A Psicologia Sócio-histórica

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A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia (Cap. 1) O século XIX foi permeado por condições históricas que contribuíram para o surgimento da ciência moderna (experimental, empírica e quantitativa) e posteriormente para a psicologia. Neste período a burguesia moderna ascende enquanto classe social, e as transformações daí decorrentes contribuem para uma ciência racional, com “ênfase na razão humana, na liberdade do homem, na possibilidade de transformação do mundo real e a ênfase no próprio homem” (BOCK, 2001, p.15) O marco de surgimento da psicologia como Ciência se deu no ano de 1879, com Wilhelm Maximilian Wundt. Ele é considerado o pai da Psicologia e o criador do primeiro laboratório de pesquisa experimental, seu objeto de estudo consistia na experiência consciente do homem. Em decorrência disto, percebeu dicotomias ou contradições do humano, à medida que, “via o pensamento do homem, ao mesmo tempo, como produto da natureza e como criação da vida mental. Concebia o individuo ao mesmo tempo como criatura e como criador” (BOCK, 2001, p.16). Assim, sugeriu duas psicologias, uma Psicologia Experimental e uma Psicologia Social, a fim de explanar as dicotomias presentes: interno/externo, psíquico/orgânico, natural/social. Com isso, os seguidores de Wundt, isto é, cada abordagem da psicologia passou a compreender o homem focando um dos lados do pêndulo, e apesar de seus esforços a

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A Psicologia Scio-Histrica: uma perspectiva crtica em psicologia (Cap. 1)

O sculo XIX foi permeado por condies histricas que contriburam para o surgimento da cincia moderna (experimental, emprica e quantitativa) e posteriormente para a psicologia. Neste perodo a burguesia moderna ascende enquanto classe social, e as transformaes da decorrentes contribuem para uma cincia racional, com nfase na razo humana, na liberdade do homem, na possibilidade de transformao do mundo real e a nfase no prprio homem (BOCK, 2001, p.15) O marco de surgimento da psicologia como Cincia se deu no ano de 1879, com Wilhelm Maximilian Wundt. Ele considerado o pai da Psicologia e o criador do primeiro laboratrio de pesquisa experimental, seu objeto de estudo consistia na experincia consciente do homem. Em decorrncia disto, percebeu dicotomias ou contradies do humano, medida que, via o pensamento do homem, ao mesmo tempo, como produto da natureza e como criao da vida mental. Concebia o individuo ao mesmo tempo como criatura e como criador (BOCK, 2001, p.16). Assim, sugeriu duas psicologias, uma Psicologia Experimental e uma Psicologia Social, a fim de explanar as dicotomias presentes: interno/externo, psquico/orgnico, natural/social. Com isso, os seguidores de Wundt, isto , cada abordagem da psicologia passou a compreender o homem focando um dos lados do pndulo, e apesar de seus esforos a compreenso do fenmeno psicolgico incompleta, deixando de superar as expectativas mecanicistas e deterministas de Wundt.Para tanto, a psicologia Scio-Histrica, visa uma possibilidade de superao dessas vises dicotmicas. Toma como base a Psicologia Histrico-Cultural de Vigotski, fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histrico e dialtico como filosofia, teoria e mtodo. Assim (...) concebe o homem como ativo, social e histrico e a sociedade como produo histrica dos homens que, atravs do trabalho, produzem sua vida material (BOCK, 2001, p.17), compreende as ideias como representao da realidade material e esta como expresso de ideias.No decorrer de sua existncia, a psicologia construiu vises de homem e de fenmeno psicolgico que ainda precisam ser superadas. As ideias naturalizadoras do liberalismo, por exemplo, se constituram como uma forte influencia para a compreenso do fenmeno psicolgico, tal como hoje, no qual existe uma natureza que nos iguala e exige liberdade, como condio para desenvolver nossas potencialidades como seres humanos. Tal viso desabrocha a partir da Revoluo Francesa, onde surge um novo mundo, em oposio s hierarquias sociais de desigualdade caractersticas do feudalismo. Neste novo mundo cada indivduo um ser moral que possui direitos igualitrios derivados de sua natureza humana, assim, a noo de eu e a individualizao nascem e se desenvolvem com o capitalismo, onde a escolha passou a ser uma exigncia e um elemento da condio humana, pois a noo de diferenas individuais decorre do aproveitamento que cada um faz das condies que a sociedade igualitariamente lhe oferece. Deste modo, a Psicologia Scio-Histrica no partilha desta viso, uma vez que, o fenmeno psicolgico no pertence natureza humana, no preexistente ao homem, mas reflete a condio social, econmica e cultural em que vivem os homens. Portanto, possui uma compreenso mtua (dialtica) entre o psquico e o social, a subjetividade e a objetividade, o mundo interno e o mundo externo. E neste processo o fenmeno psicolgico deve ser entendido como construo no nvel individual do mundo simblico que social (BOCK, 2001, p.23), ou seja, a subjetividade se constitui na relao com o mundo material e social, o qual por sua vez, s existe devido atividade humana. Nessa relao dialtica do mundo psicolgico e social, a linguagem tem a importante funo de mediao para a internalizao da objetividade construo de sentidos pessoais que constituem a subjetividade. Neste sentido, a Psicologia Scio-Histrica critica as perspectivas que fazem uma Psicologia descontextualizada (descolada), sem se preocupar com a realidade econmica, social e cultural dos indivduos. E, por conseguinte, assume um processo ideolgico da Psicologia, com ideias ilusrias, as quais contribuem para a manuteno da desigualdade social e das diferenas, responsabilizando os sujeitos por seus sucessos e fracassos. Para tanto, reverter este processo implica em redefinir o fenmeno psicolgico, bem como, posicionar-se tica e politicamente sobre a realidade na qual se insere seu objeto de estudo.A Psicologia Scio-Histrica rompe com a Psicologia Tradicional, visto que esta, no decorrer da histria teve suas ideias atreladas (coladas) aos interesses das classes dominantes, tornando-se uma Psicologia elitista e adotando uma tradio classificatria e estigmatizadora da cincia e da profisso. Utilizou seus conhecimentos para o desenvolvimento de testes e mecanismos a fim de separar/classificar os indivduos aptos ou no aptos, saudveis ou doentes, adequados ou inadequados, competentes ou incompetentes, com potencial ou no (...) (BOCK, 2001, p.28), contribuindo para segregao e discriminao. A Psicologia naturalizou o que social, medida que as diferenas e desigualdades entre os homens foram e continuam sendo explicadas como naturais (por algumas abordagens). Outra crtica que a Psicologia Scio-Histrica apresenta, no sentido de superar a neutralidade na Psicologia, uma vez que, necessria a aceitao das determinaes sociais e histricas no desenvolvimento dos sujeitos. Portanto, o psiclogo deve conceber seu trabalho como ao direcionada e intencionada, com tica e conscincia de que estar interferindo em um projeto de vida que no lhe pertence. Sendo assim, no assumir esta influencia camuflar a finalidade do seu trabalho.Contudo, a Psicologia Scio-Histrica busca superar o Positivismo e o Idealismo, visto que, os princpios do Positivismo so: Os fenmenos humanos e sociais so regulados por leis naturais que independem da ao do homem; se os fenmenos so regulados por leis naturais, devemos ento utilizar mtodos e procedimentos das cincias naturais para desvendar essas leis; as cincias humanas e sociais devem orientar-se pelo modelo da objetividade cientfica. O pensamento positivista foi incrementado pelo idealismo, medida quefez dos fenmenos psicolgicos entidades abstratas, cuja verdade se encontra no esforo do pensamento racional e de seus mtodos.Em contraposio a estas abordagens, a Psicologia Scio-Histrica adota outros pressupostos a fim de criar uma cincia crtica ideologia: adota uma Concepo Materialista - realidade material tem existncia independente em relao idia; uma Concepo Dialtica - a contradio caracterstica fundamental de tudo o que existe, e a superao desta, base de transformao da realidade, a qual expressa por meio de leis da dialtica (lei da unidade e luta dos contrrios; lei da transformao da quantidade em qualidade; lei da negao da negao, lei da totalidade); e uma Concepo Histrica - a histria deve ser analisada a partir da realidade concreta e no a partir das idias. A partir de tais pressupostos ela passa a: examinar os objetos, buscando entende-los na sua totalidade concreta na qual as partes esto em interao; acompanhar o movimento e a transformao contnua dos fenmenos; entender que a mudana dos fenmenos qualitativa; e entender que o movimento e a transformao das coisas se do porque no prprio interior delas coexistem foras opostas.A partir do exposto pela autora Ana Bock, acredito que realmente se faz necessrio que as abordagens da Psicologia revejam seu olhar sobre seu objeto de estudo, sobre sua Cincia e profisso, para que se possa avanar em relao superao das prticas classificatrias e estigmatizadoras que a Psicologia ajudou a construir na sociedade. Assim, preciso abandonar a enganosa neutralidade e objetividade do cientista, a fim de compreender o homem como criatura e como criador, como objetivo e subjetivo, como social e psquico. Se a compreenso for de apenas um lado do pndulo (homem como criador de si mesmo), isso nos leva a questionar a existncia de tanta misria social ao nosso redor, de tanta forma de vida que denuncia o descaso com o ser humano, entre tantos outros desprivilegios das classes mais empobrecidas. Com isso, o psiclogo precisa refletir sobre o seu papel de agente mediador das transformaes de realidades sociais injustas, constituindo a meu ver, um objetivo primordial da profisso.

Referncias

BOCK, A. M. B.; GONALVES, M. G. M.; FURTADO, O. (Orgs) Psicologia Scio-Histrica: uma perspectiva crtica em psicologia. So Paulo, Cortez, 2001.