A Remoção Dos Obstáculos e Como Estabilizar a Mente, Segundo Patañjali

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A remoção dos obstáculos e como estabilizar a mente, segundo Patañjali Simão Monteiro 19-06-2009 Ainda antes de Patañjali nos apresentar os obstáculos que podem aparecer no caminho do Yogi, ele apresenta-nos uma solução "fácil" para prevenir e/ou remover esses mesmos obstáculos. Entre os sútras 23 e 29 deparamo- nos com a prática de Íshvara pranidhána (entrega ou devoção a Íshvara) como uma prática complementar ou alternativa para aqueles que não têm confiança, energia, motivação, determinação, desapego, sabedoria, etc... Mesmo para esses Patañjali tem uma solução: . Tajjapastadarthabhávanam //28// . Aquilo [a sílaba Om] deve ser recitado repetidamente meditando sobre o seu significado. //28// tat= aquilo, o Om japa= repetição tat= aquilo artha= significado

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ARTIGO SOBRE YOGA

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A remoção dos obstáculos e como estabilizar a mente, segundo PatañjaliSimão Monteiro19-06-2009

Ainda antes de Patañjali nos apresentar os obstáculos que podem aparecer no caminho do Yogi, ele apresenta-nos uma solução "fácil" para prevenir e/ou remover esses mesmos obstáculos. Entre os sútras 23 e 29 deparamo-nos com a prática de Íshvara pranidhána (entrega ou devoção a Íshvara) como uma prática complementar ou alternativa para aqueles que não têm confiança, energia, motivação, determinação, desapego, sabedoria, etc... 

Mesmo para esses Patañjali tem uma solução:

. Tajjapastadarthabhávanam //28//

. Aquilo [a sílaba Om] deve ser recitado repetidamente meditando sobre o seu significado. //28//

tat= aquilo, o Om

japa= repetição

tat= aquilo

artha= significado

bhávanam= entendimento, meditação sobre

Tanto a repetição  do som (japa) como o seu significado (artha) devem estar presentes no om. Se não corremos o risco de fazer o japa mecanicamente e dessa forma não chegamos a lado nenhum.

E o que significa o om? Segundo as escrituras o om indica Íshvara, ele aponta para o Ser. (para saber mais sobre quem é Íshvara clique aqui) . Como nos ensina o Swami Dayananda: Íshvara é a ordem e a inteligência que está em tudo, a essência da própria ordem é o om. É a ordem que faz uma coisa como ela é. Tudo o que está

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aqui é permeado por esta ordem. Esta ordem é Íshvara.

Então quando repito o om com o seu significado na minha mente, gradualmente vou imergindo-me em Íshvara, saturando a mente com o que Íshvara representa alcanço a estabilidade.

. Tatah pratyakchetanádhigamo 'pyantaráyábhávashcha //29//

. Dali (prática do japa om) o entendimento do Ser individual e também a ausência de obstáculos. //29//

tatah= dali, daquela (prática do japa om)

pratyak= o individual, voltar para dentro, direcção oposta

chetaná= consciência, alma

adhigama= realização, entendimento

api= também

antaráya= dos obstáculos

abháva= ausência, remoção

cha= e

 

Repetir o mantra om e meditar sobre o seu significado é o primeiro meio para se eliminar os obstáculos. A correcta prática do mantra om é também um caminho directo para a auto-realização.  

Descritos os obstáculos (sútras 30 e 31) que podem surgir no caminho para o samádhi, Patañjali ensina-nos mais uma forma de os remover e como manter chitta (conjunto mente-ego-intelecto) purificada e estável.

. Tatpratishedhártham ekatattvábhyasáh //32//

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.Para remover (ou prevenir) aqueles [obstáculos e sintomas], praticar a focalização num princípio. //32//

tat= aqueles pratisedha= remoção, prevenção artham= para, com o propósito de

eka= um

tattva= princípio de realidade

abhyasáh= prática

 

Este sútra diz-nos que para termos bons resultados no Yoga e vermos os obstáculos ao samádhi eliminados, devemos focar-nos exclusivamente na prática e no caminho para moksha (libertação). Para sermos mais correctos, Patañjali enfatiza a importância de ter e seguir um tipo de prática. É aquela velha história da pessoa que vai cavando pequenos buracos na busca de água, cava um pouquinho e desiste para procurar mais à frente. No final cava dezenas de buracos sem achar água quando, se fosse persistente em apenas um deles, encontraria a bendita água.

 

Se andamos sempre a mudar de prática, método, escola, professor, filosofia, etc., não chegamos a lado nenhum, acumulamos isso sim, confusão e sofrimento. Aliás, a dúvida já foi apontada anteriormente por Patañjali como um obstáculo forte à prática.

 

É importante mantermos a relação com o professor que escolhemos para nos ensinar. Cultivando essa relação ganhamos confiança em nós próprios e no professor que, ao sentir essa confiança, vai percebendo com o tempo o que é melhor para nós.

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Este sútra ensina-nos também que devemos manter o foco nos pensamentos, nas atitudes e nas acções positivas. Uma boa forma de focar a mente é concentrando-a num ponto, num mantra, num objecto, ou numa ideia que nos traga clareza e plenitude, através da prática da meditação.

 

. Maitríkarunámuditopekshanám sukhaduhkhapunyápunyavishayánám bhávanátashchittaprasádanam //33//

 

.Cultivando hábitos de amizade, compaixão, alegria e neutralidade diante da felicidade, do sofrimento, da virtude e da equivocação respectivamente, a consciência (chitta) purifica-se. //33//

 

maitrí= amizade karuná= compaixão muditá= alegria

upekshánám= neutralidade, equanimidade

sukha= felicidade

duhkha= sofrimento

punya= virtude, mérito, acção correcta, certa

apunya= acção equivocada, demérito

vishayánám= cultivando, desenvolvendo hábitos

bhávanátah= atitude

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chitta= consciência

prasádanam= purificação

 

Com estas atitudes purificamos e pacificamos chitta, estabilizando-a e facilitando a sua concentração. Muitas das relações que temos no dia-a-dia baseiam-se nestas 4 atitudes (senão todas).

 

Perante a felicidade de alguém muitas vezes sentimos inveja, resistência e distância, principalmente quando estamos num "dia não". Nesses casos devemos cultivar um sentimento de amizade diante da pessoa feliz.

 

Perante o sofrimento de uma pessoa podemos sentir-nos "felizes" se essa pessoa não nos cai bem ou alimentarmos alguma espécie de competição ou inveja em relação a ela. Outras vezes temos dificuldade em ter compaixão quando quem sofre nos é próximo acontecendo, por vezes, impormos algo ou sentirmo-nos frustrados. É desejável, diante do sofrimento, cultivar a compaixão. Essa compaixão vai muito além daquela conversa do "coitadinho que está a sofrer" ou da esmola que damos para nos sentirmos aliviados com a nossa consciência. Compaixão é realizar uma acção que ajude a acabar com o sofrimento do outro e isso implica objectividade e discernimento da nossa parte para, por um lado, percebermos o que o outro necessita e por outro lado não realizarmos a acção para beneficio próprio.

 

Inveja e crítica surgem muitas vezes quando nos deparamos com alguém virtuoso, alguém que realiza acções meritórias que nós mesmos gostaríamos de fazer como: ajudar os demais, estudar e praticar o Yoga, dedicar-se a melhorar como pessoa, etc. Devemos então desenvolver uma atitude de alegria perante tais pessoas

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virtuosas, que podem servir-nos como exemplos a seguir.

 

Perante aqueles que realizam acções equivocadas podemos sentir-nos contentes pelo erro cometido ou então raiva e aversão quando tal acção nos incomoda. Diante de tal pessoa Patañjali recomenda cultivar equanimidade e aceitação.

 

Estas atitudes podem funcionar como autênticas meditações ao observarmo-nos durante o dia. Quando nos deparamos com determinada situação é útil observarmos que sensação surge e se é útil cultivá-la ou substituí-la por outra mais positiva e que nos estabilize e purifique.

 

. Prachchhardanavidháranábhyám vá pránasya //34//

.Ou, pela exalação e a retenção do alento vital [estabiliza-se chitta, a consciência] //34//

 

prachchhardana= rechaka, expiração vidháranábhyám= kumbhaka, retenção

vá= ou

pránasya= do prána, alento vital

 

 

Este sútra pode ser entendido de duas formas: expirar o ar e reter sem ar ou dilatar e alongar muito a expiração, tornando-a bastante mais lenta que a inspiração.

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Nos shástras está escrito que chitta tem 2 suportes: prána (alento vital) e vásaná (tendências subconscientes). Se resolvemos um deles o outro vai atrás.

2 exercícios que podemos praticar:

 

1º - Tomar consciência da respiração. Ficar atento às transições entre respirações, tornando-as suaves sem transições bruscas e sem pausa entre elas. Respirar calmamente, sem tremor, treinando para suavizar as transições. Depois dilatar a expiração, alongá-la... inspirar durante um tempo e expirar no dobro da inspiração, por exemplo...

 

2º - Fazer uma longa e suave expiração seguida da retenção da respiração. É recomendável o uso de bandhas (fechos energéticos) como o múla, uddiyana e jalandhara bandhas para que a retenção seja feita com segurança e melhor aproveitada energeticamente.

 

. Vishayavatí vá pravrttirutpanná manasah sthitinibandhiní //35// 

. Ou, a mente pode estabilizar-se trazendo-a para a actividade das experiências sensoriais. //35//

 

vishayavatí= da experiência sensorial

vá= ou

pravrttih= actividade, percepção elevada

utpanná= que surgem, que se manifestam

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manasah= da mente

sthiti= estabilidade

nibandhaní= que segura, estabiliza, junta, liga

 

Neste sútra Patañjali diz-nos que podemos estabilizar a mente concentrando-a numa experiência sensorial. Tornar-nos conscientes da sensação em si, seja o que ouvimos, o que vemos, cheiramos, etc.

Podemos investigar os sentidos usando questões como: Como funciona minha língua? Como observo as coisas? Como ouço os sons? Os mantras (vocalização de determinados sons) e os exercícios de trataka (fixação ocular) são boas formas de concentração numa experiência sensorial, permitindo-nos absorvermo-nos na experiência, completamente focados.

O importante não é o que descobrimos com a experiência mas sim o facto de aquietarmos a mente e nos conhecermos melhor, desfazendo dúvidas.

. Vishoká vá jyotishmatí //36//

. Ou, pela percepção da luminosidade interior, livre de sofrimento [alcança-se a estabilidade] //36//

vishoká= sem sofrimento, sem dor

vá= ou

jyotishmatí= luminosidade, radiância, cheio de luz

Existem alguns exercícios clássicos que nos podem dar a percepção desta luz interna: podemos então concentrar o olhar no ponto entre as sobrancelhas (sambhavi mudrá) com os olhos abertos e depois fechando-os, mantendo-os no mesmo ponto; visualizar uma luz no centro do peito (anahata chakra); concentração no náda (concentração nos sons subtis internos); e ainda examinar o conceito de Purusha uma vez que as Upanishads localizam o Purusha na

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região do coração.

. Vítarágavishayam vá chittam //37//

. Ou, concentrando a consciência em alguém livre de apego aos objectos [a consciência estabiliza-se]. //37// 

vítarága= alguém livre de rága, apego

vishayam= objectos

vá= ou

chittam= consciência

Pensar num sábio, num yogi que respeitamos e admiramos e imaginar como seria a sua mente ao estar sentando meditando ajuda a nossa própria mente a seguir o mesmo caminho. Falar e/ou ler livros de pessoas que já passaram pela ignorância e sofrimento e tiveram a capacidade de superar esses obstáculos e se conhecerem, serve-nos de inspiração para resolvermos os nossos próprios problemas.

Outro aspecto importante que pode surgir da interpretação deste sútra é a importância dos símbolos que representam as facetas do absoluto (as chamadas divindades). Estas divindades representam a transcendência das paixões humanas e estados elevados de consciência alcançados pela força do sádhana.

. Svapnanidrájñánálambanam vá //38//

. Ou, [a mente pode estabilizar-se] dando-lhe como suporte o conhecimento do sonho e do sono. //38//

svapna= sonho

nidrá= sono

jñána= conhecimento

álambanam= suporte, objecto de concentração

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vá= ou 

Patañjali ensina-nos que investigando e desenvolvendo o método do sonho e sono conscientes, podemos estabilizar a mente. Essa investigação permite-nos aprender mais sobre nós mesmos e contribui para uma sensação de bem-estar e paz.

. Yathábhimatadhyánád vá //39//

.Ou, meditando-se sobre algo que gostamos [a mente igualmente se estabiliza]. //39//

yathá= sobre

abhimata= agradável, que gostamos

dhyánat= meditando

vá= ou

Esta é daquelas "verdades verdadeiras" como se costuma dizer. Como última hipótese de estabilizar e purificar a mente, Patañjali propõe algo muito simples: arranjar um objecto (seja visual, auditivo ou outro) que nos seja agradável e meditar sobre ele. Todos nós já tivemos momentos de concentração profunda e perfeita estabilidade mental quando estamos absorvidos por algo que muito gostamos... um pôr do sol, uma montanha, um campo de flores, etc. Pode ser uma música, um mantra, até uma pessoa ou um animal, qualquer coisa que atraia a nossa atenção e sem que tenhamos que fazer esforço para tal, pode servir como suporte para uma concentração profunda.

 

 

 Bibliografia recomendada:

. Four Chapters on Freedom, Swami Satyananda Saraswatí

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. Sebenta de Formação em Yoga, Pedro Kupfer

. The Heart of Yoga, TKV Desikachar

 

Simão é praticante de Yoga e dá aulas em Almada, Parede e Lisboa. Conheça melhor o seu trabalho em:  www.yogabindu.blogspot.com