A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO ...s de...Dano moral agravado pelo decurso do tempo....
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Luís de Carvalho Cascaldi
A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO PERDIDO
Doutorado em Direito Civil
São Paulo
2018
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Luís de Carvalho Cascaldi
A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO DANO POR TEMPO PERDIDO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de DOUTOR em Direito Civil, sob a
orientação do Prof. Doutor Rogério Donnini
São Paulo
2018
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AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi
TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido
Tese para obtenção do título de Doutor em Direito Civil
OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é demonstrar que o tempo constitui um bem
jurídico autônomo, digno de proteção e tutela pelo ordenamento jurídico nacional, bem
como estabelecer critérios e diretrizes para assegurar a justa reparação do dano por
tempo perdido, em harmonia com as regras e princípios que regem a responsabilidade
civil.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Direito Civil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
ORIENTADOR: Prof. Dr. Rogério Donnini
São Paulo
2018
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AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi
TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido
Tese para obtenção do título de Doutor em Direito Civil
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Direito Civil
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
ORIENTADOR: Prof. Dr. Rogério Donnini
__________________________________________
(Local/Data)
Banca examinadora:
___________________ ___________________ ___________________
(Assinatura) (Assinatura) (Assinatura)
___________________ ___________________
(Assinatura) (Assinatura)
5
A Deus, por todo e cada tempo que me concede para
desfrutar a vida com saúde e liberdade, ao lado de
pessoas absolutamente incríveis que preenchem a
minha vida com amor e alegria.
6
AGRADECIMENTOS:
Ao meu professor, orientador e amigo, Rogério Donnini, por todo aprendizado,
paciência, apoio e dedicação ao meu desenvolvimento e à minha formação
acadêmica.
Aos professores Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Nelson Nery Junior, por
me introduzirem na vida acadêmica e pela inspiração que representam a mim e a
tantos outros.
Aos meus pais, Marina e Rui Cascaldi, por me ajudarem com ideias, dúvidas e
com a revisão deste trabalho e, obviamente, por tudo o que incondicionalmente
fizeram e ainda fazem por mim.
Aos meus irmãos, Amadeu, Gigio e Marcela, que, mesmo longe, e às vezes em
silêncio, estão sempre ao meu lado.
Ao meu sogro, professor Osmar Avanzi, pelos constantes apoio, incentivo e
preocupação para com este projeto.
Por fim, à minha esposa, Thaís, pela paciência, carinho e, acima de tudo, por me
inspirar todos os dias a tentar ser uma pessoa melhor.
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AUTOR: Luís de Carvalho Cascaldi
TÍTULO: A reparação autônoma do dano por tempo perdido
RESUMO: Ao longo do presente trabalho procuramos chamar a atenção para a
importância do tempo no nosso atual estágio socioeconômico, demonstrando que a
sua violação representa uma ofensa aos direitos da personalidade, em especial, à
vida e à liberdade. Através de uma análise do papel da responsabilidade civil em
nossa sociedade, enquanto ferramenta de proteção e prevenção de lesões,
pretendemos demonstrar a necessidade de reparação dos danos por tempo perdido,
bem como estabelecer os requisitos, critérios e metodologia para sua apuração e justa
indenização. Analisaremos também a forma com que a jurisprudência nacional tem
tratado o tema e ofereceremos críticas no intuito de melhorar e conferir maior
eficiência ao nosso sistema jurídico. Para sustentar a tese proposta neste estudo,
procuraremos, ainda, individualizar o dano por tempo perdido, segmentando-o em
uma categoria própria, como uma espécie autônoma de dano extrapatrimonial,
distinguindo-o do dano moral puro e dos demais danos imateriais. Ao final,
procuraremos nos antecipar e responder possíveis críticas que poderão ser
apresentadas à tese proposta, trazendo as conclusões a que chegamos.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil. Tempo. Tempo perdido. Dano por
tempo perdido. Dano temporal. Direitos da personalidade. Vida. Liberdade.
Reparação. Indenização. Prova. Funções da responsabilidade civil. Danos
extrapatrimoniais. Dano moral agravado pelo decurso do tempo. Critérios de
reparação do dano por tempo perdido.
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AUTHOR: Luís de Carvalho Cascaldi
TITLE: The independent indemnification of lost time damage
ABSTRACT: Throughout the present study, we sought to call attention to the
importance of time in our current socioeconomic stage, demonstrating that its violation
represents an offense to individual rights, especially the right to life and freedom.
Through an analysis of the role of civil liability in our society, as a tool for protection
against and prevention of injuries, we intend to demonstrate the need to restore
damages for lost time, as well as establishing the requirements, criteria and
methodology for its determination and fair compensation. We will also analyze how
national jurisprudence has addressed the issue and offer criticisms in order to improve
and make our legal system more efficient. In order to support the thesis proposed in
this study, we will also seek to single out damage for lost time, separating it into a
category of its own, as an autonomous form of non-economic damages, distinguishing
it from pure moral damages and other immaterial damages. At the end, we will try to
anticipate and answer possible criticisms that may be presented to the proposed
thesis, leading to the conclusions we have reached.
KEYWORDS: Civil liability. Time. Lost time. Lost time damage. Temporal damage.
Individual rights. Life. Freedom. Restoration. Indemnification. Proof. Civil liability roles.
Non-economic damages. Moral damages worsen by the course of time. Criterions for
restoration of lost time damage.
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AUTORE: Luís de Carvalho Cascaldi
TITOLO: La riparazione autonoma del danno del tempo perduto
RIASSUNTO: Nel corso del presente lavoro, cerchiamo di richiamare l'attenzione
sull'importanza del tempo nella nostra attuale fase socioeconomica, dimostrando che
la sua violazione rappresenta un'offesa ai diritti della personalità, in particolare alla vita
e alla libertà. Attraverso un'analisi del ruolo della responsabilità civile nella nostra
società come strumento per la protezione e la prevenzione degli infortuni, intendiamo
dimostrare la necessità di riparare i danni per il tempo perduto, nonché stabilire i
requisiti, i criteri e la metodologia per la loro determinazione ed equo compenso.
Analizzeremo inoltre la maniera come la giurisprudenza nazionale affronta la
questione e offriremo critiche al fine di migliorare e rendere più efficiente il nostro
sistema legale. Per sostenere la tesi proposta in questo studio, cercheremo anche di
identificare il danno per il tempo perduto, separandolo in una categoria a sé stante,
come una specie autonoma di danno fuori bilancio, distinguendolo dal puro danno
morale e da altri danni immateriali. Alla fine, cercheremo di anticipare e rispondere alle
possibili critiche che possono essere presentate alla tesi proposta, portando le
conclusioni che abbiamo raggiunto.
PAROLE CHIAVE: Responsabilità civile. Tempo. Tempo perduto. Danno per il tempo
perduto. Danno temporaneo. Diritti della personalità. Vita. Libertà. Riparazione.
Compensazione. Prova. Responsabilità. Funzioni della responsabilità civile. Danno
morale aggravato dal tempo. Criteri per la riparazione dei danni dovuti a perdite di
tempo.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12
2 O CONTEXTO ESPAÇOTEMPORAL DO PRESENTE TRABALHO ........... 14
3 O PAPEL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO ATUAL .......................................................................... 23
4 O HOMEM E O TEMPO: O TEMPO QUE NOS INTERESSA ...................... 35
5 O TEMPO COMO ATRIBUTO DA PERSONALIDADE ................................ 42
6 O DANO POR TEMPO PERDIDO ................................................................ 51
7 A REPARAÇÃO DO TEMPO: O BEM JURÍDICO, O DANO E SUA
EXTENSÃO ...................................................................................................... 64
8 A REPARAÇÃO DO TEMPO PERDIDO NA EXPERIÊNCIA NACIONAL ... 72
9 A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO TEMPO PERDIDO (EM RELAÇÃO AO
DANO MORAL) ............................................................................................... 83
10 DISTINÇÃO ENTRE DANO POR TEMPO PERDIDO E DANO MORAL
AGRAVADO PELO DECURSO DO TEMPO ................................................... 93
11 OS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DANO POR
TEMPO PERDIDO ........................................................................................... 97
12 RESPOSTAS A POSSÍVEIS OBJEÇÕES À TESE PROPOSTA ............. 116
12.1 Ausência de previsão legal expressa
12.2 Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida
quantitativa da vida
12.3 Enriquecimento sem causa da vítima
11
12.4 A mercantilização da justiça e o incentivo à “indústria das
indenizações”
12.5 Bis in idem – quando a lesão por tempo perdido já é contemplada no
dano moral subjetivo
12.6 Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor
13 CONCLUSÃO ........................................................................................... 134
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 138
12
1 INTRODUÇÃO
Ousamos dizer que o tempo é o bem mais precioso de que dispomos. É a
verdadeira moeda de troca de absolutamente toda e qualquer atividade que
desempenhamos. Apesar disso, é muito comum relegarmos a sua importância,
direcionando todas as nossas atenções para a enxurrada de afazeres cotidianos que,
incessantemente, surgem diante de nós. Porém, não são raras as vezes em que
somos implacavelmente surpreendidos com o rigor da sua escassez e da sua finitude.
O tempo pode ter diversos contextos e significados, mas, sem dúvida,
representa, para nós, seres humanos, a medida quantitativa das nossas vidas, o
período da nossa existência. Quem perde tempo, portanto, desperdiça momentos de
vida.
Bem é verdade que a cada um de nós é dado utilizar o tempo de nossas vidas
conforme nossos próprios interesses e escolhas. Bem ou mal, cabe a cada um decidir
como desfrutá-lo. No entanto, a ninguém é dado o direito de interferir, injusta ou
ilicitamente, na forma com que o outro escolhe utilizar ou gastar o seu tempo ou, em
outras palavras, na forma com que cada indivíduo escolhe viver a sua vida. Quem
perde tempo, perde, na realidade, a liberdade de gerir a própria vida durante
determinado período, perde a autonomia de fazer livremente as escolhas que estão à
sua frente. Desse modo, quem perde tempo por indevida ação de terceiro, perde,
acima de tudo, a liberdade de viver a vida conforme suas próprias e livres escolhas,
perde um tempo de vida que não volta mais, sofre um prejuízo certamente irreparável.
Portanto, ao longo deste estudo, vamos cuidar das pessoas que, tendo a
garantia dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, em seu
art. 5º, bem como dos direitos da personalidade tutelados pelo Código Civil, não
conseguem desfrutar desses direitos e exercer a autonomia sobre a sua vida, no
tempo e espaço devidos, em face de ação de terceiros contrária ao ordenamento
jurídico. E, destes direitos, vamos destacar aqueles de cujas fruições estão
intimamente ligadas ao decurso do tempo: vida e liberdade.
O plano da obra se assenta no direito de reparação do dano por tempo perdido,
isto é, pelo tempo que à pessoa era garantido usufruir de forma livre e autônoma, mas
que lhe foi injustamente retirado ou obstado por ação de outrem.
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Procuraremos demonstrar, a partir dos estudos iniciados por Rogério Donnini,
na obra Responsabilidade civil na pós-modernidade, a importância do tempo para o
ser humano e, a partir daí, propor critérios e metodologias para garantir a sua efetiva
proteção e a sua reparação à luz do nosso ordenamento jurídico.
Ao longo do presente trabalho, defenderemos que o dano por tempo perdido
constitui uma categoria autônoma de dano extrapatrimonial, distinta e independente
do dano moral propriamente dito. Abordaremos, também, as características e os
requisitos para a configuração dessa espécie de dano, sobretudo, o papel
fundamental que a liberdade e a autodeterminação exercem na conformação do dano
por tempo perdido.
Procuraremos nos debruçar, ainda, sobre as análises casuística e jurisprudencial
do tempo perdido, trazendo críticas, sugestões e orientações de como tratar o tema
de forma atual e prática.
Estamos habituados a tutelar os bens materiais e já muito bem acostumados a
tutelar interesses extrapatrimoniais, como a vida, a liberdade, a imagem, a honra, a
saúde, dentre outros atributos da personalidade, mas ignoramos por completo a
proteção do tempo como um elemento autônomo e independente, merecedor de tutela
específica, que nada mais é do que uma fração da vida e uma expressão da nossa
liberdade.
14
2 O CONTEXTO ESPAÇOTEMPORAL DO PRESENTE TRABALHO
O “tempo” está presente em nossas vidas, desde o nosso nascimento, até a hora
de nossa morte, assim como o “espaço”, conceitos esses que vamos desenvolvendo
ou aprendendo a conhecer, desde o instante em que viemos ao mundo.
No sentido mais comum, o primeiro é a duração relativa das coisas, que cria no
ser humano a ideia de presente, passado e futuro, período contínuo no qual os
eventos se sucedem. Já o segundo, é a extensão ideal que contém todas as
extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis.1
A noção de tempo e de espaço pode ser encontrada já nas primeiras horas de
nossas vidas, quando procuramos o seio materno para nos alimentar e nos
reconfortar. Já aí, percebemos, ainda que por instinto, que, de tempos em tempos,
precisamos nos alimentar e, desde então, já sabemos onde está a fonte para saciar
as nossas necessidades iniciais.2
Apesar disso, quando recém-nascidos, ainda não compreendemos a noção de
tempo e espaço, muito embora eles já estejam presentes. O dia e a noite nos passam
indiferentes e, aos poucos, vamos adquirindo os primeiros hábitos que nos permitem,
senão entender, efetivamente, utilizar o tempo a nosso favor, como, por exemplo,
dormir à noite.
Ainda pequenos, nossos objetos (nossos brinquedos) que saem de nosso campo
de visão escapam ao nosso mundo, e acabamos por nos desinteressar de localizá-
los; mas, aos poucos, vamos entendendo que eles estavam no mundo, sim, porém,
1 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verbetes
tempo e espaço. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 2 De acordo com Gerald James Whitrow, “não há evidências de que nascemos com qualquer sentido de consciência temporal, mas nosso sentido de expectativa se desenvolve se desenvolve antes de nossa consciência da memória. Quando um bebezinho chora de fome, tem sua primeira experiência de duração, mas essas experiências temporais são isoladas. Já se sugeriu que o tempo relativamente longo que o bebê leva para começar a andar tem grande influência sobre o nosso sentido de tempo, uma vez que a ânsia para agarrar o que não é capaz de alcançar dá origem à primeira noção primitiva de tempo, associada a um espaço que não pode ser transposto.” (O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 17).
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dentro de um armário, numa caixa, atrás do sofá, ou seja, num espaço que, até então,
ignorávamos existir.
E disso tudo nós só nos apercebemos com o passar das primeiras experiências
sensoriais, quando começamos a interagir com nossos primeiros objetos, jogando-os
longe para logo o recuperamos, pela ação paciente de nossos pais, voltando a jogá-
los novamente, até que, finalmente, aprendemos a andar para alcançar, por conta
própria, aquilo que é objeto de nosso desejo.3 Essa experiência vai moldando a nossa
noção de espaço e de tempo: quanto mais longe são arremessados os objetios, maior
a distância e o tempo para recuperá-los.
Estamos, desde então, segundo Jean Piaget,4 construindo a nossa concepção
de espaço (distância) e de tempo, posteriormente, utilizada na vida adulta, seja para
atravessarmos de um lado ao outro de uma rua, seja para descansar, seja para
calcularmos a produtividade de um determinado equipamento etc.
O corpo humano constitui o ponto de partida de toda noção de espaço e tempo.
Aliás, há importantes estudos que evidenciam que a percepção de sucessão temporal
(entre passado, presente e futuro) é uma das faculdades mentais mais importantes
para distinguir o homem das outras criaturas vivas.5 Entretanto, é preciso que todo
recém-nascido construa esses conceitos ao longo da sua vida para que possa situar
a si mesmo dentro do quadro da realidade e, a partir daí, conduzir suas ações de
forma a melhor se adaptar às particularidades do meio em que está inserido,6 o que
bastaria para entrever a importância do tempo na vida das pessoas e a necessidade
de sua tutela de forma mais efetiva do que, atualmente, ocorre.
Não temos a pretensão de nos aprofundar nos aspectos filosófico e físico da
noção de espaço e tempo, mas, sim, de utilizarmos esses conceitos, na medida em
que eles nos sejam úteis à solução do tema a que nos propusemos dissertar, valendo,
3 A primeira intuição da duração do tempo se manifesta como um intervalo que se situa entre a criança e a realização de seus desejos. (WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 18). 4 PIAGET, Jean. A noção de tempo na criança. Rio de Janeiro: Record, 2002. 5 WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 17. 6 SILVA, João Alberto da; e FREZZA, Júnior Saccon. A construção das noções de espaço e tempo nas crianças da educação infantil. Revista Conjectura, v. 15, n. 1, p. 46, jan.-abr. 2010.
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desde logo, anotar que esses são os elementos intuitivos fundamentais de nossa
razão (Vernunft), apontados por Immanuel Kant7 como elementos pelos quais nos
apercebemos dos fatos (realidade) que nos cercam.
Roger Verneaux,8 ao estudar o pensamento kantiano, explica que o espaço e o
tempo são formas puras da experiência sensível, ou seja, são os elementos através
dos quais a percepção humana entende e formula os seus conhecimentos sobre o
mundo fenomênico, de tal modo que toda forma de representação e de percepção do
mundo é constituída em um determinado espaço e tempo.
Falar que vivemos, atualmente, em um período de constantes e intensas
transformações, de longe, não é nenhuma novidade. E isso, de fato, ocorre tanto do
ponto de vista sociocultural, como, também, nas mais diversas áreas do conhecimento
humano (economia, política, ciência, tecnologia, medicina, engenharia etc.). Mas, ao
dizermos “atualmente”, já estamos transmitindo uma noção de tempo (presente), e
quando nos referimos a “transformações que, de longe, não são novidade”, estamos
a dizer que, em tempos passados, já desenvolvemos ações que resultaram em
verdades pretéritas, sugerindo, implicitamente, que ainda existirão novas verdades
(futuras), que também encontrarão o seu lugar no tempo e no espaço.
Tudo ocorre em certo tempo e ocupa certo espaço, desde os primórdios da
civilização. Uma boa distinção entre espaço e tempo nos dá o filósofo francês, Michel
de Montaigne. Se hoje perdemos um parente ou um amigo, podemos dizer que mais
de mil anos os separam, por exemplo, dos soldados romanos que caíram mortos em
campos de batalha do século II. Mas, se assim ocorre no aspecto temporal, tal não se
dá quando encaramos os fatos pelo lado do espaço que os separa de nós: a distância
que nos separa de quem morreu há mais de mil anos, de quem morreu hoje, é
exatamente a mesma, pois em qualquer dos casos os pessoas estão, igualmente,
inatingíveis.9
As inflexões do tempo sobre nossas vidas sempre foram marcantes, e não
apenas porque ele nos conduz à morte, mas, principalmente, porque o tempo é o
7 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 147. 8 VERNEAUX, Roger. Immanuel Kant: las tres criticas. Madrid: Editorial Magisterio Español, 1982. p. 27. 9 GIDE, André. O pensamento vivo de Montaigne. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Livraria Martins. 1953. p. 139.
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espaço em que a vida se desenvolve, assumindo, portanto, um papel preponderante
na aleatoriedade dos acontecimentos e fatos sociais, isto é, na condução e na
construção da nossa história.
Do ponto de vista físico ou cosmológico, espaço e tempo estão íntima e
indissociavelmente interligados.10 A teoria da relatividade, proposta por Albert
Einstein, mostrou que o tempo e o espaço caminham juntos, combinando-se para
formar o que se denomina de espaço-tempo, isto é, um espaço contínuo de quatro
dimensões, que segmenta um evento específico em quatro coordenadas (dimensões),
sendo três delas espaciais (largura, comprimento e altura ou linha, superfície e
volume) e a quarta, temporal, utilizada para determinar a exata posição de um
fenômeno.11
É somente no espaço e no tempo (ou espaço-tempo) que a vida de cada ser
humano acontece. Às vezes, o espaço-tempo é o palco de grandes feitos históricos,
às vezes, de tristes tragédias. Em outras situações, o espaço-tempo corre
discretamente, simplesmente porque nada relevante sucede. Contudo, todos esses
momentos são igualmente importantes. Não para fins de registro histórico, mas,
certamente, para o desenvolvimento saudável da vida de quem se encontra inserido
naquele espaço-tempo.
Em diversas situações, “damos tempo ao tempo”, seja para que uma dor que
nos atormenta esmoreça e não mais nos incomode, seja para que possamos conhecer
uma pessoa que se nos apresenta como amigo, para colher algo que plantamos ou
para nos restabelecer de alguma doença que nos aflige.12 Em outras hipóteses,
grandes acontecimentos (de maior ou menor expressão) se revelam em certo espaço
10 HAWKINGS, Stephen. O universo numa casca de noz. 6. ed. São Paulo: Arx, 2002. p. 33. 11 HAWKINGS, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015. p. 35-40. 12 Trata-se, aqui, da visão eclesiástica do tempo. Eclesiastes é o terceiro livro da terceira seção da Bíblia hebraica e um dos livros poéticos e sapienciais do Antigo Testamento da Bíblia cristã. Eclesiastes 3:1-8: “Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e tempo de viver em paz.”
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e em certo tempo, resultado da ação de pessoas que, permita-nos usar o jargão
popular, souberam “fazer a hora”.
A vida se desenrola no espaço e no tempo num processo constante, ininterrupto
e irreversível de transformações. Não importa o que fazemos no tempo, nós e tudo o
que está ao nosso redor se transforma, instante após instante. Essa percepção de
mutabilidade constante e implacável do tempo e da vida é bem descrita no
pensamento pré-socrático de Heráclito de Éfeso,13 sintetizado na expressão: “não se
pode descer duas vezes no mesmo rio”, pois as águas já são outras e nós já não
seremos os mesmos.
Realmente, se analisarmos a história da humanidade, perceberemos que essas
mudanças sempre foram constantes. O homem sempre esteve e sempre vai estar em
contínua transformação. Envelhecemos a cada instante, nosso corpo e nossa mente
se modificam. Estamos em constante movimento. Enxergamos, ouvimos e sentimos.
Nossos órgãos sensoriais trabalham ininterruptamente, absorvendo todas as
informações que estão ao seu alcance. Absorvemos as informações quase que
inconscientemente e as transformamos em experiências, e essas experiências
também nos transformam a todo tempo. A vida, por si só, é uma experiência de
contínuas interações e transformações. Certamente, ninguém sai dela do mesmo jeito
que entrou.
Além disso, é da natureza do ser humano, cada qual na sua exclusiva
singularidade, ser insatisfeito. Sempre querermos mais alguma coisa. Queremos
evoluir, mudar, aprender, inovar, crescer, comprar, sentir. Sempre há algo que
buscamos. Somos ávidos caçadores dessas transformações. E essa é uma
característica que pode ou não ser consciente e varia de intensidade conforme cada
pessoa, mas a sua essência é inata à condição humana.14 É como a nossa respiração,
exercemos certo controle, mas não conseguimos voluntariamente evitar. Em maior ou
menor grau, é exatamente isso que move cada indivíduo e, via de consequência, é o
13 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. v. 1. p. 35-36. 14 Até mesmo aquelas pessoas que vivem em isolamento total (por exemplo, monges e eremitas) estão buscando mais alguma coisa. Buscam mais silêncio, mais espiritualidade, mais paz interior.
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que move e transforma a nossa sociedade. Foi dessa forma que chegamos onde
estamos hoje e, dessa forma, que chegaremos, aonde quer que seja, amanhã.
De fato, não importa qual é a situação financeira, o status social, a religião, a
idade, a saúde, a atividade exercida ou o nível de desenvolvimento intelectual, o ser
humano é, permanentemente, consumido por algum querer insaciável. E, na busca
por saúde, riqueza, conforto, paz, sossego, sucesso, segurança, produtividade,
competitividade, o homem evolui e transpõe os obstáculos que surgem à sua frente.
Idealizamos uma situação e buscamos os meios para alcançá-la, e o que
fazemos para transformar o nosso desejo e nossas necessidades em realidade muda
o mundo. Para nos alimentarmos, nos aquecermos e nos protegermos, tivemos que
dominar o fogo. Precisávamos transportar mais peso do que homens e animais
podiam carregar e criamos a roda. Para marcar o tempo, inventamos o relógio; para
nos comunicar entre longas distâncias, o telefone, a televisão e a internet. E assim
por diante.
Ironicamente, uma vez alcançada a situação considerada ideal, esta passa a nos
ser comum. A partir daí, uma nova condição passa a ser objeto de nosso desejo e
uma nova busca se inicia, até que esse novo objetivo seja concluído e, então, uma
nova meta aparece. E assim sucessivamente, num círculo virtuoso sem fim, mas tudo
a seu devido tempo, no seu devido espaço.
Curiosamente, todos esses movimentos e transformações só ocorrem porque
percebemos a finitude e a escassez de nossas vidas, do nosso tempo. Se vivêssemos
eternamente, o tempo não teria o mesmo significado que hoje tem para os homens.
Sua importância seria desprezível e o progresso ficaria, muito provavelmente, para o
dia seguinte e, assim, certamente, nunca chegaria.
Ocorre, no entanto, que a velocidade com que a humanidade vem se
transformando e se atualizando é cada vez maior. Vivemos, atualmente, a era da
instantaneidade e da volatilidade, onde o espaço é cada vez mais encurtado ou
comprimido pelo tempo e os processos cada vez mais descorporificados, no que
Zygmunt Bauman15 denominou software ou “modernidade leve”, caracterizada pela
15 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 144-154.
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ausência de barreiras territoriais e um espaço virtual onde tudo ocorre de forma
imediata.
No passado mais distante, as transformações eram lentas e graduais, fazendo
com que várias gerações vivessem mais ou menos sob as mesmas condições e
hábitos das gerações anteriores.
Todavia, sobretudo nos últimos duzentos anos, após a revolução industrial, e
ainda mais intensamente nos últimos trinta anos, essas transformações se tornaram
tão rápidas e acentuadas que uma mesma geração tem suas condições e hábitos
significativamente alterados pelo menos uma dezena de vezes ao longo da vida.
Charles Darwin nunca foi tão atual com a sua teoria da seleção natural,16 que assegura
a sobrevivência não ao mais forte nem ao mais inteligente, mas, sim, ao mais
suscetível às mudanças, àquele que tem a melhor capacidade de se adaptar às novas
situações.
Nos últimos trinta anos, inovações cada vez mais rápidas proliferaram por toda
parte do mundo, transformando a vida das pessoas, seus hábitos, seus costumes,
seus trabalhos, suas crenças. Claramente essas transformações e evoluções se
intensificaram exponencialmente à medida que fomos nos desenvolvendo.
E, muito embora todo esse volume de transformações e evoluções esteja
prolongando cada vez mais a vida humana, garantindo-nos cada vez mais tempo para
permanecer neste mundo, não há dúvida de que, cada vez mais, temos menos tempo
à nossa disposição. E é nesse contexto que o “tempo” passa a ter cada vez mais
relevância em nossas vidas.
“Tempus fugit”, diziam os romanos.17 E, hoje, com muito maior razão,
constatamos essa realidade. A velocidade e intensidade cada vez maior dos
acontecimentos, assim como do volume dessas transformações e informações, é
outro fator que se atrela ao tempo, deixando-o cada vez mais escasso.
16 DARWIN, Charles. A origem das espécies. São Paulo: Madras, 2017. 17 A expressão foi usada pela primeira vez no Livro III, das Geórgicas, do poeta romano Públio Virgílio Maro: “Sed fugit interea fugit irreparabile tempus”.
21
A simples análise da duração dos períodos históricos em que a humanidade
evoluiu e está dividida evidencia muito bem o que se quer dizer.
Os períodos históricos diminuem e se concentram com o passar do tempo. A
Pré-História durou, aproximadamente, 2,5 milhões de anos, já a Idade Antiga ou
Antiguidade durou, aproximadamente, 4.500 anos. A Idade Média, por sua vez,
aproximadamente 1.000 anos, enquanto a Idade Moderna durou 336 anos.
Atualmente, estamos na Idade Contemporânea, que contabiliza 228 anos, mas muitos
historiadores defendem que o fim dessa época ocorreu em 1945 e que, atualmente,
já estamos na Era Pós-Moderna ou Pós-Industrial.
Obviamente que a história é dividia em marcos apenas para fins didáticos e que
a evolução é constante e gradual, mas cada um desses períodos é marcado por
mudanças sociais, políticas e tecnológicas, representativas de transformações
relevantes e que acontecem de forma cada vez mais rápida, intensa e condensada.
Apenas para se ter uma dimensão do que estamos a dizer, segundo pesquisas
da empresa IBM,18 90% das informações geradas pela humanidade (ao longo de toda
nossa história) foram produzidas apenas nos últimos dois anos.
Raymond Kurzweil, respeitado cientista norte-americano e considerado por
muitos o maior futurista da atualidade, explica, com apoio na Lei de Moore,19 que a
cada 12 a 18 meses, a tecnologia disponível dobra de capacidade, de tal modo que,
em 10 anos, a tecnologia existente será mais de mil vezes mais avançada do que é
hoje e, em 20 anos, será mais de um milhão de vezes mais desenvolvida.20
Não há dúvida sobre os benefícios que essas transformações trazem para
nossas vidas. Contudo, toda essa evolução demanda constante atualização, para o
que precisamos nos adaptar às novas necessidades, aos novos costumes e
tecnologias. Há cada vez mais coisas para se fazer e cada vez mais tecnologia para
18 Disponível em: <https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/08/21/em-um-mundo-conectado-dados-armazenados-tornam-se-protagonistas/>. Acesso em: 16/08/2018. 19 De acordo com Gordon Earl Moore, cofundador da empresa norte-americana INTEL, os computadores em geral dobram de potência a cada 18 meses. Essa afirmação foi feita em 1965 e se confirmou até os dias atuais, recebendo o nome de Lei de Moore. Não se sabe ao certo por quanto tempo ela vai se sustentar, mas ainda é válida até hoje. 20 Disponível em: <http://theemergingfuture.com/docs/Speed-Technological-Advancement.pdf>; e <https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2014/07/evolucao-tecnologica-como-sera-nossa-vida-daqui-20-anos.html>. Acesso em: 16/08/2018.
22
fazer as coisas com maior velocidade e, portanto, em menor tempo, para podermos
fazer ainda mais coisas no tempo que nos “sobra”. E, ainda assim, o tempo está cada
vez mais escasso.
Somos guiados pelo nosso próprio instinto a fazer cada vez mais coisas em
menos tempo, para que assim tenhamos mais tempo para fazer ainda mais outras
coisas. Chega a ser paradoxal, mas é essa a realidade.
Transformamos o mundo, os alimentos, os remédios, absolutamente tudo o que
nos cerca, para vivermos mais, ou seja, para termos mais tempo aqui nesta vida
terrena. Investimos uma infinidade de recursos em pesquisas e estudos para vivermos
mais e com mais qualidade. Apesar disso, não cuidamos e não damos atenção ao
tempo do “agora”, que, na verdade, é o único tempo que concretamente possuímos.
E a que vêm todas essas considerações? Para mostrar, tão somente, a
importância do tempo em nossa sociedade, para mostrar que os fatos e eventos
ocupam o seu espaço e o seu tempo na história, assim como em cada uma de nossas
vidas, com maior ou menor importância histórica e, também, para mostrar que o tempo
pertence e tem a sua relevância a cada um de nós e que a ninguém é permitido violá-
lo.
Convém, portanto, revelar que o objetivo desta tese não são os acontecimentos
cronológicos da vida de uma pessoa, mas o espaço e o tempo em que ela teve
oportunidade de dispor da sua vida e da sua liberdade e não conseguiu, por
circunstâncias alheias a sua vontade, decorrente de uma ação ou omissão ilícita de
um terceiro qualquer.
23
3 O PAPEL DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
ATUAL
De acordo com o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagano, o termo
“responsabilidade” significa prever as consequências do próprio comportamento ou
do comportamento de outras pessoas e de corrigi-lo com base em tal previsão.21 O
conceito carrega a ideia de que a pessoa (responsável) inclui nos motivos de
determinado comportamento a previsão dos possíveis efeitos dele decorrentes.
Traduz, portanto, a ideia de garantia e de promessa, que resulta na obrigação de
responder pelos seus próprios atos, por atos alheios ou coisa confiada.
A origem da palavra responsabilidade vem do latim responsus, respondere, e
remonta ao direito romano pré-clássico com a Lex Aquilia. É composta pela conjunção
dos termos re, que significa para trás, de volta, mais spondere, que significa prometer,
garantir.22 Ou seja, significa garantir ou restituir o estado anterior das coisas quando
alterado ou ainda reestabelecer uma relação ou equilíbrio rompido.23
É importante ter presente que a ideia de responsabilidade está, intimamente,
ligada a uma escolha e, portanto, ao conceito de “liberdade limitada”,24 segundo o
qual, diante das inúmeras possibilidades de ações que podemos livremente tomar em
cada situação de nossas vidas, devemos sempre responder pelas consequências das
escolhas que fazemos.
Cada ação humana produz algum tipo de consequência ou resultado. E, ao
agirmos de determinada forma, ao nosso livre-arbítrio, assumimos os resultados
produzidos por nossas ações.25
21 ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 855. 22 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2015. p. 78. 23 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 82. 24 A liberdade está limitada na liberdade e nos direitos dos outros, ou seja, naquilo que é considerado socialmente justo e equilibrado. Se a liberdade fosse absoluta, conceitos como justiça, igualdade, equidade, mérito, honestidade se tornariam irrelevantes (ABBAGANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 610-612 e 855). 25 WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Trad. Leônidas Hegemberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1967. p. 113.
24
Já evoluímos muito no conceito de responsabilidade civil, que, orginalmente,
baseava-se na ideia de vingança26 e se consolidou mais tarde na responsabilidade
aquiliana, que se sustentava quase que exclusivamente nos três pilares: culpa, dano
e nexo causal.27 Devido à insuficiência desse sistema, passamos, então, como bem
pontuou Anderson Schreiber,28 por uma fase de erosão dos filtros tradicionais da
reparação, que levou à relativização da prova da culpa e, também, do nexo causal
como condições para o ressarcimento do dano. Houve um efetivo desvio de direção
da responsabilidade civil, que passou a se interessar muito mais pelo dano
propriamente dito do que pela culpa do agente ofensor. Passou-se, assim, a olhar e a
proteger com mais eficácia a vítima.
Desenvolveu-se, a partir da França,29 a teoria do risco, que culminou na
responsabilidade civil objetiva. Estava, portanto, criada a responsabilidade sem culpa,
26 No princípio, a responsabilidade civil tinha como base a Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), depois, evoluiu-se e o devedor, para pagar sua conta, tinha que trabalhar de forma escrava para o seu credor. Aos poucos, o Estado foi interferindo nessas relações, interpondo-se entre credor e devedor, de forma a humanizar as formas de reparação civil. Seguindo essa trilha, ousamos dizer que os danos já eram, de certa forma, reparados, nos primórdios da humanidade, pela ideia de reciprocidade, quando pela morte de um filho, estava o pai autorizado a tirar a vida do filho de seu ofensor (Lei de Talião). Aqui, o “dano” era reparado pelo mesmo prejuízo causado ao outro pai. Todavia, na medida em que os danos deixaram de ser reparados na base da reciprocidade dos atos (“olho por olho, dente por dente”), as reparações, paulatinamente, passaram a contemplar mais o aspecto material e econômico do dano, justamente pela insuficiência do modelo anterior que, com o passar do tempo, se mostrou incompatível com a evolução social da humanidade. 27 “A responsabilidade civil subjetiva (aquliana) é aquela inspirada na qualidade da conduta ou comportamento do agente, isto é, no pressuposto de que o dano tenha decorrido de uma ação ou omissão culposa ou dolosa. (...) De acordo com a teoria da culpa (também chamada de teoria clássica), a responsabilidade civil subjetiva ocorre quando a conduta culposa do agente é causa do dano suportado pela vítima. E por estar intimamente ligada ao comportamento do sujeito causador do dano, tal responsabilidade é chamada de subjetiva. (...) Repare que, em se tratando de responsabilidade civil subjetiva, é a conduta culposa do agente que causa dano à vítima. É preciso que haja uma relação de causa e consequência entre a conduta culposa, correspondente a um ato ilícito e o dano. Portanto, para que nasça o dever de indenizar em razão da responsabilidade civil subjetiva exige-se o preenchimento dos seguintes requisitos (pressupostos): (a) conduta comissiva ou omissiva do agente; (b) culpa (lato sensu); (c) dano; e (d) nexo de causalidade.” (ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 593-594). 28 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 11. 29 Vide SALEILLES, Raymond. Étude sur la théorie générale de l’obligation. Paris: Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1925. p. 438; JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Trad. Raul Lima. Rio de Janeiro: Forense, 1941. p. 61.
25
fundamentada, exclusivamente, no risco da atividade. Como bem explica Raymond
Saleilles:30
A lei deixa a cada um a liberdade de seus atos; ela não proíbe senão aqueles que se conhecem como causa direta do dano. Não poderia proibir aqueles que apenas trazem em si a virtualidade de atos danosos, uma vez que se possa crer fundamentalmente que tais perigos possam ser evitados, à base de prudência e habilidade. Mas, se a lei os permite, impõe àqueles que tomam o risco a seu cargo a obrigação de pagar os gastos respectivos [decorrentes dos danos], sejam ou não resultados de culpa. Entre eles e as vítimas não há equiparação. Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria, então, o critério de imputação do risco? A prática exige que aquele que obtém proveito da iniciativa lhe suporte os encargos, pelo menos a título de sua causa material [enquanto criador da situação], uma vez que essa iniciativa constitui um fato que, em si e por si, encerra perigos potenciais contra os quais os terceiros não dispõem de defesa eficaz. É um balanceamento a fazer. A justiça quer que se faça inclinar o prato da responsabilidade para o lado do iniciador do risco.
Marcel Plainol e Georges Ripert explicam que a teoria do risco ou da
responsabilidade objetiva foi bem-sucedida, em razão da simplicidade de sua fórmula
e pelos grandes resultados práticos que advêm da sua aplicação. De acordo com os
citados autores, essa teoria oferece a vantagem de afastar a difícil análise de certas
condutas e da intenção dos agentes, assegurando uma proteção muito mais eficaz
aos interesses violados, transmitindo uma ideia mais clara de solidariedade.31
No Brasil, Alvino Lima foi importante defensor da teoria do risco, sustentando
que a teoria objetiva da responsabilidade civil procura trazer segurança e equilíbrio
para as relações jurídicas, diante da manifesta desigualdade existente entre aqueles
que, pela sua atividade ou características, criam riscos para a sociedade e aqueles
que, de outro lado, suportam os efeitos nocivos dos perigos criados.32
30 SALEILLES, Raymond apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 63. 31 PLAINOL, Marcel; RIPERT, Georges. Tratado práctico de derecho civil francês. Havana: Cultural, 1940. t. VI. p. 669-670. 32 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 329-330.
26
Posteriormente, a teoria do risco ganhou algumas vertentes, como a teoria do
risco proveito,33 do risco criado,34 do risco integral35 etc.
Mas isso ainda não era suficiente. O risco passou a integrar e a ser diluído no
preço dos produtos e serviços colocados no mercado. Isso porque a responsabilidade
civil não se dissocia dos princípios que regem a econômica e o mercado. Em outras
palavras, a responsabilidade civil e a sua consequente reparação dos danos não
podem inviabilizar a atividade econômica.36 Por isso, criaram-se fundos públicos,
fundos privados e seguros específicos para garantir a reparação dos danos, num
movimento que ficou conhecido como socialização ou coletivização dos riscos.
Em uma sociedade massificada, os riscos não são individuais. O risco é social.
Em geral, quanto maior o risco, maior deve ser a contribuição para o fundo ou seguro,
sempre com o objetivo de garantir a reparação de dano eventual ou potencial.
Teresa Ancona Lopez37 explica que a doutrina da socialização dos riscos tem
fundamento ético na solidariedade social como necessidade de reparação integral de
todos os danos para garantir proteção às vítimas. Os riscos criados não são mais
considerados simples riscos individuais. São riscos abrangentes e, portanto, sociais,
e não é justo que os homens respondam por eles individualmente. Segundo a autora,
a regra do neminem laedere tem muito mais um caráter social do que individualista.
33 De acordo com a teoria do risco proveito, aquele que, ao explorar a sua atividade, aufere algum tipo de benefício ou proveito, deve responder pelos riscos daí decorrentes, reparando os respectivos danos causados. 34 De acordo com a teoria do risco criado, aquele que, no exercício da sua atividade, expõe alguém ao risco de sofrer um dano, deve reparar os prejuízos que causar, ou seja, se e quando o risco se consumar em dano. Pouco importa, aqui, se o agente auferiu algum proveito ou vantagem com a conduta. Se o exercício da atividade de risco causou dano a terceiros, esse dano deverá ser indenizado, mesmo que a conduta tenha, também, trazido prejuízos à atividade do agente. 35 Segundo a teoria do risco integral, a extensão da responsabilidade pelo risco da atividade não pode ser mitigada nem mesmo pelas excludentes de responsabilidade decorrentes de caso fortuito ou força maior. 36 “Poucos têm em exata dimensão a importância do seguro no mundo econômico moderno; mais do que meio de preservação do patrimônio, tornou-se, também, instrumento fundamental de desenvolvimento. Não fora a segurança que só o seguro pode dar, inúmeros empreendimentos seriam absolutamente inviáveis, dada a enormidade dos riscos que representam. Bastaria, por exemplo, uma única plataforma de extração de petróleo incendiada, ou apenas uma aeronave acidentada, para abalar irremediavelmente a estabilidade econômica das empresas que exploram tais tipos de atividade”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 417-418). 37 LOPEZ, Teresa Ancona. Responsabilidade civil na sociedade de risco. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP), v. 105, p. 1.232, 2010.
27
O que importa é que se repartam as consequências danosas entre todos os membros
da sociedade. O risco se coletiviza e se socializa a responsabilidade.
E tendo em vista a imprevisibilidade da extensão e a infinita variedade de danos
existentes na sociedade atual, é economicamente razoável e justo que haja a diluição
desse risco na sociedade. Com isso, garante-se a reparação dos danos, sem
inviabilizar a atividade econômica.
No entanto, ainda que seja importante garantir a reparação dos danos, melhor
ainda é evitar que eles ocorram. E essa também é uma importante, senão a mais
importante, função da responsabilidade civil atual.38
A partir desse novo entendimento, passou-se a reconhecer juridicamente outros
instrumentos de ação da responsabilidade civil. Nessa linha, podemos destacar a
prevenção e a precaução, que visam, justamente, a identificar antecipadamente o
risco ou a potencialidade de dano em determinada conduta ou atividade e eliminá-lo
antes que ele se concretize.
A noção de prevenção está relacionada à ideia de evitar danos em uma
determinada atividade ou conduta sabidamente arriscada ou potencialmente lesiva ou
perigosa (riscos concretos). Já a precaução, que deriva do termo “precaver”, por sua
vez, traz consigo as ideias de cautela e prudência e recomenda a ação proativa e
investigatória sobre se determinada conduta ou atividade pode ou não causar dano.
Pretende, portanto, antecipar riscos, mesmo diante de situações de total incerteza.39
Como bem pontifica José Cretella Neto, “a precaução tem como substrato emocional,
basicamente, o medo do desconhecido”.40
Atualmente, já se fala, também, na função social da responsabilidade civil, que
impõe um profundo exame desse instituto à luz do papel que desempenha na
sociedade, principalmente no que se refere aos aspectos da responsabilização e
38 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 32-34. 39 LOPEZ, Tereza Acona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 103. 40 CRETELLA NETO, José. Direito Processual na Organização Mundial do Comércio – OMC. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 227.
28
indenização. Constitui o conjunto de caracteres que satisfazem socialmente a
reparação civil.
Como bem definiu Antonio Junqueira de Azevedo, a função social da
responsabilidade civil deve ser encarada juntamente com uma análise do meio
(ambiente econômico-social) que o cerca, atentando-se para os objetivos que as
indenizações assumem perante o meio social e que não podem ser separados da
proteção da pessoa humana e da sua dignidade como valor fundamental.41
A responsabilidade civil não pode aparecer dissociada da proteção da pessoa
humana e da sua dignidade como princípio capital do nosso ordenamento jurídico.
Digno é não sofrer dano; em contrapartida, é indigno sofrê-lo e não ser devidamente
reparado. Assim, em atenção à dignidade humana, a responsabilidade civil deve
buscar, sempre, um responsável e uma eficaz e concreta reparação para toda e
qualquer lesão.
Como assevera René Savatier, o princípio que rege uma sociedade civilizada é
aquele segundo o qual ninguém tem o direito de prejudicar os outros (neminem
laedere). Qualquer que seja o dano causado por um membro da sociedade a outro,
de uma maneira que o primeiro poderia prever e evitar, dá origem, portanto, a uma
presunção de culpa e de responsabilidade.42
A função social da responsabilidade civil, como ferramenta de alcance da
dignidade da pessoa humana e da justiça social, impõe que se trate o instituto de
forma aprofundada, perquirindo todos os seus aspectos, de modo a extrair de cada
reparação o máximo de ressarcimento, de educação, de prevenção e de punição,
conferindo, assim, ao instituto o máximo de utilidade e eficácia social.43 O ideal,
portanto, da responsabilidade civil é evitar (prevenir) que danos e riscos se
41 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 5, n. 19, p. 211-218, 2004. 42 Em original: “Le principe qui régit une société civilisée, c'est que personne n'a le droit de nuire à autrui. Tout dommage causé par un membre de la société à un autre, d'une manière que le premier pouvait prévoir et éviter, engendre donc une présomption de faute et de responsabilité.” (SAVATIER, René. Traité de la responsabilitá civile em droit français. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939. t. 1. p. 49). 43 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 637-638.
29
concretizem, mas caso, inevitavelmente, venham a ocorrer, que eles sejam
exemplarmente reparados.
Essa nova forma de pensar a responsabilidade civil está revolucionando o
instituto e acarretando, no mundo inteiro, uma significativa ampliação da
ressarcibilidade dos danos, tanto no seu aspecto quantitativo, como no qualitativo.44
Essa noção é muito bem sintetizada no pensamento do jurista francês Louis
Josserand, para quem existe uma constante revolução em matéria de
responsabilidade civil, de modo que “a verdade de ontem não é mais a de hoje, que
deverá, por sua vez, ceder o lugar à de amanhã”.45
Cada vez mais pessoas buscam ter acesso ao Poder Judiciário (valendo-se da
universalização do acesso à justiça) e, também, a métodos alternativos de resolução
de conflitos, o que vem contribuindo para um aumento dos pedidos indenizatórios e,
via de consequência, a uma reparação de danos cada vez mais elevada e, por que
não dizer, mais eficaz.
O valor das indenizações, principalmente daquelas de natureza extrapatrimonial
(logo, sem um fundamento material objetivo que as justifique do ponto de vista
financeiro) também está aumentando. Os Tribunais, cada vez mais acostumados e
confortáveis com os pedidos indenizatórios imateriais ou extrapatrimoniais, passam a
compreender melhor o papel da responsabilidade civil nesse tipo de demanda e a
acolher patamares mais altos de indenização,46 de acordo com as peculiaridades do
caso concreto, visando sempre à justa e integral reparação do dano.
Além disso, cresce, também, significativamente, a variedade de interesses
reconhecidamente dignos de tutela jurisdicional, pautada, sobretudo, na consolidação
da proteção da dignidade da pessoa humana e que vai abrindo espaço nas mais
diversas culturas jurídicas,47 para que se aceite, cada vez mais, novas espécies de
44 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 83-85. 45 JOSSERAND, Louis apud WALD, Arnoldo. A evolução da responsabilidade civil e dos contratos no direito francês e no brasileiro. Revista da EMERJ, v. 7, n. 26, p. 106, 2004. 46 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2011-ago-29/cresce-numero-acoes-danos-morais-tj-rio>. Acesso em: 22/06/2018. 47 A expansão dos danos ressarcíveis pode ser verificada tanto nos países que possuem ordenamento jurídico com sistema fechado (típico ou restrito) ou aberto (atípico ou amplo) em relação aos interesses dignos de proteção e de ressarcimento de dano. Na França, podemos destacar o préjudice d’agrément
30
dano suscetíveis de ressarcimento e cujo limite, aparentemente, são, exclusivamente,
a criatividade humana e o prudente arbítrio dos aplicadores do direito.
De acordo com Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,
o cerne da preocupação dos atuais dias desenvolve-se no sentido de não mais restar “irressarcido” nenhum dano ao qual estejamos, todos nós, expostos (...) ou pelo menos, que haja uma progressiva, mas incessante, diminuição das hipóteses de “irressarcibilidade”.48
Patrice Jourdain, ao tratar da responsabilidade civil sem culpa, explica que o
direito deve, sempre, se adaptar às transformações da sociedade e às exigências
novas da reparação dos danos, pois o ser humano recusa o fortuito e exige a
reparação por tudo o que (injustamente) sofre em termos de dano, apoiado em uma
valorização cada vez maior da pessoa humana.49
Danos de natureza extrapatrimonial que até pouco tempo atrás jamais seriam
dignos de tutela jurisdicional, passam a conquistar seu espaço na doutrina e
jurisprudência.
Já se admite, hoje em dia, tranquilamente, o dano à imagem, à honra, o dano
estético e o dano decorrente da perda de uma chance. Fala-se, também, em dano
biológico e dano existencial. Timidamente, já existem vozes defendendo os danos
decorrentes de bullyng, stalking e mobbing. E, mais recentemente, de forma ainda
embrionária, o dano por tempo perdido.
No entanto, esses “novos danos” dependem, ainda, de um período de maturação
para serem aceitos em nosso tradicional e conservador sistema jurídico, que,
infelizmente, ainda insiste em seguir lentamente o seu ritmo de desenvolvimento, à
distância das velozes evoluções econômico-sociais.
(dano ao gozo dos prazeres da vida); na Itália, o danno per il figlio non voluto (dano pelo nascimento de filho indesejado); na Alemanha, o dano decorrente da destruição de líquido seminal em banco de sêmen; nos Estados Unidos, o loss of amenities of life (perda dos prazeres da vida). 48 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil: o estado da arte, no declínio do segundo milênio e albores de um tempo novo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao Professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 185. 49 JOURDAIN, Patrice. Les principes de la Responsabilité Civile (Coletion ‘Connaissance du droit’). 5. ed. Paris: Éditions Dalloz, 2000. p. 18.
31
Como bem pontua o filósofo italiano Norberto Bobbio, “o problema fundamental
em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de ‘justificá-los’, mas o de
‘protegê-los’. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.50
Essa conclusão de Bobbio jamais poderia ser tão atual, sobretudo no Brasil. Por
aqui, todos têm direitos, somos excelentes criadores de normas que pretendem
assegurar as mais diversas proteções aos cidadãos em nosso território. Criam-se leis
como se a simples edição normativa, por si só, pudesse produzir algum tipo de efeito
concreto. Criam-se, portanto, direitos que sabidamente não serão garantidos. A
Constituição Federal é o maior exemplo do nosso fracasso normativo. Há nela uma
infinidade de direitos e garantias tão distantes da nossa realidade que se fossem
excluídos do texto constitucional, poucos perceberiam algum efeito prático, já que não
existem de fato.
A verdade é que somos uma nação essencialmente de direitos, mas não de
obrigações nem de deveres. Todos têm direito a tudo e, ao mesmo tempo, ninguém
tem obrigação de nada. É fácil notar, portanto, que essa equação está totalmente
desbalanceada e, portanto, falida. Só se pode falar em direitos se existir a
correspondente obrigação. Sem a força coercitiva para se garantir as obrigações, não
há que se falar em direitos. De que adianta o credor possuir um título executivo, se
não consegue cobrar o devedor? De que adianta uma legislação trabalhista
ultraprotetiva, se não há emprego? De forma geral, no Brasil, os direitos existem
apenas na teoria, na prática, ainda são muito poucos os que realmente conseguem
exercê-los.
Claramente, a incoerência do nosso sistema jurídico está nas bases
fundamentais do nosso Estado e da nossa cultura. Curiosamente, a nossa
Constituição Federal, Carta Maior da República, em toda a sua extensão, trata, de
forma incompreensível, exclusivamente de direitos. Não há um capítulo sequer
destinado aos deveres e obrigações dos cidadãos, dos nossos governantes, das
empresas etc. Há, exatamente, 168 referências a direitos na Constituição Federal,
enquanto apenas 10 referências à palavra “dever”, sendo quase todas elas
50 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.
32
direcionadas, genericamente, ao Estado enquanto garantidor dos direitos dos
cidadãos.
Enquanto as obrigações e deveres não forem prioridade e proporcionais e,
igualmente, intensas em relação aos direitos, seremos relegados à arruinada condição
de sujeito de direitos vazios, ocos, efetivamente não tuteláveis.
O direito de cada um só existe na medida em que existe a correspondente
obrigação. E é justamente por esse motivo que se deve buscar, primeiro, que cada
cidadão seja cumpridor das suas obrigações e de seus deveres, para depois, então,
assegurar a proteção dos seus direitos.
O papel atual da responsabilidade civil vai muito além de proteger direitos
violados. Antes de tudo, deve desempenhar o papel de garantir que os danos
causados por qualquer pessoa sejam efetiva, eficaz e integralmente reparados. A
responsabilidade civil deve assegurar que os agentes causadores de danos sejam
efetivamente responsabilizados, que eles respondam, sempre, por seus atos e que
eles reparem, sempre e de forma exemplar e completa, os danos que vierem a causar.
Não se pode mais negar que o instituto da responsabilidade civil seja parte de
um sistema global aberto, composto por experiências sociais diversas, completo,
coerente e dinâmico na sua essência (isto é, impossível de ser contido em si mesmo).
É um sistema móvel e fluido, cujo movimento permite a sua constante e perene
renovação, adaptando-o e o atualizando aos novos anseios e necessidades sociais,
oriundos de um novo tempo, mas sempre sobre a mesma premissa elementar, que é
a busca eterna e incansável da realização do justo e do equânime.51
Nesse contexto, não podemos mais olvidar de entender o tempo como sendo o
patrimônio imaterial mais importante que possuímos enquanto seres humanos. Tudo
o que somos e possuímos só existe em função do tempo [de vida] que temos por aqui.
O tempo é, essencialmente, o nosso padrão de riqueza, é a nossa verdadeira moeda
de troca em toda e qualquer relação humana ou jurídica que estabelecemos.
51 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil: o estado da arte, no declínio do segundo milênio e albores de um tempo novo. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao Professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 197.
33
Chega a ser paradoxal pensar que a discussão sobre a proteção do tempo, em
pleno século XXI, seja, ainda, tão embrionária. Protegemos a vida de embriões em
seus estágios mais iniciais e o patrimônio de quem sequer nasceu. Discutimos,
também, intensamente se estudos científicos com células-tronco pré-embrionárias
devem ou não ser desenvolvidos e em quais condições, mas descuidamos de proteger
o tempo que efetivamente cada um de nós tem por aqui e que nada mais é que o
tempo de nossas existências, ou seja, a nossa vida.
Não se pode mais admitir, em tempos atuais, com tamanho conhecimento
cultural e desenvolvimento social e tecnológico, que ainda existam lesões que fiquem
de fora do sistema da responsabilidade cível e, portanto, insuscetíveis de reparação.
Nosso atual estágio evolutivo impõe que deixemos de lado velhos formalismos
meramente burocráticos e aquela ideia já muito superada de um positivismo
exacerbado, para buscar a implementação de um sistema jurídico prático e eficaz,
capaz de se adaptar às rápidas transformações sociais, o que passa,
necessariamente, pela evolução do instituto da responsabilidade civil que não pode
mais se limitar a tutelar restritivamente apenas aquilo que consta expressamente no
texto legal.
Nesse sentido, Catlin Sampaio Molholland52 observa que o papel da
responsabilidade civil contemporânea deve ser analisado à luz de um novo paradigma
que investiga o dano, não só a partir do ato ilícito (viés tradicional), mas, também e
principalmente, a partir da lesão injustamente sofrida pela vítima.
Maria Celina Bodin de Morais,53 apoiada nas lições (não tão recentes, porém, já
modernas) de Orlando Gomes,54 explica que a responsabilidade civil teve um giro
conceitual do ato ilícito para o dano injusto, que permite ressarcir outros danos que
não apenas aqueles que resultam da prática de um ato ilícito. Substitui-se, assim, a
condição (para fins de responsabilização) de ato ilícito pela de dano injusto, que
contém um espectro de irradiação de efeitos muito mais amplo e mais social. Dessa
forma, o dano, mesmo quando decorrente de uma conduta lícita, será considerado
52MOLHOLLAND, Catlin Sampaio. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ Editoria, 2009. p. 24. 53 MORAIS, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 177. 54 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em homenagem ao Professor Sílvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 293-295.
34
injusto, se afetar aspecto fundamental da dignidade humana e, ao mesmo tempo, não
for razoável que a vítima o suporte sem o respectivo ressarcimento, observados e
sopesados os interesses contrapostos.
Finalmente, Paulo de Tarso Sanseverino,55 em obra destinada ao estudo do
princípio da restitutio in integrum, explica que
a reparação do dano injustamente causado constitui uma exigência de justiça comutativa, como já fora vislumbrado por Aristóteles na Ética a Nicômaco, devendo ser a mais completa possível, o que se chama, modernamente, de princípio da reparação integral do dano.
Assim sendo, o papel da responsabilidade civil atual não se limita mais apenas
à identificação do dano e de seu responsável nem aos critérios dessa correspondente
reparação, mas, antes de tudo, o de ser um eficiente instrumento de proteção e
pacificação social, aberto, completo e flexível, capaz de acompanhar com agilidade e
eficácia o desenvolvimento social, econômico e tecnológico, com foco na prevenção
de dano e evitando, o máximo possível, qualquer tipo de dano, que não seja razoável
e justo à vítima suportar.
55 SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19.
35
4 O HOMEM E O TEMPO: O TEMPO QUE NOS INTERESSA
O homem passou a medir o tempo para melhorar e prolongar a sua vida, dentro
daquilo que podemos chamar de instinto de sobrevivência. Portanto, para comer
melhor, dormir, proteger-se etc. Começou a perceber os movimentos cíclicos da
natureza e a sua recorrência (estações do ano, fases da lua etc.), assim como os mais
diversos efeitos que essas variações produziam sobre suas vidas.
Da Pré-História até a Antiguidade (aproximadamente até 476 d.C.) o homem
compreendia a passagem do tempo, exclusivamente, por meio dos astros e de
fenômenos naturais. Foi então que surgiram os primeiros calendários e relógios.
Instrumentos que utilizavam o sol, a sombra, a água, a lua, as estrelas para medir o
tempo.56 Os egípcios formularam o seu calendário com base na variação anual do
nível do rio Nilo e na posição do sol. Já os babilônios e os gregos utilizavam a lua e
suas respectivas fases.57
Naquela época, o tempo assumia um caráter mitológico e divino. As variações
dos fenômenos da natureza eram atribuídas, quase que exclusivamente, às
divindades e relevantes alterações nos fenômenos naturais, em relação àquilo que
era considerado normal (por exemplo, secas, dilúvios, eclipses, incêndios, pragas,
doenças etc.), representavam a forma com que os desuses puniam ou agraciavam os
homens por seus feitos, ruins ou bons.58
Na mitologia greco-romana, Cronos (Saturno) é o grande deus do tempo e é
representado pelo seu aspecto destrutivo: o tempo impiedoso que rege os destinos e
a tudo devora e consome.
56 Como estavam baseados puramente na percepção da natureza, já que observam apenas a repetição de fenômenos naturais, continham apenas um aspecto cíclico, sem a noção atual de sucessão e continuidade temporal. Os marcadores de tempo mais antigos eram imprecisos e descontínuos. Foi somente a partir do século XVII, com a invenção do relógio mecânico (no caso, o relógio de pêndulo, desenvolvido pelo cientista holandês, Christian Huygens), que o homem contou com um marcador de horas preciso, capaz de mostrar a passagem do tempo de forma contínua e por anos a fio. A partir daí, o tempo passou a ser compreendido de forma linear, isto é, de progressiva sucessão e não mais cíclica. (WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 28-29). 57 WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 38-66. 58 WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 38-47.
36
De acordo com a mitologia, Cronos casou-se com a sua irmã, Reia, que lhe deu
seis filhos, dentre os quais Zeus. No entanto, como tinha medo de ser destronado,
Cronos engolia os filhos ao nascerem, em uma clara metáfora à sua força impiedosa
que a tudo consome, inclusive a própria prole.59 Comeu a todos, exceto Zeus, que
Reia conseguiu salvar e que, mais tarde, tornou-se senhor do céu e divindade
suprema entre os deuses do Olimpo.60
Embora o tempo tenha muitas definições e significados, com vieses nos campos
da filosofia, da espiritualidade, da religião e da física, basicamente, podemos
conceituá-lo, de acordo com o senso comum, como sendo um momento exato ou
como um intervalo, isto é, como um período de duração entre dois pontos referenciais
(acontecimentos quaisquer) não simultâneos.
O tempo, portanto, é uma construção histórica do homem para registrar os
acontecimentos. É um instrumento de referência e medida (assim como o metro, a
milha, o litro, o quilo, a escala centígrada etc.), criado e largamente utilizado para
organizar melhor a vida humana. Uma convenção social. O tempo como nós
conhecemos nada mais é que uma “régua” ou uma “balança”, mas, em vez de medir
distância ou peso, mede momentos ou movimentos.
Podemos dizer, ainda, que existem duas espécies de tempo: o tempo do relógio
(tempo atômico) e o tempo pessoal (vivido).61 O tempo do relógio é o tempo técnico,
criado pelo homem, medido em unidades e que é comum a todas as pessoas e sobre
as quais todos estão de acordo. Já o tempo pessoal é a sensação subjetiva que cada
um de nós tem do passar do tempo do relógio, como se tivéssemos um marcador
interno próprio e singular, que varia de um dia para o outro e de hora para hora. É
somente nesse tempo pessoal que dias parecem durar anos e anos parecem passar
em uma fração de segundo. O tempo pessoal é a experiência única e individual que
temos do nosso próprio tempo. É, portanto, a vivência que temos do tempo. Não se
trata, contudo, de uma medida confiável. Varia conforme o nosso humor, sentidos,
59 MÉNARD, René. Mitologia greco-romana. São Paulo: Opus, 1991. v. 1. p. 25. 60 BULFINCH, Thomas. O livro da mitologia: a idade da fábula. São Paulo: Martin Claret, 2013. p. 30-31. 61 JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2004. p. 29.
37
pensamentos, idade e ambiente. Cada pessoa é livre para viver e sentir o tempo à
sua maneira.62
O tempo é, por assim dizer, uma abstração que se concretiza sempre no
presente momento, isto é, no agora. Eckhart Tolle63 explicar que passado e futuro não
têm realidade própria, que nada jamais aconteceu no passado e que nada jamais
acontecerá no futuro. Tudo acontece no “agora”, sendo que o passado é uma
lembrança (um traço da memória) de um agora anterior, enquanto que o futuro não
passa de uma projeção da mente sobre um agora imaginado. Segundo Albert Einstein,
“a distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma firme e persistente
ilusão”.64 Em termos de tempo, concretamente, só existe o agora. O passado e o futuro
são pura ficção.
De acordo com a teoria da relatividade proposta por Albert Einstein, largamente
aceita nos dias de hoje e validada por um grande número de experimentos, o tempo
é uma quarta dimensão, intrincadamente interligada com as três dimensões especiais,
formando, assim, o que se denomina de espaço-tempo.65
Em termos físicos, o tempo é apenas uma coordenada de posição para situar
(localizar) de forma precisa um determinado espaço (tridimensional) no espaço-tempo
(quadridimensional).
De modo bem simplificado, as três dimensões espaciais são representadas por
três eixos: vertical, horizontal e de profundidade (altura, largura e comprimento). Se
estabelecermos um sistema de referência com três eixos perpendiculares entre si,
qualquer ponto do espaço pode ser definido por três números quaisquer, que
representam as coordenadas do ponto em relação aos eixos. Tudo o que acontece,
62 “Nosso sentimento de duração [do tempo] é afetado não apenas pelo grau em que concentramos nossa atenção no que estamos fazendo, mas por nosso próprio estado físico em geral. Em particular, pode ser distorcido por drogas ou pelo confinamento, por longos períodos, em ambientes frios ou escuros, sem recurso a relógios. Entre os fatores que influenciam nosso sentido de duração, porém, o mais amplamente experimentado é nossa idade, pois há um reconhecimento geral de que, à medida que ficamos mais velhos, o tempo, tal como o registram o relógio e o calendário, parece passar cada vez mais depressa.” (WHITROW, Gerald James. O tempo na história: concepções de tempo da pré-história aos nossos dias. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 17). 63 TOLLE, Eckhart. O poder do agora: um guia para a iluminação espiritual. Rio de Janeiro: Sextante,
2002. p. 52. 64 Disponível em: <https://super.abril.com.br/historia/o-que-e-o-tempo/>. Acesso em: 07/05/2018. 65 EINSTEIN, Albert. A teoria da relatividade especial e geral. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
38
porém, acontece em certo tempo. Portanto, para descrever com precisão um
acontecimento no espaço, é preciso mais um marco, que represente uma medida de
tempo, isto é, o “quando”.66
A partir da teoria de Albert Einstein, o tempo deixou de ser absoluto ou universal.
Deixou-se para trás o modelo até então vigente, que havia sido proposto por Isaac
Newton, em que o tempo era considerado um elemento absoluto, externo em relação
ao universo e independente dele, uma reta que se estende infinitamente em ambas
as suas direções.67
Na teoria da relatividade, o espaço e o tempo estão interligados e são dinâmicos
e curvos, de modo que a estrutura do espaço-tempo afeta o modo como os corpos se
movem e as forças que sobre eles atuam, ao mesmo tempo em que o espaço-tempo
é afetado por tudo o que acontece no universo.68
Mas o tempo, agora, está intimamente ligado ao espaço e, portanto, ao universo,
representando medições dentro e em função dele, de tal modo que o tempo,
concebido dentro do universo, muito provavelmente, tem um valor mínimo e um
máximo, um começo e um fim.69 A história do tempo é, portanto, a história do universo,
que teve início com o Big Bang70 e um dia, possivelmente, terá fim, talvez, com o Big
Crunch.71
Seja como for, também na teoria da relatividade geral, assim como já previa a
teoria newtoniana, o tempo tem apenas um único sentido evolutivo, caminha em uma
única direção e, irreversivelmente, não volta atrás.72
66 Para ilustrar, podemos citar o seguinte exemplo: se marcamos uma reunião no 23º andar do edifício
situado no nº 1.000 da Av. Paulista, em São Paulo, temos, com precisão, a localização espacial do encontro, que, no entanto, pode não ocorrer, caso não seja estabelecido o momento (tempo) exato do evento. Isso porque, de nada adiantaria os participantes estarem no local (espaço) correto em momentos (tempos) distintos. 67 Principia mathematica proposta por Isaac Newton, publicada em 1687, conforme HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: ARX, 2002. p. 32. 68 HAWKING, Stephen. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. p. 51-52. 69 HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: ARX, 2002. p. 32-41. 70 Há, aproximadamente, 15 bilhões de anos. 71 Nome dado a um dos possíveis cenários de fim do universo, quando espaço e matéria implodirão nas suas próprias gravidades para formar buracos negros. 72 De acordo com a teoria da relatividade geral proposta por Albert Einstein, em tese, seria possível viajar no tempo, caso fosse possível viajar em velocidade superior à velocidade da luz. No entanto, na prática, de acordo com essa mesma teoria, ultrapassar a velocidade da luz seria algo absolutamente impossível, na medida em que quanto mais rápido um objeto se move, mais a sua massa aumenta e
39
O que se percebe, portanto, é que da mesma forma que, para a física, o tempo
é um referencial de posição de um dado espaço,73 para nós, seres humanos, o tempo
é um referencial da nossa vida, na medida em que identifica a localização exata da
nossa existência no espaço.
A medida do tempo, tal como concebida pelo homem, requer um parâmetro.
Esse parâmetro ou referência é, no nosso caso, o calendário e o relógio,
universalmente uniformizados (ainda que com algumas distinções culturais
secundárias) para viabilizar a padronização da marcação e da referência.
Se o parâmetro erra ou para, quando, por exemplo, um relógio atrasa ou fica
sem bateria, perdemos a referência, mas o tempo propriamente dito (aquilo que
chamamos de tempo) continua, instante após instante, não importa o que aconteça.
Tudo isso para falar que o tempo, enquanto medida de duração de momentos
ou instantes, é uma criação do homem para referência, é algo relativo (tanto do ponto
de vista físico, como social). O tempo é a percepção que o homem tem da sucessão
de acontecimentos, instantes ou “agoras”. Recém-nascidos ou certos doentes mentais
não têm percepção do tempo, mas, mesmo assim, a ele se sujeitam. Percebemos o
tempo de forma diferente e sob circunstâncias diversas (tempo pessoal – momentos
de prazer, de tensão, de tristeza etc.), mas ele está igualmente lá, não importa o que
aconteça e independentemente das nossas percepções (tempo do relógio).
Interessante questionarmos se uma pessoa nascida em 01/01/2000, às 7h00,
em São Paulo, é mais nova ou não do que uma pessoa nascida em 31/12/1999, às
21h00, no Havaí. Instintivamente, todos dirão que sim. No entanto, muito embora os
relógios estejam marcando horas, dias, meses e anos diferentes, essas datas
representam exatamente o mesmo momento (o mesmo “agora”) nas duas localidades.
O mesmo fenômeno se verifica quando analisamos a Linha Internacional de Data
(LID), que cruza o pacífico do Polo Norte ao Polo Sul (no antimeridiano de Greenwich
ou meridiano 180º) e que se for “atravessada” de leste para oeste ganha-se um dia e,
no sentido contrário, perde-se um dia.
um objeto na velocidade da luz teria massa infinita e, portanto, precisaria de energia infinita para se mover nessa velocidade. 73 Ou seja, é a localização exata no espaço-tempo de um determinado evento.
40
Isso demonstra que o conceito de tempo criado pelo homem para organizar a
sua vida em sociedade (tempo do relógio) não passa de uma firme e persistente
ilusão. O tempo, efetivamente, só existe no agora. Nessa mesma linha, conforme
conceitua Martin Heidegger,74 o tempo é um “fluxo contínuo de agoras” e o tempo
acessível nos relógios nada mais é do que a simples marcação da multiplicidade e
sucessão de “agoras”.
Essa criação não deixa de ser uma forma de tentar ter mais controle sobre a vida
e mais eficiência dos pontos de vista econômico e social – em administração, se diz
que “aquilo que você não mede você não controla” (William Edwards Deming). O que
só reforça a ideia tratada incialmente, de que o homem começou a perceber e marcar
o tempo para prolongar e melhorar a sua existência.
Dessa forma, ainda que seja considerado uma ficção criada pelo homem, o
tempo não deixa de ser um bem ou, no mínimo, um parâmetro para medir a vida,
assim considerada o instante ou sucessão de instantes (tempo) entre o nascimento e
a morte do sujeito ou qualquer outra fração compreendida entre esses dois momentos.
Se tempo é a referência criada pelo homem para medir, entre outras coisas, a
vida, tempo também é vida. Ou melhor, vida é tempo, é o tempo que temos à nossa
disposição aqui nesse universo. É o período de existência do ser no espaço. A perda
de tempo implica, portanto, em perda de vida, perda de existência. E se o direito
protege a vida, necessariamente, tem que proteger o seu tempo.
A física sueca, Bodil Jönsson,75 esclarece, com muita propriedade, que uma vida
dura em média (na Suécia) trinta mil dias e que esse período de tempo é a nossa
verdadeira riqueza, o nosso mais valioso capital. Ainda de acordo com a autora, o
dinheiro não é o padrão-ouro da vida, mas sim o tempo. O tempo é a nossa principal
riqueza e nossa moeda de troca, é a única coisa que temos que pode ser convertido
em simplesmente qualquer outra coisa. Explica-se, o tempo pode ser convertido em
trabalho, em dinheiro, em relações humanas, em interação com a natureza, em
74 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 10. ed., Petrópolis: Vozes, 2017. p. 505, 513 e 515. 75 JÖNSSON, Bodil. Dez considerações sobre o tempo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 11-13.
41
aprendizagem e conhecimento, em desenvolvimento espiritual e sentimental, em
lazer, em descanso, enfim, em simplesmente tudo.
O tempo é, portanto, o instrumento fundamental para o desempenho de toda e
qualquer atividade humana.76 É o recurso finito e não renovável que é alocado,
sucessiva e ininterruptamente, por todos os indivíduos em seus afazeres cotidianos,
dos mais simples aos mais complexos. Como diria Baltazar Gracián,77 o tempo é a
única coisa que temos de nosso.
Há um tempo para crescer, para estudar, para entrar no mercado de trabalho,
para sair de férias, para se aposentar, para desfrutar da aposentadoria etc. Enfim, há
tempo para se plantar e colher. Todos implicam em ter a experiência da passagem do
tempo, ou seja, em viver. Impossível, portanto, que o direito não o proteja o que temos
de mais precioso, o tempo.
76 MARQUES, Claudia Lima. Apresentação. In: BORGES, Gustavo; MAIA, Maurilio Casas (Orgs.). Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 15. 77 GRACIÁN, Baltazar. L’Homme de cour apud DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017. p. 127.
42
5 O TEMPO COMO ATRIBUTO DA PERSONALIDADE
Ao longo de sua vida, o homem, nas diversas relações jurídicas que estabelece,
adquire direitos e contrai obrigações que podem ou não ter valor econômico, mas que
pela sua natureza são destacáveis da pessoa de seu titular, isto é, que de alguma
forma lhe podem ser retirados.
Esses direitos destacáveis ou descoláveis, em geral de caráter patrimonial, são
aqueles que podem ser cedidos ou transmitidos a terceiros, a título gratuito ou
oneroso, não se encontrando enraizados à essência humana de seu titular. É o caso,
por exemplo, do direito de propriedade, ao crédito, à herança etc.
Em contraposição a essa modalidade de direitos, existem outros que são
próprios e inerentes a toda a pessoa humana como consequência de sua existência,
não se admitindo que exista sequer um único indivíduo que deles não seja titular.
Orlando Gomes78 explica que esses são direitos considerados indispensáveis a toda
pessoa humana, a fim de resguardar a sua dignidade. São direitos normalmente sem
projeção econômica, ligados de forma constante e definitiva a qualquer ser humano
pelo simples fato dele existir (estar vivo).
São os denominados direitos da personalidade aqueles que, pela sua
importância para todos os seres humanos, coletiva ou individualmente considerados,
o ordenamento jurídico confere tratamento diferenciado, pois dizem respeito ao
sentido próprio e original da natureza humana. Compõem o grupo de direitos
considerados essenciais ao ser humano, sem os quais os outros direitos perderiam
relevância e que, portanto, constituem o mínimo necessário e imprescindível à vida
humana.79 Não se trata, pois, de um direito subjetivo em si, mas da própria fonte e
pressuposto de todos os direitos subjetivos.80
78 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 134. 79 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais, 1961. p. 17. “(...) é reservada àqueles direitos subjetivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais à personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais os outros direitos subjetivos perderiam o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados ´direitos essenciais`, com os quais se identificam, precisamente os direitos da personalidade.” 80 RUGGIERO, Roberto de. Instituições. São Paulo: Saraiva, 1971. v. 1. p. 305.
43
Caio Mário da Silva Pereira,81 ao tratar dos direitos da personalidade, explica
que
não constitui esta “um direito”, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela, porém, irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações.
Goffredo Telles Júnior82 e Limongi França83 definem os direitos da personalidade
como sendo os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio (no
sentido daquilo que lhe é íntimo e essencial), ou seja, a sua integridade física (vida,
alimentos, corpo); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria
artística, científica e literária) e sua integridade moral (liberdade, honra, recato,
imagem, nome, segredo pessoal, profissional e doméstico, identidade pessoal,
familiar e social).
A personalidade é, de fato, um conceito aberto e de máxima abrangência, nela
se incluindo tudo o que é próprio e essencial à natureza humana. Seu rol é meramente
exemplificativo (numerus apertus). São pacificamente considerados direitos da
personalidade84 os direitos à vida, à liberdade, à saúde, à honra, à imagem, à
integridade física e intelectual, à privacidade, à intimidade, ao nome, à identidade. O
patrimônio é mera projeção econômica da personalidade.
Os direitos da personalidade são regulados e protegidos de forma sistemática
pelo ordenamento jurídico, encontrando fundamento concreto não só na esfera do
Código Civil (arts. 11 a 21), mas, também, na Constituição Federal, na qualidade de
direitos e princípios fundamentais.
De fato, o Código Civil de 2002 inaugurou, de forma inovadora, um capítulo
dedicado, exclusivamente, aos direitos da personalidade, o que revela a intenção do
81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 241. 82 TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito subjetivo. In: Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977. v. 28. p. 315-316. 83 FRANÇA, Limongi. Manual de direito civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. p. 403. 84 Os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias: os adquiridos (ou derivados) e os inatos. Os primeiros são aqueles obtidos ao longo da vida e que existem em função e na extensão de disposição normativa, ou seja, conforme a lei estabelece (por exemplo, o direito ao voto – somente os brasileiros maiores de dezesseis anos podem exercê-lo; estrangeiros e presos não podem votar). Em oposição aos adquiridos, os direitos da personalidade inatos nascem com o indivíduo e decorrem da sua própria existência.
44
legislador de conferir importância e proteção máxima a interesses e prerrogativas
individuais indispensáveis ao pleno exercício da sua dignidade.
Paralelamente, temos que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III, CF/1988) também constitui cláusula geral de tutela da personalidade, assim como
o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF/1988), ao proclamar a igualdade, traduz a
noção de personalidade como atributo natural de todo ser humano.85
Os direitos fundamentais e os direitos da personalidade são instrumentos para a
proteção e promoção (concretização) da dignidade da pessoa humana, esta que é o
valor supremo e fundamental do Estado Democrático de Direito.
Como se pode notar, os direitos da personalidade estão profunda e
indissociavelmente ligados à dignidade da pessoa humana, representando o seu
núcleo elementar. Podemos dizer, portanto, que os direitos da personalidade integram
a dignidade humana e constituem o ponto de contato desta com o mundo fenomênico,
nas mais diversas relações e situações jurídicas.
Para Antônio Junqueira de Azevedo,86 a pessoa humana é um “bem” e a
dignidade, o seu “valor”. Comparativamente, podemos dizer que é na “pessoa
humana” que estão inseridos os diretos da personalidade e que a dignidade é o reflexo
ou a projeção da sua qualidade. Nesse contexto, a incerteza ou imprecisão está em
saber o que é digno para a pessoa humana, ou seja, para sua personalidade.
Desse modo, temos que a transgressão aos direitos da personalidade,
invariavelmente, resultará em ofensa à dignidade da pessoa humana.87
Rogério Donnini esclarece que se poderia até imaginar que, diante da proteção
constitucional da dignidade humana, os direitos da personalidade não teriam mais
sentido. No entanto, com precisão, explica que, na verdade, a partir da
constitucionalização da dignidade humana como valor fundamental, os direitos da
personalidade ganharam amplitude e ainda mais relevância, pois, na medida em que
85 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 87. 86 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: Estudos e pareceres de direito privado. Saraiva: São Paulo, 2004. 87 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 153.
45
exercem função primordial de prevenção e proteção de danos à pessoa humana, os
direitos da personalidade asseguram a concretização da dignidade enquanto
princípio. Ainda segundo o autor, é a partir da transgressão de qualquer direito da
personalidade que se verifica a violação da dignidade humana e que nasce a
obrigação de reparar o dano sofrido.88
Não pretendemos, aqui, discorrer ou esgotar o tema acerca da dignidade da
pessoa humana, posto que foge ao cerne do presente estudo e já foi objeto de nosso
outro trabalho.89
Mas aqui, para o objeto desta dissertação, é fundamental ter presente que os
direitos da personalidade representam a expressão da dignidade humana e que é
através da sua proteção que se concretiza o seu valor.
E essa proteção deve, necessariamente, ser a mais ampla e abrangente
possível, pois, como leciona Maria Celina Bodin de Moraes,90
a tutela da pessoa humana não pode ser fracionada em isoladas hipóteses, microssistemas, em autônomas fattispecie não-intercomunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como um problema unitário, dado o seu fundamento, representado pela unidade do valor da pessoa. Esse fundamento não pode ser dividido em tantos interesses, em tantos bens, como é feito com as teorias atomísticas. A personalidade é, portanto, não um “direito”, mas um valor, o valor fundamental do ordenamento, valor que está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Por isso não pode existir um número fechado (numerus clausus) de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa, sem limites, salvo aqueles postos no seu interesse e no interesse de outra pessoa humana. Nenhuma previsão especial pode ser exaustiva, porque deixaria de fora, necessariamente, novas manifestações e exigências da pessoa, que, com o progredir da sociedade, passam a exigir uma consideração positiva.
Os direitos da personalidade nos interessam, justamente, porque é através deles
que se alcança a dignidade, no que certamente estão contemplados os valores dados
à vida e à liberdade, expressões maiores desse arcabouço jurídico.
88 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 154. 89 CASCALDI, Luís de Carvalho. O conteúdo e a abrangência do princípio da dignidade da pessoa humana. In: BATISTA, Alexandre Jamal (Coord.). Princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados nos institutos de direito privado – Homenagem ao Professor Doutor Francisco José Cahali. São Paulo: Editora IASP, 2017. p. 69-93. 90 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed., Rio de Janeiro: Editora Processo, 2017. p. 121.
46
Os direitos da personalidade são as ferramentas de defesa da integridade física,
intelectual e moral dos homens e se encontram em patamar acima das disposições
legislativas, transcendendo os limites do ordenamento jurídico.
Como se pode notar, é pacífica na doutrina91 a compreensão de que a vida e a
liberdade são atributos ou valores inatos da personalidade.
Aliás, é apenas com a vida (nascimento com vida) que nasce a personalidade e
apenas a morte a extingue. Enquanto viva, toda e qualquer pessoa natural é dotada
de personalidade. E a liberdade, aqui compreendida como o livre-arbítrio ou a
autonomia para determinar seus próprios atos dentre as inúmeras variáveis
possíveis,92 é condição ontológica do ser humano.93
Cabe, portanto, questionarmos agora, como e em que medida o tempo se
relaciona com a personalidade humana.
Temos para nós que tempo é vida e liberdade. Portanto, se a vida e a liberdade
são conceitos pacificamente aceitos em qualquer campo jurídico como elementares à
personalidade humana, consequentemente, o tempo também o é. Explica-se.
A vida é o bem maior entregue a cada ser humano independente da sua vontade,
mas que uma vez concretizado, a ninguém é dado tirá-la, ainda que expressamente
autorizado pela própria pessoa.94
Para o nosso ordenamento jurídico, que segundo a doutrina tradicional adotou a
teoria natalista para fins de determinação do começo da personalidade natural,
91 Nesse sentido: AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 305; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. p. 119-120; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil. Teoria geral do direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 1, p. 241; dentre outros. 92 Conforme conceito de liberdade limitada de Nicola Abbagnano, op. cit., p. 855. 93 “Queremos definir o ser do homem na medida em que condiciona a aparição do nada, ser que nos apareceu como liberdade. Assim, condição exigida para nadificação do nada, a liberdade não é uma propriedade que pertença entre outras coisas à essência do ser humano [...] A liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos liberdade não pode se diferenciar do ser da „realidade humana‟. O homem não é primeiro para ser livre depois: não há diferença entre o ser do homem e seu „ser-livre‟[...] precisamos enfocar a liberdade em conexão com o problema do nada e na medida estrita que condiciona sua aparição.” (SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 68). 94 No Brasil, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são proibidos.
47
somente o nascimento com vida é que dá início à personalidade (art. 2º do Código
Civil).95
Nesse passo, considera-se nascido com vida o indivíduo que, separado do
ventre materno, tem respiração. O que se exige, aqui, é que seja desfeita a unidade e
o grau de dependência com a genitora, de modo que o filho tenha vida autônoma em
relação à mãe. Para tanto, precisa respirar (encher os pulmões de ar). A respiração é,
aqui, sinônimo de vida autônoma. Dessa forma, se o indivíduo respirou, ele viveu,
ainda que tenha falecido logo em seguida e mesmo que o cordão umbilical não tenha
sido cortado. Nesse período de vida, por mais curto que seja, adquiriu personalidade
jurídica, tornou-se sujeito de direito. Todavia, se o nascituro não respirar, não viveu e,
assim, não adquiriu personalidade jurídica.96
A vida pode ser representada do ponto de vista material pela autonomia biológica
do ser em relação à mãe. Já do ponto de vista quantitativo, a vida é representada
justamente pelo período em que essa autonomia biológica perdura, ou seja, pelo
tempo de existência do ser, até que cesse irreversivelmente a atividade biológica com
a sua morte.
O tempo, portanto, é a medida quantitativa da vida. É a quantidade de vida que
temos neste mundo terreno.
Sob o viés da física, conforme conceitos tratados nos capítulos iniciais deste
trabalho, a vida se expressa no espaço-tempo (quadridimensional) em que o espaço
é “onde” a vida acontece, e o tempo, o “quando”.
Mesmo que o tempo possa ser considerado uma criação fictícia do homem
(tempo do relógio), o tempo não deixa de ser um bem, um valor ou, no mínimo, um
parâmetro para medir a vida, assim considerada o instante (tempo) entre o nascimento
e a morte do sujeito ou qualquer outra fração compreendida entre esses dois
momentos.
95 O artigo 2º do Código Civil estabelece, expressamente, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. 96 CASCALDI, Luís de Carvalho. O conteúdo e a abrangência do princípio da dignidade da pessoa humana. In: BATISTA, Alexandre Jamal (Coord.). Princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados nos institutos de direito privado – Homenagem ao Professor Doutor Francisco José Cahali. São Paulo: Editora IASP, 2017. p. 69-93.
48
E se o tempo é a referência criada pelo homem para medir, entre outras coisas,
a vida, tempo é vida. Ou melhor, vida é tempo, é o tempo que temos aqui neste
universo. É o período de existência do ser. A perda de tempo implica, portanto, em
perda de vida, perda de existência. E se o direito protege a vida, necessariamente,
tem que proteger o tempo em que ela se exercita.
Ironicamente, recebemos a vida sem pedir e sem jamais saber quanto dela ainda
nos resta. Tempo é, por assim dizer, o conteúdo da vida, mas que não vem com rótulo
nem embalagem, mostrando a sua quantidade disponível.
Sabemos que um dia deixaremos de existir, mas, nunca saberemos quando. A
vida se exerce num prazo incerto, que é variável de uma pessoa para outra. Podemos
até supor estarmos perto do fim de nossa existência, quando atingimos uma idade
avançada, ou contraímos uma doença terminal. Mas, o exato instante em que isso
ocorrerá, será sempre uma incógnita.
O tempo que, verdadeiramente, possuímos é apenas o agora, o passado,
irreversivelmente, já não mais existe e o futuro é absolutamente incerto. Não por
acaso, é assim, também, que compreendemos a vida.
A vida é o tempo que temos enquanto existimos e o que fazemos com esse
tempo, enquanto dele aqui dispomos, representa o exercício da nossa liberdade, do
nosso direito de autodeterminação.
Consequentemente, a perda de vida, não, significa, necessariamente, a morte,
pode significar, simplesmente, que houve perda da liberdade que se exerce sobre a
própria vida ou sobre a própria gestão do tempo.
Cada ser humano é livre para usar ou gastar o tempo que possui (vida) como e
com o que quiser, seja para o bem, seja para o mal, para o trabalho, para o lazer, para
o ócio, enfim, para o que melhor lhe convier, de acordo com as limitações legais (ou,
até onde começam os direitos das outras pessoas), respondendo, sempre, pelas suas
escolhas.
Fazer alguém perder tempo implica interferir na liberdade, na livre-escolha, na
autodeterminação da pessoa sobre o seu tempo, ou seja, sobre a sua vida. Inclusive,
o tempo é medida estrutural do direito penal. A pena privativa de liberdade, mais do
49
que restringir a liberdade do infrator, retira-lhe tempo, tempo de gozar a vida
livremente.
A liberdade para usufruir da vida e, portanto, do tempo como cada um entende
mais adequado é das garantias mais fundamentais do nosso Estado Democrático de
Direito. Cada um é livre para ser o que quiser e isso significa dizer que cada um é livre
para aproveitar como quiser o tempo e a vida que tem.97
Cada escolha carrega, intrinsecamente, um custo de oportunidade, e se uma
injusta interferência externa desvia ou redireciona uma escolha de uma determinada
pessoa, esse desvio de percurso tem, sem sombra de dúvida, um custo temporal.
Representa um gasto de vida, que poderia ser aproveitado em outra atividade ou em
outra direção mais alinhada com os interesses próprios da pessoa lesada.
Limitar injusta ou indevidamente a vida, ou seja, o tempo, e interferir na liberdade
que cada cidadão tem de fazer o que quiser com a sua vida e com o seu tempo,
representa gravíssima, senão a mais grave ofensa à dignidade humana.
Rogério Donnini98 preleciona que a violação ao tempo de outrem “configura
violação de um tempo que não volta mais, que não pode ser recompensado, em que
não há restitutio in integrum, mas momentos de vida que se esvaem”. E o autor conclui
que
esse dano provoca, em verdade, menos momentos de felicidade, seja esta entendida como ócio, mais trabalho, prática esportiva, convívio familiar, com amigos ou momentos de solidão.
O tempo é algo escasso, finito, inacumulável, ininterrompível e irrecuperável. O
tempo é, em última instância, a única coisa que cada um de nós tem para dar ao
mundo em troca do que quer que seja que o mundo tem para nos retribuir. É
verdadeiramente a única moeda de troca que existe. É no tempo que a vida acontece
e se desenrola até o seu desfecho, quando, enfim, o tempo acaba. E é nesse mesmo
tempo que a liberdade é exercida para a autodeterminação da própria vida.
97 Segundo Robert Alexy, a liberdade de escolha e de autodeterminação somente pode ser restringida ou limitada se houver razões suficientes (direitos de terceiros, interesses coletivos) que fundamentem ou justifiquem essa restrição (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 357-358). 98 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 157.
50
Em sendo assim, se tempo é vida e o que fazemos com ele é a expressão da
nossa liberdade, podemos dizer, seguramente, que o tempo é o nosso principal
patrimônio. Todos os bens, direitos e obrigações que possuímos nós só efetivamente
os possuímos enquanto estamos vivos, enquanto livremente dispomos do nosso
tempo aqui nesta vida terrena. Se o tempo que temos acaba (se morremos), acabam,
consequentemente, todos os bens, obrigações e direitos.
O tempo é, verdadeiramente, a medida de tudo; se não há tempo, se não há
vida, não há nada. Ou como bem pontuou Guy Debord,99 “o homem é idêntico ao
tempo”, pois é somente no tempo que o homem se concretiza. Todas as coisas têm o
“seu tempo” e, como todo e qualquer ente intramundano, só podem ter tempo porque
são e estão “no tempo”.100
É inegável, portanto, que o tempo, assim como a vida e a liberdade, é atributo
da personalidade e, como tal, deve ser defendido e protegido, como medida de
alcance ao valor fundamental da dignidade humana.
O bem ou valor que aqui se tutela, portanto, não é a vida em contraposição à
morte nem a liberdade de ir e vir ou de pensamento. Com efeito, o que se tutela,
enquanto atributo da personalidade, é o tempo, que se concretiza na vida e liberdade
de cada indivíduo, isto é, o direito que cada cidadão tem de utilizar o seu tempo de
vida livremente, conforme suas próprias escolhas e aspirações.
A tutela do tempo é, por assim dizer, a tutela do direito que cada ser humano
tem de utilizá-lo livremente, da forma que entender melhor.101
O tempo aparece como sinônimo de quantidade de vida (ou de tempo de vida) e
a tutela diz respeito à liberdade que se exerce sobre essa vida, isto é, sobre a forma
com que se utiliza o tempo.
99 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017. p. 111. 100 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2017. p. 515. 101 TARTUCE, Fernanda; COELHO, Caio Sasaki Godeguez. Reflexões sobre a autonomia do dano temporal e a sua relação com a vulnerabilidade da vítima. In: BORGES, Gustavo; MAIA, Maurilio Casas (Orgs.). Dano temporal: o tempo como valor jurídico. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 112.
51
6 O DANO POR TEMPO PERDIDO
Conforme conclui Rogério Donnini, em sua obra Responsabilidade civil na pós-
modernidade, trabalho fruto da sua tese de livre-docência e que serve de paradigma
doutrinário para o presente estudo, a perda de tempo configura, antes de tudo, uma
lesão a um direito da personalidade e, como tal, é passível de indenização.102
Resta definir, portanto, em quais situações a perda de tempo configura
propriamente um dano ou uma lesão a algum direito da personalidade. Ou seja,
quando a perda de tempo viola interesses personalíssimos, afetando, negativamente,
a vida ou a liberdade do indivíduo (conforme defendemos no capítulo precedente), a
ponto de justificar e demandar uma correspondente e justa reparação.
Como se sabe, é pacífico no ordenamento jurídico nacional103 que o dano é
elemento indispensável, condição sine qua non, à verificação e execução da
responsabilidade civil e, portanto, do dever de indenizar. Sem o dano (ainda que pelo
viés da ameaça ou do risco dele ocorrer), não há responsabilidade civil.104
Consequentemente, o dano por tempo perdido precisa ser bem definido e
caracterizado, até mesmo como pressuposto para sua reparação.
102 “A importância do tempo, sua utilização e a brevidade da vida, enaltecida há milênios por filósofos, poetas e cientistas, tem significado primacial nessa era digital que estamos a presenciar, uma vez que a sensação de que o tempo (e a vida) passa de forma cada mais célere se funda no fato de que a natureza humana, que é flexível, imperfeita e desorganizada, se defronta com um mecanismo inflexível, perfeito e organizado da máquina computadorizada, conectada a uma rede mundial, com consequências na intensidade do trabalho, no acúmulo de tarefas, na falta de lazer, da perda de tempo livre, atingindo até mesmo aqueles que pouco ou nada fazem. [...] O princípio da responsabilidade segue essa visão contemporânea, que se coaduna com a terceira fase da responsabilidade civil, que abarca a proteção da pessoa humana, em consonância, portanto, com a iustitia proctetiva, decorrente dos direitos fundamentais, que impõe uma vida digna, vinculada aos direitos sociais, assim como o princípio neminem laedere, que tem por escopo evitar comportamentos antissociais e visa à prevenção e precaução de danos [...]. Portanto, há real liame entre o princípio da responsabilidade, uma vida feliz, harmoniosa, no plano coletivo, além de uma justa indenização para a violação de direitos, incluindo o tempo perdido (tempo livre), um dos novos direitos da personalidade, que também é protegido pelo direito constitucional ao lazer.” (DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2015. p. 163-165). 103 “O dano é, dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil, o que menos suscita controvérsia. Com efeito, a unanimidade dos autores convém em que não pode haver responsabilidade sem existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde não que reparar.” (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 393). 104 “Condição da existência de responsabilidade civil, como sabemos, é a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir. Apenas em função do dano o instituto [da responsabilidade civil] realiza a sua finalidade essencialmente reparadora e reintegrativa.” (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979. P. 390).
52
Atualmente, há muita discussão na doutrina e na jurisprudência sobre quais
espécies de danos são ressarcíveis em nosso ordenamento jurídico, especialmente
no que diz respeito aos danos de caráter extrapatrimonial. Entendemos, contudo, que
o tempo, representativo da vida e da liberdade humana, é atributo da personalidade
e, portanto, digno de proteção, nos termos do artigo 12 do Código Civil.105
De todo modo, ainda que assim não fosse, fato é que o ordenamento jurídico
pátrio adotou o sistema aberto (ou atípico) de responsabilidade civil, o que significa
dizer que é amplo e abrangente em termos de extensão qualitativa de danos
ressarcíveis, não se limitando a hipóteses legais predeterminadas pelo legislador
(numerus clausus).
De acordo com os ensinamentos de Anderson Schreiber,106 nos ordenamentos
jurídicos considerados atípicos, o legislador prevê tão somente cláusulas gerais de
responsabilidade, que deixam ao Poder Judiciário ampla margem de avaliação no que
diz respeito ao merecimento de tutela do interesse alegadamente lesado. Enquanto
isso, nos sistemas típicos (fechados), o legislador limita o dano ressarcível a certos
interesses previamente definidos, restringindo a atuação judicial.
No caso do ordenamento jurídico brasileiro, justamente, não há qualquer
limitação ou tipificação restritiva de interesses cuja violação possa originar um dano
ressarcível. Pelo contrário, nosso sistema está construído sobre uma cláusula geral
de ressarcimento (conforme artigo 186 do Código Civil,107 ancorado no artigo 5º, V e
X, da Constituição Federal),108 que prevê de forma abstrata o ressarcimento a danos
em geral, sejam patrimoniais, ou extrapatrimoniais, que venham a ser suportados pela
vítima.109
105 Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. 106 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102. 107 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 108Art. 5º [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 109 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102-103.
53
No Brasil, tradicionalmente, o ordenamento jurídico reconhece de forma
positivada apenas duas espécies de danos: os danos patrimoniais e os morais. No
entanto, como explica Clóvis do Couto e Silva, embora a Constituição Federal de 1988
tenha representado um avanço em termos de referência expressa e pacificação da
reparação do dano moral, acabou trazendo, por outro lado, uma visão limitada da
responsabilidade civil, porque na expressão "dano moral", não necessariamente,
estão contemplados todos os danos (do ponto de vista conceitual) de natureza
extrapatrimonial, que devem ser protegidos pelo nosso sistema jurídico.110
Por conta da limitação terminológica do nosso ordenamento, doutrina e
jurisprudência acabaram por contornar a imprecisão técnica normativa, acolhendo sob
o pálio do dano moral (em sentido amplo), danos extrapatrimoniais, não
necessariamente, morais, como é o caso do dano estético, do dano existencial e do
dano biológico. Situação totalmente normal e aceitável dentro de um sistema aberto
de ressarcimento.
Assim sendo, em razão das características do nosso sistema atípico de
reparação de danos e da crescente ampliação da ressarcibilidade verificada nos
últimos anos, ocorreu que a expressão “dano moral” acabou por atrair e açambarcar
toda e qualquer espécie de dano de caráter não patrimonial. Uma espécie de
“categoria subsidiária” para aqueles danos cuja classificação não esteja
sistematicamente consolidada.
Nesse contexto, certamente, o dano por tempo perdido se insere na categoria
de danos extrapatrimoniais, já que o bem jurídico “tempo”, na sua essência, enquanto
dimensão quantitativa da vida e expressão da liberdade, não tem valor econômico.
No entanto, ainda que estejamos falando de um sistema aberto, que admite e
tutela interesses que não estão expressamente previstos no nosso ordenamento, no
que, certamente, poderíamos incluir o dano por tempo perdido como um interesse não
patrimonial, é certo que a tutela do tempo, necessariamente, sempre estará atrelada
110 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 667, p. 7-16, maio 1991.
54
à tutela da vida e da liberdade, que são interesses imateriais expressamente
contemplados e protegidos em nosso ordenamento.111
Dessa forma, não vislumbramos qualquer possibilidade do dano causado a uma
pessoa por indevida perda de tempo não ser passível de reparação e ressarcimento
à luz da responsabilidade civil, seja porque o nosso sistema jurídico é atípico (aberto)
e admite a tutela de novas espécies de dano não tipificadas, seja porque o tempo é
atributo da personalidade (representativo da vida e da liberdade) e, como tal, conta
com expressa proteção legal e constitucional.
Além disso, para que não haja qualquer tipo de dúvida quanto à correta
inteligência das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam a matéria
em estudo, o artigo 5º da atual Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que
disciplina a hermenêutica jurídica, expressamente, determina que “na aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Há, portanto, clara e indiscutível orientação legal no sentido de que as normas
de direito, quaisquer que sejam elas, devem ser interpretadas de forma a atender ao
fim social para o qual a regra foi criada, assim como às exigências do bem comum.112
Ao comentar o citado artigo, Maria Helena Diniz113 esclarece que
ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir (LINDB, art. 5º). O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir da norma, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo. Dessa forma, o intérprete, ao compreender a norma, descobrindo seu alcance e significado, refaz o caminho da fórmula normativa ao ato normativo; tendo presentes os fatos e os valores dos quais
111 Nesse sentido: (i) art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; (ii) art. 21 do Código Civil: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (iii) art. 954 do Código Civil: “A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente”. (grifos nossos) 112 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de Mestrado defendida na PUC-SP, 2012. p. 113. 113 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 153.
55
a norma advém, bem como os fatos e os valores supervenientes, ele a compreende, a fim de aplicar em sua plenitude o significado nela objetivado.
Conforme já tivemos a oportunidade de escrever em outro trabalho,114 o artigo
5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, confere ao magistrado método
interpretativo flexível que lhe permite conferir um alcance mais justo e socialmente útil
à norma que se pretende aplicar, tendo em vista os valores socioculturais presentes
na sociedade no momento da aplicação da norma.
Desse modo, se o tempo, sobretudo nos dias de hoje, é considerado o bem ou
recurso de maior valor e importância para todo e qualquer indivíduo, eis que poder ser
transformado e convertido em simplesmente tudo o que está ao nosso alcance, não
pode o direito, sob o pretexto de ausência de expressa previsão legal, escusar-se de
tutela-lo, principalmente quando o próprio ordenamento jurídico já nos fornece as
ferramentas próprias para protegê-lo, como vimos acima.
Questão das mais complexas, todavia, é determinar as situações em que a
violação do tempo configura um dano passível de indenização, isto é, quando e em
quais circunstâncias o tempo perdido deve ser reparado.
Entendemos que haverá dano ao tempo de uma pessoa sempre que houver uma
ilícita115 interferência externa na liberdade de gerir ou utilizar o seu próprio tempo ou,
no caso, a sua própria vida, como melhor lhe interessar. E haverá dano, também,
enquanto perdurarem os efeitos dessa indevida interferência.
Cada pessoa é livre para fazer as suas escolhas e determinar as suas próprias
ações. Assim é a vida de todos nós. Porém, somos afetados, instante após instante,
pelas mais diversas influências do mundo exterior em nosso poder de
autodeterminação, diante do que somos chamados a fazer escolhas nem sempre
fáceis, que implicam aceitar ou rejeitar as quase infinitas possibilidades de ações que
se apresentam à nossa frente.
114 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef de; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 52 e ss. 115 Nos termos do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” e “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
56
Diariamente, fazemos escolhas, das mais simples às mais complexas, e cada
escolha tem um custo de oportunidade116 e um impacto único, determinante e
irreversível no rumo de nossas vidas. O desenrolar da vida é determinado por nossas
escolhas e uma irônica e imprevisível dose de acaso. É o que se chama de “teoria do
caos”,117 mais comumente conhecida como “efeito borboleta”.
Se vamos levantar da cama quando o despertador tocar, se vamos tomar café e
em que lugar, se vamos dar “bom dia” às pessoas que encontramos e se vamos
cumprimentá-las de forma alegre ou indiferente, qual caminho pegar para ir ao
trabalho, se vamos pagar a fatura do cartão de crédito, qual carro vamos comprar e
se o pagamento será feito à vista ou parcelado, enfim, essas mais variadas escolhas
116 Custo de oportunidade é o preço que se paga ao fazer escolhas, já que cada escolha implica em uma ou mais renuncias à outras escolhas possíveis. Custo de oportunidade é um conceito que usamos todos os dias sem perceber. Imagine que, após um grande período de trabalho, você consegue alguns dias de folga e logo imagina uma viagem para descansar. Ao iniciar o planejamento, no entanto, lembra-se de um evento familiar importante no mesmo período. O que fazer? Avaliam-se os prós e contras de cada oportunidade. Viajar vai proporcionar descanso e novas paisagens, mas o fará perder a chance da companhia dos familiares queridos. Abortar a viagem representará um ótimo tempo em família, mas adeus descanso e novas experiências. Resumindo: abdica-se dos benefícios de uma escolha em favor de outra. Isso é custo de oportunidade. Saindo da perspectiva individual e passando para o social, pode-se pensar no custo de oportunidade como a escolha da alocação dos recursos disponíveis. Ao pensarmos em um recurso natural não renovável, como o petróleo e o granito, por exemplo, e um processo de transformação irreversível, como a queima do petróleo e sua transformação em combustíveis, percebe-se que a alocação dos recursos na produção de algum bem ou serviço levará à renúncia de várias outros. Isso vale, também, para qualquer bem finito. Se tomarmos os terrenos cobertos por mangue ou floresta nativa e decidir-se realizar uma obra no local, um bem será gerado ao mesmo tempo que algumas renúncias. Ao comprar um automóvel o interessado abre mão de aplicar o dinheiro em qualquer outro investimento, como uma aplicação financeira, em troca dos benefícios que aquele bem proporciona. É a eterna avaliação que devemos fazer antes de tomar qualquer decisão. Disponível em: <https://www.btgpactualdigital.com/blog/investimentos/custo-de-oportunidade-o-que-e-tipos-e-como-calcular>. Acesso em: 08/07/2018. 117 A ideia central da teoria do caos é que uma pequenina mudança no início de um evento qualquer pode trazer consequências enormes e absolutamente desconhecidas no futuro. Por isso, tais eventos seriam praticamente imprevisíveis – caóticos, portanto. Parece assustador, mas é só dar uma olhada nos fenômenos mais casuais da vida para notar que essa ideia faz sentido. Imagine que, no passado, você tenha perdido o vestibular na faculdade de seus sonhos porque um prego furou o pneu do ônibus e você não chegou a tempo ao seu destino. Desconsolado, você entra em outra universidade. Então, as pessoas com quem você vai conviver serão outras, seus amigos vão mudar, os amores serão diferentes, seus filhos e netos podem ser outros. No final, sua vida se alterou por completo, e tudo por causa daquele prego! Esse tipo de imprevisibilidade nunca foi segredo, mas a coisa ganhou ares de estudo científico sério no início da década de 1960, quando o meteorologista americano Edward Lorenz descobriu que fenômenos aparentemente simples têm um comportamento tão caótico quanto a vida. Ele chegou a essa conclusão ao testar um programa de computador que simulava o movimento de massas de ar. Um dia, Lorenz teclou um dos números que alimentava os cálculos da máquina com algumas casas decimais a menos, esperando que o resultado mudasse pouco. Mas a alteração insignificante, equivalente ao “prego” do nosso exemplo, transformou completamente o padrão das massas de ar. Para Lorenz, era como se “o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas”. Com base nessas observações, ele formulou equações que mostravam o tal “efeito borboleta”. Disponível em: <https://mundoestranho.abril.com.br/ciencia/o-que-e-a-teoria-do-caos/>. Acesso em: 13/05/2018.
57
estão sempre à nossa frente e cada uma delas traz uma consequência única para
nossas vidas, inexplicavelmente temperada com uma pitada, as vezes maior ou
menor, de sorte ou azar.
A verdade é que o homem é livre para tomar suas próprias decisões e fazer suas
próprias escolhas, e essa liberdade, como vimos, é condição da sua existência digna.
Essa liberdade de escolha carrega, veladamente, uma enorme dose de
responsabilidade, pois todas essas escolhas trazem consequências, muitas vezes,
imprevisíveis, mas pelas quais somos obrigados a responder. Justamente por isso é
que algumas pessoas tomam as rédeas da vida e guiam sua trajetória de forma mais
incisiva e ativa, enquanto outras preferem adotar uma postura mais passiva, deixando
que o acaso faça a sua parte (“deixando a vida nos levar”, como se diz popularmente).
Não há certo nem errado, mas há, claramente, livres escolhas em cada uma dessas
posturas.
Para Jean-Paul Sartre,118 a liberdade se confunde com a angústia das escolhas
que estão diante de cada um de nós, angústia de determinar suas decisões, atos ou
omissões, por sua conta e risco. Quando não há liberdade de escolha, isto é, quando
só há um único caminho a ser seguido, não há angústia, pois não há conflito, não
existe aí responsabilidade na escolha, justamente porque não há alternativa. A
liberdade carrega, desse modo, um alto grau de responsabilidade. Como bem explica
Franklin Leopoldo e Silva:119 “ser livre, nesse sentido, é sentir o peso de sua
responsabilidade sobre seus ombros, sem ter a quem culpar. É nesse aspecto que
Sartre diz que a liberdade impõe uma ‘responsabilidade opressiva’”.
Portanto, temos para nós que sempre que houver uma ilícita interferência nessa
liberdade de escolha, com repercussão direta na forma com que cada pessoa utiliza
ou gasta o seu tempo, haverá, certamente, um dano que comportará uma
correspondente reparação.
118 “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em questão.” (SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Trad. Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 72). 119 LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Ética e literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo: Unesp, 2004. p. 31.
58
Sempre que houver a ação ou omissão voluntária de alguém que injustamente
retire da pessoa o seu livre arbítrio ou o poder de autodeterminação sobre o seu
próprio tempo e lhe consuma tempo de vida, limitando a sua autonomia, haverá dano
à personalidade. Haverá, nessa situação, interferência no tempo da pessoa e,
portanto, um tempo que para ela foi perdido e que demanda reparação.
Na verdade, o tempo nunca é propriamente “perdido”, pois o tempo, em si,
realmente existiu e foi consumido. O tempo perdido, no sentido figurado que aqui se
emprega, significa que o tempo não foi utilizado conforme a própria vontade do seu
titular, em função de uma interferência externa ilícita. Para nós, tempo perdido,
significa, consequentemente, tempo desperdiçado, tempo consumido em desacordo
com vontade (livre-escolha) de seu titular. É a mudança no seu plano de vida, a
intromissão indevida que faz a pessoa gastar o seu tempo em desacordo com o seu
querer original.
O tempo perdido é, por assim dizer, o tempo de vida que foi empregado para
determinada atividade ou circunstância que não estava no planejamento ou anseio da
pessoa, que se vê obrigada, contra a sua vontade, a adotar providências diversas
daquelas que seriam tomadas não tivesse ocorrido a ilícita intervenção externa.
Cada indivíduo tem o direito de escolher, livremente, como quer ou prefere alocar
o tempo de que dispõe, de tal modo que não pode ser obrigado ou forçado a alocar o
seu tempo na contramão de seus interesses.
Obviamente, que, se o tempo não puder ser utilizado como a pessoa quer, em
razão de uma justa e lícita interferência (por exemplo, em decorrência de sua prisão
por um crime que tenha praticado) ou por força do acaso (por exemplo, se ficou presa
no trânsito mais do que previa), não se poderá falar em responsabilidade. Mas sempre
que a interferência na forma com que se utiliza o tempo (e, portanto, a vida) decorrer
de ilícita ação ou omissão de terceiro, esse terceiro deverá responder pelo dano que
causou à vítima.
O dano, portanto, está na perda da liberdade de utilizar o tempo (vida) como bem
se quiser, de determinar os rumos da própria vida, de escrever a própria história.
59
Se o titular do direito não puder fazer as escolhas que se colocam à sua frente
por culpa de terceiro, há clara interferência deste na forma com que a vítima usa o
seu tempo e, via de consequência, a sua vida.
Oportuno, nesse momento, trazer as lições de Cees Van Dam,120 para quem o
que está em jogo e que é aqui mais importante do que qualquer coisa é o direito de
autodeterminação (self-determination) e o direito de escolher o modo de viver a vida
(right to choose their way of life).
Essas escolhas que fazemos diariamente constroem o nosso caminho no tempo,
edificando a história das nossas vidas. Todas essas escolhas, por mais rápidas e
simples que sejam, demandam alguma fração de tempo e, portanto, consomem a
nossa existência. E se usamos a nossa vida de forma diversa daquela que
gostaríamos, estamos, invariavelmente, perdendo tempo, desperdiçando o bem mais
precioso e fugaz que possuímos.
Desse modo, enquanto houver livre-escolha, enquanto o titular puder determinar,
livremente, a sua condição, o tempo estará sendo gasto conforme a sua vontade. No
entanto, se essa liberdade não existir ou se a liberdade for extremamente comprimida
a ponto de não deixar escolhas minimamente razoáveis, o seu titular não estará
dispondo do seu tempo e, portanto, a interferência ilícita causará dano suscetível de
reparação.
Entendemos, assim, que são requisitos para a conformação de dano por tempo
perdido: (i) a interferência antijurídica na liberdade de escolha (ato ilícito); (ii) que essa
interferência seja forte o bastante para limitar significativamente a liberdade da vítima;
e (iii) uma mínima quantidade de tempo em que essa liberdade ou autonomia não
pode ser exercida plenamente por seu titular em razão daquela interferência (dano).
Estando, simultaneamente, presentes esses requisitos (além, é claro, dos requisitos
gerais da responsabilidade civil), haverá perda de tempo passível de ressarcimento,
pois o tempo não foi gasto conforme a livre-vontade de seu titular.
No primeiro requisito, estamos diante de um ato ilícito tradicional, na forma dos
artigos 186 e 187 do Código Civil, com impacto direto na liberdade de escolha ou de
120 VAN DAM, Cees. European tort law. Second edition. New York: Oxford University Press, 2013. p. 194.
60
autodeterminação da vítima. O segundo requisito diz respeito à intensidade da
intervenção, que tem que, efetivamente, retirar da vítima a liberdade e o poder de
fazer as próprias escolhas. Finalmente, o terceiro e último requisito é o dano,
representado pela existência de um intervalo de tempo em que a liberdade de escolha
ou de autodeterminação foi aniquilada ou extremamente limitada.
Vejamos a seguir alguns exemplos que resumem a presença desses três
requisitos: a pessoa que, em razão de um acidente de trânsito, fica acamada por
meses não está apta para dispor, livremente, do tempo que possui nesse período de
internação. O mesmo ocorre com as vítimas de um naufrágio que ficam à deriva no
mar, à espera do resgate. Idem, no caso de uma pessoa que fica por horas presa
dentro de um elevador, em razão do seu mau funcionamento. Havendo a culpa e/ou
a responsabilização pela conduta lesiva, a perda de tempo que se segue completa o
requisito para o ressarcimento do dano por tempo perdido.
Em todas as situações dos exemplos acima, a liberdade da vítima foi aniquilada.
A interferência foi forte o bastante para retirar da vítima a autonomia de utilizar o tempo
conforme seu próprio interesse, representando uma supressão de tempo de vida. Não
houve liberdade de escolha nem livre-disposição do seu tempo pelo período em que
duraram os efeitos da indevida intervenção. Em todos os casos, as vítimas foram,
efetivamente, obrigadas a consumir o seu tempo de vida de modo diverso do que
pretendiam originalmente e assim foi, justamente, em razão da ilícita intervenção de
terceiro.
Ocorre, no entanto, que, em muitas situações, essa ilícita intervenção não
elimina totalmente a liberdade de escolha ou de autodeterminação da vítima, mas a
limita e restringe consideravelmente, afetando a forma com que a vítima usa o seu
tempo, fazendo com que ela venha a utilizá-lo, ainda que com certa
discricionariedade, mas não da forma com que o utilizaria em uma situação sem
aquela interferência.
Nessas hipóteses, embora mais complexas as suas aferições, também haverá
perda de tempo passível de indenização. É o caso, por exemplo, de um cancelamento
de voo em que a vítima se vê obrigada a aguardar longamente no aeroporto, ou em
um hotel, até o novo embarque. A vítima, no caso, até possui algumas escolhas a seu
61
dispor, pode tentar adquirir de última hora uma passagem por outra companhia, pode
ir fazer compras, ler um livro ou comer algo enquanto aguarda, mas, invariavelmente,
a ilícita intervenção alterou a forma com que a vítima gozaria o seu tempo naquela
situação. O mesmo ocorre quando uma pessoa sofre um grave trauma e tem que se
submeter a inúmeros exames, tratamentos e consultas médicas. Novamente, aqui a
vítima tem a opção de não realizar esses procedimentos, mas se vê quase que
obrigada a fazê-los para minimizar os danos sofridos. É fácil perceber que, em ambos
os exemplos, a vítima tem certa autonomia, mas não uma autonomia plena, pois sua
liberdade de escolha foi comprometida e está orientada a minimizar os efeitos da
intervenção ilícita. Nesses casos, a vítima teve que gastar o seu tempo para corrigir o
curso da sua vida, que foi, indevidamente, alterado. Há, claramente, um “custo
temporal”, na medida em que foi levada a empregar esforço e tempo, que jamais lhe
serão restituídos, para sanar a injusta intervenção ou os efeitos dela decorrentes. De
todo modo, essa intervenção limitou a liberdade da vítima e fez com que o tempo não
fosse gasto de acordo com a sua livre-vontade.
É importante notar que a falta de autonomia e liberdade sobre a gestão do tempo
é elemento fundamental para a caracterização do dano por tempo perdido. Enquanto
houver autonomia e liberdade, não há dano por tempo perdido, pois, se não houve
intervenção na autonomia e na liberdade, o tempo foi gasto de acordo com a vontade
da vítima, ainda que aquela forma de utilizar o tempo não fosse considerada ideal.
É por esse motivo que entendemos que situações, como a de longas esperas
para atendimentos em call centers ou em instituições financeiras ou, ainda, em
procedimentos burocráticos para solução de problemas cotidianos, via de regra, não
configuram dano por tempo perdido. É necessário perceber que, nesses casos, (na
grande maioria das vezes) o indivíduo livremente optou, dentre as inúmeras escolhas
que tinha à sua frente, por gastar o seu tempo naquela atividade, exercendo,
certamente, um juízo de valor, ponderando que o custo-benefício de dedicar o seu
tempo àquela finalidade lhe era mais vantajoso do que se não o fizesse. E, se exerceu
a liberdade, gastou o seu tempo e, portanto, viveu como queria.
Para a caracterização do dano por tempo perdido, a vítima deve,
necessariamente, perder a gestão ou autonomia de alocar seu tempo em
conformidade com a sua livre-vontade. Enquanto estiver gastando o seu tempo
62
conforme as suas livres-escolhas, ainda que aquela alocação de tempo não seja a
sua predileta, não haverá dano ao tempo, justamente porque não houve intervenção
na liberdade ou autonomia de escolha em relação à sua utilização.
Sendo assim, para nós, uma analogia interessante seria falar em reparação civil
por “apropriação indevida” do tempo alheio. Empresta-se parcialmente o conceito de
apropriação indébita do direito penal, sem, contudo, confundir os temas, já que,
claramente, a apropriação indevida do tempo alheio não constitui o tipo penal do artigo
168 do Código Penal.
Para Guilherme de Souza Nucci,121 apropriar-se significa apossar-se ou tomar
como sua coisa que pertence a outra pessoa. A expressão carrega, claramente, a
ideia de tirar algo do controle, da posse ou da propriedade de seu titular. No caso de
intervenções indevidas no tempo de vida de determinada pessoa, o tempo é,
justamente, a coisa que sai da esfera de controle do seu titular (a vítima perde a
autoridade que exerce sobre o seu tempo), com a diferença de que aquele tempo não
é transferido para outra pessoa para dele [tempo] se beneficiar. Nesse caso, o tempo
simplesmente passa, se esvai sem retorno. Mas sem a menor dúvida o tempo acaba
sendo empregado, se não em favor do terceiro, certamente em função dele que
causou a ilícita intervenção.
Como sabemos, o tempo não pode ser apreendido nem objeto de propriedade
ou de posse de quem quer que seja, não se transfere a titularidade, muito menos o
direito de usá-lo ou fruí-lo, tampouco se pode levar ao pé da letra a expressão “tempo
perdido”, pois o tempo não se perde. O tempo, como vimos, existiu, esteve lá, não foi
propriamente perdido, mas foi irreversivelmente utilizado (gasto, alocado, consumido)
de forma diferente da que seria, caso não tivesse ocorrido a injusta interferência
externa. O que ocorre é uma espécie de esbulho ou turbação do tempo. Essa é, sem
dúvida, uma outra interessante analogia, no entanto, como o tempo não pode ser
restituído, como ocorre com a posse ou a propriedade de um bem, então o termo
apropriação (na expressão: apropriação indevida do tempo alheio) nos parece mais
adequado para esclarecer o conceito de perda de tempo que pretendemos aqui
121 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 620.
63
empregar, sem prejuízo da comparação para fins didáticos que os termos perda,
esbulho ou turbação representam no caso concreto.
64
7 A REPARAÇÃO DO TEMPO: O BEM JURÍDICO, O DANO E SUA EXTENSÃO
Inicialmente, para viabilizarmos a correta reparação do dano por tempo perdido,
é preciso primeiro delimitar o bem jurídico passível de lesão.
No caso, estamos tratando do tempo, isto é, da quantidade de vida de que
dispomos. Um bem jurídico singular, único, sem semelhança alguma com qualquer
outro bem entre nós existente. O tempo que para nós interessa é o tempo do homem,
é a medida de todas as coisas, porque tudo o que nos cerca e nos diz respeito existe
e acontece em função do tempo que possuímos. E o tempo do homem é, justamente,
a sua vida, ou melhor, o seu período de vida, o interregno entre dois instantes,
qualquer tempo verificado entre o marco inicial da vida, com o nascimento, e o seu
termo final, com a morte.
É, destarte, o espaço em que o homem se projeta enquanto sujeito de direitos e
obrigações. Todos os bens, direitos e obrigações que o ordenamento jurídico tutela
só se justificam em face desse tempo. Se não existir tempo, não existirão os bens
nem direitos ou obrigações, não existirá nada.
Desse modo, o tempo que se pretende tutelar é, justamente, o tempo de vida de
cada indivíduo, o período momentâneo ou transitório pelo qual o homem se torna
sujeito de direitos e obrigações, ou seja, o período em que existimos, é o tempo
enquanto medida quantitativa da vida.
A essência do bem que tratamos neste estudo é, portanto, a vida ou, como
vimos, o tempo que dela dispomos. Ocorre, no entanto, que o tempo de vida é um
bem jurídico abstrato, imaterial, que não pode ser alcançado ou controlado pelo
homem. Logo, a tutela em relação ao bem jurídico tempo é feita através da garantia
do seu exercício, que se dá pela liberdade de dispor do tempo e de conduzir nossas
vidas (nesse tempo que dispomos) conforme os nossos mais íntimos e próprios
interesses. Liberdade de fazer as escolhas que se apresentam à nossa frente e de
autodeterminar as nossas ações, de conduzir o nosso destino e de gerir a nossa
própria vida no tempo (finito e incerto) que possuímos. Por isso, em última análise, o
bem aqui tutelado é a liberdade de viver, pelo viés do tempo, que é, precisamente, o
conteúdo (quantitativo) da vida.
65
Importante destacar que não é objeto deste estudo nem se pretende discutir
aqui, a tutela do tempo do ponto de vista produtivo, de trabalho ou de consumo. Isso
porque, sob essas circunstâncias, o tempo apresenta características materiais e
econômicas concretas, que revelam e traduzem o tempo como ordem de grandeza
patrimonial. Logo, o dano ao tempo produtivo, de trabalho ou de consumo, não é dano
à vida nem à liberdade, é dano material puro.
Também não é objeto deste estudo o tempo sob seu aspecto qualitativo, isto é,
o tempo subjetivo, psicológico ou interno de cada ser humano, que se percebe e se
manifesta diferentemente em cada pessoa, em cada circunstância e sob diferentes
estados de espírito. A percepção subjetiva do tempo, que faz com que segundos
pareçam durar horas e horas passem num piscar de olhos, não é tutelável pelo direito,
senão enquanto angústia, dor ou sofrimento. Porém, nessas situações, a lesão ao
interesse sensitivo não está associada à quantidade de tempo perdido, mas sim ao
estado anímico da vítima, enquadrando-se como dano moral puro ou subjetivo. O
tempo, qualitativamente falando, independe do tempo concreto e objetivo, mas sim do
estado psicofísico da pessoa e, desse modo, não é passível de reparação, a não ser
que o evento danoso se traduza em dano moral propriamente dito.
Não se ignora que o fator temporal é fundamental para a compreensão e
dimensão, tanto do dano material, como do dano moral puro. Mas não é desse tempo
que estamos cuidando neste trabalho.
O tempo que nos interessa como bem passível de tutela é a medida objetiva
dele, aquele que pode ser controlado e confirmado conforme uma regra ou critério
uniforme, comum a todas as pessoas e de fácil acompanhamento e marcação. É, por
assim dizer, o tempo medido pelo relógio e pelo calendário,122 o tempo cronometrado,
despido de qualquer valor sensitivo e pecuniário, portanto, sem qualquer juízo de
valor. Por isso que insistimos em dizer, o bem jurídico tempo é a quantidade limitada
de vida que possuímos e sobre a qual impera a nossa liberdade de agir e de fazer
escolhas conforme nossos interesses.
122 Como vimos no capítulo 4, o relógio e o calendário são criações (ferramentas) humanas para padronizar e medir o tempo.
66
O bem jurídico “tempo” (de vida) distingue-se dos demais bens pelo conjunto dos
seguintes atributos ou características: é intangível, ininterrompível, irreversível,
irrecuperável, irrestituível, limitado (ou escasso), inacumulável, inalienável, e,
finalmente, financeiramente inestimável, ou seja, sem conteúdo econômico.
O tempo é intangível porque não se pode tocar, ver e nem apreender. É um
pouco como a luz que projeta todas as coisas existentes: sabemos que ela existe e
está lá, percebemos a sua presença, mas não se pode alcançá-la.123 O tempo também
não pode ser objeto de interrupção, claramente não pode ser parado nem suspenso,
tampouco acelerado ou retardado, o tempo simplesmente flui na sua velocidade
constante, aconteça o que acontecer.124 É, ainda, irreversível, pois o tempo que se foi
não se pode mais recuperar, tampouco se pode acrescer o tempo perdido ao tempo
que está por vir, de tal forma que o tempo revela-se, também, irrestituível. É, também,
limitado, na medida em que é um bem finito para nós, seres vivos, sendo que, mais
cedo ou mais tarde, invariavelmente, ele terminará para cada um de nós. É, desse
modo, um bem escasso e finito, com a peculiaridade de ser impossível saber quanto
dele ainda nos resta para consumir. O tempo também não pode ser economizado ou
poupado, não se pode acumular tempo para gastá-lo em outra oportunidade.
Outrossim, o tempo é inalienável e irrenunciável, e não porque o direito assim o
determina, mas porque a lei da natureza (física) assim nos impõe. Não se pode
transferir o tempo de uma pessoa para outra nem recusá-lo ou dele abdicar.
Finalmente, o tempo é inestimável, pois não possui conteúdo econômico, não pode
ser medido por valor de mercado.
Em síntese, essas são as características próprias do tempo que aqui nos
interessa, do tempo que cerca o homem e que representa a medida quantitativa da
sua vida.
123 PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo. Trad. Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo, Bauru: Edusc, 1997. p. 218. 124 Obviamente que estamos tratando, aqui, do tempo natural do homem na terra, pois, como preceitua a teoria da relatividade de Albert Einstein, em condições extraordinárias (por exemplo, próximo a massas e gravidades extremamente elevadas), o tempo pode ser deformado, desviado ou ter sua velocidade alterada (HAWKING, Stephen. O universo numa casca de noz. 11. ed. São Paulo: Arx, 2002. p. 11 e 24).
67
O dano ao tempo afeta a forma como cada indivíduo aproveita os momentos
(tempo) de vida de que dispõe, desviando a vítima do caminho desejado e produzindo
efeitos sobre o seu destino. O dano ao tempo equivale, se tomarmos como exemplo
uma partida de xadrez, a fazer um movimento errado com alguma peça do tabuleiro,
que conduzirá a um resultado indesejado, sem mais volta.
Diz respeito à conduta ilícita de terceiro, que representa uma interferência
externa indevida na liberdade da vítima escolher como gastar ou gerir o próprio tempo.
Pressupõe, portanto, uma ação ou omissão externa, cujo resultado ou efeito
impossibilita que a vítima utilize o seu tempo de vida como melhor lhe convenha.
Decorre da violação da liberdade de ação do indivíduo, que o impede de fazer as
escolhas que naturalmente se apresentam diante de si. Podemos dizer, ainda, que se
trata de um óbice indevido na livre-gestão e na livre-iniciativa sobre a própria vida e,
consequentemente, sobre a forma de gastar o próprio tempo.
Como se pode notar, o dano ao tempo é aquele que retira da vítima a liberdade
de gastar o tempo como bem quiser, de viver a vida conforme suas próprias e íntimas
aspirações. A conduta que se pretende reprimir é toda aquela que obstrui ilicitamente
o livre-arbítrio e a autonomia do indivíduo para determinar seus próprios atos dentre
as inúmeras e aleatórias variáveis possíveis.
Todos nós somos livres para gastar o nosso escasso e precioso tempo da forma
que achamos melhor e, assim, conduzir a nossa vida. E sempre que houver uma
conduta externa, ilícita, que interfira nessa liberdade, retirando do indivíduo o poder
de autodeterminação, haverá dano ao tempo a ser indenizado.
Dessa forma, pode-se dizer que o dano ao tempo estará configurado sempre
que existir uma circunstância externa limitadora da liberdade de ação, forte o
suficiente em termos de intensidade, que retire da vítima o direito que ela possui de
escolher a forma de consumir o seu tempo.
O dano, portanto, limita o gozo do tempo, limita a livre-disposição da vida.
Ocorre que essa indevida interferência externa nem sempre vai limitar,
totalmente, a liberdade de escolha da vítima, mas, ainda assim, mesmo nas hipóteses
em que essa limitação for parcial, mas desde que relevante, haverá dano ao tempo.
68
Contudo, não é toda e qualquer limitação parcial na liberdade individual que vai
configurar lesão por tempo perdido. Essa limitação parcial, sem a menor dúvida,
precisa ser, significativamente, relevante para representar efetivamente um dano ao
tempo.
Nas situações em que a liberdade da vítima é totalmente aniquilada fica mais
fácil identificar o dano ao tempo, pois o sujeito fica absolutamente sem escolhas, como
a pessoa que, em razão de um acidente de trânsito, fica acamada por meses não está
apta para dispor livremente do tempo que possui nesse período. O mesmo ocorre no
exemplo das vítimas de naufrágio que ficam à deriva no mar, à espera do resgate. E,
também, com a pessoa que fica por horas presa dentro de um elevador em razão do
seu mau funcionamento.
Em todos os casos acima descritos, a ação ilícita de terceiro retirou da vítima
praticamente toda e qualquer autonomia que ela possuía sobre como gastar ou gerir
o seu tempo naquele período. Às vítimas, não restavam praticamente nenhuma
alternativa, senão aceitar a situação imposta e aguardar o seu desfecho. A liberdade
sobre o que fazer com o próprio tempo (com a vida naquele intervalo) foi totalmente
retirada da vítima.
Porém, nas situações em que a liberdade não é totalmente eliminada, a
constatação do dano é mais difícil, pois nos deparamos com a subjetiva tarefa de
avaliar o grau de autonomia e liberdade que restou à vítima nas circunstâncias
potencialmente lesivas. Ou seja, é preciso perquirir até que ponto a intervenção
externa retirou da vítima o poder de livre-escolha e foi determinante para desviar a
vítima de seu rumo natural.
Nesses termos, considerando os fundamentos que embasam a presente tese
(no sentido de que a lesão ao tempo decorre da violação da liberdade que se tem para
gastar ou gerir o livremente o próprio tempo de vida), entendemos ser essencial que
a liberdade de agir e de escolher seja significativamente comprimida pela ilícita
intervenção de terceiro, deixando a vítima quase que sem alternativas ou com
alternativas que lhe sejam todas prejudiciais, forçando a vítima a optar por aquela que
lhe é menos gravosa, algo parecido com a coação.
69
A restrição à liberdade de agir e fazer as próprias escolhas deve ser relevante e
expressiva para haver dano por tempo perdido e deve, realmente, prejudicar
sensivelmente a liberdade de ação. Enquanto houver liberdade de escolha ou
caminhos razoáveis para a vítima optar em termos de condução da sua vida no tempo,
não haverá lesão a esse bem.
A limitação deve restringir, consideravelmente, a liberdade da vítima, afetando a
forma com que ela gasta o seu tempo, fazendo com que ela venha a utilizá-lo, ainda
que com certa discricionariedade, não da forma com que o utilizaria em uma situação
sem aquela ilícita intervenção.
Nessas hipóteses também haverá perda de tempo passível de indenização. É o
caso, como já vimos, do cancelamento injustificado de voo em que a vítima,
normalmente sem ter o que fazer ou para onde ir, perde a liberdade de escolher como
gastar seu tempo, vendo-se obrigada a aguardar indefinidamente até o novo
embarque. Ou quando uma pessoa sofre um grave trauma e tem que se submeter a
inúmeros exames, tratamentos e consultas médicas, que o impedem de fazer outras
coisas que normalmente faria naquele tempo.
Essas situações diferem muito dos problemas cotidianos onde gastamos certo
tempo para resolver, sobretudo, problemas relacionados à prestação de serviços em
massa, como telefonia, instituições financeiras, cartão de crédito etc.
Problemas e contratempos fazem parte da vida. Por isso, o tempo que gastamos
para corrigir ou resolver alguns problemas que se apresentam diante de nós nem
sempre será considerado tempo perdido passível de reparação. Esses problemas,
ainda que representem uma interferência externa ilícita, em geral, não afetam a
liberdade de o indivíduo conduzir a sua vida. Em outras palavras, é o próprio indivíduo
que escolhe gastar tempo naquela atividade, ainda que pudesse estar fazendo outra
que lhe fosse mais agradável. Mesmo nessas circunstâncias, o indivíduo faz um juízo
livre de valor e de custo-benefício, ele livremente opta em gastar tempo naquela
atividade, porque ela de alguma forma lhe convém. Nesses casos, o indivíduo, ainda
que contrariado, tem as rédeas da vida em suas mãos, é senhor do próprio tempo e
livremente escolhe gastá-lo com aquela atividade ou tarefa.
70
Mesmo em situações de relação de consumo, em que há um ato ilícito do
fornecedor (por exemplo, um serviço mal prestado) esse ato ilícito, via de regra, não
restringe a liberdade de ação e de escolha da vítima, que se dispõe a gastar seu tempo
para resolver a situação ilicitamente criada, mesmo podendo optar por outros
afazeres.
Nesses casos, normalmente, não há dano ao tempo, pois, via de regra, a
liberdade do consumidor não é afetada. De forma geral, nessas situações, o
consumidor está no livre-exercício da sua vontade e, normalmente, opta por gastar
certo tempo com determinada tarefa burocrática, embora nada prazerosa, porque
aquilo para ele é importante. Mas não haverá dano por perda de tempo, pois a escolha
sempre esteve nas mãos do consumidor, que, livremente, optou por seguir aquele
caminho. Obviamente que, se há ilícito ou abuso por parte do fornecedor do serviço
ou produto, o consumidor poderá pleitear os danos materiais ou morais próprios. Mas
dano ao tempo, certamente, não haverá.
Como se pode notar, a intervenção ilícita deve atuar, enquanto requisito para a
configuração do dever de reparação, justamente sobre a liberdade que a vítima tem
de escolher como gastar o seu tempo; do contrário, não haverá dano por tempo
perdido.
Delimitado o bem jurídico passível de tutela e as características do dano, passa-
se a analisar a real extensão do dano por tempo perdido, assim compreendida como
a quantidade de tempo indevidamente retirada da vítima. Se, nos termos do art. 944
do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano, obviamente que
compreender o dano em toda sua dimensão é fundamental para assegurar a sua
adequada e justa reparação.
Felizmente, diferentemente do que ocorre no dano moral, a extensão do dano
ao tempo é de muito mais fáceis percepção e medição, já que se trata de um conceito
com medida objetiva, segundo critérios universalmente padronizados: segundos,
minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas etc. Não há, na extensão do
tempo (logo na extensão do dano), subjetivismo na sua apreciação, ou seja, não há
presunção nem intepretações do estado anímico ou psicológico da vítima, como sói
acontecer com o dano moral subjetivo ou com o dano estético.
71
A extensão do dano por tempo perdido é simples e exatamente a quantidade
objetiva de tempo indevidamente desperdiçada por ação de terceiro. É o resultado de
uma habitual e descomplicada operação matemática que revela em sua equação a
quantidade de tempo perdido, ou seja, a extensão do dano ao tempo. A extensão do
dano é, portanto, o produto (quantidade de tempo) resultado da diferença apurada
entre o tempo total disponível e o tempo desperdiçado em decorrência de ilícita
intervenção externa. O resultado dessa equação é, justamente, a extensão do dano,
o tempo perdido, a quantidade de vida que foi suprimida da vítima, ou melhor, que foi
injustamente gasta na contramão dos seus interesses, o tempo em que não foi
possível exercer livremente a sua vontade.
Esse tempo, resultado da equação mencionada, é o dano objeto de reparação
de acordo com o nosso estudo e que encontra amparo em nosso ordenamento
jurídico. Não tão simples, contudo, é a delimitação dos critérios para fixação da
indenização que visa à sua reparação, mas isso será objeto de capítulo específico
mais adiante.
72
8 A REPARAÇÃO DO TEMPO PERDIDO NA EXPERIÊNCIA NACIONAL
O tema, genericamente falando, certamente, não é nenhuma novidade em
nossos Tribunais. Ainda que de forma bastante tímida, a jurisprudência nacional tem
caminhado, já há alguns anos, no sentido de reconhecer a possibilidade de reparação
do tempo perdido.
Conforme bem adverte o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização.125
Nesse mesmo sentido, o Desembargador Soares Levada, do Tribunal de Justiça
de São Paulo, apoiado no escólio de Rogério Donnini, explica que o “tempo perdido
indevidamente configura lesão à personalidade da vítima, que viveu menos”126 e que,
portanto, deve ser objeto de reparação.
Ocorre, no entanto, que, apesar da reparação do tempo injustamente perdido já
ser um tema minimamente recorrente em nossos tribunais, a jurisprudência não tem
dado a atenção e a importância que o assunto requer. Infelizmente, os julgados que
já abordam o assunto o têm tratado não de forma percuciente, como seria desejável,
mas de forma muito superficial e limitada, restringindo, por demais, a reparação do
tempo indevidamente perdido, tratando o tempo não como um bem em si, mas como
fato de segunda grandeza e importância, restrita a um determinado segmento social
e valorizado, apenas, na proporção de suas supostas qualidades materiais.
125 CARVALHO, Luiz Fernando Ribeiro de. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual. AMAERJ Notícias Especiais, n. 20, jun. 2004. 126 TJSP, Apelação 1000388-50.2016.8.26.0348, Relator Desembargador Soares Levada, Data do
Julgamento 15/05/2018.
73
Diversos já são os julgados, sobretudo nos Tribunais de Justiça de São Paulo e
do Rio de Janeiro, em que se reconhece a necessidade de se indenizar a perda de
“tempo útil”127 ou “tempo livre”.128
127 1. “Não se pode negar que a conduta das rés tem subtraído do consumidor um valor precioso, que é seu tempo útil, situação que gera dano e, por isso, passível de indenização” (TJSP, Apelação 0000931-10.2014.8.26.0326; Relator Desembargador Sérgio Shimura, Data do Julgamento: 14/02/2017). 2. “Reclamações não atendidas pela via administrativa, ficando claro o desgaste e a perda do tempo útil a configurar o dano moral indenizável. A indenização a título de dano moral pela perda do tempo útil não só atende a sua finalidade compensatória, como também prestigia a finalidade pedagógica, que também reveste aludida indenização, pois visa coibir a reincidência da conduta lesiva, notadamente porque tinha a apelada condições de resolver administrativamente o problema, 2 ALSD preferindo, no entanto, em flagrante desrespeito aos direitos do consumidor, escolher o cômodo caminho da inércia, ignorando ou negligenciando na apuração das reclamações levadas a efeito pelo consumidor, ora apelante, o forçando a buscar, pela via judicial, solução que facilmente seria encontrada pela via administrativa.” (TJRJ, Apelação Cível 0002766-28.2016.8.19.0077, Relator Desembargador Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, Data de julgamento: 20/06/2018). 3. “APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE SERVIÇOS TELEFÔNICOS E INTERNET. COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS. ABORRECIMENTOS E FRUSTRAÇÕES QUE ENSEJAM A COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS EXPERIMENTADOS. A insistência de cobrança de serviços não contratados é abusiva e enseja o pagamento de indenização por danos morais, porquanto gera frustrações e perda de tempo útil que suplantam os aborrecimentos cotidianos. Se o consumidor contratou determinado serviço, a emissão de faturas insistindo na cobrança de valores pertinentes a outros serviços não contratados, além de indevidos é absolutamente inconveniente e irritante, sobretudo quando mantida após reclamação e ajuizamento de ação. Evidente dissabor sofrido, considerando a perda do tempo útil e o desfrute despreocupado do serviço. Questão que não pode desaguar no judiciário sem a devida reprimenda, sendo certo que poderiam ter sido evitadas de forma administrativa, através de simples atenção por parte do fornecedor do serviço. Honorários advocatícios invertidos e fixados consoante o trabalho desenvolvido em grau recursal. Conhecimento e provimento do recurso.” (TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL 0203701-21.2016.8.19.0001, Relator Desembargador Rogerio de Oliveira Souza, Data de julgamento: 12/06/2018). 128 1. “No âmbito da indenização por dano moral, tem sido admitida pela jurisprudência a indenização pela perda do tempo livre do consumidor, denominada de 'Desvio Produtivo do Consumidor' – A indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores – Tendo a ré se recusado injustificadamente a alterar o endereço de ligação da linha telefônica, bem como em virtude da ausência de impugnação específica às afirmações do autor de que efetuou diversas ligações buscando a solução do problema, que perdurou cerca de três meses, caracterizados os danos morais sofridos pelo autor, em razão da perda do tempo livre do consumidor.” (TJSP, Apelação 1006221-17.2016.8.26.0003, Relator Desembargador Salles Vieira, Data do julgamento: 29/06/2017). 2. “Não é demais anotar a nova teoria que permite responsabilização também pela perda do tempo livre, elemento que deve ser considerado para a fixação da indenização. Modernamente, em era de globalização e de tecnologia, não apenas as distâncias ficaram diminutas, mas especialmente o tempo restou escasso para a realização das diversas e imediatas tarefas a que estamos ligados e dependentes no cotidiano. Na situação, por certo, além da insegurança de ver-se cobrado reiteradamente pelo que não devia, o apelante também precisou despender de seu tempo livre para resolver o problema, que apenas encontrou algum norte pela prestação jurisdicional. Ora, para solução do problema, o apelante realizou diversos contatos, precisando realizar mais de um em alguns meses, conforme histórico não impugnado reunido às fls. 14, com evidente perda do tempo livre.” (TJSP, Apelação 0003212- 75.2012.8.26.0368, Relator Desembargador Sá Moreira de Oliveira, Data de julgamento: 10/04/2013). 3. “CONSUMIDOR – Prestação de serviços de telefonia móvel – Desconstituição de valores lançados em faturas mensais – Reiteração de lançamentos indevidos mesmo após intervenção do PROCON e ANATEL – Linha bloqueada – Dano moral constatado em razão do tempo livre perdido para dirimir a
74
Ocorre, no entanto, que não é apenas o “tempo útil” ou o “tempo livre” que devem
ser objetos de proteção e tutela pelo ordenamento jurídico vigente. O tempo
considerado útil e o tempo livre são, sem a menor dúvida, dignos de proteção. No
entanto, do nosso ponto de vista, para fins de reparação, pouco importa a qualidade,
a natureza ou a finalidade do tempo violado. O tempo, como vimos, é medida da vida
e o que cada um faz com ele integra o direito de liberdade de opções que tem o ser
humano.
Não concordamos com o emprego da expressão “perda de tempo útil”, na
medida em que ela carrega, no mínimo, uma ideia falsa de que existe, em
contraposição, um tempo não útil (inútil), isto é, um tempo que não pode ser
aproveitado ou utilizado e que, portanto, não seria objeto de proteção nem de
reparação. Mas isso seria um enorme erro, pois o tempo é, sempre e invariavelmente,
útil, ainda que ele possa ser desperdiçado com afazeres, por assim dizer, pouco
nobres. Fato é que não cabe a ninguém, nem mesmo ao Poder Judiciário, julgar como
cada um utiliza o seu tempo.
Se o tempo é a medida da vida, cabe, exclusivamente, a cada um avaliar e
determinar como deseja utilizar o próprio tempo. E, dessa forma, útil ou não (usado
para fins virtuosos ou ordinários), o tempo, se indevidamente suprimido de alguém,
deve, sempre, ser objeto de proteção e reparação.
Ainda que a expressão “perda de tempo útil” possa, numa interpretação mais
abrangente, significar, também, perda de tempo disponível (isto é, que se tem à
disposição para gastar), o emprego dessa expressão, mesmo assim, nos parece
inadequada para o fim a que se destina, pois, nesse caso, soa como redundância.
Isso porque, materialmente falando, não existe outro tempo que não aquele de que
dispomos a cada momento em que vivemos. Não existe um tempo considerado
indisponível. O tempo futuro é incerto, é uma mera expectativa, enquanto que o tempo
passado já se esvaiu. Ambos não existem, a não ser em nossas mentes. Logo, a
expressão tempo útil, qualquer que seja o seu significado, não serve para qualificar
questão – Demonstração do total descaso da operadora de telefonia com a consumidora – Indenização fixada em R$ 13.500,00 – Apelo provido.” (TJSP, Apelação 9086031-89.2008.8.26.0000, Relator Desembargador Ricardo Negrão, Data de julgamento: 09/05/2011).
75
nem para explicar a existência de um tempo específico, que deva ser objeto de
proteção pelo ordenamento jurídico.
Por sua vez, a expressão “perda de tempo livre” nos parece menos equivocada,
se considerarmos que existe, de fato, um tempo considerado livre, que é aquele (na
acepção mais ampla do termo) dedicado ao lazer,129 e outro tempo ocupado com
afazeres e tarefas não tão prazerosas ou dedicado ao trabalho. Mas, novamente, aqui
se incorre na imprecisão técnica de se admitir como tutelável apenas o tempo livre, e
não o tempo ocupado com o trabalho ou com outras atividades do dia a dia, como se
este último (tempo ocupado ou tempo de trabalho) possuísse uma natureza jurídica
distinta daquele e fosse indigno de proteção.
Aliás, nessa situação, identificamos, ainda, a difícil, quiçá impossível, tarefa de
distinguir o que é prazer ou lazer e o que não é. Mesmo que, à primeira vista,
possamos ter a impressão de que o tempo dedicado aos amigos, à família e ao
descanso, sejam exemplos de um tempo de lazer, ao passo que o tempo dedicado ao
trabalho seria um tempo não tão prazeroso assim, para muitas pessoas, é justamente
o inverso. Em muitos casos, o trabalho é algo extremamente prazeroso, algumas
vezes, é até a razão de viver da pessoa. Enquanto isso, para tantas outras, a família
ou o próprio tempo ocioso é um enorme fardo. Novamente, não cabe a ninguém julgar
o que é lazer ou prazer para as pessoas, quando se está avaliando o tempo por elas
perdido. O sentimento ou a percepção qualitativa que temos sobre como utilizamos o
tempo são totalmente irrelevantes para a avaliação da existência de dano por tempo
perdido.
O tempo é medida objetiva de lapso temporal, é o espaço que existe entre dois
momentos ou instantes determinados. A qualificação do tempo em útil, livre ou de
lazer não se justifica para fins de apuração de eventual lesão ao tempo de uma pessoa
e a necessidade de reparação. Logo, útil ou não, dedicado ao lazer, ao trabalho ou ao
ócio, o tempo deve ser, sempre, um bem passível de proteção pelo nosso
ordenamento jurídico.
Assim sendo, com o devido respeito às opiniões contrárias, os julgados que
tratam da proteção do tempo útil e do tempo livre, embora já representem um
129 Prazeres da vida, alimentação, higiene, descanso, ócio etc.
76
significativo avanço em matéria de proteção dos direitos da personalidade, ainda está
longe do ideal. A restrição jurisprudencial à tutela do tempo útil e do tempo livre contém
intrinsecamente uma limitação gigantesca à ampla reparação do tempo, assim
qualificado como atributo da personalidade, pois deixa de fora do arcabouço jurídico
uma infinidade de situações em que o tempo é violado.
Outro ponto que nos chama a atenção em relação aos julgados que tratam do
tema é que a quase totalidade dessas decisões resumem-se a tutelar apenas
situações acobertadas pelo Código de Defesa do Consumidor, ou seja, relacionadas
a situações em que há efetiva vulnerabilidade do consumidor em face de seus
fornecedores, sejam eles da esfera privada ou pública. Para esses julgados, o tempo
parece ser um bem jurídico, apenas quando há hipossuficiência ou desequilíbrio de
força entre as partes, como acontece nas relações consumeristas e nas relações entre
o Estado e seus administrados, onde estes são reiteradamente vítimas de abusos e
danos diversos.
Infelizmente, ainda são muito escassos os julgados que abordam a reparação
do tempo perdido em relações contratuais paritárias ou não acobertadas pelo Código
de Defesa do Consumidor e em relações jurídicas extracontratuais. Mas não deveria
ser assim. Não há motivo para esse tipo de discriminação. Ao que nos parece, existe
aqui, na realidade, muito mais um juízo de conveniência e comodidade, do que
propriamente uma limitação ou restrição material à ampla reparação do tempo
perdido. E essa conveniência ou comodidade está presente tanto naqueles que
pleiteiam em juízo, quanto naqueles que julgam, na medida em que se sentem mais
confortáveis em tratar do tema “tempo perdido”, quando amparados no Código de
Defesa do Consumidor, contexto historicamente mais inovador, permissível e
tolerante em matéria de responsabilidade civil.
Em se tratando de tempo perdido, fundamentada no Código de Defesa do
Consumidor, a jurisprudência tem acolhido até com certa facilidade os pleitos
indenizatórios.130
130 “APELAÇÃO. COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS PELA INTERNET. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Atraso de quase 8 (oito) meses na entrega dos produtos. Consumidor que solicitou, por diversas vezes, o cancelamento da compra e a devolução das quantias pagas, sem, contudo, obter êxito. Teoria do tempo perdido. Dano moral configurado em razão do tempo perdido pelo consumidor na busca, sem sucesso, pelo produto desejado.” (TJSP, Apelação 1003713-
77
É curioso notar, nesses julgados, que não há nenhum grande raciocínio jurídico
ou exercício interpretativo para fundamentar a reparação do tempo perdido do
consumidor. Basta estar comprovada a relação de consumo e a situação que
evidencia a injusta e indevida perda de tempo para que se imponha a condenação ao
fornecedor infrator.
Não há uma única norma jurídica no diploma consumerista que autorize,
expressamente, a reparação do tempo perdido e, mesmo assim, os tribunais aceitam
aplicá-lo, reconhecendo efetivamente que o tempo, indevidamente desperdiçado por
conduta de terceiro, representa um dano, como se infere do seguinte julgado:
o tempo é um bem precioso e vem se tornando um recurso cada vez mais escasso na sociedade contemporânea, sendo justa e legítima a indenização do tempo perdido e desperdiçado pela prática de conduta lesiva do fornecedor”.131
E nessa mesma linha destacamos: “não se pode negar que a conduta das rés
tem subtraído do consumidor um valor precioso, que é seu tempo útil, situação que
gera dano e, por isso, passível de indenização”.132
Mais recentemente, a discussão também chegou ao Superior Tribunal de Justiça
e ganhou força através da aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor,133
que defende que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de
problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável.
69.2017.8.26.0066, Relator: Costa Wagner, 18/12/2018); e “APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – APELO DO AUTOR BUSCANDO MAJORAR A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Argumentos do apelante que, em parte, convencem – Autor que buscou resolver a questão administrativamente, mas não foi atendido – Tempo perdido que jamais será restituído ao consumidor – Indenização por danos morais majorada para R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando-se a extensão dos danos, grau de culpa do ofensor e necessidade, ainda que indireta, de que a indenização também surta efeito pedagógico – Verba ora fixada em importe inferior ao pleiteado, mas que bem atende aos fins a que se destina.” (TJSP, 1012881-59.2018.8.26.0002, Relator: Sérgio Gomes, 28/08/2018). 131 TJRJ, Apelação Cível 0003826-23.2013.8.19.0083, Relator: Desembargador Nagib Slaibi, de 16/05/2018. 132 TJSP, Apelação 0000931-10.2014.8.26.0326, Relator: Desembargador Sérgio Shimura, de 14/02/2017. 133 A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada pelo advogado Marcos Dessaune, estabelece que: “O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-mar-26/tempo-gasto-problema-consumo-indenizado-apontam-decisoes>. Acesso em: 22/06/2018.
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O tema já foi abordado em quatro recentes decisões do Superior Tribunal de
Justiça, sendo a mais hodierna delas134 do Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do
Agravo em Recurso Especial 1.260.458/SP, que confirmou a decisão do tribunal local,
reconhecendo, no caso concreto, a ocorrência de danos morais com base na Teoria
do Desvio Produtivo do Consumidor. De acordo com o ministro Marco Aurélio Bellizze,
citando o escólio de Marcos Dessaune,
especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar.
As demais decisões do Superior Tribunal de Justiça que abordam,
expressamente, o tema, são dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,135 Antônio
Carlos Ferreira136 e Fátima Nancy Andrighi,137 todas elas também atreladas às
situações de relação de consumo.
Importante extrair dessas decisões e, também, das decisões dos tribunais locais
que não existe, em nenhuma delas, um fundamento jurídico especial, tampouco
qualquer construção jurídica mais complexa, que justifique a reparação do tempo
perdido, muito menos condicionando a reparação do tempo, injusta ou indevidamente
perdido, exclusivamente, a situações acobertadas pelo direito do consumidor.
Não há qualquer justificativa para que a teoria do tempo perdido, do tempo útil,
do tempo livre, ou do desvio produtivo, fique atrelada apenas às situações de
consumo, pois isso equivaleria a dizer que o tempo fora do espectro da relação
consumerista não seria um bem jurídico objeto de proteção.
Se o ordenamento jurídico não restringe a tutela do tempo a situações de
consumo, não pode haver nenhuma barreira à reparação do tempo em situações não
acobertadas pelo Código de Defesa do Consumidor. E, ainda que houvesse algum
tipo de restrição, esta, certamente, seria inconstitucional, pois o tempo é vida (é um
134 Até o presente momento, com data de 25/04/2018. 135 STJ, AREsp 1.132.385/SP, de 03/10/2017. 136 STJ, AREsp 1.241.259/SP, de 27/03/2018. 137 STJ, REsp 1.634.851/RJ, de 18/10/2017.
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bem que integra a personalidade) e a Constituição Federal, protegendo a vida de toda
e qualquer pessoa, como bem de valor, igualmente, protege o tempo em que ela se
exerce.
A proteção extraordinária que o Código de Defesa do Consumidor confere aos
consumidores definitivamente não tem o condão de tutelar o tempo de forma diferente
para quem está acobertado pelo referido diploma. Quando muito, a norma
consumerista deve facilitar, em relação ao consumidor, a defesa desse bem jurídico
(tempo) visando a corrigir eventuais vulnerabilidades ou hipossuficiências apuradas
no caso concreto (art. 6º, VIII, do CDC).138
Claramente, o Código de Defesa do Consumidor tem funcionado como um
facilitador da tutela do tempo em situações por ele resguardadas. Os jurisdicionados
e os aplicadores do direito, a toda evidência, sentem-se mais à vontade para viabilizar
a tutela do tempo na seara consumerista. Trata-se de um ambiente jurisdicional mais
permissivo e complacente, mais aberto para inovações e novidades que visam a
proteger ou conferir mais garantias aos consumidores. Verifica-se aqui, portanto, a
força extrema do protecionismo do Código de Defesa do Consumidor, a garantir uma
tutela de direitos mais adequada e eficaz a apenas uma classe da sociedade.
A crítica que aqui se apresenta não deve, de forma alguma, ser mal interpretada.
O reconhecimento do tempo como bem jurídico nas relações de consumo é de suma
importância para a responsabilidade civil. É, talvez, a porta de entrada para a ampla
tutela do tempo em nosso ordenamento jurídico. No entanto, a crítica ora formulada é
pontual e direcionada, exclusivamente, a uma incompreensível e injustificada
ausência de tutela do tempo perdido em relações jurídicas não acobertadas pelo
Código de Defesa do Consumidor. Demos vivas, portanto, ao Código de Defesa do
Consumidor!
Mas, essa situação, longe de ser um cenário ruim, é, sem a menor dúvida, uma
condição ainda injusta, que deve ser corrigida o mais rápido possível, ampliando-se
138 Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
80
ao máximo o espectro de situações jurídicas em que o tempo violado efetivamente
comporte algum tipo de reparação.
Finalmente, a principal crítica que se faz à forma com que a jurisprudência
nacional trata do tema, é que a totalidade desses julgados não considera o tempo
perdido como um dano autônomo, como uma categoria própria de dano
extrapatrimonial, com concretude em si mesmo, mas apenas como um dos aspectos
ou uma mera circunstância agravante do dano moral.
Sem nenhuma exceção, todos os julgados pesquisados alocam, quase que
automaticamente (sem nenhuma justificativa ou fundamentação), a reparação do
tempo perdido dentro da indenização por danos morais, como se fossem a mesma
coisa. Nos raros julgados em que a indenização autônoma por tempo perdido chegou
a ser debatida, as decisões foram simples e objetivas, apenas esclarecendo que a
violação do tempo configura dano moral.139 De acordo com alguns desses julgados, a
indevida perda de tempo representa uma frustração, um sentimento de indignação e
impotência que extrapola o mero dissabor e que irradiam reflexos diretos ao
patrimônio moral da vítima.140
139 Nesse sentido, vale comentar o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no recurso de apelação 1002012-67.2015.8.26.0220, de relatoria do Desembargador Pedro Kodama, em que se decidiu que a reparação pelo tempo perdido não comporta pedido de indenização autônomo, pois já integra a indenização por danos morais. De acordo com o citado acórdão, o tempo indevidamente despedindo pela vítima já é levado em consideração no momento de fixação da indenização pelos danos morais: “o pedido de indenização pelo tempo perdido foi devidamente apreciado pela magistrada a quo, a qual entendeu que tal ressarcimento integra os danos morais fixados (...). Não comporta acolhimento o pedido de condenação da ré ao pagamento de indenização por tempo perdido, isto porque as intercorrências que os autores tiveram para resolver a questão de sua bagagem já foram levadas em consideração na imposição da indenização por danos morais, vez que as situações que passaram contribuíram para a lesão moral cuja reparação foi determinada. Diferente do que sustentam os autores, não há necessidade de fixação de indenização autônoma para o tempo perdido, conforme bem destacou a ilustre sentenciante: A perda de tempo útil, também conhecida como o ‘desvio produtivo do consumidor’, se configura quando este, diante de uma situação de mau atendimento, é obrigado a desperdiçar seu tempo útil e desviar-se de seus afazeres, situação que também constitui lesão a direito imaterial do consumidor: o tempo perdido não pode em princípio ser medido financeiramente mas abala as esferas imateriais da vida individual, integrando também todos os aspectos relacionados ao dano moral”. (TJSP, Apelação 1002012-67.2015.8.26.0220, Relator: Desembargador Pedro Kodama, de 20/09/2016). 140 PELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDENIZAÇÃO MORAL – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA REQUERIDA – TÓPICO NÃO RECORRIDO – TEMA
INCONTROVERSO – RESPONSABILIDADE CIVIL DA RÉ E DANO EXTRAPATRIMONIAL – CONFIGURAÇÃO – COBRANÇAS INDEVIDAS REITERADAS E PERDA DE TEMPO ÚTIL PELO
CONSUMIDOR – QUANTUM INDENIZATÓRIO – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA – MARCO INICIAL. – Não havendo Recurso das partes em relação ao tópico da Sentença que reconheceu a falha na prestação de serviços da Operadora de telefonia, não cabe ao Tribunal a análise dessa questão, que se tornou incontroversa. – As reiteradas cobranças indevidas de valores e a perda de tempo útil
81
Mas a verdade é que a perda de tempo em nada se confunde com o dano moral
puro (dano moral stricto sensu).
O dano ao tempo de uma pessoa, como vimos nos tópicos precedentes, é dano
que afeta a forma com que a vida e a liberdade do indivíduo são exercidas. É um dano
à forma com que o tempo é utilizado. Consequentemente, não se confunde com o
dano moral puro. Trata-se de conceitos distintos. Aliás, essas duas espécies de danos
podem, inclusive, coexistir, como veremos melhor no próximo capítulo.
A expressão “dano moral” quando interpretada de forma abrangente (latu senso),
isto é, quando contraposta à expressão danos patrimoniais (portanto, como sinônimo
de dano imaterial), contempla a lesão a interesses da personalidade e pode, nessa
situação, abarcar a lesão por tempo perdido, assim como outros danos imateriais. No
entanto, a expressão “dano moral” quando empregada de modo restrito (como
sinônimo de dano moral puro ou subjetivo, assim considerada a lesão, ou abalo ao
corpo físico, ou psíquico da vítima), em nada se confunde com a lesão ao tempo, na
medida em que o tempo em si não integra o patrimônio físico nem psicológico da
vítima, pelo contrário, é a própria quantidade de vida da vítima ou, no mínimo, uma
parte dela. E quando analisamos um caso prático para fins de apuração do dano e da
correspondente reparação, é essa segunda interpretação que interessa ao direito.
Portanto, claramente estamos diante de bens jurídicos distintos que não podem ser
confundidos.
Além disso, a quantificação do dano por tempo perdido não tem a ver com o
preço da dor (pretium doloris), mas sim com o preço da vida e da liberdade da vítima,
ou seja, o preço efetivo do tempo que cada um de nós dispõe aqui nesta vida terrena
e em que somos livres para tomar as decisões e fazer as escolhas que melhor nos
interessem.
do Consumidor, nos âmbitos administrativo e judicial, para solucionar o problema em relação às essas exigências irregulares, acarretam ao Consumidor os sentimentos de impotência, frustração e indignação, que extrapolam o mero dissabor. – O quantum da indenização por lesão extrapatrimonial deve ser arbitrado de forma proporcional às circunstâncias do caso, com razoabilidade e moderação, e em atenção aos parâmetros adotados pelos Tribunais. – Sobre o montante da condenação por danos morais, em se tratando de relação contratual, devem incidir os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, além de correção monetária, pelos índices da CGJ/MG, desde a data da Decisão que arbitrar a respectiva indenização, nos termos da Súmula nº 362, do STJ. (TJMG, Apelação 10145150118324001, Relator: Desembargador Roberto Vasconcellos, DJ 03/10/2017).
82
O tempo perdido é mais claro e objetivo que o dano moral. Contém um nível de
abstração intermediário, entre o dano material e o dano moral. É materialmente
aferível pela própria marcação do tempo, pelo resultado da diferença apurada entre o
tempo total disponível e o tempo indevidamente desperdiçado em decorrência de
conduta ilícita de terceiro. O resultado dessa equação é, justamente, o tempo perdido,
a quantidade de vida que deixou de ser livremente vivida, que foi suprimida da vítima,
ou melhor, que foi injustamente gasta de forma contrária ou desalinhada com seus
interesses.
O grande problema é que, apesar da concretude do dano ao tempo, esse bem
jurídico, assim como já ocorre no dano moral, não tem equivalência pecuniária direta.
A dificuldade reside, justamente, em conferir um valor para esse tempo. Mas, isso não
é tarefa impossível. Nada que já não tenhamos superado com relativo sucesso
quando surgiram as primeiras discussões em torno da reparação dos danos morais,
do dano estético e do dano à imagem, há não muito tempo.
Mas, a bem da verdade, é muito melhor tratar a perda de tempo como dano
moral, ainda que, segundo nosso ponto de vista, de forma equivocada, do que
simplesmente ignorar a sua existência e não proteger nem reparar esse dano.
A jurisprudência nacional está, sem sombra de dúvida, no caminho certo, apesar
de caminhar a passos lentos. Cabe à doutrina fornecer os subsídios necessários para
encurtar esse caminho e garantir que o tempo seja, o mais brevemente possível,
objeto de ampla e adequada tutela jurisdicional.
83
9 A REPARAÇÃO AUTÔNOMA DO TEMPO PERDIDO (EM RELAÇÃO AO DANO
MORAL)
Não pretendemos, neste trabalho, discutir as categorias ou espécies de dano
contempladas em nosso ordenamento, pois, como já nos referimos anteriormente
neste estudo, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema aberto (ou atípico)
em termos de responsabilidade civil e está construído sobre uma cláusula geral141 de
ressarcimento, o que significa dizer que é amplo e abrangente em termos de extensão
qualitativa de danos ressarcíveis, garantindo a todos os cidadãos a proteção e
reparação de toda e qualquer espécie de lesão, não importando a sua nomenclatura
ou a qual categoria o dano pertença.
Tanto é assim que surgiram nos últimos anos novas espécies de danos que vêm
sendo acolhidos, em maior ou menor grau, pela doutrina e jurisprudência nacionais.
É o caso do dano estético, dano existencial e do dano biológico, por exemplo.
De todo modo, é importante destacar que entendemos que existem duas
macrocategorias de dano: os danos patrimoniais (ou materiais) e os danos
extrapatrimoniais (ou imateriais). Essas categorias se distinguem pela natureza
jurídica do dano.
A primeira categoria inclui todos os bens e direitos suscetíveis de valoração
pecuniária direta e imediata, ou seja, que são apreciáveis em dinheiro142. A
equivalência econômica ou o valor de mercado é sua condição. Dentro dessa primeira
categoria, estão os danos emergentes, os lucros cessantes, a perda de uma chance,
sem prejuízo de novas subespécies de danos patrimoniais que eventualmente
venham a surgir, mas tenham a mesma noção de patrimônio econômico.
A segunda categoria, por sua vez, parece-nos ter uma espécie de competência
residual, a contemplar todo e qualquer tipo de dano que não possua essa associação
patrimonial ou pecuniária direta e imediata (danos, portanto, não patrimoniais).143 São
141 Conforme artigo 186 do Código Civil, ancorado no artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 142 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 398-399. 143 Como já ocorre na classificação do Direito Português e Italiano, vide, respectivamente, ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1979. p. 291, e CUPIS, Adriano de. El daño. Traducción de la 2ª edición italiana. Barcelona: Bosch Ed., 1975. p. 120.
84
danos cuja condição e característica comum está justamente na ausência de
equivalência financeira do bem violado e da impossibilidade de reestabelecimento do
status quo ante. Incluem-se, assim, na categoria de danos extrapatrimoniais ou
imateriais, o dano moral puro (stricto sensu), o dano estético, o dano à imagem, o
dano existencial, o dano biológico e, porque não, o dano por tempo perdido.
Há não muito tempo, doutrina e jurisprudência nacional admitiam,
exclusivamente, o dano patrimonial e o dano moral, este último em sentido amplo.
Qualquer que fosse o dano deveria estar enquadrado em uma ou outra categoria para
ser ressarcido.
Contudo, a expressão “dano moral” mostrou-se insuficiente para acomodar todas
as espécies de danos não patrimoniais existentes em nossa sociedade, sobretudo em
razão da sua flagrante impropriedade semântica, que dificultava e limitava, ao menos
do ponto de vista terminológico, a reparação de interesses que não necessariamente
estavam ligados à esfera subjetiva e íntima da personalidade.144
Basta lembrar o calvário do dano estético, que antes era visto como uma
subespécie de dano moral, mas que depois de anos de embates doutrinário e
jurisprudencial, encontrou seu espaço e foi elevado à categoria de dano autônomo e
independente do dano moral, admitindo-se, inclusive, a sua cumulação com este
último.145
Essa mesma situação é constatada, também, nas questões relacionadas ao
dano à imagem, que a própria Constituição Federal cuidou de distinguir e dar
tratamento autônomo em relação ao dano moral (vide art. 5º, V, da CF).
Apesar de o nosso ordenamento jurídico prever, ainda hoje, expressamente,
apenas duas categorias de danos: o dano patrimonial e o dano moral; a noção de
dano moral (lato sensu) acabou sendo, doutrinaria e jurisprudencialmente, ampliada
para a categoria de danos extrapatrimoniais (ou imateriais),146 independentemente de
144 SOARES, Flávia Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 98. 145 Súmula 387 do STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. 146 Conforme lições de Judith Martins-Costa: “A legislação brasileira utiliza a expressão ‘dano moral’ para referir-se a todas as espécies de danos não-patrimoniais, assim constando do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, do art. 186 do Projeto do Código Civil, ora em tramitação final na Câmara dos Deputados e da legislação especial, antes referida. (...) Entendo efetivamente que, sendo mais
85
um dispositivo legal específico para essa finalidade. Isso porque, como já vimos,
nosso ordenamento jurídico é aberto e não restritivo, de modo a viabilizar melhor a
sua adaptação ao progresso sociocultural, econômico e tecnológico.
Vale trazer à baila as lições de Rogério Donnini147 que, com propriedade, explica
que
inexiste a necessidade de criação de um dispositivo legal para contemplar essas categorias de danos extrapatrimoniais, pois basta à doutrina e à jurisprudência a especificação dessas subcategorias de danos imateriais, o que, bem de ver, já vem sucedendo, mesmo porque, como dissemos, a reparação do dano, ex vi legis, pode ser estendida a qualquer hipótese em que tenha sido violado um valor inerente à pessoa.
A discussão sobre a forma correta de categorizar os danos ganhou relevância,
não só para atender interesses didáticos, mas, sobretudo, para fins práticos, com o
escopo de melhor definir as espécies (ou subespécies) de danos e,
consequentemente, melhor precisar a sua extensão e valoração148 com vistas a
assegurar a sua completa e adequada reparação.
Como bem pontuou Ruy Rosado de Aguiar,149
independente da nomenclatura aceita quanto ao dano extrapatrimonial, e sua classificação em dano moral, dano à pessoa, dano psíquico, dano estético, dano sexual, dano biológico, dano fisiológico, dano à saúde, dano à vida de relação etc. cada um constituindo, com autonomia, uma espécie de dano, ou todos reunidos sob uma ou outra dessas denominações, a verdade é que, para o juiz, essa disputa que se põe no âmbito da doutrina, essa verdadeira “guerra de etiquetas”, de que nos fala Mosset Iturraspe (“El daño fundado en la dimensón del hombre en su concreta realidade” Revista de Derecho Privado y Comunitário, 1/9) somente interessa para evidenciar a multiplicidade de aspectos que a realidade apresenta, a fim de melhor perceber como cada uma delas pode e deve ser adequadamente valorizada do ponto de vista jurídico.
ampla, a expressão ‘danos extrapatrimoniais’ inclui, como subespécie, os danos à pessoa, ou à personalidade, constituído pelos danos morais em sentido próprio (isto é, os que atingem a honra e a reputação), os danos à imagem, projeção social da personalidade, os danos à saúde, ou danos à integridade psicofísica, inclusos os ‘danos ao projeto de vida’, e ao ‘livre desenvolvimento da personalidade’, os danos à vida de relação, inclusive o "prejuízo de afeição" e os danos estéticos. Inclui, ainda, outros danos que não atingem o patrimônio nem a personalidade, como certos tipos de danos ambientais.” (MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da sua reparação. Revista, da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, p. 191 e 194, mar. 2001). 147 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 110. 148 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2015. p.104. 149 Vide acórdão proferido nos autos do REsp 65.393/RJ.
86
Importante esclarecer que compartilhamos do entendimento de que existe uma
imprecisão terminológica em nosso ordenamento jurídico, sobretudo em nossa
Constituição Federal e no Código Civil, que fazem referência a “danos morais” de
forma genérica para se referir, na verdade, a “danos extrapatrimoniais”.
E tanto é assim que a jurisprudência nacional já tem muito bem consolidado o
entendimento de que o dano à imagem, o dano estético e o dano existencial são
categorias autônomas de dano (extrapatrimoniais), distintas e independentes do dano
moral.
A designação do termo “dano moral” para contrapor genericamente os “danos
patrimoniais” em nosso ordenamento jurídico se dá por influência francesa.150
Contudo, temos para nós que a simples importação do direito francês do termo
dommage moral, isolado do sistema jurídico no qual estava inserido, é inadequado e
gera mais dúvidas do que soluções.151 O modelo de classificação adotado, por
exemplo, na Itália, em Portugal e na Alemanha, que divide os danos em duas
macrocategorias, patrimoniais (materiais) e não patrimoniais (extrapatrimoniais ou
imateriais), parece-nos muito mais simples e correto, pois adota um critério de
classificação escalonado, conforme as características gerais comuns de cada grupo.
Ainda que o sistema alemão seja mais rigoroso e exija que a lei aponte de forma
específica quais danos não patrimoniais devam ser tutelados,152 os sistemas
150 Segundo a doutrina de René Savatier, entende-se por “dommage moral toute souffrance humaine qui n'est pas causée par une perte pécuniaire.” – tradução livre: todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. SAVATIER, René. Traité de la responsabilitá civile em droit français. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939. t. 2. p. 101. 151 “Os questionamentos a respeito do conceito do dano moral não são novos. Durantes muitos anos, em razão de um simples problema terminológico decorrente da importação, com pura e simples tradução, do termo francês dommage moral, o dano extrapatrimonial foi reduzido, unicamente, ao dano moral, o que gerou não apenas uma longa paralisia quanto ao desenvolvimento dos danos à pessoa, como também uma celeuma quando ao aludido conceito de dano moral.” (SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 97). 152 O direito civil alemão, apesar de aceitar a reparação dos prejuízos extrapatrimoniais, adota uma posição mais restritiva em relação ao direito italiano e português, limitando a indenização dessa espécie de dano às hipóteses expressamente previstas em lei. Desde a introdução do Código Civil Alemão (BGB – Bürgerliches Gesetzbuch), em 1900, a reparação do dano não patrimonial é expressamente prevista, em seu parágrafo 253, que assim disciplina: Wegen eines Schadens, der nicht Vermögensschaden ist, kann Entschädigung in Geld nur in den durch das Gesetz bestimmten Fällen gefordert werden (“por um dano que não é um dano patrimonial, a compensação em dinheiro não pode ser demandada fora dos casos previstos em lei” – tradução livre).
87
italiano153 e português154 são mais permissíveis e confiam ao aplicador do direito o
encargo de determinar, no caso concreto, quais danos não patrimoniais são
merecedores de tutela.
Seja como for, esse modelo de classificação (dano patrimonial vs. dano não
patrimonial) acaba por abranger no segundo grupo, tranquilamente, além dos danos
morais propriamente ditos, quaisquer outros danos não patrimoniais passíveis de
reparação.
Inserem-se, assim, na categoria dos danos não patrimoniais, todas as
subcategorias de danos que não possuem patrimonialidade, como é o caso do dano
moral puro e das outras subespécies como, o dano à imagem, o dano existencial, o
dano biológico etc.
Essa forma de classificação nos parece mais correta do ponto de vista
terminológico, didático e prático, pois viabiliza a tutela de qualquer interesse não
patrimonial. E nesse cenário, perfeitamente ajustável ao ordenamento jurídico pátrio
(que como visto é aberto e atípico), o dano por tempo perdido se insere como uma
subcategoria autônoma de dano não patrimonial (extrapatrimonial ou imaterial),
exatamente ao lado do dano moral puro, do dano à imagem, dano existencial e do
dano biológico.
Portanto, como já tratado no tópico precedente, entendemos que o dano ao
tempo não se confunde com dano moral. Pode, quando muito, ser uma subcategoria
deste, somente nos casos em que se estiver diante da expressão dano moral lato
sensu, como sinônimo ou equivalência de dano não patrimonial. Mas invariavelmente
não se confunde com dano moral puro (ou subjetivo), que é o dano moral propriamente
dito, efetivamente passível de reparação pelo nosso ordenamento jurídico.
153 Francesco Galgano esclarece que a Corte de Cassação Italiana, já há algum tempo, tem aceitado a reparação dos danos não patrimoniais, mesmo quando não estes não estiverem previstos em lei, tomando como base o fundamento constitucional de proteção da pessoa humana: “Ma la Cassazione ha, da qualche tempo, esteso la risarcibilità del danno non patrimoniale ad ogni caso di danno alla persona, anche se non previsto dalla legge, argomentando sulla base della tutela costituzionale della persona.” (GALGANO, Francesco. Istituzioni di diritto privato. 6. ed. Padova: Antonio Milani, 2010. p. 342). 154 O Código Civil português rejeitou a expressão generalizada “dano moral”, em benefício da expressão “dano não patrimonial” que abrange tanto os danos morais propriamente ditos, como os danos estéticos, os sofrimentos físicos etc. (ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979. p. 396).
88
Enquanto o tempo é a medida objetiva da vida ou de parte dela, compreendido
na noção de liberdade que se exerce no espaço que existe entre dois instantes ou
marcos temporais, o dano moral indenizável é o dano moral puro, que representa a
violação de um direito da personalidade, como a honra ou a integridade psíquica da
vítima, com efeitos sensoriais, intelectuais ou psicológicos, que resulta em dor, aflição,
sofrimento, tristeza, constrangimento ou humilhação decorrente da lesão. Enquanto o
primeiro está caracterizado pela perda da liberdade que se exerce sobre a vida
durante um determinado tempo, o segundo está relacionado à afetação do estado
anímico da pessoa. Coisas distintas, portanto.
A ilícita violação do tempo de uma pessoa acarreta perda de tempo que não volta
mais, um dano muito diferente do dano moral puro, já que na análise da perda de
tempo não há avaliação da integridade física ou psíquica da vítima, senão uma análise
puramente objetiva, quase que matemática, da quantidade de tempo desperdiçada
em decorrência da conduta lesiva.
A quantificação do dano decorrente da perda de tempo, como já afirmado, não
tem a ver com o estado de espírito da vítima, muito menos com o preço da dor (pretium
doloris), mas sim com o preço da vida da vítima, ou seja, o preço efetivo do tempo que
cada um de nós livremente dispõe aqui nesta vida terrena.
O dano moral puro (ou subjetivo) transita em uma zona nebulosa, muitas vezes,
de difícil percepção, tanto é que doutrina155 e jurisprudência156 pacificaram o
entendimento de que não se prova o dano moral em si, mas as circunstâncias que
evidenciam ou que fazem presumir a sua ocorrência.
155 Quanto à prova, a lesão ou do moral é fenômeno que se passa no psiquismo da pessoa e, como tal, não pode ser concretamente pesquisado. Daí porque não se exige do autor da pretensão indenizatória que prova o dano extrapatrimonial [leia-se moral]. Cabe-lhe apenas comprovar a ocorrência do fato lesivo, de cujo contexto o juiz extrairá a idoneidade, ou não, para gerar dano grave e relevante, segundo a sensibilidade do homem médio e a experiência da vida.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 5. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007. p. 9. 156 “A jurisprudência do STJ vem se orientando no sentido de ser desnecessária a prova de abalo psíquico para a caracterização do dano moral, bastando a demonstração do ilícito para que, com base em regras de experiência, possa o julgador apurar se a indenização é cabível a esse título.” (STJ, REsp 1.109.978/RS, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 01/09/2011); e “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o dano moral prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato e da experiência comum”. (STJ, AgRg no REsp 810.779/RJ, Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, DJ 28/06/2011).
89
O tempo perdido é, como já dissemos, mais claro e objetivo que o dano moral.
Contém um nível de abstração intermediário, entre o dano material e o dano moral. É
materialmente aferível pela própria marcação do tempo, pelo resultado da diferença
apurada entre o tempo total disponível e tempo indevidamente desperdiçado em
decorrência de conduta injusta ou ilícita de terceiro. O resultado dessa equação é
justamente o tempo perdido, a quantidade de vida que deixou de ser livremente vivida,
que foi suprimida da vítima, ou melhor, que foi injustamente gasta de forma contrária
ou desalinhada aos seus interesses.
No dano provocado por tempo perdido, cabe à vítima provar, objetivamente, a
quantidade de tempo em que a sua liberdade de escolha ou autodeterminação foi
totalmente tolhida, suprimida ou consideravelmente reprimida em razão de uma
indevida intervenção de terceiro. Para que ocorra o ressarcimento por tempo perdido,
é necessário provar o período no qual perdurou essa intervenção e, se for o caso, o
período pelo qual os seus efeitos repercutiram impedindo o aproveitamento do tempo
pela vítima. Ou seja, a pessoa lesada precisa provar o tempo que lhe foi tomado. Essa
prova é fundamental e constitui condição essencial para o ressarcimento. Tem que
provar a vida que foi gasta em decorrência da ilícita intervenção supressora do tempo.
Não há na prova do tempo perdido, as circunstâncias que acarretem dor, medo,
emoção, vergonha, tortura física ou moral, desprestígio, humilhação, há, pura e
simplesmente, prova de um gasto de tempo e de uma liberdade que não pode ser
exercida e que nada tem a ver com possíveis alterações do estado físico ou
psicológico da vítima.
Obviamente que um mesmo fato que origina um dano ao tempo de uma pessoa
pode, também, lhe causar um dano moral subjetivo. Mas são danos totalmente
distintos e independentes, com origem e efeitos diversos. Enquanto o dano moral puro
(ou subjetivo) decorre de uma interferência externa que afeta o estado anímico da
vítima, com reflexos na sua psique, o dano por tempo perdido tem origem na injusta
interferência sobre o pleno exercício da liberdade e da autodeterminação, ou seja,
sobre o direito de fazer escolhas e conduzir a vida conforme seus interesses, com
repercussão negativa direta na quantidade de vida (tempo) livremente vivida.
Ocorre, no entanto, que, assim como o dano moral subjetivo, o dano por tempo
perdido não possui equivalência pecuniária direta. Não existe um valor de mercado
90
para o tempo que cada um de nós possuímos. Quanto vale uma hora, um dia ou um
ano na vida de uma pessoa? Certamente não estamos diante da apuração do preço
da dor, mas, sim, diante da apuração do valor do tempo de vida.
Eis aqui um dos grandes desafios: estabelecer um valor para o tempo.
E não estamos falando aqui do tempo enquanto medida de produção de riqueza
e de trabalho, pois, nesse caso, o tempo constitui dano patrimonial ou material, na
grande maioria das vezes qualificado como lucros cessantes (como no caso do taxista
ou do médico que ficam impossibilitados de exercer sua profissão por determinado
período ou, ainda, de uma empresa que ficou impossibilitada de produzir, por certo
período, em razão de problemas na matéria-prima).
O tempo que aqui nos interessa é o tempo de vida desperdiçado, o tempo que
se foi, que se esvaneceu e que dinheiro nenhum consegue trazer de volta.
Como se pode notar, o único ponto de contato entre o dano moral puro e o dano
por tempo perdido é a ausência de materialidade ou patrimonialidade do prejuízo
suportado. Não há valor de mercado para a moral nem para o nosso tempo de vida.
Por isso, ambos os danos devem ser classificados como danos não patrimoniais. No
entanto, nos demais aspectos, são danos totalmente distintos, em mais nada se
confundem.
O tempo em si não integra o patrimônio físico e nem o psicológico da vítima; pelo
contrário, é o período de projeção da própria vida da vítima ou, no mínimo, de uma
parte dela. Trata-se, portanto, de bens jurídicos distintos e que merecem atenção e
tratamento jurídico próprios.
Nada impede, porém, que o dano por tempo perdido e o dano moral subjetivo
coexistam num mesmo caso concreto, como já ocorre com o dano estético, com o
dano à imagem e o dano existencial. Mas cada um ocupa a sua posição e espaço de
forma independente, cada qual com suas causas, requisitos e consequências.
É necessário destacar e individualizar os danos, separar o dano por tempo
perdido do dano moral puro e dos demais danos de natureza extrapatrimonial, para
garantir a sua correta apuração (existência e extensão) e reparação no caso concreto.
A generalização gera ignorância e ausência de reparação (omissão). Trata-se de um
91
princípio básico em administração de empresas,157 que pode muito bem ser aplicado
ao mundo jurídico: segmentar e categorizar para melhor compreensão do cenário e
dos objetivos para efetivo alcance do resultado almejado.
Além de serem danos totalmente distintos, tanto em sua origem, quanto em
termos de efeitos, o que, por si só, já seria suficiente para justificar a reparação do
tempo de forma independente e autônoma em relação ao dano moral puro, importante
mencionar, também, que a individualização dos danos atende, ainda, a um interesse
reflexivo e de fundamentação, de forçar as partes e o aplicador da norma a se
debruçar de forma específica sobre o tema, dando a importância que o assunto requer.
Essa reflexão invariavelmente se estende sobre todos os critérios, condições e
extensão do dano e de seu ressarcimento (indenização), garantindo a adequada
fundamentação e justificativa das decisões (princípio da motivação das decisões
judiciais), inclusive para fins de atendimento à regra do art. 489 do Código de Processo
Civil.158
O ordenamento jurídico não pode tratar direitos ou interesses distintos de formas
iguais. Não se pode ressarcir o dano por tempo perdido, como se ressarce o dano
moral nem incluir neste a reparação daquele, como se fossem uma única espécie de
dano, sob pena de deixar o tempo à margem de tutela jurídica adequada. Em última
instância, inviabiliza-se o objetivo maior do direito, que é justamente alcançar a paz e
a justiça social.
157 Conforme conceitos trazidos por Peter Drucker, na obra: O melhor de Peter Drucker. (Nobel, 2002). 158 Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da
contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com
a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no
caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
92
É necessário segmentar e individualizar para se chegar o mais próximo da
realidade, para compreender melhor as circunstâncias do caso concreto e, assim,
aplicar melhor o direito e garantir que o nosso ordenamento jurídico atenda aos
anseios de justiça da sociedade atual.
É por esses motivos que entendemos que o dano por tempo perdido tem espaço
no campo da responsabilidade civil ao lado do dano moral propriamente dito, do dano
à imagem, do dano estético e do dano biológico, como subcategoria dos danos não
patrimoniais (extrapatrimoniais ou imateriais), merecedor de tutela própria e autônoma
em relação aos demais danos.
93
10 DISTINÇÃO ENTRE DANO POR TEMPO PERDIDO E DANO MORAL
AGRAVADO PELO DECURSO DO TEMPO
Para que o tema possa ser bem compreendido pela perspectiva apresentada
neste trabalho, entendemos importante explicar, também, a distinção entre dano por
tempo perdido e dano moral agravado (ou atenuado) pelo fator tempo.
Como tivemos a oportunidade de observar no capítulo precedente, o dano por
tempo perdido constitui uma lesão direta à liberdade que o indivíduo tem de utilizar o
seu tempo de vida conforme a sua livre-escolha e de forma autônoma e independente.
Representa uma verdadeira afronta à liberdade de viver, uma violação de um tempo
que foi vivido em desacordo com os interesses de seu titular, revelando um prejuízo
temporal que não pode mais ser corrigido. Por sua vez, o dano moral puro (ou
subjetivo) configura lesão ou violação a um dos direitos da personalidade, com efeitos
sensoriais, intelectuais ou psicológicos, que resulta em dor, aflição, sofrimento,
tristeza, constrangimento ou humilhação decorrente da lesão. Portanto, um dano ao
estado anímico da vítima.
No caso do dano por tempo perdido, o fator tempo é exatamente o elemento
central do dano, é o espaço no qual a liberdade individual não pode ser exercida e a
vida (tempo de vida) se esvaiu, por ação ilícita de terceiro, sem controle ou autonomia
de seu titular.
O tempo perdido, aqui, é a própria concretização do dano ou a medida do dano
à liberdade de viver. Quando se perde liberdade de vida, se perde, na verdade, a
própria vida (ou uma parte dela), um tempo de vida que jamais poderá ser reposto ou
vivido novamente. Esse é o dano por tempo perdido, que se constata quando a
liberdade de fazer as próprias escolhas e de determinar a direção que se pretende
seguir é obstruída por injusta ação de terceiro, representando um tempo de vida gasto
em desconformidade com a livre-vontade de seu titular, um tempo e uma vida que
foram e que não voltam mais.
No dano por tempo perdido é totalmente irrelevante se a perda de tempo causou
qualquer abalo sensorial, intelectual ou psicológico. Interessa apenas se existiu efetiva
interferência da liberdade de viver e de fazer as próprias escolhas durante
94
determinado período de tempo. O estado anímico da pessoa lesada é totalmente
irrelevante.
Assim sendo, se um indivíduo, por exemplo, é submetido a cárcere privado por
certo período, deixou de exercer, durante esse cativeiro, a sua livre-vontade, deixou
de poder fazer livremente escolhas que normalmente faria, deixou de ser senhor do
seu próprio tempo e da sua própria vida. Passou a ser refém de uma situação injusta
e ilicitamente criada por terceiro, que lhe retirou a liberdade de conduzir a sua vida e
de gastar o seu tempo como melhor lhe aprouvesse.
Fácil notar que a vítima, no caso, perdeu a liberdade de gastar o tempo de que
dispõe conforme sua livre-vontade. O tempo, ou melhor, a liberdade de fazer o que
quiser com o tempo que dispunha (de como viver) saiu da esfera de controle do seu
titular.
Neste mesmo exemplo é possível perceber que existe, concomitantemente ao
dano por tempo perdido, outro dano à vítima, no caso, o dano moral puro ou subjetivo,
decorrente da aflição, sofrimento e humilhação que presumivelmente advêm desse
tipo de aprisionamento. Todavia, este dano moral não está atrelado à liberdade que a
vítima exerce sobre o seu tempo de vida, mas sim às alterações do estado psicofísico
da vítima naquela circunstância específica.
O tempo é o recurso limitado, no qual exercemos a liberdade de viver conforme
nossas próprias escolhas. Por isso, o tempo perdido é o dano que aflora e que se
configura a partir da injusta violação da liberdade de fazer escolhas e de
autodeterminar os rumos da sua própria vida, que se projeta no espaço e no tempo
em que estamos inseridos e que está a nossa disposição enquanto vivemos.
Muito diferente, todavia, é o efeito do fator tempo no dano moral.
Conforme consolidado entendimento doutrinário,159 o dano moral (puro ou
subjetivo) decorre da violação de um dos direitos da personalidade, capaz de gerar
efeitos sensoriais, intelectuais ou psicológicos na vítima e que resulta em dor, aflição,
angústia, sofrimento, tristeza, constrangimento ou humilhação.
159 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 104.
95
É fácil notar, de plano, que o elemento tempo está totalmente fora do conceito
do dano moral. Não existe nenhum vínculo ou condição relacionada ao decurso de
tempo como requisito para configuração do dano moral. Todavia, o tempo pode ter
um importante papel agravante ou atenuante em relação ao dano moral em si, na
medida em que o dano que resulta em dor, aflição, angústia, sofrimento, tristeza,
constrangimento ou humilhação pode produzir efeitos por mais ou menos tempo,
conforme o caso concreto.
Pensemos, por exemplo, no caso do indivíduo que foi negativado indevidamente
em algum órgão de proteção de crédito. A doutrina e a jurisprudência são pacíficas
quanto à existência de dano moral nessa situação,160 desde que a vítima não possua
outros apontamentos considerados corretos.161 O dano moral por negativação
indevida fere o nome, a imagem e a boa fama da vítima, que terá (ainda que de forma
presumida) restrição ou dificuldade para realizar inúmeras operações comerciais,
como fazer compras, emitir cheques, adquirir cartão de crédito, contrair empréstimos
etc.
O dano moral se configura imediatamente a partir da conduta lesiva (que no caso
é a negativação indevida), mas os efeitos desse dano podem se prolongar no tempo,
agravando ou atenuando a lesão moral. Basta perceber que, se a negativação
indevida perdurou por um ou dois dias apenas, o dano produziu efeitos muito mais
restritos do que se permanecesse por um mês ou mais.
Outro exemplo de indenização por dano moral agravada pelo tempo é, por
exemplo, a demora exacerbada em atendimentos em geral, como assistências
técnicas, call centers e instituições financeiras, que são normalmente campões de
reclamação de seus clientes.162 Nos casos em que a demora no atendimento ou na
solução do problema tome muito tempo da vítima, fazendo-a esperar e despender
mais tempo e energia do que o razoável para solucionar o seu problema e obter o
160 “A jurisprudência do STJ é firme e consolidada no sentido de que o dano moral, oriundo de inscrição ou manutenção indevida em cadastro de inadimplentes ou protesto indevido, prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato.” (STJ, REsp 1.707.577/SP, Relator: Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 19/12/2017). 161 Súmula 385/STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. 162 SINDEC – Dados atualizados até 01 nov. 2018. Disponível em: <http://sistemas.procon.sp.gov.br>.
Acesso em: 11/12/2018.
96
resultado desejado, não se tratará de dano por tempo perdido. Isso porque, no caso,
a vítima não teve a sua liberdade afetada ou limitada, mas livremente optou por
despender aquele tempo naquela atividade porque entendeu (e nisso fez um livre-
juízo de valor e de custo-benefício) que aquilo lhe era importante e mais vantajoso do
que não fazê-lo. E se essa situação lhe causou algum tipo de aborrecimento,
problema, aflição, sentimento de impotência ou humilhação fora do que seja
considerado razoável, o dano, então, é claramente um dano moral puro (ou subjetivo)
que, dependendo da situação, poderá ser agravado ou até mesmo atenuado em
função do tempo, mas não que o tempo seja elemento nuclear do dano.
O tempo, nessas situações, embora desempenhe um papel relevante na
configuração do dano, claramente não é objeto nem condição da lesão moral. O tempo
se apresenta como um referencial de duração da lesão, um elemento, portanto,
externo e que auxilia na dosimetria da extensão do dano e da respectiva indenização.
Essa mesma noção pode ser emprestada em relação aos danos materiais ou
patrimoniais em que o fator tempo também é utilizado para apurar a extensão do dano,
mas que, na realidade, nada tem a ver com o núcleo ou requisito do dano em si. É o
caso, por exemplo, das indenizações de encargos locatícios, de lucros cessantes, dos
juros de mora etc., que, em vários casos, são cobrados periodicamente e o decurso
do tempo é apenas a medida de um dano mais ou menos grave, de uma indenização
maior ou menor. Novamente aqui, o tempo não é o bem objeto de tutela.
É fundamental que se compreenda essa distinção, para que indenizações
decorrentes de dano por tempo perdido não se banalizem e não sejam uma
“roupagem” da indenização por dano moral agravadas pelo fator tempo. O que é muito
diferente.
Casuisticamente falando, de acordo com a tese aqui proposta, as hipóteses de
reparação de dano por tempo perdido não são tão largas. Pelo contrário, são restritas
às situações bem específicas onde a liberdade de viver e de gerir o próprio tempo é
incisivamente restringida por uma ilícita conduta de terceiro. Fora dessas hipóteses o
tempo não é elemento central do dano, mas um elemento secundário, uma referência
de medida de outros danos ou circunstância agravante ou atenuante destes.
97
11 OS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DO DANO POR TEMPO
PERDIDO
Por ser o tempo um bem inestimável, a sua reparação é uma das avaliações
mais desafiadoras do presente trabalho, não só pela fase ainda embrionária dos
estudos doutrinários sobre o tema, mas, também, em decorrência da absoluta
ausência de parâmetros e de bens jurídicos equivalentes para orientar a reparação,
ainda que sob o viés da compensação financeira, através do arbitramento de uma
indenização.
De todo modo, como bem pontuava Pedro Lessa,163
o fato da inconversibilidade do dano moral em moeda, por falta de denominador econômico para o direito violado, não podia ter por efeito deixá-lo sem reparação. De fato, não há equivalência entre o prejuízo e o ressarcimento. A condenação do responsável visa apenas resguardar, decerto imperfeitamente, mas pela única forma possível, o direito lesado.
De forma irretocável, a mesma lição de quase um século atrás vale, aqui, para a
reparação do tempo perdido, da mesma forma com que já acontece nas reparações
dos demais danos extrapatrimoniais (dano estético, dano existencial e dano biológico).
Indenizar é tornar indene, isto é, sem dano, desfazendo o prejuízo causado. Nem
sempre, contudo, isso será possível, pois, evidentemente, alguns danos não podem
ser simplesmente desfeitos. Nesses casos, no que certamente se inclui a reparação
do tempo perdido, o objetivo é minimizar, o máximo possível, o dano causado.
A indenização é a recomposição patrimonial do dano por quem o causou, ou lhe
foi responsável. Nosso ordenamento jurídico agasalha a teoria da restitutio in
integrum, segundo a qual a indenização deve ser a mais completa possível, isto é,
deve ocorrer da melhor forma a recompor o lesado em toda a extensão do dano (art.
944 do Código Civil).
Isso significa dizer que a indenização deve ser equivalente ao prejuízo suportado
pela vítima, ou seja, nem maior nem menor, mas na sua exata medida.164 Desse
163 Acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 28/08/1919, na Revista de Direito, v. 61, p. 90, conforme nota de rodapé 1.329, em DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p. 427. 164 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 278.
98
modo, se existe dano, qualquer que seja a sua espécie ou natureza e,
independentemente de ser um dano maior ou menor, o ordenamento jurídico pátrio
impõe que a vítima seja restabelecida ao status quo ante, ou o mais próximo dele.
A respeito do tema, Clayton Reis165 esclarece:
A nossa experiência é o resultado de um equilíbrio de forças no plano material e espiritual, por decorrência das diversas relações que mantemos com as pessoas nos vários níveis afetivos e negociais. Na natureza não é diferente, quando observamos que no universo, onde impera a força da atração gravitacional entre os corpos celestes, é o equilíbrio entre a força centrípeta e a centrífuga que mantém os planetas em suas respectivas órbitas em torno de um astro maior.
No plano jurídico, o rompimento desse equilíbrio natural, decorrente da ação antijurídica de terceiros, acarreta perdas na esfera do patrimônio material e imaterial das pessoas. Para restabelecer o prejuízo gerado, é preciso detectar os efeitos produzidos pela ação lesiva do agente ofensor, para o fim de restituir a ordem violada à sua situação original. Todavia, em se tratando de bens extrapatrimoniais, a reposição do prejuízo não será possível nos moldes contidos no princípio da reposição integral.
No entanto, essa impossibilidade existente no mundo material não justifica a irressarcibilidade desses bens subjetivos. Daí por que, nesse caso, sendo impraticável a reposição pelo equivalente absoluto, será juridicamente legítimo que se proceda à indenização através de uma compensação pecuniária que seja capaz de satisfazer de forma completa a vítima. Por esse motivo, somente mediante a exata compreensão do amplo conceito de dano [sua extensão] é que será possível compreender o sentido da indenização pretendida na esfera dos danos imateriais.
Importante, também, a lição de Agostinho Alvim166 para o dano moral e que aqui
se aplica, igualmente, de forma perfeita, para a temática do dano por tempo perdido:
Não é por causa desta o daquela hipótese, mais ou menos ridícula, que havemos de rejeitar um instituto são e útil. Na realidade, não se pode admitir que o dinheiro faça cessar a dor, como faz cessar o prejuízo patrimonial. Mas, em muitos casos, o conforto que possa proporcionar mitigará, em parte, a dor moral, pela compensação que oferece.
Dessa mesma forma, podemos dizer que não devemos rejeitar o dano ao tempo
só porque sua reparação não encontra equivalência material, mas sua perda pode
muito bem ser mitigada por alguma compensação em dinheiro que se estabeleça.
Nessa linha, assim como não se espera que no dano moral ou no dano estético
a indenização tenha o condão de desfazer o dano irreparável, também no dano ao
165 REIS, Cleyton. Os novos rumos da indenização do dano moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 111. 166 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1949. p. 208.
99
tempo, a indenização não tem como objetivo trazer de volta o tempo perdido, senão
oferecer um conforto ou lenitivo para a vítima, para que, com a indenização recebida,
possa ela ter condições de melhor aproveitar o seu tempo futuro, minimizando o
impacto do dano.
No escólio de Jaime Briz,167
reparar un daño no es siempre rehacer lo que se há destruído; casi siempre suele ser darle a la victima la possibilidad de procurarse satifcacciones equivalentes a lo que ha perdido. El verdadero caracter del ressarcimiento de los daños y prejuicios es un papel “sactisfatorio”.
Na reparação do dano por tempo perdido, portanto, a indenização não tem a
característica de tornar indene o prejuízo ou a lesão, não há a possibilidade de retorno
ao status quo ante ou de recomposição in natura, tampouco de retorno equivalente.
Logo, a indenização do dano por tempo perdido, assim como já acontece nas demais
indenizações por danos extrapatrimoniais, tem caráter predominantemente
compensatório (em relação a quem recebe), associado a inúmeras possibilidades que
os recursos financeiros podem proporcionar em termos de satisfação e prazeres.168
Toda a evolução doutrinária e jurisprudencial por qual passamos desde quando,
no início do século passado, começou-se a falar mais concretamente em reparação
do dano moral e que, depois, se consolidou com o advento da Constituição Federal
de 1988 e, na sequência, evoluiu para contemplar a reparação do dano à imagem, do
dano estético, do dano existencial e do dano biológico, demonstra que já superamos,
há muito tempo, o preconceito e as dificuldades conceituais que as reparações por
danos extrapatrimoniais carregam, ou melhor, carregavam.
Hoje, o momento é de assegurar, àquele que sofre um dano, a justa e devida
reparação. De garantir que quem quer que seja que cause um dano a alguém seja
efetivamente responsabilizado. Não importa a natureza ou característica do dano. Se
houve dano, então, necessariamente, deve haver reparação e, consequentemente,
alguém deve ser responsabilizado. Hoje, não é mais tempo de se olhar
primordialmente para quem cometeu o dano, mas, sim, para quem o sofreu,
167 BRIZ, Jaime Santos. La responsabilidade civil. 3. ed. Mardid: Montecorvo, 1981. p. 438. 168 REIS, Clayton. Dano moral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 88.
100
priorizando a reparação e a prevenção do dano, antes de querer encontrar um porquê
ou um culpado.169
Não pretendemos, aqui, nos alongar demais nos motivos pelos quais o dano por
tempo perdido, enquanto subcategoria de dano extrapatrimonial, deve ser reparado.
Por se tratar de um dano extrapatrimonial, os fundamentos da indenização, para
compensar e minimizar os efeitos do dano que não podem ser desfeitos, são, como
brevemente vimos acima, exatamente os mesmos que se aplicam ao dano moral puro
(ou subjetivo), ao dano à imagem, ao dano estético, ao dano existencial e ao dano
biológico.
Impõe-se, agora, discutir os critérios e as formas de se reparar o tempo, por meio
da fixação de uma indenização, isto é, de como encontrar uma forma razoável e
coerente de se estabelecer um valor justo para o tempo de cada um de nós.
Não existe, atualmente, na jurisprudência, nenhum critério para a fixação de
indenização para reparação do dano por tempo perdido. Aliás, nem para os outros
danos extrapatrimoniais. Talvez por isso, nos casos em que a jurisprudência já
reconhece a lesão ao tempo, a sua reparação, sem nenhuma exceção, é feita de
forma confusa e obscura, sem qualquer critério, justificativa ou fundamento, dentro da
indenização por dano moral, como se ambos os danos decorressem de interesses
idênticos ou de uma mesma ordem de grandeza. E, como vimos em capítulos
precedentes, definitivamente, não são.
Talvez a jurisprudência aja dessa forma por uma questão de comodidade ou
talvez pela falta de parâmetro ou orientação doutrinária a respeito do assunto. Isso
169 Nesse sentido, destacamos, na doutrina nacional: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 95; DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 51; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33-35; VENTURI, Thaís Gouveia Pascoaloto. Responsabilidade civil preventiva. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 64; MORAES, Maria Cleina Bodin de. A constitucionalização do direito privado e seus efeitos sobre a responsabilidade civil. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (Orgs.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 240. Na doutrina estrangeira, em linha com esse entendimento, também podemos destacar: GHERSI, Carlos Alberto. Teoria general de la reparación de daños. Buenos Aires: Astrea, 1997. p. 26; STARCK, Boris. Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile considéreé en sa double fonction de garantie et de peine priveé. Paris: L. Rodstein, 1947. p. 39-40; e BIANCA, Massimo. Diritto civile: la responsabilità. Milano: Giuffrè, 1994. p. 687.
101
porque a doutrina atual também não traz nenhum parâmetro ou direcionamento para
orientar a reparação dos danos por tempo perdido.
Marcos Dessuane tratou do tema em sua obra Teoria aprofundada do desvio
produtivo do consumidor, mas lá abordou o dano ao tempo como se fosse dano moral,
aproveitando exatamente os mesmos critérios e balizas já conhecidos dessa categoria
de dano (moral) para fixação da indenização por tempo perdido. Importa destacar que,
nessa mesma obra, o autor sugere, ainda, a possibilidade de indenizar o tempo
perdido com base no critério de “valor médio da riqueza produzido” pela vítima.170
Todavia, acreditamos que o tempo não pode ser reparado em conjunto ou de
forma integrada ao dano moral puro, pois são bens jurídicos independentes e
totalmente diferentes, como já vimos em capítulo anterior deste trabalho. E mais, em
relação ao critério “valor médio da riqueza produzida”, para fins de reparação de tempo
perdido, entendemos que, nessa situação, o dano ao tempo seria reparado, na
realidade, como uma lesão ao tempo de trabalho ou de produção (de riqueza), e,
nesse caso, não estaríamos mais diante de dano extrapatrimonial, mas, sim, de dano
material puro, qualificável como lucro cessante.
Não existe, e nos arriscamos em dizer que nunca existirá, nenhuma fórmula ou
um critério puramente racional de perfeita equivalência para a fixação de valor de
indenização por danos extrapatrimoniais. A indenização, nesses casos, será feita,
sempre e invariavelmente, por arbitramento.
Porém, é importante notar que não há necessidade de se estabelecer um critério
objetivo específico para se indenizar todo e qualquer tipo de dano extrapatrimonial. A
equivalência racional e prática empregada na reparação do dano material nunca vai
existir na reparação dos danos extrapatrimoniais. É preciso se desvincular e se despir
da concepção materialista de exata proporção entre dano e reparação.
A reparação dos danos extrapatrimoniais, seja do dano moral puro (ou subjetivo),
do dano estético, do dano existencial, do dano biológico, do dano por tempo perdido
ou de qualquer outro que surja, será, sempre, por arbitramento, pois a característica
170 DESSUANE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor. 2. ed. Vitória: Edição Especial do Autor, 2017. p. 266.
102
uniforme dessas subcategorias de danos é, justamente, a ausência de equivalência,
de conteúdo econômico ou de valor de mercado.
Por sua vez, o arbitramento da indenização na reparação dos danos
extrapatrimoniais pressupõe um juízo de razoabilidade e proporcionalidade,
devidamente fundamento, caso a caso, na adequação entre critério e medida e entre
causa e fim.
Como bem leciona Paulo de Tarso Sanseverino,171
o melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do direito brasileiro, é por arbitramento pelo juiz, de forma equitativa, com fundamento no postulado da razoabilidade.
A razoabilidade pressupõe, como explica Humberto Ávila, a harmonização da
norma geral às individualidades do caso concreto em virtude das suas características
específicas, valendo como diretriz de equidade, congruência e equivalência, na
interpretação das regras como decorrência do princípio da justiça.172
A relação entre critério e medida do postulado da razoabilidade está presente no
caso dos danos extrapatrimoniais em geral, na medida em que é absolutamente
razoável e justo, inclusive diante das normas já existentes em nosso ordenamento
jurídico, que todo e qualquer dano (ainda que não expressamente previsto em nosso
ordenamento) seja objeto de reparação por quem lhe deu causa ou lhe é responsável.
Está totalmente em harmonia com o nosso ordenamento jurídico que o dano por
tempo perdido, mesmo sem estar expressamente previsto em lei, seja objeto de
indenização, pois não é justo que uma vítima de uma lesão fique sem a respectiva e
proporcional reparação.
Além disso, na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de
Fernando Noronha,173 segue-se o princípio da satisfação compensatória, pois o
quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um
171 Conforme acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no julgamento do Recurso Especial 959.780/ES, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/04/2011. 172 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 194-201. 173 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 569.
103
preço, mas será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento
infligido, ou uma compensação proporcional à ofensa à vida ou à integridade física.
O exame da proporcionalidade, ou máxima da proporcionalidade, como sugere
Robert Alexy,174 deve procurar, sempre, otimizar175 a aplicação das possibilidades
jurídicas, considerando a relação de causalidade entre um meio e um fim,176 através
da adequação,177 da necessidade178 e da proporcionalidade em sentido estrito179.
Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho explicam que a equidade
é o parâmetro que o Código Civil, nos respectivos parágrafos únicos dos artigos 944
e 953, forneceu ao juiz para a fixação da indenização que não possua equivalência
material.180
Esse arbitramento equitativo deverá ser, sempre, pautado pelos princípios (ou
postulados) da razoabilidade e proporcionalidade, deixando a cargo do juiz atribuir um
montante econômico justo para reparar a agressão ou violação a um bem jurídico de
natureza extrapatrimonial (no caso, do dano por tempo perdido), considerando,
sempre, as peculiaridades e especificidades do caso concreto.
A reparação do dano por tempo perdido, assim como do dano moral puro, é
casuística. Só se estabelece no caso concreto, conforme as características peculiares
da demanda sub judice.
Não existe fórmula mágica. Não existe tabelamento. Aliás, isso facilitaria muito
a vida não só de quem pleiteia, mas, também e principalmente, de quem julga. Mas,
certamente, traria grandes injustiças, pois muitos casos ficariam à mercê de uma tutela
174 ALEXY, Robert. Princípios formais: e outros aspectos da teoria discursiva do direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 5-6. 175 No sentido de criar condições mais favoráveis ou tirar o melhor partido possível. 176 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 205. 177 Também referida como “aptidão” ou “pertinência”, exige que haja coerência entre a flexibilização da norma e a finalidade que a norma deseja alcançar. 178 Que impõe o menor sacrifico possível para se atingir a finalidade da norma, evitando custos ou sacrifícios desnecessários (“evitáveis”). 179 Que busca a solução mais justa para o caso concreto, avaliando dentre as inúmeras soluções possíveis, aquela que trará mais benefícios (otimização das possibilidades jurídicas). 180 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 13. p. 348.
104
jurídica adequada e justa. A jurisdição é inafastável (proibição do non liquet)181 e
compete ao aplicador do direito se valer das ferramentas que o ordenamento jurídico
lhe disponibiliza para encontrar a decisão mais justa possível para o caso concreto.
Julgar nunca foi tarefa fácil. Sopesar e analisar as mais diversas situações
jurídicas sob a ótica parcial dos causídicos, em busca da verdade, do equilíbrio e da
justiça, é, certamente, uma das funções mais árduas e espinhosas do direito, mas, ao
mesmo tempo, uma das mais nobres e belas.
O que, todavia, podemos e devemos discutir, do ponto de vista acadêmico, são
as formas e critérios para nortear o arbitramento da indenização por danos
extrapatrimoniais. E, no caso do dano por tempo perdido, essas diretrizes, ainda que
longe de serem pragmáticas e objetivas, são bem mais simples e práticas do que os
critérios para a valoração dos demais danos imateriais, como o dano moral puro (ou
subjetivo).
Os pressupostos gerais da responsabilidade civil consolidados pela doutrina e
jurisprudência são: o ato ilícito (ou conduta ilícita), o dano e o nexo de causalidade.
Eventualmente, a culpa aparece como um quarto requisito nos casos em que não
estivermos diante da responsabilidade objetiva. Esses são os requisitos básicos para
qualquer reparação civil e se aplicam, igualmente, para o caso da reparação de danos
por tempo perdido.
Em se tratando de responsabilidade civil por tempo perdido, o ato ilícito fica
caracterizado pela conduta de terceiro capaz de interferir indevidamente na liberdade
que a vítima tem de usufruir o seu tempo de vida. É a interferência que retira da vítima
sua autonomia e seu poder de autodeterminação, que lhe retira a gestão sobre o seu
tempo e sobre a sua vida e que a impede de fazer as escolhas que naturalmente se
apresentam diante de si. O ato ilícito representa, portanto, uma ação ou omissão
externa, contrária ao ordenamento jurídico (arts. 186 e 187 do Código Civil),182 cujo
181 A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF/88). 182 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
105
resultado ou efeito impede que a vítima empregue o seu tempo de vida como melhor
lhe convenha.
O dano, como já analisamos, é a própria perda de tempo, um tempo que foi
(injustamente) utilizado, uma vida que foi (indevidamente) vivida, sem que a vítima
pudesse livremente escolher o que fazer nesse período. É, portanto, uma lesão à
liberdade e à autonomia que todo indivíduo tem de gastar o tempo como bem quiser
e de viver a vida conforme suas próprias aspirações. É, em última instância, um dano
à liberdade de fazer o que bem entender com o tempo e a vida que tem à sua
disposição. Um tempo de vida que, uma vez perdido, jamais poderá ser recuperado,
restituído ou revivido.
O nexo de causalidade, por sua vez, se apresenta como a relação de causa e
efeito entre o ato ilícito e o dano, a fim de se determinar se o resultado (prejuízo) é,
de algum modo, imputável ao agente da conduta ilícita. Ou seja, é necessário apurar,
no caso concreto, se a conduta ilícita, efetivamente, interferiu na liberdade que a vítima
tem de escolher como gastar o seu tempo e se essa conduta, efetivamente, acarretou
uma perda de tempo, isto é, se impediu a vítima, durante certo período, de livremente
escolher como usufruir esse seu tempo.
Finalmente, o requisito culpa, que obviamente não se aplica nos casos de
responsabilidade civil objetiva, revela-se na conduta voluntária do agente contrária a
um determinado dever jurídico.183 Ou seja, se o agente causador do dano agiu com
negligência, imprudência ou imperícia, produzindo um evento danoso, ainda que
involuntário, cujo resultado era previsto ou previsível.184
Da mesma forma que se aplicam à reparação do tempo perdido os requisitos ou
pressupostos básicos da responsabilidade civil, também se aplicam, aqui, as
excludentes de ilicitude.
183 ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef; CASCALDI, Luís de Carvalho. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 394. 184 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 34.
106
As excludentes de responsabilidade são circunstâncias que atuam sobre o fato
lesivo e que extinguem ou atenuam o dever de reparação em razão do rompimento,
total ou parcial, do nexo de causalidade.
São excludentes de responsabilidade civil: a culpa exclusiva da vítima; o caso
fortuito e a força maior; o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular
de direito e o estrito cumprimento de dever legal; o fato de terceiro; e a cláusula de
não indenizar.
Por conseguinte, uma vez verificada, no caso concreto, qualquer das hipóteses
de excludentes de responsabilidade civil, há rompimento da relação de causa e efeito,
pois o dano advindo decorre de conjectura não imputável ao agente supostamente
responsável. Salvo nos casos em que a lei ou a jurisprudência não lhes admitam
aplicação,185 as excludentes de responsabilidade, também nos casos de dano por
tempo perdido, eliminam o dever de reparar ou indenizar.
No entanto, em se tratando de reparação de dano por tempo perdido, faz-se
necessário perquirir paralelamente outros elementos, a fim de assegurar a adequada
e justa reparação do dano, com o correto arbitramento da correspondente
indenização.
Entendemos nós que, para a correta fixação (arbitramento) da indenização
decorrente de dano por tempo perdido, o aplicador do direito deve observar, no caso
concreto, além dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, também as
seguintes circunstâncias ou condições essenciais que se aplicam de modo geral para
os danos extrapatrimoniais, a saber: i) a quantidade objetiva de tempo desperdiçado;
ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a eventual vantagem auferida pelo lesante; iv) a
repetição da conduta lesiva; v) a qualidade ou situação econômica das partes
185 Por exemplo: art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis”; e art. 734 do Código Civil: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.
107
envolvidas (ofensor e vítima); e vi) eventual esforço e eficiência do lesante para evitar
o dano ou minimizar os seus efeitos.
Somente após cuidadoso exame de todos esses pressupostos e elementos é
que a reparação dos danos por tempo perdido será a mais correta e completa
possível, com o máximo de utilidade e eficácia social. A fixação da indenização para
qualquer tipo de dano extrapatrimonial é tarefa que exige ponderação e sopesamento
de interesses e circunstâncias do caso concreto e implica, portanto, análise por meio
de critérios subjetivos por parte do aplicado do direito.186
Para que o instituto da responsabilidade civil se apresente com o máximo de
efeito e de utilidade social, é indispensável que a reparação do tempo seja feita de
forma criteriosamente fundamentada e detalhada, perquirindo, passo a passo, todos
os elementos que envolvem o dano a ser reparado, atribuindo, a cada um deles, valor
e importância específicos, peculiar à situação sub judice, para que, através da análise
conjunta de todos esses elementos, se possa chegar à correta extensão do dano e,
consequentemente, à reparação justa e ideal do tempo.
Nesses termos, a primeira e mais importante circunstância a ser avaliada é a
quantidade material de tempo que foi gasta, perdida ou desperdiçada em decorrência
da ilícita intervenção. Esse é, certamente, o único critério efetivamente objetivo na
reparação do tempo e que é resultado de uma simples e rápida operação matemática.
A quantidade de tempo é o produto resultado da diferença apurada entre o tempo
total disponível e o tempo desperdiçado em decorrência de indevida intervenção de
terceiro. O resultado dessa equação é, justamente, o dano, o tempo perdido, a
quantidade de vida que foi suprimida da vítima, que foi injustamente gasta na
contramão dos seus interesses, sem que fosse possível exercer livremente a sua
vontade.
No caso concreto, compete à parte lesada comprovar a quantidade de tempo em
que sua vida e sua liberdade foram, total ou parcialmente, atingidas (suprimidas) em
razão dessa ilícita intervenção.
186 BONILINI, Giovanni. Il danno non patrimoniale. Milano: Giuffrè, 1983. p. 76.
108
Objetivamente falando, o dano ao tempo de uma pessoa que ficou acamada em
hospital por três meses em decorrência de um acidente, é muito maior do que, por
exemplo, o cárcere privado de uma pessoa injustamente presa pelo período de uma
semana. Pode-se até dizer (e com razão) que a vida no cárcere é mais arriscada, com
riscos próprios do chamado “estado paralelo”, que faz o preso viver sob contínua
tensão, muito mais difícil de suportar do que o restabelecimento em um leito hospitalar.
Porém, essa tensão que ocorre na vida no cárcere, que também pode ocorrer no leito
hospitalar, dependendo da gravidade do estado do paciente, que aflige o encarcerado
e o internado, nada tem a ver com o tempo perdido, mas com um dano psicológico e,
talvez, moral. Nosso foco é o dano ao tempo, ao tempo puro e simples, ao tempo pelo
tempo transcorrido, despido das ocorrências fáticas e emocionais que nele
acontecem.
Portanto, quanto maior o tempo indevidamente apropriado ou perdido, maior a
lesão ao bem jurídico tutelado. Consequentemente, maior deve ser o valor da
indenização arbitrada.
A gravidade da conduta lesiva, enquanto critério para a balizar a fixação da
indenização por tempo perdido pode ser qualificada como um juízo de censura, um
juízo de desvalor dirigido ao agente, em razão da prática de um determinado ato,
quando ao agente foi dada a possibilidade de ter decidido diferentemente, ou seja, de
ter agido em harmonia com o direito, em vez de optar (intencionalmente ou não) pela
prática do ato ilícito.
Dessa forma, quanto mais grave e reprovável for a conduta infratora, maior
deverá ser a indenização, demonstrando aí a repulsa e a resposta do ordenamento
jurídico de forma proporcional à conduta do agente causador do dano.
O terceiro critério a ser avaliado é o da eventual vantagem auferida pelo lesante,
mostrando, aqui, uma preocupação em assegurar que a prática daquela conduta
lesiva não seja fonte de vantagens ou benefícios indevidos para aquele que lesa. É
por isso que não estamos nos referindo tão somente a proveito econômico-financeiro
direto (aquilo que ganhou ou deixou de perder), mas a qualquer tipo de vantagem,
seja política, comercial, concorrencial etc., que direta ou indiretamente beneficie o
lesante em função do ato lesivo praticado.
109
Assim sendo, uma vez verificada a vantagem obtida pelo agente causador do
dano, a reparação deverá ser graduada de modo a “compensar” o benefício
experimentado, caso não haja outra forma eficaz de anulá-lo.
Obviamente que a intenção, aqui, é anular o benefício obtido, justamente para
que aquela conduta não tenha valido a pena e, com isso, desestimular outras práticas
dessa mesma natureza.
A repetição da conduta lesiva pelo autor do dano é outro elemento que precisa
ser considerado no momento da fixação da indenização para a reparação do dano por
tempo perdido.
Se, por ocasião da reparação do dano, se chegar à conclusão de que aquela
conduta do ofensor é reiterada ou frequente, a indenização deverá ser aumentada por
conta de tal reincidência, de forma a proporcionar ao lesante uma efetiva repressão,
que o iniba de voltar a praticar novamente atos dessa natureza.
Novamente, aqui, o que se pretende é deixar claro que aquela conduta reiterada
não é admitida pelo ordenamento jurídico, desestimulando o infrator a prosseguir com
a tal prática lesiva.
O quinto critério a ser analisado pelo magistrado diz respeito às características
econômicas das partes, tanto do lesante quanto da vítima. Não que o tempo de cada
um de nós tenha um valor diferente nem que deva o juiz fazer um juízo de valor sobre
como cada pessoa utiliza ou gasta o próprio tempo. Mas essa análise pessoal da vida
de cada uma das partes deve ser feita apenas para que a reparação seja dosada de
forma equilibrada, para que a indenização não se revele insignificante ou insuportável,
dependendo das características do agente causador do dano e da vítima, viabilizando,
assim, que a reparação alcance plenamente as suas funções.
Como a indenização do tempo se dá através de um valor monetário sem
qualquer relação direta de equivalência com o valor do tempo, é fundamental que o
montante da indenização tenha um mínimo de repercussão em quem a paga e em
quem a recebe, trazendo de um lado (da vítima) a justa e razoável sensação de
satisfação e reparação e, de outro (do lesante), justa e razoável sensação de punição
e repreensão.
110
A qualidade econômica do ofensor deve ser levada em consideração na fixação
da indenização por dano ao tempo, para que, dessa forma, o lesante, qualquer que
seja a sua condição econômica, sinta e suporte a reprimenda do Estado ao ato lesivo
praticado, como resultado das funções punitiva, pedagógica e preventiva da
responsabilidade civil.
Atente-se que não se está pretendendo punir mais duramente quem tem melhor
condição econômica, pelo simples fato de serem ricos. No entanto, esse critério se
mostra importante e necessário para que aqueles mais afortunados não passem ilesos
pela repressão do Estado aos seus atos ilícitos e possam, efetivamente, sofrer as
mesmas consequências que as demais pessoas, menos afortunadas. O que se está
a dizer é que os atos ilícitos, sobretudo aqueles que causam danos extrapatrimoniais,
não têm um preço que somente pode ser pago pelos mais afortunados. O
ordenamento jurídico deve reprimir e punir qualquer ato atentatório ao patrimônio
imaterial das pessoas, seja ele praticado por pessoas com poder econômico mais alto
ou mais baixo.
Todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição Federal) e, para
que o princípio da isonomia seja atendido na sua plenitude (tratar desigualmente os
desiguais, na medida da desigualdade), a indenização para a repressão dos danos
extrapatrimoniais causados pelos mais afortunados pode e deve ser abalizada,
conforme o caso concreto, de acordo com a condição econômica do ofensor. Do
contrário, haverá um incentivo ou, ao menos, maior complacência com os danos
extrapatrimoniais causados pelos mais ricos, o que, definitivamente, não é o que
pretende o nosso ordenamento jurídico.187
Por outro lado, se a condição econômica do agente ofensor for precária, deverá,
também, ser levada em consideração, para que a reparação não se mostre
insuportável, dada a sua pior situação financeira. Nessas condições, cabe ao juiz
ponderar, à luz das circunstâncias fáticas da hipótese sub judice, a suportabilidade da
indenização, para que a reparação não seja pesada demais para o lesante a tal ponto,
187 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de Mestrado defendida na PUC-SP, 2012, p. 92.
111
por exemplo, de privar a sua família do mínimo necessário para uma vida digna
(TJARS, 95:260 e RJTJRS, 163:261).
No entanto, essa perspectiva deve ser analisada com certa cautela, pois não se
pode deixar de reparar adequadamente o dano, pelo simples fato de o autor do dano
ser pobre. Aí estaríamos a ser complacentes com os danos causados pelos menos
afortunados, o que também não é o sentido buscado pelo sistema jurídico vigente e o
que violaria, também, o princípio constitucional da isonomia.188
As situações devem ser analisadas cum grano salis, para que injustiças não
sejam cometidas. A majoração ou a redução da indenização pelo critério da qualidade
econômica do lesante não deve ocorrer de forma automática em todo e qualquer caso.
Dependerá da demonstração nos autos de que a indenização normalmente fixada
para aquele caso, consideradas as suas circunstâncias, será desproporcional, isto é,
pesada demais ou insignificante, diante do patrimônio do responsável pelo dano.
Dessa mesma forma, o aplicador do direito deve observar, também, a qualidade
econômica da vítima, para que a indenização também tenha uma repercussão em seu
patrimônio, de modo que não configure esmola ou um valor insignificante nem
enriquecimento sem causa.
Finalmente, o último critério a ser analisado diz respeito aos eventuais esforço e
eficiência do lesante para evitar o dano ou minimizar os seus efeitos. Trata-se de
critério que procura beneficiar o lesante, reduzindo-lhe o valor da reparação, nos
casos de “arrependimento eficaz” (emprestando termo do direito penal) em que há
uma comprovada conduta do lesante tendente a anular o ato ou os efeitos do ato
lesivo.
Esse critério é importante porque também estimula que as pessoas tentem
corrigir ou anular o ato ofensivo praticado, antes que ele produza todos os seus efeitos
ou que ele produza seus efeitos em grau ainda maior.
188 A indenização fixada deverá ser suportada pelo lesante, tal qual uma indenização por dano material. Se o lesante não tiver condições para pagar, a vítima ficará com o crédito, exatamente como se tivesse uma dívida material, até porque a indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez fixada, se torna tão material e concreta quanto uma indenização por danos materiais, pelo que não vemos nenhuma distinção a ser feita nesses termos.
112
Ao que entendemos, esse benefício decorre da boa-fé objetiva, exigida no artigo
422 do Código Civil, presente no espírito do agente que, arrependido, tentar
imediatamente corrigir o seu ato e minimizar os danos que a sua conduta irá causar.
Ainda que, num primeiro momento, haja um ato ilícito, onde inexiste a boa-fé no
espírito do lesante, essa se encontrará presente no momento em que ele tomar uma
atitude inversa à primeira, que seja tendente a anulá-la ou a reduzir seus efeitos.
É evidente que não se está perdoando a primeira conduta que causou o dano,
mas apenas reconhecendo que o seu esforço, desde que minimamente eficiente189
para evitar a propagação do dano ou para minimizá-lo, é uma atitude valorizada pelo
direito e pela sociedade, a ponto de merecer uma maior complacência quando da
fixação da indenização.
Como se pode notar, a reparação do dano ao tempo (assim como ocorre nos
demais danos extrapatrimoniais) pressupõe uma profunda e criteriosa análise dos
elementos acima descritos, balanceando-os em busca de uma relação de equilíbrio e
proporção entre a conduta lesiva e o dano suportado, tudo à luz das funções
compensatória, punitiva, pedagógica e preventiva da responsabilidade civil.190
Somente a partir desse cuidadoso exame é que se poderá alcançar ou, ao
menos, chegar o mais próximo possível da reparação ideal do tempo perdido, que
venha a atender à função moderna da responsabilidade civil, conferindo ao instituto o
máximo de utilidade e eficácia social.
Muito refletimos sobre a possibilidade e a pertinência de a idade de uma pessoa
interferir no arbitramento do valor da indenização por lesão ao tempo. Como se a idade
da vítima pudesse ser mais um critério para ponderação do magistrado no momento
da fixação do valor da indenização. No entanto, concluímos que tal circunstância não
tem o condão de interferir no valor da indenização do tempo. Explica-se.
189 Aqui se deve considerar tão somente a conduta do agente que seja efetivamente eficaz na contenção do dano ou na redução ou limitação dos seus efeitos, pois o arrependimento ineficaz, aquele que não gera efeito algum, não pode repercutir em favor daquele que criou o dano. Se o dano não foi evitado ou minimizado sob nenhum aspecto relevante, é como se o arrependimento não tivesse existido, pois não produziu efeitos concretos. E se não produziu efeitos em favor da vítima, não poderá produzir efeito algum em benefício do lesante. 190 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil, a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
113
Somos, todos nós, produto da natureza ou da criação divina (conforme a crença
de cada um) com prazo de validade incerto. Nenhum de nós tem um estoque de tempo
que possa ser controlado. Cada dia ou segundo de vida é um verdadeiro presente.
Alguns de nós não passam dos primeiros minutos de vida, enquanto outros vivem
mais de um século. Logo, um idoso pode muito bem ter mais tempo de vida do que
uma criança qualquer. Ainda que possamos trabalhar com a expectativa média de
vida das pessoas, trata-se de mera expectativa, que pode não se concretizar. E essa
reflexão nos leva à seguinte questão: o tempo para um idoso vale mais ou menos do
que para uma criança?
Intuitivamente, podemos pensar que a resposta certa para essa questão é que
o tempo vale mais para o idoso, já que, para ele, o tempo é um bem teoricamente
mais escasso do que para uma criança. Mas se lembrarmos de que o tempo que se
indeniza é uma parte da vida da pessoa, de uma vida já passada e vivida, fica difícil,
quiçá impossível, afirmar que a vida de um idoso vale mais do que a de uma criança
para fins de reparação da lesão sobre o tempo. Objetivamente falando, o tempo, em
ambos os casos, tem o mesmo valor e a mesma repercussão; nas duas situações
significa menos tempo.
A idade da vítima não interfere na lesão, porque a medida da lesão é,
exclusivamente, o tempo que foi suprimido da vítima, um tempo já usufruído, e não
um tempo que ainda se vai viver. O tempo não é reposto com a indenização. Ele já
está perdido e apenas terá que ser compensado economicamente, no que a
expectativa de vida futura da vítima (se resta muito tempo de vida para a pessoa
usufruir da indenização ou não; se ela é jovem ou velha) pouco importa.
Da mesma forma, para a fixação da indenização dos danos por tempo perdido,
diferentemente do que ocorre no dano moral subjetivo e no dano existencial, pouco
importa a intensidade do sofrimento da vítima ou a repercussão da ofensa. Esses
critérios, importantes na reparação dos danos morais puros e do dano existencial, não
têm qualquer valia na reparação do tempo perdido, que, novamente repetimos, tem a
ver, exclusivamente, com a quantidade de tempo perdido. Na lesão ao tempo,
entendemos nós que não existe interferência de fatores psicológicos e emocionais
que certamente têm relevância na fixação de indenizações de outros danos
extrapatrimoniais.
114
Portanto, para fins de fixação de indenização, única forma possível de se reparar
o tempo perdido, deve-se levar em consideração: i) a quantidade objetiva de tempo
desperdiçado; ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a eventual vantagem auferida pelo
lesante; iv) a repetição da conduta lesiva; v) a qualidade ou situação econômica das
partes envolvidas (ofensor e vítima); e vi) eventuais esforço e eficiência do lesante
para evitar o dano ou minimizar os seus efeitos; a fim de calibrar o arbitramento da
indenização para que ela tenha uma justa, razoável e proporcional às circunstâncias
que envolvem o caso sub judice.
Finalmente, vale destacar, considerando a abordagem dada neste trabalho, no
sentido de que o tempo é a medida quantitativa da vida, que as empresas e, portanto,
pessoas jurídicas em geral, apesar de serem entes dotados de personalidade jurídica,
não sofrem lesão ao tempo.
As pessoas jurídicas não têm vida como nós, seres humanos e, por esse motivo,
não podem ser vítimas de dano ao tempo. O tempo, para elas, não é um recurso ou
bem finito. As empresas existem por tempo indeterminado, pelo tempo que seus
proprietários, acionistas, sócios, determinarem. Há diversos registros de empresas
milenares.191 O tempo, para elas, é apenas uma medida de produção de riqueza ou
de prejuízo. Logo, toda e qualquer interferência indevida no tempo das pessoas
jurídicas só tem relevância para o direito se importar em prejuízo econômico e, nessa
situação, estaremos diante de dano material puro, com total equivalência financeira,
ainda que apurá-la possa não ser tarefa das mais fáceis.
Se uma empresa qualquer sofre um dano que implique em perda de tempo, só
existirá dano se da conduta lesiva emergir algum prejuízo financeiro para empresa.
Imaginemos, por exemplo, uma empresa que tem a sua fábrica fechada ou uma
máquina com defeito em mal funcionamento por conduta ilícita de terceiro. Essa
empresa perde a autonomia que exerce sobre o meio produtivo e, durante certo
tempo, a sua produtividade fica comprometida. Ainda que o período de tempo relativo
àquela determinada produção tenha ficado irreversivelmente para trás, o tempo
perdido em si não configura dano. O dano, no caso, é tão somente os prejuízos
materiais que advêm da redução da sua produtividade naquele período e que se
191 Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/10-empresas-com-1-000-anos-ou-mais-sim-voce-leu-certo/>. Acesso em: 07/11/2018.
115
revela dano material ou patrimonial puro, ressarcível por meio de uma indenização
cabal, exatamente equivalente ao resultado decorrente da diminuição da produção.
As pessoas jurídicas são apenas aquilo que o seu objeto social define e aquilo
que os seus respectivos administradores e funcionários delas fazem. E, sendo assim,
ainda que se trate de pessoas jurídicas sem fins lucrativos ou de pessoas jurídicas
que mais se assemelham a pessoas físicas, como as sociedades unipessoais,
pequenos comerciantes, microempresas constituídas pelos próprios familiares
(pequenos bares, quitandas etc.), mesmo assim, não se poderá falar em dano por
tempo perdido, pois lhes carece o elemento essencial do bem jurídico tutelável que é,
justamente, o tempo de vida e a liberdade que se exerce sobre ele.
De todo modo, fato é que as pessoas jurídicas não sofrem dano por tempo
perdido, assim como não sofrem dano estético nem danos existencial ou biológico,
ressalvada a possibilidade de sofrerem dano moral objetivo (Súmula 227 do Superior
Tribunal de Justiça).
116
12 RESPOSTAS A POSSÍVEIS OBJEÇÕES À TESE PROPOSTA
Apesar do nosso entendimento a respeito da correta reparação do dano por
tempo perdido, conforme critérios delineados nos capítulos precedentes, não
podemos deixar de reconhecer que, certamente, advirão objeções, críticas ou
questionamentos à tese ora defendida, razão pela qual aqui nos antecipamos,
tentando rebater algumas delas que, neste momento, já conseguimos antever.
De forma geral, a parcela mais conservadora da doutrina terá dificuldade em
reconhecer a possibilidade de reparação do tempo perdido, sobretudo da maneira
aqui proposta, considerando a reparação autônoma e independente em relação ao
dano moral subjetivo.
Entre as críticas mais prováveis, destacamos:
a) Ausência de previsão legal expressa;
b) Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida quantitativa da
vida;
c) Enriquecimento sem causa da vítima;
d) Mercantilização da justiça e incentivo à “indústria das indenizações”;
e) Bis in idem – na medida em que a lesão ao tempo já é contemplada no dano
moral puro (ou subjetivo); e
f) Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor.
Todavia, em que pesem eventuais entendimentos contrários, entendemos que
essas possíveis críticas não prosperam e decorrem de uma visão superada da
responsabilidade civil, que está muito mais apegada à ultrapassada concepção
materialista da reparação dos danos do que à moderna função social que o instituto
exerce.
Desse modo, muito embora entendamos que algumas dessas críticas já tenham
sido respondidas ao longo do presente trabalho, a seguir, passamos a apresentar
diretamente os motivos pelos quais entendemos que elas não merecem subsistir.
117
12.1 Ausência de previsão legal expressa
Certamente, muito se questionará sobre se a falta de previsão legal expressa
acerca da indenização em razão de dano por tempo perdido, como uma categoria
autônoma de dano extrapatrimonial, constitui óbice para sua reparação.
Nesse contexto, poder-se-á argumentar, ainda, que essa nova modalidade de
indenização não poderia prevalecer, pois seria equiparável à sanção civil, isto é, a
uma efetiva punição do lesante sem prévia lei a seu respeito, ferindo, portanto, o
princípio da anterioridade da lei, segundo o qual nulla poena sine praevia lege (artigo
5º, XXXIX, da Constituição Federal).
Discordamos, no entanto, dessa posição.
Como já salientamos ao longo do presente trabalho, o ordenamento jurídico
pátrio é adepto do sistema aberto (ou atípico) de responsabilidade civil, de tal modo
que é abrangente no que diz respeito aos interesses merecedores de tutela, isto é,
em termos de extensão qualitativa (espécies) dos danos ressarcíveis.192
Nesse sentido, nossos tribunais já reconheceram a viabilidade de se acolher
indenização autônoma de danos que não estão, expressamente, previstos em nosso
192 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 102.
118
ordenamento jurídico, como são os casos do dano estético193 e, de forma mais
contida, do dano existencial194 e do dano biológico.195
Diante desse contexto e fazendo referência à Maria Celina Bodin de Morais,
podemos dizer que, modernamente, a responsabilidade civil busca, cada vez mais,
193 Súmula 387 do STJ: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. 194 “Caso conhecido como das ‘pílulas de farinha’, sendo de se anotar que o fato de o STJ admitir a indenização em ação civil pública promovida pelos danos decorrentes da ingestão do anticoncepcional Microvlar, da Schering [REsp 866.636/SP], referendando-a em ação individual [Resp. 1.096.325 SP], constrói modalidade de sentença de efeito erga omnes quanto ao tema jurídico, desautorizando
decisões diversas quando as situações fáticas se assemelham – Hipótese em que a autora, com a
juntada de carteia e duas drágeas restantes que não possuíam os princípios ativos a que se destinavam, prova ter engravidado pela falha da indústria em não destruir os produtos manufaturados para testes [placebos] da máquina empacotadora recém adquirida [sic] e pela culpa quanto à guarda
desse material que, infelizmente, foi inserido no comércio como produto regular – Dever de compensar
a mulher pela concepção indesejada ou inesperada, como espécie de dano existencial, conforme já admitido pelo Tribunal Superior, inclusive em lide ajuizada por defeito de outro anticoncepcional produzido pela Schering [Resp. 918.257 SP] e de pagar pensão à filha, aceita essa fórmula de indenizar como reparação pela perda de chance de cumprir o princípio do cuidado previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional sobre os Direito da Criança. Agravo retido não provido e provimento em parte dos recursos [apenas para consignar que a correção monetária do dano moral tem início a partir da sentença que arbitrou o quantum e para elevar a verba honorária para 10% do valor atualizado das condenações.” (TJSP, Apelação Cível 9114254-23.2006.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Ênio Zuliani, j. 29/01/2009) (grifos nossos). 195 “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CONTAMINAÇÃO DO CORPO DE AGENTE DE CONTROLE DE ENDEMIAS POR DDT. DANO MORAL CONFIGURADO. PRAZO PRESCRICIONAL QUE TEM INÍCIO NA DATA EM QUE O SERVIDOR TEM CONHECIMENTO DA EFETIVA CONTAMINAÇÃO DO SEU ORGANISMO. 1. Na origem, trata-se de Ação Ordinária ajuizada por servidor da Funasa, que anteriormente trabalhou na Sucam, com pedido de indenização por danos biológicos e materiais que lhe teriam sido causados pelo contato prolongado com substâncias de alta toxicidade. O pedido de indenização por danos biológicos foi rejeitado, por falta de provas, tendo o de indenização por dano moral sido julgado procedente, diante da prova da contaminação do corpo do autor por DDT. A indenização foi fixada em R$ 3.000,00 por ano de exposição desprotegida ao produto. 2. A jurisprudência do STJ é de que, em se tratando de pretensão de reparação de danos morais e/ou materiais dirigidas contra a Fazenda Pública, o termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto 20.910/1932) é a data em que a vítima teve conhecimento do dano em toda a sua extensão. Aplica-se, no caso, o princípio da actio nata, uma vez que não se pode esperar que alguém ajuíze ação para reparação de danos antes de ter ciência desses danos. Nesse sentido, AgRg no AREsp 790.522/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10/2/2016; AgRg no REsp 1.506.636/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 3/9/2015. 3. No caso concreto, embora o recorrido certamente soubesse que havia sido exposto ao DDT durante os anos que trabalhou em campanhas de saúde pública, pois falava-se até em ‘dedetização’ para se referir ao processo de borrifamento de casas para eliminação de insetos, as instâncias ordinárias consideraram que o dano moral decorreu da ciência pelo servidor de que o seu sangue estava contaminado pelo produto em valores acima dos normais, o que aconteceu em 2009, apenas dois anos antes do ajuizamento da ação. 4. Se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância. 5. As regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, referidas no art. 335 do CPC/1973, levam à conclusão de que qualquer ser humano que descubra que seu corpo contém quantidade acima do normal de uma substância venenosa, sofrerá angústia decorrente da possibilidade de vir a apresentar variados problemas no futuro. 6. Recurso Especial não provido.” (STJ, Recurso Especial 1.642.741/AC, Relator: Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 14/03/2017) (grifos nosso).
119
critérios indenizatórios amplos, açambarcando todo e qualquer interesse digno de
tutela e que, razoavelmente, não possa permanecer irressarcido.196
Além disso, se a indenização deve ser medida, nos termos do artigo 944 do
Código Civil, pela extensão do dano (princípio da reparação integral), toda vez que o
tempo for objeto de lesão proveniente de conduta ilícita de terceiro, necessariamente
deverá ser ele indenizado em toda a sua extensão.
Outrossim, se o ordenamento jurídico tutela a vida e a liberdade, e se esses
interesses são violados toda vez que se verifica ofensa ou dano ao tempo (porquanto
este é o espaço em que aqueles se projetam), então o que se tutela, em última
instância, aqui, são a vida e a liberdade, cujas proteção e indenização estão,
expressamente, previstas em nosso ordenamento.
Desse modo, temos que o tempo, representativo da vida e da liberdade humana,
é atributo da personalidade e, portanto, digno de proteção legal, expressa, nos termos
do artigo 12 do Código Civil.197
A reparação ou indenização do tempo nada mais é que uma medida da
reparação da vida e da liberdade do indivíduo, que deixa de ter autonomia sobre esses
bens (vida e liberdade), durante certo tempo que não volta mais. Esses interesses
(vida e liberdade) já são protegidos pelo nosso ordenamento, que, inclusive, garantem
a reparação integral (ou a mais integral possível) em toda a extensão do dano.
A questão a ser analisada, aqui, é a correta e adequada reparação daquele que
sofre dano em seu tempo de vida e na liberdade de gastar o tempo conforme a sua
livre-disposição. A não reparação do tempo (quando assim demandar o caso
concreto), invariavelmente, acarretará violação das normas constitucionais e
infraconstitucionais que garantem a proteção, em toda a sua extensão, justamente,
da vida e da liberdade da pessoa.
Finalmente, e para espancar qualquer viés de dúvida, o art. 5º da Lei de
Introdução às Normas de Direito Brasileiro confere ao magistrado método
196 MORAIS, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro: Processo, 2017. p. 178-179. 197 Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
120
interpretativo flexível que lhe permite conferir um alcance mais justo e socialmente útil
à norma que se pretende aplicar, garantindo, assim, que o ordenamento jurídico
vigente seja interpretado de forma a agasalhar a tutela jurisdicional do tempo.
Assim sendo, entendemos que a falta de previsão normativa expressa sobre a
indenização decorrente de dano por tempo perdido não constitui óbice algum para sua
reparação. A reparação, no caso, decorre da própria essência do direito tutelado, isto
é, da proteção dos danos à vida e à liberdade, expressões máximas, da personalidade
e da dignidade da pessoa humana, devidamente respaldadas e expressamente
protegidas pelo nosso ordenamento, seja no texto constitucional, seja na legislação
infraconstitucional.
12.2 Dificuldade em atribuir um valor ao tempo enquanto medida quantitativa da
vida
Muito se pode discutir, também, quanto à dificuldade de se atribuir um valor ao
tempo, para fins de quantificação de sua indenização.
A primeira dificuldade seria, já de plano, destacar o tempo como um bem jurídico
autônomo, desprovido de qualquer valor qualitativo. O tempo puro e simples,
enquanto medida quantitativa da vida. Nessa situação, quanto valeria a vida ou uma
parte dela? Será que as qualidades e virtudes do homem devem interferir na
valorização do seu tempo?
Sem sombra de dúvidas, essas são questões complexas e sobre as quais cabem
pontos de vista diferentes.
Porém, sem rodeios, pensamos ser impossível atribuir um valor
matematicamente equivalente ao tempo do homem. Assim como já acontece no dano
moral subjetivo, no dano estético, no dano à imagem e no dano existencial, o tempo
é um bem sem valor econômico, sem preço de mercado.
Apesar disso, comporta uma atribuição pecuniária, porque esta é a única forma
de reparar ou minimizar os impactos de um dano a um interesse extrapatrimonial.
Como leciona Patrice Jourdain, para reparar o que é irreparável, mas que, no
entanto, não pode ficar sem reparação, nos casos em que o prejuízo não possua valor
121
econômico, deve-se conceder uma condenação financeira simbólica (não no sentido
de módica, mas de ausência de equivalência), com a finalidade de expressar a
reprovação social pelo ato praticado.198
O que não se pode admitir é que um bem jurídico de tamanha relevância, como
é o caso do tempo, possa, diante de uma situação de dano, ficar sem reparação, sob
o pretexto de não ser possível atribuir-lhe um valor.
Sobre o tema, importante trazer à baila a lição de António Menezes Cordeiro,
que explica que o único caminho que resta para quem sofre um dano extrapatrimonial
(no caso em estudo: dano por tempo perdido) reside na exigência de uma indenização,
pois, de outro modo, os bens extrapatrimoniais ficariam sem qualquer proteção.199
Dessa forma, entendemos que a questão da dificuldade de atribuição de um
valor ao tempo não pode ser óbice para sua reparação. Seria um retrocesso tremendo,
após tudo o que evoluímos em termos de responsabilidade civil, com a indenização
dos danos morais, estéticos, à imagem e, mais recentemente, com os danos
existenciais e biológicos, inviabilizar a reparação do tempo perdido, um interesse de
imensa magnitude, com argumentos que só faziam algum sentido no início do século
passado.
Hoje em dia, não se pode mais negar a importância do tempo e a sua relevância
para nós, seres humanos, enquanto bem jurídico autônomo passível de tutela. A
reparação do tempo, através da atribuição de uma indenização, por mais abstrata que
seja, é tarefa que cabe ao julgador avaliar, de forma razoável e proporcional,
ponderando os fatos e critérios que envolvem o caso específico.
E, apesar das dificuldades iniciais (com é normal acontecer com tudo o que é
novo), após certo tempo, com a prática, a atividade valorativa ficará mais fácil, como,
hoje, já acontece com os danos morais subjetivos e demais danos imateriais, apesar
das críticas que essas quantificações até hoje recebem.
12.3 Enriquecimento sem causa da vítima
198 JOURDAIN, Patrice. Les principes de la responsabilité civile. 4. ed. Paris: Dalloz, 1998. p. 132. 199 CORDEIRO, António Menezes. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1994. p. 340.
122
Outro argumento contrário à tese de reparação autônoma do dano ao tempo é o
de que o valor da indenização geraria o enriquecimento sem causa, indevido ou
injustificado da vítima.
Mais uma vez, ousamos discordar daqueles que defendem esse tipo de
argumento.
Primeiramente, o que se percebe em relação àqueles que defendem a existência
de enriquecimento sem causa nos danos extrapatrimoniais (e, aqui, em especial no
caso dos danos por tempo perdido), é que o argumento utilizado configura, na
realidade, um sofisma, uma falácia de relevância ou uma falácia de petição de
princípio (petitio principii), por meio da qual se constrói uma retórica argumentativa
circular, em que se adota, na própria premissa, a conclusão do argumento.
O argumento falacioso parte de duas premissas: (i) que o ordenamento jurídico
proíbe o enriquecimento sem causa e (ii) que a perda de tempo (ou outro prejuízo
extrapatrimonial) não tem conteúdo econômico para justificar (dar causa) uma
reparação financeira (enriquecimento); para concluir, (iii) que o ordenamento jurídico
proíbe, portanto, a indenização por perda de tempo, pois isso configuraria
enriquecimento sem causa.
Nota-se que o argumento, aparentemente correto e lógico, apresenta uma
estrutura interna inconsistente e imperfeita, na medida em que adota como premissa
para o seu argumento a própria conclusão a que pretende alcançar; no caso, de que
o tempo perdido não configura causa para enriquecimento. Portanto, a conclusão
desse raciocínio apenas salienta o que já foi assegurado nas premissas, de modo
que, embora válido, o raciocínio se revela totalmente inútil e incapaz de estabelecer a
verdade da sua conclusão.200
Portanto, o argumento, embora possa apresentar um apelo sensível e
psicológico relevante, capaz, inclusive, de gerar um efeito persuasivo real, não possui
concretude lógica. Nele, nada se prova. O argumento é circular, pois, ao colocar a
conclusão na premissa, dá como provado, justamente, aquilo que se pretende
200 COPI, Irving Marmer. Introdução à lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 74-84.
123
provar.201 Sua construção é, portanto, imperfeita, resultado de uma ilusão
argumentativa empregada para estimular a nossa sensibilidade sobre o tema, e não
a nossa razão.
Superada essa questão inicial, é válido esclarecer que entendemos que toda e
qualquer reparação pecuniária de danos extrapatrimoniais, sejam eles oriundos de
dano moral subjetivo, dano à imagem, dano estético, dano à existência ou dano por
tempo perdido, gerará, sempre, um enriquecimento. Isso porque os danos
extrapatrimoniais não têm equivalência pecuniária, não decorrem de um prejuízo
financeiramente aferível, mas, ainda assim, demandam uma compensação que só se
pode realizar mediante o pagamento de uma indenização que agregará um valor ao
patrimônio do lesado, gerando, via de consequência, um enriquecimento financeiro.
No entanto, não se trata de enriquecimento ilícito nem indevido, muito menos
injustificado ou sem causa. Pelo contrário, essa indenização configura um
enriquecimento lícito e, mais do que isso, justo, pois decorre de um dano sofrido no
seu patrimônio imaterial.
Assim sendo, qualquer que seja o valor da reparação do dano extrapatrimonial,
a quantia fixada configurará enriquecimento da vítima, pelo simples fato de o
patrimônio imaterial não ser objeto de precificação, de inexistir equivalência entre o
prejuízo imaterial e uma soma em dinheiro.
A noção de enriquecimento sem causa está ligada diretamente a uma ideia de
proveito ou benefício econômico, sem uma correspondente motivação. Ou seja, há
um enriquecimento sem motivo justo, um enriquecimento sem relação de causa e
efeito (sem nexo de causalidade).202
Mas, no caso em estudo, assim como nos demais danos extrapatrimoniais, o
enriquecimento ou o benefício econômico oferecido (indenização) correspondem à
compensação de um efetivo prejuízo suportado pela vítima, que é a perda do tempo
(com a vida e a liberdade nele contida). A falta de correspondência significa, no caso,
a falta de uma exata equivalência entre o tempo perdido (dano) e a reparação
correspondente. Daí a necessidade da análise daqueles requisitos de que tratamos
201 ATIENZA, Manuel. As razões do direito. Teoria da argumentação jurídica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 115-116. 202 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 258-262.
124
no capítulo anterior, para que não se dê nem mais nem menos do que o necessário à
justa reparação.
O enriquecimento, por assim dizer, ocorre apenas em termos materiais. No
entanto, do ponto de vista do equilíbrio das relações jurídicas e da justiça social, existe
uma clara e perfeita justificativa para o enriquecimento: o dano. Estamos, por assim
dizer, diante de uma relação de causa e efeito: uma conduta positiva (indenização)
para anular uma conduta negativa (dano), trazendo essa equação o mais próximo
possível do resultado zero. A consequência é a indenização que tem como causa, ou
justo motivo, o dano extrapatrimonial (no caso em estudo, o dano por tempo perdido).
Sob essa ótica, o enriquecimento é mais do que justo, é absolutamente
necessário e totalmente lícito.
Como assevera Rogério Donnini,203 nessas hipóteses, o enriquecimento é, na
realidade, “com causa”, isto é, com causa no dano injustamente sofrido pela vítima,
que fica credora de uma indenização, pois essa é a única forma possível de minimizar
os impactos dos prejuízos extrapatrimoniais sofridos, ainda que de forma imperfeita.
O enriquecimento (indenização) se justifica, nesses casos, sempre como
consequência direta de um acontecimento antijurídico (conduta) que gerou o resultado
negativo (dano).
A par disso, em diversas situações, o ordenamento jurídico confere à vítima um
efetivo enriquecimento, isto é, um benefício econômico, sem que haja o
correspondente prejuízo, caso o ofensor tenha alguma conduta antijurídica, injusta,
reprovável, infringindo normas de conduta.
Nesse sentido, há expressa previsão legal no artigo 940 do Código Civil,204 que
estabelece o pagamento em dobro para aquele que demanda por dívida já paga, bem
como impõe o pagamento daquilo que pedir a mais do que lhe for devido. Além disso,
203 DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 88-97. 204 Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
125
o artigo 81 do Código de Processo Civil205 estabelece o pagamento de multa e
indenização à parte contrária por aquele que, em processo judicial, for condenado em
litigância de má-fé (artigo 80 do Código de Processo Civil).
Não fosse isso o bastante, as astreintes, previstas nos artigos 499, 500, 536, §
1º, e 814, do Código de Processo Civil,206 e 84 do Código de Defesa do Consumidor,207
para os casos de descumprimento de obrigações de fazer e não fazer, também
revertem em favor da parte contrária.208
Em todos esses exemplos, há evidente enriquecimento por parte da vítima, na
medida em que a vantagem econômica recebida não decorre de um correspondente
(ou equivalente) prejuízo econômico experimentado. No entanto, em nenhum desses
casos se questiona o enriquecimento sem causa ou indevido ou, ainda, o
enriquecimento ilícito.
Na verdade, o que o ordenamento proíbe é o enriquecimento sem causa. O
enriquecimento com causa é permitido e, até mesmo, encontra respaldo em nosso
sistema normativo.
205 Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 206 Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa fixada periodicamente para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação. Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. § 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial [...]. Art. 814. Na execução de obrigação de fazer ou de não fazer fundada em título extrajudicial, ao despachar a inicial, o juiz fixará multa por período de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida. 207 Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1° A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2° A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa 208 CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Tese de mestrado defendida na PUC-SP, 2012, p. 137.
126
No caso da reparação do dano por tempo perdido é a mesma coisa, o valor da
indenização, elevado ou modesto, não terá equivalência econômica exata com o
prejuízo suportado. O mesmo também ocorre nas outras hipóteses de reparação a
danos extrapatrimoniais. Em todas essas situações, a reparação não terá a pretensão
de ser cabal, mas tão somente de representar uma repulsa ao dano verificado e uma
justa compensação a quem sofre a lesão.
Consequentemente, não se deve questionar que o valor indenizado nessas
circunstâncias foi além ou ficou aquém do dano extrapatrimonial efetivamente sofrido,
pois como este é incomensurável, aquele também o é, daí falarmos ser ele um “valor
ideal”, estabelecido de forma a restaurar o equilíbrio violado através da reparação que
venha a ser a mais completa e útil para a vítima e para a sociedade como um todo,
respeitando, sempre, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na sua
fixação. Trata-se, portanto, de enriquecimento lícito e justo, cuja extensão da
indenização deverá ser a mais razoável e proporcional possível ao prejuízo causado,
conforme as circunstâncias do caso concreto demandarem.
Nesses termos, de acordo com os critérios delineados no presente estudo, não
há que se falar em enriquecimento indevido ou injusto na reparação dos danos por
tempo perdido.
12.4 A mercantilização da justiça e o incentivo à “indústria das indenizações”
Outra possível crítica à aplicação da tese aqui proposta é no sentido de que a
reparação dos danos por tempo perdido incentivaria ainda mais o ajuizamento
aleatório e irresponsável de ações indenizatórias absurdas ou infundadas,
transformando o Poder Judiciário em loteria e criando o que muitos chamam de
“indústria das indenizações”.
Porém, novamente, aqui discordamos daqueles que assim enxergam a situação.
De fato, é bem possível que o reconhecimento do tempo como um bem jurídico
autônomo, passível de dano e de reparação independente, provoque um aumento no
número de ações judiciais buscando a tutela desses interesses supostamente
violados.
127
No entanto, não vemos nisso mal algum. Muito pelo contrário, nada mais
saudável e natural do que as pessoas ingressarem em juízo, visando à reparação do
mal que injustamente sofreram. Em se tratando de danos extrapatrimoniais, o
exercício do direito de ação é exercício de cidadania e solidariedade, na medida em
que constitui mecanismo individual de tutela de interesse social. Quanto maior o
número de ações, maior o controle por parte da sociedade contra atos que violem ou
desrespeitem o patrimônio imaterial dos cidadãos, pois tal conduta, em última análise,
desestimula a prática de novos atos ilícitos, em plena consonância com o princípio da
prevenção.
Se as pessoas se sentirem encorajadas para requerer a tutela jurisdicional para
a proteção do seu patrimônio imaterial (qualquer que seja ela, inclusive, o tempo), isso
repercutirá imediatamente na outra ponta, mostrando para toda a sociedade que as
condutas lesivas aos interesses extrapatrimoniais são corretamente tuteladas pelo
Poder Judiciário.
Na verdade, o argumento de que a mera possibilidade de se tutelar mais uma
espécie de dano extrapatrimonial incentivaria a denominada indústria das
indenizações é absolutamente impróprio e impertinente, sobretudo no atual estágio
social, de universalização do acesso à justiça, inclusive, com a criação dos juizados
especiais, que sucedeu a implantação de um sistema de proteção ao consumidor,
com o advento do Código de Defesa do Consumidor.
Ora, será que aqueles que defendem essa tese acreditam que desestimular o
exercício do direito de ação das pessoas é o melhor caminho para a paz e o equilíbrio
social? Será que, realmente, existe a crença de que a universalização do acesso à
justiça e a possibilidade de tutela de todos os interesses passíveis de lesão pode
acarretar a sua própria banalização?
É evidente que não. Se não pudermos pleitear em juízo a proteção total dos
nossos legítimos interesses violados ou em risco, aí sim estaremos desamparados e
a justiça restará banalizada. Felizmente, o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal,
garante, em cláusula pétrea, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito.
128
Portanto, pensamos que a correta proteção ao tempo perdido incentivará as
pessoas a, efetivamente, tutelarem seu patrimônio imaterial, de forma a gerar um
benefício para a sociedade como um todo, funcionando como real desincentivo à
prática de novas condutas lesivas. O ajuizamento de ação é, portanto, ferramenta de
controle e policiamento dos atos ilícitos, com reflexo direto no meio social.
Como bem colocou André Gustavo Corrêa de Andrade,209
o problema da propositura de ações de indenização temerárias, que buscam especular com o dano moral [o que vale para todos os danos extrapatrimoniais], tentando incluir no conceito os fatos mais corriqueiros ou banais, é inerente à democracia e ao princípio do acesso à justiça. É necessário possibilitar a todos o acesso à justiça para que aqueles que tenham efetivamente direito possa vê-lo satisfeito ou realizado.
Além disso, como tivemos a oportunidade de observar, a reparação do tempo
perdido não deve ser aleatória, tampouco se aplica a todo e qualquer caso. Antes,
deve observar parâmetros e critérios concretos, à luz das circunstâncias específicas
de cada caso, segundo um juízo crítico de razoabilidade e proporcionalidade do
magistrado. Inclusive, o próprio magistrado tem plenos poderes e condições de
reconhecer uma ação abusiva, irresponsável ou aleatória e, caso isso aconteça, o
próprio Código Civil e o Código de Processo Civil já preveem sanções, no intuito de
desestimular ações temerárias, impondo, assim, responsabilização àqueles que
litigam em juízo inadvertidamente (vide artigo 940 do Código Civil e artigos 80 e 81 do
Código de Processo Civil).
Ainda, o próprio Código de Processo Civil prevê inúmeros recursos para os
litigantes em geral pleitearem a revisão dos julgados, sempre que não concordarem
com o seu conteúdo.
Conforme explica Rogério Donnini,210
o fato de existirem muitos pleitos indenizatórios e alguns deles absolutamente descabidos não justifica a asserção genérica de que entre nós os pleitos indenizatórios são exagerados e criados com o intuito de enriquecimento injusto. Embora existam situações dessa natureza, inegavelmente a grande
209 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 295. 210 DONNINI, Rogério. A prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 499.
129
maioria dos pedidos atinentes a indenizações decorre da efetiva violação de direitos patrimoniais ou da personalidade.
Não é porque algumas pessoas tentam tirar injusto proveito através de uma
determinada medida judicial que a mesma deva ser sumariamente barrada. O Poder
Judiciário não pode negar o acesso à justiça a quem quer que seja e tem o dever de
dar a adequada tutela jurisdicional aos pleitos que se lhe apresentam, no que se inclui,
também, punir aqueles que tentarem tirar vantagem indevida, através do abusivo
exercício do direito de ação.
Sendo assim, a questão do incentivo ao ajuizamento de ações não nos parece
um problema, pelo contrário, é algo que trará maior e melhor controle dos atos lesivos
e, via de consequência, acarretará na prevenção de novos danos, em flagrante
benefício para a sociedade em geral.
Não fosse isso suficiente, para rechaçar de vez o argumento de mercantilização
da justiça através da criação da “indústria das indenizações”, vale extrair das lições
de Rogério Donnini importante trecho que desmascara a verdade sobre o assunto.
Segundo o citado professor,
propaga-se a falsa ideia de uma indústria das indenizações que, em verdade, não existe, pois o que se constata é uma frequente e desmesurada violação de direitos por parte do Estado, dos fornecedores, nas relações entre particulares e, em vários casos, a fixação de valores indenizatórios que, contrariamente ao princípio neminem laedere, incentiva novos eventos danosos. Não raro, grandes empresas deixam de investir na segurança de seus produtos e serviços, cientes dos baixos valores fixados nas ações de reparação de danos. Estamos, assim, diante de uma indústria das lesões.211
Portanto, deve-se ficar atento, para que o argumento de criação de uma
“indústria das indenizações” não encubra nem enseje a maléfica e nociva “indústria
das lesões”, que tão comumente aflige diversos segmentos da sociedade. Até porque,
entre as duas “indústrias”, é melhor e mais seguro ficarmos com a primeira, que, além
de tudo, necessariamente, passa pelo controle do Poder Judiciário.
Concluindo, não é razoável que se pretenda criar dificuldades de acesso ao
Judiciário ou excluir importante instrumento de defesa da cidadania (como é o caso
211 DONNINI, Rogério. A prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil, estudos em homenagem ao professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 499.
130
da ação de indenização por tempo perdido), a pretexto de desestimular as demandas
temerárias. Se o preço a pagar pela efetividade ou concretização dos princípios
constitucionais de proteção à vida e à liberdade é possibilitar a propositura de ações
temerárias e infundadas, então esse será um preço razoável a ser pago.212
12.5 Bis in idem – quando a lesão por tempo perdido já é contemplada no dano
moral subjetivo
Imaginamos, aqui, também, que se possa questionar a existência de dupla
sanção sobre um mesmo fato (bis in idem), já que, nas reparações por dano moral
puro (ou subjetivo), o fator tempo já é, em alguns casos, levado em consideração
quando da fixação da indenização a esse título.
Questiona-se, portanto, que nas reparações por dano moral, muitas vezes, já se
considera o fator tempo, pelo que permitir a indenização pelo tempo perdido de forma
autônoma seria ensejar a sobreposição de indenizações a um mesmo título (bis in
idem).
Pois bem, não se discute que o fator tempo é, em muitos casos, levado em
consideração quando da fixação de indenizações por danos morais de forma geral.
Tal circunstância, no entanto, não é incompatível e em nada atrapalha a tese
defendida neste trabalho.
Isso porque, nas situações de dano moral propriamente dito, o fator tempo não
é um bem jurídico passível de tutela. O tempo, nessas situações, funciona como
condição agravante ou atenuante do dano moral e não se confunde com o tempo que
pretendemos aqui tutelar.
Explica-se. Em toda e qualquer hipótese de dano moral subjetivo, o tempo está
intimamente ligado aos efeitos do dano moral, isto é, ao tempo de duração da dor, do
sofrimento, da angústia etc. Dessa forma, quanto maior o tempo de duração dessa
dor, sofrimento ou angústia, maior será o dano moral sofrido pela vítima. O tempo,
nesses casos, não é um bem jurídico, mas apenas e tão somente uma forma de medir
o dano moral, isto é, uma característica atenuante ou agravante do dano.
212 ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 296.
131
O tempo que pretendemos tutelar é, como já demonstrado, um bem jurídico
autônomo, que representa o espaço em que a vida e a liberdade do homem irradiam
seus efeitos. É a quantidade de vida que possuímos aqui na terra e na qual somos
livres para fazer as escolhas que se apresentam à nossa frente e determinar o nosso
próprio caminho.
A tutela jurisdicional desse tempo em nada se identifica com a intensidade do
dano moral subjetivo, em função do tempo em que duram seus efeitos. Mesmo porque
é totalmente possível que uma pessoa sofra um dano moral subjetivo durante um certo
período de tempo, sem sofrer qualquer tipo de interferência em seu tempo de vida
pessoal e de exercício de sua liberdade. É o caso dos pais que perdem um filho em
um acidente. A dor e o sofrimento, muito provavelmente, jamais deixarão de existir
(durarão pelo resto de suas vidas – e, portanto, por muito tempo), mas não haveria
perda de tempo na acepção que estamos a defender neste trabalho, pois não houve,
no exemplo, qualquer interferência no tempo de vida dos pais nem na liberdade de
gerir suas vidas.
O mesmo raciocínio se aplica aos danos materiais, em que o prejuízo patrimonial
é calculado em função do tempo, como é o caso do taxista que fica por 20 dias com
seu veículo parado em conserto. O tempo, nessa hipótese, não é o bem jurídico
tutelado, mas apenas um instrumento para medir a extensão do dano material (lucros
cessantes).
Sob esse panorama, é fácil perceber que uma mesma conduta pode muito bem
causar dano por tempo perdido (puro e simples, objeto da nossa tese), lucros
cessantes (dano material) e dano moral subjetivo agravado pelo fator tempo/duração
do dano, sendo que o fator tempo terá funções diferentes em cada uma dessas
hipóteses de reparação civil.
O princípio do ne bis in idem impede que um mesmo ato receba duas vezes a
mesma punição, o que é bastante diferente de receber diversas punições distintas. O
bem jurídico tempo, autônomo e concreto, somente é objeto de reparação nas
condições aqui propostas.
Portanto, não há como se confundir a reparação do tempo, enquanto bem
jurídico, com o tempo pelo qual se mede a intensidade do dano moral ou mesmo de
132
algum outro dano extrapatrimonial ou material. Nestes casos, o tempo é uma das
medidas do prejuízo (moral ou material); já no dano por tempo perdido, o tempo é o
próprio bem jurídico lesado.
12.6 Perda de tempo como mero incômodo ou dissabor
Por fim, vale abordar, também, questão comumente debatida em nossos
tribunais, relativa à caracterização da perda de tempo como mero incômodo ou
dissabor cotidiano.
De fato, há inúmeros julgados que consideram algumas situações do nosso
cotidiano um simples aborrecimento ou contratempo, incapaz de configurar dano
indenizável, como se percebe no trecho a seguir, extraído de acórdão do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro,213 mas que é repetido em diversas decisões Brasil afora:
o mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situação não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
Há que se questionar se esse mesmo argumento poderia ser aproveitado para
rechaçar a reparação do dano por tempo perdido. Pensamos, todavia, que não.
O tempo gasto à espera em longas filas ou aguardando cumprimento de
obrigações contratuais ou, ainda, solucionando problemas causados por terceiros no
fornecimento de produtos e serviços, salvo hipóteses em que haja efetiva interferência
na liberdade de a vítima escolher como gastar seu tempo, não configura dano por
tempo perdido.
Em geral, essas situações podem configurar dano moral puro, desde que fique
evidenciado que a situação em questão gerou, ou ao menos tinha potencial de gerar,
uma lesão a um dos direitos da personalidade da vítima.
213 TJRJ, Recurso Inominado 0078763-52.2013.8.19.0067, data de publicação 19/03/2015.
133
Essas situações devem ser analisadas caso a caso. E, se houver significativa
desproporção na condição imposta à vítima, então, o mero incômodo, dissabor,
aborrecimento ou transtorno se converterá em efetivo dano (moral) indenizável.
Entretanto, as situações de dano por tempo perdido, tal como proposto neste
trabalho, em nada se assemelham às hipóteses de incômodos, dissabores,
aborrecimentos e transtornos que a jurisprudência, habitualmente, classifica como
situações cotidianas incapazes de gerar dano.
Até porque, como se pode notar, as próprias palavras (incômodos, dissabores,
aborrecimentos e transtornos) sugerem e revelam um sentimento, um estado de
espírito da vítima, relacionado à determinada situação. Se houve incomodo, dissabor,
aborrecimento ou transtorno, há um juízo de valor qualitativo sobre aquela situação.
No entanto, na lesão por tempo perdido, não há juízo qualitativo da perda de tempo,
há simples análise quantitativa de tempo perdido, em face de uma conduta lesiva
capaz de retirar da vítima a liberdade de gerir o próprio tempo.
Por isso, quando muito, é possível apenas discutir se uma situação concreta de
dano por perda de tempo muito pequena (por exemplo, por poucos minutos ou mesmo
algumas horas) seria passível de indenização e em qual medida.
Mas a resposta a essa pergunta acaba sendo mais fácil, pois, se houve,
efetivamente, um dano, por menor que ele seja, comporta uma reparação
correspondente e proporcional. Saber se temos que nos conformar com isso, por ele
ser irrisório, já é uma questão de justiça, que haverá de ser bem ponderada
casuisticamente, pois, como diziam os romanos, summum jus, summa injuria.
A questão em torno dos dissabores ou aborrecimentos cotidianos está contida,
justamente, na ausência de dano ou ausência de potencial lesivo de algumas
situações jurídicas consideradas triviais e próprias da sociedade ou do mundo
contemporâneo.
Seja como for, essas situações não se confundem com as hipóteses de
reparação de danos por tempo perdido.
134
13 CONCLUSÃO
Para concluirmos este trabalho, considero importante destacar a célebre frase
de Santo Agostinho, que confessou que, se ninguém lhe perguntasse, ele sabia o que
o tempo era; porém, se lhe perguntassem, e fosse tentar explicar, teria que admitir
que não sabia.214 Embora haja, de fato, muitas ideias importantes a respeito do tempo,
só o próprio tempo tem a peculiar característica de nos fazer sentir, por intuição, que
o compreendemos perfeitamente, desde que ninguém nos peça para explicá-lo.215
Mesmo assim, o tempo sempre foi um elemento fundamental no
desenvolvimento humano. Entretanto, a partir do século XVII, passou a adquirir cada
vez mais importância no pensamento moderno, sobretudo após a revolução industrial
e, mais intensamente, nos dias atuais, quando passou a constituir elemento essencial
do progresso individual e social.
O tempo é, hoje, mais do que nunca, a nossa verdadeira riqueza, é o que dá
lastro para toda e qualquer relação humana, para tudo o que somos e tudo o que
possuímos. Toda e qualquer interação humana só se concretiza no tempo e a partir
dele. Não é possível, portanto, que o ordenamento jurídico deixe de fora do sistema
de tutela legal a proteção do tempo que, como vimos, é um bem ou valor da maior
importância para todo e qualquer indivíduo e integra a sua personalidade.
O ordenamento jurídico nacional está totalmente pronto e apto, tanto do ponto
de vista constitucional quanto do infraconstitucional, para garantir a tutela do tempo,
da mesma forma com que a jurisprudência pátria também já está minimamente
familiarizada com o assunto.
Resta, portanto, garantir que o tempo tenha tratamento adequado nas cortes do
país, garantindo a toda e qualquer pessoa a correta proteção que ele demanda em
suas mais diversas facetas e interações com o homem.
Cuidamos, neste trabalho, de demonstrar que o tempo perdido constitui uma
espécie de dano com características próprias, autônomo e independente, com o que
o qualificamos como uma subcategoria dos danos extrapatrimoniais, ao lado do dano
214 AGOSTINHO DE HIPONA, Santo. Confissões. Bragança Paulista: Vozes, 2011. Livro XI. p. 296. 215 WHITROW, Gerald James. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Trad. Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 15.
135
moral propriamente dito, do dano à imagem, do dano estético e do dano biológico,
podendo, inclusive, ser cumulado com estes.
O tempo, enquanto bem ou valor jurídico autônomo, representa uma parcela da
vida (do tempo de vida) de toda e qualquer pessoa e o que fazemos com esse tempo
representa a expressão máxima da nossa liberdade. Desse modo, o tempo deve ser
protegido sempre que for constatada uma violação ou interferência injusta e direta à
liberdade de gastá-lo e de geri-lo, em que a livre-escolha e o poder de
autodeterminação em relação à sua utilização estejam seriamente comprometidos por
uma conduta externa. A proteção do tempo garante que a vida e a liberdade da vítima
sejam resguardadas, bem como que haja, dentro do possível, uma justa reparação
pelos danos decorrentes de sua perda.
Importante não confundir o dano por tempo perdido com o dano moral agravado
pelo fator tempo. Como vimos, são coisas totalmente distintas. No primeiro caso, o
tempo é o bem jurídico violado, enquanto no segundo, o tempo é um medidor de
intensidade, um elemento secundário (externo) que atua sobre o dano, podendo
resultar no seu agravamento ou atenuação.
Essa distinção é fundamental para que se possa perceber que o dano por tempo
perdido não é toda e qualquer lesão em que uma pessoa gasta o seu tempo em
desacordo com a sua vontade. Para que haja dano por tempo perdido, é fundamental
que a liberdade da vítima esteja comprometida, que a conduta lesiva retire da vítima
o poder de escolha e de autodeterminação, tirando dela as rédeas da carruagem que
a conduzem pela estrada da vida. Isso porque, enquanto a vítima estiver no comando
da sua vontade, fazendo livremente suas escolhas, ainda que elas não representem
a sua primeira e mais forte vontade, ainda assim, estará na gestão do seu tempo,
inexistindo, portanto, o dano por tempo perdido.
O tempo não pode ser apreendido nem objeto de propriedade ou de posse de
quem quer que seja; não se transfere a titularidade, muito menos o direito de usá-lo
ou fruí-lo. O tempo também não pode ser restituído nem interrompido ou recuperado.
Tampouco possui qualquer valor econômico. Logo, a única forma de se reparar o
tempo perdido é através de uma indenização, cujo montante deve ser apurado após
uma criteriosa e equilibrada avaliação do caso concreto, levando em consideração,
136
além dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, os seguintes elementos: i) a
quantidade objetiva de tempo desperdiçado; ii) a gravidade da conduta lesiva; iii) a
eventual vantagem auferida pelo lesante; iv) a repetição da conduta lesiva; v) a
qualidade ou situação econômica das partes envolvidas (ofensor e vítima); e vi)
eventual esforço e eficiência do lesante para evitar o dano ou minimizar os seus
efeitos; garantindo, assim, o arbitramento da indenização de forma justa, razoável e
proporcional, tanto para quem lesa quanto para quem foi lesado.
A importância que o tempo assume em nossas vidas impõe que o direito e seus
operadores se debrucem sobre esse tema, de forma a garantir a sua correta proteção,
não apenas enquanto bem ou valor jurídico passível de tutela de forma autônoma e
independente, conforme modelo aqui proposto, mas, também, nas implicações que o
fator tempo exerce nas conformações dos demais danos, seja de natureza material
ou extrapatrimonial.
É fundamental que possamos compreender bem o tempo e a sua relevância para
todos os indivíduos, para que lhe possamos dar o tratamento adequado, garantindo
que esse interesse, quando efetivamente violado (perdido), seja adequadamente
reparado como dano autônomo, como uma subcategoria dos danos extrapatrimoniais,
ao lado do dano moral puro, do dano à imagem, do dano existencial e do dano
biológico. Para isso, é fundamental compreender a distinção que existe entre o dano
por tempo perdido e o tempo como circunstância agravante ou atenuante do dano
moral propriamente dito.
Não podemos mais admitir que, nos dias atuais, existam lesões que não sejam
alcançadas pela tutela jurisdicional. O direito deve, sempre, acompanhar as
transformações da sociedade, que cada vez mais repudia o fortuito e demanda a
reparação por tudo o que (injustamente) sofre em termos de danos, apoiado em uma
valorização cada vez maior da pessoa humana.
O papel atual da responsabilidade civil exige que se assegure a proteção de toda
e qualquer lesão, com efetiva responsabilização dos agentes que por ela foi
responsável, para que respondam, sempre, por seus atos e reparem, de forma
completa, todos os danos que vierem a causar.
137
Desse modo, se o tempo de uma pessoa é violado, se injustamente lhe retiram
o direito de usufruí-lo de acordo com a sua livre-vontade, o direito deve assegurar uma
justa e harmoniosa indenização, para que essa grave e injusta lesão ao tempo de uma
pessoa não fique sem uma correspondente e autônoma reparação.
Percebe-se, diante de todo o exposto neste trabalho, a necessidade de uma
atenção e abrangência maiores quanto à reparação que está a demandar o dano
praticado contra o patrimônio temporal de uma pessoa, quiçá o bem da vida mais
precioso que temos.
138
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