados sobre o quantitativo dos procedimentos

realizados, a incidência e prevalência dos efeitos indesejados e demais

complicações, os serviços de saúde e os profissionais que a realizam e demais

informações consideradas apropriadas, segundo se dispuser em regulamento.

Art. 25. A Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, passa a vigorar acrescida do

seguinte art. 8º-A:

“Art. 8º-A. São vedados, na atividade com humanos, os experimentos de

clonagem radical através de qualquer técnica de genetecnologia.”

Art. 26. O art. 13 da Lei nº 8.974, de 1995, passa a vigorar acrescido do seguinte

inciso IV, renumerando-se os demais:

“Art. 13. ......................................................................................................................

IV – realizar experimentos de clonagem humana radical através de qualquer

técnica de genetecnologia; ..............................................................................” (NR)

214

Art. 27. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias a partir da data de sua

publicação.

Senado Federal, em de junho de 2003

Senador José Sarney

Presidente do Senado Federal