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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020
ARUANAS E A POÉTICA TELEVISUAL NA ERA DO STREAMING 1
ARUANAS AND TELEVISUAL POETICS IN THE AGE OF
STREAMING
Simone Maria Rocha 2
Resumo: Este artigo apresenta uma proposta metodológica baseada na análise da
televisualidade e na hermenêutica da narrativa para analisar o meio e a poética televisual de obras ficcionais produzidas na era do streaming. Tal proposta foi desenhada para investigar mudanças e continuidades nesse novo cenário em um conjunto de produções audiovisuais de países latino-americanos com vistas a identificar as marcas de um “Selo América Latina de exportação da ficção televisual”. Para evidenciar o objetivo proposto, desenvolvo um exercício analítico sobre as estratégias de distribuição, da construção visual e narrativa da série original Globoplay Aruanas (2019).
Palavras-Chave: Mercado audiovisual latino-americano, poética televisual, Aruanas. Abstract: This paper presents a methodological proposal based on the analysis of televisuality
and narrative hermeneutics to analyze the medium and televisual poetics of fictional works produced in the era of streaming. This proposal was designed to investigate changes and continuities in this new scenario in a set of audiovisual productions from Latin American countries in order to identify the marks of a “Latin American Seal of Television Fiction Export”. To evince the proposed objective, I develop an analytical exercise on the distribution strategies, visual construction and narrative of the original series Globoplay Aruanas (2019).
Keywords: Latin American audiovisual market, televisual poetics, Aruanas. 1. Introdução
A Internet e a introdução de dispositivos móveis têm impactado a distribuição, a
produção e o consumo audiovisuais (MCDONALD & SMITH-ROWSEY, 2016). No modelo
de negócio conhecido como long tail (OSTERWALDER Y PIGNEUR, 2011) a Netflix, ao 3
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Televisão do XXVIII Encontro Anual da Compós. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020. 2 Professora do PPGCOM-UFMG. Líder do COMCULT. [email protected] 3 Reconheço que esse é um cenário de mudanças vertiginosas e que, conquanto Netflix não seja o único ator, é a líder no mercado de vídeo sob demanda. Ver https://medium.com/design-and-tech-co/the-netflix-problem-2d66df99a0b2, acesso em 01/11/2019.
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diversificar e dinamizar as práticas de distribuição e de produção, ampliar seu catálogo de
conteúdos e satisfazer tanto sua audiência global quanto os nichos mais específicos
(LOBATO, 2019), capitaneou mudanças importantes num mercado atualmente competitivo 4
e ocupa posição destacada no setor.
Diante deste cenário, este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta
metodológica para a análise integral do meio e da poética televisual de obras ficcionais 5
produzidas na era do streaming que toma por base a análise da televisualidade (ROCHA,
2019) e a hermenêutica da narrativa (MARTÍN-BARBERO, 2008). Este desenho foi
proposto para investigar mudanças e continuidades em um conjunto de produções
audiovisuais de países latino-americanos com vistas a identificar as marcas de um “Selo
América Latina de exportação da ficção televisual” . Quais são as estratégias de mercado e 6
de comunicabilidade empreendidas pela produção de ficção de países latino-americanos na
era do streaming? Para dar concretude ao objetivo proposto apresento um exercício analítico
a partir da série original Globoplay Aruanas (2019).
2 Estratégia de comunicabilidade e experiência
Para Jesús Martín-Barbero (JMB) estratégia de comunicabilidade traduz as formas
segundo as quais um texto se apresenta enquanto uma proposta de interação cuja dinâmica
evidencia as mediações em jogo. Segundo o autor, “um profundo desencontro entre método e
situação" (2008, p. 262) é o que justifica um giro epistemológico apto a abordar a
complexidade de trocas comunicativas imersas em realidades específicas e capaz de colocar
no centro das reflexões os lugares de mediações.
4 Netflix finalizou 2019 com 158 milhões de assinaturas (NETFLIX MEDIA CENTER, 2020). 5 Acompanho as reflexões de Jeremy Butler que, após investir na história da cinepoética traçada por David Bordwell, apresenta o projeto global de Television Style (2010) como passo inicial do processo de construção de uma poética da televisão, uma telepoética. 6 Projeto desenvolvido em parceria com universidades do Brasil, Chile, Colômbia e México cujo objetivo é conhecer as novas dinâmicas e examinar estratégias de distribuição, de produção e de comunicabilidade de ficções atuais realizadas em nível regional para alcançar sua entrada e permanência no cenário globalizado e marcado por forte competitividade, sobretudo a partir do que ficou conhecido como efeito Netflix .
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Ao argumentar que a compreensão dos processos comunicativos ocorridos nas
realidades latino-americanas passa fundamentalmente pela relação estabelecida com as
culturas populares, o giro proposto pelo autor parte de um entendimento dos textos que
escapa às possibilidades de uma análise textualista e argumenta pela vital relação entre
produtores, textos e leitores. Analisar as obras significa, também, buscar as marcas das
discursividades que as atravessam e do mundo referencial que as sustenta.
Ao trabalhar com a noção de estratégia de comunicabilidade JMB atribui o termo a
uma equipe de investigadores italianos que a consideram como "modos em que se fazem
reconhecíveis e organizam a competência comunicativa, os emissores e os destinatários”
(WOLF, 1984, p. 191). A definição está centrada nas lógicas do sistema produtivo e dos usos
que medeiam os gêneros e JMB (2008, p. 303-304) a adota como sinônimo de estratégias de
interação, o que potencializa o uso do conceito por dotá-lo de certa amplitude capaz de
compreender as mediações em jogo.
Agrego a tal noção duas outras que contribuem na adoção do termo enquanto
sinônimo de estratégia de interação. A primeira trata-se da noção de acontecimento visual
(MIRZOEFF, 2003) que se configura por momentos de intenso poder visual cuja experiência,
que funda esse ato de ver, exige o compartilhamento de repertórios de sentido capazes de
sustentar ideias compartilhadas como paz, justiça, igualdade, violência, etc.
A segunda noção refere-se ao acontecimento narrativo (RICOUER, 2004) a partir da
proposição de que uma narrativa transforma-se em acontecimento na medida em que
configura algo que inicialmente não era mais do que simples ocorrência. A narrativa promove
os acontecimentos e os torna possível por meio da tessitura de uma intriga.
O entendimento dessa poética comunicacional de JMB parte do modo como duas
noções figuram, a meu ver, como centrais em seu percurso intelectual: estética e interação.
Em Dos meios às mediações (2008) JMB evidencia a proposta de um método baseado
na investigação e na análise do social a partir da estética, ou seja, uma sociologia que, como
nos espaços da poética ou da narrativa, desmonte e desarticule a lógica pura da totalidade. E
em que lugar se situa JMB para elaborar esse método que reencontra a estética com o
sensorial, com uma experiência vinculada a “modos de viver, de cantar, de brincar, de
entreter-se, de amar-se, de representar o mundo e narrá-lo? (1995, p. 17). Na fissura que se
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abre entre meios e mediações, a que instaura o espaço da experiência urbana e da recusa à
totalidade simbólica; a que mestiça saberes e sentires, seduções e resistências. É a
possibilidade do fragmento, da ruína, da estética que se rebela contra a Aesthtetica, da
resistência diante do poder sedutor da totalidade: é a estética que propôs Walter Benjamin. O
pensar a experiência ao modo de Benjamin constitui o eixo central de toda a proposta
metodológica da obra de JMB. O foco deste projeto estético no poder da imagem sensorial e
do corpo joga luz na região humana da percepção: da recepção múltipla e dispersa da
experiência (COLÓN, 1998).
Sendo assim, com tais aportes, redefino o conceito de estratégia de
comunicabilidade/estratégia de interação como formas segundo as quais um texto se
apresenta enquanto uma proposta de experiência e interação, cuja dinâmica evidencia as
mediações em jogo, a partir de um duplo acontecimento: visual e narrativo.
3 Metodologia
Dois conceitos-chave foram mobilizados para contemplar questões relacionadas ao
meio e à poética das obras: visualidade e narrativa.
A noção de visualidade refere-se a atenção dispensada àquilo que numa experiência
visual remete à uma relação dialética com os imaginários circulantes (MITCHELL, 2009). Já
narrativa é o modo de configuração de uma história, um acontecimento ou uma trajetória de
vida que exerce mediação entre um mundo pré-figurado e a experiência prática do leitor
(RICOEUR, 2004).
Visualidade e narrativa são construtos que se apresentam enquanto uma abertura à
experiência do observador/espectador promovendo acontecimentos visuais e narrativos
fundados numa relação dialética com o texto e que ativam sua estrutura gerativa. Tais
experiências contém um pano de fundo ético e histórico que sustenta possíveis regimes de
visualidade e dizibilidade e modulam nossos processos de interação com os textos.
A análise proposta combina duas estratégias metodológicas: a análise da
televisualidade e hermenêutica da narrativa e prevê quatro momentos. São eles:
3.1 Análise do meio (da distribuição e da produção)
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Na quarta tese que sustenta o trabalho dos estudos de cultura visual Mitchell afirma
que “não existem meios puramente visuais” (2005, p. 34) mas, sim, diferentes mesclas entre
proporções sensórias e semióticas: “aunque todos los medios sean medios mixtos, no todos
están mesclados desde el mismo modo, con las mismas proporciones de elementos” (2005, p.
20). É concepção de meio oferecida por Raymond Williams que sustenta sua argumentação:
(...) un medio es una “prática social material”, no una esencia discernible dictada por alguna materialidad elemental (pintura, piedra, metal) o por la técnica o por la tecnología. Los materiales y la tecnología intervienen en el medio, pero también lo hacen las habilidades, los hábitos, los espacios sociales, las instituiciones y los mercados. Por tanto, la noción de “especificidad de lo medio” nunca se obtiene de una esencia singular y elemental (...). En pocas palabras, uno puede afirmar que no existen medios visuales, que todos los medios son medios mixtos, sin tener que abandonar la ideia de la “especificidad del medio (MITCHELL, 2005, p. 20).
Investir numa poética comunicacional demanda que o streaming seja tratado como
meio, o que proponho fazer a partir do chamado Netflix effect , da guerra dos conteúdos e dos 7
nichos de mercado.
A Netflix tem sido abordada em função das transformações que vem causando no
atual cenário de produção audiovisual (JENNER, 2018; LOBATO, 2019; MCDONALD &
SMITH-ROWSEY, 2016). Reed Hastings, co-fundador e CEO da empresa, foi o primeiro a
reunir vários importantes princípios: amplo catálogo de conteúdo, inovação contínua,
distribuição online (a partir de 2007) e assinaturas mensais (modelo long tail em constante
expansão). A partir de 2012, frente a um mercado competitivo, a empresa passou a se
concentrar na produção de conteúdo original. Tais fatores levaram ao chamado Netflix effect
considerado como aquele que propulsionou o mercado do streaming de forma a orientar
novas estratégias e novos hábitos de consumo (MCDONALD & SMITH-ROWSEY, 2016;
TBI 2014; WARD, 2016).
Uma das principais características desse novo ecossistema digital é a disputa pelo
conteúdo traduzida no fornecimento de um catálogo que atenda a uma audiência fragmentada,
plural e dispersa. A migração do público para plataformas de transmissão online produziu
7 O streaming inclui os investimentos na produção de longametragens originais cuja análise demandaria a abordagem de dinâmicas distintas das produções televisuais. O projeto Selo foca na produção de ficção seriada. Creio que considerar serviços de streaming como televisões globais como o faz Parrot Analytcs (Informe 2018…) seja uma boa medida da hibridez deste meio em questão.
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uma mudança vertiginosa causando a chamada “demanda como um novo paradigma” que
consiste na captura da “expressões de demanda das mais variadas fontes para combiná-las a
partir do poder da inteligência artificial avançada, em uma única medida de demanda
ponderada chamada de expressões de demanda” (Informe Demanda de Televisión Global
2018: Edición Latinoamérica y US Hispana, 2019, p. 2).
Essa disputa por conteúdo vincula-se a uma das principais estratégias de distribuição
da Netflix que se baseia no lançamento dos episódios de suas séries de uma só vez, o que
acarretou a necessidade de uma geração de conteúdos volumosa e diversificada, bem como
um fluxo de lançamentos que garanta a fidelidade do telespectador.
Sobre os nichos de mercado, apesar da presença massiva da produção do Norte Global
em seu catálogo, parece claro que Netflix reconhece que a difusão de conteúdo
estadounidense, inglês e indiferenciado é insuficiente e necessita atrair produções locais.
Desde a perspectiva operacional global, o conteúdo "local" é parte da estratégia para capturar
"nichos de mercado" (BALADRON & RIVERO, 2019).
O Netflix effect colabora para definir algumas das especificidades do streaming como
meio, além de causar transformações nos modelos da indústria tradicional televisiva que
busca, atualmente, renovar sua própria capacidade tecnológica e firmar-se nesse cenário
emergente. Essa nova forma de produção de conteúdo mostra-se como uma força que desafia
o conhecimento existente da indústria televisiva e faz emergir novos princípios
organizacionais (BURROUGHS, 2018).
Esse parece ser o caso do Grupo Globo, o maior conglomerado de mídia da América
Latina, a medida em que altera seu modelo de produção e distribuição. Se antes o foco estava
na distribuição de conteúdo, agora amplia-se a estratégia de modo a incluir a relação direta
com as audiências. O seu canal de streaming - Globoplay - é atualmente uma de suas
prioridades. Em 2018, a empresa registrou uma redução de 38% na geração de caixa
operacional para reforçar os investimentos ostensivos na plataforma, a fim de competir de
forma mais equilibrada com outras empresas e garantir seu espaço no setor . A Globoplay 8
8 Nelson de Sá, “Em luta contra a Netflix e outros serviços, Globo tenta ser gigante tecnológica”, Folha de S. Paulo, Maio 29, 2019, https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/05/em-luta-contra-netflix-e-outros-servicos-globo-tenta-ser-gigante-tecnologica.shtml.
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desenvolve estratégias próprias que diferem das gigantes internacionais. Enquanto a produção
estrangeira se pulveriza em diversas plataformas, obrigando o usuário a arcar com diversas
assinaturas, o serviço de streaming da Globo comporta conteúdo importado mas, sobretudo,
reúne conteúdo nacional em um cardápio variado, além de prever o fornecimento de parte do
acervo da Emissora na tentativa de levar para o streaming sua importante audiência do canal
aberto. Uma outra estratégia exclusiva é a de transformar a própria Globo em vitrine da
Globoplay ao disponibilizar-se na TV aberta parte (geralmente o primeiro capítulo) do
conteúdo que está na íntegra no streaming numa espécie de “a história continua… no
Globoplay”. A partir de 2018 o serviço de streaming iniciou a produção de conteúdo original,
investiu em formas diversificadas de distribuição e vem demonstrando fôlego, capacidade
produtiva e operacional.
3.2 Análise da televisualidade
A especificidade das produções ficcionais seriadas televisuais será abordada por meio
da análise da televisualidade que consiste na articulação entre o conceito de visualidade e a
análise do estilo televisivo (BUTLER, 2010), mostrando-se parte estrutural do modelo.
Televisualidade refere-se ao modo como certas operações próprias do estilo televisual
evidenciam as visualidades em jogo. Todavia, por questão de espaço e por já ter sido
apresentada em outros trabalhos (ROCHA, 2019, 2017), optei por não desenvolvê-la
detalhadamente neste texto.
3.3 Hermenêutica da narrativa
Ao partir de uma perspectiva que escapa ao hermeneuta convencional, sigo os passos
de JMB que parte de uma topografia de leituras que considera a narrativa como uma
mediação entre os sujeitos e sua experiência com o tempo e com o mundo referencial. JMB,
ao abordar a potência dos relatos populares como expressão do estar no mundo das maiorias
latino-americanas, coloca-os como síntese de nossas experiências com as múltiplas
temporalidades na América Latina.
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Duas referências parecem centrais ao modo como este autor compreende a narrativa
enquanto mediação: Walter Benjamin e Paul Ricoeur.
A reflexão de Benjamin (1994) considera a narrativa como um fenômeno social no
qual reputa posições centrais à arte de narrar e ao valor do narrador - alguém capaz de dar
conselhos em um momento em que as experiências não são mais comunicáveis. Todavia,
para ele, "o conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria", esse
"lado épico da verdade", que está em extinção (1994, p. 203). Em seu lugar, tem-se o
constante recebimento de notícias de todo o mundo e o consequente empobrecimento da
experiência pois "quase nada que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a
serviço da informação" (1994, p. 203). Para entender essa mudança Benjamin dedica-se a
perceber as transformações no sensorium moderno e a entender a massa como uma matriz
geradora de novos modos de sentir no contexto da modernidade no qual, de fato, o narrador
ao qual se refere encontra-se em extinção. Todavia prossegue viva a arte de narrar e com ela a
necessidade de comunicar experiências a partir de novas mediações.
Essa potência viva da arte de narrar pode ser retomada nos escritos de Ricoeur (2010,
p. 46),
Talvez, de fato, nós sejamos testemunhas - e os artesãos - de uma certa morte, a morte da arte de contar, da qual procede a arte de narrar em todas as suas formas [...]. Nada exclui, pois, que a metamorfose da intriga encontre em algum lugar um limite além do qual não se poderá mais reconhecer o princípio formal da configuração temporal que torna a história narrada uma história completa. E no entanto ... Talvez seja necessário, apesar de tudo, confiar na demanda de concordância que ainda hoje estrutura as expectativas dos leitores e acreditar que novas formas narrativas, que ainda não sabemos nomear e que já estão nascendo, provarão que a função narrativa pode se transformar, mas não morrer. Porque não temos a menor ideia de como seria uma cultura na qual você não se saiba mais o que significa narrar.
O autor propõe à narrativa a condição de termo englobante de toda a arte de compor
intriga. Ele o faz ao estabelecer uma quase identificação entre mimese (imitação criativa ou
representação da ação) e muthos (tessitura da intriga ou disposição dos fatos em um sistema)
e, seguindo os postulados aristotélicos, privilegia o que [atividade produtora de intrigas] em
detrimento do pelo que [meio] e do como [modo], e de qualquer outra explicação, quer seja
de ordem historiográfica, sociológica ou estrutural. Embora seja verdade que a Poética de
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Aristóteles se limita ao desenvolvimento de aspectos da intriga trágica, Ricouer pretende
ampliar tal definição a toda e qualquer composição que se propõe como narrativa.
Entendo que a filosofia de Ricouer toma esse caminho próprio porque ele enxerga a
narrativa como possibilidade de decifrar uma das preocupações mais fundamentais do
pensamento humano: o que é o tempo. Ricouer vê na operação realizada pela narrativa a
chave da questão colocada por Santo Agostinho, Quid est enim tempus? Não podemos
medi-lo, mas experimentá-lo. Questionar a temporalidade como um objeto institucionalizado
torna-se algo infértil, aporético. E a narração é a única maneira de alcançá-lo, uma vez que “o
tempo se torna humano assim que é articulado de maneira narrativa; por sua vez, a narrativa é
significativa na medida em que descreve as características da experiência temporal”
(RICOEUR, 2004, p. 39). Se somos capazes de contar, então permanecemos, somos tempo
narrado.
Em toda composição narrativa, dois tipos de tempo se cruzam: aquele em que os
momentos sucedem um após o outro e aquele em que a história se passa. Compor
temporalmente significa compreender, modelar eventos, ordenar sucessão, apreender a
temporalidade e resolver sua aporética. É por essa razão que interessa a Ricouer propor a
narrativa como termo englobante.
Obviamente que a narrativa tem suas próprias regras temporais. Novamente fundado
na Poética, Ricoeur encontra essa lógica interna como uma disposição de fatos em sistema ou
tessitura da intriga. É ela o que conduz a essa experiência com o tempo, a um modo de
compreensão de nossa experiência prática, de nosso estar no mundo . Ao narrar não somos 9
mais apenas instantes, somos seres no tempo.
Foi inspirado na filosofia de Ricoeur e em sua abertura ao enraizamento cultural e
praxiológico da narrativa que JMB apostou na potência do gesto narrativo de obras ficcionais
televisivas.
A narrativa como mediação surge na versão do mapa proposto por JMB nomeado de
Mapa das Mutaciones Culturales y Comunicativas Contemporáneas (Un nuevo mapa para
investigar la mutación cultural, 2019). Todavia, seu entendimento como um modo específico
9 A reflexão de Ricouer aborda a a narrativa em uma tríplice mimesis: a prefiguração (uma espécie de pré-condição para o narrar), a configuração e a refiguração (momento que marca a presença ativa do leitor).
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de organização da linguagem e importante portadora – e disseminadora – da experiência do
tempo é uma constante na reflexão do autor (MARTÍN-BARBERO E MUÑOZ, 1992,
MARTÍN-BARBERO, 1987).
Ao investigar os “outros modos de narrar” presentes na cultura popular
latino-americana, JMB se beneficia tanto da discussão sobre o gesto de narrar proposto por
Benjamin quanto da concepção filosófica de Ricoeur. Com Benjamin ele retoma a ideia de
narrador como "[...] aquel que retira de las experiencias lo que él cuenta: su propia
experiencia o relatada por los demás. Y incorpora las cosas narradas a las experiencias de sus
oyentes " (BENJAMIN, 1994, p. 201). E com Ricouer ele aprofunda a proposta de narrativa
como mediação fundamental na experiência que as maiorias latino-americanas terão com as
múltiplas temporalidades que constituem nossa modernidade.
A relação entre a mediação narrativa e a experiência da modernidade latino-americana
é fundamental na obra de JMB. Em De los medios a las mediaciones (1987) o autor explora,
passando pelos territórios de uma estética que reinscreve o poder sensorial, o poder das
políticas que rompem com versões tradicionais de totalidade e nos oferece chaves para
estudar essa experiência de modernidade. É nesse contexto que ele identifica o papel central
exercido pela televisão no cotidiano de nossas maiorias: “na América Latina, é nas imagens
da televisão que a representação da modernidade se faz cotidianamente acessível às grandes
maiorias” (MARTIN-BARBERO, REY, 2001, p. 41). Seu esforço em destacar a centralidade
da narrativa para compreender a dinâmica das indústrias narrativas e sua capacidade de
mediar interesses comerciais, por um lado, e o universo cotidiano do consumo, de outro,
acarretou num esboço de modelo que o permitiu investigar sobre as formas narrativas
populares no contexto da cultura massiva.
Posteriormente, em 1992, JMB e Muñoz concretizaram as potencialidades das
narrativas por meio do estudo das telenovelas como uma experiência estético-ficcional da
modernidade heterogênea pois nossa apropriação ou chegada à modernidade se dá entre
distintas sensorialidades e temporalidades, ou seja,
[...] a existência de assincronismos na modernidade, que não são puro anacronismo, mas resíduos não integrados de uma outra economia e uma outra cultura, as quais, ao transtornar a ordem sequencial do progresso, libera nossa relação com o passado, com nossos diferentes passados, permitindo-nos recombinar memórias e nos reapropriar criativamente de uma des-centrada modernidade (MARTIN-BARBERO E REY, 2001, p. 30).
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Tal entendimento foi fundamental na caracterização da experiência de modernidade
latino-americana de modo a não reduzi-la a uma diferença compreendida através do atraso
como chave interpretativa. É por isso que o entendimento que Ricouer propõe para a narrativa
mostra-se tão relevante na reflexão de JMB pois, por sua mediação - como guardiã do tempo
-, somos capazes de perceber e registrar a história cultural latina pela lógica das mestiçagens,
“continuidades na descontinuidade, conciliações entre ritmos que se excluem”
(MARTIN-BARBERO, 2008, p. 262).
Todavia, JMB não compartilha da hierarquização das partes da representação que
Ricouer retém de Aristóteles: o primado do que (intriga, personagens, pensamento) em
relação ao pelo que (meio) e ao como (modo) para assegurar a fórmula “é a intriga que é a
representação da ação”(50 a 1) (p. 59)” (RICOEUR, 2004, p. 59). Para pensar na centralidade
da narrativa como mediação de nossa experiência com o tempo e com o mundo pré-figurado,
JMB contempla em sua análise não apenas a intriga, mas o modo e o meio pelo qual ela
dispõe os fatos narrados.
Assim, embora seja evidente afinidade que JMB tem com o que Ricoeur concebia
como uma “filosofia da imaginação”, ele o fez de um modo desontologizado pois, sendo a
“narração” uma ferramenta hermenêutica transversal, não podia ficar centrada no discursivo,
mas estender-se àquelas zonas cotidianas nas quais o discursivo (o que toma por base uma
narração) se desarticula e rearticula no encontro com outras narrações distintas (não
interpretáveis como textos nem como intertextualidades, mas como interações anacrônicas
que deslocam o olhar cada vez mais na direção das dinâmicas da comunicação).
É por meio dessa hermenêutica não convencional que JMB (2000) pensa o texto como
um lugar de interação, captada através dos modos como a narrativa investe em seu
reconhecimento social e potencializa “la experiencia que la gente tiene y al sentido que en
ella cobran los procesos de comunicación” (MARTÍN-BRBERO, 1987, P. 85).
E foi isso que fez JMB identificar o melodrama como o gênero por excelência das
narrativas televisivas e recuperar a estrutura e a operação simbólica que ele aciona (1987).
Retomo que é preciso tomar estética e interação como noções centrais. E é isso que permite
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ver na reflexão de JMB sobre narrativa um duplo reconhecimento: de personagens (problema
narrativo) e com personagens (problema de comunicação).
O primeiro diz respeito ao que Ricouer chama de “prazer do reconhecimento” e
vincula-se ao descobrimento do texto, ao horizonte de expectativas que ele oferece e à
familiaridade construída com certo tipo de tessitura da intriga. Na intriga melodramática a
disposição dos fatos é marcada por anacronias temporais que potencializam a experiência
multitemporal de nossa modernidade heterogênea. Daí o sucesso da telenovela e sua
capacidade de guardar verossimilhança no modo como dispõe os fatos narrados: entre o
tempo da história (tempo da nação e do mundo) e o tempo da vida (aquele que vai do
nascimento à morte da cada indivíduo) é o tempo familiar o que faz a mediação e que torna
possível sua comunicação.
O segundo aspecto do reconhecimento remete ao modo como JMB identificou a
presença duradoura, estruturadora e simbólica do melodrama nos modos de narrar, cantar e
representar das formas artísticas produzidas na América Latina. Nela.
O melodrama resultou em algo mais do que um gênero dramático, ou seja, resultou em uma matriz cultural que alimenta o reconhecimento popular na cultura de massas, território-chave para estudar a não-simultaneidade do contemporâneo como chave das mestiçagens de que somos feitos (MARTÍN-BARBERO E REY, 2001, pp. 151-2).
Peter Brooks (1985) ressalta no melodrama o chamado de "drama do reconhecimento"
configurado na busca por uma identidade negada, escondida, oprimida, recuperada no
decorrer da narrativa.
Na América Latina tal drama adquiriu uma dimensão primordial.. Questionando sobre
a presença mutante do melodramático - no tango, na imprensa sensacionalista, no rádio, no
cinema mexicano, nas telenovelas - JMB (1992, p. 28) toma por base tal drama para
problematizar o reconhecimento daquela "outra sociabilidade" que nunca deixa de emergir de
um “des-conhecimento do contrato social”. Se “reconocer significa interpelar o ser
interpelado, una cuéstion acerca de los sujetos, de su modo específico de constituirse”
(2002b, p. 68), essa busca por saber quem somos ou quem fomos converteu-se em um ponto
chave da identificação do melodrama como uma unidade latino-americana. A esse respeito
questiona JMB: “¿No estará allí la conexión secreta del melodrama con la historia del
subcontinente americano?” (1992, p. 27).
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Essa é a dupla face do reconhecimento: a configuração da narrativa melodramática
permite uma tal disposição dos fatos que se mostra como uma mediação potente da
experiência com nossas múltiplas temporalidades. Por outro lado, essa mesma narrativa, ao
ter como característica central a busca por reconhecimento (o filho em busca do
reconhecimento do pai, a mãe em busca do reconhecimento do filho), possibilita ao
espectador uma identificação com parte de nossa história cultural que nos foi sistemática e
violentamente negada desde os princípios da colonização. A meu ver, aquilo que é chamado
de unidade melodramática latino-americana só pode ser alcançada por meio da articulação
desse duplo reconhecimento. E ele só é possível através de um deslocamento em direção às
narrativas e aos usos anacrônicos que o massivo revela e das relações entre o popular e o
massivo que tem como nexo um conceito reformulado de narração - discursiva e não
discursiva, isto é, cotidiana.
Herman Herlinghaus, na esteira da revisão da obra de Brooks e do diálogo com
autores dos estudos de comunicação latino-americanos, (MARTÍN-BARBERO, 1992;
MONSIVÁIS, 2002) define o melodrama como “una matriz de la imaginación teatral y
narrativa que ayuda a producir sentido en medio de las experiencias cotidianas de
individuos y grupos sociales diversos” (2002, p. 23 - grifos no original).
Justifico esse percurso traçado até aqui não só pela necessária apresentação da
abordagem da hermenêutica da narrativa adotada no projeto Selo como porque o principal
aporte da produção audiovisual latino-americana ao cenário da cultura internacional
fundou-se largamente nessa configuração poética. Assumo-o com um ponto de partida na
incursão sobre as narrativas que compõe o corpus do projeto tanto para criar pontes de
reconhecimento bem como de estranhamento em relação às obras produzidas na era do
streaming.
Sabemos narrar história de outro jeito? Se estamos falando de novas estratégias de
mercado e interação, como estamos contando nossas histórias para o mundo? Podemos
considerar que tais obras sintetizam algum tipo de experiência latino-americana num mundo
global? Estariam elas inaugurando nova tradição estilística e narrativa num contexto
fundamentalmente vinculado à configuração poética do melodrama?
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Para o projeto Selo busquei atualizar o modelo esboçado por JMB (1987) agora
composto pelas seguintes dimensões:
1) Enunciação: identificação do que (a tessitura da intriga) e do como (estratégia de
comunicabilidade/interação)
2) Dispositivos da dialética escritura/leitura:
2.1 Dispositivos de sedução: uso dos efeitos de suspense, curiosidade e surpresa no processo
de distribuição da informação.
2.2 Reconhecimento/estranhamento como um problema:
▪ narrativo: da identificação de personagens, da composição narrativa;
▪ de comunicação: identificação com personagens, reconhecimento/estranhamento do
universo referencial dos fatos narrados.
3) Algoritmização: informações sobre hábitos de consumo que instruem práticas de
recomendação, decisões de produção e divulgação dos conteúdos.
3.4 Visualidade, narrativa e a configuração dos indicadores culturais
A reunião dos procedimentos apresentados visa, também, identificar como
televisualidade e narrativa configuram o tema abordado e relevam as relações tanto com os
imaginários culturais quanto com as determinações históricas em jogo.
Levando-se em conta as características que podem definir o meio streaming como
uma televisão global, inserida em novas temporalidades e espacialidades que vão redefinindo
o estar no mundo, é possível pensar em modos específicos configurar nosso tempo e nossas
experiências?
4 Aruanas
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A série original Globoplay, co-produzida por Farinha Filmes mostra, em 10 capítulos,
o trabalho da ONG de defesa do meio ambiente Aruana, dirigida pela advogada Verônica
(Taís Araújo), a ativista Luíza (Leandra Leal) e a jornalista Natalie (Débora Falabella).
Acompanhadas pela estagiária Clara (Thainá Duarte), as dirigentes investigam as atividades
de exploração de minério na Floresta Amazônica onde fatos estranhos ocorrem. No curso das
investigações as ativistas constroem um quebra-cabeças de um grande esquema de crimes
ambientais envolvendo garimpos ilegais e uma mineradora nacional.
Os agenciamento dos fatos é feito por meio de recursos estilísticos e narrativos que
permitiram a intensificação da ação e do suspense conferindo à série a denominação de action
drama thriller, conforme anúncio na estreia.
Aruanas teve lançamento mundial em mais de 150 países, por meio de uma
plataforma de distribuição independente equipada com o Vimeo, legendada em 11 idiomas,
além da oferta em site próprio (www.aruanas.tv) com parte do valor arrecadado destinada a
ONGs ambientais. Contou com exibições e estreias especiais em países como Inglaterra,
Portugal e Estados Unidos com presença de realizadores, elenco, ativistas, governos e
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especialistas em causas sociambientais . No Brasil, além da presença na Globoplay, 10
adoutou-se a estratégia de exibição do primeiro episódio no canal aberto da Rede Globo e nos
seus canais internacionais.
A produção contou com a parceria de 28 ONGs em todo o mundo como Greenpeace e
ONU Meio Ambiente, mobilizado uma rede de ativistas de forma inédita. É possível
imaginar que todas essas ações tenham uma forte razão: a série carrega um chamado global
para “cuidar da Amazônia”.
“Quem gosta de floresta é índio e celebridade”
Prestes a ter em mãos o decreto de extinção da Reserva de Eldorado, Miguel Kiriacos
(Luis Carlos Vasconcelos), dono da Kiriacos Mineradora (KM) vai com seu sócio e com o
diretor de relações institucionais da empresa, Felipe Braga (Gustavo Falcão) até a área a ser
explorada. Ante as ponderações de Felipe sobre as medidas que ainda precisariam ser
tomadas para viabilizar a atividade, Miguel responde: “da fiscalização cuido eu”.
O automóvel para e eles descem. Uma metáfora visual registrada em plano detalhe
evidencia o que se quer visualizar: a bota do empresário que pisa sobre o chão da Floresta,
acompanhada da sonoplastia de um pé que esmaga o solo (Figura 1), expressa que a ganância
humana não medirá esforços para acumular capital e aumentar lucros.
10 “’Aruanas’ terá lançamento global em mais de 150 países com alerta sobre a Amazônia”, Gshow, Junho 18, 2019, https://gshow.globo.com/series/aruanas/noticia/aruanas-tera-lancamento-global-em-mais-de-150-paises-com-alerta-sobre-a-amazonia.ghtml
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Figura 1: Os pés de Miguel Kiriacos esmaga solo da Reserva
- Miguel ironiza: “Quem gosta de floresta é índio e celebridade, Felipe. O povo gosta é de
dinheiro e dinheiro não vai faltar.”
Figura 2: Miguel, Felipe e o sócio observam a Reserva
Para Mitchell, uma picture ao ser olhada devolve a mirada ao espectador e estabelece
uma relação na qual ela requer ser pensada como um ser vivo inserido no contexto do
espectador que “a veces literalmente, a veces figurativamente; o silenciosamente nos
devuelven una mirada” (MITCHELL 2017, 55). Esta interpelação mútua transforma a picture
numa instância dialética [uma abertura] que, ao devolver o olhar ao observador, o questiona,
aciona seu auto-conhecimento e o convoca a ocupar um lugar. Frente ao que se vê e se ouve,
como posicionar-se diante da questão que se apresenta? Ao lado desses homens que olham a
floresta de cima e a encaram como um lugar de exploração e enriquecimento (Figura 2) ou
vê-los como obstáculos que se interpõem entre observador e floresta, ameaçando a vida de
ambos?
Main-plot: “você está olhando no lugar errado”
No terceiro episódio, Natalie faz uma visita à KM a convite de Miguel. Ele tenta
convencê-la de que a empresa realiza suas atividades dentro dos parâmetros legais e que,
portanto, ela estaria “lutando contra o inimigo errado”. Já no escritório central ambos se
deparam com fotos antigas da floresta antes das instalações da mineradora:
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- Como era lindo isso aqui, lamenta Nat.
- E inabitável. As pessoas não tinham renda nem perspectiva. A KM trouxe tudo isso,
Rebate Miguel.
Ao final, a jornalista está no banheiro quando um plano detalhe de seu celular mostra
a seguinte denúnica de destinatário desconhecido: “Você está olhando no lugar errado. A
reserva de Cari vai ser extinta”.
Dão-se as principais linhas de ação da intriga: o trabalho de investigação das líderes
da Aruana sobre uma quadrilha de crimes ambientais na floresta amazônica. Instaurada a
tensão, a narrativa emprega os recursos de modo a dispor dos fatos enquanto uma verdadeira
luta contra o tempo: é preciso derrubar o decreto presidencial que libera a exploração de
minério na Reserva e descobrir quem está por trás dessas ações.
É o suspense que nos faz experimentar essa corrida contra o tempo e a celeridade das
diversas linhas de ação empreendidas: Verônica vai a Brasília tentar uma liminar para
suspender o decreto presidencial; Luiza e Clara partem em uma viagem arriscada até um
garimpo clandestino para descobrir quem é seu dono; e Natalie realiza uma expedição até a
Reserva para produzir material para seu programa.
“Sua ideia de progresso é obsoleta, Excelência”
Os episódios cinco e seis condensam inúmeros fatores em jogo e tanto visualidade
quanto narrativa configuram a complexidade da situação: a corrupção do poder público, o
massacre de índios, os assassinatos e a exploração sexual na área do garimpo.
Em Brasília Verônica busca um aliado no ministro do meio ambiente, a quem tentou
argumentar a favor da bioeconomia. Tendo em mente a construção de uma hidrelétrica na
Região, o ministro propõe uma barganha:
- Ministro: Eu só preciso que você abra o caminho junto às ONG’s ambientais.
- Verônica: Parece justo. A gente destrói 4.500 km de floresta tropical, expulsa 5.000
pessoas de suas casas enquanto o senhor me ajuda a preservar a Reserva de Cari.
- Ministro: Nós já tivemos essa conversa, doutora. O meu interesse é o progresso do
país.
- Verônica: A sua ideia de progresso é obsoleta, excelência.
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Na reserva, Natalie e o antropólogo Gregório se deparam com uma cena devastadora:
o massacre da tribo dos Uyrã. É o giro de 360o feito pela câmera em torno da personagem e a
trilha dramática com batidas de tambor ao fundo que expressam ao mesmo tempo o impacto
por ela sentido ao se deparar com aquele cenário e a hesitação de quem espera por mais cenas
trágicas pela frente (Figuras 3-6).
Figuras 3-6: Natalie chega na Reserva e se depara com um massacre de índios
Natalie registra cenas do crime e com Gregório localizam alguns índios sobreviventes
a quem ajudam a fugir. Miguel surge de helicóptero - alegando ter recebido uma mensagem
de rádio - e oferece socorro a uma índia prestes a parir.
Já era noite no posto de proteção quando Miguel e Nat conversam:
- Miguel: Deu tudo certo com a Paial.
- Natalie: É. Que bom que você apareceu.
- Miguel: Você não tem noção do que você estava fazendo ali.
- Natalie: Eu tava fazendo uma matéria. Eu não sei mais se era sobre as centenas de
garimpos, se era sobre as toneladas de mercúrio contaminando os rios ou ser era
sobre o massacre dos Uyrã.
- Miguel: Serve o meu conselho? Essa terra é muito hostil. Vá embora de Cari.
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Aruanas instaura certa polarização entre o argumento de que é preciso desenvolver,
gerar riqueza e a necessidade de preservar a floresta. Ela empresta da estrutura narrativa
melodramática o estabelecimento claro dos dois lados da questão: o que está preocupado em
preservar o planeta, denunciar e evitar crimes ambientais e o que está disposto a explorar o
ouro não se importando com os danos irreparáveis que isso possa causar. Por outro lado, a
narrativa afasta-se da intriga melodramática na medida em que retira seu foco dos dramas
cotidianos, da enunciação baseada no relato popular - o contar a - e mantém clima de disputa
entre as ativistas e o empresário funcionando como um pano de fundo tensionador sem deixar
espaços para momentos de alívio junto ao espectador . 11
Ao adotar características do suspense como a tensão constante nos diálogos, na trilha,
nos movimentos de câmera a narrativa faz sentir que a questão é urgente, perigosa e
conflitiva, como dito antes: uma corrida contra o tempo.
5 A poética televisual na era do streaming
Alcançar o desejo de uma picture, perguntar o que ela quer consiste em uma
abordagem que parta primordialmente da representação visual. É da interação entre os
elementos visuais e verbais que a resposta se torna possível porque, para Mitchell (2009), o
composto imagem/texto pode assumir formas variadas. Para expressar essa diversidade de
relações o autor adota distintos “elos” entre imagem e texto: pode ser um hífen, uma junção
ou mesmo uma barra diagonal. Todos funcionam para evidenciar a fissura [a brecha, a greta,
a ruptura] dialética, como um ponto de sutura produtor de conhecimento. Isso exige um olhar
atento à articulação dos códigos visuais e textuais que sustenta a experiência visual e a
problematiza. Para Mitchell, trata-se de perguntar quais efeitos têm diferenças ou
semelhanças entre imagens e palavras? Por que o modo como palavras e imagens são
justapostas, misturadas e separadas é importante?
Las posiciones relativas de la representación visual y verbal (o de la vista y el sonido, el espacio y el tiempo) en estos medios mixtos no constituyen nunca un problema meramente formal, ni una cuestión que se pueda resolver con una semiótica «científica». (…) La relación imagen-texto (…) no es una simple cuestión técnica, sino que funciona como la sede de un conflicto, un nexo donde los antagonismos políticos, institucionales y sociales entran en juego en la materialidad de la representación (MITCHELL, 2009, 85).
11 Por questões de foco e espaço não foi possível abordar nesse texto o desenvolvimento das personagens.
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Esse modo de ver os elementos visuais e verbais em interação nos permite entender
imagem/texto como “[…] una apertura en la representación, un lugar donde la historia podría
colarse por las grietas”. A visualidade forma-se nesse ponto de tensão dialética das
heterogêneas estruturas representativas que compõem os campos do visível e do legível. Por
isso o gesto exige atenção às lacunas da imagem/texto nas quais é possível “demostrar lo que
no puede ser dibujado o hecho legible, la fisura de la representación misma, las bandas, capas
y líneas de falla del discurso, el espacio en blanco entre el texto y la imagen” (MITCHELL
2009, 67).
Todavia, em termos de interação entre imagens visuais e verbais, entendo que em
Aruanas a fissura está entre as pictures que são apresentadas de modo intercalado. Ou seja,
nas sequências que registram a constante ameaça à floresta amazônica, a visualidade é melhor
alcançada na fricção entre as pictures.
A série lança mão de uma estilística que intensifica a tensão pois, além dos recursos já
apontados, ela alterna planos que evidenciam a riqueza da floresta e o ambiente devastado
(Figuras 7-8). Costurados pela mesma trilha sonora de suspense estes enquadramentos
parecem construir um contraponto visual da polarização entre ativistas e empresários
engajando o espectador em um clima de constante risco. São escolhas que figuram a ameaça
premente não só da integridade da floresta mas da vida dos envolvidos direta ou
indiretamente nas atividades de extração e nas denúncias das ilegalidades.
Figuras 7-8: a tensão entre os planos
Assim, a estilística que exibe cenas exuberantes da Amazônia, que procura destacar a
atuação de ativistas na sua preservação, de seus povos e espécies, na divulgação do potencial
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da bioeconomia é a mesma que mostra em planos abertos e aéreos garimpos ilegais em
funcionamento, práticas obsoletas e destrutivas e flagrantes de devastação. É ainda a mesma
que nos faz sentir por meio de planos detalhe (do solo devastado, das mãos trêmulas de quem
inalou grandes quantidades de mercúrio, etc) o risco e os prejuízos do uso excessivo do
mercúrio à saúde e ao meio ambiente.
Dessa fissura entre pictures é possível alcançar a visualidade que escapa e que oferece
uma experiência sensível sobre as contradições históricas que conformaram e conformam
nossa experiência de modernidade e de modernização enquanto uma mistura de tempos e
matrizes cuja tensão é percebida no confronto de visões de mundo e das práticas
empreendidas pelas personagens. E essa visualidade é evidenciada em arranjos de
som/imagem que proporcionam sequências nas quais predominam o uso dos recursos
imagéticos.
Poucas são as pistas da narrativa categorizada como action drama thriller. No que se
refere à intriga, parece que as ações fazem experimentar o suspense, mas também, o próprio
tempo: a morosidade da burocracia estatal e a acelerada corrupção dos agentes; a duração da
investigação das ativistas e das ações do submundo dos garimpos ilegais sem observância a
qualquer protocolo. E isso pode provocar angústia no espectador ao tensionar certo repertório
familiar de símbolos e ações, de referências do campo da experiência prática e cultural que
medeia a reconfiguração dessa narrativa.
Entendo que Aruanas promove uma dupla função do suspense: tanto em relação à
disposição dos fatos narrados quanto ao mundo pré-figurado dessas ações. Se por um lado,
essa narrativa de investigação explora os efeitos do suspense de modo a estimular o prazer
em relação ao consumo de uma intriga não-melodramática, por outro, ela suspende o próprio
mundo referencial da ação. O agenciamento dos fatos dispôs-se de tal forma que pode levar o
espectador ao questionamento/estranhamento do mundo pré-figurado que foi tomado como
referência do mundo narrado.
Em outras palavras, ao apostar numa intriga não melodramática a série deixa em
aberto o pano de fundo ético e o repertório de símbolos que sustenta a familiaridade com o
mundo pré-figurado. Enquanto uns podem concluir “o Brasil é assim mesmo”, outros podem
se sentir perplexos diante da trama e questionar: “que mundo é esse onde isso é possível?”. O
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modo como o tema foi configurado parece ter instaurado essa abertura.
Em relação ao como é preciso considerar de que modo a categorização original
Globoplay incide nos modos como a narrativa maneja os efeitos a seu dispor e interfere na
tessitura da intriga que ela entrega. A meu ver, anunciar determinada produção como original
Globoplay cumpre distintas funções. A primeira é criar no espectador disposição e
engajamento com uma narrativa que pode ter sido construída de modo diferente daquele com
o qual a própria Rede Globo familiarizou seus telespectadores: a narrativa melodramática. A
segunda é criar uma associação com as chamadas originais Netflix e as acepções de valor
estético e cultural que envolvem essas produções. Smith-Rowsey (2016) argumenta que após
distinções técnicas, codificação de termos, funcionalidade de tags e links e com modelo de
negócios próprio a Netflix criou uma lista com 19 categorias de gêneros e, aproximadamente,
400 subcategorias que não parecem partilhar de rotulações anteriores. Ainda que action
drama thriller não seja exatamente nenhuma das 19 nem mesmo das 400 categorias
disponíveis, vejo como evidente o esforço de endereçar um novo modo de contar que
certamente conjuga aquilo que a principal empresa de streaming dispõe dentre suas centenas
de gêneros e milhares de micro-gêneros. Refiro-me à categoria Thriller e à sub-categoria
Action Thrillers.
Assim, enquanto um problema de comunicação Aruanas inova no agenciamento dos
dispositivos de reconhecimento/estranhamento. Se no melodrama a ética e a estética estão em
regime de continuidade, tendo presente a expectativa de um final feliz, de uma benevolente
superação, conferindo certo tipo de função aos dispositivos de sedução, no action drama
thriller há hesitação em todas as partes que compõem a representação.
6 Aruanas e as contemporâneas anacronias da modernidade latino-americana
Ao eleger o conflito entre ativistas e exploradores de garimpos ilegais Aruanas
representa as contradições incrustadas no nosso modelo de desenvolvimento econômico: de
um lado, a forte presença de uma parcela anacrônica do extrativismo no Brasil e, de outro, as
tentativas de estabelecer novas rotas de desenvolvimento econômico que tomem em sério a
questão ambiental. A obra nos oferece uma experiência com os distintos tempos do capital: o
tempo residual das práticas criminosas, da negligência com o meio ambiente; e o tempo
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emergente, das alternativas trazidas pela bioeconomia baseadas na biodiversidade e na
sustentabilidade.
É este conflito que sustenta o clima de suspense (no duplo sentido apontado) durante
todos os episódios, que expõe os riscos e ameaças sofridos por ativistas e que contribui com a
percepção de nossa contemporânea modernidade anacrônica e de nossa controversa
modernização.
E Aruanas contribui para a atualidade desse debate porque visual e narrativamente
configura o tema do meio ambiente de modo a interpelar uma cultura transnacional. A série
estabelece uma tensão local-global ao endereçar para o mundo, a partir de marcas locais,
questões que envolvem engajamento coletivo, soluções políticas de amplo alcance e temas de
relações internacionais. Assim, o modo como o suspense foi adotado como recurso visual e
narrativo pareceu apropriado. Com ele Aruanas interpela o mundo: até quando vamos
permitir que isso aconteça?
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