A RAPOSA E as UVAS Artigo de Jornal[1]

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A RAPOSA E AS UVAS, APENAS UMA FÁBULA? “Chora a nossa pátria mãe gentil Choram marias e clarisses no solo do Brasil.” João Bosco – O Bêbado e a Equilibrista Sérgio Agra* Hesito, por alguns bons minutos, se, a cada amanhecer, devo ou não abrir as páginas dos diários. É, no entanto, impossível fugir à leitura das chamadas de capa, ante a formatação dos caracteres de garrafais dimensões. E as palavras penetram-me a alma como adagas implacáveis, marchetando do mais denso rubro o templo das virtudes de que os antepassados exemplarmente souberam fazer a semeadura. Quando penso (e desejo) tenham-se esgotado os meios fraudulentos, imorais e antiéticos de lesar e dilapidar o erário público e o bem comum, sou implacavelmente vergastado por fatos novos. Como sonhar com atitudes outras, se até a instância máxima dos nossos tribunais expõe, ao que tudo indica, o cancro de uma de suas células – sabe-se lá há quanto tempo – necrosada? Por isso, os fatos que ora assombram o plenário e os corredores do Tribunal de Contas (que ironia!, órgão estadual fiscalizador) – a constatação de salários de até R$ 55 mil – não poderiam causar tamanha perplexidade. Não obstante, indizíveis são os sentimentos que se apossam de todo um funcionalismo público massacrado e vilipendiado ao ser alvo do riso demoníaco, do sarcasmo e do mais ignominioso deboche daqueles marajás. Asco, repugnância, frustração e, ao final, impotência ao constatar o verdadeiro perfil de nossas gentes: acomodação! Quem sabe, se fôssemos verdadeiramente os filhos heróicos deste solo, e se servissem nossas façanhas de modelo a toda terra, pudéssemos cercar aquele tribunal e fazer com os que lá se instalaram com o fito único do logro, do compadrio corporativo, fugir em covarde disparada para os redutos de onde jamais deveriam ter saído? Se consultarmos a lista dos apaniguados do Tribunal de Contas, defrontar-nos-emos com não poucos nomes que fizeram uma única e insignificante passagem pelo Palácio Farroupilha; e o que melhor sabem agora é exalar o sarcasmo e o deboche sobre a nossa condição de trouxas. Em suma, as uvas estão sob os cuidados de algumas poucas, mas espertas raposas. *Escritor Zero Hora, sábado, 26 de julho de 2008. O escritor teve muito cuidado com a escolha do vocabulário e com a organização das frases. Para facilitar a compreensão da mensagem, é importante levantar o sentido de algumas palavras utilizadas. Para tanto, procure, no dicionário, o significado das seguintes palavras: 1. marchetando – embutindo 2. erário público – tesouro (dinheiro) público

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A RAPOSA E AS UVAS, APENAS UMA FÁBULA?

“Chora a nossa pátria mãe gentilChoram marias e clarisses no solo

do Brasil.” João Bosco – O Bêbado e a Equilibrista

Sérgio Agra*

Hesito, por alguns bons minutos, se, a cada amanhecer, devo ou não abrir as páginas dos diários. É, no entanto, impossível fugir à leitura das chamadas de capa, ante a formatação dos caracteres de garrafais dimensões.

E as palavras penetram-me a alma como adagas implacáveis, marchetando do mais denso rubro o templo das virtudes de que os antepassados exemplarmente souberam fazer a semeadura. Quando penso (e desejo) tenham-se esgotado os meios fraudulentos, imorais e antiéticos de lesar e dilapidar o erário público e o bem comum, sou implacavelmente vergastado por fatos novos. Como sonhar com atitudes outras, se até a instância máxima dos nossos tribunais expõe, ao que tudo indica, o cancro de uma de suas células – sabe-se lá há quanto tempo – necrosada?

Por isso, os fatos que ora assombram o plenário e os corredores do Tribunal de Contas (que ironia!, órgão estadual fiscalizador) – a constatação de salários de até R$ 55 mil – não poderiam causar tamanha perplexidade. Não obstante, indizíveis são os sentimentos que se apossam de todo um funcionalismo público massacrado e vilipendiado ao ser alvo do riso demoníaco, do sarcasmo e do mais ignominioso deboche daqueles marajás. Asco, repugnância, frustração e, ao final, impotência ao constatar o verdadeiro perfil de nossas gentes: acomodação! Quem sabe, se fôssemos verdadeiramente os filhos heróicos deste solo, e se servissem nossas façanhas de modelo a toda terra, pudéssemos cercar aquele tribunal e fazer com os que lá se instalaram com o fito único do logro, do compadrio corporativo, fugir em covarde disparada para os redutos de onde jamais deveriam ter saído? Se consultarmos a lista dos apaniguados do Tribunal de Contas, defrontar-nos-emos com não poucos nomes que fizeram uma única e insignificante passagem pelo Palácio Farroupilha; e o que melhor sabem agora é exalar o sarcasmo e o deboche sobre a nossa condição de trouxas. Em suma, as uvas estão sob os cuidados de algumas poucas, mas espertas raposas.

*EscritorZero Hora, sábado, 26 de julho de 2008.

O escritor teve muito cuidado com a escolha do vocabulário e com a organização das frases. Para facilitar a compreensão da mensagem, é importante levantar o sentido de algumas palavras utilizadas. Para tanto, procure, no dicionário, o significado das seguintes palavras:

1. marchetando – embutindo2. erário público – tesouro (dinheiro) público3. cancro – qualquer tumor malígno4. necrosada – morte de um tecido ou órgão em um organismo vivo5. vilipendiado – desprezado6. ignominioso – desonroso, infame7. apaniguados – protegido, afilhado, partidário

Entendendo o texto

1. O título faz referência a uma fábula. Veja se há alguma relação entre título/fábula e o texto.Na fábula A Raposa e as Uvas, quando a raposa estava passando próximo a uma videira e faminta, viu as uvas penduradas no alto da parreira, tentando busca-las para saciar a fome, mas não obtendo êxito e desistindo.No texto acima os apaniguados que são poucos e conseguem adquirir um alto salário, o povo que tenta por diversas vezes reorganizar ou adquirir um melhor salário não consegue e acaba desistindo.

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2. Que relação há entre os versos de João Bosco e o texto?A relação que as uvas são os alto-salários e a raposa é o povo, o qual não consegue alcançar e desiste.

3. Como deve ser entendido o primeiro período do segundo parágrafo?No primeiro parágrafo se refere ao jornal que traz as informações diárias, no segundo mesmo nós querendo que termine as fraudes nos órgãos públicos, mas não ocorre visto que já existe um tumor maligno de um órgão vivo que se torna impossível de cura-lo.

4. Qual é o tema desenvolvido no artigo de jornal?O tema é o erário público sendo roubado em baixo de nossas faces, enquanto achamos que vai mudar, mas a cada dia este tumor continua aumentando.