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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A PSICOMOTRICIDADE NA VIDA DA CRIANÇA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA VISUAL:
NUMA ABORDAGEM INCLUSIVA
Por: Dorvina Suely Ferreira de Sena
Apresentação de monografia à Universidade
Cândido Mendes, como condição prévia para
a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Psicomotricidade. São os objetivos
da monografia perante o curso e não os
objetivos do aluno.
Orientador: Prof. Nilson Guedes de Freitas
Rio de Janeiro abril de 2005
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Agradecimentos
A Deus, que me fez um ser desejante.
Aos meus pais, pela minha existência.
A meu marido Paulo, por entender as repentinas “mudanças de humor” na
realização desse trabalho, as ausências, e principalmente, por ser
companheiro em todas as horas e incentivador dos meus desejos.
Às minhas amadas filhas “Evelyn e Kícila”, pela ajuda, carinho e incentivo,
que me fizeram chegar até aqui.
Ao meu orientador – Prof. Nilson Guedes de Freitas – pela sua ajuda e
paciência durante a elaboração deste trabalho.
A todas as pessoas que, diretamente ou indiretamente participaram de
alguma forma, para a realização desse trabalho. Em especial as crianças da
(UAS) e as internas do Sodalício da Sacra Família, motivo da realização
desse trabalho.
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Dedicatória
Ao meu marido Paulo, que colaborou
decisivamente na realização desse trabalho,
demonstrando sempre carinho e amor,
ofereço minha sincera gratidão, rogando à
Deus que nos abençoe e preserve para
sempre estes vínculo de carinho e
solidariedade.
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Epígrafe
“Tenha orgulho de seu filho, aceite-o como
ele é e não dê ouvidos às palavras e aos
olhares daqueles que nada sabem. O seu
filho tem um significado para você e para
todas as crianças. Você encontrará uma
alegria da qual não suspeita agora enquanto
preenche a vida dele, ao seu lado. Levante
a cabeça e siga o caminho indicado.” (Pearl
S. Buck – The child who never grew).
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Resumo
Este estudo teve como objetivo a pesquisa bibliográfica sobre
portadores de deficiência visual e a importância da psicomotricidade, para
seu desenvolvimento global e social. A partir do que foi aqui apresentado,
ficou claro que a criança portadora de deficiência visual precisa ser
estimulada corporalmente para interagir e se colocar em contato com o
mundo, desenvolvendo suas potencialidades. Foram citados os diversos
recursos, as técnicas psicomotoras e atividades lúdicas de esquemas
corporais, para que a criança perceba seu corpo através do movimento. O
estudo também sinalizou a importância da inclusão social com o espaço, que
proporciona oportunidades de socialização, além de oferecer oportunidades
do deficiente maximizar suas potencialidades, dando oportunidade pra
adquirir experiências sensório-motoras, integrando noção de tempo pela
vivência corporal. Concluímos que o sujeito com deficiência é alguém com
direitos e responsabilidades sociais, tanto quanto os demais cidadãos. A
eles, devem ser oferecidas oportunidades de participação social segundo
suas capacidades de desempenho, sem discriminação.
Palavras chave: A Psicologia, Psicomotricidade, Deficiência Visual e
Inclusão social
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Sumário
Introdução ................................................................................. 8
1. Deficiência Visual ................................................................. 10
2. O desenvolvimento da criança portadora de deficiência visual.......................................................................................... 19
3. Educação Inclusiva ............................................................... 30
Conclusão .............................................................................. 43
Referências Bibliográficas ...................................................... 45
Anexo ........................................................................................ 46
Índice ........................................................................................ 47
Folha de Avaliação ................................................................. 49
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INTRODUÇÃO
A pesquisa bibliográfica apoiou-se no estudo sobre a importância da
psicomotricidade na vida da criança portadora de deficiência visual, com
ênfase na sua inclusão social.
A abordagem do estudo visa proporcionar à criança portadora de
deficiência visual, através de técnicas psicomotoras, a sua inclusão social
nas atividades diárias, visando favorecer com segurança a sua autonomia,
procurando diminuir ao máximo sua dependência.
Ao longo deste trabalho, baseado em biografias de diversos autores,
poderemos conhecer opiniões valiosas sobre as técnicas psicomotaras
reconhecidamente eficazes, aplicadas, inclusive, com os familiares desses
deficientes, visando a sua evolução motora e cognitiva.
O deficiente visual necessita integrar-se socialmente. Nesse sentido,
o estudo busca uma condição mais favorável de adaptação e integração,
onde a relação interpessoal, corporal e afetiva colaborarão para sua
comunicação com esse mundo extremamente visual, permitindo-lhe conviver
com independência, respeitadas as suas limitações.
A estimulação do deficiente visual deve começar o mais cedo
possível, tão logo sua anormalidade seja detectada. O tratamento deve ser
desenvolvido por instituição especializada, com serviço de estimulação
precoce.
A pesquisa tem como objetivo geral, definir como a criança portadora
de deficiência visual deverá desenvolver habilidades motoras, num processo
de autonomia e independência.
Ficará claro ao longo deste estudo, dentro da área da ciência, a
importância da psicologia e da psicomotricidade no desenvolvimento global,
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já que o comportamento motor, emocional e intelectual estão intimamente
ligados.
No desenvolvimento desse trabalho, utilizamos como delimitação
informações e dados clínicos a partir de internas e pacientes do sexo
feminino, com idades entre 0 a 8 anos, portadoras de deficiência visual,
atendidas pela unidade de atendimento social multidisciplinar existente e em
funcionamento no Sodalício da Sacra Família, instituição beneficente,
localizada na Rua Alzira Brandão, nº 281, Tijuca (RJ).
O trabalho está exposto em três capítulos, com suporte em obras de
diversos autores.
No primeiro, é apresentado o conceito de deficiência visual, seus
aspectos clínicos e uma abordagem entre deficiência e incapacidade. Nele,
também é apresentado a história da evolução do método Braille.
ATKIRSON, IBCENTRO – Revista Benjamin Constant.
O segundo capítulo abordará o desenvolvimento global do deficiente
visual, importantes questões relacionadas a linguagem, o desenvolvimento
das habilidades e mobilidade. Marilda Bruno Moraes Garcia.
O terceiro capítulo abordará a educação inclusiva, valorizando o
papel da família no processo de inclusão social, além da importância da
escola e sua adaptação perante a sociedade. Será tratado, também, os
mitos e valores do deficiente, o papel da religião, bem como as superstições
que o deficiente possui. Marly Guimarães.
Concluída a apresentação do trabalho, na sua forma, desejo que o
seu conteúdo possibilite a todos conhecer melhor o universo do deficiente
visual, e que a leitura do texto lhes proporcione um melhor conhecimento do
assunto, por sua importância social – boa leitura a todos !
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1. A DEFICIÊNCIA VISUAL
Muitos consideram que a palavra “deficiente” tem um significado muito
forte, carregado de valores morais, contrapondo-se a “ eficiente”. Levaria a
supor que a pessoa deficiente não é capaz; e, sendo assim, então é
preguiçosa, incompetente e sem inteligência. A ênfase recai no que falta, na
limitação, no “defeito”, gerando sentimentos com desprezo, indiferença,
chacota, piedade ou pena.
Esses sentimentos, por sua vez, provocam atitudes carregadas de
paternalismo e de assistencialismo, voltadas para uma pessoa considerada
incapaz de estudar, de se relacionar com os demais, e de trabalhar e de
constituir família.
No entanto, à medida que vamos conhecendo uma pessoa com
deficiência, e convivendo com ela, constatamos que ela não é incapaz. Pode
ter dificuldades para realizar algumas atividades mas, por outro lado, em
geral tem extrema habilidade em outra. Exatamente como todos nós. Todos
nós temos talentos e habilidades característicos; nas pessoas com
deficiência, essas manifestações são apenas mais visíveis e mais
acentuadas.
Diante disso, hoje em dia se recomenda o uso do termo “ pessoa
portadora de deficiência”, referindo-se, em primeiro lugar, a uma pessoa, um
ser humano, que possui entre suas características ( magra, morena,
brasileira, etc) uma deficiência – mental, física ( ou de locomoção), auditiva
ou visual.
A Organização Mundial de Saúde estima que, nos países em
desenvolvimento, como o Brasil, de 1 a 1.5 por cento da população é
portadora de deficiência visual. Assim, no Brasil haveria cerca de 1.6
milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual, sendo a maioria
delas com baixa visão.
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Calcula-se ainda que, a cada 3 mil crianças, uma é cega, e que cada
quinhentas crianças, uma tem visão subnormal.
Pelos dados do Censo Escolar, em 1998 havia 337.326 alunos com
necessidades especiais matriculados em escolas de todo o país. Destes,
15473 ( ou 4.6 por cento) apresentavam deficiÊncia visual; a maioria deles
(9907) cursava o ensino fundamental em escolas da rede pública estadual.
Os especialistas estimam que os casos de deficiência visual poderiam
ser reduzidos em até 50 por cento se fossem adotadas medidas preventivas
eficientes nas áreas de saúde e educação e se houvesse mais informação
disponível.
Cabe à sociedade oferecer oportunidades para que as pessoas com
limitações em seu relacionamento visual com o mundo possam desenvolver
toda sua capacidade física e mental e usufruir dela. Há, ainda, muito a ser
feito, mas é preciso reconhecer que já ocorreram muitas conquistas e
avanços.
1.1. Definição
Para que tenhamos uma idéia da que se considera como deficiência
visual, daremos alguns conceitos sobre cegueira.
Alguns especialistas classificam como deficiência visual desde a
amaurose ou cegueira total, até a mais simples ambliopia ou cegueira
parcial. Outros se baseiam na classificação profissional, o que nos parece
complexo, pois o indivíduo que é cego para uma determinada profissão não
o é para outra.
Define-se ainda como cego o indivíduo que possui tão pouca visão
que a leitura através do método Braille torna-se indispensável. Contudo, isso
não significa que sua visão esteja completamente perdida, pois de fato,
relativamente poucas apresentam cegueira total. Isto se deve ao fato de que
alguns indivíduos têm a capacidade de perceber a luz ou vislumbrar
sombras. Muitos ainda podem distinguir objetos grandes, o que lhes
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favorece a locomoção e a orientação. Alguns chegam até a ler letras
grandes, mas lentamente. No entanto, não têm visão para aprender
palavras como um todo.
A definição de cegueira baseia-se em duas características: a
acuidade visual e o campo de visão.
Uma pessoa é considerada cega se corresponde a um dos seguintes
critérios: a visão corrigida do melhor de seus dois olhos é 20/200 ou menos,
ou se o diâmetro mais largo do seu campo visual subentende um arco não
maior de 20 graus, ainda que a sua acuidade visual neste estreito campo
possa ser superior a 20/200.
Tendo em vista a sua totalidade ou parcialidade, temos a cegueira
parcial ou ambliopia.
A amblíopia é a condição em que o olho se encontra estruturalmente
normal, mas com perda total ou parcial de visão, por falta de uso. É
encontrada em pacientes estrábicos. Contudo, pode ocorrer também em
indivíduos não estrábicos.
O amblíope não é um cego nem vidente, ele tem um grau mínimo de
visão que o impossibilita de seguir a escrita comum, o que leva a procurar as
escolas que ministram o Braille. Contudo, em alguns casos, são capazes e
há até os que conseguem , em condições especiais, ler quantidades
limitadas de letras de forma regular.
Sob o ponto de vista psicológico, é considerado cego o indivíduo que
jamais viu. Não tem idéia das qualidades das coisas apreendidas pela visão
e só as conhece pelo tato e pelos conceitos que lhe foram transmitidos. Tal
fato ocorre, sobretudo, com os cegos de berço e com os que cegaram
durante a infância.
Considera-se também como cego o indivíduo que não pode educar-se
sob os padrões normal de ensino, devido ao baixo grau de visão. A este tipo
de cegueira dá-se o nome de “cegueira educacional”.
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1.2. Aspectos clínicos sobre a deficiência visual
O indivíduo que possui capacidade visual total, que é a soma da visão
central, cromática e binocular, e considerado um indivíduo com visão normal.
Visão Central – é a agudeza visual macular, que o indivíduo possui.
Visão Periférica – é a visão que abrange toda a parte da retina não
abrangida pela mácula.
Visão Cromática – é a visão que nos permite perceber as cores.
Visão Binocular – é a visão que é abrangida por ambos os olhos,
simultaneamente.
A cegueira que impossibilita seu portador de exercer serviços que
exijam o uso da visão é classificada como cegueira econômica.
Ainda como deficiente visual é considerado, aquele indivíduo que não
percebe a luz. A este distúrbio dá-se o nome de amaurose.
Portanto, a definição tradicional de cego, que é aceita para fins
econômicos e legais e freqüentemente usada para propósitos educacionais
é a que estabelece 20/200 ou menos no olho de melhor visão, com a melhor
correção possível, ou uma restrição da campo visual a um ângulo que
subentende um arco de 20 graus ou menos.
O órgão visual consta de tantas partes correlacionadas entre si que é,
por vezes, difícil determinar qual teria sido a primeira aérea afetada. Um
defeito visual pode resultar de dois ou mais fatores etiológicos e pode
suceder que o médico não sabia na primeira vez em que examina o
paciente, qual deles desempenhou papel fundamental.
Outrossim, a cegueira pode ser, quanto à duração transitória ou
permanente.
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Há muitas causas dos impedimentos visuais. Nesse sentido, há
defeitos visuais decorrentes de causas eminentemente externas, tais como:
acidentes, explosão, corrosivos descuidos.
Podemos chamar também causas internas como a atrofia do nervo
óptico, deslocamento da retina, catarata, opacificação de córnea, glaucoma,
causas sifilíticas que podem acarretar as anteriores, e outras. E mais
ainda, há ainda causas como a deformações morfológicas congênitas.
A sífilis, a falta de credetização (processo de desinfecção do recém-
nascido).
A fibroplasia retrolental (oxigênio excessivos nas incubadeiras),
durante o período de 1952-53 foi a causa da cegueira na maioria das
crianças em idades escolar.
Glaucoma é a moléstia que causa o maior número de vítimas da
cegueira.
A toxicoplasmose, moléstia infecto-contagiosa geralmente ocasionada
por animais domésticos, como: cães, gato, pombo, papagaio etc. também
causa numerosas vítimas.
Existem, também. Causas de origem social tais como a rubéola e a
avitaminose, que podem ser conseqüência da falta de informação por parte
dos pais e também por fatores econômicos.
No Brasil as principais causas da deficiência visual na primeira
infância são a subnutrição e a falta de profilaxia, decorrentes do
subdesenvolvimento de nosso país. Tal não ocorre países desenvolvidos
onde a cegueira geralmente é causada por acidentes de trabalho, guerras,
etc...
Nos Estados Unidos, as principais causas da deficiência visual são
decorrentes de acidentes de trabalho e acidentes automobilísticos.
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1.3. Diferença entre incapacidade e deficiência
Antes de se discutir os efeitos de um distúrbio visual sobre o
indivíduo, deve-se estabelecer uma distinção entre incapacidade de
deficiência.
Segundo Marilda Moraes G Bruno (1993), a Incapacidade é uma
condição física ou mental que pode ser descrita em termos médicos. Uma
deficiência é o resultado dos obstáculos que a incapacidade interpõe entre o
indivíduo e o seu potencial máximo.
Em geral, o indivíduo portador de um distúrbio visual é facilmente
identificável. Se é completamente cego, a ausência de expressão facial
animada, os olhos desfigurados ou como que vazios, a capacidade
geralmente muito reduzida de orientar-se no espaço proclamam a sua
deficiência; se possui um visão apenas parcial, os óculos de grossa lente, o
jeito de entrecerrar as pálpebras ou de chegar os objetos aos olhos, a fim de
distingui-los melhor , faz destacar-se entre os outros indivíduos.
Diversas variáveis influem no ejeito que o grau de distúrbio visual
pode ter sobre o crescimento e o desenvolvimento de um indivíduo. Entre
estas varáveis inclui-se a idade em que se manifesta o distúrbio, o tipo de
manifestação, e etiologia e o grau de visão residual.
Muitas pessoas com visão parcial tem dificuldade em movimentar-se,
porque a sua visão não lhes permite uma deslocação fácil e segura.
Em geral, não é possível diferenciar um indivíduo cego de outro de
visão normal, em termos de sua constituição física. Aquele não tende a ser
mais alto, mais baixo ou mais magro do que o outro. Nem todo indivíduo
com deficiência visual tem estigmas físicos em seus olhos ou próximos a
eles.
No que se refere ao desenvolvimento motor no deficiente visual,
torna-se mais difícil o estabelecimento da lateralidade e a orientação
espacial esquerda - direita.
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O rendimento intelectual, o raciocínio verbal e abstrato torna-se
difíceis quando requerem a utilização dos canais visuais.
Nas habilidades de leitura e de uso da linguagem, os defeitos seriam
mais acentuados no indivíduo com perda severa da visão, quando o
desempenho decorresse do uso do canal motor. Quanto ao uso do canal
auditivo-vocal as habilidades psicolingüísticas seriam normais. Quanto ao
desenvolvimento da fala, o deficiente visual apresenta problemas de menor
variedade vocal, falta de modulação, com tendência a falar mais alto e mais
lentamente. Apareceria, ainda, o uso menos acentuado de gestos, de
movimento dos lábios, da gesticulação e da expressão corporal.
1.4. A história do Braille e sua evolução
Em 1829, Louis Braille, um jovem estudante (que mais tarde seria
professor na Escola para Cegos de Paris), modificou um código militar
usando para comunicações noturnas de forma a poder ser utilizados por
cegos.
Antes de 1950, havia três sistemas principais em uso: o sistema de
pontas de Nova York, o Braille Americano e o Braille Britânico. Em 1932, um
Braille Inglês Padronizado e, a partir de 1950, tem sido sistematicamente
utilizado como o sistema Braille para todas as línguas, até mesmo para as
intrincadas escritas no Oriente. No entanto, muitos de seus detalhes ainda
podem ser aperfeiçoados.
O Braille é ensinado, aprendido e lido de um modo quase idêntico à
escrita e leitura comuns. Em muitos aspectos, ler Braille é semelhante à
leitura visual. O leitor experiente em Braille usa ambas as mãos na leitura,
mas as duas funcionam independentemente, uma adiante da outra. As mãos
se movem regular e suavemente no sentido horizontal ao longo da linha,
com poucos movimentos regressivos verticais. O toque é leve, a pressão
uniforme. A atividade não é particularmente fatigante, e parece não haver
declínio na sensibilidade tátil, mesmo depois de muitas horas de leitura.
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Os videntes não compreendiam, e até hoje não compreendem bem,
como o tato penetra tão rapidamente aquela sistematização de pontos.
Os ginasianos cegos lêem aproximadamente noventa palavras por
minuto em Braille. As crianças cegas também são ensinadas e escrevem em
Braille.
O sistema Braille é escrito a mão, usando uma prancha e um estilete
espaciais. As pranchas são fornecidas em formato de bolso e de mesa. A
escrita é feita mediante perfurações com um estilete numa folha de papel
que se insere entre duas tiras metálicas. Como o material tem que ser lido
pelo reverso da folha de papel, isto é , começando na margem direita e
escrevendo na direção da margem esquerda.
Existem máquinas de escrever em Braille e um bom datilógrafo de
Braille pode bater quarenta a sessenta palavras por minutos.
Gravadores, toca-fitas e toca-discos são coadjuvantes necessários na
vida escolar do deficiente visual. Atualmente encontramos réguas,
calculadoras, compassos, esquadros etc, adaptados para os deficientes
visuais.Outros auxiliares educativos como: mapas em relevo Braille e em
talha, e globos em alto relevo, também são úteis para ensinar geografia, e
para auxiliar a orientação especial da criança cega, facilitando a sua
locomoção independente.
A mais recente evolução do Braille ocorreu no Brasil: é a Impressão
em Braille por computador. “ O Gato Sou Eu”, de Fernando Sabino, é o livro
que está inaugurando o sistema automatizado da Fundação para o Livro do
Cego no Brasil. A automatização da impressão em Braille é um projeto do
Prof. ZUFFO da Escola Politécnica da USP; e se tornou possível devido a
doação da Prológica de um Sistema 700, acompanhado de uma impressora
P-720, e do apoio da FINEP e SERPO. Segundo Dorina Gouvêa Nowell,
Presidente da Fundação, isso representa uma grande passo na evolução do
processo de impressão, pois um livro que levava sessenta dias para ser
produzido, agora poderá ser feito em apenas quarenta e sete dias.
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Este projeto representa um passo avançado para a melhoria da
educação do cego no Brasil”, afirma ela. Dorina também explica que quase
todos os equipamentos que auxiliam o cego, principalmente os mais
sofisticados, têm que ser adquirido no exterior, e que possuir um micro
nacional é motivo de alegria.
Os livros impressos pela Fundação são basicamente didáticos, pois
existem um demanda muito grande no país devido ao número de deficiente
visuais, que hoje está em torno de 1,2 milhão. Com a entrada do computador
no processo de impressão mais livros poderão ser doados aos cegos de
todo Brasil. A Fundação também doa livros para Portugal, África e Países da
América do Sul.
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2. O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
PORTADORA DE DEFICIÊNCIA VISUAL
O desenvolvimento humano é um processo sistêmico complexo, que
não apenas passa pela dimensão biofísica, alógica e cognitiva, mas
depende juntamente da relação social e afetiva. O homem se constrói de
maneira holística, buscando desenvolver suas potencialidades através de
todas as experiências significativas – sociais ou afetivas- como um todo
indivisível. É através do outro que a criança vai estabelecer seu sistema
de relação com o mundo. Ela não tem consciência de si como ser individual
separado da mãe e do objeto. Essa separação iniciou-se com o afastamento
físico concreto do eu-não-eu do sujeito objeto, pela construção de uma
realidade externa e interna significativa.
A experiência de ser tocado, carregado, movimentado, balançado de
forma gostosa e que desperta na criança o prazer pelo movimento. A criança
que não recebe este estímulo pode apresentar balanceios e estereotipias
corporais que lhe causam prazer. Contudo, deve ser evitado, pois podem
gerar na criança a ilusão de que se basta ocasionando possíveis padrões
autistas.
No que concerne os toques , movimentos, brincadeiras e manuseios
de objetos, os mesmos têm objetivo de tirar a criança de seu isolamento e
dar-lhe oportunidades de aumentar seu conhecimento do mundo que não vê.
Brincando, a criança representa suas vivências, evoca as
experiências significativas, organiza e estrutura sua realidade externa e
interna e toma consciência de si como ser atuante.
Os sentidos do olfato e paladar são bastante desenvolvidos no recém-
nascido. No final da primeira semana de vida ele já percebe e reconhece
cheiro e sabor demonstrando sua preferência.
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No início do desenvolvimento sensório-motor, o exercício fundamental
e organização da ação motora estão relacionados às experiências
proprioceptivos e à atuação do sistema visual encarregados de mobilizar
com movimentos oculares a cabeça e o corpo através das reações de
busca visual da luz, brilho e objeto em movimento. Na criança com perda
visual severa as reações de busca visual es tão ausentes.
Esses exercícios funcionais com a cabeça e olhos, e depois com o
corpo todo, são essenciais para reação e integração responsável pelo
equilíbrio, movimento harmonioso e postura adequada.
A atuação do sistema vestibular em conjunto com as sensações
proprioceptivas táteis, visuais e auditivas é responsável pela ativação e
desenvolvimento dos processos neurais que levam à percepção e orientação
no espaço. O desenvolvimento perceptivo depende da qualidade das
experiências sensório-motoras vividas, da sua elaboração e organização
realizada da criança.
Em virtude da baixa atividade motora , proprioceptiva e vestibular
decorrente da ausência da visão, estas crianças têm pouca oportunidade de
prolongar as experiências tátil-sinestésicas: de flexão do corpo, da sucção
dos dedos, e roçar do rosto que vivenciou no útero materno.
Em conseqüência dessas atividades tátil-sinestésicas precoces, a
boca e a ponta dos dedos contêm maior número de receptores táteis,
fundamentais para a interação, exploração e conhecimento do mundo.
A criança com perda visual severa realiza poucos exercícios de
rotação cefálica que são desencadeados pelos seguimentos visual em
posições horizontal, vertical e diagonal. Tal movimento ocorre devido à
busca auditiva já que não focaliza a fonte sonora nas primeiras etapas do
desenvolvimento. A busca auditiva ocorre em média por volta dos 5 ou 6
meses quando a criança for bem estimulada bem estimulada.
Nos primeiros meses , a busca da fonte sonora está associada à
busca visual. A localização do som ocorre sobre a focalização do objeto, que
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gradativamente vai alcançando distâncias maiores. A busca e a localização
do objeto, a contemplação do espetáculo dos objetos em movimento, a
imagem e reencontro dos objetos já conhecido é que motiva a criança a agir.
2.1. O desenvolvimento da linguagem
A linguagem representa um dos aspectos mais importantes a ser
desenvolvido por qualquer criança, para que possa se relacionar com as
demais pessoas e se interagir no seu meio social. Pessoas com maior
habilidade na linguagem podem comunicar melhor os seus sentidos.
A capacidade de adaptação ao meio vai depender da qualidade das
primeiras interações e da comunicação com a figura materna. A qualidade
das mensagens tátil-sinestésicas recebidas pelo tocar, pegar e carregar,
transmitem segurança, tranqüilidade e torna a criança com deficiência visual
mais receptiva. “O papel da família estável é oferecer um campo de
treinamento seguro, onde as crianças possam aprender a ser humanas, a
amar e a formar sua personalidade única (BUSCAGLIA 1993, p.84).”
De forma semelhante, transmitimos nossos sentimentos e humor
através da voz, da variedade de tons e de ritmos.
As experiências agradáveis constituem base da comunicação e são
animadores fundamentais para a expressão pré-verbal. Assim motivadas, as
crianças usarão as expressões fonéticas dos gorjeios , dos balbucios, do
choro, do riso e a imitação silábica como forma de interação e comunicação.
A qualidade da comunicação, do manuseio e a instalação de rotinas
diárias permitem a criança portadora de deficiência visual perceber indícios
que ajudam a antecipar o que vai acontecer. Esses indícios podem ser a
voz, os passos, os cheiros, os movimentos, a maneira de pegar e quando
possível, as imagens visuais remanescentes. Para nossas crianças
deficientes visuais, o reconhecimento do meio pela ação, a descrição do
ambiente, a nossa fala comunicando o que acontece vão ser indícios
importantes para evitar que se assustem, se frustrem e se desorganizem.
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A representação gestual é imagética, pré-simbólica e já é
manifestação de linguagem. Antes de adquirir a linguagem verbal, a criança
se comunica através do próprio corpo. Daí a importância da formação e da
consciência da imagem corporal.
A criança precisa primeiramente compreender o real através da
interação e relação com pessoas que interprete o mundo, que lhe dê
segurança e as motive para as descobertas de experiências.
O jogo simbólico é de fundamental importância para o
desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança deficiente visual pois através
dele, ela exercita o pensamento pré-lógico, comunica-nos a sua
compreensão do meio, seus sentimentos, desejos, fantasmas e aprende a
lidar com suas emoções e afeto.
Pouca atividade funcional resulta em ausência de função simbólica e
linguagem. Portanto, acreditamos que a linguagem se constrói em relação
sócio-afetiva através da interação com o outro e o meio. Não basta a relação
somente com a mãe. A criança precisa relacionar-se com outras crianças
videntes e não-videntes de sua idade. Poderá, desta forma, identificar-se
construindo sua própria imagem corporal, testando hipóteses perceptivas,
simbólicas e pré-lógicas. Assim, representará suas experiências no tempo e
no espaço através da ação e da linguagem.
2.2. O desenvolvimento das habilidades de orientação e
mobilidade
Se não forem estimulados, os bebês com deficiência visual tendem a
ficar “grudados” no chão, mantendo a maior parte possível do corpo em
contato com a superfície. Com isso, acabam fortalecendo os músculos
errados, o que bloqueia a capacidade de relaxamento e tenciona os
músculos, dificultando enfim o futuro desenvolvimento motor.
Há milhares de anos quando o homem começou a andar em posição
ereta, libertou suas mãos da tarefa da locomoção. Assim, as mãos puderam
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evoluir e se tornaram o principal instrumento para agir e dominar o ambiente,
além de ser um meio de expressão, de comunicação e também um órgão de
percepção.
Se as mãos têm tamanha importância para o ser humano, é fácil
imaginar seu papel na vida das pessoas com deficiência visual. As
informações chegam a elas por dois canais principais: a linguagem – pois
ouvem e falam – e a exploração tátil que dependem especialmente das
mãos.
As mãos são os olhos das pessoas com deficiência visual. O uso
delas como instrumento de percepção deve ser intensamente estimulado,
incentivado e aprimorado.
A criança com perda visual necessita de ajuda para compreender que,
o que ela ouve pode ser visto ou tocado. O que ela toca é pra ver e o que ela
vê é para tocar. Este é o caminho para a descoberta do mundo.
A deficiência visual torna impossível o reconhecimento do mundo
através de imagens visuais. Por isso, a criança cega é tão dependente do
tato que fica difícil projetar imagens mentais além da periferia de seu
alcance: Além disso, a cegueira impõe um maior grau de dificuldade na
percepção do próprio corpo; este se mistura ambiguamente com as roupas,
cobertas e móveis. o bebê cego. não conta com a visão para fazer a
distinção fundamental entre seu eu anatômico e todas essas contingências
ambientais.
As noções de distância e de espaço são adquiridas através dos
deslocamentos corporais. Isso se inicia no arrastar, no engatinhar e
posteriormente na marcha. Desta forma a criança passa a compreender
obJetivos mais remotos e as distâncias percorridas. Já a criança cega
apresentará uma maior dificuldade de se deslocar devido à falta do estímulo
visual para despertar-lhe o interesse, e também pela sensação de
insegurança que qualquer criança cega congênita apresenta nessa etapa de
seu desenvolvimento. Se sua locomoção e restrita, sua orientação espacial
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ficará prejudicada. Desenvolver um tato ativo nestas crianças é fundamental.
Desta forma elas poderão explorar o ambiente, contornos e formas,
formarão imagens táteis, não se sentirão tão inseguras e desinteressadas
pelo meio externo; com isso passam a tomar conhecimento de detalhes mais
sutis de distância e das relações espaciais, facilitando sua locomoção no
espaço e sua integração com o meio.
Além do tato, outro sentido importante reconhecimento do meio para a
criança cega é a audição, apesar de não compensar a ausência da visão.
Na criança com visão normal, a audição, monitorizada pelos olhos, e um
sentido de distância; para a criança cega e um sentido subjetivo, por isso
deve ser educada desde as primeiras horas de vida para que adquira
objetividade, localização e noção de distância.
A cegueira não é apenas a perda de um sentido isolado: é a perda do
sentido que gera a integração de todos os outros. Quando ocorre no
nascimento, afeta a criança no seu desenvolvimento psiconeuromotor.
Apesar disto, a criança cega tem uma capacidade progressiva de ir se
adaptando a sua deficiência. Se for bem orientada desenvolverá suas
potencialidades plenamente. A deficiência visual não pode ser considerada
como agente etiológico de alterações cognitivas, motoras e psíquicas; mas
sim como um fator predisponente à instalação destes quadros.
Em cada etapa do desenvolvimento uma capacidade emerge e é
trabalhada pelo organismo, passando a ser integrada em uma escala
crescente de desenvolvimento. Para que isto ocorra, a criança necessita ser
encorajada e reforçada por seus pais. se não há o reforço e motivação esta
criança será invadida por uma sensação de insegurança e medo. O
desenvolvimento psicomotor se realiza pela combinação do prazer que a
criança sente ao ter experimentado algo novo (uma aquisição motora e/ou
sensorial) e o reforço familiar à aquisição feita por seu filho.
A cegueira é um obstáculo que interfere profundamente em todos os
subsistemas desde os primeiros momentos de vida. O organismo humano
está estruturado para realizar um contínuo feedback através da visão, que
25
exerce a função reguladora do tônus muscular e a monitorizarão de todas as
outras vias sensoriais (labiríntica, coclear, auditiva, e proprioceptiva) que vão
constituir o suporte sensório-motor.
O desenvolvimento se dá através de vivências, experiências que vão
sendo adquiridas. A visão é uma janela para o mundo. Estabelece uma porta
de entrada para todos os estímulos que irão, principalmente nas primeiras
etapas de vida, motivar a criança a se lançar em novas experiências e
conquistas. Na criança cega estas experiências são mais restritas e
limitadas e isto pode acarretar uma lentidão e, até mesmo, anomalias no seu
processo de maturação. Com freqüência observamos crianças cegas, em
torno de três anos de idade, sem qualquer restrição anátomo-fisiológica do
equipamento motor, não realizando a marcha. Nestes casos, justifica-se a
intervenção fisioterápica desde os primeiros dias de vida. Somente desta
forma ela irá adquirindo experiências que a levarão ao amadurecimento
sensório-motor.
A criança cega não tem motivação para descobrir o mundo externo. A
cegueira lhe impõe duas limitações básicas: na quantidade e variedade de
experiências e na mobilidade e domínio de espaços desconhecidos.
A visão proporciona um mundo atraente com milhares de formas,
cores, situações e experiências. Fornece uma verificação imediata e a
impressão de elementos que estimulam a curiosidade e o interesse da
criança. Já vimos que as informações que recebemos do meio através deste
sentido constituem 80% do total recebido. A visão desempenha, pois, um
papel fundamental na função de síntese e na formação de imagens no
pensamento.
As crianças cegas congênitas constroem a imagem do mundo através
da interação dos sentidos restantes (auditivo, olfativo, gustativo,
proprioceptivo, tátil e sinestésico). Daí a necessidade da estimulação destas
estruturas sensoriais, desde muito cedo, para compensar a deficiência visual
e diminuir a defasagem psicomotora que pode comprometer a evolução
postural, o equilíbrio estático e dinâmico.
26
O bebê cego ouve sons a sua volta, e vai elaborando uma série de
conhecimentos. ouvir proporciona certa orientação de direção e de distância
do objeto sonoro, mas fornece pouca informação sobre suas diferentes
características (forma, tamanho, cor, posição no espaço, etc), especialmente
quando não é possível correlacioná-lo com experiências anteriores. O
profissional deve orientar os pais de forma que eles compreendam a
importância de tornar a informação auditiva o mais rica possível para seu
filho, para que ele vá organizando suas primeiras experiências. O bebê no
berço deve escutar os passos de sua mãe, sua voz dizendo que vai pegá-lo
nos braços, percebendo seu cheiro, sentir o afeto pela suavidade de sua
voz, seu calor, a pressão do corpo materno contra o seu; tudo isso configura
uma experiência global na qual a criança cega irá adquirindo percepção
corporal e tomando conhecimento das coisas ao seu redor.
Através de estudo ficou comprovado que a criança cega necessita da
estimulação auditiva na organização de suas percepções, como se a
audição atuasse monitorando as outras experiências perceptivas,
principalmente nas primeiras etapas de vida. Fica caracterizada a
importância da conscientização dos pais da necessidade de conversar com
o bebê (dizendo a ele o que está acontecendo nas suas atividades da vida
diária: alimentação, banho, passeio, troca de fralda, pegar no colo, fazer
carinho, etc.).
A percepção tátil nos cegos tem significado completamente diferente.
Suas imagens são formadas através de percepções táteis e auditivas,
enquanto as do vidente são formadas, predominantemente, através de
impressões visuais.
Se a audição e o tato oferecessem tantas possibilidades de
conhecimento do mundo como o sentido da visão, a criança cega não teria
tantas desvantagens em relação à vidente. Por isso, faz-se necessária a
estimulação precoce para que não ocorram grandes defasagens na
realização de suas primeiras experiências - base para seu desenvolvimento
psiconeuromotor.
27
As crianças cegas devem ter a oportunidade de vivenciar
experiências totais de forma inteligente, ampla e generalizada que não
somente compreendam conhecimento verbal e tátil dos objetos, mas sua
posição no espaço e no tempo, suas relações com a criança e com outros
seres e objetos. Desta forma ela irá se organizando, conhecendo e sentindo-
se segura e confiante para se lançar em novas, experiências.
A maioria das pessoas cegas considera este o principal efeito da
cegueira. Depender do conhecimento prévio de um espaço ou de outra
pessoa, em certas situações, gera ansiedade e angústia. Na nossa
experiência podemos observar pessoas cegas que superaram estes
sentimentos e apresentam bom controle do espaço.
A mobilidade ou capacidade de movimento depende de dois fatores.
Ambos são essenciais para a mobilidade e estão intimamente relacionados:
a) orientação mental - que é a habilidade de uma pessoa reconhecer o
espaço à sua volta e as relações espaço-temporais em relação a si mesma;
b) locomoção física - que é o movimento de um organismo em
deslocamento, conferindo significado este mecanismo orgânico.
A criança cega que deseja dirigir-se a um determinado lugar deverá
formar um mapa "mental” em seu pensamento, enquanto se desloca para
seu objetivo. Sua memória motriz e seu sentido auditivo estarão
constantemente em atividade, procurando captar todos os sons que possam
informá-la a respeito das variações encontradas a sua volta e os perigos que
dela derivam. Assim mesmo, procurará interpretar os diferentes sinais
recolhidos no ambiente, que servem de pontos de referência, para verificar
se seu deslocamento está correto. Terá sua atenção voltada aos odores,
mudanças de temperatura, correntes de ar, alterações do piso, distância em
relação ao tempo que leva para alcançar seu objetivo e também aos
diferentes ruídos durante o percurso.
O equilíbrio e o sentido sinestésico também se acham implicados. o
equilíbrio é sempre difícil quando não há visão para lhe proporcionar
28
informações sensoriais que lhe permitam um feedback postural. A criança
tem que encontrar este equilíbrio em si mesma, desenvolvendo melhor
coordenação e reflexos. O sentido sinestésico, que nos facilita informações
referentes à configuração do movimento do corpo no espaço, deve ser
educado no cego a fim de ajustar movimentos e deslocamentos.
Os movimentos nos primeiros anos de vida têm importância
fundamental. A criança cega está restrita em seus movimentos muito
precocemente. As crianças de visão normal têm um desejo inato de colocar
em uso imediatamente os movimentos que vão adquirindo, sentem prazer no
aperfeiçoamento de suas habilidades motoras. Na criança cega este desejo
é inibido pela ausência do estímulo visual. As formas e cores não lhe
provocam qualquer interesse de aproximação, além disso sente medo diante
do vazio. Não tem domínio do espaço a sua volta e não tem a menor idéia
do que pode encontrar. Se a criança cega não for educada precocemente,
tende a ser passiva. Este comportamento pode originar alterações
musculares (hipotonia) , na coordenação e no equilíbrio estático e dinâmico.
A mielinização nervosa, que ocorre nas primeiras etapas da vida, é
responsável pela organização psicomotora como um todo.
A visão é o suporte que permite à criança estabelecer sua atividade
motora e perceptiva. Na ausência da visão o espaço será construí do
através de referências auditivas, olfativas, gustativas, proprioceptivas e
táteis. O sistema de referência é completamente diferente e a estruturação
do espaço é constituída de forma singular e específica. A partir de
informações recolhidas dos diversos sentidos pode-se chegar a uma
representação mental deste espaço, que junto com seu sentido de
orientação (capacidade de situar-se em relação aos objetos a sua volta),
concentração e memória permitem o deslocar-se com mais facilidade em um
meio externo, interiorizado.
As diferenças individuais encontradas na mobilidade entre crianças
cegas são notáveis é já podem ser observadas nas primeiras etapas da vida.
Algumas apresentam grande facilidade e outras são incapazes de se
29
orientar e explorar espaços desconhecidos. Este fato está relacionado à
valorização precoce do potencial sensorial e do equilíbrio emocional da
criança.
A família deve ser orientada para a importância dos estímulos
auditivos, táteis e proprioceptivos desde o primeiro momento de vida da
criança. Além disso, esta família deverá ser trabalhada, de forma a encarar a
deficiência de seu filho sem' sentimentos de culpa, superproteção ou
rejeição. Estes sentimentos darão origem a um desequilíbrio emocional,
prejudicando o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
30
3. EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A chamada Educação Inclusiva teve início nos Estados Unidos
através da Lei Pública 94.142, de 1975 e, atualmente, já se encontra na sua
segunda década de implementação. Há em todo Estados Unidos o
estabelecimento de programas e projetos dedicados à Educação Inclusiva.
Por educação inclusiva se entende o processo de inclusão dos
portadores de necessidades especiais, ou de distúrbios de aprendizagem na
rede comum de ensino em todos os seus graus, da pré-escola ao quarto
grau.
A inclusão é uma possibilidade que se abre para o aperfeiçoamento
da educação escolar e para o benefício de todos os alunos com e sem
deficiência. Depende, contudo, de uma disponibilidade interna para enfrentar
as inovações e essa condição não é comum aos sistemas educacionais e
aos professores em geral.
De fato, pensamos que sabemos tudo e geralmente fugimos do que
desafia a nossa competência de ensinar. Queremos que os alunos se
acomodem também e que se contentem de terem aprendido o velho - aquilo
que nós sabemos e lhes ensinamos.
No entanto, o mistério do aprender e a aventura do conhecimento, se
de um lado nos fazem humildes com relação ao que não sabemos do novo -
as crianças que nos chegam, em cada turma, de outro, valorizam a nossa
profissão de ensinar, pois decifrar esses misteriosos seres e incutir-lhes o
prazer de descobrir, de reinventar o mundo é tarefa relevante e
indispensável.
Ensinar é marcar um encontro com o Outro e a inclusão escolar
provoca, basicamente, uma mudança de atitude diante do Outro, esse que
não é mais um indivíduo qualquer, com o qual topamos simplesmente na
31
nossa existência e/ou com o qual convivemos um certo tempo de nossas
vidas. Mas alguém que é essencial para a nossa constituição como pessoa e
como profissional e que nos mostra os nossos limites e nos faz ir além.
Cumprir o dever de incluir todas as crianças na escola supõe,
portanto, considerações que extrapolam a simples inovação educacional e
que implicam o reconhecimento de que o outro é sempre e implacavelmente
diferente, pois a diferença é o que existe, a igualdade é inventada e a
valorização das diferenças impulsiona o progresso educacional.
Essas premissas assinalam a complexidade do processo inclusivo
nas escolas e nos dão margem para relatar, a seguir, como temos percebido
e contornado as barreiras que se interpõem entre uma escola conservadora,
que não se pauta pelo princípio de valorização das diferenças entre os
aprendizes e uma outra, inclusiva, que o exalta e proclama.
3.1. O papel da família
À família, base do desenvolvimento do ser humano, cabe a tarefa de
oferecer ao portador de deficiência visual condições para seu crescimento
como indivíduo, tornando-o capaz de ser feliz e produtivo, dentro de sua
realidade, de suas potencialidades e de seus limites.
A chave para o processo do crescimento está na oportunidade que a família oferece à criança de ter um lugar seguro para descobrirem a si mesmas e às outras pessoas no seu mundo. Em essência, a família é o primeiro campo de treinamento significativo para o recém-nascido. A criança descobre que esse campo de treinamento é habitado pôr pessoas - pai, mãe, irmãos, irmãs, avós e outros. Cada um desses assumiu um papel previamente designado na família, mas também graças a experiências únicas e a uma personalidade essencial, tomou-se uma pessoa diferente. Todos possuem forças e fraquezas, temores, amares, fixações, necessidades, desejas e sonhos. É dentre essas múltiplas possibilidades de desenvolvimento da personalidade que a criança será livre para escolher, ao mesma tempo em que procurará, encontrar e manter um eu próprio. Seu primeiro relacionamento, dentro da unidade familiar será com a mãe. (BUSCAGLIA 1993, p.82).
Embora nem sempre seja fácil, a família precisa entender que o
portador de deficiência é, antes de mais nada e acima de tudo, uma pessoa
total, evitando focalizar atenção na cegueira, ou na baixa capacidade visual.
32
A primeira atitude importante consiste em acreditar nas
potencialidades da criança, considerando-a capaz de estudar, de ser
independente, de trabalhar, praticar esportes e tantas outras coisas que
seus amigos fazem. Para muitos portadores de deficiência a maior
dificuldade está na falta de oportunidades.
A troca de experiências, sentimentos e informações nos ajuda a
compreender a necessidade que a criança ou adulto com deficiência, pais e
profissionais, tem de um espaço para construir juntos novos valores e
significados.
No Brasil ainda predomina, em relação à deficiência, uma concepção
assistencialista, permeada de barreiras sociais. Na maioria das vezes o
portador de deficiência e a sua família se sentem isolados, impotentes, à
espera de instituição, serviço médico ou profissionais que possam
miraculosamente curar ou “consertar” a deficiência.
Muitas famílias prolongam seus momentos de angústia, ansiedade,
conflitos, negação, sublimação, frustração e até mesmo desesperança por
não dispor de informações e não encontrar interlocutores para discutir sua
problemática e para se identificar. Eles precisam contar com locais e
pessoas com que possam conversar e compartilhar não só os sofrimentos,
mas também os momentos de alegria, as conquistas e vitórias.
3.2. O papel da escola e da sociedade
Além da família, a escola e a sociedade também podem (e devem)
contribuir no sentido de ajudar a enfrentar os obstáculos colocados pela
deficiência. A escola é uma das grandes aliadas na luta pela integração.
Neste espaço, as questões relacionadas a preconceitos, mitos e estigmas
podem ser debatidas e analisadas por todos: professores, alunos e
funcionários.
Os portadores de deficiência freqüentemente ficam segregados,
escondidos, e a maioria das pessoas não entra em contato direto com eles.
Por isso, ao encontrar uma pessoa com deficiência, esses indivíduos ficam
33
inseguros, sem saber o que fazer, e às vezes acabam tomando atitudes
defensivas e preconceituosas.
Ao se tornar um espaço de inclusão, a escola promove trocas
enriquecedoras para toda a equipe escolar, incluindo os alunos e suas
famílias.
A fonte de informações mais importante para o educador traçar sua
diretriz de ação junto ao educando é saber como ele é (como percebe, age,
pensa, fala e sente). O deficiente visual percebe a realidade que está a sua
volta por meio de seu corpo, na sua maneira própria de ter contato com o
mundo que o cerca.
Para conhecer o deficiente visual e seus significados (interesses e
conhecimentos) e habilidades, é necessário acompanha-lo nesse trajeto
percorrido pelo seu corpo, prestando atenção ao referencial perceptual que
ele irá revelar, que não é o da visão.
Partindo dos próprios caminhos perceptuais dos deficientes visuais, o
educador pode oferecer-lhes oportunidades para entrarem em contato com
novos objetos, pessoas e situações e, assim, saber (ou aprender) .
Aprender é aqui entendido como a capacidade humana de receber, colaborar, organizar novas informações e, a partir desse conhecimento transformado, agir de forma diferente do que se fàzia antes. Aprende-se numa relação com o outro ser humano e/ou com as coisas a seu redor. (MASINI, 1993)
O convívio com pessoas portadoras de deficiência (de qualquer tipo)
contribui para facilitar a quebra de tabus e de estigmas, favorecendo a plena
inclusão do portador de deficiência na sociedade e aUxiliando a família a
lidar com essa deficiência.
Porém, como bem lembra Renata Neves, professora de dança e
fonoaudióloga, é preciso tomar cuidado para não minimizar as
potencialidades e a condição de ser do indivíduo.
A cooperação das famílias e a mobilização da comunidade em busca
de melhor qualidade de vida, educação e participação social das pessoas
34
com deficiência anuncia novos tempos, de combate às atitudes
discriminatórias, de disseminação do conhecimento e, principalmente, com a
criação de uma sociedade mais acolhedora e solidária.
3.3. Os mitos
Segundo Marly , Guimarães (2003, p.52), os mitos sempre fascinaram
e continuam a exercer encantamentos sobre o homem, independentemente
da idade e da época. Faz parte da vida cotidiana, como uma das formas do
existir humano. Não é algo que ocorreu apenas entre os povos primitivos,
nos primórdios da civilização, nem apenas entre gregos da Antigüidade. Os
mitos seriam a transposição de acontecimentos históricos e de seus
personagens para a categoria divina.
A função do mito não é, primordialmente, explicar a realidade, mas
acomodar e tranqüilizar o homem, em um mundo desconhecido e
assustador.
Os mitos, nas sociedades primitivas, são a expressão de uma
realidade original mais poderosa e mais importante, através da qual a vida
presente, o destino e os trabalhos da humanidade são governados.
Os primeiros modelos de construção do real são de natureza
sobrenatural, isto é, o homem recorre aos deuses para apaziguar sua
aflição. É um discurso de tal força, que penetra todas as dependências da
realidade vivida, não apenas o campo religioso, ou seja, da relação entre o
homem e o divino, mas toda atividade humana: na preocupação com a
origem divina dos fenômenos naturais, na natureza divina dos instrumentos,
na origem da agricultura, na origem dos males, na fertilidade das mulheres,
no caráter mágico das danças e dos desenhos.
Entre tantas, uma das funções principais do mito é fixar os modelos
exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas
significativas. Assim, o homem imita os gestos exemplares dos deuses,
repetindo, através dos rituais, suas ações; conseqüentemente, atualiza os
35
mitos primordiais e revigora sua relação com o transcendente, pois, caso
contrário, a semente não brotaria da terra, a mulher não seria fecundada, a
árvore não daria frutos, o dia não sucederia à noite.
A forma sobrenatural de descrever a realidade é coerente com a
maneira mágica pela qual o homem age sobre o mundo, tal como ocorre, por
exemplo, com os inúmeros ritos de passagem, do nascimento, do
casamento, da morte, da infância para a idade adulta etc.
O mito conserva, até os dias atuais, vitalidade e presença: trata dos
mesmos problemas existenciais, morais e sociais que continuam a afligir a
humanidade, contando a história dos acontecimentos que são eternos
porque se repetem no decorrer dos tempos, e sua narrativa esconde um
núcleo que encerra uma verdade.
O mito é sempre uma apresentação coletiva, transmitida através de
várias gerações; relata uma explicação do mundo, expressa a realidade
humana. É sentido e vivido,. antes de ser processado pelo intelecto e
formulado. Constitui-se num ingrediente vital da civilização humana. Longe
de ser uma fabulação vã, irreal, ele é, ao contrário, uma realidade viva, não
sendo absolutamente uma teoria abstrata, uma fantasia artística ou mera
invenção, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da
sabedoria prática.
Partindo do pressuposto de que o mito fala de questões que afligiram
e afligem o ser humano, e também constitui um elo entre o indivíduo e o
mundo, buscou-se, no mito do nascimento do deus grego Hefestos, filho de
Hera, uma representação de como o ser humano comporta-se diante da
constatação da existência de uma deficiência.
A deusa Hera, pacientemente, esperou que nascesse o filho. Tão
logo o examinou, sob a luz, tomada de expectativa e ansiedade, foi assolada
pela mais profunda decepção: o pequeno Hefestos (Vulcano, nome latino do
deus grego) era feio, disforme e coxo. Um bebê com deficiência não lhe
36
alegrava o coração, pois jamais ela teria coragem de apresentar aos deuses
do Olimpo tão horrenda criança.
Envergonhada com o aspecto do filho, agarrou-o pela perna mais
curta e atirou-o ao mar. Ao fim de longa queda, o deus chocou-se contra a
superfície rochosa da ilha de Lemmos, ficando deficiente para sempre.
No tempo em que este mito foi criado, muitas crianças nasciam,
porém poucas sobreviviam. As que tinham menores chances de
sobrevivência eram as que apresentavam algum tipo de deficiência.
Portanto, não parecia cruel abandonar tais crianças, pois, assim fazendo,
estavam os mortais obedecendo aos desejos e imposições dos deuses.
Criado longe do Olimpo, Hefestos passou a ser considerado o deus
artesão por excelência. Na Grécia primitiva, os artesãos eram geralmente os
homens inaptos para a guerra, para as expedições navais e para os
trabalhos dos campos. Mais tarde, no tempo de Sólon (639?-559? a.c.), os
artesãos passaram a constituir importante força na economia do país. Muitos
homens sadios e perfeitos; dedicaram-se à atividade artesanal, que cada
vez mais foi se revelando lucrativa e respeitada. Hefestos era forte como o
fogo, maleável como o ferro em brasa e de bom coração; igual a qualquer
um que amasse o seu trabalho.
Os homens gostavam muito de Hefestos, pois, entre os deuses, ele
era o mais próximo. Era mais humano do que divino. Coxo, feio,
abandonado quando criança, mas que, apesar de tudo, sabia amar as coisas
belas e difíceis. Trabalhava não como um deus, mas como um ser humano
que descobre sua verdadeira vocação.
Por tudo isso, o deus Hefestos tornou-se modelo para os homens
trabalhadores e retos de pensamento. Era o próprio exemplo de que todos
deveriam tentar aplainar as : diferenças - de bem uns com os outros, para
começar e recomeçar sempre uma nova vida.
37
3.4. As religiões
Segundo RUBEM ALVES (2000): a religião nasce com o poder que os
homens têm de dar nomes às coisas, fazendo uma discriminação entre
coisas de importância secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e
sua morte se dependuram. Esta é a razão por que, fazendo uma abstração
dos sentimentos e experiências pessoais que acompanham o encontro com
o sagrado, a religião se nos apresenta como um certo tipo de fala, um
discurso, uma rede de símbolos. Com esses símbolos os homens
discriminam objetos, tempos e espaços, construindo, com seu auxílio, uma
abóbada sagrada com que recobrem seu mundo.
Aproximar-se das "verdades religiosas" é desvendar nelas os fatores
que as condicionam, as motivações que as atravessam, as intenções que as
animam, os seus aspectos perspectivas, emotivos, afetivos, as decisões que
as caracterizam, os conflitos que comprometem seu desenvolvimento, os
motivos de concordância e divergência entre as diversas teorias que tentam
explicá-las.
A religiosidade é um fenômeno universal, encontrado desde os
tempos mais remotos em cada tribo, em cada comunidade, em cada povo.
Trata-se de uma função natural, inerente à psique.
A fenomenologia da religião, cujo estudo iniciou-se nas investigações
da psicologia dos povos, vem lentamente se destacando, dada a sua
importância, tanto no aspecto global da humanidade quanto na formação
específica da personalidade dos indivíduos.
A religiosidade apresenta-se como um fenômeno genuíno. Todas as
religiões são válidas, na medida em que recolhem e conservam as imagens
simbólicas, oriundas das profundezas do inconsciente, e as elaboram, em
seus dogmas, promovendo assim conexões com as estruturas básicas da
vida psíquica.
38
Ao falar de religião, não se está, _m nenhum momento, suscitando
referência a qualquer credo ou a qualquer igreja em particular. O que
interessa, na realidade, é a atitude religiosa como função psíquica l1atural, a
experiência religiosa entendida como qualidade de processo psíquico.
Religião é aqui entendida no sentido de religio (origem latina:
religare), tornar a ligar. Religar o consciente com certos fatores poderosos
do inconsciente, a fim de que sejam tomados em atenta consideração. A
linguagem das religiões é feita de símbolos. E esses símbolos, ao longo dos
tempos, sem dúvida têm atuado profundamente sobre a vida dos homens.
É possível observar que a história tem presenciado comportamentos
e condutas variadas, no tocante à deficiência, indo desde os atos dos
governantes espartanos – que determinavam, em lei, o abandono de
crianças malformadas ou deficientes -, passando pelo conformismo piedoso
do cristianismo, até a segregação e a marginalização, operadas pelos"
exorcistas".
Verificando a força das "religiões" através dos séculos, e sabendo
que o sentimento religioso é inerente à psique humana, pode-se constatar
que esse é um fenômeno consideravelmente forte, que muito influenciou e
continua determinando atitudes do ser humano face à vida e as explicações
teológicas frente à existência da deficiência.
Na Bíblia, há inúmeras passagens em que a manifestação da
presença de Deus ou a ação sobrenatural de Jesus e dos apóstolos age
curando o homem através de milagres.
* Jesus perdoa os pecados e cura um paralítico - Mc 2 (9-11); Mt 9 (1-18).
* A cura do surdo-mudo - Mc 7 (31-37).
* Cego de Betsaida - Mc 8 (22-26).
* Epilético endemoninhado - Mc 9 (l.1-_9); Mt _17 (15-16); Lc 8 (25-26).
* Um cego reconhece o Messias – Mc 10 (46-52).
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A religião, com a noção de "milagre", influenciou e afetou
profundamente a atitude do homem em relação à deficiência. A crença de
que "a fé remove montanhas" e a maneira como a fé foi interpretada e
entendida criaram certa expectativa, no sentido de que as orações e a
devoção pudessem curar a pessoa com deficiência.
3.5. As superstições
Na Antigüidade clássica e na Idade Média_ a explicação para q
deficiência estava freqüentemente atrelada a crenças sobrenaturais,
demoníacas e supersticiosas. Concebia-se a deficiência como obra da
intervenção direta de Deus ou de algum ser superior que, por ação de sua
vontade arbitrária, determinaria a algumas criaturas o destino da diferença.
Esse período foi marcado pela rejeição à pessoa com deficiência que,
durante vários séculos, não podia usufruir do convívio social, devido a
limitações e impedimentos, porque era considerada indigna, inclusive, de
obter educação escolar. Em casos extremos, não podia sequer ser tocada.
Em Esparta, o processo de seleção para conseguir l guerreiros fortes
e sadios levou ao sacrifício de indivíduos que apresentavam deficiências. O
povo romano, por sua vez, sustentava-os para serem exibidos durante as
festas populares. Na Idade Média, a crença nos fatores sobrenaturais foi
intensificada, de modo que o homem passou a ser encarado como um ser
submetido a poderes invisíveis;, tanto para o bem como para o mal. ISso
acarretou diferentes reações, de acordo com o tipo de excepcionalidade
apresentada. Os indivíduos epiléticos e psicóticos, por exemplo, eram
considerados portadores de possessões demoníacas. Já os cegos eram
muitas vezes tidos como profetas ou videntes.
Encontra-se, porém, em algumas comunidades um comportamento
diferente, como relata Otto Silva (1987), descrevendo exemplos de tribos
como Azande, situada entre o sul do Sudão e do Congo,e outras, como a
tribo Xanga, do norte da Tanzânia, em que não se discriminavam nem se
matavam as crianças ou os adultos com deficiência. Apesar dê acreditarem
40
que maus espíritos habitavam estas pessoas, os irmãos de tribo conviviam
com elas, naturalmente.
Em outras culturas, citadas pelo mesmo autor, os deHcier1tes,
principalmente os físico-mentais, eram amaldiçoados, tidos como possuídos
pelo demônio, pois a deficiência era sinal de desarmonia, obra dos maus
espíritos. Nessas comunidades, os indivíduos deficientes eram eliminados
ou abandonados à própria sorte, em locais desconhecidos, e tinham que
lutar sozinhos pela sobrevivência, pois a valorização da beleza e da força
física era, um fator que não permitia a aceitação de qualquer deficiência no
grupo. A esse respeito, é possível observar que tal consideração não
ocorreu apenas no período anterior ao do desenvolvimento das teorias
científicas, mas também se faz presente nos dias atuais. As atitudes
manifestadas ante os indivíduos excepcionais revelam o reflexo da
sociedade sobre seus membros.
Segundo Marly Guimarães (2003, p.66), no Brasil, algumas tribos do
Alto Xingu, no Mato Grosso, até hoje exterminam os bebês que nascem com
deficiência, enterrando-os vivos, por acreditarem que criança nascida com
deficiência não tem condições de ir para a selva, de trabalhar, de garantir
seu sustento, de se defender. Como são considerados incapazes de
constituir uma vida independente, o sacrifício deles é encarado como algo
natural, "um costume do índio", conforme informou o cacique Jakalo, da tribo
Kuikuro, ao ser entrevistado durante uma visita à Toca da Raposa, em São
Paulo, no dia 14 de abril de 2001. Os gêmeos também são sacrificados, pois
não se sabe quem representa o bem ou o mal. O cacique demonstra
naturalidade em seu relato; a cada intervalo da fala, ele confirma: "É um
costume".
[...] é "costume" [.u] nasce dois criança gêmea, ninguém tem dó [...] nurn
gosta [...] Se já nasce uma [...] criança [pausa], tudo bem [...] tem festa [...] é
costume nosso, num tem pouco tempo[...] muitos ano que faz isso [... ]
Ninguém aceita dois gêmea nem criança com pobrema [...] é um coitado que
nasceu [...] nasceu assim com pobrema [...] a gente sente também [...]
41
coitado [...] eIe tá com pobrema [...] [sic]
O chefe da tribo, ao ser inquirido sobre a quem cabia a tarefa de
enterrar as crianças vivas, responde: “A vó [...] o vovô [...] parente [...}”.
Também acrescenta que o extermínio só é realizado no caso de se descobrir
uma" deficiência física" na hora da nascença. Quando a deformidade ou a
deficiência mental é descoberta alguns meses após o nascimento a tribo
aceita-as, ou melhor, deixa a criança continuar vivendo, "pertencer a tribo".
De acordo com as informações da história e da antropologia, desde
as antigas civilizações até os dias de hoje, em algumas sociedades tribais
era / é comum a eliminação pura e simples de seus elementos com
deficiência. Sacrificava-se / sacrifica-se a pessoa, julgando-se estar fazendo
um bem ao próprio indivíduo, que supostamente sofreria muito mais em
condições precárias, como também à comunidade, que não precisará
responsabilizar-se com seu cuidado.
Ao analisar o fenômeno da vivência do homem em grupos, fica
evidente como na sociedade o preconceito embora negado com veemência,
e visivelmente arraigado. Os grupos minoritários -negros, índios, idosos e
pessoas com deficiências, entre outros - são vistos não raro com reserva e
distância. É desgastante ao extremo para qualquer ser humano enfrentar o
"olhar público" de sua diferença. Pior que o desgaste é o constrangimento,
causado por atitudes preconceituosas travestidas de excesso de zelo, como,
por exemplo, a de impedir publicamente a curiosidade infantil a respeito de
uma bengala ou uma cadeira de rodas.
Essas e muitas outras atitudes deixam clara a "discriminação" como
um peso social que não só a pessoa com deficiência, mas toda a sociedade,
é "fadada a carregar".
Finalizando, a proposta da "Inclusão" social, econômIca, polítIca,
cultural e educacional deve ser incondicional e, portanto, não admite
qualquer forma de segregação, o que ainda não acontece. Esta opção de
inserção, que tem como meta principal não deixar nenhum aluno fora do
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ensino regular desde o início da escolarização, questiona o papel do meio
social no processo interatívo de produção das incapacidades, porque
TODOS têm o direito a se desenvolver em ambientes que não discriminem,
mas que procurem lidar e trabalhar com as diferenças, respeitando os
comprometimentos e as limitações de cada um.
Assim, pensar o papel e a função da instituição escolar é uma postura
necessária e indispensável, igualmente importante e urgente; sobretudo nos
cursos de formação.
Trabalhar, inovar e ousar implementar a educação, numa perspectiva
inclusiva, não é missão impossível. É, sim, um desafio superável. É uma
questão de pensar e mudar. Querer "pensar e construir" uma escola que
inspire e promova a troca entre os alunos, que confronte formas desiguais
de pensamento e de estilo de vida, busque metodologias interativas e faça,
do reconhecimento e da convivência com as diversidades, estratégias e
alternativas para uma nova aprendizagem, voltada para o educando. Uma
escola, enfim, que reconheça as diferenças e, respeitando-as, possa
conviver com elas.
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CONCLUSÃO
A pesquisa se baseou em situar a importância da psicomotricidade na
vida do portador de deficiência visual para seu desenvolvimento global e
social.
Pela leitura do presente estudo, conclui-se que a expressão deficiente
visual se refere ao aspecto clínico que vai da cegueira à visão subnormal. A
visão é, para todas as pessoas, um canal de vital importância para o
relacionamento do indivíduo com o mundo exterior.
Vários autores identificam como sensório motor o período que vai do
nascimento até os 3 anos de idade. Esta fase é definida como a da
construção do sistema de significações do desenvolvimento cognitivo e de
interação com o meio ambiente.
É através da estimulação corpórea que o deficiente vai interagir e se
colocar em contato com o mundo, desenvolvendo suas potencialidades.
A pesquisa considerou como problema inicial: Através da
psicomotricidade, o portador de deficiência visual poderá desenvolver
habilidades motoras num processo de autonomia e independência ?
Formulada interrogação, foi apresentada como hipótese a proposta de
que, através de técnicas psicomotoras a criança portadora de deficiência
visual superará suas limitações e se reintegrará na vida social, como
indivíduo auto-suficiente.
Na pesquisa, ficou claro que seria interessante o estudo mais
profundo sobre a intervenção precoce para o desenvolvimento da criança. A
psicomotricidade ajudará nos movimentos, como também desenvolverá as
funções da inteligência e os aspectos emocionais.
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Foram citados vários recursos como as técnicas psicomotoras e
atividades lúdicas de esquema corporal, para que a criança perceba seu
corpo através do movimento.
È de suma importância a participação da família como base do
desenvolvimento humano. Cabe a ela a tarefa de oferecer ao portador de
deficiência visual as condições para seu crescimento como indivíduo,
tornando-o capaz de ser feliz, produtivo dentro de sua realidade, de suas
potencialidades e de seus limites.
Além da família, a escola e a sociedade também podem contribuir no
sentido de ajudar a criança portadora de deficiência visual superar
obstáculos colocados pela deficiência.
Enfim, concluímos que através da inclusão social a criança vai
desenvolver sua autonomia, construir sua identidade, levantar sua auto-
estima e assumir função que garanta sua subsistência, tornando-se útil,
passando, então, a exercer sua cidadania.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUSCAGLIA, Leo Phd. D. Os deficientes e seus pais. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1993.
CRISTINA, Ana Magalhães. Federação Nacional das apaes. In: Ana Lima, y (org). famílias e profissionais rumo a parcerias. Brasília: Federação N. das apaes, 1997.
Caderno da TV Escola. Deficiência visual, Ministério da Educação: Marte Gil (org).
ATKIRSON, Recomendações com pessoas portadoras de deficiências visuais: Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro: IBCENTRO, set/1995.
BRUNO, Marilda Moraes Garcia. O desenvolvimento integral do portador de deficiência visual: da intervenção precoce à integração escolar. São Paulo: NEWSWORK, 1993.
GUIMARÂES, Marly, e CAPUTO, Maria Elisa Ferreira. Educação inclusiva. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
MATTOS, Alberto Carlos Ferreira. Psicomotricidade. São Paulo: Lovise, 2000.
HALLIDAY, Carol. Crescimento, aprendizagem e desenvolvimento da criança visualmente incapacitada: do nascimento à idade escolar. São Paulo: Fundação para o livro do cego no Brasil, 1975.
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ANEXO
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ÍNDICE
CAPA
FOLHA DE ROSTO
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
EPÍGRAFE
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
1. DEFICIÊNCIA VISUAL 10
1.1. Definição 11
1.2. Aspectos clínicos sobre o deficiente visual 13
1.3. Diferença entre a incapacidade e deficiência 15
1.4. A história do Braille e sua evolução 16
2. O desenv5olvimento da criança portadora de deficiência visual 19
2.1. O desenvolvimento da linguagem 21
2.2. O desenv5olvimento das habilidades de orientação e mobilidade
22
3. Educação inclusiva 30
3.1. O papel da família 31
3.2. O papel da escola e da sociedade 32
48
3.3. Os mitos 34
3.4. As religiões 37
3.5. As superstições 39
CONCLUSÃO 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45
ANEXO 46
ÍNDICE 47
FOLHA DE AVALIAÇÃO 49
49
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PROJETO A VEZ DO MESTRE
Pós-Graduação “Lato Sensu”
Título: A psicomotricidade na vida da criança portadora de deficiência visual: Numa abordagem Inclusiva
Data da entrega: 11/04/2005
Avaliada por: _____________________________ Conceito: __________
Rio de Janeiro, _____, de abril de 2005.