A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA E AS POLÍTICAS … · plantas industriais na região em ... Em 2007...
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A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA E AS POLÍTICAS INDUSTRIAIS
RECENTES NO TERRITÓRIO ESTRATÉGICO DE GOIANA-PE
ALMIR CLÉYDISON JOAQUIM DA SILVA1
MAURÍCIO SARDÁ DE FARIA2
Resumo: Em período recente, o Nordeste brasileiro tem sido alvo de grandes investimentos
com impactos e transformações na dinâmica de sua economia. No Estado do Pernambuco,
especialmente em Goiana-PE, grandes unidades industriais se instalaram nos últimos anos,
configurando novos polos industriais como o farmacoquímico, vidreiro e automotivo. Esses
investimentos materializam, de alguma maneira, a nova orientação da política industrial do
país implantada a partir do início dos anos 2000, denominada de neodesenvolvimentismo, no
qual o Estado passa a assumir um papel estratégico na condução de grandes projetos de
infraestrutura, logística e de investimentos em programas na área social. A convergência de
grandes investimentos industriais em Goiana trás a tona a questão regional brasileira, onde
setores têm sido priorizados na agenda de desenvolvimento do país, além de apresentar
profundas transformações na dinâmica econômica local, saindo de uma economia de base
agrícola para atividades industriais. Nesta perspectiva, busca-se apresentar uma discussão da
questão regional brasileira a partir da observação das políticas industriais recentes
direcionadas para o Nordeste brasileiro, especialmente no território estratégico de Goiana-PE.
Para tanto, utiliza-se informações secundárias, a exemplo da evolução histórica do PIB,
população, valor da transformação industrial, desembolsos do BNDES por região, evolução
do emprego por setores de atividade econômica, além de observação participante em visita a
plantas industriais na região em questão.
Palavras-chave: Neodesenvolvimentismo. Políticas Industriais. Desenvolvimento Regional.
Nordeste. Polo automotivo de Goiana - PE.
INTRODUÇÃO
A recente concentração de grandes polos e projetos industriais em algumas regiões do
Estado do Pernambuco e em outros Estados da região Nordeste, ao tempo em que apontam
para uma nova orientação da política industrial no país e de tentativas de desconcentração
regional, trás a tona um ambiente marcado por rearranjos constantes, deslocamentos recentes,
formas de contestação social, novas possibilidades econômicas e problemas sociais. Nesta
perspectiva, algumas questões ganham destaque no que concerne à formulação e conformação
de problemas que são inseridos na agenda de políticas públicas, as formas em que os atores se
relaciona no âmbito das articulações de projetos industriais e sociais, e consequentemente na
1 Economista pela UFPB e Mestrando em Políticas Públicas pela UFPR, Brasil. E-mail:
[email protected]. 2 Doutor em Sociologia Política pela UFSC e professor do Departamento de Tecnologia e Gestão da UFPB,
Brasil. E-mail: [email protected].
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dinâmica das transformações no convívio social e econômico, a partir de desdobramentos em
termos da temática do desenvolvimento.
Ao tempo em que a perspectiva neodesenvolvimentista tem apontado para uma nova
orientação da política de desenvolvimento do país, aponta também para tentativas de
desconcentração regional de políticas industriais. Nesta agenda, as políticas de investimento
industriais, direcionadas e estimuladas pelo Estado, estão fortemente ligadas ao setor privado
e a fatores externos a região foco de atenção da política.
Os investimentos recentes direcionados para o Nordeste brasileiro têm provocado
impactos e transformações na dinâmica de sua economia. No Estado do Pernambuco, novas
atividades econômicas têm-se configurado, como petróleo e gás, construção naval,
automobilística, petroquímica, assim como a redefinição de segmentos tradicionais, como
metal mecânica, produtos alimentares, bebidas, têxtil e material elétrico. Estudo realizado pela
Fecomércio-PE e Sebrae-PE (2015) apontam para um conjunto de investimentos recentes e
previstos em torno de 17 bilhões de reais na Mata Norte pernambucana, com destaque para os
polos fármaco-químico, vidreiro, automotivo, bebidas e aos projetos imobiliários, de
infraestrutura e logística. Grande parte do volume destes investimentos estão localizados e em
fase de instalação no município de Goiana-PE, cidade historicamente marcada pelas bases de
ocupação colonial e de uma economia tradicionalmente vinculada às atividades
sucroalcooleira. Goiana tem, agora, se adaptado constantemente a uma nova dinâmica
econômica local, a partir da construção da planta industrial mais moderna da montadora
multinacional de veículos do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), da Empresa Brasileira
de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRÁS) e da Companhia Brasileira de Vidros
Planos (CBVP, também conhecido por VIVIX).
Dado o cenário supracitado, busca-se apresentar uma discussão da questão regional
brasileira a partir da observação das políticas industriais recentes direcionadas para o
Nordeste brasileiro, especialmente no território estratégico de Goiana-PE. Utiliza-se de
informações secundárias, a exemplo da evolução histórica do PIB, população, valor da
transformação industrial, desembolsos do BNDES por região, e evolução do emprego por
setores de atividade econômica.
A QUESTÃO REGIONAL: DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIALIZAÇÃO E
NEODESENVOLVIMENTISMO
Os conceitos de desenvolvimento e crescimento econômico aparecem geralmente
associados na literatura econômica. Entretanto, ainda que lentamente, esta visão tem mudado
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e os indicadores sociais têm ganhado importância ao refletir a verdadeira mudança da
qualidade de vida da população. Bresser-Pereira (2006a) associa o desenvolvimento
econômico ao aumento da renda per capita, na medida em que os países promovem suas
revoluções capitalistas. Considera ainda que o desenvolvimento é uma construção histórica
que apresenta como características a acumulação de capital, a incorporação de tecnologia e o
aumento da produtividade, por conta disso tende a se auto-sustentar, quando iniciado.
Prebisch (1949) destaca a importância da industrialização para o processo de
desenvolvimento dos países periféricos, o que não impede o desenvolvimento do setor
agrícola, pois este é fornecedor de divisas. Contudo, alerta que a industrialização não é um
caminho fácil, pois se faz necessário a elevação do padrão de vida da população e da renda
per capita. Foi apenas no decorrer do primeiro e do segundo conflito mundial que os países da
América Latina se industrializaram com a finalidade de não depender das economias centrais.
As experiências históricas próprias dos países latino-americanos têm colocado o Estado
como uma importante instituição responsável pela promoção e condução de estratégias
nacionais de desenvolvimento, ampliando sua participação na segunda metade do século XX
como forma de correção das distorções provocadas pós conflitos mundiais.
O desenvolvimentismo, ou nacional-desenvolvimentismo, surgiu no período
compreendido entre os anos de 1930 a 1970, quando emergiram as estratégias nacionais de
desenvolvimento que apontavam para a necessidade de constituir e fortalecer o Estado
nacional. Trata-se, portanto, das estratégias que os próprios países dependentes passaram a
traçar para impulsionar seu processo de industrialização, ainda que de forma atrasada,
especialmente na América Latina (BRESSER-PEREIRA, 2006b).
Com a crise mundial do Petróleo, em 1973, observou-se a difusão das idéias
econômicas neoliberais no país, opondo-se as idéias intervencionistas keynesianas e da
corrente estruturalista latino-americana, formado principalmente pelos economistas Celso
Furtado, Raul Prebisch e Ignácio Rangel. Com o chamado consenso de Washington, em 1989,
expressão da hegemonia neoliberal, diversos países latino-americanos seguiram firmemente
as medidas neoliberais propostas pelos países ricos, o que só corroborou para as oscilações
políticas e econômicas nos país em desenvolvimento. Isso aponta para a fase de substituição
de uma estratégia nacional de desenvolvimento para uma estratégia externa.
No Brasil, essas idéias neoliberais foram bastante sentidas durante a década de 1990,
com a privatização de empresas estatais, abertura da economia através da difusão da
globalização, obtenção de poupança externa para estimular o crescimento econômico e a
concepção da redução da participação do Estado na economia.
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Os anos iniciais da década de 2000 caracterizam a retomada da discussão do tema do
desenvolvimento no Brasil e na América Latina, bem como o surgimento de uma nova
orientação da política de desenvolvimento no país, o chamado neodesenvolvimentismo, que,
de acordo com Alves (2013), reconhece duas funções importantes para o Estado: investidor e
financiador. O neodesenvolvimentismo atribui assim tanto uma maior participação no
financiamento de investimentos privados através de fundos públicos, quanto a priorização no
investimento em infraestrutura no país. Isso também inclui investimentos na área social e
sobretudo na desconcentração regional de políticas industriais. No que se refere a vertente das
políticas sociais, em muitos casos, verifica-se que as mesmas não têm acompanhado o mesmo
ritmo de crescimento industrial, corroborando para o fato de Alves (2013) referir-se tanto a
política neoliberal quanto ao neodesenvolvimentismo como projetos burgueses, uma vez que,
em contextos e realidades diferentes, estão voltados para a organização do capitalismo
brasileiro.
No âmbito do debate sobre subdesenvolvimento, atrelado este às rígidas estruturas
sociais no Nordeste, saldo negativo da decadência da economia açucareira no século XVII,
Furtado (1984a) considera que existe um impasse estrutural ao se pensar desenvolvimento
para a região a partir de uma lógica importada do exterior, de maneira que esse impasse
somente poderá ser superado por dois fatores: elevação da homogeneidade da sociedade e
abertura para a realização das potencialidades da cultura interna. Ao pensar uma política
alternativa de desenvolvimento para o Nordeste, Furtado (1984) destaca o papel das
universidades no aprofundamento de estudos dos problemas complexos da região, assim
como para disseminar o conhecimento a um público que, em geral, encontram-se excluídos
dos centros de poder.
Para Furtado (1984) é fundamental que exista um centro dinâmico para impulsionar o
desenvolvimento. No caso do Nordeste, esta função foi forjada pela demanda externa, através
da economia primário-exportadora e, recentemente, pelos investimentos financiados em
infraestrutura e aos investimentos industriais, muitas vezes subsidiados. Entretanto, considera
que o crescimento gerado por esses centros dinâmicos pouco se vincula com a demanda
regional interna, motivo pelo qual as transformações sociais geralmente não recebem a devida
atenção, quando comparado com os investimentos industriais, nos centros dinâmicos.
Considerando que a alternativa para o desenvolvimento do Nordeste seria por meio da
industrialização, Furtado (1984) questiona sobre qual tipo de industrialização a região deve
seguir para gerar as bases de uma política de desenvolvimento, “pois sabemos de experiência
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que a tendência natural é para favorecer indústrias sem qualquer vínculo direto com o
mercado regional” (FURTADO, 1984b, p. 74-75).
A decisão de instalação de indústrias em determinada localidade provoca diversos
efeitos desencadeadores de problemas e conflitos sociais em um território. Essas indústrias,
habitualmente, são atraídas por benefícios concedidos em determinadas localidades, a
exemplo de redução de tributos locais e/ou isenções fiscais. É importante destacar que este
tipo de situação limita o governo no fornecimento de serviços públicos a uma população que
cresce descontroladamente devido às oportunidades que serão geradas. Portanto, é um
processo que, consequentemente, influencia a mudança do quadro social e econômico, com
custos superiores aos retornos sociais.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O território estratégico de Goiana-PE está localizado na Mesorregião da Mata
Pernambucana, na Microrregião da Mata Setentrional e compreende a Região Estratégica de
Desenvolvimento da Mata Norte. Sua posição geográfica estratégica é visualizada a partir da
distância com a capital pernambucana e paraibana, ficando a 62,8 km e 57 km,
respectivamente. Apresenta uma área de 445.814 km², com densidade demográfica de 150,72
habitantes por km². Com uma população estimada pelo IBGE, em 2015, de 78.618 habitantes,
é o 20º município mais populoso do Pernambuco, o 3º da Mesorregião da Mata Norte e o 2º
da Microrregião da Mata Setentrional. Em 2007 foi classificado pelo IBGE como centro de
zona A, por possuir influência em um contexto microrregional e desempenhando função
estratégica para municípios de seu entorno (IBGE, 2015).
O potencial econômico de Goiana esteve, por muito tempo, atrelado a usinas e engenhos
de cana-de-açúcar. Atualmente as atividades econômicas estão relacionadas ao comércio,
agropecuária e indústria de transformação. Em 2012, Goiana alcançou um PIB de R$
872.238.000,00 e um PIB per capita de R$ 11.491,63 (IBGE, 2015).
As recentes políticas industriais têm possibilitado um processo de aglomeração
industrial, desde o ano de 2009, no município de Goiana-PE e se constituem como questões
que inevitavelmente transcorrem nas agendas políticas dos três níveis de governo. Destacam-
se a construção de três grandes polos industriais que tem sido responsáveis por impulsionar o
dinamismo de crescimento econômico de Goiana e de um conjunto de municípios que estão
em seu entorno, tanto da Zona da Mata Norte de Pernambuco quanto da Zona da Mata Sul da
Paraíba. Estes polos compreendem a construção da planta industrial mais moderna da
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montadora multinacional de veículos do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), da Empresa
Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRÁS) e da Companhia Brasileira de
Vidros Planos (CBVP, também conhecido por VIVIX). Cabe ressaltar que a instalação desses
empreendimentos atrai para a região uma quantidade expressiva de empresas fornecedoras de
matérias-primas e serviços para expansão da produção dos polos industriais.
O polo automotivo de Goiana-PE, por exemplo, compreende a montadora de veículos
do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA), inaugurada em abril de 2015, e mais 16 empresas
fornecedoras que juntas compreendem investimentos de 7,1 bilhões de reais – que, quando
atingir a capacidade máxima, produzirá 250 mil veículos por ano e irá gerar cerca de 8 mil
oportunidades de empregos de forma direta e outros milhares de forma indireta
(FECOMÉRCIO-PE, SEBRAE-PE, 2015; JORNAL DO COMMERCIO, 2015).
A partir das discussões realizadas até aqui, pode-se apresentar algumas considerações
sobre alguns dados e indicadores econômicos e sociais do município de Goiana-PE.
Primeiramente, cabe destacar a tendência de crescimento para a população total e estimada
residente. Pela taxa de crescimento simples, verifica-se uma taxa maior para o período de
2012-2015 do que para o período de 2008-2011, 3,58% e 2,43%, respectivamente. Isso pode
ser justificado pelo início das obras civis dos polos industriais em Goiana. Já pela taxa de
crescimento composta, tem-se um crescimento em média ao ano de 13,25%, conforme pode
ser verificado pelo gráfico I, abaixo.
Gráfico I – População total e estimada de Goiana-PE (2008-2014)
Fonte: Elaboração própria, com base em informações do IBGE (2016).
Pela série histórica do Produto Interno Bruto em valores constantes, correspondente ao
período de 2002 a 2012, evidencia-se que o Estado do Pernambuco apresentou um
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crescimento de 88,48%, índice superior ao crescimento do Nordeste (75,96%), do Brasil
(68,29%) e do município de Goiana-PE (38,80%), conforme tabela I.
Já a participação relativa do Nordeste no PIB nacional apresentou uma tendência
crescente ao longo de toda a série, com uma média de 17,83%. A participação do Pernambuco
no PIB regional registrou queda de 2002 a 2005, algumas oscilações entre 2006 e 2008, com
posterior variação positiva até 2012, sendo que a maior variação positiva observada foi em
2010. Já a participação de Goiana tanto no PIB estadual quanto no PIB regional foi de
oscilações predominantemente nulas, mesmo com o inicio de obras civis de algumas empresas
ligadas aos polos vidreiro e fármaco-químico entre 2010 e 2011 e o início das obras civis do
polo automotivo, no final do ano de 2012.
Tabela I – Brasil, Nordeste, Pernambuco e Goiana-PE: Produto Interno Bruto a preços
constantes (ano base: 2012) – 2002 a 2012 (em R$ 1.000).
Ano PIB a preços constantes (2012=100) Participação relativa (%)
Brasil Nordeste Pernambuco Goiana NE/BR PE/NE GO/PE GO/NE
2002 2.609.900.314,68 338.359.466,25 62.255.550,20 628.429,49 12,96 18,40 1,01 0,19
2003 2.746.738.198,13 350.684.312,69 63.513.698,06 565.819,52 13,44 18,11 0,89 0,16
2004 2.915.454.758,40 370.971.864,97 66.089.060,02 563.172,14 14,21 17,82 0,85 0,15
2005 3.050.814.821,94 398.600.665,68 70.929.214,79 566.605,53 15,27 17,79 0,80 0,14
2006 3.264.089.921,17 428.562.421,58 76.445.037,83 609.863,40 16,42 17,84 0,80 0,14
2007 3.509.613.780,87 458.652.863,91 82.098.884,77 601.836,13 17,57 17,90 0,73 0,13
2008 3.775.901.229,51 494.993.192,61 87.717.637,09 698.157,49 18,97 17,72 0,80 0,14
2009 3.867.243.589,87 522.555.627,86 93.628.756,07 729.748,21 20,02 17,92 0,78 0,14
2010 4.249.624.587,43 572.053.781,03 107.294.083,38 832.700,26 21,92 18,76 0,78 0,15
2011 4.384.965.315,39 587.756.327,37 110.490.588,86 838.376,63 22,52 18,80 0,76 0,14
2012 4.392.093.997,51 595.382.228,16 117.340.091,50 872.238,00 22,81 19,71 0,74 0,15
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEADATA – Contas Regionais / IBGE Cidades.
Nota: Valores correntes deflacionados a partir do IPCA, com base fixa em 2012.
Legenda: BR (Brasil); NE (Nordeste); PE (Pernambuco); GO (Goiana-PE).
A Tabela II remete para a questão regional brasileira e a consequente concentração da
atividade industrial nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o que contribui
para o fortalecimento do padrão da divisão inter-regional evidenciada na participação das
regiões Sul e Sudeste no valor da transformação industrial do país3.
Os resultados da tabela II também apontam para a ausência de uma melhor definição da
estratégia nacional de desenvolvimento. O que se tem observado, nos últimos anos, é a
priorização de alguns setores na agenda do país. Esse forte componente setorial nas políticas
públicas, a exemplo de atividades ligadas aos setores de construção naval, automobilística e
petroquímica, induz a utilização de políticas compensatórias para regiões pobres. Isso também
3 Valor da Transformação Industrial corresponde a “diferença entre o valor bruto da produção industrial e os
custos das operações industriais” (IBGE, 2015).
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pode ser corroborado pela ausência de preocupações com as transformações e alterações na
dinâmica econômica e social local, puxado pelos investimentos setoriais.
Por meio da taxa de crescimento simples, verifica-se que, ao longo de todo o período
2002 a 2013, o maior crescimento do valor da transformação industrial foi para o Estado do
Pernambuco (33,5%), seguido de Minas Gerais (17,3%), Rio de Janeiro (9,3%) e crescimento
negativo para São Paulo (-19,4%). Pela taxa de crescimento em média ao ano, taxa de
crescimento composta, o Estado do Pernambuco (11,1%) também apresentou o maior
crescimento, seguido de Minas Gerais (9,8%), Rio de Janeiro (9,1) e São Paulo (6,7%). Em
nível regional, Centro Oeste, Norte e Nordeste obtiveram as maiores taxas de crescimento,
simples e composta.
Os dados também evidenciam que tanto Pernambuco quanto o Nordeste conseguiram
ampliar suas participações relativas no valor da transformação industrial do país. Entretanto,
em 2013, os três Estados do Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo) ainda
concentravam 56,6% de participação na transformação industrial, enquanto que as regiões Sul
e Sudeste, juntas, concentraram 78,8% no mesmo ano. Portanto, mesmo apresentando bom
desempenho nas taxas de crescimento, as regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste
permanecem aquém das participações das regiões Sul e Sudeste, conforme pode ser visto na
tabela abaixo.
Tabela II - Valor da Transformação Industrial (% sobre o total do país / 2002-2013) Estados selecionados
e Regiões
brasileiras
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Tx. Crescimento
(%)
Simples Composta
Minas Gerais 10,0 9,7 10,6 10,4 10,4 10,9 11,5 10,1 11,9 11,8 11,2 11,7 17,3 9,8 Rio de
Janeiro 9,6 10,4 10,4 10,5 10,9 10,1 10,6 10,5 10,4 10,5 11,3 10,5 9,3 9,1
São Paulo 42,6 41,0 40,0 40,2 39,3 39,3 37,4 37,9 36,2 35,6 35,0 34,3 -19,4 6,7 Pernambuco 1,3 1,4 1,1 1,1 1,1 1,2 1,2 1,5 1,5 1,5 1,7 1,7 33,5 11,1
Norte 4,9 4,9 5,6 5,8 6,0 5,9 6,2 5,9 7,0 6,8 6,2 6,5 32,7 11,1 Nordeste 8,8 9,0 8,9 9,3 9,9 9,5 9,7 10,0 9,3 9,3 9,5 9,4 6,9 8,9
Sudeste 64,1 63,2 63,3 63,5 63,1 62,7 62,2 60,5 61,0 60,7 60,3 59,2 -7,7 7,7
Sul 19,2 19,5 18,8 17,7 17,6 18,5 18,3 19,1 18,2 18,7 18,9 19,6 1,8 8,5 Centro Oeste 3,0 3,4 3,5 3,7 3,4 3,5 3,7 4,4 4,5 4,5 5,1 5,3 78,5 14,9
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 - -
Fonte: Elaboração própria com base em dados do IBGE – Pesquisa Industrial Anual Empresa.
O cenário de novas oportunidades de emprego e de mudança na percepção do trabalho
em Goiana-PE pode ser evidenciado no gráfico II a seguir. Grandes quedas na evolução do
emprego do setor agropecuário são observadas em 2009 e 2011, que dão lugar para uma
tendência crescente para os setores de indústria de transformação, construção civil e serviços
em anos subsequentes.
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Gráfico II - Goiana: Evolução do emprego por setores selecionados de atividade econômica
(saldo do nº de pessoas)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MTE / Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).
Nota: A evolução do emprego por setores de atividade econômica corresponde ao saldo anual (admissões-desligamentos).
No que diz respeito às contrapartidas e financiamentos concedidos para implantação do
polo automotivo de Goiana, os principais financiamentos foram concedidos por órgãos e
bancos de desenvolvimento públicos, como o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), os quais representam em torno de R$ 4,7 bilhões.
Já o Governo do Estado do Pernambuco entrou com contrapartidas na preparação do
terreno para construção civil da fábrica da Fiat Chrysler e do Supply Park 1, além da
realização (em parceria com Sesi, Senai, Fiat e prefeituras do entorno de Goiana) de um
amplo programa de qualificação profissional destinado as obras civis da montadora. Ao
considerar os financiamentos públicos e as contrapartidas do Governo do Estado obtém-se um
valor entorno de R$ 4,8 bilhões concedidos para formação do polo automotivo de Goiana.
Com essa cifra, fica evidente que, em conjunto, os incentivos ofertados superaram o anúncio
de investimentos divulgado pela Fiat, no valor de R$ 4 bilhões, e põe em questão a
dependência, ainda existente, de recursos governamentais para impulsionar empreendimentos
na região Nordeste.
Os desembolsos do BNDES por região confirmam o forte componente setorial nas
políticas públicas, sem, contudo, mostrar evidências de integração e de potencial condução de
programas de desenvolvimento regional contínuo. Pela tabela III, verifica-se que, em 2009 e
em menor variação em 2011, a participação dos desembolsos do BNDES destinados para a
região Nordeste e para o Estado do Pernambuco, sobre o total do país, sofreu forte elevação,
podendo ser justificado pelos investimentos em setores priorizados pela agenda do país.
Como exemplo tem-se os investimentos em atividades ligadas a construção naval,
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petroquímica, indústria químico-têxtil e metal mecânica, concentrados na região estratégica
do Complexo Portuário de SUAPE na zona da mata sul pernambucana, e aos polos fármaco-
químico e automotivo da Fiat Chrysler, na mata norte do Pernambuco.
Verifica-se, também, que os três Estados da região Sudeste (Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo) continuam a concentrar a maior fatia dos desembolsos do BNDES, que
em 2014 somaram 46%, enquanto que as regiões Sul e Sudeste concentram 68% dos
desembolsos do BNDES.
Tabela III - Desembolsos do BNDES por região (% sobre o total do país / 2002-2014) Estados
selecionados e
Regiões
brasileiras
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Minas Gerais 5,4 9,3 6,0 6,3 7,9 9,2 9,0 6,5 7,9 9,5 8,1 9,1 8,1
Rio de Janeiro 11,3 10,0 7,7 9,1 10,2 12,6 11,4 18,4 21,3 11,4 13,3 10,6 13,9
São Paulo 42,6 39,4 38,5 43,3 39,9 33,9 33,9 26,3 27,3 26,1 23,0 24,0 24,0
Pernambuco 1,2 1,0 0,8 1,6 1,2 2,0 1,8 9,6 2,5 3,3 2,1 1,9 3,1
Norte 5,0 2,1 4,9 3,4 3,2 5,3 5,4 8,2 7,0 7,8 8,6 7,2 7,5
Nordeste 10,1 9,3 6,9 8,1 9,4 8,2 8,4 16,2 10,2 13,5 13,5 13,5 13,0
Sudeste 61,7 59,7 53,5 61,2 61,2 57,9 56,1 52,6 58,2 49,1 46,4 45,7 47,6
Sul 16,3 20,4 21,8 20,3 19,1 19,7 19,2 15,2 17,9 21,4 18,6 22,6 20,4
Centro Oeste 6,9 8,4 13,0 7,0 7,1 8,9 10,9 7,9 6,7 8,2 12,9 11,0 11,5
Brasil 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Elaboração própria com base em dados do BNDES, 2016.
Mesmo que o Nordeste tenha apresentando uma taxa de crescimento de 28,35% ao
longo da série, esse valor revela-se pouco diante da necessidade de redução das desigualdades
regionais, via desembolsos do principal instrumento de estímulo ao desenvolvimento regional
do país, o BNDES.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou apresentar uma discussão sobre as recentes políticas federais
de desenvolvimento e crescimento econômico regional, a partir da observação da dinâmica de
aglomeração industrial em curso no território estratégico de Goiana-PE. Para isso, procurou-
se contextualizar um debate entorno das temáticas do desenvolvimento, crescimento
econômico, industrialização e neodesenvolvimentismo, além de dados secundários sobre a
evolução histórica do PIB, população, valor da transformação industrial, desembolsos do
BNDES por região, e evolução do emprego por setores de atividade econômica.
Com o chamado neodesenvolvimentismo, desencadeia-se uma nova orientação na
política de desenvolvimento industrial do país, atribuindo ao Estado uma maior participação
11
no financiamento e investimento de obras estruturadoras e de programas sociais. É na região
Nordeste, e em especial no Pernambuco, que as políticas de desconcentração regional de
investimentos industriais têm ganhado força e gerado expectativas em uma população que,
historicamente, esteve a margem das demais regiões do país e que carregou a herança
histórica do convívio com secas cíclicas e em meio a indicadores sociais, de renda e
infraestrutura não satisfatórios. Em período recente, decisões políticas têm contribuído para a
alteração desse cenário e possibilitado a localização de grandes empreendimentos, antes
direcionados para a região Sudeste do país.
Em Goiana, a localização do polo automotivo foi direcionada por motivações políticas e
empresariais, e que no decorrer das negociações surgiram diversos acordos, incentivos e
financiamentos que estiveram embasados no discurso de justificativa da geração de empregos
diretos e indiretos para a região, assim como ao grande efeito indutor e de desenvolvimento
que o grupo FCA possibilitaria para o conjunto de municípios do entrono de Goiana.
Os rumos do desenvolvimento para o Nordeste e em Goiana estão fortemente ligados tanto a
superação de questões estruturais e logísticas, tendo em vista que muitos projetos são pioneiros na
região, quanto aos projetos sociais a ser incorporado a partir de um planejamento sistêmico e que
priorizem a melhoria da qualidade de vida da população, o que continuará a demandar e depender
de investimentos públicos e de uma vontade política para atender aos anseios históricos do
Nordeste.
Por fim, o valor da transformação industrial e os desembolsos do BNDES por região
indicam para a concentração da atividade industrial no Sudeste do país e a priorização de alguns
setores nas políticas públicas. Entretanto, os investimentos setoriais na região Nordestes,
especificamente em Goiana-PE, ainda não têm demonstrado evidências de integração e de
potencial condução de programas de desenvolvimento regional contínuo.
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