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A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS

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REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS

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ALBANEIDE DE SOUZA CAMPOS

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS:

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DE ALUNOS

Orientadora: Profª Drª Lívia Suassuna

RECIFE

2012

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em

Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação

do Centro de Educação da Universidade Federal de

Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do

grau de Mestre em Educação.

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Katia Tavares, CRB-4/1431

C198p Campos, Albaneide de Souza.

A produção escrita de textos argumentativos: reflexões sobre a

prática docente e aprendizagem dos alunos / Albaneide de Souza

Campos. – Recife: O autor, 2012.

195 f.: il, 30 cm.

Orientador: Lívia Suassuna.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco,

CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2012.

Inclui Referências e Apêndices.

I. Prática de ensino. 2. Produção de textos. 3. Texto escrito

Argumentativo. 4. UFPE – Pós-graduação. I. Suassuna, Lívia. II.

Título.

370.7 CDD (22. ed.) UFPE (CE2013-25)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

A PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS ARGUMENTATIVOS: REFLEXÕES

SOBRE PRÁTICA DOCENTE E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

COMISSÃO EXAMINADORA

_________________________________________________

Profª. Drª. Lívia Suassuna

1º Examinadora/Presidente

_________________________________________________

Profª. Drª. Ivanda Maria Martins Silva

2º Examinadora

_________________________________________________

Profª. Drª. Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa

3º Examinadora

RECIFE, 01 de junho de 2012.

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Saber argumentar não é um luxo, mas uma

necessidade. Não saber argumentar não seria,

aliás, uma das grandes causas recorrentes da

desigualdade cultural, que se sobrepõe às

tradicionais desigualdades sociais e

econômicas, reforçando-as? [...] Uma

sociedade que não propõe a todos os seus

membros os meios para serem cidadãos, isto é,

para terem uma verdadeira competência ao

tomar a palavra, seria verdadeiramente

democrática?

(BRETON, 2003)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu Pai.

A meu marido, Geziel Campos, e a minha filha, Carol,

pelo cuidado, pela paciência e compreensão nos momentos de minha ausência e de meus

aperreios.

À Profª Drª Lívia Suassuna,

que, para além da orientação, é uma profissional ímpar.

A meus pais, Nino e Luíza, por me ensinarem a buscar conhecimento.

Às minhas sobrinhas agregadas,

Ana Luíza, Jéssica, Natália e Andréa, que me ajudaram de forma particular.

A meus irmãos e, em especial, a Maria Albênia,

minha segunda mãe.

Aos amigos da Secretaria de Educação de Camaragibe,

que sempre dividiram comigo a responsabilidade da administração pública.

A Leide, Claudemir e Fátima Honorato,

meus irmãos e incentivadores, especialmente, nos momentos mais difíceis.

A todos os professores da Rede Pública Estadual de Pernambuco que, gentilmente,

permitiram a minha inserção no campo de pesquisa.

Às Profªs Drª

s Maria Lúcia Figueirêdo Barbosa e Ivanda Martins Silva,

pela gentileza de participarem da minha banca de defesa.

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RESUMO

Este estudo teve por finalidade analisar práticas de ensino de produção de textos

argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias

argumentativas mobilizadas pelos alunos. Nesse sentido, buscou identificar as concepções de

língua, texto e argumentação que fundamentavam a prática de professores de português;

analisar as situações didáticas em que eram propostas as produções de texto e analisar as

produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles. Para

tanto, desenvolvemos uma pesquisa de campo com duas professoras que atuavam em duas

diferentes escolas da rede pública estadual do município de Camaragibe (PE) em turmas de 3º

ano do ensino médio regular. Da mesma forma, analisamos os textos produzidos pelos

estudantes dessas turmas. Nossos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista

semiestruturada, a observação participante e a análise documental. No nosso referencial

teórico, apoiamo-nos na concepção de língua como prática sócio-histórica (BAKHTIN,

2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto da atividade verbal

(MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005); de

gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em funcionamento (BAZERMAN,

2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual modo, adotamos os conceitos de

argumentação como ação de linguagem que possibilita aos sujeitos maior inserção social,

tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), Gregolin (1993),

Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008, 2009), Geraldi (2004, 2009),

Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para lidarmos com questões que

envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas perspectivas metodológicas

para o ensino de língua portuguesa. No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos

uma abordagem qualitativa e etnográfica com base nas considerações de André (2008) e

Lopes (2006). Para a análise dos dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG

apud SUASSUNA, 2004, 2008a). Em linhas gerais, os resultados indicaram que: (1) o texto

tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua inserção tem sido

equivocada; (2) alguns professores se apropriaram do discurso sobre um sistemático trabalho

com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas

dos alunos, mas não têm conseguido efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à

nova proposta para o ensino de língua portuguesa; (3) as situações de produção de texto

argumentativo distanciam-se das finalidades propostas no currículo para o ensino-

aprendizagem desse gênero, de forma a não favorecer significativamente o desenvolvimento

das habilidades argumentativas escritas dos alunos; (4) situações artificiais de produção de

texto conduzem a produções igualmente artificiais; (5) em virtude da ausência de reflexão

sobre os aspectos linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as

especificidades dos gêneros que lhes foram solicitados a escrever; (6) diferentes sujeitos

expostos às mesmas condições de produção escolar de texto se constituem quase que em

sujeitos semelhantes na elaboração de seus textos: atendem ao discurso da escola, ainda que

semanticamente as suas produções possam ser consideradas como vazias de sentidos.

PALAVRAS-CHAVE: Texto. Ensino da produção de textos; Argumentação; Texto escrito

argumentativo.

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ABSTRACT

This study aimed to examine teaching practices of producing argumentative texts written and

determine possible relationships between these practices and the argumentative strategies

deployed by the students. Accordingly, we sought to identify the conceptions of language,

text and arguments underpinning the practice of Portuguese teachers; analyze teaching

situations in which the productions were proposed text and analyze students' productions,

checking the argumentative strategies deployed by them. We develop a field study with two

teachers who worked in two different schools in the public schools of the city of Camaragibe

(PE) classes in 3rd year high school regular. Similarly, we analyze the texts produced by the

students of these classes. Our instruments for data collection were semi-structured interview,

participant observation and document analysis. In our theoretical framework, we rely on the

concept of language as a socio-historical practice (BAKHTIN, 2010); text as linguistic unity

and sociocomunicativa product of verbal activity (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006;

BRONCKART, 2007, MAINGUENEAU, 2005 ) of textual genres as products of language

activity in operation (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004).

Similarly, we adopt the concepts of argument as action language that allows individuals

greater social inclusion, based on considerations of Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005),

Gregolin (1993), Breton (2003). Although the study was supported in Suassuna (2008, 2009),

Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal and Morais (2006) and Antunes (2003) to deal with

issues involving the production of didactic situations and new text methodological

perspectives to the teaching of the Portuguese language. With regard to methodological

aspects, we made a qualitative and ethnographic approach based on considerations of Andrew

(2008) and Lopes (2006). For data analysis, we used the evidential paradigm (SUASSUNA

apud GINZBURG, 2004, 2008a). In general, the results indicated that: (1) the text has

occupied a prominent place in the Portuguese classes, but their inclusion has been wrong, (2)

some teachers appropriated the discourse on a systematic work with text genres with views

the development of linguistic and discursive skills of students, but have been unable to effect

a differentiated practice in order to meet the new proposal for the teaching of Portuguese

language, (3) the production situations of argumentative text aims distance themselves from

proposals the curriculum for the teaching and learning of this kind, so as not to significantly

promote the development of argumentative writing skills of students, (4) artificial situations

of text production also lead to artificial productions, (5) because of the lack of reflection on

aspects involved in linguistic-discursive texts, the students were unaware of the specific

genres they were asked to write; (6) different individuals exposed to the same conditions of

production school text constitute almost similar in subjects in preparing their texts: attending

the school discourse, albeit semantically their production can be regarded as empty of

meaning.

KEYWORDS: Text. Teaching text production; Argumentation; Writing argumentative text.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 09

CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................ 15

1.1 Concepção de língua ..................................................................................................... 15

1.1.1 A língua para Saussure .............................................................................................. 16

1.1.2 A língua na visão de Chomsky .................................................................................. 17

1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin ........................................................................... 19

1.2 Concepção de língua e ensino de português ................................................................. 21

1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual .................................................................... 26

1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português ................................................ 30

1.5 Gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita ................ 32

1.6 Contextos de produção de texto: reflexões sobre o ensino da produção textual .......... 38

1.6.1 Fatores que interferem na lógica interna e externa do texto ...................................... 43

1.7 Argumentação: breve histórico e conceito ................................................................... 48

1.8 O texto argumentativo .................................................................................................. 54

1.8.1 A dissertação argumentativa ....................................................................................... 57

1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola ....... 60

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA ................................................................................. 66

2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa ........................................................ 67

2.2 Métodos e instrumentos de coleta de dados ............................................................................ 73

2.2.1 Entrevista ................................................................................................................... 74

2.2.2 Observação ................................................................................................................ 76

2.2.3 Análise documental ................................................................................................... 79

2.3 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa 81

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................... 87

3.1 As entrevistas semiestruturadas .................................................................................... 87

3.2 As aulas observadas: situando o leitor .......................................................................... 95

3.2 1 As aulas observadas da professora A ........................................................................ 97

3.2 2 As aulas observadas da professora B ......................................................................... 111

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3.3. Análise documental: os textos dos alunos ................................................................... 127

3.3.1 Análise dos textos do 3º ano A ................................................................................... 128

3.3.2 Análise dos textos do 3º ano B .................................................................................. 148

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 179

APÊNDICE ........................................................................................................................ 186

ANEXOS ............................................................................................................................ 187

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INTRODUÇÃO

As discussões sobre o ensino de produção de texto não são novas, sobretudo, porque,

com o desenvolvimento de pesquisas na área das ciências da linguagem − como a Linguística

Textual, a Análise do Discurso, a Pragmática, a Sociolinguística − e em virtude do que se

chamou virada pragmática, o texto vem sendo posto ou proposto como objeto central no

ensino de língua portuguesa.

Publicações como a de Marcuschi (Linguística de Texto: o que é e como se faz?, 2003

[1983]) e a de Geraldi (O texto na sala de aula, 2004 [1984]) se destacam por abordarem,

respectivamente, o texto como unidade linguística superior à frase e como ponto de partida no

ensino de língua. Nesta última obra, considera-se o texto sob diversos aspectos e se

apresentam novas possibilidades de desenvolvimento de um trabalho amplo em linguagem,

inclusive através de ações voltadas para a oralidade, a leitura, a escrita e a análise linguística1.

Considerando ainda a existência de diversos outros estudos que colocam o texto nessa

perspectiva, podemos afirmar que dispomos de vasta literatura que trata da inserção do texto

na sala de aula e, por consequência, apontam novas perspectivas para o ensino de português.

Essa literatura abrange não somente resultados de estudos empíricos diversos, como também

propostas curriculares que norteiam o ensino de língua materna em nosso país. Como

exemplo, podemos mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 1999) e os PCN+ (BRASIL, 2002). O primeiro

documento explicita que o ensino de português deve ter por fundamento a língua como

interação e que, dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem deve pressupor uma visão

sobre o que seja a linguagem verbal. Esta, por sua vez, é caracterizada como um construto

humano e histórico de um sistema linguístico e comunicativo cuja unidade básica é o texto.

Mais especificamente em nosso estado (PE), dispomos de dois documentos oficiais

que orientam o currículo básico para o ensino de língua portuguesa − a Base Curricular

Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008)

e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua

Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b) – e que também situam o texto como centro do

ensino de português. Dessa forma, temos:

1 De acordo com Geraldi (2004), a análise linguística corresponde a uma nova proposta de trabalho que abrange

tanto questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto.

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Toda língua somente se atualiza sob a forma de textos, que se manifestam

para além da palavra ou da frase isoladas, de onde se pode concluir que, no

estudo do Português, as atividades de fala, de escuta, de leitura e de escrita

de textos devam constituir o eixo da prática pedagógica, até porque essas

atividades constituem também habilidades fundamentais no estudo de

qualquer domínio do saber. (PERNAMBUCO, 2008a, p. 69).

De igual modo, as Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio/Língua

Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6) registram:

As orientações teórico-metodológicas da prática pedagógica do professor de

Língua Portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos contextos

de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas

de usos da escrita. Através da linguagem como uma atividade de interação

social, os interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais,

expressando e criando os sentidos que marcam as identidades individuais e

sociais de uma comunidade determinada. Sob essa ótica, tais orientações são

vistas como referenciais estruturadores das práticas de ensino da leitura e da

escrita pautadas por eixos e por objetivos. (Grifo nosso)

Nessa mesma linha de abordagem do texto, há inúmeras pesquisas e documentos

curriculares que versam especificamente sobre o ensino da produção escrita e, num enfoque

mais restrito, sobre o ensino da argumentação, apontando essa competência como um aspecto

fundamentalmente inerente às ações de linguagem.

É assim que temos os estudos de Pécora (2003) e Val (2006), autores que lidam

diretamente com elementos da argumentação e da textualidade em textos dissertativos

produzidos por sujeitos em contextos de vestibular. A pesquisa do primeiro estudioso

pretendeu demonstrar que os problemas de redação escolar constituem, sobretudo, os efeitos

da cristalização de uma atitude que retira a escrita da linguagem e esta, do mundo e da ação

intersubjetiva.

No estudo de Val (2006), por sua vez, foi observado que as redações dos vestibulandos

apresentavam deficiências que se situavam na estrutura lógico-semântico-cognitiva subjacente

aos textos.

Temos ainda estudos empíricos de Leal e Morais (2006) que tratam de aspectos da

argumentação escrita em textos de crianças. Esses autores, após a observação de situações de

produção em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental e da análise dos textos desses

alunos, constataram que o que acontece na sala de aula no momento de produção interfere na

escrita dos produtores.

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Numa situação semelhante, Souza (2003) desenvolveu um estudo longitudinal,

investigando o desenvolvimento da argumentação escrita com crianças que estavam em fase

de alfabetização (primeiro ano do ensino fundamental). A autora evidenciou que a produção

de textos de opinião, na escola, depende de um conjunto de fatores implicados nos contextos

de produção e não apenas de uma instrução escrita desvinculada de um trabalho anterior.

Temos ainda a pesquisa de Viana Filho (2006), que investigou elementos da

referenciação em textos dissertativos de estudantes de 3º ano do ensino médio, tendo como

resultado a produção de textos marcados pela descontinuidade textual e pela presença de frases

soltas. De acordo com esse pesquisador, fatores como coesão e coerência pouco se faziam

presentes nos textos, embora nem sempre comprometessem a textualidade das produções.

Contudo, ao realizarmos um levantamento bibliográfico acerca do ensino da

argumentação e sua possível relação com os textos elaborados por alunos em situações de

produção escolar na última etapa da escolaridade básica (3º ano do ensino médio), pouco

material foi encontrado. Não estamos nos referindo a pesquisas desenvolvidas por meio da

realização de sequências didáticas com textos argumentativos sugeridas ou propostas por

pesquisadores, mas àquelas que professores de língua portuguesa, pensando na argumentação

como prática de linguagem, desenvolveram no cotidiano de suas salas de aula.

Somando-se a isso, a nossa experiência docente com alunos dos últimos anos do

ensino médio e com alunos universitários nos revelou que as produções de textos

argumentativos (especialmente dissertações argumentativas e resenhas) apresentavam vários

problemas que diziam respeito não só a questões linguísticas (domínio do código escrito,

pontuação, acentuação), mas, sobretudo, a aspectos discursivos (dificuldade dos estudantes de

se posicionarem diante de um tema, de justificarem suas escolhas, de adequarem as suas

estratégias discursivas ao gênero proposto e às intenções de comunicação nele implicadas).

Desse modo, sustentando-nos em alguns princípios da argumentação, tais como, (1) a

argumentação é dialógica; (2) é preciso alguma qualidade para tomar a palavrar e ser ouvido;

(3) o objetivo de toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses

que apresentam a seu assentimento (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005),

compreendíamos que existia alguma lacuna no ensino da argumentação nas nossas unidades

de ensino, mais especificamente: no ensino da argumentação escrita.

Tomando em conta esses pressupostos e apoiando-nos na argumentação como uma

ação linguística fundamental inerente a qualquer texto (GREGOLIN, 1993), justificamos a

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nossa decisão por estudar aspectos relacionados à produção escrita de textos argumentativos

em contextos escolares de produção. Acreditamos na necessidade de aprofundamento teórico

sobre o ensino de textos argumentativos, bem como sobre um trabalho sistemático com esse

gênero em nossas salas de aula.

Nesse caminho, propusemo-nos a investigar práticas de professores de língua

portuguesa no que se refere ao eixo produção de textos argumentativos, verificando as

possíveis relações entre as metodologias adotadas e os textos elaborados pelos seus alunos.

Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa etnográfica com duas professoras que atuam em

duas diferentes escolas da rede pública estadual de Pernambuco, no município de Camaragibe

(PE) em turmas de 3º ano do ensino médio regular. Nossos instrumentos de coleta de dados

foram a entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise documental.

Partimos das hipóteses iniciais de que professores de língua portuguesa julgam a

argumentação como um importante ato de linguagem, mas, em suas práticas, não conseguem

se desvincular de um ensino de produção de textos com base nos aspectos estritamente

formais. De igual modo, supomos que não seja frequente nas salas de aula um trabalho mais

sistemático sobre a atividade de produção de textos e de textos argumentativos.

Mediante o exposto, nosso estudo buscou responder basicamente a uma questão: o

ensino da argumentação escrita tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades

argumentativas?

Dessa forma, tentando responder à nossa pergunta de pesquisa, elencamos os seguintes

objetivos:

1. Geral:

1.1 Analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos escritos e

verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas utilizadas

pelos alunos;

2. Específicos:

2.1 Identificar as concepções de língua, texto e argumentação que fundamentam a

prática de professores de português;

2.2 Analisar as situações didáticas em que são propostas as produções de texto, tendo

por base:

a) os gêneros textuais trabalhados;

b) os objetivos traçados para as aulas;

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c) os conteúdos privilegiados pelas docentes;

d) a relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino de

produção de textos.

2.3 Analisar as produções dos alunos, verificando as estratégias argumentativas

mobilizadas por eles na produção desses textos. Para isso, observamos se os textos:

a) apresentavam ponto de vista claro;

b) se os autores se posicionavam com vistas a um interlocutor real/virtual;

No nosso referencial teórico, adotamos a concepção de língua como prática sócio-

histórica (BAKHTIN, 2010); de texto como unidade linguística sociocomunicativa e produto

da atividade verbal (MARCUSCHI, 2009; VAL, 2006; BRONCKART, 2007,

MAINGUENEAU, 2005); de gêneros textuais como produtos da atividade de linguagem em

funcionamento (BAZERMAN, 2011; MARCUSCHI, 2009; SUASSUNA, 2004). De igual

modo, adotamos os conceitos de argumentação como ação de linguagem que possibilita aos

sujeitos maior inserção social, tendo por base as considerações de Perelman e Olbrechts-

Tyteca (2005), Gregolin (1993), Breton (2003). Ainda nos respaldamos em Suassuna (2008,

2009), Geraldi (2004, 2009), Pécora (2002), Leal e Morais (2006) e Antunes (2003) para

lidarmos com questões que envolviam as situações didáticas de produção de texto e as novas

perspectivas metodológicas para o ensino de língua portuguesa.

No que se refere aos aspectos metodológicos, fizemos uma abordagem qualitativa e

etnográfica com base nas considerações de André (2008) e Lopes (2006). Para a análise dos

dados, valemo-nos do paradigma indiciário (GINZBURG apud SUASSUNA, 2004, 2008a).

Por esses termos, no primeiro capítulo apresentamos aspectos teóricos que

fundamentaram nosso estudo em termos de concepções de língua, texto, tipo e gênero textual

e suas relações com o ensino de português. No mesmo direcionamento, discorremos sobre

aspectos referentes aos contextos de produção de texto e a fatores que interferem na produção

textual. Por fim, ainda nesse capítulo, fizemos uma exposição sobre argumentação, texto

argumentativo e texto dissertativo-argumentativo.

O segundo capítulo foi destinado ao detalhamento do percurso metodológico de nossa

pesquisa. Nele estão definidos os paradigmas metodológicos adotados e suas respectivas

justificativas, os métodos e instrumentos de coleta de dados, assim como, as explicações sobre

as etapas e os critérios para a escolha dos sujeitos e dos campos de pesquisa. Estão

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explicitados também os critérios de análise adotados em função de cada objetivo delineado

para o estudo.

No terceiro capítulo, apresentamos a análise e a discussão dos dados levantados,

fundamentando-nos nos paradigmas adotados e nos critérios de análise definidos. De uma

forma geral, buscamos compreender o cotidiano das aulas de língua portuguesa, por meio das

concepções e das práticas apresentadas pelas professoras envolvidas neste trabalho,

verificando as possíveis relações entre o ensino e a aprendizagem da produção escrita

argumentativa.

Nas nossas considerações finais, expomos as nossas principais impressões acerca do

ensino-aprendizagem da produção de textos escritos argumentativos, apontando alguns

possíveis caminhos a serem percorridos no ensino de língua materna com vistas ao

desenvolvimento da competência argumentativa de nossos educandos. Ainda, sem fechar as

nossas conclusões nem generalizá-las, deixamos também registrados mais alguns

questionamentos que emergiram no decorrer desta pesquisa e que poderão ser objeto (quem

sabe) de outros estudos desdobrados a partir deste.

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1 REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo focaliza teoricamente o eixo principal do nosso trabalho – a produção

escrita de textos argumentativos. Para tanto, o mesmo está dividido nos seguintes tópicos: (1)

concepção de língua; (2) concepção de língua e ensino de português; (3) concepção de texto,

tipo e gênero textual; (4) o texto como objeto de ensino nas aulas de português; (5) gêneros

textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita; (6) contextos de produção

de texto; (7) argumentação (histórico e conceito); (8) o texto argumentativo; (9) a dissertação

argumentativa; (10) a escrita de textos argumentativos.

As teorias por ora apresentadas servirão de base para nortear as discussões sobre a

mediação docente e a escrita dos alunos, o que será feito no capítulo 3 desta pesquisa.

No tópico que segue, trataremos de algumas concepções de língua e, a partir dessa

discussão, indicaremos aquela que orientará o nosso trabalho.

1.1 Concepções de língua

Refletir sobre as concepções de língua num estudo que lida diretamente com o ensino

da produção escrita de textos implica muitas questões, dentre as quais a de reconhecer que

toda e qualquer opção metodológica de ensino ancora-se numa forma de percepção da língua

(ANTUNES, 2003; GERALDI, 2004), e de igual modo, admitir que a forma como

percebemos a língua se correlaciona à maneira como compreendemos e desenvolvemos o

trabalho com textos em sala de aula.

Nesse sentido, apoiando-nos nos estudos das ciências da linguagem (especificamente

da linguística histórica e da linguística aplicada) é que trouxemos ao nosso trabalho algumas

contribuições de Saussure, Chomsky e Bakhtin, por julgarmos que as teorias desses linguistas

influenciaram mais fortemente o ensino de língua portuguesa, seja por causa do foco na língua

como estrutura ou na língua como elemento de interação social.

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1.1.1 A língua para Saussure

Estudiosos da história da linguística costumam apresentar Ferdinand de Saussure

como o fundador da linguística científica. Isso porque, antes da divulgação de suas pesquisas,

no Cours de linguistique générale (1916), obra póstuma, a linguística era marcada por estudos

cujo foco era a análise dos aspectos fonético-fonológicos e morfológicos das línguas, numa

abordagem comparativa e histórica.

De acordo com Faraco (2005), o método comparativo estabelecia uma série de blocos

de correspondência entre línguas e subfamílias de línguas. Foi por meio dele que se instituiu o

parentesco entre línguas; o pressuposto básico dessa corrente era a ideia de que, entre

elementos gramaticais de línguas aparentadas, existiam correspondências sistemáticas. Suas

análises, contudo, eram restritas a comparações entre diferentes línguas, na tentativa de

classificá-las segundo as semelhanças que existiam entre elas.

Com o objetivo de atribuir aos estudos da linguagem a característica de ciência

autônoma, Saussure procurou definir um objeto de estudos propriamente linguístico.

Nesse sentido, em relação à língua, encontramos em Saussure (2006, p. 22):

Ela é um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos de

linguagem. Pode-se localizá-la na porção determinada do circuito em que

uma imagem auditiva vem associar-se a um conceito. Ela é a parte social da

linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem

modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato

estabelecido entre os membros da comunidade. [...] A língua é uma coisa de

tal modo distinta que um homem privado do uso da fala conserva a língua,

contanto que compreenda os signos vocais que ouve. A língua, distinta da

fala, é um objeto que se pode estudar separadamente.

Percebemos que Saussure (2006) aborda a língua como um fato social, cuja existência

se constitui nas necessidades de comunicação, e a fala como realidade individual. Ao mesmo

tempo, trata a língua como um objeto abstrato, rejeitando as manifestações individuais.

Para ele, “a língua existe na coletividade sob forma de sinais depositados em cada

cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem

repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles, embora seja

comum a todos e independa da vontade dos depositários” (SAUSSURE, 2006, p. 27).

A concepção de língua apresentada por Saussure sugeria a eliminação de tudo o que

fosse estranho ao organismo, ao seu sistema. Defendia ele que os fatores externos à língua

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associavam-se a ela, mas, na realidade, não a afetavam internamente. A língua, em Saussure,

é concebida, pois, como um sistema que conhece somente sua ordem própria; um sistema de

regras passíveis de descrição, formada por uma estrutura relacional distinta dos enunciados

reais. Essa concepção embasa o estruturalismo, trazendo a noção de estrutura (o todo

sistematizado em partes que apresentam uma dependência recíproca).

Para Saussure, todo falante absorveria as regularidades do léxico, da gramática e da

fonologia ao ser criado numa comunidade particular de fala e, nesse sentido, a preocupação

dos linguistas deveria ser a de estudar sobre essas regularidades da língua; o foco seria o

sistema linguístico.

Ao definir um objeto de investigação para a linguística, Saussure marcou de forma

significativa essa ciência. Entretanto, mesmo com a sua grande contribuição, a língua em

Saussure não situa o papel que o sujeito desempenha na língua, deixando-se de observar, por

exemplo, as funções que este assume no momento da interlocução.

1.1.2 A língua na visão de Chomsky

Outra concepção de língua que ganhou notório espaço nos estudos da linguística foi a

desenvolvida por Noam Chomsky. Esse estudioso defende que o conhecimento potencial e

inato que uma pessoa tem do sistema de regras de uma língua (denominado por ele

competência) deveria ser o objeto de estudo da linguística, e não o uso efetivo dessa língua

em situações reais (desempenho).

Em Chomsky (2008, p. 23), encontramos: “Podemos considerar que uma língua não é

outra coisa senão um estado da faculdade de linguagem”, uma faculdade mental inata,

geneticamente transmitida pela espécie, e não um fenômeno social. Nesse sentido, esse autor

atenta para a caracterização dos estados mentais correspondentes ao conhecimento gramatical

que todos os indivíduos normais têm. Seu interesse está em descobrir as realidades mentais

subjacentes ao modo como as pessoas usam a língua.

Chomsky acredita que não será possível chegar às regularidades próprias de cada

língua através da observação e, criticando o estruturalismo de Saussure, tenta mostrar que as

análises sintáticas da frase praticadas até então eram inadequadas em diversos aspectos,

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especialmente porque deixavam de considerar a diferença entre os níveis superficial e

profundo da estrutura gramatical. Segundo ele, todas as línguas possuem uma estrutura

superficial, que representa a forma como as sentenças vão se materializar, e uma estrutura

profunda, que encerra o conteúdo semântico desta e forma o elemento gramatical básico que o

falante de uma língua possui.

Para Chomsky (2009, p. 68), “o conhecimento de uma língua implica a capacidade de

atribuir estruturas superficiais e profundas a um número infinito de sentenças, de relacionar

essas estruturas adequadamente”. Chomsky analisa, dessa forma, a sintaxe da língua

dissociada de outros aspectos e tenta comprovar a existência de algo anterior à língua; ele

chama a atenção para a capacidade que os falantes têm de produzir sentenças

independentemente do contexto de produção.

É a competência que ele aponta como seu objeto de estudo, e o ponto de

partida de seu modelo teórico foi a criatividade do falante, isto é, sua

capacidade inata de construir e interpretar um número infinito de enunciados

com base em um conjunto finito de unidades linguísticas. Baseado nessa

relação criatividade-enunciados, Chomsky afirmou que aquilo que havia de

realmente criativo na língua era sintático. (SUASSUNA, 2010, p. 73)

Oliveira (2005) também registra que, para Chomsky, a sintaxe funciona como um

sistema autônomo, ou seja, como uma máquina que origina sentenças bem formadas,

independentemente da semântica (e certamente da pragmática), com um modo de operar

característico.

De acordo com Chomsky, seria preciso apresentar um novo nível de estruturas

linguísticas que possibilitasse explicar todo o conjunto de sentenças da língua. Com esse

intuito, apresentou a noção das regras gerativo-transformacionais, por meio das quais as

sentenças podem ser relacionadas umas às outras; explicava-se, assim, como uma sentença

pode se converter ou transformar em outra. O autor confirma, pois, a ênfase no estudo dos

aspectos sintáticos da língua e, embora, reconheça o caráter histórico e social desta2, não o

considera objeto de estudo da linguística.

Em Marcuschi (2009, p. 36), encontramos que “o preço pago por Chomsky para

implantar essa perspectiva foi a eliminação dos estudos ligados à vida social da linguagem,

2 Em Chomsky (2009, p. 194), temos: Todavia, é igualmente claro que o uso real observado da linguagem – o

desempenho real – não reflete apenas as ligações intrínsecas de som-significado estabelecidas pelo sistema de

regras linguísticas. O desempenho envolve muitos outros fatores. [...] As crenças extralinguísticas acerca do

falante desempenham um papel fundamental na determinação de como a fala é produzida, identificada e

entendida.

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isto é, a pragmática, a sociolinguística, a interação verbal, o discurso etc., ligados ao uso,

funcionamento ou desempenho linguístico.”

Nessa concepção de língua, considera-se a ação do sujeito à revelia do contexto.

1.1.3 A língua na perspectiva de Bakhtin

A terceira concepção de língua que ora apresentamos se constitui numa perspectiva

diferente das anteriormente apresentadas, especialmente, no que se refere ao modo como se

situa o papel do sujeito no desenvolvimento dos atos de linguagem. Estamos falando da

concepção de língua difundida, entre outros, por Mikhail Bakhtin, um pesquisador russo que,

nomeando o estruturalismo de Saussure de objetivismo abstrato, opôs-se a este.

Em Bakhtin3 (2010, p. 111), temos:

Para o objetivismo abstrato, a língua, como produto acabado, transmite-se de

geração a geração. [...] Configurando o sistema de língua e tratando as

línguas vivas como se fossem mortas e estrangeiras, o objetivismo abstrato

coloca a língua fora do fluxo da comunicação verbal.

Bakhtin (2010), assim como Saussure, define a língua como fato social, mas,

diferentemente dos estruturalistas que têm a língua como um sistema sincrônico e

homogêneo, e rejeitam as suas manifestações individuais, Bakhtin valoriza basicamente a

fala, a enunciação. Para esse linguista, a fala está indissoluvelmente ligada às condições da

comunicação, e estas por sua vez, ligam-se sempre às estruturas sociais.

Nesse sentido, Bakhtin (2011) afirma:

i. todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva; é a posição

ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido;

ii. só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato

da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera o entendimento da

expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva

existente fora de nós;

3 A 1ª edição de Marxismo e Filosofia da Linguagem data de 1929. Lidamos neste estudo com a 14ª edição

brasileira (2010).

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iii. quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado,

nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra,

lexicográfica; costumamos tirá-las de outros enunciados.

Desse modo, a forma linguística é percebida como um signo mutável, vivo e móvel,

que tem como centro organizador de toda enunciação o meio social que envolve o indivíduo.

Na visão desse estudioso, a língua não reside no pensamento do falante nem é um sistema

abstrato externo às condições sociais4, mas um trabalho desenvolvido conjuntamente pelos

interlocutores, uma atividade social.

Segundo Bakhtin,

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na

corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham

nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. [...] Os

sujeitos não “adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que

ocorre o primeiro despertar da consciência. (2010, p. 111)

É assim que seu conceito de língua tem a ver com o conceito de dialogismo, o qual

decorre do processo da interação verbal5 entre enunciador e enunciatário e constitui-se,

portanto, na observância da existência do outro dentro do processo de comunicação.

Para Bakhtin, a dialogicidade existe:

i. nas relações entre os textos e no interior de um texto;

ii. entre enunciados e enunciação;

iii. entre os gêneros do discurso;

iv. na interação verbal entre eu e o outro.

Segundo ele, “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela

se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”.

(BAKHTIN, 2010, p.117).

Importante destacar que o outro apontado por Bakhtin não é um indivíduo inerte,

passivo, pronto para receber informações; e sim um sujeito (interlocutor) capaz de interagir,

de se envolver, ativamente, no processo de comunicação social.

4 Em Bakhtin (2010, p. 93) lê-se: “Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e

lançarmos sobre a língua um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos, oblíquo, ou melhor, de cima,

não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis”. 5 A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela

enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da

interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a

realidade fundamental da língua. (BAKHTIN, 2010, p.127)

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De acordo com essa forma de abordar a língua, a consciência do sujeito é despertada

nas relações de interação com o seu interlocutor, através da relação do eu com a palavra do

outro6, o que nos faz pressupor que a grande contribuição de Bakhtin foi pensar a

língua/linguagem a partir de sua natureza sócio-histórica.

Por esse caminho, consideramos que perceber a língua como um processo de mudança

ininterrupta, que se realiza através da interação verbal entre locutores, tem implicação para a

forma como percebemos a escrita de textos. Como implicação, o ensino da produção textual

não deve ser visto como uma atividade isolada, mas como uma atividade em que o sujeito usa

a linguagem numa perspectiva dialógica. Assim, é fundamental considerar sempre a

existência do outro e os contextos de realização de seus discursos. Conforme assumido por

Bakhtin (2011, p. 294), ao afirmar que “[...] a experiência discursiva individual de qualquer

pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados

individuais dos outros”.

É nesse sentido que nos apoiamos ao longo deste estudo na terceira concepção de

língua aqui apresentada.

1.2 Concepção de língua e ensino de português

Ao tratarmos sobre o ensino de língua portuguesa, não poderíamos deixar de o

associarmos às concepções de língua que apresentamos, já que os eventos que ocorrem na sala

de aula estão intimamente relacionados à postura teórica e ideológica assumida por cada

professor.

De acordo com Antunes (2003, p. 39), “desde a definição dos objetivos, passando pela

seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e

específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua”.

Por esse caminho, alguns estudiosos consideram que ideologias diferentes implicam

atitudes pedagógicas diferentes (GERALDI, 2004; MARCUSCHI, 2009).

6 Para Bakhtin (2010), toda palavra abrange duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de

alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.

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Na tradição escolar, o ensino de língua tem sido relacionado ao ensino de gramática e,

sobre esse aspecto Silva e outros apud Suassuna (2010, p. 121) indicam que “uma postura

diferente diante da língua provocaria uma abordagem diferente da gramática e uma prática de

ensino de língua também diferente”.

Seguindo nessa perspectiva, faremos uma abordagem na qual analisaremos as

possíveis relações entre o objeto de estudo privilegiado no ensino de português e a concepção

de língua adotada por professores de língua materna, observando que a cada instância de

utilização de uma língua nos apropriamos da gramática dessa língua (NEVES, 2009).

Antes porém, observamos como Antunes (2003) que duas grandes tendências têm

marcado o ensino de português: uma, centrada na língua como um conjunto abstrato de signos

e desvinculado de suas condições de uso; outra, centrada na língua como interação social,

vinculada às suas situações de realização.

Isso posto, à primeira concepção de língua relacionamos um ensino cuja base é a

gramática tradicional7 com a transmissão de regras de uma língua uniforme e imutável. O

ensino da gramática da língua, nessa abordagem, restringe-se fundamentalmente ao

reconhecimento de nomenclaturas de termos e classificação das unidades da língua.

O ensino de português centrado na língua como um conjunto de regras pressupõe a

existência de um modelo de língua único (o padrão), que deverá ser apreendido por todos e,

por se considerar que a língua tem um caráter homogêneo, o distanciamento da norma, nessa

abordagem, equivale o erro.

Antunes (2003), ao refletir sobre as atividades em torno do ensino da gramática

normativa, declara que temos um ensino fundamentado numa

Gramática predominantemente prescritiva, preocupada apenas com marcar o

“certo” e o “errado”, dicotomicamente extremados, como se falar e escrever

bem fosse corretamente, não importando o que se diz, como se diz, quando

se diz, e se se tem algo a dizer. Por essa gramática, professores e alunos só

veem a língua pelo prisma da correção e, o que é pior, deixam de ver outros

muitíssimos fatos e aspectos linguísticos (os fatos textuais e discursivos, por

exemplo), realmente relevantes. (ANTUNES, 2003, p. 33).

De acordo com Suassuna (2009), no ensino tradicional, as próprias gramáticas

(normalmente compostas de três partes: definição das unidades e elementos; exemplificação

de regras de bom uso, e exercícios de identificação e aplicação de regras) são tomadas como

7 Com o termo “gramática tradicional” referimo-nos todo o corpo de doutrina gramatical elaborado na Europa e

na América, antes do aparecimento da linguística moderna no século XX. A tradição gramatical europeia teve

início com os gregos e continuou com os romanos, interessados em descrever suas próprias línguas. (ILARI,

2011).

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parâmetros para a ação pedagógica. Ora, nessa dimensão, “se a língua é um código fechado, o

ensino da língua deve ter como meta essencial a capacidade de manipular esse código”

(SUASSUNA, 2009, p. 74).

No modelo estruturalista do ensino de língua, os aspectos semânticos e pragmáticos

praticamente são desconsiderados. Não verificamos assim oportunidades para o aluno refletir

sobre os usos da língua e, por se tratar de um ensino predominantemente prescritivo8, um bom

usuário da língua é aquele que se apropria das regras gramaticais. Aprender gramática implica

falar e escrever bem, e não usar a gramática da língua para ampliar suas possibilidades de

participação social.

A ideologia que sustenta a visão instrumentalista do ensino de língua acaba por

separar forma de conteúdo, como se houvesse dois momentos: um primeiro em que se

aprende a linguagem no sentido formal e um segundo em que se aprende o conteúdo

transmitido por essa linguagem. (GERALDI, 2009, p. 34)

A segunda concepção de língua tem por fundamento o conjunto de regras que o falante

domina e usa de forma intuitiva ao falar ou entender sua língua e está associada ao ensino de

uma gramática internalizada. Essa gramática se refere a hipóteses sobre os conhecimentos que

habilitam o falante a produzir frases e sequências de palavras de modo que suas construções

sejam compreensíveis como pertencentes a uma determinada língua (POSSENTI, 2009).

Com base na maneira como os sujeitos identificam e interpretam sequências sonoras

com determinadas características, supõe-se que na mente dos falantes exista um conhecimento

específico capaz de lhes possibilitar esse equilíbrio. Esse conhecimento é, basicamente, de

caráter lexical (capacidade dos falantes de usar as palavras adequadas aos processos),

semântico (efeito de sentido que poderá ser obtido com o emprego de determinada palavra) e

sintático (correta utilização da palavra na construção da sentença).

Como essa noção de língua atribui à sintaxe papel de relevância, já que na visão de

Chomsky a sintaxe é o elemento criativo responsável por gerar sentenças, percebemos uma

ênfase dada ao ensino dos componentes sintáticos das frases. Não raro, verificamos em nossas

salas de aula a realização de atividades voltadas para a identificação de termos das orações,

associada à classificação e à função desses termos de acordo com a posição que ocupam nas

sentenças. Nessas atividades, distanciam-se as reflexões sobre as razões pelas quais o 8 Sobre o ensino de caráter prescritivo, Neves (2009) comenta que as gramáticas tradicionais não explicitam a

prescrição, já que normalmente não encontramos claramente as marcas injuntivas “use isto e não aquilo” ou

“deve-se usar isto e não aquilo”; mas, na apresentação das regras, depreendem-se os exemplos que dizem o que a

língua deve ser.

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enunciador organizou as sentenças, sobre os efeitos de sentido construídos a partir da

utilização de determinados termos dispostos numa determinada ordem; enfim, sobre os

aspectos discursivos inerentes ao processo de produção textual.

Nesse contexto, Antunes (2003, p. 46) assinala que:

O grande equívoco em torno do ensino da língua tem sido o de acreditar que,

ensinando análise sintática, ensinando nomenclatura gramatical,

conseguimos deixar os alunos suficientemente competentes para ler e

escrever textos, conforme as diversificadas situações sociais.

Isso porque, assim como a primeira, essa segunda concepção de língua também

apresenta limitações, pois exclui os parâmetros externos da ação de linguagem (os

enunciados, os contextos de produção,...), situa a língua numa perspectiva homogênea e nega

a dimensão sócio-histórica da linguagem.

Por tudo o que já foi exposto, num ensino cujas bases são as duas noções de língua

explicitadas, não são raras as atividades que privilegiam o estudo da gramática normativa e

prescritiva, assim como, os aspectos sintáticos relegando-se as atividades de leitura e

produção de texto a um plano secundário.

Não pretendemos aqui desconsiderar a importância do ensino da gramática da língua,

mas observar o lugar de destaque dado à gramática (discurso sobre a língua) nas aulas de

português; o ensino de uma gramática desvinculada dos usos reais da língua escrita ou falada,

centrado em frases isoladas, sem sujeitos, sem interlocutores.

Como nos chama a atenção Antunes apud Marcuschi (2009, p. 56), “(...) não existe

língua sem gramática”. Compreendemos que os discursos não são construídos de forma

aleatória, existindo algumas regularidades na construção dos enunciados de forma a torná-los

compreensíveis. O problema está na intensidade com que se ensinam as normas gramaticais,

exigindo-se com veemência que os alunos usem as regras e justifiquem por que as usam, sem

que antes seja observada a necessidade de empregá-las e a compreensão dos seus usos.

Geraldi (2003) relata que um dos grandes problemas observados é que o ensino

pautado nos percursos da gramática começa pelas definições, pelas regras abstratas. Para ele,

não é a gramática abstrata que nos deu uma língua em comum e, nesse sentido, importa

ensinar a língua e não a gramática.

À terceira concepção de língua corresponde um ensino que se distancia das análises

dos elementos internos da língua e se aproxima dos contextos de uso. Ao mesmo tempo,

aponta a possibilidade de novos caminhos para as aulas de português.

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De acordo com Suassuna (2009, p.40), “primeiramente, podemos dizer que uma nova

concepção de linguagem implica uma mudança no objetivo da ação pedagógica. À luz da

noção de interação, formulamos, então, a seguinte meta para o ensino de português: ampliar

as formas de interação por meio da linguagem”.

Com base nessa afirmação, entendemos que uma nova metodologia de ensino está de

alguma forma vinculada a um novo posicionamento sobre a concepção de língua que

adotamos em nossas aulas. No ensino fundamentado na concepção de língua idealizada por

Bakhtin (2010), o foco está na proposta de atividades que objetivam o domínio das

habilidades de uso da língua em diversas situações concretas de produção, por meio das quais

os alunos possam entender e produzir enunciados, refletindo sobre as diferentes formas de se

expressar em uma língua.

Para Mendonça (2006), essa concepção de linguagem pode ajudar a repensar a

atividade de produção de textos na escola, já que o texto funcionaria como o próprio espaço

de interação.

Com postura semelhante, Geraldi (1997) nos diz que adotar essa nova concepção

implica o reconhecimento de uma dialogicidade constante e o abandono de crenças

cristalizadas por parte do professor e do aluno.

Nessa visão, “o trabalho em língua portuguesa parte do enunciado e suas condições de

produção para entender e bem produzir textos” (MARCUSCHI, 2009, p.55). É dado um novo

direcionamento ao ensino que terá como foco de trabalho a língua no contexto da

compreensão, produção e análise textual.

Consideramos pertinente registrar que as diferentes concepções de língua

correspondem a diferentes posturas no ensino de língua portuguesa e, na observação desse

aspecto, concordamos com Marcuschi (2009, p. 50), quando este afirma que:

Sempre que ensinamos algo, estamos motivados por algum interesse, algum

objetivo, alguma intenção central, o que dará o caminho para a produção

tanto do objeto como da perspectiva. Esse fato esclarece a pluralidade de

teorias e a impossibilidade de se dizer qual é a verdadeira. Todas têm sua

motivação, algumas podem estar mais bem fundamentadas e outras podem

ser mais explicativas. Mas nenhuma vai ser a única capaz de conter toda a

verdade.

Ao mesmo tempo, não podemos deixar de registrar o que expressa Suassuna (2010,

p.119): “chega a ser uma heresia pensar na linguagem sem pensar, juntamente, na natureza

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dialógica da enunciação”, porque concebemos a língua como uma possibilidade de nos

posicionar diante do mundo, de interagir no espaço social onde nos encontramos.

1.3 Concepção de texto, tipo e gênero textual

Neste estudo, consideramos importante abordar os conceitos de texto, tipo e gênero

textual, apoiando-nos no fato de que, após a divulgação dos Parâmetros Curriculares

Nacionais − PCN (BRASIL, 1999)9, não só os livros didáticos começaram a diversificar os

tipos e os gêneros textuais neles apresentados, como também os professores, apropriando-se

do discurso da necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos,

começaram por inserir uma variedade desses recursos nas aulas de língua.

Para Guimarães (apud Suassuna, 2008, p. 4):

A entrada do texto em sala de aula é que veio assegurar a recuperação dos

fatos reais da língua em uso [...] a leitura e a produção textual devem levar

ao aperfeiçoamento da competência comunicativa do aprendiz,e , portanto, é

preciso condicionar uma e outra ao conhecimento das circunstâncias que as

motivam. Como todo e qualquer texto existe numa situação comunicativa,

ele cumprirá sua função quanto mais atingir o nível de significação

pretendido nesse contexto comunicativo.

Contudo, a introdução dos textos nem sempre veio acompanhada de uma reflexão

sobre as reais contribuições destes para a ampliação da capacidade comunicativa dos alunos.

Nesse processo, expressões como tipo de texto e gênero textual começaram a emergir no dia a

dia dos professores e o que verificamos, no contato com docentes de língua materna, foi a

falta de clareza sobre o que seria uma e outra forma de trabalho com o texto.

Mas, o que seria necessariamente um texto?

Tomando-se por base a concepção de língua como uma atividade discursiva,

chegamos a encontrar certa concordância entre os estudiosos acerca da concepção de texto,

tais como: o texto “é uma unidade linguística comunicativa fundamental, produto da atividade

humana, que possui sempre caráter social” (BERNÁRDEZ apud SAUTCHUK, 2003, p. 3); o

9 Encontramos nos PCN para o Ensino Médio, área de Linguagens e suas Tecnologias, a seguinte informação em

relação a esse documento: cabe ao leitor entender que o documento é de natureza indicativa e interpretativa,

propondo a interatividade, o diálogo, a construção de significados na, com e pela linguagem (BRASIL, 1999, p.

4)

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texto é “o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus

vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2009, p. 71);

“ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade

sociocomunicativa, semântica e formal” (VAL, 2006, p.03); texto é “toda unidade de

produção de linguagem situada, acabada e autossuficiente (do ponto de vista da ação ou da

comunicação)” (BRONCKART, 2007, p. 75); “um texto é, pois, um todo organizado de

sentido, [...] e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo” (SAVIOLI e

FIORIN, 2001, p. 18); “tende-se a falar de texto quando se trata de produções verbais orais ou

escritas, estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem longe de seu

contexto original” (MAINGUENEAU, 2005, p. 57).

Dessa maneira, podemos encontrar, ao menos, três aspectos comuns nas definições

apresentadas: a) o texto possui uma função comunicativa e social; b) e é produto da atividade

verbal; c) é situado historicamente.

Assim, partindo da concepção de língua por nós adotada (a concepção

sociointeracionista), optamos por nos basear num conceito de texto que expressasse, de igual

modo, a importância das relações interativas entre os interlocutores na atividade discursiva.

Para tanto, apresentamos a definição de texto de Koch (2011, p. 31):

O texto é considerado como manifestação verbal, constituída de

elementos linguísticos de diversas ordens, selecionados e dispostos

de acordo com as virtualidades que cada língua põe à disposição dos

falantes no curso de uma atividade verbal, de modo a facultar aos

interactantes não apenas a produção de sentidos, como a fundear a

própria interação como prática sociocultural.

Ainda sobre a definição de texto, é importante registrar o que nos diz Bronckart

(2007); para ele, se é possível nos dotarmos de uma definição genérica de texto, é interessante

lembrar que os exemplares de textos observáveis10

se caracterizam por uma grande

diversidade e, dessa forma, por um conjunto de características diferenciais.

Relacionando essa afirmação às atividades discursivas, percebemos que

continuamente usamos diferentes formas de texto para interagir. Podemos afirmar ainda que,

dada a necessidade de nos expressarmos, essas formas vão se diversificando cada vez mais.

10

Para Bronckart (2007, p. 69), os textos são formas empíricas diversas de realização da língua.

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28

Sobre essa diversidade textual, Marcuschi (2009) nos apresenta alguns conceitos que

talvez nos ajudem a compreender melhor as formas de tratamento do texto nas aulas de língua

portuguesa. Estamos nos referindo às noções de tipo e de gênero textuais já mencionadas.

O tipo textual, segundo esse pesquisador, designa uma espécie de construção teórica

definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos

verbais, relações lógicas, estilo), caracterizando-se muito mais como sequências linguísticas

do que como textos materializados.

Para Marcuschi (2009, p. 154), os tipos, “a rigor, são modos textuais”, que,

geralmente, englobam poucas categorias, tais como, a narração, a argumentação, a injunção, a

descrição e a exposição; o autor nos chama a atenção para o reduzido número de categorias de

tipos textuais, lembrando, ainda, que não há uma expectativa de aumento para essa

categorização.

A outra noção diz respeito aos gêneros textuais e tem por base a ideia de gêneros do

discurso de Bakhtin (2011).

Segundo esse linguista:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da

linguagem.[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados

(orais ou escritos) concretos e únicos, proferido pelos integrantes desse ou

daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as

condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu

conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de

recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo,

por sua construção composicional. [...] Evidentemente, cada enunciado

particular é individual, mas cada campo da língua elabora seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do

discurso (BAKHTIN, 2011, p. 261).

Nesse sentido, de acordo com Bakhtin, todos os enunciados se baseiam nos gêneros,

os quais se relacionam às diferentes situações sociais.

Sobre os gêneros do discurso, Bakhtin faz várias considerações das quais destacamos:

i. os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que

o organizam as formas gramaticais (sintáticas);

ii. nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando

ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras

palavras;

iii. se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se

tivéssemos que recriá-los pela primeira vez no processo do discurso, de

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construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação

discursiva seria quase impossível.

Assim, a cada situação corresponde um gênero com características próprias

composicionais, funcionais e estilísticas, que são responsáveis pela comunicação humana.

Para Dolz, Gagnon e Decândio (2010), uma vez que a nossa comunicação se

estabelece por meio de textos,11

o texto é considerado como a unidade básica do ensino de

produção e se constitui no instrumento de mediação necessário para o trabalho com a

produção escrita. Os gêneros se configurariam, pois, como entidades intermediárias que

permitiriam estabilizar os elementos formais e as práticas discursivas.

Tendo por fundamento as considerações de Bakhtin, é de certa forma consensual entre

alguns estudiosos da linguística o conceito de gênero textual: “o gênero é apenas a realização

visível de um complexo de dinâmicas sociais e psicológicas” (BAZERMAN, 2011, p. 29);

“são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas”

(MARCUSCHI, 2009, p. 155); “[...] postula-se, atualmente, que os gêneros textuais são

artefatos culturais bastante diversificados, com uma evidente dimensão comunicativa”

(SUASSUNA, 2008, p. 5). Em todos esses conceitos percebemos a estreita relação dos

gêneros com a ação de linguagem e, nesse sentido, Bronckart (2007, p. 137) afirma que:

[...] Na escala sócio-histórica, os textos são produtos da atividade de

linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função

de seus objetivos, interesses e questões específicas, essas formações

elaboram diferentes espécies de textos, que apresentam características

relativamente estáveis (justificando-se que sejam chamadas de gêneros de

texto) e que ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados, para

os contemporâneos e para as gerações posteriores.

Marcuschi (2009), enfatizando o aspecto social dos gêneros, registra que toda vez que

desejamos produzir alguma ação linguística em situação real, recorremos a algum gênero

textual. Segundo ele, os gêneros são parte integrante da sociedade e não apenas elementos que

se sobrepõem a ela. É ainda Marcuschi (ibidem) que comenta sobre a fluidez das noções de

tipo e de gênero textual, chamando-nos a atenção para evitarmos os extremismos dicotômicos

que podem surgir em função dessas nomenclaturas.

Para esse autor, os gêneros não se opõem aos tipos e vice-versa; ambos são dois

aspectos constitutivos do funcionamento da língua em situações de comunicação da vida

11

Em Marcuschi (2009, p. 27) também encontramos: “O texto torna-se a unidade linguística por excelência, pois

para van Dijk é por textos e não por sentenças que nos comunicamos”.

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diária. De acordo com Marcuschi (2009), as definições por ele apontadas acerca de tipo e de

gênero são muito mais operacionais do que formais. Desse modo, para a noção de tipo textual

predominaria a identificação de sequências linguísticas como norteadora, e para a noção de

gênero textual, predominam os critérios de padrões comunicativos, ações, propósitos e

inserção sócio-histórica. Em outras palavras, de maneira geral, vamos perceber que há uma

grande heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais (MARCUSCHI, 2009).

Definidos pois esses conceitos, no tópico seguinte trataremos sobre a inserção do texto

(ou dos gêneros) nas aulas de português.

1.4 O texto como objeto de ensino nas aulas de português

O texto nem sempre foi objeto de ensino nas aulas de língua, mas, sobretudo, a partir

da década de 1960 nos primórdios da Linguística Textual (LT), um novo lugar foi

vislumbrado para ele.

Segundo Marcuschi (2009, p. 73), esse ramo da Linguística teve como motivação

inicial “a certeza de que as teorias linguísticas tradicionais não davam conta de alguns

fenômenos linguísticos que apareciam no texto”. Esse mesmo autor também afirma que a LT:

Desenvolveu-se rapidamente e em várias direções [...] Dispõe, porém, de um

dogma de fé: o texto é uma unidade linguística hierarquicamente superior à

frase. E uma certeza: a gramática de frase não dá conta do texto. (idem,

2009a, p. 16)

Nesse mesmo caminho, Suassuna (2008, p. 4) afirma:

O texto como unidade de sentido passou a ser o centro do trabalho

pedagógico com a língua portuguesa a partir da constatação de que o ensino

tradicional, baseado na descrição e normatização do código escrito padrão,

pouco contribuía para a formação do leitor e produtor de textos.

Somando-se a isso, em meados da década de 1980, com o desenvolvimento de estudos

sobre a Pragmática e num momento chamado por alguns estudiosos de virada pragmática e

por outros de virada discursiva, o texto passou a ser visto como unidade básica de interação

humana.

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No Brasil, a ideia de que o texto é a base do ensino-aprendizagem de língua

portuguesa contou com uma importante obra de divulgação desse princípio: O texto na sala

de aula, publicado em 1984 por João Wanderley Geraldi.

Nessa obra, além de o texto ser abordado como um objeto sobre o qual se desdobra um

ensino processual em leitura e produção de textos, propugna-se um deslocamento dos eixos de

ensino, que se distanciam do ensino normativo e se direcionam aos processos de leitura,

produção de texto e da análise gramatical ligada aos usos da língua.

Em livro mais recente, Geraldi (2003, p. 105) registra que “o trabalho com a

linguagem, na escola, vem se caracterizando cada vez mais pela presença do texto, quer

enquanto objeto de leituras, quer enquanto trabalho de produção”.

Contudo, esse mesmo pesquisador considera que nem sempre o texto teve a relevância

que tem hoje no ensino de língua portuguesa, e sua presença nas aulas acontecia de forma

muito peculiar: o texto era utilizado como modelo em vários sentidos. Segundo esse

estudioso, o texto era utilizado como objeto de leitura vozeada (ou oralização do texto

escrito); objeto de imitação (texto lido como modelo para a produção de texto dos alunos) e

objeto de fixação de sentidos (o significado do texto era o significado dado pelo professor).

Essas formas de inserção, por sua vez, afastando-se dos contextos de uso, revelam como, na

atividade de sala de aula, o que poderia levar à pluralidade pode se tornar uno (GERALDI,

2003).

Acerca da inserção do texto com ênfase no trabalho de produção, o que temos

observado é que, entre outras razões, numa tentativa de acompanhar as mudanças que vêm

sendo propostas no ensino de línguas, alguns professores tentam lançar mão de uma prática

diferenciada com o texto em sala de aula, mas sem efetivamente situá-lo na perspectiva da

linguagem como interação, nem na produção de texto como uma atividade dialógica.

Por esse direcionamento, acabam por centrar o ensino da produção textual num

movimento que vai desde a exposição de um modelo a ser seguido, passando pelo estudo dos

aspectos composicionais desse modelo até a proposta de produção de um texto. Essa prática

nos revela uma possível compreensão de que, para alguns docentes, essa metodologia já

garante a formação de bons produtores de texto.

Se nos apoiarmos em algumas reflexões de Bunzen (2006), pensamos haver uma

aproximação dessa prática a uma outra já difundida até meados do século XIX, na qual o

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ensino da “composição” era realizado por meio da apresentação de modelos de textos a serem

reproduzidos pelos alunos. De acordo com esse autor:

Os manuais de retórica, por exemplo, apresentavam uma classificação dos

gêneros literários que deveriam ser utilizados na escola e apontavam as

qualidades e defeitos de estilo, além de mostrar como montar esquemas de

ideias. Eles insistiam “na necessidade ‘vital’ de escrever bem, de acordo com

os modos que apregoavam e prescreviam”. (MESERANI, 1995 apud

BUNZEN, 2006, p. 142).

Essa situação nos faz lembrar também algo que foi pontuado por Geraldi (2003; 2004)

ao afirmar que a prática da redação escolar se caracteriza por uma reprodução de formas

estruturais dos modelos dos textos aos quais os alunos são apresentados.

É nesse contexto que, apesar das várias mudanças propostas para o ensino de língua e

das diversas discussões sobre o que ensinar e como ensinar nas aulas de português, o trabalho

com textos nem sempre tem alcançado o objetivo de formação de sujeitos autores de seus

textos.

Nessa perspectiva, para uma transformação no quadro do ensino de línguas visando,

de fato ao ensino-aprendizagem com textos, Suassuna (2008, p. 7) nos diz que “temos que

enfrentar dois desafios: dispor de um aparato teórico sobre tipologia textual que dê

sustentação à prática da sala de aula” e definir, diante da diversidade de textos que temos,

quais textos seriam trabalhados em função da ação discursiva na qual desejamos que os

alunos se engajem como sujeitos. Dessa maneira, “centrar o ensino no texto é ocupar-se e

preocupar-se com o uso da língua”. (GERALDI, 2009, p. 66). Isso implicaria pois, um

afastamento de concepções e práticas pedagógicas tradicionais para um deslocamento em

busca de novas propostas de ensino.

Após essa discussão sobre a didática do texto, propomos no tópico seguinte uma

reflexão sobre a situação didática de produção de texto.

1.5 Gêneros textuais como instrumentos de aprendizagem da produção escrita

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Inicialmente, julgamos pertinente comentar sobre o fato de que o estudo dos gêneros

não é algo novo (BRONCKART, 2007; MARCUSCHI, 2009; ROJO, 2010) e, como se

caracterizam espécies de textos, agrupados por terem aspectos comuns, eles se articulam às

necessidades dos falantes e às condições sociais em que são produzidos. Nesse âmbito, o

surgimento de novas motivações sociais pode fazer emergir um novo gênero textual.

Em Bronckart (2007, p. 72), lemos:

Diante dessa diversidade das espécies de textos, manifestou-se, desde a

Antiguidade grega até os nossos dias, uma preocupação com sua delimitação

e nomeação, que se traduziu na elaboração de múltiplas proposições de

classificação, centradas, na maioria dos casos, na noção de gênero de texto

(ou gênero de discurso).

É assim que, no que diz respeito à forma como os gêneros textuais foram sendo

introduzidos no trabalho pedagógico, Antunes (apud Suassuna, 2008, p. 5) registra:

Particularmente a partir da Pragmática, a Linguística passa a se ocupar da

textualidade e, daí em diante, do nível mais amplo da atuação social,

dimensão e lugar em que se dão os fatos de realização da língua. Com o

desdobramento disso, passa-se a esperar do ensino que eleja como ponto de

referência o texto, chegando ao nível das práticas sociais e, aí, ao nível das

práticas discursivas, [...] domínios em que, na verdade, se definem as

convenções do uso adequado e relevante da língua. É nesse ponto que se dá a

passagem dos tipos de texto para o que se tem denominado gêneros textuais,

[...] na perspectiva bem ampla de abrangerem-se as normas e convenções

que, no texto, são determinadas pelas práticas sociais. (p.2)

Admitimos que um trabalho sistemático com gêneros textuais e articulado às ações de

linguagem permitiria uma maior abertura para vislumbrar questões acerca da produção de

textos. Entre esses aspectos, estão as diferentes funções da linguagem, a variedade de formas

de organização textual e as possibilidades de uso dos recursos linguísticos como resultado das

escolhas de quem produz o texto e das necessidades de cada situação de produção. Assim, (1)

se o objetivo do ensino de língua é possibilitar que o aluno seja capaz de usar um número

cada vez maior de recursos linguísticos para a produção de efeitos de sentido adequadamente

em cada situação de interação; (2) se nós nos comunicamos por meio de textos; (3) se os

textos se diversificam em face das inúmeras situações de interação, deixar os alunos restritos a

apenas alguns tipos de textos é provavelmente fazer com que eles disponham e se utilizem de

recursos para atuarem comunicativamente somente em algumas situações interlocutivas e em

outras, não.

Nossa posição encontra apoio numa das afirmações de Bakhtin (2011, p. 285):

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Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os

empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa

individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais

flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de

modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso.

Segundo Barbosa (apud Suassuna, 2008, p. 6), “para além dos aspectos estruturais

e/ou funcionais, os gêneros textuais permitiriam ao professor lidar com aspectos da

enunciação [...], considerados de grande importância no processo de compreensão e produção

de textos”.

Confirmando o aspecto discursivo dos gêneros e o fato de que a interação se dá

impreterivelmente através de algum deles, Marcuschi (2002, p.19) registra que “os gêneros

são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social. [...] contribuem

para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades

sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.

Contudo, apoiando-nos em Suassuna (2004, p. 2) afirmamos que:

Se por um lado, não temos dúvida de que a teoria dos gêneros textuais é

bastante produtiva quando se trata de ensinar a ler e escrever, e nos aproxima

mais da linguagem em uso, por outro lado, não podemos encará-la como

receita definitiva, modismo a ser seguido ou solução para os problemas

educacionais que enfrentamos cotidianamente.

Contextualizando os gêneros no espaço escolar, Marcuschi (2009) considera que é a

perspectiva teórica interacionista e sociodiscursiva (com influências de Bakhtin e de

Vygotsky) que tem orientado o trabalho com gêneros numa ação didática voltada para o

ensino de língua materna.

Para Schneuwly e Dolz (2010) a noção de gênero permite articular a finalidade geral

de aprender a comunicar com os meios linguísticos próprios às situações que tornam a

comunicação possível. Segundo eles, os gêneros escolares constituem um desdobramento dos

gêneros de referência, pois no espaço escolar irão se comportar de forma a se adequarem às

novas situações de uso. Para esses autores, os gêneros passariam a ser instrumentos de

comunicação e objetos de aprendizagem.

Segundo esses estudiosos, no contexto escolar, “o aluno encontra-se, necessariamente,

num espaço do ‘como se’, em que o gênero funda uma prática de linguagem que é,

necessariamente, em parte, fictícia, uma vez que instaurada com fins de aprendizagem”

(ibidem, p. 65).

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Ainda de acordo com Schneuwly e Dolz (2010):

i. toda introdução de um gênero na escola implica uma transformação, pelo

menos parcial deste, como, por exemplo, a simplificação do gênero ou ênfase

em certas dimensões;

ii. pelo fato de o gênero funcionar em outro lugar social, diferente daquele em que

foi originado, ele não tem mais o mesmo sentido; trata-se de gênero a aprender,

embora permaneça gênero para comunicar;

iii. é preciso colocar os alunos em situações de comunicação que se aproximem de

verdadeiras situações de comunicação, que tenham sentido para eles, com a

finalidade de melhor dominá-las como realmente são.

Pelas afirmações desses pesquisadores, poderíamos conceber que em situações

escolares não encontramos gêneros próprios desse meio social, ou ainda pressupor que o uso

dos gêneros para fins didáticos se manifeste de forma estritamente artificial.

É possível que Schneuwly e Dolz (2010) estejam tomando como referência as

considerações acerca de gêneros primários (aqueles produzidos em situações mais

espontâneas de enunciação) e secundários (os construídos de modo mais elaborado) de

Bakhtin (2011). No entanto, esse linguista nos afirma que a diferença essencial entre os

gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) não decorre de uma

diferença funcional. De acordo com ele,

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas,

pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc)

surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e

relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o

escrito). [...] No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram

diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da

comunicação discursiva imediata (BAKHTIN, 2011, p. 263, grifo nosso).

Distanciando-se da abordagem de Schneuwly e Dolz e mais próxima da perspectiva de

língua, texto e gênero ora assumida neste estudo, observamos nas discussões de outros

pesquisadores acerca do ensino da escrita, uma outra perspectiva teórica de utilização dos

gêneros textuais na escola: os gêneros como realização concreta da linguagem por meio dos

quais oportunizamos aos alunos a ampliação de possibilidades de uso exitoso da língua.

Bazerman (2011), por exemplo, nos diz que os gêneros são os lugares familiares para

onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os

modelos que utilizamos para explorar o não-familiar. Não se trata, pois, de numa ação

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didática, realizar simulações de uso dos gêneros para aproximá-los da realidade dos

educandos, mas conceber os gêneros como uma ferramenta favorável à descoberta dos

recursos que os alunos trazem em sua trajetória de vida e, a partir desse ponto, conduzi-los a

experienciar novos territórios discursivos aos quais ainda não foram apresentados.

Para Bazerman (2011, p. 30), “cabe a nós, professores, ativarmos o dinamismo da sala

de aula de forma a manter vivos, nas ações significativas de comunicação escolar, os gêneros

que solicitamos aos nossos alunos produzirem”. De acordo com ele, uma vez que os alunos se

sintam parte da vida de um gênero, “qualquer um que atraia a sua atenção, o trabalho duro e

detalhista de escrever se torna irresistivelmente real [...]” (idem, ibidem, p. 34).

Nesse mesmo caminho, Geraldi (2009, p. 49) registra:

[...] o deslocamento da noção de representação para a noção de trabalho

linguístico exige incorporar o processo de produção de discursos como

essencial, de modo que não se trata mais de apreender uma língua para dela

se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, aprendê-la.

Tomando ainda o que nos diz esse linguista, temos: “Escrever é ser capaz de colocar-

se na posição daquele que registra suas compreensões para ser lido por outros e, portanto, com

eles interagir. [...]” (ibidem, p. 66). Acrescenta o autor que um texto é produto da elaboração

própria que encontra nos outros textos apenas modelos ou indicações (idem, 2010).

Por essa linha, sustenta:

A criatividade posta em funcionamento na produção do texto exige

articulações entre situação, relação entre interlocutores, temática, estilo do

gênero e estilo próprio, o querer dizer do locutor, suas vinculações e suas

rejeições aos sistemas entrecruzados de referências com as quais

compreendemos o mundo, as pessoas e suas relações (GERALDI, 2010, p.

115).

Com suporte também nas considerações de Maingueneau (2005, p. 64), afirmamos que

“os gêneros de discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à

disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas”.

Dessa maneira, não podemos conceber os gêneros de texto essencialmente como: (1)

aqueles que no espaço escolar vão se adequar às novas situações de uso; (2) instrumentos de

comunicação; (3) instrumentos que possibilitam aos sujeitos agirem apenas linguisticamente.

Apoiando-nos em Barbosa (apud Suassuna, 2008), concebemos os gêneros como

objeto de ensino, porque estes:

i. contemplam o complexo processo de produção e compreensão de textos;

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ii. permitem incorporar elementos da ordem do social e do histórico;

iii. permitem considerar a situação de produção de um dado discurso;

iv. abrangem o conteúdo temático, a construção composicional e seu estilo verbal.

Essa mesma autora argumenta que, também por esses motivos, os gêneros podem ser

elementos estruturadores de propostas curriculares da área de língua portuguesa.

Em termos de ensino, dispomos de alguns documentos oficiais para orientação ou

definição de conteúdos, objetivos, finalidades e metodologias para o ensino de língua

portuguesa que também sinalizam para a utilização dos gêneros de texto nas aulas de

português.

Nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL, 1999, p. 8) lemos: “o

estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporcionam uma visão

ampla das possibilidades da linguagem[...]”.

De igual modo, a Base Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de

Pernambuco/BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008), ao estabelecer as competências para os

alunos dessa rede em língua portuguesa, introduzem a temática expressando:

Espera-se que o professor, no trabalho coma produção de textos escritos (em

gêneros selecionados para cada etapa da escolaridade), oriente o aluno no

desenvolvimento de competências para: [...] adequar-se aos modos típicos de

organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes

gêneros de texto; [...] usar as convenções gráficas próprias da apresentação

dos diferentes gêneros de texto (p. 93-96). (Grifo nosso)

Nesse sentido, a contribuição dos gêneros como instrumentos de aprendizagem da

produção escrita ocorre em função de estes se constituírem

num recurso rico e multidimensional que nos ajuda a localizar nossa ação

discursiva em relação a situações altamente estruturadas.[...] Ao

compreendermos o que acontece com o gênero, porque o gênero é o que é,

percebemos os múltiplos fatores sociais e psicológicos com os quais nossos

enunciados precisam dialogar para serem mais eficazes. (BAZERMAN,

2011, p. 29).

Por tudo o que foi exposto, quando falamos no ensino com apoio nos gêneros de texto,

estamos nos referindo a um processo que tome esses elementos como base nas interações

sociais. Desse modo, utilizando-se dos gêneros construídos nas mais diferentes esferas de

comunicação, os alunos devem ser levados a refletir sobre os aspectos linguísticos e

discursivos implicados nesses textos, com vistas a melhor utilizá-los em suas próprias

interações.

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Realizadas essas considerações, nos propomos, no tópico seguinte, a apresentar

algumas reflexões sobre o contexto escolar de produção textual, sempre com foco no texto

argumentativo.

1.6 Contextos de produção de texto: reflexões sobre o ensino da produção textual

Para iniciarmos nossa discussão sobre contextos de produção, consideramos

importante destacar que as teorias sociointeracionistas, no que dizem respeito ao processo de

produção de texto, reconhecem a existência de um sujeito que é autor de seu discurso e na sua

inter-relação com outros sujeitos, constrói um texto, sob a influência de um complexo

conjunto de fatores (KOCH, 2011).

É por esse fio condutor que Bronckart (2007) define o contexto de produção como o

conjunto dos parâmetros que podem exercer a influência sobre a forma como um texto é

organizado. Assim, se muitos aspectos de uma situação de ação poderiam ser citados, nos

deteremos em apontar aqueles que podem influir diretamente na organização textual.

Desse modo, consideraremos nesta pesquisa, tendo por base também as definições

desse estudioso: (a) o lugar de produção; (b) o momento de produção; (c) o produtor do texto;

(d) o interlocutor; (e) o lugar social (em que modo de interação o texto é produzido); (f) o

objetivo (ponto de vista do enunciador; efeitos pretendidos com o texto); (g) o tempo

histórico; (h) o conteúdo do texto.

Consideraremos o produtor (aquele que fala no texto, que é responsável pelo que é

expresso), já que segundo Geraldi (2003, p. 136), “na produção de discursos, o sujeito

articula, aqui e agora, um ponto de vista sobre o mundo que, vinculado a uma certa formação

discursiva, dela não é decorrência mecânica”.

Sobre os contextos de produção de texto, Suassuna (2009) afirma que linguistas e

professores de língua materna já dispõem atualmente de farta literatura que trata de redação e

suas condições de produção na escola. Essa pesquisadora nos diz também que problemas de

naturezas diversas foram apontados, seja do ponto de vista linguístico, seja do ponto de vista

discursivo.

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Entretanto, de acordo com essa mesma autora, a existência de pesquisas sobre a

produção de textos não tem evitado o artificialismo dos contextos de produção textual e pouco

alterou a qualidade das redações produzidas pelos alunos. Isso porque, muitas vezes, essa

atividade não é vista como instância articulada da prática de linguagem. Vemos que, na

maioria das vezes, os alunos são levados a escrever sobre um tema determinado pelo

professor (que provavelmente será o seu único leitor), sem que lhes sejam explicitados os

propósitos do texto nem definidos seus interlocutores.

É nesse sentido que, segundo Antunes (2003, p. 26):

Parece incrível, mas é na escola que as pessoas “exercitam” a linguagem ao

contrário, ou seja, a linguagem que não diz nada. Nessa linguagem vazia, os

princípios básicos da textualidade são violados, porque o que se diz é

reduzido a uma sequência de frases desligadas umas das outras, sem

qualquer perspectiva de ordem ou de progressão e sem responder a qualquer

tipo particular de contexto social.

Sobre a artificialidade dos contextos de produção de texto, Leal e Albuquerque (2007,

p. 100) registram que “para muitos de nós, no entanto, o ato de escrever está relacionado a

uma ação dolorosa e, por vezes, traumática, vinculada a lembranças de experiências de

escrita, vivenciadas principalmente na escola”.

De modo semelhante, Ferreiro (apud Leal e Albuquerque, 2007, p. 100) explicita que:

A escola (como instituição) transforma a escrita de objeto social em objeto

exclusivamente escolar. Ela determina o quê, quando e como deve ser

escrito, ocultando as funções extraescolares da escrita; não considerando que

a mesma é importante na escola porque é usada fora dela. O caráter

pragmático da escrita não é considerado e o escrever passa a ser uma tarefa

desprovida de finalidades sociais, desarticulada da experiência que o

indivíduo tem com a escrita, fruto de uma convivência diversificada com um

universo letrado, mediada pela história de cada um, pela sua origem social

Recriando uma proposta de Orlandi, Suassuna (2009) explicita o discurso pedagógico

acerca da produção de textos na escola por meio do seguinte esquema:

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QUEM ESCREVE O QUÊ PARA QUEM ONDE PARA QUÊ

aluno devolve/

reproduz

discurso12

autorizado

professor escola atestar

aprendizagem

Esquema 1

Perante o exposto, aproveitamos as palavras de Geraldi (2003, p. 140), e lançamos as

seguintes indagações: “É possível recuperar, no interior da própria escola, um espaço de

interação onde o sujeito se (des)vela, com uma produção de textos efetivamente assumidos

pelos seus autores?” Será possível traçar novas situações didáticas para a produção de textos

que, diferentemente, do que vem ocorrendo nas aulas de língua, possibilitem a formação de

um aluno leitor e produtor de textos que decorra da interação?

Diversos autores sinalizam positivamente para uma nova perspectiva no ensino da

produção escrita de textos, lembrando que “uma mudança no quadro aqui descrito depende de

um novo olhar sobre o texto e seus condicionantes” (SUASSUNA, 2009, p. 77); e que “uma

visão interacionista da escrita supõe encontro, parceria, envolvimento entre sujeitos, para que

aconteça a comunhão das ideias, das informações e das intenções pretendidas.” (ANTUNES,

2003, p. 45).

Como docente de língua materna, acreditamos ser possível traçar um novo perfil de

contextos de produção textual, desde que a concepção e a metodologia assumidas por

professores de português se estabeleçam na atividade de produção de textos como ponto de

partida (GERALDI, 2003) do processo de ensino-aprendizagem. Não se trata, pois, da

produção de textos centrada na reprodução de modelos e de formas tradicionais de outros

textos apresentados. Falamos da produção de textos em que ao aluno é possibilitada a

condição de autor13

de diversos textos, definidos em função da variedade de situações

comunicativas presentes no seu cotidiano escolar e não-escolar (EVANGELISTA e outros,

1998); “uma produção escrita em que o aluno se constitua como sujeito que pensa, sente e tem

o que dizer para outros sujeitos” (SUASSUNA, 2009, p. 77). E, nesse sentido, concordamos

12

Suassuna (2009, p. 87) indica: “De maneira geral, temos um aluno que fala a um professor, dizendo aquilo que

‘é permitido dizer’ no contexto escolar, com o objetivo de atestar que aprendeu e sabe ‘pôr em prática’ os

conceitos e as regras da gramática normativa tradicional”. 13

Para uma reflexão mais detalhada acerca da expressão autor do texto, indicamos a leitura de Possenti (2002, p.

105-124)

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com Antunes (2003), quando esta afirma que, do ponto de vista social,14

não há escrita para

nada, para não dizer, para não ser ato de linguagem.

Sobre essa nova possibilidade de contexto de produção de texto, apresentamos aqui

um esquema sugerido por Geraldi (2003, p. 161):

Esquema 2

Por esse esquema, teríamos um objetivo mais amplo para o ensino da linguagem e

para a produção textual: a retomada do caráter dialógico-discursivo da língua, que situa o

aluno como sujeito do seu discurso e o professor como um dos possíveis (e não único)

interlocutores do texto desse sujeito.

De acordo com Geraldi (2003), a utilização das flechas em dois sentidos equivale à

representação de que ninguém se assume como locutor sem ser por uma relação interlocutiva.

É por isso que, segundo esse autor, uma situação de produção de texto pressupõe algumas

condições básicas como:

i. ter o que dizer (corresponde à ampliação do repertório de informações do

aluno, somando-se suas experiências às experiências compartilhadas com seus

14

Savioli e Fiorin (2001, p. 17) dizem que “o texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num

determinado espaço. Esse sujeito, por pertencer a um grupo social num tempo e num espaço, expõe em seus

textos as ideias, os anseios, os temores, as expectativas de seu tempo e de seu grupo social”.

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interlocutores e ao estabelecimento dessas experiências como ponto de partida

para as reflexões que ocorrem nas nossas salas de aula);

ii. ter uma razão para dizer o que se tem a dizer (motivação interna para a

realização da produção textual);

iii. ter para quem dizer o que se tem a dizer;

iv. constituir-se como locutor, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz;

v. escolher as estratégias (escolha do como e do que dizer, para dizer o que se tem

a dizer e a quem se diz).

É nessa dimensão que um novo contexto de produção de textos se caracterizaria por

um lugar de produção (a escola), com um sujeito (enunciador) que recorreria a uma série de

estratégias de organização textual para produzir o seu texto. Esse mesmo produtor, na

organização textual, teria por base as suas experiências e representações sócio-históricas, e

orientaria o seu discurso considerando o seu interlocutor, a finalidade do texto a ser produzido

e os efeitos do seu texto sobre o seu interlocutor.

Seguindo por esse percurso, observamos que no processo de produção textual vários

aspectos linguísticos e pragmáticos estão implicados, de forma a contribuir para que um texto

se constitua como uma unidade comunicativa básica, ou seja, para que na sua produção o

aluno se oriente na perspectiva de construção de sentido. Estamos nos referindo aos princípios

de textualidade e a alguns critérios de textualização.

De acordo com Val (2006, p. 5), a textualidade diz respeito a “um conjunto de

características que fazem com que o texto seja um texto, e não apenas uma sequência de

frases”. Assim, um texto não se organiza de forma aleatória.

É nesse contexto, que para Marcuschi (2009), a textualidade não é uma propriedade

imanente a algum artefato linguístico e não depende das correspondências sintático-

ortográficas da língua, mas da sua condição de processabilidade cognitiva e discursiva.

Para Koch (2011, p. 30):

Um texto se constitui como tal no momento em que os parceiros de uma

atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela

atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional,

cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir para ela

determinado sentido.

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Por esse pressuposto, a constituição de um texto deve obedecer a um conjunto de

critérios de textualização (esquematização e figuração) que funcionam, segundo Marcuschi

(2009), como critérios de acesso à construção de sentido.

Considerando que a atividade de produção de textos pressupõe sempre uma atividade

dialógica, na qual o produtor precisará lançar mão das melhores estratégias para dizer o que

tem a dizer, podemos, de igual modo supor que o emprego dos critérios de textualização

implicará, em termos de textos argumentativos escritos, uma boa organização textual com

vistas à ação de interação.

Nesse caso, temos a coerência e a coesão textual, que se instalam no âmbito dos

conhecimentos linguísticos15

e conceituais mobilizados pelo produtor de texto, bem como os

fatores pragmáticos que pressupõem, no processo de produção textual, a adequação discursiva

e a ideia de que esse processo envolve interlocutores, sujeitos históricos, origem e destino de

sua produção (SUASSUNA, 2009).

Compreendendo, pois, que um texto está submetido tanto a controles e estabilizadores

internos como externos, de modo que não devemos considerar a estrutura linguística como

fator único para a produção, estabilidade e funcionamento do texto (MARCUSCHI, 2009a) é

que trataremos, no subtópico que se segue, sobre a coerência e a coesão textuais e sobre os

fatores pragmáticos que interferem na produção de textos escritos argumentativos.

1.6.1 Fatores que interferem na lógica interna e externa do texto

Diversos estudiosos tratam da coesão e da coerência como elementos condicionantes

da textualidade, apontando a existência de uma inter-relação entre elas, ao mesmo tempo em

que as situam como fatores que devem ser entendidos separadamente (VAL, 2006;

MARCUSCHI, 2009; KOCH, 2011).

15

Sobre conhecimento linguístico, Koch (2011, p. 32) registra: O conhecimento linguístico compreende o

conhecimento gramatical e o lexical, sendo o responsável pela articulação som-sentido. É ele o responsável, por

exemplo, pela organização do material linguístico na superfície textual, pelo uso dos meios coesivos que a língua

nos põe à disposição para efetuar a remissão ou a sequenciação textual, pela seleção lexical adequada ao tema

e/ou aos modelos cognitivos ativados.

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Para Marcuschi (2009), trata-se de duas formas de se observar a textualidade; sustenta

o autor que há uma distinção bastante clara entre a coesão (como a continuidade baseada na

forma) e a coerência (como a continuidade baseada no sentido).

Koch (2011), diferentemente, assinala que, embora sejam fenômenos distintos, há

entre a coerência e a coesão “zonas mais ou menos amplas de imbricação” que dificultam o

estabelecimento de fronteiras entre eles.

Para Val (2006, p. 07), “a coerência e a coesão têm em comum a característica de

promover a inter-relação semântica entre os elementos do discurso, respondendo pelo que se

pode chamar de conectividade textual”, e é nessa direção que pensaremos sobre elas.

Ao considerarmos esses aspectos da textualidade, estamos nos apoiando em alguns

conceitos expostos por Suassuna (2009), que afirma: (a) produzir textos é agir simbolicamente

sobre o mundo, constituir-se como um sujeito que pensa, sente, tem o que dizer para outros

sujeitos; (b) o texto não se esgota na sua linearidade aparente; (c) o texto deve girar em torno

de um tema definido, de modo a se constituir numa totalidade semântica.

Dessa forma, ao analisarmos as estratégias de argumentação utilizadas pelos alunos,

entendemos que as mesmas são usadas em função dos efeitos pretendidos com o texto. A

coesão e a coerência do texto serão analisadas, então, a partir das estratégias identificadas e da

forma como elas são encadeadas nos textos na intenção de construção de sentido, já que,

segundo Val (2006, p. 10), “[...] o fundamental para a textualidade é a relação coerente entre

as ideias”.

Corroborando essa ideia, Gregolin (1993, p. 28) afirma:

Todo texto possui uma organização argumentativa, que é o resultado de dois

tipos de operações: 1. Operações argumentativas microestruturais: processos

coesivos, responsáveis pela organização linear do texto; 2. Operações

argumentativas macrotextuais: processos intra e intertextuais (como a

intencionalidade, a aceitabilidade, a informatividade, a intertextualidade,

etc).

Sendo assim, em termos de produção textual, lidaremos com a coerência tomando por

base a definição apresentada por Marcuschi (2009a, p. 76):

[...] a coerência é o nível da conexão conceitual e estruturação do sentido,

manifestando-se, em grande parte, macrotextualmente. Dá conta do

processamento cognitivo do texto e fornece as categorias que permitem a

análise ao nível mais profundo, envolvendo os fatores que estabelecem

relações causais, pressuposições, implicações de alcance suprafasal e o nível

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argumentativo. É o aspecto da organização e estabilização da experiência

humana no texto.

Para esse linguista, a coerência é uma relação de sentido que se manifesta entre os

enunciados, normalmente de forma global. É a coerência que encaminha a continuidade de

sentido no texto e a ligação dos próprios tópicos discursivos.

Com posicionamento semelhante, encontramos Beaugrande e Dressler (1981), apud

Marcuschi (2009, p. 121) afirmando que a coerência:

Diz respeito ao modo como os componentes do universo textual, ou seja, os

conceitos e relações subjacentes ao texto de superfície são mutuamente

acessíveis e relevantes entre si, entrando numa configuração veiculadora de

sentidos.

Ainda de acordo com Marcuschi (2009), as relações de coerência devem ser

concebidas como uma entidade cognitiva. É assim que, fundamentando-se nas noções de

língua e de texto adotadas neste estudo, vemos que a coerência não se esgota nas propriedades

léxico-gramaticais imanentes à língua como código (idem, ibidem). Dessa forma, ainda que

essas relações sejam fundamentais para a construção do sentido, é preciso que atividades

linguísticas, cognitivas e interacionais sejam articuladas com esse mesmo fim. É possível que

a articulação dessas atividades se constitua num desafio ao produtor de texto, já que nesse

caso, a coerência é “também fruto de domínios discursivos” segundo esse estudioso.

No que tange à coesão, Koch (2011, p. 45) menciona que é “o fenômeno que diz

respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram

interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências

veiculadoras de sentidos”, sendo essa ideia também compartilhada por Val (2006).

Para Marcuschi (op. cit), o processo de coesão dá conta da estruturação da sequência

do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); esse estudioso esclarece que, embora

seja vista por muitos autores como elemento constitutivo da textualidade, “a coesão não é nem

necessária nem suficiente” para estabelecer a textualidade.

Entendemos por essa ótica que a coesão não constitui necessariamente um elemento

decisivo para a textualidade, mas, em textos argumentativos, pensamos que seja um fator

importante para a progressão das ideias e sequenciação dos argumentos. Sobre esse

posicionamento, Val (2006, p. 08) nos diz que:

[...] é inegável a utilidade dos mecanismos de coesão como fatores da

eficiência do discurso. Além de tornar a superfície textual estável e

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econômica, na medida em que fornecem possibilidades variadas de se

promover a continuidade e a progressão do texto, também permitem a

explicitação de relações que, implícitas, poderiam ser de difícil

interpretação, sobretudo na escrita.

Continuando essa reflexão, Val (2006) menciona que, sendo responsável pela unidade

formal do texto, a coesão constrói-se através de mecanismos gramaticais e lexicais. Sobre o

primeiro tipo, a autora destaca o uso de pronomes anafóricos, os artigos, a elipse e a

correlação entre os tempos verbais e as conjunções, comentando que esses elementos

expressam relações não só entre os elementos no interior da frase, mas entre frases e

sequências de frases dentro de um texto. Sobre o segundo tipo, menciona que se estabelece

pela reiteração, pela substituição e pela associação. A reiteração, de acordo com essa

pesquisadora, ocorre pela repetição de um item e por processos de nominalização. Já a

substituição ancora-se nas relações de sinonímia, antonímia, hiponímia e hiperonímia. A

associação, por sua vez, diz respeito à relação de itens do vocabulário pertencentes a um

mesmo esquema cognitivo.

É assim que, para Geraldi (2003, p. 109), “a dimensão sequencial do texto, [...]

procura assegurar coerência e conexidade [...] de modo a ir, na abertura, barrando

‘interpretantes’ que poderiam, em princípio, ser chamados a operar na construção do sentido

do texto”.

Expostas essas definições e tendo por suporte a defesa de Geraldi (2003) de que na

produção de texto é preciso que se tenha o que dizer, se tenha uma razão para dizer o que se

tem a dizer, o locutor se constitua como tal, e se escolham as estratégias para realizar o que se

tenha a dizer, tomaremos no decorrer do trabalho mais alguns aspectos da textualidade

(aqueles centrados no produtor e na situação de produção). Desse modo, temos:

1. A intencionalidade − apontada em seu sentido estrito como “a intenção do locutor

de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente [...]” (Fávero apud Marcuschi,

2009, p.127).

No processo de produção textual, é a intencionalidade que orienta a ação discursiva e

confirma, a nosso ver, o caráter dialógico do texto e a ideia de o locutor antecipar-se aos seus

possíveis interlocutores. Para Geraldi (2003, p. 102):

O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto. [...] O outro insere-

se já na produção, como condição necessária para que o texto exista. É

porque se sabe do outro que um texto acabado não é fechado em si mesmo.

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Seu sentido, por maior precisão de que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe,

é já na produção um sentido construído a dois. Quanto mais, na produção, o

autor imagina leituras possíveis que pretende afastar, mais a construção do

texto exige do autor o fornecimento de pistas para que a produção do sentido

na leitura seja mais próxima ao sentido que lhe quer dar o autor.

Compreendemos que, tanto mais se conheça o interlocutor, maiores serão as

possibilidades de o produtor desenvolver o seu discurso com vistas a alcançar o objetivo

traçado para o texto.

2. A informatividade − esse recurso diz respeito às informações mobilizadas pelo autor

de um texto em torno de um determinado tema com foco na ação comunicativa. Para

Marcuschi (2009, p. 132), “o certo é que ninguém produz textos para não dizer absolutamente

nada”, mas concordamos com Val (2006) quando ela afirma que, tanto menos previsível seja

um discurso, mais informativo e, possivelmente, mais envolvente ele será. Essa autora ainda

afirma:

Para mim, o texto com bom índice de informatividade precisa ainda atender

a outro requisito: a suficiência de dados. Isso significa que o texto tem que

apresentar todas as informações necessárias para que seja compreendido com

o sentido que o produtor pretende. Não é possível nem desejável que o

discurso explicite todas as informações necessárias ao seu processamento,

mas é preciso que ele deixe inequívocos todos os dados necessários à sua

compreensão aos quais o recebedor não conseguirá chegar sozinho. (VAL,

2006, p. 14)

Mais uma vez, nos remetemos ao que nos diz Geraldi (2003, p. 137): “Por mais

ingênuo que possa parecer, para produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que se

tenha o que dizer; [...]”. Nesse sentido, será um desafio para o produtor de texto selecionar as

informações necessárias à situação de interlocução que lhe for proposta, observando a

quantidade e a qualidade de informações que deverá dispor em seu texto.

3. A situacionalidade − Para Marcuschi (2009, p. 128), “a situacionalidade é um

critério estratégico”. O autor parte do princípio de que a situacionalidade é um princípio de

adequação textual. Tendo por base a noção de dialogicidade da língua e da ação

sociocomunicativa do texto, e concebendo que uma situação de comunicação não se faz de

forma isolada, mas mediante interlocutores que são sujeitos históricos e constituídos

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socialmente, a situacionalidade seria uma forma de o texto se adequar tanto a seus contextos

como a seus usuários.

Para Val (2003, p. 12), é “a situacionalidade que diz respeito aos elementos

responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a

adequação do texto à situação sociocomuncicativa”. Esse é também um aspecto relevante na

produção textual, uma vez que se agrega aos efeitos pretendidos com o texto. Ainda segundo

essa mesma autora:

A praxe acaba por estabelecer que, numa dada circunstância, tendo-se em

mente determinada intenção ilocucional, deve-se compor o texto dessa ou

daquela maneira. Assim, há convenções que regem o funcionamento da

linguagem na interação social e que determinam, especificamente, qual o

tipo particular de discurso adequado a cada ato comunicativo. (VAL, 2006,

p. 14).

A situacionalidade, a nosso ver, corresponde também às estratégias do dizer

apresentadas por Geraldi (2003), envolvendo a ideia de que diferentes discursos se relacionam

a diferentes situações. No processo de ensino-aprendizagem da produção textual cabe aos

docentes despertar nos alunos a consciência de que o que pode ser qualidade em um

determinado gênero pode ser um defeito em outro e, nesse caso, a adequação do texto à

situação de comunicação é fator determinante da textualidade.

Na verdade, toda a discussão travada até o momento teve como objetivo propor

reflexões sobre os conceitos de língua, de texto e de contextos de produção textual à luz do

que ocorre no espaço escolar. Ao mesmo tempo, preparar o caminho para o nosso objeto de

estudo, que é a ação argumentativa, especificamente textos escritos argumentativos

produzidos em salas de aula.

Desse modo, conceituando texto e pensando nas situações de produção textual,

faremos no tópico seguinte um histórico da argumentação como prática discursiva e, a partir

dele, exporemos a noção de texto argumentativo delineada no nosso estudo.

1.7 Argumentação: breve histórico e conceito

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Para falarmos sobre argumentação, um aspecto central nos impulsiona a situar nossa

discussão: qual o lugar que a argumentação ocupa nas ações de linguagem?

Diferentes autores colocam a argumentação como sendo o foco dessas ações. Em

Pécora (1999, p. 88), encontramos: “o sentido do termo argumentação já não se refere apenas

a um tipo particular de emprego verbal, mas sobretudo a uma propriedade fundamental para a

caracterização da linguagem como discurso”.

Koch (2006, p. 17) afirma que “a interação social por intermédio da língua caracteriza-

se fundamentalmente pela argumentatividade.” Para ela, uma vez dotado de razão e vontade,

o homem julga e forma juízos de valor, ao mesmo tempo, em que, por meio do seu discurso,

tenta influir sobre o comportamento do outro, persuadindo-o a compartilhar de determinadas

de suas opiniões.

Encontramos Golder apud Souza (2003, p. 72) afirmando que “toda ação de

linguagem é potencialmente argumentativa, porque o locutor, [...] seleciona o modelo do

discurso que quer adotar, conforme seu objetivo”.

Numa perspectiva semelhante, Gregolin (1993, p. 28) observa que “a argumentação

não é [..] entendida como um acessório que auxilia na transmissão de informações, mas como

‘ato linguístico fundamental’, inerente a todo e qualquer texto[...]”.

Breton (2003), compartilhando com a ideia do papel fundamental que a argumentação

pode exercer na vida dos indivíduos, situa a argumentação como uma prática que é inerente à

comunicação humana, assegurando que na medida em que o homem se identifica com uma

palavra, com um ponto de vista próprio sobre o mundo no qual está inserido, pratica

argumentação.

Leal e Morais (2006, p. 8), ao justificarem a escolha de um tema de pesquisa cujo foco

era a abordagem de aspectos relacionados à produção de textos de opinião na escola, apontam

a argumentação como “uma atividade socialmente relevante que permeia a vida dos

indivíduos em todas as esferas da sociedade”, na medida que a defesa de pontos de vista

constituiria um aspecto fundamental para a inserção social e a autonomia dos sujeitos.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 581) nessa mesma linha registram:

Apenas a existência de uma argumentação, que não seja nem coerciva nem

arbitrária, confere um sentido à liberdade humana, condição de exercício de

uma escolha racional. Se a liberdade fosse apenas adesão necessária a uma

ordem natural previamente dada, excluiria qualquer possibilidade de escolha;

se o exercício da liberdade não fosse fundamentado em razões, toda escolha

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seria irracional e se reduziria a uma decisão arbitrária atuando num vazio

intelectual.

Esses mesmos autores enfatizam ainda que o poder de deliberar e de argumentar é um

sinal distintivo da linguagem humana.

Por esses pressupostos, compreendemos que não só a linguagem está dotada de uma

base argumentativa, como a própria argumentação é vista enquanto uma ação discursiva que

confere ao homem a sua distinção dos outros animais.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (ibidem), assim como Breton (2003) e Plantin (2008)

comentam que os estudos da argumentação têm seus fundamentos na lógica, na dialética e na

retórica.

No que diz respeito à lógica e mais propriamente à lógica formal, temos a noção de

convencimento por meio de provas demonstrativas (ou demonstração), isto é, a realização de

convencimento através do exame de meios que permitem transformar uma afirmação em um

fato que ninguém poderá contestar, salvo se for apresentado um outro enunciado mais bem

demonstrado.

Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 16)

A busca da univocicade indiscutível chegou a levar os lógicos formalistas a

construírem sistemas nos quais não há preocupação com o sentido das

expressões: ficam felizes se os signos introduzidos e as transformações que

lhes dizem respeito ficam fora de discussão.

Em Leal e Morais (2006), observamos que foi com Aristóteles, no campo da lógica,

que se registrou um estudo mais sistemático sobre o pensamento argumentativo formal, cujo

objetivo era analisar os princípios por meio dos quais as declarações e os argumentos

pudessem ser construídos e validados (ou não), independentemente do contexto, das

representações sociais ou dos objetivos dos falantes. É desse paradigma que decorre a noção

do silogismo, segundo o qual Aristóteles tentava identificar argumentos-padrão que

atendessem às condições lógicas e pudessem ser usados universalmente. Assim, “alguns A

são B, todos os B são C, logo, alguns A são C” (PLANTIN, 2008, p. 12). Para Leal e Morais

(2006), as sistematizações de Aristóteles sobre lógica formal têm sido utilizadas até os dias de

hoje, mas os estudos modernos sobre argumentação muito têm se modificado desde esse

período.

Quanto à dialética, Plantin (2008) indica que, no campo da filosofia, esse paradigma se

processa numa técnica da discussão entre dois parceiros (o respondente, que deve defender

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uma afirmação dada e o questionador, que deve atacá-la). Esse diálogo procede não por

síntese, mas por eliminação do falso e se constitui numa discussão com perguntas e respostas.

Segundo o autor (ibidem, p. 11),

[...] podemos considerar que o processo torna-se dialético-argumentativo na

medida em que incide sobre um problema determinado, definido em comum

acordo, e ocorre entre parceiros iguais, movidos pela busca do verdadeiro,

do justo ou do bem comum, entre os quais a fala circula livremente segundo

regras explicitamente estabelecidas.

É na retórica (e mais precisamente na nova retórica), por sua vez, que percebemos a

argumentação se desenvolver numa perspectiva dialógica da linguagem.

Breton (2003), em sua abordagem, nos diz que a argumentação se estabeleceu como

um saber sistemático no século V antes de Cristo com o nome de retórica e “durante dois mil

e quinhentos anos, até a explosão das disciplinas do fim do século XIX, a retórica foi o centro

de todo o ensino” (BRETON, 2003, p. 24).

Segundo esse mesmo pesquisador, “o estudo da argumentação como parte da antiga

retórica, foi feito durante muito tempo por filósofos por um lado, e por especialistas literários

da linguagem por outro lado” (BRETON, 2003, p. 14). De acordo com esse estudioso, os

filósofos situavam a argumentação de forma ambígua, já que se perguntavam se nela havia

procedimentos que pudessem nos permitir chegar à verdade de algo ou provar a falsidade.

Para Breton, considerando-se que, no âmbito da comunicação, cada mensagem é vista como

uma opinião que pode ser argumentada, a questão levantada pelos filósofos deixava de ser

relevante, já que não se busca com a argumentação uma verdade ou um erro.

No que se refere ao papel dos literários ante os estudos da argumentação, Breton

(2003) indica que, para eles, na maioria das vezes, argumentar equivalia a “uma apresentação

estética na qual se fazia mais uso da sedução do belo que do raciocínio rigoroso.” Nessa

perspectiva, a retórica se desenvolveu como matéria de ensino, cujo objetivo era iniciar os

jovens na arte suprema do discurso. Decorre daí a associação da retórica à arte do bem falar,

já que a preocupação maior consistia em formar oradores que, por meio de um discurso

eloquente, conseguissem a adesão de um auditório.

Sobre esse aspecto, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 6) afirmam que:

O objeto da retórica antiga era, acima de tudo, a arte de falar em público de

modo persuasivo; referia-se pois, ao uso da linguagem falada, do discurso,

face uma multidão reunida na praça pública, com o intuito de obter a adesão

desta a uma tese que se lhe apresentava.

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52

É nessa perspectiva que Breton (2003) considera que a história do saber e dos

conhecimentos acumulados em retórica constituiu-se ao mesmo tempo numa separação

progressiva, desde o período antigo, da arte de convencer com relação à estética da palavra,

como também com relação à busca da verdade, particularmente sob a forma científica.

Em Plantin (2008, p. 9), temos:

A argumentação retórica é definida de maneira bem específica pelas

seguintes características: trata-se de uma retórica referencial, isto é, ela

inclui uma teoria dos signos, formula o problema dos objetos, dos fatos, da

evidência, mesmo que sua representação linguística adequada só possa ser

apreendida no conflito e na negociação das representações. [...] ela é

polifônica [...] seu caráter eloquente é necessário.

É na nova retórica apresentada por Perelman e Olbrechts-Tyteca16

(2005), que

encontramos o objeto da teoria da argumentação sendo definido como o estudo das técnicas

discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que propomos.

Dessa forma, para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 50), “uma argumentação

eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie

nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma

disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno”.

Nesse sentido, defendem que toda argumentação pressupõe a existência de um contato

intelectual, afirmando que a ideia de auditório foi o elemento da retórica tradicional que se

conservou na nova retórica. De acordo com esses estudiosos, a noção de auditório é

“imediatamente evocada assim que se pensa num discurso.” (PERELMAN e OLBRECHTS-

TYTECA, 2005, p. 7), definindo-se auditório, portanto, como o conjunto daqueles que o

orador quer influenciar com sua argumentação. Assim, mudando o auditório, a argumentação

muda de aspecto. Sobre a noção de auditório, Breton (2003) acrescenta que o auditório que o

orador quer convencer a aderir a opinião que ele propõe pode se constituir numa pessoa, num

público, num conjunto de públicos ou, em um caso mais extremo, no próprio orador quando

ele objetiva se autoconvencer.

Em linhas gerais, esses pesquisadores definem o discurso argumentativo como uma

ação em que se busca um efeito imediato sobre o auditório, isto é, o de levá-lo a concordar

16

Encontramos em Breton (2003, p. 18) a seguinte referência sobre Perelman: Chaïm Perelman, um jurista,

filósofo do direito, decidiu assumir e fazer frutificar sua herança ao iniciar o trabalho na sua “nova retórica”. Seu

principal livro “Le Traité de l’argumentation”, escrito em colaboração com L. Olbretchs-Tyteca, marca uma

reviravolta no domínio da retórica. Seu projeto era romper com uma concepção da razão e do raciocínio vinda de

Descartes. Para Perelmam, um raciocínio pode convencer sem ser cálculo, pode ser rigoroso sem ser científico.

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53

com as opiniões apresentadas/defendidas pelo orador. Para isso, é importante que o orador

conheça o seu auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 33) acerca desse aspecto

enfatizam:

[...] a natureza do auditório ao qual alguns argumentos podem ser

submetidos com sucesso é que determina em ampla medida tanto o aspecto

que assumirão as argumentações quanto o caráter, o alcance que lhes são

atribuídos.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) introduzem, nesse contexto, uma distinção entre

auditório particular e auditório universal. Segundo esses estudiosos, “a argumentação efetiva

tem de conceber o auditório presumido tão próximo quanto possível da realidade”

(PERELMAN e OLBRETCHS-TYTECA, 2005, p. 22). Sustentam ainda que o conhecimento

daqueles que se pretende conquistar é uma condição prévia de qualquer argumentação. Isso

porque, ao conhecer seu auditório, o orador teria conhecimento sobre os pontos de partida e as

premissas aceitas pelos seus interlocutores. “O importante na argumentação não é saber o que

o próprio orador considera verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem

ela se dirige” (PERELMAN e OLBRETCHS-TYTECA, 2005, p. 26). Entretanto, para esses

mesmos autores, a argumentação que visa somente a um auditório particular oferece um

inconveniente: o de que o orador, na medida em que se adapta ao modo de ver de seus

ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas ao que admitem outras pessoas que

não aquelas às quais sua argumentação se destinou.

Por outro lado, apresentam o auditório universal como àquele formado “por todos os

homens adultos e normais” (p. 34) e registram que “uma argumentação dirigida a um

auditório universal deve convencer o leitor do caráter coercivo das razões fornecidas, de sua

evidência, de sua validade absoluta, independente das contingências locais ou históricas” (p.

35). “É de fato ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da

argumentação e o comportamento dos oradores” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA,

2005, p. 27).

Para Leal e Morais (2006), a adoção de um auditório universal corresponderia a uma

estratégia para lidar com grandes auditórios ou com ouvintes/leitores sobre os quais teríamos

uma imagem pouco precisa. De acordo com esses autores, as reflexões apresentadas por

Perelman e Olbrecths-Tyteca sobre a função assumida pelo auditório na construção da

argumentação mostram a ênfase dada a esse aspecto do contexto de produção. Em

contrapartida, Leal e Morais (2006, p 16) afirmam que:

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54

É na ideia de que existe um auditório universal que recai o maior perigo de

se “naturalizar” o fenômeno da interação e, consequentemente, do processo

de argumentação. É fundamental reconhecer que, apesar da tentativa de

construção de argumentos que possam causar efeitos em plateias

heterogêneas, há na construção do discurso, influências do contexto de

produção desse discurso e que, no dia a dia, são mais frequentes as situações

em que nos dirigimos a auditórios particulares.

Ainda sobre auditório particular, Breton (2003, p. 26) é enfático ao afirmar que:

Ninguém duvida de que alguém que se esforça para convencer “no vazio”,

ou ainda, que se dirige ao que certos filósofos chamaram de “um auditório

universal”, isto é, a ninguém em particular, corre o risco de encontrar certas

dificuldades. Neste sentido, uma argumentação nunca será universal [...]

Perante o exposto, sempre que estivermos tratando dos contextos de produção de

textos argumentativos, neste estudo, estaremos lidando com a ideia de auditório particular ou

de auditório presumido, tendo por base a noção de argumentação apresentada por Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2005, p. 61): “a argumentação é uma ação que tende sempre a modificar

um estado de coisas preexistentes”.

Esse conceito sustenta-se na ideia de que:

O auditório, após o ato argumentativo, não dispõe simplesmente de uma

opinião “a mais” sobre o que ele pensava (se fosse este o caso, estaríamos

num procedimento estritamente informativo), mas precisa mudar seu ponto

de vista ou até sua visão de mundo, ao menos partes desta visão que estão

ligadas ao argumento apresentado. (BRETON, 2003, p. 34)

Após essas considerações iniciais sobre o discurso argumentativo, trataremos no

tópico seguinte sobre o que constitui um texto argumentativo e que estratégias discursivas são

inerentes à construção desse texto.

1.8 O texto argumentativo

Vários autores compreendem que a argumentação necessita de algumas condições

básicas para sua ocorrência: a) existência de um tema passível de debate (LEAL e MORAIS,

2006) ou situações sociais controversas, mas admissíveis (SOUZA, 2003); b) existência de

uma ideia a ser defendida (proposição, declaração, tese); c) proposições que justifiquem ou

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refutem a declaração (através de evidências, justificativas, contra-argumentação) (LEAL e

MORAIS, 2006); d) um antagonista/opositor, que pode ser real ou virtual (LEAL e MORAIS,

2006). Golder apud Souza (2003), confirmando essa ideia, julga que, para argumentar, é

preciso ter uma tese discutível, ter argumentos opostos que coloquem em jogo os sistemas de

valores do próprio locutor.

Percebemos então que, para argumentar, um sujeito necessita de lançar mão de

algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate de

forma ordenada e coerente, visando à modificação da opinião de seu interlocutor.

Do ponto de vista social e tendo por base muitas afirmações já expostas neste estudo,

podemos confirmar que a argumentação é um tipo de texto bem presente nas nossas relações

cotidianas, mas somente isso não nos garante que possamos desenvolvê-la bem em qualquer

situação comunicativa.

Em uma das situações, por exemplo, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) comentam

que, dependendo do auditório a que a argumentação se destine, a adesão do interlocutor pode

acontecer por dois movimentos: pelo convencimento ou pela persuasão. A decisão do

locutor/produtor de texto por um ou outro movimento vai depender da intenção deste em

relação ao seu interlocutor/auditório. Esses autores chamam de persuasiva uma argumentação

que se direciona exclusivamente ao um auditório particular e, dessa forma, o texto

argumentativo se estruturaria num uso coordenado de argumentos plausíveis e subjetivos.

Quando, por outro lado, o texto argumentativo for marcado pela objetividade,

expressando um raciocínio lógico, objetivando conduzir o interlocutor à certeza por meio de

evidências, a argumentação ocorre por convencimento.

Em linhas gerais, um texto argumentativo seria àquele caracterizado pela apresentação

de uma tese a ser defendida por meio de argumentos, com o objetivo de fundamentar e validar

o que está sendo posto pelo locutor/autor do texto até chegar-se a uma conclusão/resposta. Os

argumentos, segundo Savioli e Fiorin (2001), não são necessariamente uma prova de verdade.

Trata-se antes de um recurso de natureza linguística e discursiva destinado a levar o

interlocutor a aceitar os pontos de vista daquele que fala e se constroem a partir dos

conhecimentos prévios e experiências sócio-histórico-culturais dos produtores de texto. Por

meio dessas estratégias, o produtor do texto busca fazer com que seu texto tenha consistência

de forma a conseguir a adesão do seu auditório.

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56

Por esse percurso, o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um processo

que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele defendidas sejam

construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas, de acordo com a demanda de interação,

com vistas a conseguir a adesão de um auditório (CITELLI, 1994).

Sobre o que constitui um discurso argumentativo, Bronckart (2007, p. 226) enfatiza:

[...] o raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de

uma tese, supostamente admitida, a respeito de um dado tema. [...] Sobre o

pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos [...], que

são objeto de um processo de inferência, [...] que orienta para uma conclusão

ou nova tese.

Com base nos contextos de uso, nas finalidades e nos tipos textuais dominantes,

Schneuwly e Dolz (2010) apresentam uma classificação de gêneros textuais em cinco

agrupamentos, na qual os textos da ordem do argumentar são descritos no âmbito daqueles

que têm base na discussão de problemas sociais controversos e se caracterizam pela

sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Nessa classificação, indicam

como gêneros argumentativos escritos os textos de opinião, a carta do leitor, a carta de

reclamação, a resenha crítica, o ensaio, o editorial e os artigos de opinião.

Do ponto de vista da escrita, por exemplo, a argumentação é um texto que se forma

pela conjugação de dados que se articulam, geralmente, através de conectivos, conjunções e

de formas diversificadas usadas na sustentação, refutação ou negociação dos pontos de vista

ou teses apresentados.

Souza (2003) acrescenta que o discurso argumentativo é ao mesmo tempo justificado e

negociado e, que para que ele seja considerado negociado, a tomada de posição deve ser

alicerçada em argumentos que sejam socialmente aceitos (causalidade, fatos e razões).

Leal e Morais nos chamam a atenção para o fato de que, embora existam várias

orientações didáticas sobre as formas de construção de textos argumentativos, sobre a

estrutura desses textos a ser ensinada na escola, quando passamos a considerar as situações de

interação mediadas pelo texto, tendemos a perceber que os modelos de textos argumentativos

não correspondem a gêneros textuais reais. “Fala-se em ‘textos argumentativos’ como se

existissem, nas práticas sociais, modelos únicos que satisfizessem às diferentes condições

com as quais se deparam os indivíduos na sociedade” (LEAL e MORAIS, 2006, p. 19).

Entendemos, é claro, que as interações sociais não se estabelecem por modelos

estanques ou rígidos de texto, mas consideraremos que em situações de produção de textos

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argumentativos escritos, as estratégias mínimas discursivas (tese, apresentação de

argumentos, conclusão) serão mobilizadas, ainda que nem todas possam estar presentes num

mesmo texto dessa ordem.

Verifiquemos que Dolz (1995) declara que não existe uma fórmula única de organizar

um discurso argumentativo, porque ele se desenvolve na interação. Os argumentos são

colocados em razão dos objetivos, das características do destinatário, da tese que se quer

defender, e dependem, sobretudo, da situação argumentativa. Assim, esse estudioso não

desconsidera a existência básica dessas mobilizações a serem feitas pelo locutor nas

interações de argumentação.

Pensando nessas estratégias discursivas e apoiando-nos num gênero que foi

mencionado e trabalhado pelos professores desta pesquisa, apresentamos no item que segue

algumas considerações acerca do texto dissertativo-argumentativo ou dissertação

argumentativa, a partir das considerações de Koch (2006), Citelli (1994), Pécora, (1999),

Xavier (2010), Savioli e Fiorin (2001).

1.8.1 A dissertação argumentativa

A dissertação argumentativa, segundo Rojo (1998) apud Koch (2006, p. 59), compõe o

agrupamento de gêneros escolares 217

/gêneros escolarizados/gêneros secundários que “são

objeto de ensino/aprendizagem (gêneros secundários do discurso, transpostos para a sala de

aula)”. Rojo (1998) defende que esse texto é o protótipo por excelência desse tipo de gêneros,

uma vez que é feito para a escrita, para o ensino da escrita, para toda a escolaridade, não

existindo fora da escola. Estabelece, por esses aspectos, a artificialidade da dissertação.

Parece-nos que temos aqui um paradoxo: diante da concepção de gêneros como aqueles que

dizem respeito aos textos materializados em situações comunicativas recorrentes

(MARCUSCHI, 2009), como conceber a existência de um gênero puramente artificial e que

não ultrapasse os limites da escola? Para atender às especificidades do gênero dissertação os

locutores não precisariam mobilizar estratégias linguístico-discursivas na sua produção textual

17

De acordo com Koch (2006), Rojo lida com a ideia de gêneros escolares 1 e 2, em que os primeiros

corresponderiam àqueles que servem como instrumentos de comunicação dos quais a instituição escolar

necessita para poder funcionar. A saber: regras, explicações, instruções, etc.

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e, estas por sua vez, não estariam diretamente ligadas a uma situação real característica do

espaço escolar?

Antunes (2003, p. 46) declara, sobre o trabalho com a escrita:

Como uma das modalidades de uso da língua, a escrita existe para cumprir

diferentes funções sociocomunicativas, de maior ou menor relevância para a

vida da comunidade. [...] Dessa forma, toda escrita responde a um propósito

funcional qualquer, isto é, possibilita a realização de alguma atividade

sociocomunicativa entre as pessoas e está inevitavelmente em relação com

os diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam.

É nesse sentido que, contrapondo-se a Rojo, Citelli (1994) acha que as formas

dissertativas estão presentes cotidianamente na vida das pessoas; o segundo autor discorda da

ideia de dissertação se configure num gênero eminentemente voltado à produção escrita. De

acordo com ele, situações comunicativas que envolvem veiculação de ideias, defesa de pontos

de vista, concepções atacadas ou defendidas (discursos da publicidade, do jornalismo, da

política, das aulas, das polêmicas etc.) correspondem a uma atividade dissertativa.

Para esse mesmo autor, “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos

recursos oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do

texto dissertativo/argumentativo” (CITELLI, 1994, p. 07).

Continuando essa reflexão, Pécora (1999, p. 96) estabelece: ‘qualquer uso de

linguagem, desde que efetive um vínculo intersubjetivo, desde que se possa reconhecer nele

um efeito de sentido, constitui uma argumentação. Mas, sem dúvida, é na dissertação que ela

se manifesta de uma forma típica [...]”.

Sobre a dissertação argumentativa Xavier (2001, p. 07) sustenta:

Trata-se de um gênero textual específico que circula em várias instituições

sociais entre elas a escola e a universidade, cujas características formais e

funcionais permitem ao seu usuário demonstrar o domínio de certas

habilidades linguísticas e intelectuais. Através de uma dissertação

argumentativa, o autor procura convencer seu leitor a adotar uma posição

(filosófica, política ou ideológica), mudar um comportamento (estético, ético

ou moral) ou aceitar um princípio científico como universal. (Grifo nosso)

Desse modo é que, a partir da concepção de argumentação que orienta nosso estudo,

elegemos para esta pesquisa a definição de dissertação argumentativa acima apresentada por

Xavier (2005), com uma pequena adaptação: defendemos que nesse gênero de texto o autor

procura persuadir seu leitor. Nossa posição ocorre em função da:

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59

i. diferença entre convencer e persuadir apontada por Perelman e Olbrechts-

Tyteca (2005) a partir do tipo de auditório do qual se deseja obter a adesão;

esses estudiosos propõem que chamemos de persuasiva a argumentação

direcionada para um auditório particular e de convincente aquela que se destina

a um auditório universal;

ii. importância de o locutor conhecer seus interlocutores reais ou possíveis; assim

é que, nos contextos de produção textual, um texto destina-se a outro alguém,

seu leitor provável, para o qual está-se produzindo o que se produz.

(GERALDI, 2003).

Ainda sobre a dissertação argumentativa, encontramos em Savioli e Fiorin (2001),

assim como, em Xavier (2010) algumas características desse gênero, sintetizadas por nós no

quadro abaixo:

CARACTERÍSTICAS DA DISSERTAÇÃO ARGUMENTATIVA

QUANTO AOS ASPECTOS FORMAIS

QUANTO AOS ASPECTOS

LINGUÍSTICO-DISCURSIVOS

Escrita em prosa É um texto temático, cujos pontos

de vista são explícitos.

Distribuída em parágrafos

Solicita uma mudança de situação.

Composta por três partes

clássicas

Introdução – apresenta o tema

a ser discutido

Tem uma ordenação que obedece

às relações lógicas: analogia,

pertinência, causalidade,

implicação, etc.

Desenvolvimento – expõe

progressiva e encadeadamente

o tema através de dados, fatos

e informações

Conclusão – fecha a sequência

de ideias e opiniões

desenvolvidas no corpo do

texto

Quadro 1: Síntese geral dos aspectos formais e linguístico-discursivos da dissertação argumentativa

Concluídas essas considerações, interessa-nos ainda refletir sobre as situações

didáticas em que são propostas as produções de textos argumentativos escritos, o que será

apresentado no próximo tópico.

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1.9 A escrita de textos argumentativos: reflexões a partir do que se ensina na escola

Comecemos por uma afirmação de Breton (2003, p. 23): “hoje ainda, cada indivíduo,

na sua vida cotidiana, é confrontado com inúmeras situações de argumentação e este saber faz

parte da ‘cultura básica’ que todos podem adquirir, de certa maneira, por ‘impregnação’, ao

passo que a argumentação é apenas raramente o objeto de um programa de ensino”.

Admitimos, tal como Breton, que a argumentação constitui-se também na cultura

básica e podemos verificar isso, de forma muito clara, quando lidamos com crianças que

vivenciam desde cedo situações argumentativas orais (SOUZA, 2003). Discordamos, por

outro lado, da afirmação de que essa atividade é dificilmente vista em programas de ensino.

Hoje, já conseguimos visualizar propostas curriculares18

e outros documentos oficiais de

orientação curricular e metodológica nos quais a argumentação é tomada como objeto de

ensino. A saber:

Nos PCN (BRASIL, 1998), lemos:

as propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-

aprendizagem no nível médio indicam a sistematização de um conjunto de

disposições e atitudes como pesquisar, selecionar informações, analisar,

argumentar, negociar significado, [...] (p.5);

Ainda nesse mesmo documento, temos:

A análise da dimensão dialógica da linguagem permite o reconhecimento de

pontos de vista sobre um mesmo objeto de estudo e a formação de um ponto

de vista próprio. A opção do aluno por um ponto de vista coerente, em

situação determinada, faz parte de uma reflexão consciente e assumida [...]

(p. 21)

Assumimos, porém, a ideia de que a argumentação não se faz de qualquer forma.

Nossa defesa tem suporte na afirmação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 21) que

dizem: “é preciso alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido”.

É nesse contexto que entendemos que se constitua função da escola proporcionar aos

alunos situações de ensino-aprendizagem diversificadas, nas quais eles possam lidar com

diferentes textos argumentativos, conhecendo algumas situações em que emerge a

18

Sobre alguns documentos legais e norteadores do ensino, podemos mencionar: Proposta curricular: educação

infantil, fundamental e educação de jovens e adultos (CAMARAGIBE, 2009); Base Curricular Comum para as

redes públicas de ensino de Pernambuco: Língua Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008).

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61

argumentação e proporcionando-lhes reflexões sobre as estratégias discursivas básicas

constituintes desse tipo de discurso.

Atualmente, é possível encontrarmos professores de língua portuguesa que concebem

a produção de textos argumentativos como uma possibilidade de desenvolverem o senso

crítico dos alunos, já que, por meio desses textos, eles (os alunos) precisam não só apresentar

seus pontos de vista sobre os diversos temas que emergem nas relações sociais, como têm de

convencer os seus pares sobre aquilo que estão defendendo (percepção dos professores sobre

a dialogicidade desse texto e sobre a dimensão argumentativa da linguagem).

É nesse sentido que compreendemos que as práticas pedagógicas ou encaminhamentos

didáticos dados pelo professor de língua materna podem contribuir (ou não) para a construção

de textos argumentativos escritos pelos alunos, uma vez que consideramos o professor como

“mediador entre o objeto de estudos (no caso, o texto) e a aprendizagem que vai se

concretizando nas atividades de sala de aula” (GERALDI, 2003, p. 112).

Nesse contexto, Leal e Morais (2006) registram que, em pesquisa realizada com o

objetivo de analisar se diferentes tipos de práticas de ensino têm influência sobre a capacidade

de produção de textos argumentativos, por meio de observação de aulas de professoras de 2ª a

4ª séries e pela análise de textos produzidos pelos alunos dessas professoras, conseguiram

encontrar dois grupos de professoras quanto ao tipo de ações que desenvolviam nas aulas: a)

as que propunham atividades de escrita em que se concebia o texto como sequência de

informações ou fatos, sem referência em outras práticas sociais de uso da língua; b) as que

percebiam o texto como objeto de ensino e de interação e, dessa forma, propunham situações

que se aproximavam/assemelhavam às situações reais e cotidianas de uso dos textos.

Nessa perspectiva, esses autores declaram que:

A análise desses tipos de intervenção foi fundamental para nossos

propósitos, porque concebemos que, no momento da produção de texto, o

escritor se apoia nas representações que ele tem a respeito do que é um texto

e do que esperam dele naquela instituição onde ele produz o texto.

Concebemos, portanto, que as finalidades e os interlocutores são

representados por meio das expectativas criadas quanto ao lugar de onde se

enuncia e ao momento da enunciação. Na escola, os alunos aprendem que os

professores esperam que eles atendam às exigências da instituição que tem

por função “ensinar”[...](LEAL e MORAIS, 2006, p. 81).

Leal e Morais (2006) registraram ainda que, nessa mesma pesquisa, foram observados

aspectos referentes aos tipos de reflexão que eram conduzidos em sala de aula. Esses autores

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62

perceberam que havia um grupo de professores que não proporcionava reflexões sobre o texto

a ser produzido ou realizava reflexões estritamente sob a ótica dos aspectos gramaticais ou

estruturais dos textos; um outro grupo refletia com os alunos sobre os aspectos discursivos

dos textos, ainda que de forma superficial. Dessa forma, esses pesquisadores assinalam que:

As reflexões conduzidas em sala de aula podem ajudar os alunos a construir

as representações sobre as expectativas das professoras enquanto mediadoras

das situações e a ativar as representações sobre os interlocutores que estão

fora da esfera escolar de interação [...] (LEAL e MORAIS, 2006, p. 82).

Considerando também as ocorrências de produção de texto argumentativo, tendo por

fundamento as orientações escolares, Pécora (1999), ao realizar um estudo que se baseou na

análise de provas de redação de vestibulandos e de estudantes universitários do curso de

Práticas de Produção de Textos (IEL/UNICAMP), produzidas a partir de diferentes

comandos, observou uma inconsistência argumentativa marcada pela presença de noções

confusas, noções de totalidade indeterminada (conceitos genéricos, afirmações vagas), provas

morais e argumentos fundados na noção de dever, uso de expressões comuns (reconhecimento

de uma linguagem já produzida e cujo sentido se esgota nesse reconhecimento).

Para esse autor, os problemas de argumentação não devem ser entendidos “tão

somente como problemas de manipulação de determinados artifícios ou instrumentos à

disposição de um determinado usuário, mas sim como problemas que afetam as próprias

condições de produção do discurso” (PÉCORA, 1999, p. 88). Isso porque, a produção de

textos argumentativos supõe um domínio específico por parte do usuário. A questão é que:

[...] via de regra, o processo histórico de escolarização deixa de fornecer esse

conhecimento específico, substituindo-o por uma falsificação do quadro de

condições da escrita. E o que mais falsifica é, justamente, a potencialidade

argumentativa desse quadro (idem, ibidem, p. 91).

Nessa dimensão, esse estudioso afirma que todos os problemas detectados nas

produções de textos dos vestibulandos e dos universitários se configuraram problemas de

argumentação “na medida em que testemunham o fracasso das ocorrências para instituírem

uma relação intersubjetiva de significação” (idem, ibidem, p.90). Esse autor afirma ainda que:

[...] os problemas vistos no decorrer deste trabalho, os problemas que se

caracterizavam pela ausência de domínio em relação ao código da escrita

surgiam muito menos em função de dificuldades técnicas do que em função

das que eram geradas pela concepção de linguagem e de escrita adotada pela

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63

escola. O acesso ao código, o aprendizado de umas quantas normas que, em

si, não oferece dificuldade alguma, era bloqueado pelo desprezo, menos

aristocrático que repressivo, em relação aos usos de linguagem efetivamente

produzidos e experimentados pelos alunos (p. 116).

Podemos acrescentar a essa discussão um estudo realizado por Val (2006),

fundamentado na análise de redações de vestibulandos produzidas no vestibular/UFMG,

realizado em janeiro de 1983 (p. 43). Essa autora, considerando as circunstâncias históricas do

momento de produção dessas redações, faz algumas ponderações: relata que “a situação

comunicativa é absolutamente artificial, pois o produtor do texto não é dono do seu assunto,

nem da forma do seu discurso. Vê-se na contingência de discorrer sobre o tema que lhe for

imposto [...]” (VAL, 2006, p. 49); quanto ao interlocutor, afirma que para o produtor do texto,

esse é um desconhecido que poderá impedir a sua entrada na universidade. Daí que na escrita

da redação, a intenção do produtor será demonstrar que tem o domínio de uma modalidade do

código, de forma a garantir sua aprovação no vestibular. Val (2006) aponta que essa

artificialidade do contexto de produção é que irá conduzir o locutor a atingir a meta desejada.

Na análise do corpus de sua pesquisa (os textos dos vestibulandos), essa pesquisadora

identificou que o desempenho dos vestibulandos revelava “razoável sucesso na aprendizagem

dos aspectos envolvidos na produção de texto que dependem de instrução e treinamento”

(idem, ibidem, p. 122).

Segundo ela, os alunos demonstraram domínio satisfatório da língua padrão escrita e

do modelo formal usado para textos dissertativos. “A escola ensinou e eles aprenderam a

expor seu pensamento em linguagem correta e organizado segundo um padrão convencional”

(p. 123).

Essa mesma autora nos diz que:

Entretanto, apesar disso, as redações em sua maioria, não constituem o que

se pode chamar de bons textos. São peças que não agradam nem convencem,

em razão das deficiências quanto à informatividade e à coerência (VAL,

2006, p. 123).

Acerca desses aspectos, Val (2006) continua relatando que o grupo que tinha

produzido as redações era constituído por alunos que tinham concluído o 2º grau (hoje, nosso

ensino médio) e aprovados na 1ª fase, que era eliminatória. Chamou-lhe a atenção que nem

esse grupo conseguiu produzir textos que ela julgou serem de boa qualidade.

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Segue seu comentário, lembrando que foram considerados, na sua análise, o contexto

imediato de produção escolar, o estado emocional dos alunos diante da situação de produção e

o fato de os vestibulandos estarem produzindo para um interlocutor que não constituiria um

auditório presumido. Este, assumindo o que nos dizem Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005),

seria fator elementar para toda a orientação discursiva da argumentação a ser desenvolvida.19

.

É, no entanto, a relação que Val (2006) estabelece entre o que ela chamou de

“elementos anteriores ao desencadeamento das ideias no texto” e o texto produzido que nos

chama a atenção:

Interferem ainda no processo de produção elementos anteriores ao seu

desencadeamento, mas de peso marcante no seu desenrolar. Refiro-me à

ação da família e da escola na história pessoal e na preparação específica do

vestibulando. A ideologia dominante quer fazer crer que há sempre um jeito

certo de fazer a coisas: um jeito certo de enxergar e interpretar a realidade,

um jeito certo de pensar. A partir daí buscam-se receitas, as fórmulas, as

fôrmas. [...] A recomendação é não dizer nada que possa comprometer, não

ousar formular nada que fuja do padrão; é mostrar-se neutro e comedido

(VAL, 2006, p 124).

Isso posto, propomos as seguintes reflexões: se é na escola que os alunos devem

vivenciar situações diversificadas de produção de texto; se tratando-se da argumentação, é a

escola que tem a função de diversificar as situações didáticas de forma a explorar com os

alunos situações cotidianas de uso da língua; se é também papel da escola contribuir para o

desenvolvimento das estratégias argumentativas dos alunos; se há uma concordância entre os

teóricos da argumentação de que esta se inscreve no uso da linguagem, por constituir

atividade estruturante de todo e qualquer discurso (KOCH, 2006), como pode,

contraditoriamente, ser a escola a instituição que tem proporcionado a rigidez nas produções

de texto argumentativo, chegando a ensinar sobre a neutralidade dos discursos? Como pode

essa mesma escola artificializar os contextos de produção desse texto, conduzindo os alunos à

superficialidade do discurso, ao vácuo semântico e à inconsistência argumentativa (PÉCORA,

1999)?

Com essas considerações encerramos por enquanto a nossa discussão, acreditando que

ainda há espaço na instituição escolar para emergirem novos contextos de produção de texto,

19

Achamos por bem, para fins de esclarecimento, expor que: uma vez que a neutralidade nas ações de linguagem

não foi considerada no nosso trabalho, Koch (2006, p. 17) nos coloca que “a aceitação desse postulado faz cair

por terra a distinção entre o que tradicionalmente se costuma chamar de dissertação e de argumentação, visto que

a primeira teria de limitar-se, apenas, à exposição de ideias alheias, sem nenhum posicionamento. Ocorre, porém,

que a simples seleção das opiniões [...] já implica, por si mesma, uma opção”.

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que sejam de fato significativas para os alunos. Como defende Possenti (2002, p. 2): “houve

um tempo em que se disse a propósito de redações escolares, que importava o conteúdo. Era a

época de uma certa ideologização da escola (necessária, a meu ver), em que era relevante que

os alunos se tornassem sujeitos de um outro discurso, dito crítico”.

É nessa dimensão que as reflexões apresentadas até o momento têm o propósito de

defender que o fundamental, no trabalho com a produção de textos, inclusive, em turmas de

ensino médio, é o desenvolvimento de atividades de reflexão sobre a língua que envolva

práticas de uso reais da língua, proporcionando aos alunos reconhecer os mecanismos que ela

dispõe e dos quais podemos fazer uso para expor nossos pensamentos e defender nossas

opiniões.

No capítulo seguinte, trataremos do percurso metodológico que norteou a nossa

pesquisa.

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2 METODOLOGIA

A questão metodológica diz respeito aos procedimentos que o pesquisador irá utilizar

e é orientada por pressupostos e compromissos filosóficos que determinam a maneira como

ele apreende o conhecimento sobre o mundo (MOREIRA e CALEFFE, 2008).

Analisando algumas reflexões de Coracini (1991), Suassuna (2008a) considera que a

opção por um caminho metodológico nos estudos da linguagem vai depender das concepções

de linguagem implicadas. Por esse ângulo, considerando o agrupamento feito por Coracini

(1991) e ancorados na concepção de linguagem como discurso que orienta toda a nossa

pesquisa, elegemos um procedimento metodológico que consistisse em:

Partir das representações das condições de produção do discurso inseridas

numa dada formação discursiva (que, por sua vez, se insere numa formação

ideológica), para compreender o texto e os procedimentos nele postos em

prática; aqui, a preocupação maior é com o processo, na medida em que o

analista busca explicar as condições que possibilitam a emergência daquela

[...] realização linguística. (CORACINI, 1991 apud SUASSUNA, 2008a, p.

357).

Por esse raciocínio, compreendemos que a metodologia deve ser pensada como uma

construção teórica que dialoga diretamente com a prática da pesquisa, não se configurando

como instrumental de uma “investigação neutra” (MINAYO, 1998). De acordo com Lüdke e

André (1986), a visão do mundo, os pontos de partida, os fundamentos para a compreensão e

explicação desse mundo irão influenciar a maneira como o pesquisador propõe sua pesquisa.

Moreira e Caleffe (2008) corroboram essa afirmação e acrescentam que todos os

pesquisadores estabelecem pressupostos de algum tipo em relação às questões metodológicas

e esses pressupostos, por sua vez, tendem a agrupar-se em um determinado paradigma.

É nesse caminho que o percurso metodológico adotado no nosso estudo foi sendo

construído com vistas a contemplar a articulação entre a pergunta da pesquisa (o ensino da

argumentação tem proporcionado o desenvolvimento de habilidades argumentativas?) e os

objetivos nela definidos: (1) analisar práticas de ensino de produção de textos argumentativos

escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias argumentativas

utilizadas pelos alunos (2) identificar as concepções de língua, texto e argumentação que

fundamentam a prática de professores de português; (3) analisar as situações didáticas em que

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são propostas as produções de texto; (4) analisar as produções dos alunos, verificando as

estratégias argumentativas mobilizadas por eles na produção desses textos.

A nossa preocupação inicial era compreender aspectos da prática escolar sem

restringi-la ao que se passa no cotidiano, refletindo sobre como se estabelece o encontro

professor-aluno-conhecimento (ANDRÉ, 2007).

2.1 Paradigmas metodológicos adotados na pesquisa

Uma pesquisa não acontece de forma artificial, mas situa-se em um contexto social.

Em outras palavras, ocorre em uma comunidade de pesquisadores que compartilham

concepções similares em determinadas questões, métodos, técnicas, etc. (SPARKES, 1992

apud MOREIRA e CALEFFE, 2008).

Moreira e Caleffe, analisando as reflexões de Shulman (1986) sobre paradigma,

sustentam a ideia de que esse é o termo mais utilizado para descrever essas comunidades, bem

como, as concepções e métodos que elas partilham. É dessa forma que diferentes paradigmas

proporcionam diferentes maneiras para ver o mundo e dar-lhe sentido.

Em educação, Moreira e Caleffe (2008, p. 39) dizem que:

A pesquisa educacional sempre teve vínculos muito fortes com as tradições

da pesquisa nas ciências sociais. [...] A pesquisa e seus resultados facilitam a

reflexão, a crítica e a maior compreensão do processo educacional, que por

sua vez ajudam a melhorar a prática pedagógica.

Por esse olhar, podemos afirmar que, em educação, as pesquisas se fundamentam no

desejo de conhecer com vistas a fazer algo mais eficiente ou eficaz (GIL, 2010). Também

confirmam essa afirmação Lankshear e Knobel (2008, p. 14) quando afirmam:

Vários autores [...] agruparam uma série de visões amplamente

compartilhadas sobre os propósitos e ideais da pesquisa pedagógica, em

torno de dois conceitos fundamentais. Um deles diz respeito a melhorar a

percepção do papel e da identidade profissional dos professores. O outro é a

ideia de que o envolvimento com a pesquisa pedagógica pode contribuir para

um ensino e uma aprendizagem de melhor qualidade nas salas de aula.

É importante registrar que a pesquisa em educação nem sempre foi desenvolvida por

meio de uma perspectiva sociológica. Durante décadas, por meio do paradigma clássico, cuja

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característica era a racionalidade técnica e instrumental, que se legitimou como modelo

científico, “as diferenças, as especificidades e os detalhes dos fenômenos em estudo não

tinham importância: o que valia eram exatamente as regularidades e as uniformidades

observadas [...]” (SUASSUNA, 2008, p. 342). Nessa abordagem, a realidade é externa ao

indivíduo.

Autores como Morin (apud Suassuna, 2008a) criticam fortemente essa abordagem da

ciência clássica, registrando que alguns atributos dessa ciência são: a sustentação nos três

pilares da certeza (ordem, separabilidade e lógica); a identificação da contradição com o erro

científico; a separação operada entre sujeito e objeto, sendo a subjetividade tomada como

fonte de erros.

Nessa mesma perspectiva, Santos (apud Suassuna, 2008), numa crítica à racionalidade

científica, mostra que ela supõe a previsão do comportamento futuro dos fenômenos e tem por

pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade do mundo.

Compreendendo que esses aspectos não se aplicam à pesquisa em educação e que,

nesse sentido, uma pesquisa nesse campo necessita ter outros critérios de rigor metodológico20

que ajudem o pesquisador a compreender as diversas situações de linguagem; considerando

também que a subjetividade é um dos elementos inerentes à pesquisa de cunho social,

adotamos um paradigma proposto em oposição à visão positivista da ciência moderna: um

paradigma que “busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da

constatação, valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados”

(ANDRÉ, 2007, p. 17). De acordo com essa autora, estamos falando da pesquisa descritiva,

interpretativa e qualitativa.

Essa abordagem metodológica permite que o pesquisador se aproxime da escola,

tentando compreender as relações e interações que constituem o seu cotidiano, os modos de

organização do trabalho escolar e o papel de atuação de cada sujeito nesse espaço social

(ANDRÉ, 2007).

No que se refere à pesquisa descritiva, Faria et al (2008) esclarecem que esse método

possibilita ao pesquisador apresentar o seu objeto de pesquisa, procurando descrever e

demonstrar como um determinado fenômeno ocorre, quais são suas características e relações

com outros fenômenos. 20

Referindo-se à pesquisa qualitativa, Duarte (2000) apud Suassuna (2008a, p. 348) lembra que o rigor de uma

pesquisa dessa natureza não se mede apenas por comprovações e estatísticas, mas justamente pela amplitude e

pertinência das explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas nem sejam generalizáveis os

resultados alcançados.

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Cervo e Bervian (1983) acrescentam que na pesquisa descritiva o investigador

observa, registra, analisa e correlaciona os fatos sem manipulá-los. Ela pode ser realizada, em

particular, por técnica de coleta de dados como os questionários e a observação sistemática.

Por esses pressupostos, a nossa pesquisa se apoia nos fundamentos da pesquisa

descritiva, já que nela procuramos analisar práticas de ensino de produção de textos

argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as estratégias

argumentativas utilizadas pelos alunos.

Acerca da pesquisa interpretativa, Moreira e Caleffe (2008, p. 61) lembram:

Os pesquisadores interpretativos rejeitam a visão dos positivistas de que o

mundo social pode ser entendido em termos de relações causais expressas

em generalizações. Para eles, as ações humanas são baseadas nos

significados sociais, tais como crenças e intenções. As pessoas que vivem

juntas interpretam os significados entre elas e esses significados

transformam-se por meio da interação social.

Defendem ao mesmo tempo que para alguns autores (ERICKSON, 1986; SPARKES,

1992 apud MOREIRA e CALEFFE, 2008), o termo “interpretativo” refere-se a uma família

de abordagens e é muito útil por três razões, das quais destacamos: o fato de o paradigma

interpretativo agregar características comuns às várias abordagens; o fato de o interesse

central de todas as pesquisas nesse paradigma ser o significado humano da vida social; a sua

elucidação e exposição pelo pesquisador.

Interessante é que, de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p 61):

Os pesquisadores interpretativistas inevitavelmente estudam

particularidades, mas eles diferem nas suas visões sobre até que ponto as

evidências examinadas de várias particularidades possam ser expressas na

forma de generalizações.

E esse é um cuidado necessário a toda pesquisa, a fim de evitarem-se as

generalizações indevidas. Beck (apud Moreira e Caleffe, 2008, p. 62) explica que, no

paradigma interpretativo, “o propósito da ciência social é entender a realidade social, como

diferentes pessoas a veem e demonstrar como essas visões determinam suas ações dentro

desta realidade”.

Acerca da pesquisa qualitativa, Lüdke e André (1986) sustentam algumas posições nas

quais também fundamentamos a nossa escolha. São elas:

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i. a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com

o ambiente e a situação que está sendo investigada;

ii. os dados coletados são predominantemente descritivos; citações são

frequentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer um ponto

de vista e todos os dados da realidade são considerados importantes;

iii. a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto; nesse

caso, o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é

verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas

interações cotidianas;

iv. o significado que as pessoas atribuem às coisas e à sua vida são focos de

atenção especial pelo pesquisador; recorre-se, pois, às concepções dos

participantes sobre o fenômeno pesquisado;

v. a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo; em outras palavras, o

pesquisador não se preocupa em buscar evidências que comprovem hipóteses

previamente definidas para o estudo.

Segundo esses mesmos autores, entre as várias formas que uma pesquisa qualitativa

pode assumir, destaca-se a pesquisa do tipo etnográfico. Esse é um outro paradigma adotado

no nosso estudo, cujo foco é “descrever, analisar e interpretar uma faceta ou segmento da vida

social de um grupo e como isso se relaciona com a educação” (MOREIRA e CALEFFE,

2008, p. 86).

Eles seguem definindo algumas características dessa abordagem, tais como: é uma

pesquisa sem igual, pois enfoca o comportamento social no cenário natural; dá crédito a dados

qualitativos; tem uma perspectiva holística, que toma por base a observação e a interpretação

realizadas no contexto das interações humanas; dá abertura para iniciar-se uma pesquisa com

hipóteses; no procedimento e na análise dos dados envolve-se a contextualização em que os

resultados da pesquisa são interpretados. Essas mesmas características foram também

descritas por André (2007).

Sobre a pesquisa etnográfica, encontramos em Lopes (2006, p. 88) a seguinte

definição:

A etnografia da sala de aula é uma descrição narrativa dos padrões

característicos da vida diária dos participantes sociais (professores e alunos)

na sala de aula de línguas na tentativa de compreender os processos de

ensinar/aprender línguas. Para fazer este tipo de pesquisa é necessário

participar na sala de aula como observador participante, escrever diários,

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entrevistar alunos e professores, gravar aulas em áudio e vídeo etc., para

então, tentar descobrir: a) o que está acontecendo neste contexto; b) como

esses acontecimentos estão organizados; c) o que significam para alunos e

professores...

Para Moreira e Caleffe (2008, p. 88) “o maior apelo da pesquisa etnográfica é poder

construir, melhor do que qualquer outro tipo de pesquisa, um retrato rico e detalhado da vida

humana”.

Perante o exposto, decidimos por uma abordagem interpretativa e qualitativa, do tipo

etnográfico e, tendo por base as características pontuadas por Moreira e Caleffe (2008), assim

como por André (2007), estabelecemos a seguinte correlação com os nossos objetivos de

estudo: (1) investigamos a prática de dois professores de língua portuguesa no contexto da

sala de aula em diferentes escolas; (2) as aulas observadas foram registradas em diários de

campo e algumas delas, gravadas em áudio, havendo ainda entrevistas com os professores; (3)

mesmo com enfoque na prática pedagógica do professor, as observações e as interpretações

foram feitas tendo em conta as interações que ocorriam no espaço da sala de aula; (4) nosso

estudo contou com uma hipótese inicial, ainda que não buscássemos a comprovação ou

negação da mesma ao longo da pesquisa; (5) por meio das observações, buscamos

compreender se os procedimentos pedagógicos davam conta daquilo a que se propunham so

professores no ensino da argumentação escrita; (6) e por meio das entrevistas, observamos as

concepções de professores sobre língua, texto, argumentação e ensino da produção escrita de

texto argumentativo.

Gil (2010, p. 41), sobre a pesquisa etnográfica, acrescenta:

A pesquisa etnográfica apresenta uma série de vantagens em relação a outros

delineamentos. Como ela é realizada no próprio local em que ocorre o

fenômeno, seus resultados costumam ser mais fidedignos. [...] Como o

pesquisador apresenta maior nível de participação, torna-se maior a

probabilidade de os sujeitos oferecerem respostas mais confiáveis.

Esse estudioso nos diz que, embora algumas pesquisas etnográficas possam ser

caracterizadas como estudos de comunidade, a maioria se realiza no âmbito de unidades

menores, tais como as escolas. Em educação, as pesquisas etnográficas podem se utilizar

ainda de técnicas de coletas de dados complementares como a análise de documentos e de

fotografias, e a realização de filmagens.

No que diz respeito aos aspectos da indução e da descrição, André (2007) esclarece

que, na pesquisa etnográfica, o pesquisador faz uso de um produtivo trabalho de descrição e

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análise de situações de campo, sujeitos, documentos, depoimentos, etc., que por ele são

reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais.

Por essas circunstâncias, a pesquisa etnográfica nos permitiu acompanhar e

compreender o cotidiano de aulas de língua portuguesa na instância pública da rede estadual,

em particular, o eixo da produção de textos. Assim, para além do senso comum que se

estabelece sobre a prática docente e sobre o perfil dos alunos da rede pública, o

acompanhamento realizado nos permitiu um novo olhar sobre o objeto de pesquisa, de forma

a observar conteúdos e competências que são privilegiados no ensino de língua materna, bem

como a resposta dos alunos mediante as práticas exercidas por seus professores.

Adotamos ainda na nossa pesquisa o paradigma metodológico indiciário, que pode ser

também considerado “um tipo específico de pesquisa qualitativa”. (SUASSUNA, 2008a, p.

362).

Esse paradigma foi proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg a partir da ideia

de que a História tradicional deixou de considerar uma série de detalhes que eram relevantes

para a explicação dos fatos históricos. Nessa direção, Ginzburg (1998) apud Suassuna (2008a)

buscou valorizar as ideias, as crenças e as percepções dos indivíduos ou de grupos sociais

diante dos acontecimentos históricos. Em uma de suas obras, ele defende o princípio de que o

historiador poderia, por esse viés, operar com pistas, sintomas e indícios, e não somente com

fatos explícitos (SUASSUNA, ibidem).

Ginzburg registra que esse paradigma começou a revelar-se nas Ciências Humanas no

século XIX, mas suas origens datam de períodos mais antigos. Suassuna (2008a, p. 364)

afirma que “o que caracteriza esse saber é a possibilidade de o pesquisador, a partir de dados

aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa, não experimental

diretamente”.

Ainda segundo essa autora (ibidem, p. 364), “o paradigma indiciário se apoia na ideia

de que, sendo a realidade opaca, alguns de seus sinais e indícios permitiriam ‘decifrá-la’, no

sentido de que indícios mínimos podem ser reveladores de fenômenos gerais”. Segundo

Suassuna (ibidem), Ginzburg se utiliza do termo “rigor flexível” para caracterizar o

paradigma indiciário. Assim, esse paradigma não trabalha com regras explícitas ou

preexistentes, mas com pistas, indícios que possibilitam perceber elementos da realidade que

possivelmente seriam difíceis de serem captados por outros meios de investigação. É sobre

esse paradigma que Fiad (1997) apud Suassuna (2004, p. 178) argumenta:

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Dentro do paradigma indiciário, dados singulares e particulares que, em

outra perspectiva teórica, seriam considerados marginais podem vir a tornar-

se reveladores e significativos. Assim, o paradigma indiciário recupera a

possibilidade de examinar pormenores e marcas individuais presentes nas

várias atividades humanas, entre elas, a linguagem: [...] permite ao analista ir

em busca de explicações, mais do que tentar encontrar evidências para

explicações e teorias já existentes.

Um exemplo interessante que encontramos a respeito do paradigma indiciário está em

Pimentel (apud Suassuna, 2008a). A primeira pesquisadora, numa investigação sobre a

produção de textos na escola e partindo da hipótese de que elementos constitutivos da

experiência anterior dos alunos com a linguagem são reconstruídos nos textos que eles

escrevem, procurou verificar nos textos indícios de leituras realizadas na escola e fora dela.

O paradigma indiciário na nossa pesquisa foi fundamental por nos permitir verificar

que não foi a repetição de certas ocorrências que nos ajudou a compreender a realidade do

contexto escolar de produção de texto, e sim o que havia de significativo nessas situações de

produção. Isso porque “o mundo social é um mundo significativo em que os autores

constroem e reconstroem as realidades de suas vidas. Qualquer ordem encontrada é criada

pelos próprios atores [...]” (MOREIRA e CALEFFE, 2008, p. 52). À luz do paradigma

indiciário pudemos observar que elementos constitutivos de experiências anteriores dos

professores sobre o ensino da produção de textos foram evidenciados na sua prática

pedagógica. Ao mesmo tempo, verificamos de que forma as orientações dadas por esses

professores (manifestações verbais sobre como os textos deveriam ser produzidos, modelos

apresentados, estrutura textual a ser seguida etc.) se expressaram como eventuais

aprendizagens significativas nos textos dos alunos. É a defesa de Ginzburg (1999) apud

Suassuna (2008a, p. 368) quando afirma que “manifestações singulares materializam algo das

complexas relações entre os alunos, a língua e a escola”.

Em linhas gerais, portanto o nosso estudo se constitui numa pesquisa de abordagem

qualitativa, descritiva, interpretativa, de cunho etnográfico e indiciário, e que traz como

questão central: o ensino da argumentação tem permitido o desenvolvimento de habilidades

argumentativas?

2.2 Métodos e instrumentos de coleta de dados

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Uma das considerações de André (2007) sobre a pesquisa qualitativa e etnográfica é a

possibilidade de fazer uso de técnicas como a observação participante, a entrevista e a análise

de documentos. Dessa forma, articulando objeto e objetivos de nossa pesquisa, elegemos

como instrumentos de coleta de dados: 1. a entrevista; 2. a observação; 3. a análise

documental.

2.2.1 Entrevista

Para Richardson et al (2010), em todas as ações que envolvem indivíduos, é

importante que as pessoas compreendam o que ocorre com os outros, e a interação face a face

se constitui na melhor forma de lidar com o outro. É partindo desse pressuposto que ele toma

a entrevista como uma técnica importante que possibilita o desenvolvimento de uma relação

mais íntima entre as pessoas.

Sobre entrevista, Marconi e Lakatos (2010, p. 178) declaram:

A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de uma delas obter

informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação

de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação

social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento

de um problema social. [...] Trata-se, pois, de uma conversação efetuada face

a face, de maneira metódica; proporciona ao entrevistador, verbalmente, a

informação necessária. Alguns autores consideram a entrevista como o

instrumento por excelência de investigação social.

Esses mesmos pesquisadores acrescentam que o objetivo principal é obter informações

sobre determinado assunto ou problema e elencam, quanto ao conteúdo, tipos de objetivo: a)

averiguação de fatos; b) determinação das opiniões sobre os fatos; c) determinação de

sentimentos; d) descoberta de planos de ação; e) conduta atual ou do passado; f) motivos

conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas ou condutas.

Na nossa pesquisa, essa categorização nos orientou quanto à decisão pelo uso da

entrevista. Por meio desse recurso, definimos como critérios de análise: (1) a concepção de

professores de português sobre argumentação e texto argumentativo; (2) formas de condução

didática no trabalho de produção de texto argumentativo.

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Nesse contexto, precisávamos definir o tipo de entrevista a ser realizado e, para isso,

contamos com a seguinte classificação de entrevistas:

i. entrevista estruturada – definida como aquela em que o entrevistador segue um

roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao sujeito são

predeterminadas (MARCONI e LAKATOS, 2010);

ii. entrevista não estruturada – nela, o entrevistador tem liberdade para

desenvolver cada situação em qualquer direção que julgar pertinente, e

adequada (MARCONI e LAKATOS, 2010);

iii. entrevista semiestruturada – nessa entrevista, as questões devem suscitar uma

verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas, ante ao

tema em foco; para Lüdke & André (1986), esse tipo de entrevista possibilita a

combinação entre perguntas abertas e fechadas, de forma a permitir ao

entrevistado discorrer sobre o tema sugerido.

Isso posto, elegemos a entrevista semiestruturada como aquela que atendia melhor às

nossas pretensões.

As entrevistas foram realizadas em abril de 2011. Na ocasião, entramos em contato,

por meio telefônico, com diversas escolas da rede estadual de Camaragibe (PE), verificando

se ofertavam a modalidade do ensino médio e quais os professores de português que eram

efetivos na própria escola, há pelo menos três anos (tendo por base o ano de realização da

pesquisa). Estávamos presumindo a possibilidade de encontrar professores que estivessem

acompanhando, pelo menos desde o ano anterior, a turma a ser pesquisada.

Após a elaboração de um roteiro prévio (mas não fechado) de perguntas, em

consonância com os objetivos traçados para a entrevista, conversamos com dez professores de

língua portuguesa que se encaixavam no perfil inicialmente traçado, explicando as finalidades

de nossa pesquisa e verificando a possibilidade de realizarmos a entrevista21

com eles, em

momento oportuno para os mesmos e na própria escola. Dos dez professores, oito permitiram

que a entrevista fosse realizada.

Nesse sentido, as entrevistas serviram como elemento que nos permitiu selecionar os

professores cujas turmas seriam observadas. Por meio delas, obtivemos dados quanto à

formação acadêmica dos professores, às turmas e modalidades nas quais lecionavam, à

21

Todas as entrevistas, devidamente autorizadas pelos professores, foram gravadas mediante nosso compromisso

de mantermos em sigilo os nomes da escola e do professor, evitando assim quaisquer constrangimentos futuros

para eles.

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frequência com que propunham atividades de produção de textos, aos encaminhamentos

didáticos realizados com vistas à produção textual. A essas questões atrelamos o perfil final

de professor desejado, que seria aquele que: (1) realizasse, em termos de produção de texto,

um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) trabalhasse com uma turma do 3º ano

do ensino médio; (3) tivesse lecionado língua portuguesa nessa turma no ano letivo anterior.

De posse desses dados, selecionamos dois sujeitos de pesquisa a quem trataremos, no decorrer

da análise, por Professora A e Professora B.

As entrevistas se configuraram ainda num espaço em que os professores relataram as

dificuldades encontradas na docência de português e apontaram algumas soluções para a

melhoria do ensino de língua.

2.2.2 Observação

A observação é segundo André (1986), uma técnica que ocupa um lugar privilegiado

nas pesquisas em educação, uma vez que, usada como principal método de investigação ou

associada a outras técnicas de coleta, possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador

com o fenômeno pesquisado. Essa autora acrescenta que “a observação permite a coleta de

dados em situações em que é impossível outras formas de comunicação” (ANDRÉ, 1986, p.

26).

No que se refere a essa técnica, Marconi e Lakatos (2010, p. 174) argumentam:

A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e

utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não

consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou

fenômenos que se deseja estudar. É um elemento básico de investigação

científica, utilizado na pesquisa de campo [...] A observação ajuda o

pesquisador a identificar [...] objetivos sobre os quais os indivíduos não têm

consciência, mas que orientam seu comportamento. (Grifo nosso)

Tendo por base as várias modalidades de observação (quanto aos meios, à participação

do observador, ao nível), realizamos uma observação estruturada ou sistemática, participante

e individual.

Por observação estruturada ou sistemática, Marconi e Lakatos (2010) compreendem

que se trata daquela que se realiza de forma planejada, com cuidado e sistematizada. Nela, o

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observador conhece o que procura e o que necessita em determinada situação. É a observação

em que o pesquisador precisa articular bem objetivos da pesquisa e aspectos a serem

observados, a fim de eliminar sua influência sobre o que vê ou recolhe. Dessa forma,

desconsidera aspectos observados que não sejam o foco de seu estudo.

Já a observação participante é aquela que se realiza através do contato direto do

pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores

sociais em seus contextos (RICHARDSON, 2010; MINAYO, 1998). Um ponto importante

desse tipo de observação é ganhar a confiança do grupo, permitindo que os indivíduos

compreendam a importância da investigação (MARCONI e LAKATOS, 2010).

Ainda sobre o caráter dessa técnica, a nossa observação foi individual por ser realizada

por um pesquisador. Como vantagem desse tipo de observação, Marconi e Lakatos (2010, p.

177) apontam a possibilidade que tem o investigador de “intensificar a objetividade de suas

informações, indicando, ao anotar os dados, quais são os eventos reais e quais são as

interpretações”.

Para Selltiz (1965) apud Marconi e Lakatos (2010, p. 174), “a observação torna-se

científica à medida que convém a um formulado plano de pesquisa; [...] é registrada

metodicamente [...]”. Por esse pressuposto, nas observações de aula, utilizamos um diário de

campo, no qual pudemos documentar/registrar/acompanhar as ocorrências das atividades de

produção de texto, registrando os aspectos que seriam pertinentes à pesquisa (formas de

condução do professor, orientações dadas aos alunos, materiais utilizados nas aulas, utilização

de um planejamento prévio para as aulas).

As observações transcorreram no período compreendido entre 03 de maio de 2011 e

14 de junho de 2011 e se adequaram aos horários de aula das professoras em suas respectivas

turmas de 3º ano do ensino médio, ao calendário escolar e à influência de alguns fatores

externos22

.

Embora o nosso foco de pesquisa fossem os eventos relacionados diretamente à

produção de textos argumentativos, participamos de uma sequência de dez aulas que nem

sempre foram destinadas a esse eixo de ensino. Os encontros foram distribuídos da seguinte

forma:

22

Definimos por fatores externos aqueles que interferem na realização das aulas, mas que fogem ao controle da

ação pedagógica, tais como: mudança repentina de horário de aula por parte da direção da instituição escolar;

ocorrência de fortes chuvas, dando origem a alagamentos dentro do espaço escolar e inviabilizando a ocorrência

das atividades letivas; falta do professor por motivo de doença na família; realização de reunião pedagógica

convocada em caráter extraordinário por afastamento provisório do diretor de uma das escolas-campo.

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Escola Sujeito Turma Turno Período de observação Carga

horária total

observada23

maio/11 jun/11

Pública

estadual

Professora

A

3º Ano A Tarde 10h ------ 10h

Pública

estadual

Professora

B

3º Ano B Manhã 8h 2h 10h

Tabela 1 – Quantitativo de horas-aula observadas por professor

Considerando que a observação é utilizada para conseguirmos informações; que nela

se utilizam os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade; e que nela não se

configura apenas por permitir ao pesquisador ver ou ouvir, mas também examinar fatos ou

fenômenos que se deseja pesquisar (MARCONI e LAKATOS, 2010), elencamos os seguintes

critérios de análise para os dados coletados na observação: (1) situações didáticas em que são

propostas as produções de texto argumentativo; (2) gêneros textuais trabalhados; (3) objetivos

traçados para as aulas; (4) conteúdos que são privilegiados pelo professor no ensino de língua

portuguesa; (5) relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o ensino da

produção de textos24

.

Em síntese, ratificamos a escolha da entrevista e da observação no nosso estudo por

meio da afirmação de André (2007, p. 41):

Por meio de técnicas etnográficas de observação participante e de entrevistas

intensivas, é possível documentar o não-documentado, isto é, desvelar os

encontros e desencontros que permeiam o dia a dia da prática escolar,

descrever as ações e representações dos seus atores sociais, reconstruir sua

linguagem, suas formas de comunicação e os significados que são criados e

recriados no cotidiano do seu fazer pedagógico.

No período em que observamos as aulas, presenciamos situações de produção de texto

conforme expresso na tabela a seguir:

Grupo-

classe

Quantitativos

Alunos

matriculados

Média

de

alunos

nas

aulas

Aulas

observa

das

Eventos de produção

textual

Total de

eventos

Individual

Coletiva

A/tarde 30 18 10h 01 ----- 01

B/manhã 30 23 10h 01 02 03 Tabela 2: Quadro sintético das situações de produção

23

Na rede estadual, a duração de cada aula é de 50min. 24

Nesse item, consideramos também se os professores privilegiavam atividades que conduziam à adequação do

texto às intenções do seu produtor ou enfatizavam a realização de atividades de metalinguagem.

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2.2.3 Análise documental

Segundo Flick (2009, p. 232):

Ao decidir-se pela utilização de documentos em um estudo, deve-se sempre

vê-los como meios de comunicação. O pesquisador deverá também

perguntar-se acerca de quem produziu esse documento, com que objetivo e

para quem? [...] Os documentos não são portanto apenas simples dados que

se pode usar como recurso para a pesquisa. [...] o pesquisador deve sempre

focalizar esses documentos enquanto um tópico de pesquisa: quais são suas

características, em que condições específicas foram produzidas.

Em nossa pesquisa, a análise documental parte do pressuposto de que documento é

toda base de conhecimento fixado materialmente e passível de ser utilizado para consulta ou

estudo (CERVO e BERVIAN, 1983). No nosso caso, são as produções escritas dos alunos

que servirão de material de análise. Corrobora a primeira afirmação Severino (2007, p. 124),

que diz:

[...] em ciência, documento é todo objeto (livro, jornal, estátua, escultura,

edifício, ferramenta, túmulo, monumento, foto, filme, vídeo, disco, CD etc.)

que se torna suporte material [...] de uma informação (oral, gestual, visual,

sonora) que nele é fixada mediante técnicas especiais (escritura, impressão,

incrustação, pintura, escultura, construção).

Para tanto, essa técnica visou ao atendimento de dois objetivos: (1) analisar estratégias

utilizadas no ensino da produção escrita de textos argumentativos, identificando de que forma

essas estratégias se revelam nos textos dos alunos; (2) analisar as produções dos alunos,

verificando as estratégias argumentativas utilizadas por eles na produção desses textos. Esse

material foi previamente solicitado a cada professor participante da pesquisa, antes mesmo do

primeiro dia de observação de aula. Dessa forma, logo após a produção, os textos eram

recolhidos pelas docentes e entregues à pesquisadora, que se comprometia a fotocopiá-los e

devolvê-los a esses professores.

De acordo com Lüdke e André (1986), a análise documental é pouco explorada não só

na área de educação como em outras áreas de ação social, sendo, entretanto, uma técnica

valiosa de abordagem de dados qualitativos. Para essas autoras a análise documental

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representa a possibilidade de identificar informações factuais, podendo completar

informações adquiridas por meio de outras técnicas ou desvelar novos aspectos de um dado

problema de pesquisa. Em nosso estudo, a análise de documentos veio se aliar às entrevistas

realizadas e aos dados obtidos na observação participante.

Em consonância com os objetivos delineados, elegemos os seguintes critérios de

análise dos documentos obtidos: (1) os textos apresentam ponto de vista claro; (2) nos textos

o autor se posiciona com vistas a um interlocutor real/virtual; (3) que estratégias da

argumentação foram mobilizadas pelos alunos.

Na intenção de situar o leitor quanto aos gêneros textuais e ao quantitativo de textos

produzidos, apresentamos a tabela a seguir:

Grupo-classe Gêneros textuais

Quantitativo

de textos obtidos

Resenha Dissertação

argumentativa Turma A ------ 11

Turma B 0925

23

0926

Total de textos coletados 09 43 52 Tabela 3: Caracterização e quantitativo dos textos produzidos

Em função do quantitativo de textos obtidos, estabelecemos critérios de seleção desses

documentos para constituir o corpus (em termos de documentos) de nossa pesquisa. Assim, o

nosso recorte se deu em função do(a):

i. gênero textual trabalhado com maior frequência no período observado;

ii. produção individual do aluno;

iii. frequência/participação do aluno em todas as aulas observadas;

iv. legibilidade do texto.

Nesse sentido, compuseram o corpus do nosso estudo dezessete dissertações

produzidas pelos alunos das turmas acompanhadas.

Adicionalmente, realizamos uma análise documental com vistas a fundamentar a nossa

escolha pela rede estadual de ensino e ao mesmo tempo, verificar as relações entre esses

documentos oficiais e o ensino de língua portuguesa. Constituem esses materiais a Base

Curricular Comum para as Redes Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC (PERNAMBUCO,

25

Produção coletiva – geralmente realizada por 09 equipes compostas por 02 ou 03 alunos cada uma. 26

Ver nota anterior

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2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua

Portuguesa (PERNAMBUCO, 2008a; 2008b), nos quais se propõem atividades de produção

de textos argumentativos.

2.4 Caracterização das etapas e critérios para a escolha dos sujeitos/campos de pesquisa

A nossa pesquisa de campo foi realizada em duas unidades de ensino da rede pública

estadual, situadas no centro do município de Camaragibe (PE). A escolha das duas escolas se

deu em função dos critérios definidos para o perfil de professor cujas aulas pretendíamos

observar: (1) aquele que explicitasse na entrevista que, em termos de produção de texto,

realizava um trabalho sistemático com textos argumentativos; (2) aquele que trabalhasse com

uma turma do 3º ano do ensino médio; (3) aquele que tivesse lecionado língua portuguesa

nessa turma no ano letivo anterior.

Nesse sentido, selecionamos dois sujeitos que, por razões éticas nomeamos aqui de

Professora A e Professora B, cujos perfis descrevemos a seguir.

A Professora A é graduada em Licenciatura em Letras pela Faculdade de Formação de

Professores da Mata Sul desde o ano de 2004. Cursou Especialização em Ensino da Língua

Portuguesa, em 2009, na Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns. É professora há

04 (quatro) anos e efetiva da rede estadual de Pernambuco desde 2007. Leciona na Escola A,

desde esse mesmo período, a disciplina de língua portuguesa. No ano da pesquisa (2011), a

professora mencionou estar trabalhando apenas com turmas do 3º ano, o que para ela era um

desafio.

A Professora B é graduada em Licenciatura em Letras pela Universidade de

Pernambuco/Campus Mata Norte, com habilitação para o ensino de língua inglesa e língua

portuguesa desde o ano de 1995. Cursou Especialização em Literatura Brasileira, no Centro

de Artes e Comunicação da UFPE. É professora há 18 (dezoito) anos e efetiva da rede

estadual de ensino desde 1993. Leciona na Escola B desde 2004, trabalhando com as mesmas

disciplinas em que se habilitou e em turmas do ensino fundamental e do ensino médio.

Situando-nos quanto à escola campo de pesquisa A, a referida unidade de ensino está

localizada no centro de Camaragibe (PE), atendendo a, aproximadamente, 1.071 (mil e setenta

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e um) alunos com perfil socioeconômico baixo, distribuídos nas modalidades do Ensino

Fundamental (8 e 9 anos), Ensino Médio (Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio

(Normal Médio) e Ensino Médio (Regular). Dispõe de 10 (dez) salas de aulas pequenas e

pouco ventiladas, 01 (um) laboratório de informática, 01 (uma) biblioteca, 01 (uma)

secretaria, 01 (uma) sala de direção, 01 (uma) sala de professores, 01 (um) almoxarifado, 01

(uma) cozinha, 04 (quatro) sanitários, 01 (uma) quadra coberta que também é utilizada como

pátio escolar. Conta com um corpo docente formado por 69 (sessenta e nove) professores

efetivos, 02 (dois) secretários, 01 (um) vice-diretor, 01 (diretor). Funciona desde 2001 em três

turnos (manhã, tarde e noite) e é gerenciada pela Gerência Regional de Ensino Metropolitana

Sul, órgão vinculado à Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Conseguimos

autorização por parte da professora A para a realização da pesquisa e ao solicitarmos

autorização formal para adentrarmos no campo, não fomos indagados pelos gestores sobre o

teor do nosso estudo, possíveis implicações para a unidade de ensino em questão nem acerca

do tempo em que estaríamos na escola.

Caracterizando a escola campo de pesquisa B, apresentamos as seguintes informações:

a escola situa-se no centro de Camaragibe, atendendo a aproximadamente 1.182 (mil cento e

oitenta e dois) alunos com perfil socioeconômico baixo. É uma das escolas mais antigas da

rede estadual de ensino nesse município (sua portaria de funcionamento data de 1967) e

oferece as modalidades do Ensino Fundamental Anos Finais (6º ao 9 ano), Ensino Médio

(Educação de Jovens e Adultos), Ensino Médio (Travessia) e Ensino Médio (Regular). Dispõe

de 14 (catorze) salas de aula amplas que podem abranger cerca de 40 (quarenta) alunos,

respeitando-se os limites de metro quadrado por aluno definidos pela legislação de nosso país.

Conta ainda com 01(uma) secretaria, 01 (uma) diretoria, 01 (uma) sala de recursos

audiovisuais, 01 (um) laboratório para aulas de Química, 02 (dois) Núcleos de Ensino de

Línguas (Espanhol e Inglês), 01 (uma) quadra, 01 (um) pátio, 01 (uma) cozinha, (01) sala de

professores, 01 (um) almoxarifado. Funciona nos turnos manhã, tarde e noite, e conta com um

corpo docente formado por 77 (setenta e sete) professores, entre efetivos e contratados, 01

(um) secretário, 01 (um) vice-diretor e 01 (um) diretor27

. Avaliamos por bem registrar que, em

relação ao ensino de língua portuguesa, os professores do Ensino Médio promovem,

anualmente, um encontro para socialização de trabalhos nessa área, cuja ênfase é dada à

27

Os profissionais das Escolas A e B responsáveis pelos serviços de limpeza e manutenção assim como, pelo

preparo da merenda escolar, são funcionários de uma empresa privada terceirizada, que presta serviço à

Secretaria de Educação de Pernambuco.

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pesquisa em Literatura. Podemos ainda citar que a nossa presença na escola não foi de

conhecimento do gestor da mesma, já que todas as vezes em que comparecemos à instituição

para solicitar a permissão para a realização da pesquisa, esse profissional não se encontrava

presente. Desse modo, iniciamos e concluímos nosso estudo com a autorização da professora

B e contamos com o apoio de professores de outras áreas (Matemática e Biologia), bem como

de um funcionário da secretaria da Escola B.

A escolha da rede estadual de ensino de Pernambuco, por sua vez, justifica-se pelos

seguintes fatos: (1) essa rede dispõe de dois documentos-base para o ensino de língua

portuguesa nos ensinos fundamental e médio: a Base Curricular Comum para as Redes

Públicas de Ensino de Pernambuco/BCC (PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-

Metodológicas para os Ensinos Fundamental e Médio/Língua Portuguesa (PERNAMBUCO,

2008a; 2008b), nas quais se propõem atividades de produção de textos argumentativos; (2) em

Camaragibe, não existem escolas da rede pública municipal destinadas ao ensino médio.

De igual modo, as propostas desses documentos se fundamentam em algumas das

concepções adotadas na nossa pesquisa, tais como:

i. língua como interação social: “As noções básicas que fundamentam a base

curricular na área estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma

atividade de interação social”. (PERNAMBUCO, 2008, p. 67);

ii. texto como produto da atividade verbal: “Toda língua somente se atualiza sob a

forma de textos, que se manifestam para além da palavra ou da frase isoladas”

(ibidem, p. 69);

iii. gênero textual como instrumentos socioculturais e de aprendizagem: “Os textos

se concretizam em diferentes gêneros [...], cada um com suas particularidades

temáticas, suas intenções específicas [...] e seus modelos de organização[...]”.

(ibidem, p. 69);

iv. argumentação como ação de linguagem que possibilita maior inserção dos

indivíduos na sociedade onde vivem: “[...] muitos dados têm apontado para a

urgência atual de se fortalecer, na escola, competências para a análise, a

reflexão, a crítica e a autocrítica, a argumentação consistente[...]” (ibidem, p.

35).

A BCC-PE enfatiza ainda a necessidade de um trabalho sistemático e articulado com

os eixos de ensino propostos por Geraldi (2004) nas aulas de português. Nela podemos

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encontrar: “[...] é esperado que as competências em análise, leitura e produção das múltiplas

linguagens sejam as competências prioritárias das atividades realizadas na escola”.

(PERNAMBUCO, 2008, p. 36).

Ainda na BCC-PE, visualizamos uma crítica à concepção de ensino que atribui ao

professor o papel de transmissor de conhecimento, a saber:

Nessa concepção, a aprendizagem é vista como o acúmulo de conteúdos, e o

ensino se baseia essencialmente na “verbalização” do conhecimento, por

parte do professor. Se, por um lado, essa corrente teórica apresenta a

vantagem de possibilitar que um grande número de alunos seja atingido ao

mesmo tempo, por outro lado demanda alunos passivos, obedientes e

dispostos a considerar a palavra do professor como a verdade estabelecida

(PERNAMBUCO, 2008, p. 57).

Acerca das mesmas concepções já mencionadas e de forma mais sintética, as

Orientações Teórico-Metodológicas expõem em sua apresentação:

Através da linguagem como uma atividade de interação social, os

interlocutores atuam, por meio de diferentes gêneros textuais, expressando e

criando os sentidos que marcam as identidades individuais e sociais de uma

comunidade determinada (PERNAMBUCO, 2008a, 2008b, p. 06).

Essas orientações também apontam como eixos organizadores do ensino, nas

modalidades de fundamental e médio, a oralidade, a leitura, a produção de textos e a análise

linguística.

Com foco nas situações de produção de textos argumentativos, optamos por realizar

nosso estudo com turmas de 3º ano do ensino médio, por duas razões: (1) acreditávamos que

pela trajetória de escolaridade percorrida (ao menos doze anos), os alunos já dispusessem de

conhecimentos suficientes para desenvolver um texto argumentativo escrito; (2) encontramos

nas Orientações Teórico-Metodológicas uma ênfase dada ao trabalho com esse gênero de

texto nessa mesma etapa escolar28

. Segue abaixo um quadro-resumo (adaptado do original)

com as orientações sobre a produção de textos argumentativos:

28

Mencionamos ênfase porque no documento de orientação para o ensino fundamental (1ª a 8ª série) também

encontramos registros a respeito do trabalho com esse gênero textual. Porém, é no ensino médio que

visualizamos a incidência de orientações em todas as unidades letivas.

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ENSINO MÉDIO – 3º ANO – EIXO PRODUÇÃO DE TEXTO

Unidades letivas Referências básicas

1

-Produção de texto argumentativo: carta argumentativa e resenha crítica

-Retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos

tomados como base ou fonte.

Reflexão sobre os textos produzidos

-Produção de resumos

-Produção de resenhas

-Produção de pesquisas bibliográficas

-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

2 -Produção de texto informativo: entrevista de emprego

-Produção de texto argumentativo: dissertação escolar

-Retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos

tomados como base ou fonte.

-Reflexão sobre os textos produzidos

-Produção de resumos

-Produção de resenhas

-Produção de pesquisas bibliográficas

-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

3

-Produção de texto argumentativo: redação escolar29

-Produção de texto informativo:

-Reflexão sobre os textos produzidos

curriculum vitae

-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

4

-Produção de texto argumentativo: redação escolar

-Produção de texto informativo:

-Reflexão sobre os textos produzidos

curriculum vitae

-Reelaboração (revisão/reescrita) do texto

Quadro 5: Quadro-resumo com as orientações para o ensino médio/componente curricular Língua Portuguesa –

adaptado das Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b)

Descritos os instrumentos de coleta e os critérios de análise, vejamos um quadro-

síntese com essas informações:

29

O documento não deixa clara a definição de redação escolar

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QUADRO-SÍNTESE DOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DOS DADOS

MÉTODOS DE

COLETA

ENTREVISTA

OBSERVAÇÃO

ANÁLISE

DOCUMENTAL

CORPUS

DEPOIMENTOS DAS

PROFESSORAS

DIÁRIOS DE CAMPO

DOCUMENTOS

(TEXTOS DOS

ALUNOS)

CRITÉRIOS DE

ANÁLISE

(1) Concepção das

professoras de português

sobre argumentação e

texto argumentativo

(1) Situações didáticas

em que são propostas as

produções de texto

argumentativo;

(1) Os textos apresentam

ponto de vista claro

(2) Formas de condução

didática no trabalho de

produção de texto

argumentativo

(2) Quais gêneros

textuais são trabalhados

(2) Nos textos o autor se

posiciona com vistas a um

interlocutor real/virtual;

(3) Quais os objetivos

traçados para as aulas

(3) Que estratégias da

argumentação foram

mobilizadas pelos alunos.

(4) Que conteúdos são

privilegiados pelas

professoras no ensino de

língua portuguesa

(5) Relação entre as

atividades propostas e as

atuais orientações para o

ensino da produção de

textos.

Quadro 4: Quadro-síntese dos critérios de análise dos dados

Justificadas as razões pelas quais definimos o nosso campo e os sujeitos de pesquisa,

assim como os instrumentos de coleta de dados, o próximo capítulo é destinado à análise e

discussão destes.

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3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o

ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma

dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às

outras. (SAUSSURE, 2006, p. 15)

Esse célebre pensamento de Saussure sugere que as interpretações de um determinado

objeto podem assumir aspectos diversificados em função do olhar do pesquisador sobre esse

mesmo objeto. É esse olhar que vai determinar a singularidade do fenômeno que se quer

analisar.

Na nossa pesquisa, assumindo a singularidade que cada dado pode fazer emergir,

realizamos uma análise dentro de uma perspectiva reflexiva, descritiva e explicativa

(MOREIRA e CALEFFE), à luz dos paradigmas teóricos adotados neste estudo.

3.1 As entrevistas semiestruturadas

As entrevistas foram gravadas e transcorreram com tranquilidade, apesar de o uso do

gravador causar certo desconforto no início de cada uma delas. Nesse contexto, atentando

para o que Moreira e Caleffe (2008) orientam sobre a inevitável formalidade que o gravador

traz à situação, dedicamos os momentos iniciais a esclarecimentos sobre a pesquisa, com o

objetivo de tranquilizar os participantes acerca daquele procedimento (ver roteiro de

entrevista no Apêndice deste trabalho, p. 185).

Assim, após um período que podemos chamar de “adaptação ao gravador” (e, por que

não, ao entrevistador), usamos algumas questões iniciais, tais como: (1) ano e universidade

onde o professor tinha concluído a graduação; (2) curso de aperfeiçoamento ou de pós-

graduação realizado; (3) tempo de exercício da docência na rede estadual; (4) tempo de

docência na unidade de ensino onde estávamos realizando a entrevista; (5)

turmas/modalidades em que lecionava no ano da pesquisa etc.

Após essa introdução, direcionamos a entrevista para questões de caráter mais

subjetivo e relacionadas diretamente aos nossos objetivos de pesquisa. Conversamos, então,

sobre aspectos voltados à prática docente: (1) procedimentos usuais do professor nas aulas de

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língua; (2) conteúdos trabalhados; (3) planejamento de aula; (4) frequência de atividades de

produção de textos; (5) o que se entende por argumentação e texto argumentativo; (6)

situações didáticas voltadas à produção desse texto; (7) dificuldades identificadas pelo

professor no ensino de língua; (8) dificuldades encontradas no ensino da produção de textos;

(9) soluções e propostas para a melhoria do ensino de língua;

É a partir desse cenário que vamos indicar o que foi possível apreender das

informações fornecidas por nossos sujeitos de pesquisa.

Tendo em conta o referencial teórico, as perspectivas de ensino de língua portuguesa e

o conceito de argumentação e de texto argumentativo assumidos neste estudo, as entrevistas

buscavam revelar: (1) a concepção das professoras de português sobre argumentação e texto

argumentativo; (2) as formas de condução didática no trabalho de produção desse texto.

De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) o discurso argumentativo é uma

ação em que se busca um efeito imediato sobre o auditório, no sentido de levá-lo a concordar

com as opiniões apresentadas pelo orador. Esses mesmos estudiosos afirmam que “é preciso

alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido”.

De igual modo, Bronkcart (2007, p. 226) assim define o discurso argumentativo:

[...] o raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de

uma tese, supostamente admitida, a respeito de um dado tema. [...] Sobre o

pano de fundo dessa tese anterior, são então propostos dados novos [...] que

são objeto de um processo de inferência, [...] que orienta para uma conclusão

ou nova tese.

Por essa mesma linha de pensamento, o texto argumentativo se configura num gênero

que permite ao seu produtor demonstrar o domínio de certas habilidades linguísticas e

intelectuais, no sentido de persuadir o seu interlocutor a adotar uma posição, mudar um

comportamento ou aceitar um princípio.

Ainda, autores como Leal e Morais (2006) vão apontar algumas condições básicas

para o exercício da argumentação, como: (a) existência de um tema passível de debate ou

situações sociais controversas; (b) existência de uma tese a ser defendida; (c) a necessidade de

argumentos que justifiquem ou refutem a tese em questão.

Nesse sentido, no que tange à concepção de argumentação e de texto argumentativo,

os relatos evidenciaram que as professoras:

1. concebem argumentação como a defesa de ideias, opiniões, pontos de vista:

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“Argumentar é defender suas ideias, se posicionar diante de determinado assunto” (Profª A)

“Argumentar é basicamente defender uma ideia, defender uma opinião diante dos outros” (Profª

B)

2. definem texto argumentativo como aquele em que os alunos se posicionam sobre

um determinado tema

“Porque eles são terceiro ano e têm que desenvolver as ideias, dizer se é a favor ou contra de um

tema” (Profª A)

“Ele vai pegar um texto argumentativo e ele vai dizer se é a favor ou se é contra” (Profª B)

3. associam a argumentação ao texto dissertativo-argumentativo

“Trabalho com argumentação, com dissertação. Eles têm aquela estrutura na cabeça: introdução,

desenvolvimento e conclusão. Aí eu digo para os alunos que não é só isso” (Profª A)

“Eu trago a estrutura do texto e situações corriqueiras pra eles entenderem o que é argumentar, o

que é dissertar” (Profª B)

4. reconhecem algumas condições básicas para a argumentação, tais como:

a. existência de um tema passível de debate ou situações sociais controversas,

mas admissíveis (racismo, violência nas escolas):

“...para trabalhar com textos argumentativos, percebo que a gente tem que tratar com temas

sociais...Vou levar, quer dizer, já levei pra eles um texto sobre racismo” (Profª A)

“Inclusive botei agora um tema sobre a violência nas escolas e tentei aliar com o lado familiar”

(Profª B)

b. existência de uma ideia a ser defendida (proposição, declaração, tese) por

meio de argumentos e com vistas a uma conclusão/adesão do auditório:

“Isso para eles irem construindo os argumentos” (Profª A)

“Ele vai pegar um texto argumentativo e ele vai dizer se ele é favor, se ele é contra. Tem turma

que é maravilhosa na questão de produzir argumento, mas tem turma que até na argumentação

oral tem muita inconsistência” (Profª B)

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“Por mais que a gente ensine a estrutura do texto argumentativo, eles têm dificuldade em

conseguir organizar as ideias até a conclusão” (Profª B)

Com relação às formas de condução didática no trabalho de produção de textos

argumentativos, o que visualizamos foi:

(1) As professoras estabelecem a necessidade de realizarem leituras prévias sobre os

temas a serem propostos nas produções textuais:

“Assim, a grande dificuldade é que os alunos não leem, não procuram se informar. No terceiro

ano, por se tratar de textos argumentativos, percebo que a desinformação deles é grande. Há falta

de consistência nos argumentos. Falta leitura. Por isso eu faço antes uma sensibilização com

eles” (Profª A)

“Os alunos sentem dificuldade para produzir textos argumentativos e eu imagino que seja pela

falta de hábito com a leitura. Tem poucos que leem. Quem lê mais, com certeza, escreve melhor. A

gente nota que desenvolve o texto com mais facilidade. Quem não tem o hábito da leitura, é

notório que eles têm uma grande dificuldade de escrever, porque não têm ideias, não sabem

organizar as ideias, não têm familiaridade com textos” (Profª B)

De acordo com Geraldi (2004, p. 97):

Tiradas as farpas, entre aspas, que vão mais em razão dos efeitos do que das

propostas, o que se quer salientar é que a leitura do texto como pretexto para

outra atividade define a própria interlocução que se estabelece. Não vejo por

que um texto não possa ser pretexto (para dramatizações, ilustrações,

desenhos, produção de outros textos, etc.). [...] Prefiro discordar do pretexto

e não do fato de o texto ter sido pretexto.

Ainda que concordemos com Geraldi (2003), é notório que as duas professoras

focalizam a atividade de leitura em função da deficiência que dizem perceber nos seus alunos,

por ocasião das situações de produção de textos.

Desse modo, dois aspectos nos chamaram atenção: (1) como os alunos dispõem de

poucas informações se a escola deveria ser o espaço privilegiado para a realização de leituras

diversas?; (2) a leitura somente é proposta se necessariamente estiver a serviço de uma

produção textual? Há que se questionar o espaço destinado à leitura nas aulas desses sujeitos e

refletir sobre a mediação que está sendo desenvolvida acerca desse eixo.

Somando-se a isso, perguntamos: qual o espaço, com efeito, destinado às atividades de

produção de texto argumentativo?; que finalidades são elencadas para as situações de

produção desse texto?

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(2) Após a realização da leitura prévia, as professoras realizam debates para

socialização de informações ou construção de argumentos:

“Trago tema, faço debates, faço um tribunal. Com temas polêmicos, eu faço um tribunalzinho

assim na sala de aula. Primeiro eu dou um texto-base, eles leem, aí faço um grupinho, eles leem,

debatem, vão criar os argumentos. Depois eu escolho um aleatoriamente para ir fazer o debate.

Isso para eles irem construindo os argumentos. Eles gostam e dizem que aula fica dinâmica”

(Profª A)

“Trago um texto como base, eles leem e depois começa a produção. Geralmente, para trabalhar

com a produção de texto argumentativo, a gente faz a leitura; inclusive porque tem turma que até

na argumentação oral tem muita inconsistência. Depois a gente faz um debate para eles irem

argumentando oralmente. Eles gostam e participam” (Profª B)

A nosso ver, a atividade que suscita o debate oral será válida se, de fato, visar: (1) à

problematização das informações veiculadas nessas situações; (2) a possibilitar o confronto

de opiniões com vistas à formação discursiva dos alunos para a argumentação; (3) a facilitar

a apresentação de ideias com o professor exercendo o papel de mediador e registrando as

diversas teses defendidas e os argumentos a elas correspondentes.

(3) A professora A relata que, após a leitura, propõe a produção de texto por meio de

perguntas.

“Eu começo com questionamentos, porque a partir do momento que eles começam a responder

aquelas perguntas, eles já estão produzindo pequenos textos. E eles vão começar a montar textos

maiores”.

A docente não explicitou outros objetivos para essa didática. No entanto, será bastante

coerente para o ensino da produção textual se essa atividade objetivar que os alunos reflitam

sobre a organização do texto (disposição de ideias nos parágrafos, formas de emprego dos

elementos linguísticos e discursivos) em função dos objetivos que se pretende atingir.

Val (2004, p. 5), comentando sobre aspectos importantes que implicam tanto na leitura

quanto na produção de um texto, lembra que:

Todo texto tem que ser pensado em função de seu contexto. Se isso é

verdade para o funcionamento efetivo dos textos nas trocas linguageiras que

acontecem de fato na vida social, é preciso que os alunos compreendam esse

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fato e aprendam a lidar com ele, na produção e na interpretação de textos

falados e escritos.

(4) As duas professoras dão ênfase ao estudo da composição estrutural do texto

dissertativo-argumentativo:

“Eu peguei alguns textos argumentativos e mostrei para eles o que era introdução,

desenvolvimento e conclusão” (Profª A)

“Eles viram a estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão. [...]Mostro a eles a estrutura

do texto, falo sobre a estrutura do texto [...]Por mais que a gente ensine a estrutura do texto

argumentativo, eles têm dificuldade em conseguir organizar as ideias até a conclusão” (Profª B)

A estrutura formal do texto dissertativo-argumentativo é apresentada por Xavier

(2010), bem como por Savioli e Fiorin (2001) como abrangendo a introdução, o

desenvolvimento e a conclusão. Precisamos, no entanto, chamar atenção para o fato de que,

somente oferecer aos alunos a composição estrutural desse gênero, sem levá-los a refletir

sobre recursos e efeitos pretendidos com essa organização não vai assegurar que, em situações

de produção, eles desenvolvam as estratégias de argumentação. É necessário que os alunos

compreendam que as diferenças formais que os textos exigem (quanto à seleção de palavras,

estruturação em períodos, parágrafos) decorrem de diferentes funções que esses textos têm a

cumprir.

Ainda acerca da questão de lidarmos com esses aspectos estruturais, Geraldi (2010,

p.116) alerta:

Infelizmente, muitos dos trabalhos com base nos gêneros discursivos,

tomando Bakhtin como fonte de inspiração, seguiram a tradição dos estudos

da linguagem: definir as estabilidades, esconder as instabilidades e fixar a

questão do gênero em sua composição formal, esquecendo que esta, ao se

deixar penetrar pela vida, desestabiliza-se. (Grifo nosso)

De uma forma geral, ainda que com as entrevistas buscássemos compreender as

noções de argumentação e de texto argumentativo das professoras da pesquisa e as formas de

condução didática no trabalho com esse texto, as entrevistas revelaram que:

i. As professoras compreendem a língua como um código, um conjunto de regras

a ser estudado e, desse modo, a ênfase do ensino recai sobre os conhecimentos

gramaticais. Vejamos alguns relatos:

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“Eu faço leituras, trabalho sempre com textos; interpretação e trago também questões para

trabalhar com gramática.[...] Agora esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha

outros conteúdos para trabalhar... da gramática” (Profª A)

“Eu planejo minhas aulas bimestralmente e dentro do planejamento vou me guiando pelo livro

didático, que tem muitos textos. Agora, algumas coisas eu trago por fora. Como, por exemplo, a

questão gramatical. Se o livro não se aprofunda muito e eu vejo que eles têm necessidade de algo

mais, eu acabo encaixando esse conteúdo” (Profª B)

De acordo com Geraldi (2011, p. 116), “o retorno ao ensino da gramática pode

produzir a tranquilidade de consciência que o paradoxo do ensino baseado em textos coloca

para a escola e para a sociedade”. Esse autor registra que é como se voltássemos a imaginar

que de um conhecimento gramatical resultasse num bom desempenho linguístico.

ii. As professoras registram que sempre trabalham com textos referindo-se às

atividades de leitura e interpretação. Quando indagadas acerca de atividades de

produção, as mesmas delegam ao texto um papel secundário. Vejamos:

“No segundo semestre, eu trabalho mais com produção, por causa do vestibular.”(Profª A)

Tendo em conta que a entrevista foi realizada em maio/2011 e que já tinham decorrido

aproximadamente quatro meses de período letivo, a mesma Professora registra:

“Agora, esse ano, eles só produziram texto uma vez, porque eu tinha outros conteúdos para

trabalhar... da gramática” (Profª A)

As professoras, comentando sobre o tratamento dado ao texto, em termos de produção,

relatam:

“Trouxe também coesão e coerência para eles observarem. Mostrei o que era cada um”(Profª A)

“Trago um texto como base, eles leem e depois começa a produção” (Profª B)

Desse modo, pressupomos que:

(1) as docentes distanciam-se da concepção de texto como uma atividade dialógica, como

o lugar por excelência da interação entre sujeitos; como afirma Geraldi (2003, p. 98),

“um texto é o produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a alguém”;

não percebemos indícios dessa noção nas falas das professoras;

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(2) muito provavelmente, à luz da concepção de língua como um código a ser dominado,

o texto é pensado pelas professoras como um todo, composto por elementos apenas

linguísticos e sua estrutura composicional precisa ser ensinada por meio de outros

textos que servirão como modelo para as produções dos alunos.

iii. Não foram mencionadas atividades de revisão e reescrita de textos, o que nos

indicia que os alunos não são levados a um processo de escrita no qual

construam a sua autonomia, refletindo sobre suas decisões acerca do que, em

seus textos, pode ser retirado, permanecer ou ser reformulado.

No momento das entrevistas, as docentes comentaram sobre as etapas de preparação

para a produção textual. Não mencionaram entretanto que, no decorrer do processo de escrita,

os alunos fossem direcionados a um processo de revisão e reescrita textual. Antunes (2003)

nos chama atenção para alguns aspectos referentes às etapas de um planejamento para a

escrita:

(1) elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se encerra

simplesmente pela decodificação das ideias ou das informações;

(2) produzir um texto escrito não é uma atividade que implica apenas o ato de

escrever; em outras palavras, não é apenas a materialização das ideias no papel

por meio de sinais gráficos;

(3) a escrita de um texto supõe várias etapas que se correlacionam e que cumprem

uma função específica em prol do que se pretende alcançar com a produção;

segundo essa mesma autora: “A escrita compreende etapas distintas e

integradas de realização (planejamento, operação e revisão), as quais, por sua

vez, implicam da parte de quem escreve uma série de decisões” (idem, ibidem,

p. 54).

É nesse caminho que, à luz de Antunes (2003), podemos inferir que as propostas de

produção de texto sugeridas pelas professoras assemelham-se ao que Geraldi (2003) vai

chamar de prática de redação escolar (aquelas realizadas num determinado limite de tempo,

geralmente improvisadas e sem objetivos mais amplos que não o de simplesmente escrever).

Por esse caminho, para além das concepções sobre argumentação e texto

argumentativo já mencionadas no início desta seção, pensamos aqui que, em suas falas, as

professoras se preocupavam em demonstrar que as aulas de língua portuguesa tinham por base

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um trabalho sistemático com textos, no que diz respeito às atividades de leitura e de escrita,

mas não deixavam de lado a constante preocupação em recorrer aos conteúdos de gramática

(e não estamos nos referindo à análise linguística). De acordo com Antunes (2003, p. 41), essa

é “uma tendência centrada na língua enquanto sistema em potencial, enquanto conjunto

abstrato de signos [...], desvinculado de suas condições de realização”. Isso nos leva a

presumir que as professoras estão num impasse entre o conhecimento que já possuem e suas

representações sobre o que significa ensinar português nos dias atuais.

Outro aspecto que nos chamou a atenção foi o fato das duas professoras conhecerem

pouco os documentos curriculares oficiais que norteiam as ações pedagógicas na rede estadual

de ensino de Pernambuco - as Orientações Teórico-Metodológicas (2008a; 2008b) e a BCC-

PE (2008) −, delegando aos autores de livro didático a competência/responsabilidade pela

definição dos conteúdos a serem dados nas aulas de língua.

Partindo dessas análises, procuraremos correlacionar essas informações à etapa

seguinte de nossa pesquisa: a observação de aulas.

3.2 As aulas observadas: situando o leitor

Concluída a fase das entrevistas e devidamente autorizados pelos sujeitos que delas

participaram e que se enquadravam no perfil traçado para as observações de aula, iniciamos a

nossa pesquisa de campo. Nesse período, acompanhamos uma sequência de 10 horas-aula em

cada turma de 3º ano, o que efetivamente se traduziu em 20 horas-aula totais de observação.

Antes do início das mesmas, solicitamos o horário de aulas de cada professora e o

calendário letivo de suas respectivas escolas. A Professora B ministrava aulas nas turmas de

3º ano A, B e C, no turno da manhã da Escola B, sendo a turma B a única em que ela tinha

acompanhado no ano letivo anterior ministrando com aulas de língua portuguesa. A

Professora A lecionava nas turmas A e B da Escola A, ambas no turno da tarde, tendo

acompanhado os alunos que delas faziam parte em 2010. A escolha pela turma A ocorreu em

função de adequação aos nossos horários.

Com base nas considerações de Moreira e Caleffe (2008) que mencionam a

importância de o pesquisador não fazer observações nas primeiras visitas, a fim de que os

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indivíduos gradativamente se acostumem com a sua presença, estivemos nas respectivas salas

em dois momentos diferentes, no mês de abril/2011, deixando a decisão de informar aos

alunos sobre quem éramos e os motivos pelos quais ali estávamos para as próprias docentes.

Nesse sentido, a Professora A optou por não comunicar aos estudantes sobre as

finalidades de nossas observações de aula, sob o argumento de que eles se comportariam mais

naturalmente se desconhecessem os motivos da pesquisa, o que foi respeitado por nós até o

último momento de observação.

Por outro lado, a Professora B, já no primeiro momento informou aos alunos sobre

alguns dados nossos (nome, profissão etc.) e as razões pelas quais estaríamos com eles

durante um certo período de tempo. A referida Professora justificou que, agindo dessa forma,

os alunos comportar-se-iam mais naturalmente e ela estaria, ao mesmo tempo, evitando

quaisquer especulações que pudessem surgir. De igual modo, realizamos as observações

respeitando a decisão dessa educadora.

Tendo em vista o tipo de observação (sistemática, participante e individual) escolhido

para nosso estudo, as observações de aula tinham como objetivo analisar as situações

didáticas em que são propostas as produções de texto. Para tanto, consideramos os seguintes

critérios de análise: (1) quais as situações didáticas em que são propostas as produções

textuais argumentativas; (2) quais gêneros textuais são trabalhados; (3) quais os objetivos

traçados para as aulas; (4) que conteúdos são privilegiados pelas professoras no ensino de

língua portuguesa; (5) relação entre as atividades propostas e as atuais orientações para o

ensino da produção de textos.

A partir dessa direção, registramos as aulas num diário de campo, tentando

compreender cada evento como uma ação de linguagem que envolve uma metodologia de

ensino articulada a uma opção política (GERALDI, 2004); e a nossa atuação, como uma

forma de descrever e interpretar a realidade, numa tentativa de compartilhar significados com

outros (MOREIRA e CALEFFE, 2008).

Apoiando-nos ainda em Geraldi (2004, p. 40), enfatizamos: “[...] as questões aqui

levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia, buscando construir alguma

alternativa de ação, apesar dos perigos resultantes da complexidade do tema: ensino de língua

materna”. Antes, registramos que não visualizamos problemas de indisciplina nas duas turmas

observadas, o que possivelmente já contribuiria para a realização de atividades pedagógicas

com certa tranquilidade.

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3.2 1 As aulas observadas da Professora A

As observações de aula na turma da Professora A tiveram início no dia 03/05/2011 e

transcorreram até o dia 18/05/2011. No decorrer desse período, observamos que os

encaminhamentos didáticos consistiam, geralmente, em atividades gramaticais. Esse conteúdo

esteve presente em seis dos dez eventos de aula por nós acompanhados.

Bronckart (2007), ao realizar algumas considerações sobre as abordagens didáticas da

linguagem e seu funcionamento, verificou que estas, quando centradas na unicidade da língua,

articulam-se aos métodos tradicionais de ensino. Segundo ele,

Com efeito, elas preconizam que se realize, em primeiro lugar, uma

abordagem gramatical (no sentido de gramática de frases), destinada a dotar

os alunos de uma consciência explícita das principais categorias e estruturas

do sistema da língua, pensando-se que, com essa base, os alunos

desenvolveriam, posteriormente, uma maestria textual, tanto em relação aos

aspectos de produção quanto aos de compreensão-interpretação.

(BRONCKART, 2007, p. 84).

As ocorrências nas aulas da Professora A e a forma como ela encadeou a sequência de

conteúdos, nos encontros, dão indícios de que sua prática se rege por esse pensamento.

Vejamos as aulas de nº 01 e 02:

Data da aula: 03/05/2011

Aulas nº 01 e 02 Conteúdos trabalhados: leitura, estrutura do enunciado ou do período,

formas nominais do verbo, colocação pronominal

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

1.1 A professora coloca no quadro a letra da música Xote das meninas, do compositor Luiz Gonzaga

1.2 Justifica o fato de utilizar uma música pela necessidade de otimizar o tempo, já que os alunos

terão de copiá-la

1.3 Quando todos terminam de copiar, a professora inicia a leitura oral do texto, perguntando se os

alunos conhecem o significado da palavra xote

1.4 Uns alunos arriscam a resposta dizendo que era uma música; outros, que era uma música má

1.5 A professora ouve, mas não faz intervenção. Comenta que a música foi escolhida por conta dos

temas a serem trabalhados/discutidos na unidade

1.6 A professora comenta que esqueceu o CD em casa e pergunta sobre as palavras do texto cujos

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significados os alunos desconhecem.

1.7 Na sequência, os alunos dizem: flora, gibão, cintado e surdina

1.8 A professora começa a explicar o significado de cada palavra e coloca questões, intituladas de

Intepretação de texto, no quadro

1.9 Nesse momento, alguns alunos começam a entrar e a sair da sala; a professora parece ficar alheia

à situação

1.10 A professora fala que Luiz Gonzaga compôs várias músicas que retratam o sertão nordestino

1.11 Ao registrar nove questões no quadro sob o título Interpretação de texto, a professora coloca

três que se referem a aspectos gramaticais (estrutura do enunciado ou do período) – ver exercício

no Anexo 1 deste trabalho (p. 187)

1.12 Num determinado momento, um aluno observa que é um exercício de interpretação e solicita

que a professora retire as questões sobre gramática

1.13 A professora responde que as questões fazem parte da interpretação e continua

1.14 A professora dá um intervalo de tempo (aproximadamente dez minutos) e começa a explicar

cada questão

1.15 Vai fazendo os questionamentos e os alunos vão respondendo oralmente

1.16 A professora comenta que muitas vezes lemos um texto, mas não o interpretamos

1.17 Pergunta aos alunos sobre a relação que existe entre os dois primeiros versos e os dois

últimos

1.18 Um aluno responde: que “nada”

1.19 A professora insiste e os alunos tentam relacionar os versos

1.20 Um dos alunos pergunta qual é a resposta

1.21 A professora retoma, falando sobre amadurecimento

1.22 Vai para a terceira questão e alguns alunos comentam sobre o que significa enjoar da boneca

1.23 Alguns alunos dizem que a música fala sobre deixar de comer

1.24 Nesse momento, inicia-se uma pequena discussão sobre o que seriam os sintomas de uma

paixão

1.25 A professora comenta sobre mudanças no comportamento das mulheres quando estas se

encontram apaixonadas

1.26 Um dos alunos comenta que tanto o homem quanto a mulher passam por mudanças no

comportamento quando se apaixonam. Diz ter assistido a uma reportagem sobre isso e argumenta

em defesa de sua posição com informações científicas. Acrescenta que as pessoas ficam

diferentes por sofrerem influências do cérebro

1.27 A professora continua explicando as demais questões e uma aluna brinca, dizendo que a

paixão não pode adoecer; que quem adoece são as pessoas que estão apaixonadas

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1.28 A discussão continua com a condução da professora e os alunos começam a conversar sobre

ações que são consequências de uma paixão

1.29 O sinal toca e a professora encerra a discussão, comentando que na aula seguinte corrigirá as

últimas questões.

Analisando os eventos dessa aula, percebemos que os objetivos traçados para a aula

dividem-se em fazer com que os alunos analisem/interpretem o texto selecionado pela

professora A e, paralelamente, apliquem seus conhecimentos sobre a estrutura do enunciado,

aparentemente, por meio do texto. Considerando que, em sua entrevista, a professora

mencionou trabalhar sempre com textos, verificamos a tentativa de lidar com esse objeto

nessa aula. Faremos aqui algumas considerações.

No que se refere à escolha do texto para leitura, Suassuna (2009, p. 28) afirma:

[...] o que se lê na escola? Geralmente, a decisão sobre que leitura indicar

para os alunos depende menos de critérios linguísticos e cognitivos do que

de condições concretas como a existência de um livro na escola, ou mesmo a

possibilidade de reprodução do texto. Assim, termina-se por ler qualquer

coisa, muitas vezes os textos mutilados dos livros didáticos. Ao lado disso,

há outras questões importantes relativas ao objetivo (para que se lê?) e ao

método (como se lê?).

Por essa ideia e pelo que assistimos, a professora parece não estabelecer critérios

definidos para a utilização do gênero textual música: inicia a aula justificando o fato de

utilizar uma música pela necessidade de otimizar o tempo, já que os alunos terão de copiá-la;

e, logo depois, comenta que a música foi escolhida por conta dos temas a serem discutidos na

unidade, sem explicitar a que temas estava se referindo. Pela última fala inferimos que ela irá

tratar de alguns temas voltados a questões sociais, uma vez que explica que Luiz Gonzaga

compôs várias músicas que retratam o sertão nordestino.

A consideração que ora fazemos é que, ultrapassando a motivação real para o trabalho

com a música nessa aula e o procedimento de copiar o texto/exercício no quadro − o que já

caracteriza perda de tempo pedagógico −, as atividades que teriam por base o texto não

proporcionavam a compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003).

Somando-se a isso, vimos um misto de questões gramaticais que não se inserem em

conteúdos definidos. Atentemos:

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Conteúdos Questões

Estrutura da oração ou do

enunciado

7. Retire do texto um período simples.

8. Retire do texto dois períodos compostos.

9. Existe no texto:

a)Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e

classifique a conjunção

Colocação pronominal

b)Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a

colocação pronominal.

3. Formas nominais do verbo

c)Verbos no infinitivo, gerúndio e particípio. Encontre-os e

coloque-os separadamente por forma nominal a qual30

pertencem

A observação desse evento suscitou mais algumas questões relevantes:

i. no que diz respeito ao ensino de gramática, vimos “uma gramática

descontextualizada, amorfa, da língua como potencialidade” (ANTUNES,

2003, p. 31), que se preocupa com a estrutura; que se afasta da reflexão sobre

os usos, da percepção de que ela está a serviço dos interlocutores para atender

às intenções destes na produção de textos. A descontextualização a que nos

referimos ficou evidente na fala de um aluno, que observa tratar-se de um

exercício de interpretação e solicita que a professora retire da atividade as

questões sobre gramática;

ii. nos eventos em que a professora A perguntava aos alunos sobre as palavras

cujos significados lhes eram desconhecidos (1.6, 1.7 e 1.8), esperávamos que a

docente fosse propor alguma atividade que ultrapassasse a busca pela

significação delas; uma atividade metalinguística (GERALDI, 2003) que

possibilitasse a reflexão sobre os diferentes contextos de uso das palavras em

foco, sobre a intenção do compositor ao utilizá-las e sobre a significação dos

recursos linguísticos usados;

iii. outro ponto que destacamos é que a professora A pergunta aos alunos sobre as

palavras que eles desconhecem e ela mesma apresenta as suas significações.

Esse episódio nos faz lembrar as palavras de GERALDI (2009, p. 122), que

acerca do ensino de língua, nas nossas aulas de português, registra: “[...]as

30

A transcrição é fiel ao registro no quadro

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101

análises resultantes das teorias gramaticais que inspiram os conteúdos

ensinados são respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da

língua) sequer formularam”;

iv. não percebemos a realização de um trabalho que, com efeito, pudéssemos

afirmar que foi com o texto. Não houve realização de atividade que permitisse

o aluno refletir sobre o fato de os textos atenderem a finalidades sociais

diversas, estruturando-se, para isso, de diferentes formas, para atingir

determinados objetivos (SUASSUNA, 2009).

Vejamos agora as aulas subsequentes31

.

Data da aula: 09/05/2011

Aulas nº 03 e 04 Conteúdo trabalhado: concordância verbal

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

2.1. A professora entra na sala e não retoma o que havia ficado pendente na aula anterior

2.2. Comenta com os alunos que irá trabalhar concordância verbal

2.3. Começa a registrar no quadro um exercício sobre o referido conteúdo (exposto nos anexos desta

pesquisa)

2.4. Após o registro, inicia a leitura das questões

2.5. Enfatiza que a regra geral é o verbo concordar com o sujeito em número e pessoa

2.6. A maioria dos alunos não se mostra envolvida com a aula

2.7. Inicia-se mais uma vez o entra-e-sai de alunos

2.8. A professora sai da sala para solicitar que os alunos entrem e participem da aula

2.9. Alguns entram, outros permanecem do lado de fora e a aula continua

2.10. Não há perguntas por parte dos alunos

2.11. Uma aluna se dispõe a copiar o exercício no quadro, alegando que a professora demora muito

2.12. A mesma aluna pergunta o motivo pelo qual a professora não leva as atividades xerografadas

e menciona que seria muito melhor se ela fizesse dessa forma

2.13. A professora ouve, mas não responde

2.14. Os alunos começam a responder o exercício, mostrando que têm muitas dificuldades para

resolvê-lo

31

No período de 04 a 07/05/2011, não houve aulas na Escola A, em virtude de fortes chuvas na cidade, que

culminaram com a entrada excessiva de água na escola. Por decisão dos órgãos públicos locais, responsáveis por

acompanhar situações como essa, a escola foi interditada, já que o esgoto das áreas circunvizinhas misturava-se

às águas que penetravam no espaço escolar. Por conta disso, as aulas foram retomadas somente no dia

09/05/2011.

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102

2.15. Antes do término da aula, a professora vai colocando as respostas no quadro e vez por outra,

pede para os alunos justificarem o emprego de uma ou outra forma verbal no exercício

2.16. A professora justifica junto à pesquisadora que não trabalhou com texto na aula, porque os

alunos estavam com dificuldade para responder a questões sobre concordância verbal

2.17. Encerra-se a aula

Para além da preocupação de mostrar a realização de atividades fundamentadas no

texto, o que verificamos foi a ênfase no processo de ensino-aprendizagem de uma “gramática

fragmentada, de frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores,

sem contexto, sem função; frases feitas para servir de lição, para virar exercício”.

(ANTUNES, 2003, p. 31).

Suassuna (2009, p. 30), comentando sobre as considerações de Neves (1991) acerca

das formas de trabalho com a gramática na escola, registra: “a programação escolar (...)

reflete, na sua compartimentação, o desprezo pela atividade essencial de reflexão e operação

sobre a linguagem”.

No período de 10 a 14/05/2011, a professora A não ministrou aulas na escola por estar

em gozo de uma licença. Por conta disso, voltamos a realizar as observações, no 3º ano A, no

dia 16/05/2011. Um dos aspectos que nos chamou atenção foi o fato da professora A ter

conhecimento do nosso objeto de estudo, ter afirmado na entrevista que lidava sempre com

textos em sala de aula e ter enfatizado que estava aguardando a nossa chegada para continuar

o trabalho sistemático com produção de textos. Ainda assim, estávamos concluindo a

observação da quarta aula e não havia sinais dessa prática pedagógica. Sendo otimistas,

porém, continuamos as observações.

Data da aula: 16/05/2011

Aulas nº 05 e 06 Conteúdo trabalhado: concordância verbal

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

3.1 A professora inicia a aula realizando a correção da atividade do dia 09/05

3.2 Coloca primeiramente a quarta questão, comentando que é necessário explicá-la para depois

voltar para a terceira questão

3.3 Aborda as regras de concordância verbal (verbo anteposto ao sujeito)

3.4 Alguns alunos, mais uma vez, retiram-se da sala

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103

3.5 A professora registra no quadro uma anotação intitulada Casos especiais de concordância

(material exposto nos anexos deste estudo) – Ver Anexo 3 (p. 189) deste estudo

Dada a semelhança com os eventos ocorridos nas aulas nº 03 e nº 04, acrescentamos

apenas que, no espaço de algumas unidades de ensino, “seja com preocupação normativa, seja

com preocupação descritiva, as atividades relativas ao ensino da gramática são atividades de

exclusiva exercitação da metalíngua”. (NEVES apud SUASSUNA, 2009, p. 30). Novamente,

são privilegiados como objeto de ensino conteúdos gramaticais, e os objetivos de ensino não

se articulavam com as orientações dos documentos oficiais da rede estadual de ensino, a

exemplo do que defende a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 67):

A proposta de Língua Portuguesa na BCC-PE deverá considerar as

modalidades oral e escrita da língua e, nelas, as habilidades de compreensão

e produção. As noções básicas que fundamentam a base curricular na área

estão apoiadas na compreensão de que a linguagem é uma atividade de

interação social pela qual interlocutores atuam por meio de diferentes

gêneros textuais, expressando e criando os sentidos que marcam as

identidades individuais e sociais de uma comunidade.

O que percebemos é um estudo da língua portuguesa fragmentado e, se pensarmos nas

considerações de Bakhtin acerca da história da língua, da fala e da enunciação, vemos que na

perspectiva didática da professora A, o estudo de português “torna-se a história das formas

linguísticas separadas (fonética, morfologia, etc.) que se desenvolvem independentemente do

sistema como um todo e sem qualquer referência à enunciação concreta” (BAKHTIN, 2010,

p. 109).

Na sequência, temos agora:

Data da aula: 18/05/2011

Aulas nº 07 e 08 Conteúdo trabalhado: Modernismo; leitura e interpretação de texto

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

4.1. A professora inicia a aula falando que é preciso ver literatura também e que, no 3º ano, o

assunto é Modernismo

4.2. Informa que colocará um poema no quadro para conversar sobre o assunto, mas que antes quer

ouvir um pouco sobre o que seria Modernismo

4.3. Uma das alunas comenta que diz respeito a algo moderno

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104

4.4. A professora comenta que é uma escola literária e que o Romantismo havia sido a escola

literária que antecedeu o Modernismo

4.5. Lembra que no Romantismo a figura da mulher é idolatrada, exaltada e cita como exemplo a

música de Cazuza (“Exagerado, jogado a seus pés, eu sou mesmo exagerado”)

4.6. Ressalta que no Modernismo a mulher é uma figura real

4.7. Registra no quadro o seguinte trecho: “Quando os portugueses chegaram aqui foi debaixo de

uma baita chuva aí vestiram o índio. Se fosse dia de sol o índio teria despido o português”.

Obs.: está escrito conforme o registro da professora no quadro

4.8. Solicita aos alunos que analisem o trecho e falem sobre ele

4.9. A professora lembra ainda que os modernistas se expressavam de forma diferente, não

obedecendo a regras

4.10. Questiona os alunos sobre o trecho. Indaga se as palavras utilizadas foram usadas no sentido

literal

4.11. Faz perguntas sobre o que significa vestir, despir, ...enfim, sobre o que o autor quis dizer

4.12. Os alunos não conseguem explicar o trecho e a professora vai comentando sobre o significado

do mesmo

4.13. Antes, no entanto, comenta que é isso o que os autores modernistas vão cobrar: a

interpretação do que foi dito para além do que foi dito

4.14. Continua dando as boas-vindas ao Modernismo e diz que a partir daquele momento, os alunos

teriam de se esforçar mais para compreender os textos modernistas.

4.15. Registra no quadro o poema Autopsicografia (de Fernando Pessoa) para que os alunos

copiem (ver anexo 2)

4.16. Logo após o texto, coloca uma atividade de interpretação para os alunos responderem

4.17. Na correção das atividades, os alunos não conseguem ultrapassar as informações superficiais

do texto; apenas um dos alunos, respondendo a terceira questão, registra que a relação que

existe entre o leitor e o autor é que o leitor se envolve tanto com o texto que chega a se colocar

no lugar do poeta. Esse foi o mesmo aluno que em aula anterior argumentou sobre as

influências do cérebro no comportamento de pessoas apaixonadas.

Considerando a tentativa de introdução de um tema literário, julgamos pertinente

expor no corpo desta análise a atividade proposta. Segue, então:

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105

1) Na primeira estrofe do poema, Fernando Pessoa trabalha com um jogo de palavras. Quais são

essas palavras? O que o autor nos transmite?

2) O poema afirma que o poeta sente dores. Explique quais são e como se manifestam.

3) Qual a relação estabelecida entre o poeta e os leitores?

4) Na segunda estrofe temos vários verbos, alguns no singular, outros no plural. Interprete os vários

sujeitos, substituindo os pronomes por substantivos.

5) Explique a relação estabelecida entre coração e razão na última estrofe.

Primeiramente, chamamos atenção para a informação da professora A sobre a

necessidade de os alunos estudarem literatura no 3º ano, dando-nos indício de que no ano

anterior essa área da linguagem não havia sido estudada. Outra situação é que mesmo assim, a

docente atribui aos alunos a responsabilidade por interpretar textos e, nesse caso, textos

modernistas que, segundo ela, vão exigir a interpretação de informações além da linearidade

do texto. Embora não se constitua objeto de nosso estudo, pensamos que “a literatura é

fundamentalmente a palavra e que, portanto, estudar literatura significa também estudar a

língua e vice-versa” (LEITE apud GERALDI, 2004, p. 18).

Sobre o ensino de literatura na escola, Martins (2006, p. 85) pontua:

Ao longo da trajetória escolar, da educação infantil ao ensino médio, a

leitura literária deveria ser mais valorizada como meio de o aluno

desenvolver a criatividade e a imaginação na interação com textos que

inauguram mundos possíveis, construídos com base na realidade

empírica.[...] Se a teoria da literatura tivesse uma maior penetração em sala

de aula, a voz do aluno, no ato da recepção textual, não seria recalcada pelos

roteiros de interpretação, pelas fichas de leitura, [...] e pela leitura já

instituída pelo professor.

Atentos para esses aspectos, acreditamos que aulas de língua portuguesa em que se

articulem todos os eixos atualmente definidos para o ensino dessa língua possibilitariam aos

alunos a construção e a reconstrução de interpretações, de forma a aguçar não só a

criatividade, mas o seu senso crítico.

Com a finalidade de analisar se os objetivos e conteúdos traçados para essa aula

estavam em consonância com os documentos norteadores do currículo na rede estadual de

ensino, analisamos as Orientações Teórico-Metodológicas para o ensino médio/língua

portuguesa (PERNAMBUCO, 2008b, p. 36) e encontramos a seguinte proposição:

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106

UNIDADE: 2 LITERATURA

A literatura e a construção da modernidade e do moderno

A crítica de valores sociais no texto literário

Romance de tese

Poema e denúncia social

Teatro contemporâneo

A literatura modernista de 22

A Semana de Arte Moderna

A literatura modernista de 30: poesia

Em termos de adequação de conteúdo ao currículo, a professora A não se distanciou

do que estava assinalado no referencial para o ensino de língua portuguesa da rede estadual; a

dificuldade que percebemos se efetiva na inserção do texto como objeto de ensino. Como nos

diz Martins (2006), o texto acaba por se tornar objeto de análises superficiais, na escola,

sendo tratado de modo isolado, como espécie de expressão artística que por si só carrega

significação própria e que independe da atualização do aluno-leitor.

Pensando sobre as práticas pedagógicas em torno das ações de linguagem, poderíamos

ainda comentar sobre as seguintes ocorrências: Os alunos não conseguem explicar o trecho e a

professora vai comentando sobre o significado do mesmo/Na correção das atividades, os alunos não

conseguem ultrapassar as informações superficiais do texto; apenas um dos alunos, respondendo a

terceira questão, registra que a relação que existe entre o leitor e o autor é o de perceber que o leitor

se envolve tanto com o texto que chega a se colocar no lugar do poeta.

Temos a impressão de que esse fator se constitui no que Geraldi chama de atividade

linguística artificial. De acordo com ele:

Na prática escolar assumem-se papéis de locutor/interlocutor durante o

processo, mas não se é locutor/interlocutor efetivamente. Essa artificialidade

torna a relação intersubjetiva ineficaz, porque a simula. Não estou querendo

dizer que inexiste interlocução na sala de aula; estou querendo apontar seu

falseamento, dado que os papéis básicos da interlocução estão estaticamente

marcados: o professor e a escola ensinam; o aluno aprende [se puder]

(GERALDI, 2004, p. 89).

É nesse contexto que nos encaminhamos para as últimas aulas observadas, quase

convictos de que teríamos que iniciar uma nova fase de entrevistas em busca de um novo

sujeito, uma vez que até o momento havíamos acompanhado 8 horas-aula e não tínhamos

presenciado situações de produção textual. É fato que já tínhamos obtido elementos

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suficientes que nos permitiam configurar o que a professora A prioriza como objeto de ensino,

mas nosso foco de observação constituía-se na produção textual.

A professora A informou que os alunos ficariam uns dias sem assistir aulas em virtude

de um conserto nas instalações elétricas na sala deles. Dessa forma, acompanhamos as aulas

descritas a seguir.

Data da aula: 25/05/2011

Aulas nº 07 e 08 Conteúdos trabalhados: leitura e discussão sobre vários temas; produção

de texto dissertativo-argumentativo

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

5.1. A professora entra na sala e solicita que os alunos dividam-se em grupos de 4 ou 5 componentes

5.2 Entrega aos alunos jornais para a leitura de notícias do domingo anterior (22/05/11)

5.3 Os alunos devem escolher um texto e, após a leitura, socializar as suas impressões sobre cada um

5.4 Quatro equipes fazem apresentação sobre os gêneros de texto lidos: (a) poesia; (b) crônica; (c)

texto de opinião sobre a descriminalização da maconha; (d) texto informativo sobre a legalização da

maconha

5.5 A professora faz perguntas às equipes, tais como: qual a pertinência de cada tema para a

sociedade? Qual o tema de cada texto? Que tipo de texto vocês leram? Que tipo de linguagem era

predominante em cada texto? O que cada um de vocês achou do texto?

5.6. Verificando que o tema da legalização da maconha “rendeu” uma boa discussão, a professora

pergunta a opinião deles sobre o tema em questão

5.7 A professora chama a atenção dos alunos para os argumentos utilizados pelos organizadores dos

últimos eventos acerca da legalização da maconha

5.8 Os alunos começam a expor e defender suas ideias

5.9 Há alunos que concordam com a legalização e, para justificar, apresentam alguns argumentos

como: (a) todos têm direito à liberdade de escolha; (b) possibilidade de diminuir o tráfico; (c) as

brigas entre as gangues que disputam o poder sobre as drogas não iriam mais existir

5.10 Há, por outro lado, alunos que discordam, sob os argumentos: (a) a sociedade vai sofrer as

consequências, pois haverá mais crianças dependentes; (b) liberando-se a maconha, serão liberados

outros tipos de drogas; (c) o tráfico não vai acabar, porque nem sempre os viciados vão ter dinheiro

para comprar a maconha e vão procurar outras drogas mais potentes; (d) ocupação de espaço público

de forma indevida por fumantes de maconha, incentivando o uso dessa droga; (e) as pessoas não estão

pensando nas consequências que a maconha traz para o organismo de quem é dependente dela; (f)

esqueceram-se de pensar nas famílias que sofrem com os usuários de maconha

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5.11 Um dos alunos toma a palavra e se expressa alertando a turma de que o problema não é a

maconha e, sim, as flores e folhas dessa erva, que tem nome científico de Cannabis sativa. Segue,

informando que a maconha pode ser fumada ou ingerida em forma de bebida e que, na maioria das

vezes, é usada para causar sensação de alívio. O aluno acredita que quem usa a maconha faz isso para

fugir da realidade. Lembra, porém, que o uso repetitivo da erva pode causar dependência química e

levar à morte. Diz que uma das características do usuário de maconha é a falta de vontade de se

cuidar e de cuidar de sua higiene. Registra que, de acordo com a Organização das Nações Unidas

(ONU), entre os anos de 2006 e 2007, houve um aumento de 8 milhões de usuários (população

adulta) de maconha

5.12 Os colegas aplaudem esse aluno e dizem que ele está com tudo. Ele sorri e diz que leu essas

informações numa revista sobre o assunto

5.13 Nesse instante, a professora se posiciona, dizendo que também é contra a legalização da

maconha, lembrando a dificuldade de, no Brasil, das pessoas seguirem regras. Não retoma, entretanto,

as falas dos alunos (nem do último) para ponderar sobre as informações veiculadas.

5.14 Comenta, então, que irá propor a produção de um texto dissertativo-argumentativo sobre o

último tema que foi discutido

5.15 No quadro, ela registra o seguinte trecho: “Todos os direitos da humanidade foram conquistados

pela luta...” (VON IHERING)

5.16 Ela explica que o trecho é para que eles reflitam um pouco mais sobre o tema que acabaram de

debater

5.17 Lembra aos alunos sobre a estrutura do texto dissertativo (introdução, desenvolvimento e

conclusão), assim como, sobre a distribuição de parágrafos em cada uma das partes

5.18 Os alunos perguntam sobre a quantidade de linhas

5.19 A professora informa que o texto deverá ter entre 20 e 25 linhas e deverá ser entregue a ela ao

final da aula

5.20 Os alunos começam a produzir os seus textos

5.21 Alguns alunos saem da sala e não retornam

5.22 A aula se encerra, os alunos destacam as folhas com as suas produções e entregam à professora.

As situações didáticas aqui descritas parecem nos possibilitar enfim, tecer alguns

comentários sobre contextos de produção de texto argumentativo. Comecemos então pelas

orientações atuais para o ensino da produção de texto.

O documento Orientações Teórico-Metodológicas para o Ensino Médio

(PERNAMBUCO, 2008b) institui que as orientações teórico-metodológicas da prática

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pedagógica do professor de língua portuguesa são voltadas para a formação de estudantes nos

contextos de interação autor-texto-leitor e nas práticas socioculturais contemporâneas de usos

da escrita.

Esse mesmo referencial apresenta como finalidade do eixo produção de texto:

Desenvolver nos estudantes habilidades de produzir textos escritos que

exigem maior complexidade em sua elaboração, de gêneros variados e com

diferentes funções, adequados aos interlocutores pretendidos, a seus

objetivos, à natureza do assunto e às condições gerais de produção.

(PERNAMBUCO, 2008b, p. 06).

Temos assim a proposta de que, em situações de sala de aula, o professor diversifique

o trabalho com gêneros de forma a garantir aos alunos uma maior possibilidade de usar a

linguagem em diferentes ações de comunicação. Mas esse encaminhamento pedagógico não

se encerra apenas nisso: é preciso ir além e mostrar-lhes concretamente que existe um

“projeto de dizer”, tal como foi explicitado por Geraldi (2003), que se correlaciona

intimamente com as orientações. Nesse projeto, o autor estabelece um certo quadro de

condições necessárias à produção de um texto: (a) ter o que dizer; (b) ter uma razão para dizer

o que se tem a dizer; (c) ter a quem dizer; (d) constituir-se como locutor, enquanto sujeito que

diz o que diz para quem diz; (e) escolher as estratégias para realizar as demais proposições.

Com base nessas reflexões, poderíamos dizer que, grosso modo, a professora A tentou

possibilitar aos alunos o que está posto no item “a”, a partir do momento em que oportunizou

a leitura de alguns materiais sobre o tema que, no decorrer da aula, foi definido como a

temática para dar origem à produção textual. Não vamos aqui avaliar a ideia de que foi a

melhor ou a pior estratégia por ela adotada, mas tão somente registrar essa que foi uma

ocasião em que os alunos foram chamados a uma reflexão sobre o assunto.

Presenciamos ainda a discussão acalorada entre os alunos no momento em que foi

suscitado o debate oral. Como nos diz Suassuna (2010, p. 154), “o ponto de partida para a

produção de texto pode ser uma discussão, um outro texto, garantida a sua função de

confronto e/ou mediação entre o sujeito e o mundo”. De forma singular, assistimos a uma rica

exposição e defesa de ideias e, diferentemente do que se possa imaginar, os alunos que eram a

favor da legalização da maconha, na ocasião das discussões, não se renderam ao “discurso

autorizado” na/da escola (SUASSUNA, 2009) e expuseram com veemência as suas posições.

Por outro lado, a professora A deixou que passassem sem serem perceptíveis as

demais proposições das estratégias do dizer. Como implicações pedagógicas dessa ação na

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aprendizagem dos alunos, temos o que Suassuna (2009) aponta como artificialismo nas

produções textuais. Conforme evidencia essa autora:

A existência de investigações e textos em torno desse tão polêmico tema, no

entanto, não impede que a prática da redação ainda seja marcada pelo

artificialismo e por resultados considerados, em sua maioria, insatisfatórios.

Um dos elementos desse artificialismo é o fato de que o aluno escreve para

um único interlocutor − o professor − do qual tem uma imagem feita. E essa

imagem, evidentemente, será determinante da qualidade do texto que ele

produz (ibidem, p. 86).

É nesse sentido que temos: “A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa

de expressão, (ex- ‘para fora’), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções,

crenças ou dos sentimentos que queremos compartilhar com alguém para, de algum modo,

interagir com ele” (ANTUNES, 2003, p. 45).

Ainda fazendo algumas considerações sobre a escrita de textos e numa articulação

com a concepção de língua e texto já assumidas neste estudo, Antunes (2003) sustenta que a

escrita não é uma atividade que se faça de qualquer modo; numa abordagem semelhante à de

Geraldi (2003) indica que os sujeitos necessitam traçar um planejamento de escrita.

Outro ponto que podemos destacar é que uma das orientações se refere à estrutura

composicional da dissertação argumentativa (introdução, desenvolvimento e conclusão), sem

haver abordagem alguma sobre os aspectos discursivos que poderiam ser priorizados nesse

tipo de texto (necessidade de apresentação de um ponto de vista claro; levantamento de

argumentos que sustentem o ponto de vista; utilização de contra-argumentos na possibilidade

de serem levantadas questões que se contraponham ao que foi explicitado; estabelecimento de

relação entre as ideias do texto; efeitos de sentido, etc.).

Embora a professora tenha proposto uma situação de produção a partir de um tema

passível de debate (LEAL e MORAIS, 2006), a apresentação de argumentos, no texto escrito,

não foi potencializada a partir dos argumentos que emergiram no momento do debate. Não

houve, portanto, discussão sobre a importância de escrever sobre o tema proposto nem sobre o

processo de argumentação a ser desenvolvido

Em linhas gerais, não houve indícios de uma situação significativa de aprendizagem

da produção escrita de textos argumentativos, na qual pudessem ser desenvolvidas algumas

competências básicas já citadas nesta pesquisa e que correspondessem ao que diz Geraldi

(2009, p. 66): “E escrever é ser capaz de colocar-se na posição daquele que registra suas

compreensões para ser lido por outros e, portanto, com eles interagir”.

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3.2 2 As aulas observadas da professora B

As observações de aula na turma da professora B tiveram início no dia 12/05/2011,

transcorrendo até o dia 14/06/2011 e, ainda que acompanhássemos uma sequência de 10

aulas, houve muitas situações em que chegamos à unidade de ensino e retornamos, por

alterações no horário de aulas dessa escola.

Nesse espaço de tempo, notamos que os encaminhamentos didáticos correspondiam a

uma tentativa constante de integrar a leitura e a produção de textos, havendo pistas de uma

prática pedagógica que se pretende caracterizar pela mudança, mas não consegue

efetivamente se desprender das bases do ensino tradicional.

A seguir, analisamos esses aspectos.

Data da aula: 12/05/2011

Aulas nº 01 e 02 Conteúdo trabalhado: produção de texto dissertativo

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

1.1. A professora inicia a aula solicitando aos alunos que se agrupem em trios

1.2. Informa que cada aluno irá escrever algumas ideias sobre um tema dado

1.3. Após a produção, cada grupo irá resumir as ideias em um único texto

1.4. Cada grupo deverá produzir um texto dissertativo-argumentativo, resumindo as

produções individuais

1.5. Em seguida, cada grupo socializará as produções, lendo os textos em voz alta

1.6. A professora coloca algumas orientações no quadro sob o título Orientações adicionais

São elas: o texto argumentativo contém opiniões e defesa dessas opiniões

Tema: Possíveis causas e consequências da situação de desemprego no país

Máximo: 30 linhas/Mínimo: 25 linhas

Introdução: foco em relação ao tema abordado. Aponta para o leitor o seu ponto de vista

Desenvolvimento: esclarece e fundamenta o ponto de vista exposto

Conclusão: fecha a sequência de ideias

1.7. Alguns alunos perguntam se é para entregar o texto

1.8. A professora orienta os alunos a deixarem a produção inicial no caderno e a entregarem a

versão final para ela

1.9. Alguns alunos comentam que são um desastre na redação

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1.10. Um aluno orienta um grupo que está próximo ao dele sobre o uso da terceira pessoa e

sobre a importância de apontar sua opinião

1.11. A professora comenta sobre o que deve conter cada parte do texto e esclarece a

divisão em parágrafos

1.12. Assim, os alunos devem destinar um parágrafo para a introdução, dois parágrafos

para o desenvolvimento e um, para a conclusão

1.13. Acrescenta que os alunos devem pôr um título e evitar repetições indevidas, uso de

interrogações e de expressões que façam menção a Deus, religião, sexo, raça; não

justifica, entretanto, os motivos pelos quais os alunos deveriam evitar o uso desses termos

1.14. Os alunos começam a debater em seus respectivos grupos

1.15. Um aluno comenta que é melhor escrever 25 linhas com qualidade do que 30 linhas

sem nada. Enfatiza que, para ele, quantidade de linhas é nada

1.16. Um grupo sente dificuldade para iniciar o texto, ao que um aluno se posiciona

dizendo que, se soubesse começar, já o tinha feito

1.17. Esse mesmo aluno diz que tem ideias, mas que para ele o tema está fora do contexto

1.18. Um outro aluno apaga o primeiro parágrafo do seu texto e comenta que as ideias

estavam vagas

1.19. A professora informa que, trinta minutos antes do término da aula, os alunos deverão

formar um grande grupo para socialização dos textos

1.20. Um outro aluno diz que tem muitas informações e não sabe como sintetizá-las num

texto

1.21. A professora intervém, relacionando a dificuldade de escrita à falta de leituras

1.22. Lembra que nos dias atuais é preciso estar informado

1.23. Retoma a fala dos alunos quando diz que há conteúdos que eles aprendem e não

sabem para que servem

1.24. No caso da argumentação, diz ela, que os alunos fazem isso constantemente

1.25. Pontua que eles defendem ideias e opiniões com os colegas e não se dão conta de que

estão argumentando

1.26. Ressalta que, quem gosta de ler, gosta de escrever e, por isso, escreve bem

1.27. Nesse momento, uma aluna comenta em seu grupo que quer usar o termo emergente e

pergunta a seus pares se o Brasil é um país emergente

1.28. Os colegas não sabem responder e uma das colegas pede para ela parar de usar

palavras difíceis na redação

1.29. Um dos colegas explica qual o significado de emergente

1.30. No decorrer das produções, a professora vai circulando pelos grupos e dando mais

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algumas orientações

1.31. O tempo não foi suficiente para a socialização das leituras

1.32. A professora recolhe os textos e comunica que, na aula seguinte, dará início à

socialização das produções.

Na observação dos eventos dessa aula, destacamos os seguintes aspectos:

O objetivo traçado para o conteúdo da aula (produção de texto) dizia respeito,

aparentemente, ao desenvolvimento de habilidades para a escrita de textos dissertativos. Essas

habilidades estão propostas na BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008), no item que trata das

competências básicas para a produção desses textos. De igual modo, as Orientações Teórico-

Metodológicas definem a dissertação como um gênero textual a ser trabalhado na segunda

unidade letiva do 3º ano do ensino médio. Assim, conteúdo, objeto e objetivos estavam em

conformidade com os documentos oficiais da rede estadual de ensino.

Entretanto, a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 93) ainda define:

Espera-se que o professor, no trabalho com a produção de textos escritos (em

gêneros selecionado para cada etapa da escolaridade), oriente o aluno no

desenvolvimento de competências para: responder ao objetivo específico

previsto para o texto [...], ajustar-se às regularidades linguísticas e

discursivas de cada tipo de texto [...], adequar-se aos modos típicos de

organização, sequência e apresentação que caracterizam os diferentes

gêneros [...]

Analisando, pois, essa orientação e os encaminhamentos pedagógicos da professora B,

notamos que a situação de produção de texto não proporcionou uma discussão sobre as

especificidades do gênero proposto. Vimos que os comandos para a atividades eram mais

prescritivos (evitar repetições indevidas, uso de interrogações e de expressões que façam

menção a Deus, religião, sexo, raça) do que reflexivos sobre a língua. Que objetivos

específicos poderiam, então, ser atendidos pelos alunos por meio dos textos se esses mesmos

objetivos não lhes foram apresentados? Não houve explicitação de propósitos claros e

destinatários definidos, o que foi percebido por um dos alunos ao argumentar que o tema está

fora do contexto (1.17).

Atentando para isso, será que não poderíamos dizer que a situação de produção de

texto é que estava descontextualizada? Que relação de interlocução foi estabelecida? Quais as

funções da escrita envolvidas na atividade de produção que foi proposta? Com quem os

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alunos iriam dialogar por meio dos seus textos? Eles queriam se manifestar sobre o

desemprego? Viam sentido nisso?

Na visão da professora B, porém, as dificuldades apontadas por seus alunos (não

conseguir sintetizar as muitas informações de que dispunham ou, simplesmente, não

conseguir iniciar o texto) eram todas decorrentes da falta de leitura por parte deles. Esse

pensamento dá espaço para refletirmos sobre dois aspectos: (1) qual o papel do professor

como mediador de práticas de leitura, de forma a ampliar o repertório de informação dos seus

alunos? (2) Existe, de fato, uma relação direta estabelecida entre leitura e escrita, tal como foi

apontada pela docente (item 1.26), já que essas atividades exigem o desenvolvimento de

habilidades diferentes?

Acerca desses fatores, em Suassuna (2010, p. 152), lemos: “o professor tem um

importante papel a desempenhar no processo de leitura, seja como leitor, seja como orientador

da leitura do aluno”.

Para Geraldi (2003, 2010), a perspectiva de trabalho que se pode assumir nas aulas de

língua é que grande parte do trabalho com a leitura esteja integrada à produção de texto em

dois direcionamentos: um que diz respeito àquilo que se tem a dizer e outro, às estratégias do

dizer. É assim que leitura e escrita se inter-relacionam, sendo evidente que a primeira subsidia

o processo de construção de texto, mas um bom leitor não implica, necessariamente, um bom

produtor.

Conforme nos diz Suassuna (2010, p. 154):

Há uma relação entre ler e escrever, de tal forma que uma prática leva à

outra, num processo permanente; evidentemente, essa relação não é

automática, direta e necessária, mas a escrita interfere na constituição do

leitor e a leitura determina as formas de escrever. (Grifo nosso)

Ainda sobre o contexto em que foi solicitada a produção, visualizamos mais alguns

elementos: (a) um aluno orienta um grupo que está próximo ao dele sobre o uso da terceira

pessoa e sobre a importância de apontar sua opinião; (b) uma aluna comenta em seu grupo

que quer usar o termo ‘emergente’ e pergunta a seus pares se o Brasil é um país emergente;

(c) uma das colegas pede para ela parar de usar palavras difíceis na redação. Temos

algumas marcas da preocupação dos alunos no sentido de atender às exigências da escola.

Isso, provavelmente, porque, “as crenças generalizadas na sociedade, seguramente,

representam menos riscos para eles” (SUASSUNA, 2009, p. 90), mesmo que essas crenças

não façam menor sentido para esses alunos.

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No que se refere ao uso de palavras difíceis, Pécora (2002, p. 51) lembra que a escola,

em vez de fornecer aos alunos

um conhecimento das especificidades da linguagem, que não é espontânea, a

fim de que também aí seja capaz de significar, de atuar sobre o outro, de

construir referências para a própria experiência , o processo escolar tende a

confinar a escrita nos limites de alguns modelos prévios, impermeáveis, [...]

A partir daí, se o caso é escolher entre uma certa casta de palavras e não

escolher aquelas para as quais o aluno tem um determinado emprego, ele

trata logo de sapecar meia dúzia delas, quanto mais difíceis melhor.

Analisando mais um pouco os dados, vimos o que Leal e Albuquerque (2007, p. 100)

registram: “para muitos de nós, [...] o ato de escrever está relacionado a uma ação dolorosa e,

por vezes, traumática, vinculada a lembranças de experiências de escrita, vivenciadas

principalmente na escola”. Basta observarmos o depoimento de alguns alunos ao comentarem

que são um desastre na redação (1.9).

Na continuação das observações, temos as aulas de nº 03 e 04 da professora B.

Data da aula: 17/05/2011

Aulas nº 03 e 04 Conteúdo trabalhado: leitura de textos produzidos/debate

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

2.1. A professora solicita que os alunos façam um grande círculo e pede para que eles leiam

os textos produzidos

2.2 A orientação é que os alunos devem expor as ideias e defendê-las

2.3 Na sequência de cada apresentação, a turma deverá debater as ideias apresentadas

2.4 A discussão começa com a leitura dos textos de cada equipe, seguindo-se uma defesa de

ideias

2.5 A certa altura da discussão, a professora chama atenção para os argumentos usados por

uma determinada equipe e pergunta se as alunas que dela fazem parte gostam de ler

2.6 Na resposta afirmativa, a professora argumenta que o texto das alunas é rico em

vocabulário

2.7 Grande parte dos textos tem início com expressões do tipo: “Nos dias de hoje, hoje em

dia, nos dias atuais”,...

2.8 A professora chama a atenção dos alunos para tomarem cuidado com as fugas ao tema

2.9 Após o término das leituras/discussões, a professora lembra de que há um fator comum

que foi apontado nas redações: a falta de qualidade profissional

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2.10 Nesse momento, abre-se um novo debate sobre os responsáveis pela baixa qualificação

profissional em nosso estado

2.11 Opiniões divididas entre responsabilidades atribuídas ao governo estadual e aos próprios

cidadãos comuns, alunos da rede pública; a professora enfatiza que os estudantes de hoje têm muitas

oportunidades e as perdem de vista

2.12 Diz que a proposta do tema foi para eles refletirem e aguçarem o senso crítico sobre o

tema em questão

2.13 Comenta que gostaria muito de que, no tempo dela, as oportunidades fossem as mesmas

2.14 A aula é encerrada.

Na abordagem dessa aula, pudemos registrar alguns pontos, em especial:

i. As dificuldades anteriormente apontadas pelos alunos acerca da textualização

das ideias foram explicitadas em alguns textos. Vejamos:

“Uma das principais consequências do desemprego no país é a falta de mão de obra

qualificada” (trecho – ver texto completo no anexo 4, p. 190)

“São vários os fatores que contribuem para esta triste realidade, como por exemplo, a

desigualdade social” (trecho – ver texto completo na p. 191)

“O desemprego relata gatos sobre causas, e consequência isto existe por causa de

pessoas que não tem experiência, qualificação adequada e o preconceito”. (trecho – ver

texto completo na p. 192)

Essas construções nos dão a impressão de que a artificialidade da situação de

produção determina a má qualidade dos textos. Apesar de ser um tema que

poderia proporcionar um bom debate sobre a questão da empregabilidade, as

conduções pedagógicas não possibilitaram a reflexão sobre o aspecto social

nem sobre as práticas de linguagem do dia a dia. Desse modo, a organização do

texto respeitando a sequência de ideias, a manutenção da unidade temática, o

empréstimo ao texto de algum aspecto de novidade e de criatividade

(PERNAMBUCO, 2008) não pode ser visto em várias das produções da turma

do 3º ano B.

ii. Apesar de a professora B ter mencionado o motivo que a levou à escolha do

tema, parte dos alunos estavam alheios às informações expostas, atendendo,

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apenas, à realização de mais uma tarefa eminentemente didática. Os alunos

desconheciam o objetivo e as finalidades do texto; não se sentiram motivados

para a produção escrita. Sobre isso, Geraldi (2003, p. 126) declara:

Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de

cumprir qualquer função real, construindo-se uma situação artificial, na qual

o estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto

em que não havia pensado antes, no momento em que não se propôs e, acima

de tudo, tendo de demonstrar (esta é a prova) que sabe. E sabe o quê?

Escrever.

iii. Revivemos a argumentação da professora em defesa da relação automática e

direta leitura-escrita.

iv. Sobre a socialização dos textos, Suassuna (2010) afirma que este se constitui

numa atividade importante de recuperação do caráter interlocutivo do ato de

escrever. Sendo assim, é válida a leitura oral dos textos dos alunos,

dependendo da forma como é conduzida e mediada pelo professor;

v. Refletindo sobre situações didáticas de produção textual e sua relação com o

desenvolvimento das habilidades argumentativas, presenciamos um ensino que

não consegue favorecer a defesa de pontos de vista sobre os diferentes temas

que podem emergir nas relações sociais.

Seguem os próximos eventos de aula:

Data da aula: 18/05/2011

Aulas nº 05 e 06 Conteúdos trabalhados: produção de resenha; apresentação de seminários

sobre a 2ª fase do Modernismo

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

3.1 A professora entrega um jornal aos alunos

3.2 Os alunos deverão se dividir em grupo com 3 pessoas

3.3 Os mesmos deverão escolher um tema jornalístico e elaborar uma resenha sobre o assunto

lido

3.4 As orientações gerais estabelecem: mínimo de 20 linhas; máximo de 30 linhas

3.5 Os alunos leem atentamente os textos e debatem com os colegas de seus respectivos

grupos

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3.6 Os alunos recebem a orientação para concluírem seus textos no decorrer da 1ª aula

3.7 Os alunos não fazem muitas perguntas sobre o gênero

3.8 Encerra-se a primeira aula e as equipes entregam os textos à professora

3.9 Há um intervalo de 20min entre as duas aulas

3.10 No início da 2ª aula, ocorre uma apresentação de seminários sobre a 2ª fase do

Modernismo

3.11 Os alunos expõem os seus trabalhos e a professora faz algumas intervenções.

Sobre o gênero textual resenha, as Orientações Teórico-Metodológicas

(PERNAMBUCO, 2008b) indicam atividades direcionadas à leitura e à produção de textos

desse gênero na Unidade I (p. 31-32) e na Unidade II (p. 35). Nesses termos, identificamos

que a professora B estava em consonância com as sugestões desse documento, no que se

refere ao conteúdo do bimestre.

Quanto às condições de produção, percebemos que os alunos não faziam muitas

perguntas, o que, aparentemente, indica que eles produzem resenhas com frequência. O

destaque que fazemos, nesse caso, é novamente o fato de a produção ter sido encaminhada de

forma muito artificial. Não foram discutidas ou explicitadas as razões para essa produção nem

os possíveis interlocutores para os textos. Não percebemos reflexões acerca dos espaços

sociais onde circulam resenhas32

, nem sobre os tipos de resenha e as finalidades a que esse

gênero pode atender.

Se lidamos com a argumentação, as situações didáticas para a produção de texto

argumentativo partiriam de uma condição básica, que seria o conhecimento daqueles que se

pretende conquistar (PERELMAN e OLBRECTHS-TYTECA, 2005).

Nesse sentido, acreditamos que, nos encaminhamentos didáticos, o professor deve se

colocar na posição de facilitador e organizador da produção textual, problematizando temas e

se constituindo, de fato, como interlocutor do texto de seus alunos (SUASSUNA, 2009;

2010).

Participamos, pois, de vários eventos em que alguns gêneros argumentativos foram

introduzidos no trabalho escolar, a despeito do que a professora B havia relatado por ocasião

da entrevista. O que vimos também foi a referida docente se apropriar do discurso da

32

Segundo Xavier (2010), a resenha é um gênero textual comum na academia e sua função é avaliar e analisar de

forma sintética a importância de uma obra.

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necessidade de oferecer aos alunos uma ampla diversidade de textos, inserindo-a nas aulas de

língua portuguesa, sem refletir muitas vezes sobre as reais contribuições destes para a

ampliação da capacidade comunicativa de seus alunos.

Data da aula: 25/05/2011

Aulas nº 07 e 08 Conteúdo trabalhado: produção de texto dissertativo-argumentativo

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

4.1 A professora solicita que os alunos abram o livro didático de Português 33

4.2 O capítulo a ser estudado diz respeito ao texto dissertativo-argumentativo

4.3 Nele estão alguns textos-suporte que versam sobre o preconceito linguístico. A saber: (1) O novo

caipira (Chico Graziano, O Estado de São Paulo, 22/06/2004); (2) As pessoas sem instrução falam

tudo errado (Marcos Bagno, Preconceito linguístico: o que é, como se faz)

4.4 Além disso, o capítulo traz algumas definições sobre o texto dissertativo-argumentativo, sobre

argumentos e orientações acerca da articulação entre palavras e ideias

4.5 Após a leitura dos textos-suporte, a professora abre um debate sobre o que os alunos consideram

ser preconceito linguístico.

4.6 Algumas das questões postas no debate são: há preconceito no nosso país? Que tipos de

preconceito existem? E sobre preconceito linguístico: onde é mais marcante? Você já presenciou

alguém sendo discriminado do ponto de vista do uso da linguagem?

4.7 Os alunos participam da discussão, expondo as formas pelas quais o preconceito se efetiva

4.8 Uma aluna relata ter sido vítima de preconceito quando viajou a Fortaleza (CE)

4.9 Finda a discussão, a professora solicita a produção de um texto dissertativo individual

4.10 O tema é exposto no quadro: O preconceito linguístico: verdade ou mentira no Brasil?

4.11 Orienta que a produção deve ter entre 20 e 25 linhas

4.12 Um dos alunos comenta que a professora “está fogo”... nesse mês já solicitou que eles

produzissem 04 textos

4.13 Duas alunas pedem ajuda à professora, alegando não saberem produzir o texto solicitado

4.14 A professora responde, lembrando às alunas a estrutura do texto dissertativo

4.15 Os alunos começam a produzir os seus textos. Alguns ficam meio perdidos, sem saber como

33

CEREJA, W. R. e MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Volume único: ensino médio. São Paulo:

Atual, 2009.

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nem por onde começar a produção

4.16 A aula é encerrada e os alunos entregam os textos produzidos à professora

Acerca dos eventos dessa aula, vimos que a motivação para escrever teve por base

dois outros textos e foi suscitada a partir de reflexões e discussões sobre o tema dado. Na

exposição oral, os alunos participaram ativamente, ora dando exemplos de situações já

vivenciadas por eles, ora comentando sobre os seus pontos de vista acerca do preconceito

linguístico. Ainda: o debate indicou que os alunos se envolveram na atividade e que, nesse

ponto, os aspectos sociointerativos foram privilegiados pela professora.

Contudo, consideramos que o texto 1 (ver cópia no Anexo 4, p. 189) dava margem

para um trabalho bem mais aprofundado em relação ao tema que estava sendo proposto para

produção. Tomando por base a noção de dissertação argumentativa como um texto em que o

autor procura persuadir seu leitor a adotar uma posição, mudar um comportamento ou aceitar

um princípio (XAVIER, 2001), não foram explorados, por exemplo, aspectos relacionados ao

ponto de vista do autor, aos argumentos e contra-argumentos por ele utilizados, às intenções

explícitas e implícitas no texto, à conclusão apresentada, aos elementos que o autor tomou por

base para fundamentá-la, ao(s) possível(is) destinatários de seu texto. Em suma, não

visualizamos reflexões sobre as estratégias de convencimento usadas pelo autor.

Pensamos que nessas duas aulas, nas quais se pretendia um trabalho voltado ao

desenvolvimento da argumentação dos alunos, a professora B poderia promover a exploração

dos elementos linguísticos e discursivos presentes no texto. No entanto, não houve estímulo à

atividade de pesquisa para permitir ampliação de informações, já que o texto 1 possibilitava

relações com outras disciplinas, por envolver aspectos históricos, geográficos, econômicos e

sociais; também não houve abertura para um confronto com as ideias explicitadas no texto 2.

É importante registrar que, para além da abordagem superficial presente no livro

didático e da mediação docente, os alunos conseguiram argumentar oralmente sobre o que

consideravam ser o preconceito linguístico, embora tenham se detido nas características

fonético-fonológicas da língua falada pelos nordestinos e à dicotomia língua padrão e não-

padrão. Nesses termos, eram comuns argumentos com base em relatos de alunos que se

consideravam como vítimas de preconceito linguístico.

Por essa razão, esse tema pareceu-nos um pouco mais próximo da realidade dos

alunos, já que percebemos um nível de envolvimento maior na ocasião do debate oral. Desse

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modo, alguns estudantes falavam sobre as diferenças de dialeto entre falantes do nordeste, do

sul e do sudeste do Brasil; comentavam sobre o “tchê” que se fala no Rio Grande do Sul;

outros alunos falavam da divisão entre Pernambuco e Bahia em termos de fatores culturais e

linguísticos, e a professora ia registrando no quadro.

Considerando que a intenção era tomar os dois textos-suporte como leituras para a

introdução do tema e posterior produção dos alunos, vimos pouca alusão às ideias presentes

nos referidos textos e nenhuma reflexão sobre as possíveis relações entre o que estava sendo

explicitado pelos alunos e essas ideias, nem sobre os modos de estruturação dos textos-base.

Os entraves foram estabelecidos na ocasião da produção escrita: o depoimento de duas

alunas (4.13) deixou evidências de que elas (e possivelmente outros) ainda não tinham

desenvolvido as habilidades mínimas para produzirem textos dissertativo-argumentativos

escritos. Como as produções solicitadas em aulas anteriores eram sempre feitas em equipes,

há uma enorme possibilidade de que essas alunas tenham participado da escrita do texto de

forma muito superficial.

É nesses termos que Leal e Morais (2006, p. 82) enfatizam que:

As reflexões conduzidas em sala de aula podem ajudar os alunos a construir

as representações sobre as expectativas das professoras enquanto mediadoras

das situações e a ativar as representações sobre os interlocutores que estão

fora da esfera escolar de interação [...]

Acerca desse mesmo aspecto, Souza (2003, p. 77) enfatiza que “se argumentar é

defender um ponto de vista e discutir posições, é necessário que o tema e a situação de

produção deem condições para que o debate ocorra”.

Dessa forma, a permanência de um ensino que não possibilita a reflexão sobre os

modos de dizer e não permite aos alunos que tomem a palavra tem contribuído para a baixa

qualidade dos textos que recebemos: artificiais, padronizados e carregados de erros

gramaticais e problemas (SUASSUNA, 2009).

Refletindo sobre todas essas circunstâncias, recordamos a necessidade de se

estabelecer a relação interlocutiva no processo de produção textual: precisamos, com efeito,

possibilitar ao aluno o direito de assumir-se como locutor do seu texto e sermos, de fato,

interlocutores dos textos por eles produzidos (SUASSUNA, 2009).

Ao final desse encontro, a professora B nos informou que, por razões particulares,

estaria ausente da Escola B por um período de dez dias, a partir de 27/05. Por esse motivo,

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voltamos a realizar as observações de aula no dia 14/06/2011, momento em que encerramos o

nosso acompanhamento.

Não sabemos exatamente por quais razões, mas a impressão que tivemos foi de que o

último dia de observação participante também se assemelhou a dias de término de semestre

letivo: os alunos estavam muito agitados e pareciam não aguentar mais aula alguma. Situando

esse último momento, estão descritos abaixo os eventos das aulas acompanhadas nº 09 e 10.

Data da aula: 14/06/2011

Aulas nº 09 e 10 Conteúdos trabalhados: estrutura dos parágrafos

Duração 2 horas-aula – 1h e 40min

Descrição

5.1 Após alguns momentos de conversa com os alunos sobre o tempo em que estivera afastada, a

professora põe um informe no quadro

5.2 Escreve: avaliação dia 30/06/2011

Assuntos: concordância nominal e concordância verbal

A prova será realizada em duplas e constará de 20 questões

5.3 A professora solicita que os alunos abram o livro de português

5.4 O conteúdo a ser trabalhado diz respeito à organização dos parágrafos em textos dissertativos

5. 5 Pede que os alunos leiam o texto introdutório que está com o título “A falta de comunicação

prejudica alguma coisa?”

5.6 Lê as orientações dadas no livro-texto e orienta os alunos a responderem as três questões

propostas no exercício

5.7 A professora corrige as questões com os alunos e encerra a aula

Inicialmente, considerando que os conteúdos sobre concordância nominal e verbal

foram identificados na observação de aulas das turmas A e B, analisamos a BCC-PE

(PERNAMBUCO, 2008) e as Orientações Teórico-Metodológicas de língua portuguesa para

o ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b) para verificar se, de alguma forma, esses

conteúdos estavam contemplados nesses documentos. Constatamos, então, o que já

supúnhamos: nenhuma referência explícita nem fragmentada aos dois. Evidentemente, dentro

da perspectiva adotada por esses referenciais curriculares − (a) a língua na perspectiva de seus

usos; (b) o texto como norteador do processo de linguagem; (c) a diversidade de textos

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atendendo a finalidades, contextos, interlocutores, objetivos diferentes − teríamos mínimas

chances de identificar os conteúdos predominantemente prescritivos da gramática tradicional.

Esse aspecto não impediria a professora de, a partir dos textos dos próprios alunos, propor o

estudo da concordância nominal e verbal; falamos acerca da análise linguística (cf.

GERALDI, 2003, e SUASSUNA, 2012).

De igual modo, registramos que em nenhum dos eventos de aula presenciamos a

introdução dos conteúdos gramaticais elencados para a avaliação do bimestre letivo.

Considerando a nossa participação numa sequência de dez aulas, pressupomos que os

conteúdos em questão tenham sido trabalhados antes da nossa inserção no campo de pesquisa,

porque nem mesmo nos exercícios propostos pelo livro didático e realizados no período de

observação havia a sugestão de atividades que se relacionassem às concordâncias nominal e

verbal.

O que na realidade nos inquietou foi o fato de esses assuntos terem sido privilegiados

para a avaliação do bimestre. Mais que isso: serem a própria avaliação! Então, como essa

professora concebe avaliação de língua portuguesa? Que critérios ela estabelece na avaliação

de seus alunos? Os eixos leitura e produção de texto não são considerados no processo

avaliativo? Existe alguma articulação entre esses dois eixos e o estudo de gramática?

Não iremos nos aprofundar essa discussão acerca dos modos de avaliação da

professora B, mas de forma superficial, apontamos algumas considerações de Gatti (2003, p.

3) sobre o processo avaliativo em sala de aula:

i. para ter sentido, a avaliação em sala de aula deve ser bem fundamentada

quanto a uma filosofia de ensino que o professor espose;

ii. é de todo importante que o professor possa criar atividades diversas que

ensejem avaliação de processos de aquisição de conhecimentos e

desenvolvimento de atitudes;

iii. o professor deve despender algum tempo na identificação de quais aspectos de

sua disciplina foram realmente trabalhados em classe no período a ser avaliado,

quais dentre estes serão incluídos na prova e por quê.

Para além dessas observações sobre a aula e retomando o foco de nosso estudo, vimos

que o livro didático propunha a leitura de um texto cujo título favorecia a discussão em sala.

Afinal, concordamos em que a falta de comunicação pode interferir em diversos aspectos de

nossas vidas. Seria possível, então, levantar questionamentos sobre pontos de vista variados:

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na relação professor-aluno e vice-versa, na família, no trabalho, nas inúmeras relações que

emergem nos espaços sociais etc. Nesse caso, ainda que fosse uma discussão oral, seria

possível o trabalho com a construção de argumentos a partir do tema em questão.

Provavelmente, essa temática estaria um pouco mais próxima à realidade dos alunos que a

anteriormente utilizada para a produção argumentativa, já que, não raro, encontramos alunos

que se queixam, por exemplo, acerca de professores que têm muito conhecimento, mas não

conseguem comunicá-lo.

Pensamos também que a professora B não oportunizou atividades que visassem ao

desenvolvimento de algumas competências, em termos de leitura e interpretação de textos,

correlacionadas com estratégias típicas da argumentação e orientadas pela BCC-PE

(PERNAMBUCO, 2008), a saber: (1) estabelecer relações entre o ponto de vista do autor e o

argumento ou argumentos oferecidos para sustentá-lo; (2) reconhecer os critérios de

ordenação ou de sequência do texto na apresentação das ideias e informações; (3) fazer a

distinção entre um fato e uma opinião relativa a esse fato; (4) identificar elementos

indicadores das condições do locutor e do interlocutor do texto.

Geraldi (2003, p. 95), abordando questões acerca de atividades que se podem realizar

com/por meio da leitura de textos, comenta sobre a leitura-estudo do texto e afirma: “um

roteiro que me parece suficientemente amplo e ao mesmo tempo útil, no estudo de textos, é

especificar: a tese defendida no texto; os argumentos levantados em teses contrárias; coerência entre

tese e argumentos”.

De uma forma geral, na nossa análise das aulas, tentamos ultrapassar os eventos dos

dias observados e procuramos levantar algumas questões mais gerais que dizem respeito às

práticas das professoras A e B: (1) por que a recorrência dos conteúdos de gramática nas aulas

de língua? (2) que concepção de língua subjaz à prática das professoras? (3) por que

professoras, que se mostraram preocupadas em contribuir para o desenvolvimento do senso

crítico de seus alunos, não desvinculavam de suas práticas pedagógicas a abordagem

gramatical puramente normativa? (4) afinal, o que é de fato ensinar língua portuguesa? (5) o

que efetivamente é um trabalho com textos? (6) e o que se entende por desenvolver a

criticidade dos alunos, permitindo-lhes serem sujeitos na sociedade onde vivem? (7) por que

não se refletia sobre pontos de vista e argumentos utilizados pelos autores dos textos que

serviram para introduzir as temáticas das dissertações-argumentativas?

É fato que não conseguiremos responder a todas essas perguntas por meio do

acompanhamento e das análises de aula que foram feitas, mas podemos realizar algumas

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considerações acerca do processo de ensino-aprendizagem da produção de textos escritos

argumentativos (ou efetivamente no processo de produção de textos na escola), tomando por

base alguns teóricos enfocados neste estudo. Desse modo, articulando os procedimentos

pedagógicos das docentes às concepções de língua e de textos, temos:

i. “Toda atividade pedagógica de ensino de português tem subjacente, de forma

explícita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua”

(ANTUNES, 2003, p. 39). Pelas observações, as professoras têm uma

concepção de língua como comunicação, o que implica que há emissores e

receptores, codificadores e decodificadores (cf. GERALDI, 2004). Nessa

perspectiva, os alunos devem se apropriar do código para dele fazerem uso.

ii. No que diz respeito à finalidade do ensino de português, as professoras

acreditam que é por meio dos textos que a língua deve ser ensinada. Desse

modo, assistimos a tentativas das docentes de desenvolverem um trabalho com

a linguagem através da leitura e da produção de textos, na intenção de

conduzirem os alunos a assumirem crítica e criativamente o seu papel de

sujeito do discurso, seja como falante ou escritor, ouvinte ou leitor (GERALDI,

2004). No entanto, as suas práticas nos fizeram pressupor que as mesmas não

conheciam teoricamente alguns conceitos que lhes permitissem refletir sobre as

suas práticas pedagógicas; as professoras sentiam-se inseguras e vez por outra,

estavam associando o texto e a gramática de forma descontextualizada.

iii. Em termos de texto, adotamos uma concepção que, tendo por base, a interação

entre sujeitos, compreende a produção textual como manifestação verbal,

constituída de elementos linguísticos e discursivos, selecionados a partir das

necessidades dos interlocutores, e que fundamenta a própria interação como

prática sociocultural (KOCH, 2011). No decorrer das aulas, a ideia de texto

que pudemos observar foi a de texto como uma unidade de sentido, que possui

uma estrutura fixa a ser observada e copiada pelos alunos por meio da

manipulação de outros textos. Nesse sentido, aspectos linguísticos eram

privilegiados e sobrepostos aos aspectos textuais e discursivos.

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126

iv. Não são explorados, sistemática e intencionalmente, os diferentes gêneros

textuais. Havia uma introdução de um gênero diferente (música, resenha,

resumo, poema,...) a cada aula, sem necessariamente observarmos a existência

de um planejamento de aula (conteúdo, objetivos, aspectos metodológicos,

recursos, tempo previsto, avaliação).

v. No que se refere aos procedimentos didáticos, as práticas de atividade oral que

serviam de discussão sobre os temas propostos eram significativas. Na maioria

das ocasiões, os alunos se posicionavam sem temer o discurso autorizado pela

escola (SUASSUNA, 2009). Não havendo, entretanto, por parte das

professoras, uma retomada das discussões, nem reflexões sobre como as

informações/ideias veiculadas naqueles momentos poderiam ser textualizadas,

os posicionamentos eram por vezes silenciados/apagados nos textos escritos.

vi. Percebemos nas atividades orais, que os alunos se posicionavam como

locutores para seus interlocutores (alunos e professora); organizavam pois os

seus discursos, tendo como medida o outro, que era real. Apoiando-nos em

Bakhtin (2010, p. 118), podemos dizer que “a situação e os participantes mais

imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”.

vii. Tendo por base que o texto argumentativo tem seu conteúdo revelado por um

processo que implica sucessivas regulações, fazendo com que as ideias nele

defendidas sejam construídas, reconstruídas, analisadas e organizadas

(CITELLI, 1994), não foram contempladas discussões acerca das teses

defendidas pelos alunos nas discussões orais e sobre as formas pelas quais eles

poderiam textualizar essas teses no texto escrito (estratégias da argumentação

escrita).

De forma geral, as observações indiciaram:

(a) um modelo de escola que se pauta no ensino tradicional (aprendem-se as regras e

depois aplicam-se os conceitos);

(b) um controle social do discurso dos alunos;

(c) pouca prática de escrita;

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127

(d) uma prática de leitura sem “desconstrução” do texto (proposição apenas de

perguntas superficiais);

(e) desinteresse pela palavra do outro;

(f) orientações artificiais para as produções dos textos argumentativos;

(g) ausência de retomada dos textos produzidos para serem melhorados;

(h) as professoras, provavelmente, não eram produtoras de texto e não concebiam as

aulas de português como espaço para uso-reflexão-uso de práticas de linguagem.

É preciso, no entanto, de acordo com Geraldi (2009, p. 66):

[...] pensar a relação de ensino como o lugar de práticas de linguagem e a

partir delas, com a capacidade de compreendê-las, não para descrevê-las

como faz o gramático, mas para aumentar as possibilidades de uso exitoso da

língua.

Dessa forma, pensamos que, quando o professor compreende os processos de

constituição da linguagem, mais facilmente opera com e por meio desta. Ao mesmo tempo,

concordamos com Suassuna (2009) que sustenta que uma diferente compreensão sobre a

linguagem implica uma mudança nos objetivos do professor de língua materna.

3.3 Análise documental: os textos dos alunos

Na análise documental dos textos argumentativos produzidos pelos alunos do 3º ano

do ensino médio envolvidos na pesquisa, consideramos as situações de produção em que os

mesmos foram elaborados.

Por meio dessa análise, buscamos identificar as estratégias argumentativas

mobilizadas pelos alunos na produção de seus textos.

Nesse sentido, por razões já explicitadas, lidaremos com textos dissertativo-

argumentativos e nos apoiamos nos seguintes critérios em relação a esses documentos: (1) os

textos apresentam ponto de vista claro; (2) nos textos o autor se posiciona com vistas a um

interlocutor real/virtual; (3) que estratégias da argumentação foram mobilizadas pelos alunos.

Na intenção de apresentar ao leitor uma caracterização mais detalhada sobre os

contextos de produção, elaboramos um quadro-resumo com as principais informações. Os

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dados, entretanto, dizem respeito apenas aos textos dos alunos que, após passar pelos critérios

de seleção, seguiram para a fase de análise.

Desse modo, temos:

Gênero textual: dissertação

Grupo-

classe

Nº de

textos

Data da

produção

Tema

controverso

Instruções Destinatário/

interlocutor

3º Ano A

09

25/05/11

Legalização da

maconha

A partir das discussões

suscitadas na aula sobre o

tema e da frase “Todos os

direitos da humanidade

foram conquistados pela

luta...”, os alunos deveriam

produzir um texto contendo

de 20 a 25 linhas

Sem

destinatário

definido

Quadro 6: Síntese dos contextos de produção textual – 3º Ano A

Gênero textual: dissertação

Grupo-

classe

Nº de

textos

Data da

produção

Tema

Instruções Destinatário/

interlocutor

3º Ano B

08

26/05/11

Preconceito

linguístico:

verdade ou

mentira no

Brasil?

A partir das discussões

suscitadas na aula sobre o

tema e de textos-suporte do

livro didático, os alunos

deveriam produzir um texto

dissertativo contendo entre

25 e 30 linhas.

Sem

destinatário

definido

Quadro 7: Síntese dos contextos de produção textual – 3º Ano B

3.3.1 Análise dos textos do 3º ano A

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Texto 1 – Turma A

Embora o uso dos pronomes seus/seu cause certa ambiguidade logo no primeiro

parágrafo, o texto 1 corresponde ao tema proposto e às orientações mais gerais da professora

A: quantidade dos parágrafos, escrito em prosa etc. Há problemas referentes à articulação

entre título e ideia no texto, porque, mesmo nomeando o texto de Conscientização é tudo, o

autor só aponta para essa ideia no terceiro parágrafo.

Se atentarmos, ainda, para o que nos diz Pécora (1999), é no texto dissertativo que a

argumentação se manifesta de forma mais evidente e, diante do que assumimos como texto

dissertativo-argumentativo nesta pesquisa, veremos que a ideia de persuadir o interlocutor por

meio de argumentos consistentes não se efetiva. Apesar de o aluno expor seu ponto de vista

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no segundo parágrafo, os argumentos apresentados no seu texto não são suficientes para

defender a sua opinião. O autor do referido texto se posiciona de forma muito geral.

Com a aprovação da lei a favor do uso da droga, pessoas que não participam desse

meio podem ser prejudicadas/ porque ao fumar em um lugar público, o drogado

prejudica a terceiros.

Analisando o terceiro parágrafo, observamos a introdução de uma informação muito

vaga que, mesmo assim, vai servir de suporte para um contra-argumento.

Outros países já aprovaram a lei/ mas as condições são diferentes nos países

desenvolvidos [...]

No quarto parágrafo, o autor introduz mais um elemento (a conscientização) e tenta

articulá-lo ao título; vemos uma possível apresentação do ponto de vista com argumento que,

entretanto, não convence.

A conscientização é importante para que as pessoas entendam que uma droga mais

“leve” como essa pode abrir as portas para outras mais pesadas

No que tange aos elementos coesivos, estes aparecem em todos os parágrafos, mas não

garantem necessariamente a linearidade do texto, conforme orienta a BCC-PE

(PERNAMBUCO, 2008, p. 94): “empregar os diferentes recursos da coesão textual, de forma

a assegurar a continuidade do texto”.

No último parágrafo, o autor deveria concluir o raciocínio que fora iniciado no

segundo, mas a abordagem que faz é bastante confusa.

Então, cada um com suas ideias devem repensar o assunto/mas desta vez colocar-se

em segundo plano [...]

O texto deixa pistas que nos conduzem a pensar que o aluno tentou mostrar que é

contra a legalização da droga. Como professores, mesmo que discordássemos de sua tese,

poderíamos/deveríamos ajudá-lo a sustentá-la: a maconha faz mal a quem usa e a legalização

pode estender o mal a quem não usa. Outra: o usuário pode até ter prazer com a droga, mas

deve pensar no coletivo. Afinal, para argumentar um sujeito necessita conhecer e utilizar

algumas estratégias linguístico-discursivas que têm como papel desenvolver um debate

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coerente, visando à modificação de opinião de seu interlocutor. A mediação docente para o

aluno desenvolver essas estratégias, no entanto, não aconteceu.

Analisemos o texto seguinte.

Texto 2 – Turma A

Para além da organização formal do texto 2 e de outros (muitos) problemas

relacionados à apropriação das regras do sistema ortográfico da língua portuguesa, o autor

inicia a sua produção deixando dúvidas sobre o seu posicionamento:

Falar sobre esse assunto é complicado, pois não é algo que envolve apenas um lado.

No segundo período do primeiro parágrafo, ele apresenta seu ponto de vista:

Caso a maconha seja legalizada, vai calsar muitos problemas seguintes, como

descriminação, desrespeito e muitos outros.

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Apresenta um argumento de forma sucinta e situa o leitor na discussão, utilizando

elementos de referenciação a seu favor.

Não pode-se falar de legalização sem planejamento, planejamento esse de “leis” e de

“normas” para usuários e para os vendedores.

Ainda que não identifiquemos um vocabulário amplo, o autor aparenta ter domínio do

conteúdo que lhe foi proposto como tema para produção. Sente dificuldade, porém, em

ampliar as informações que anuncia. É nesse momento que atividades de leitura, revisão e

reescrita do texto vão contribuir para abranger um nível de informatividade e a organização

dos argumentos com foco na adesão do interlocutor à tese defendida.

No último parágrafo, o aluno confirma a oposição à legalização, utilizando-se para

isso do argumento já utilizado e implementando uma nova informação, com a qual finaliza o

seu ponto de vista:

“...para essa legalização se concretizar, teria que haver muito planejamento./ Coisa

que no Brasil não existe”

O aluno segue a estrutura composicional instruída pela professora (introdução,

desenvolvimento e conclusão), atendendo à orientação sobre o quantitativo de parágrafos

definidos como o ideal para a dissertação argumentativa.

Chama-nos a atenção o fato de que esse texto foi de um dos alunos que se destacou na

discussão sobre o tema, apresentando, além das informações aqui expressas, dados científicos

sobre os efeitos da maconha e dando exemplos estatísticos dos percentuais de usuários dessa

erva no mundo. No debate oral, o aluno trouxe vários discursos, o que, segundo Souza (2003)

é um aspecto da atividade argumentativa: o caráter polifônico. No texto escrito, contudo,

essas informações não estavam presentes. Questionamos, então: que fatores contribuíram para

o desaparecimento desses discursos?

Algumas de nossas hipóteses para o fato são:

(a) a possibilidade do aluno não saber lidar com as estratégias do dizer, de forma a

encadear os argumentos do seu texto escrito;

(b) o aluno não se sentir motivado para escrever à professora, ou o debate oral, apenas

os colegas foram os seus interlocutores, já que suas considerações e as de seus

pares acerca do tema não foram retomadas pela docente;

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(c) a professora não registrou no quadro as diferentes posições e informações dos

alunos, que poderiam ter sido potencializadas na formação de estratégias da

argumentação; desperdiçou a oportunidade de lidar com reflexões sobre tomada de

posições, argumentos de sustentação e de refutação, argumentos com foco nas

conclusões de textos dissertativo-argumentativos (noções difundidas por

PÉCORA, 1999; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; LEAL e

MORAIS, 2006);

(d) a professora não tinha embasamento teórico que lhe permitisse realizar essas

operações com os alunos;

(e) na prática escolar, o “eu” é sempre o mesmo; o “tu” é sempre o mesmo; o sujeito

se anula em benefício da função que exerce (GERALDI, 2004);

(f) no didática da escola, não são levadas em consideração as especificidades dos

processos/mecanismos de textualização no discurso oral e no discurso escrito

Analisemos agora o texto a seguir.

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Texto 3 – Turma A

O produtor do texto 3 utiliza um início de texto muito comum em textos dissertativo-

argumentativos: “Hoje,...”.

Apresenta seu ponto de vista de forma clara, ainda que não o faça num estilo solicitado

pelo gênero, ao mesmo tempo em que deixa indícios de que sua professora será sua

interlocutora. Vejamos o nível de envolvimento com o texto e as evidências de que seria a

professora (que estava presente no momento das discussões e que receberia o seu texto) o

destinatário da sua produção.

“Eu particularmente acho isso muito ruim e que não deve ser legalizado.../Imagine só

se legalizarem...”

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Apresenta argumento e contra-argumento:

“...pois a droga mexe com a cabeça das pessoas...”

“E se legalizarem, vai ter viciados fumando por toda a parte. A todo instante e a

qualquer hora.”

Ao final do texto reafirma sua posição contrária à legalização, retomando também o

primeiro argumento utilizado. Os argumentos apresentados poderiam ser consistentes se

melhor fundamentados. Identificamos nesse texto que o autor tem ideias formadas sobre o

tema em questão, mas revela dificuldade na adequação vocabular e nas estratégias que utiliza

para textualizar suas informações. Sente-se em determinado momento muito próximo do seu

possível interlocutor, usando também expressões corriqueiras da linguagem oral na escrita:

“Onde este mundo vai parar? Com tantos jovens se drogando e se acabando com as

drogas!”

Acerca desse aspecto, Marcuschi (2010, p. 19) esclarece que:

Inevitáveis relações entre escrita e contexto devem existir, fazendo surgir

gêneros textuais e formas comunicativas, bem como terminologias e

expressões típicas. Seria interessante que a escola soubesse de algo mais

sobre essa questão para enfrentar sua tarefa com maior preparo e

maleabilidade, servindo até mesmo de orientação na seleção de textos e

definição de níveis de linguagem a trabalhar.

Supomos, mediante o que acompanhamos nas aulas dessa turma, que a professora não

desenvolve nenhum trabalho com vistas à reflexão sobre os textos escritos pelos alunos, não

proporcionando, desse modo, aprendizagem sobre aspectos presentes na oralidade que não

devem constar em algumas situações da escrita. Compreendemos que tanto a oralidade quanto

a escrita são imprescindíveis na nossa sociedade. Precisamos então refletir com os alunos

sobre os diferentes papéis e contextos de uso.

Poderíamos afirmar que o autor do texto recorre a “noções de totalidade indeterminada

e noções semiformalizadas”, que, segundo Pécora (1999), usadas em dissertações-

argumentativas, direcionam-se a um discurso que por si só nada acrescenta ao texto.

Analisemos agora, após a transcrição, os textos 4 e 5.

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Texto 4 – Turma A

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137

Texto 5 – Turma A

Considerando que esses textos foram produzidos por alunos que se encontravam no 3º

ano do ensino médio e que já frequentaram, no mínimo, durante onze anos os espaços

escolares, aceitamos o que está expresso nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio

(BRASIL, 1998, p. 21):

Na escola, o modo autoritário de ser não permite o diálogo. Como posso

dizer, se não sei o que nem como dizer?[...] Toda fala/escrita é histórica e

socialmente situada, sua utilização demanda ética. Onde se aprende isso? A

experiência escolar é necessária e, mais, deve ser uma necessidade sentida

pelo próprio aluno.

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Para continuar fundamentando nossa posição, nem precisaremos recorrer à noção de

texto dissertativo-argumentativo; basta que nos guiemos pela ideia de texto adotada em nosso

estudo:

O texto é considerado como manifestação verbal, constituída de elementos

linguísticos de diversas ordens, selecionados e dispostos de acordo com as

virtualidades que cada língua põe à disposição dos falantes no curso de uma

atividade verbal, de modo a facultar aos interactantes não apenas a produção

de sentidos, como a fundear a própria interação como prática sociocultural.

(KOCH, 2011, p. 31):

Veremos que não temos a composição de texto. As causas disso podem estar na falta

de propósito para a escrita, na ausência de discussões sobre a importância de escrever sobre o

tema sugerido, na dificuldade dos alunos de se colocarem no papel de sujeitos escritores e,

paralelamente, na falta de reflexão sobre a situação de interlocução que norteia a produção de

textos.

Os autores dos textos 4 e 5 se utilizam de informações que são inverdades e lidam com

esses dados naturalmente, ferindo o princípio da aceitabilidade. Pensando sobre isso,

pressupomos algumas situações de ensino que contribuam para a ocorrência desse problema:

(a) os alunos escrevem os textos, mas suas produções não lhes são devolvidas; dessa

forma, imaginamos que eles acreditem que os seus textos não são lidos pela

professora;

(b) se não há interlocutor (auditório presumido, segundo PERELMAN e

OLBRECHTS-TYTECA, 2005), não há motivos para os alunos se esforçarem em

busca da adesão de um auditório que não existe;

(c) produzem texto para atender às exigências do currículo; assim, escrevem qualquer

coisa para atender às solicitações da professora;

(d) no processo de ensino, poucas leituras são propostas com vistas à formação do

sujeito; se não se lê (ou se lê pouco) e não se reflete sobre os textos, os alunos não

são levados a pensar sobre interpretações possíveis que dos textos se possa

depreender.

Em outras passagens, os autores dos textos tentam expressar seus pontos de vista, mas

não conseguem estabelecer o locutor desses textos; ora se posicionam com distanciamento,

ora com maior aproximação.

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139

Ainda: não conseguem estabelecer uma sequência de ideias que atribuam à dissertação

argumentativa a qualidade de texto, dada a incoerência que nela está estabelecida.

Observemos alguns desses trechos:

Texto 4:

“O governo legalizou o uso da maconha”.

“Enfim, este ato traz muitos pensamentos, pois a sociedade não é composta apenas

por um, mas por milhares e milhares, o próprio governo vai ter muita dor de cabeça, e hoje

em dia é assim “os outros que se dane”, toda ação tem uma reação”.

Texto5:

“Na humanidade existe muitas pessoas á favor e não afavor, 60% não a favor lutam

para combater á maconha, e 40% lutam para que a maconha seja favorecida”.

“Eu por exemplo sou a favor, não fumo, mas não vai mudar em nada ser proibida ou

não”.

Esses enunciados se dispõem de forma a se traduzirem em “literalmente segmentos

congelados de linguagem”, que não guardam relação com uma situação de produção escrita

(PÉCORA, 1999, p 105). No caso dessas produções, o problema real se configura na falta de

ensino sobre a argumentação escrita.

Perante o exposto, perguntamo-nos: que práticas de leitura, escrita e análise linguística

são exercidas na escola?

Para Suassuna (2010), “a quantidade de leituras pode ser determinante na constituição

de uma ampla e diversificada história de leitor” (p. 150), assim como, “o aprendizado da

escrita é permanente e se traduz no desenvolvimento e na ampliação de sistemas simbólicos

de referência” (p.154).

Os textos observados poderiam ser ferramentas excelentes para o estudo de aspectos

da produção do gênero argumentativo. Teríamos como ponto de partida o texto dos próprios

alunos para pensar sobre aspectos da argumentação: a) que informações e afirmações são

válidas nesses textos?;b) em que momento os seus autores expressam os seus pontos de

vista?; c) esses pontos de vista convencem?; d) há argumentos plausíveis? e) o que pode ser

feito para que os textos convençam os seus leitores?; f) por que é importante conseguir

argumentar na sociedade em que vivemos?

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140

Além desses aspectos mais específicos da argumentação, os textos abrem

possibilidade para o estudo de aspectos da textualidade e da análise linguística. Geraldi

(2004), por exemplo, sustenta que a prática da análise linguística deverá partir da leitura dos

textos produzidos pelos alunos nas aulas de produção de texto, enfatizando que, no

planejamento das aulas de análise, o professor deverá elencar apenas um problema por vez.

Em suma, se relacionarmos esses textos ao ensino da argumentação, vemos que não

houve ensino e, numa relação estreita (talvez não direta), também não houve aprendizagem da

produção escrita.

Observemos o texto a seguir.

Texto 6 – Turma A

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O autor do texto 6 se posiciona claramente sobre o assunto, inclusive utilizando-se da

primeira pessoa do singular para marcar seu ponto de vista:

“Eu particularmente não concordo”.

Inicia seu texto contextualizando o assunto e segue apontando argumentos que visam à

sustentação de sua defesa.

“Sabemos que a maconha não é a pior droga que existe, mais se for legalizada

abrirar o caminho para as outras também serem legalizadas”.

Tenta introduzir uma informação que nos dá pistas de que tentou contra-argumentar:

“...mas no entanto a droga vai ficar ainda mais cara,...vão passar de bandidos para

comerciantes”.

Ao final de sua produção, rompe com tudo o que vem defendendo e não consegue

concluir a defesa de ponto de vista explicitado veementemente no início do texto. A

introdução do operador “mas” no último parágrafo dificulta o estabelecimento de qualquer

articulação com qualquer ideia dos parágrafos anteriores.

No que tange a esses aspectos, é importante registrar que, no ensino da argumentação:

(a) a contradição emerge da própria temática; o aluno teve dificuldade de articular

vozes e isso é aprendido (quando ensinado) na escola;

(b) também é possível trazer a contradição para o texto, desde que isso seja feito de

forma coerente;

(c) a escola tem que orientar a dizer o tempo todo qual é a tese defendida, bem como

negar teses contrárias (exigências da argumentação);

Ao longo do texto deixa transparecer vários problemas de ordem linguística que

poderão ser resolvidos com atividades de reflexão sobre a língua.

Um ponto nos chama a atenção: apesar do uso do “eu” em determinada circunstância,

mantém um discurso tão distante do interlocutor, que nos permite pensar que se relaciona com

um interlocutor qualquer, sem ter a preocupação maior de atender à especificidade do gênero

textual que está produzindo: “convencer ou persuadir através do arranjo dos diversos recursos

oferecidos pela língua é, numa formulação muito simples, a marca fundamental do texto

dissertativo-argumentativo”, (CITELLI, 1994, p. 07).

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142

Vejamos o texto que segue.

Texto 7 – Turma A

Apesar de problemas na escrita das palavras (ferindo as convenções ortográficas da

língua portuguesa), temos um texto em que o aluno, aparentemente, não está tão

desinformado para falar do tema em questão, apresentando dados ainda não visualizados em

outros textos.

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143

“Mesmo com um forte apoio da bancada de deputados esse direto ainda não foi

concedido...”.

“...porque por um fumante o seu parceiro chega a fumar 3 cigaros a mais”.

Expõe no 2º, 3º e 4º parágrafos argumentos favoráveis e não-favoráveis ao tema, sem

ainda deixar marcas de seu ponto de vista. Perde-se um pouco, quando tenta estabelecer uma

relação de causa e consequência entre a legalização do uso da maconha e a diminuição do

número de assaltos.

“Se a maconha for legalizada diminuiria o trafico e as guerras de guangue reduzindo

o numero de mortos, também de certa forma diminuiria os assaltos por dependência a

maconha”.

Identificamos algumas marcas do discurso orientado pela professora A, no que diz

respeito a algumas expressões básicas a serviço da coesão textual, tais como, “contudo”, “em

resumo”, “temos também”.

O autor conclui o texto expressando sua opinião, sustentando-a nos argumentos

apresentados anteriormente e reafirmando um destes:

“...pela falta de extrutura e por razões de modo d convivência dentro da sociedade”.

Ao longo do texto, o aluno apresenta dificuldade de articular algumas ideias, deixando

transparecer marcas da oralidade na produção escrita.

Mediante o exposto, pressupomos que, se as situações de produção favorecessem os

diversos aspectos implicados na produção textual da argumentação escrita, tais como reflexão

sobre o gênero dissertativo-argumentativo, tomadas de ponto de vista, estratégias de

convencimento, os alunos conseguiriam se posicionar no papel de locutores de seus textos,

sendo capazes de desenvolver estratégias argumentativas com vistas a atenderem as

finalidades e os objetivos pretendidos (conseguir a adesão do auditório). Somando-se a isso,

pensamos que atividades (de fato) sistemáticas de escrita de textos, revisão e reescrita

contribuam para uma melhor qualidade das produções.

Vejamos mais outro texto.

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144

Texto 8 – Turma A

Sem fugir às dificuldades de escrita já apresentadas em outros textos, essa produção

segue a distribuição em parágrafos orientada pela professora A; o autor tentou desenvolver o

texto no esquema básico apresentado pela docente: introdução, desenvolvimento e conclusão.

Esse esquema também é orientado por alguns teóricos que pesquisam sobre a argumentação

escrita (CITELLI, 1994; SAVIOLI e FIORIN, 2001; XAVIER, 2001). Entretanto, essa

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145

estrutura não é apresentada com ênfase nos aspectos formais, levando-se também em conta os

aspectos discursivos nela implicados.

Considerando a artificialidade da situação de produção, sem definição de propósitos e

interlocutores para a atividade, o texto é extremamente vazio. O autor, para não deixar de

cumprir a atividade didática proposta, mal consegue explicitar o que acabara de ler no jornal

que lhe foi apresentado: (1) traz noções bem vagas sobre uma passeata que aconteceu em

algum lugar; (2) sugere dados baseados no senso comum de quem é contra a legalização da

maconha; (3) apresenta ideias circulares.

Em Geraldi (2003, p. 197), lemos: “pelas operações de argumentação, o enunciador

traz para o interior de seu texto ‘fatos’, ‘dados’, ‘conhecimentos’ que no texto se constituem

como argumentos”. Percebemos que o autor não consegue mobilizar essas estratégias no seu

texto.

Notemos:

“Fizeram uma passeata com a enteção de que a lei fosse aprovada ...”

“...como os evangélicos que não querem de jeito nenhum a legalização dessa droga,

eles alegam que se o Brasil já está assim com a maconha proibida imagine como ficari o pais

com ela legalizada....”

“A sociedade é divida em vários grupo.../Mas cada pessoa age e pença diferente e o

Brasil fica assim dividido...”

O autor do texto consegue explicitar seu ponto de vista, mas não consegue sustentar

sua tese. Falta-lhe a palavra.

Ao fim do texto, apenas consegue expressar uma posição que não corresponde à

pergunta que lhe foi feita (é para legalizar ou não o uso da maconha?). Assim, o aluno expõe:

“Mas eu acho que essa lei nunca vai ser aprovada nunca, porque se as outras leis não

funcionam imagine essa”.

Na prática, alguns encaminhamentos didáticos poderiam ser propostos para essa

produção, como:

(a) reconhecimento e análise de estratégias básicas presentes em textos

argumentativos;

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(b) estudo das formas de utilização de recursos linguísticos e organização do discurso

por diferentes autores em textos diversificados que tratassem de mesmos temas ou

de temas diferenciados;

(c) exploração dos aspectos discursivos com vistas à adesão de interlocutores nos

textos argumentativos;

(d) leitura dos textos produzidos pelos alunos e reflexão sobre os mesmos,

possibilitando a revisão e a reescrita dessas produções.

Observemos o texto seguinte.

Texto 9 – Turma A

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O autor do texto 9 divide sua produção em apenas dois parágrafos. Entretanto,

consegue explicitar um ponto de vista claro e sustentá-lo por meio de um argumento e da

justificativa desse argumento.

“Na nossa opinião a maconha não deve ser liberada/pois com a organização que o

Brasil tem seria um caos/ Ira aver muito mais crimes por conta do efeito da droga e

também para consumir mais drogas”.

Contudo, introduz um contra-argumento que, ao invés de assegurar a posição

assumida, vai gerar uma incoerência interna no texto:

“Mais por outro lado acabaria com boa parte das mortes por trafico de drogas, e na

nossa opinião acho que iria aver mais organização das bocas de fumo...”.

O autor usa marcas das orientações da professora como “na nossa opinião”, “mais

por outro lado”, “mas”, “porem”. Interessante é que, com essas fórmulas de produção

textual, o aluno teve dificuldade de lidar com o que conseguia operar como locutor e, ao

mesmo tempo, como as instruções que lhe foram repassadas, embora mobilizasse esses

operadores em favor do seu “projeto de dizer” (GERALDI, 2003).

Numa das construções, ele se posiciona como “na nossa opinião − utilizando o

possessivo ‘nosso’ como indicador de opinião compartilhada – e, em momento posterior,

utiliza o verbo ‘acho’ (1ª pessoa do singular). Em seguida, se distancia novamente e introduz

a 3ª pessoa do singular “de acordo com a sociedade...” – dando a ideia de impessoalidade − e

retoma a outra voz: “mais como isso é um assunto que não somos ...”

Ao final do texto, após expressar que sua voz não será ouvida, tenta concluir e acaba

introduzindo mais uma nova informação:

“Logo após a liberação da maconha, não teríamos mais paz com o tanto de drogados

na rua”.

A atividade de produção sugerida tinha referência em situações do cotidiano e todos os

alunos tinham opinião sobre a legalização da maconha, já que esse é um discurso

ideologizado, que está posto na sociedade. O que não houve foi a promoção de uma atividade

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que, tomando os discursos dos alunos, favorecesse o desenvolvimento da argumentação

escrita.

Seria pertinente, por exemplo, a professora reunir os textos e relê-los coletivamente,

fazendo um exercício de argumentação e contra-argumentação. Depois, poderia ser proposta

uma atividade de reescrita em que aqueles que são contra a legalização da maconha

incorporassem os contra-argumentos para dentro dos seus textos, refutando-os. Ainda: poderia

ser proposto o mesmo a quem tivesse sido a favor. Se não existissem teses favoráveis à

legalização, nesse caso, partir-se-ia para uma situação de “simulação” com o objetivo de

exercitar/manipular a linguagem em diversas operações discursivas.

3.3.2 Análise dos textos do 3º ano B

Na análise dos textos dessa turma, precisamos ponderar sobre em que medida o tema

em questão se caracterizaria como um tema controverso (aquele passível de debate, polêmica,

que gera discussão), sem desconsiderarmos, entretanto, que houve a realização de leitura de

textos-suporte e de um debate sobre o assunto em questão, cuja finalidade era dar subsídio

teórico aos alunos para as suas produções escritas.

Vejamos, então, as produções.

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Texto 1 – Turma B

O autor do texto não consegue atender às orientações sobre o gênero solicitado: nem

em termos estruturais nem, principalmente, no que diz respeito às estratégias do discurso

argumentativo, na medida em que tenta expressar que existe no Brasil o preconceito

linguístico, elaborando tentativas de ilustração com informações imprecisas.

É possível percebermos a tentativa de produção textual e de adequação ao tema, mas o

texto é muito vago, circular, com noções confusas.

Leiamos:

“No Brasil temos uma plena verdade sobre esta questão, que iniciou com a realidade,

como tem sido o preconceito no nosso país...”

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“Os povos, nações, tribos, tem uma variedade linguística diferente dos outros, sendo

que isso tem causado muita discussão...”

“Queremos as vezes ver erro na fala das outras pessoas...”

Não há expectativa de posicionamento sobre o assunto, nem pistas no discurso que nos

levem a perceber uma relação interlocutiva. Há falhas no projeto de produção textual, desde o

que dizer ao como dizer. É provável que esse seja um dos alunos que manifestou ser um

“desastre” na redação ou que estavam sem saber como iniciar a sua dissertação; ou ainda, que

mencionaram que o tema estava fora de contexto. Situações artificiais de produção textual

conduzem, inevitavelmente, a construções artificiais.

Nessa linha de reflexão, Suassuna (2009, p 54) registra:

Escrever na escola reduz-se, quase sempre, a produzir um texto acerca de um

tema proposto ou imposto [...] De outra parte, nossos alunos escrevem, via

de regra, para só um interlocutor. Ou, ainda, estão sugestionados pela

imagem feita desse interlocutor, que é o professor. Assim, colocados para

escrever, eles procuram fazê-lo de forma a agradar ao professor, ora dizendo

o que este já lhes dissera antes, ora fazendo considerações genéricas acerca

das coisas do mundo, através de um estilo escolar.

Visto que lidamos, neste estudo, com o ensino de textos argumentativos escritos,

indagamos: (1) que estratégias argumentativas foram desenvolvidas a partir dessa situação de

produção? (2) As condições de produção favoreceram a tomada de posicionamento por parte

dos alunos? (3) O encaminhamento didático em torno da relação leitura-escrita possibilitou a

apropriação de informações suficientes para os alunos desenvolverem seus textos? Que outras

estratégias didáticas contribuiriam para o desenvolvimento do senso crítico, da tomada de

posição, da defesa consistente de pontos de vista?

Algumas sugestões seriam:

i. realizar leituras diversas sobre o tema que, de fato, contribuíssem para a

ampliação do repertório de informações, à luz da argumentação como ação de

linguagem;

ii. conduzir os alunos a descobrirem/conhecerem sentidos possíveis de serem

extraídos dos textos;

iii. levar os alunos a refletirem, por meio da análise das marcas linguísticas

impressas nos textos, sobre os sentidos que não poderiam ser conferidos às

leituras realizadas;

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iv. ponderar sobre essas questões e relacioná-las ao texto escrito a ser produzido

pelos alunos;

v. observar estratégias de discurso para conseguir a adesão dos interlocutores;

vi. analisar com os alunos os aspectos constitutivos do texto escrito argumentativo

(tese, argumentos, contra-argumentos, refutações, conclusões);

vii. observar como e quais elementos linguísticos podem favorecer a argumentação

escrita, em função do gênero solicitado e dos interlocutores de cada texto.

Analisemos outra produção.

Texto 2 - Turma B

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Observando o texto 2, temos o reflexo de uma produção com a apresentação de

informações imprecisas:

“O preconceito no Nordeste se basea muito na fala da língua portuguesa, por falar

um pouco errado e se expressar de maneira errada”.

Pensemos: a que informação o autor faz referência quando menciona “se basea muito

na fala da língua portuguesa”? Afinal, de que outra língua se estaria falando senão da nossa

língua materna? É possível que ele esteja querendo fazer referência ao português padrão, já

que a leitura do segundo texto-suporte sugeria isso. Mas, a falta de clareza na apresentação

dessa ideia compromete a introdução.

O aluno segue fazendo tentativas de adequação ao tema, mas não consegue ultrapassar

a dimensão das dicotomias certo/errado e falar/escrever. Busca atender às orientações em

torno da estrutura da dissertação, utilizando a noção de parágrafos (introdução –

desenvolvimento – conclusão) apresentando no último a convencional forma de conclusão

“enfim”, sem conseguir apresentar um ponto de vista claro e nem estabelecer uma relação

coesiva entre as informações expressas.

No decorrer do texto, apresenta um dado que até seria interessante, se fosse utilizado

como argumento e defendido de maneira consistente:

“...então, a fala nordestina que é retratada de forma errada nas novelas de televisão...”.

Essa informação, entretanto, é posta de forma muito superficial e, dentro de um texto

vago, não vem contribuir para o que poderia ser um indício de argumentação.

Identificamos marcas de uma insuficiência de dados que nos fazem pressupor que nem

o tema, nem os encaminhamentos didáticos em relação à leitura/escrita contribuíram para a

construção desse texto.

Em linhas gerais, sintetizando as impressões sobre os textos 1 e 2, encontramos em

Suassuna (2009, p. 74) que “[...] a manutenção das condições ‘escolares’ de produção do texto

escrito pouco alterou a qualidade das redações que recebemos, as quais continuam artificiais,

padronizadas e carregadas de erros gramaticais e problemas”. Nesse sentido, os alunos não

conseguiram realizar a produção do gênero solicitado.

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Texto 3 – Turma B

O texto 3 nos conduz a indícios de um texto dissertativo. O autor contextualiza a

questão do preconceito linguístico e expõe, logo no primeiro parágrafo, de forma não incisiva,

a existência deste; não se posiciona, contudo, em relação ao tema. Nos dois parágrafos que

seguem, argumenta sobre o fato de existir “certa forma de preconceito”, citando exemplos de

situações que ocorrem com nordestinos e acrescentando uma informação, retirada do texto

que havia acabado de ler, sobre a linguística, sem fazer, no entanto, as referências devidas.

“A linguística defende que uma vez entendida a mensagem, não há questionamento...”

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Ao mesmo tempo, antecipa um contra-argumento, justificando em outras palavras, que

o fato de uma ciência da linguagem admitir a variação não implica dizer que os usuários de

uma língua devam “falar errado”. Assim, argumenta:

“...mas isso não justifica que uma pessoa tenha que falar errado”.

Por esses discursos, vemos que a noção de preconceito linguístico apontada pelo aluno

está associada à noção equivocada do falar certo ou errado; o autor não consegue sustentar a

sua tese com base em outros argumentos ligados à variação linguística: região geográfica,

questão histórica, grau de escolaridade dos nordestinos, etc., o que mereceria, portanto, uma

intervenção didática.

No último parágrafo, o aluno deixa marcas de uma possibilidade de conclusão, não

configurando necessariamente numa afirmação de base argumentativa consistente, mas

apresentando uma solução para o problema exposto no texto − preconceito. Aliás, essa

orientação acerca de apresentação de solução/soluções para possíveis problemas explicitados

nas dissertações era uma das orientações da Professora ao circular na sala entre os alunos.

Vemos ainda pistas linguísticas que asseguram o atendimento às orientações da

professora B na organização estrutural do texto: um parágrafo para a introdução, dois para o

desenvolvimento e um para a conclusão. É um texto previsível, que se caracteriza mais pela

reprodução do que foi lido nos textos-suporte que pela própria autoria do sujeito. É o lugar-

comum que, segundo Pécora (2002, p. 106), “é, na verdade, um lugar de ninguém[...]”.

Lembramos aqui a nossa pergunta de pesquisa: o ensino da argumentação tem

possibilitado o desenvolvimento de habilidades argumentativas? Se argumentar é defender

ideias, com vistas à adesão do interlocutor e para isso o enunciador precisa elaborar

estratégias de persuasão, onde está o posicionamento desse locutor?

Em termos de texto produzido, vemos que:

i. essa redação tem um bom padrão de textualidade, com informações que não

fogem à temática sugerida;

i. há poucos problemas relacionados à grafia e à pontuação, de forma que se o

texto fosse lido em voz alta, o ouvinte não perceberia nele qualquer problema.

Mas, no aspecto discursivo o texto é frágil. O que lhe falta, então, para ser um texto

argumentativo de verdade? Diríamos que, diante das atividades escritas propostas em sala de

aula e fortemente marcadas pelo ensino tradicional, falta voz ao autor do texto.

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Nesse sentido, Val (2006, p. 109) nos lembra: “o aluno acaba por entender que, para a

escola, o mais proveitoso é fazer uma redação certinha, ainda que frágil de conteúdo”.

Atentemos para mais algumas produções.

Texto 4 – Turma B

Na leitura do texto 4, vimos o atendimento aos aspectos estruturais do texto

dissertativo-argumentativo, tal como havia sido orientado pela professora B: quatro

parágrafos e as respectivas divisões estabelecidas para eles, além da adequação ao tema

proposto. A questão é que o atendimento à forma não garante a boa qualidade do conteúdo.

À luz de vários teóricos já citados nesta pesquisa, a proposta do ensino de língua

portuguesa com base nos gêneros de texto se sustenta na ideia de que, por meio deles, o

professor tem grandes possibilidades de desenvolver um planejamento de escrita com os

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alunos, buscando, acima de tudo, a reflexão e o entendimento sobre os aspectos discursivos

implicados nos diferentes gêneros.

É assim que sugerimos que um trabalho metódico e sistemático com gêneros textuais

permitiria uma maior abertura para vislumbrar questões acerca da produção de textos. Entre

esses aspectos, estão as diferentes funções da linguagem, a variedade de formas de

organização textual e as possibilidades de uso dos recursos linguísticos como resultado das

escolhas de quem produz o texto e das necessidades de cada situação de produção (p.25)

Somando-se a isso, nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,

1999, p. 22), afirma-se:

De qualquer forma, o sujeito que produz a linguagem é único, bem como a

situação de produção. O uso depende de se ter conhecimento sobre o

dito/escrito (a leitura/análise), a escolha de gêneros e tipos de discurso. Tais

escolhas refletem conhecimento e domínio de “contratos” textuais não

declarados, mas que estão implícitos. Tais contratos exigem que se

fale/escreva desta ou daquela foram, segundo este ou aquele modo/gênero.

Disso saem as formas textuais.

Mediante o exposto e relacionando-o com o texto 4, podemos dizer que o aluno não

tem o domínio dos “contratos textuais” que estão implicados no gênero dissertativo-

argumentativo, em termos linguísticos e discursivos.

Essa produção se desvela numa descrição das formas de preconceito sem que esse

recurso seja utilizado como um argumento para dar consistência ao ponto de vista do autor.

Este, por sua vez, entende que o preconceito se dá por conta do sotaque34

, não conseguindo

estabelecer uma visão que ultrapasse o aspecto fonético da língua. Não estamos aqui

desconsiderando o sotaque dos falantes de uma língua como um fator que evidencia a

diferença, mas observando a inabilidade do produtor do texto de lidar com outros fatores

linguísticos.

Uma outra característica do texto 4 é o envolvimento emocional do autor, deixando

indícios de que foi uma possível vítima de preconceito linguístico.

“isso acontece muito e as pessoas não veêm que é importante para nos, pois elas

podem não perceber mais magoam agente, com palavras, com ate mesmo um simples olhar,

fazem nos sentir indiferentes”.

34

Trask (2001, p. 281) declara: “É importante ter consciência de que todo mundo tem um sotaque: é impossível

falar uma língua sem usar um ou outro. Naturalmente, cada um de nós considera certos sotaques como mais

próximos do que outros, ou como mais prestigiosos do que outros, mas essa é outra história: apenas os sotaques

que diferem fortemente do nosso próprio chamam mais a nossa atenção”.

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O professor deveria, então, problematizar essa “solução” que é segregadora,

aproveitando o momento para lidar com questões sobre a produção de argumentos

consistentes, quando se deseja a adesão dos interlocutores.

Por fim, numa tentativa de concluir a exposição de informações, o autor enfatiza:

“Podem ter o sutaque deles, e nós temos o nosso”.

É um texto marcado pela circularidade e pela ausência de tomada da palavra pelo

autor, que se coloca na posição de vítima da situação e não consegue atender ao objetivo

maior numa argumentação: usar a linguagem para agir sobre o outro (KOCH, 2006).

Texto 5 – Turma B

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O texto 5 dá indícios de que o autor tem dificuldade na manipulação do código escrito

(convenções da língua portuguesa) o que prejudica a leitura e a compreensão dessa produção.

Ainda que manifeste no primeiro parágrafo a sua posição acerca da existência do

preconceito linguístico, não consegue desenvolver estratégias de persuasão, comprometendo a

sequência de ideias por meio da forma inadequada de uso de conectivos.

“Existe preconceito linguístico com os nordestino/ e sofre muito com as pessoas do

Sul e Suldeste...”

Contudo, na tentativa (acreditamos) de atender à atividade solicitada pela professora,

mobiliza algumas informações oriundas da discussão que ocorreu em sala, ainda que o faça de

forma muito confusa. Vejamos alguns pontos:

(1) a introdução do termo “educação formal” e o acesso aos bens culturais da elite,

deixando implícita a ideia de que somente as pessoas que têm ascensão social

dispõem do que seria uma “linguagem bonita”;

“...as pessoas do Suldeste pensam que nos não temos uma educção formal e aos bens

cultural da elite, e por isso a linguagem é considerada feia, pobre,...

(2) a reprodução de um argumento que foi mencionado no decorrer das discussões

sobre o tema: as novelas insistem em expor um perfil de nordestino que

necessariamente não corresponde à realidade desse povo, argumento esse que vai

ser utilizado pelo autor em sua conclusão;

“E um verdadeiro aciente aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala

nordestisna é retratada nas novelas, minissérie no plano linguístico, e também atores não-

nordestino apresenta-Se num arremendo de língua que não e falada em lugar nenhum do

pais, muito menos no nordeste”.

Parece-nos que nosso produtor arrisca-se, num processo (diríamos) meio intuitivo a

dar conta da tarefa sugerida na escola e, dessa forma, vai lidando com as informações que por

ora lhes são permitidas. Agrega as informações mais gerais sobre a estrutura do texto

dissertativo e lança mão das estratégias que conhece para não deixar de elaborar a sua

produção.

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Pensamos que, se os contextos de produção textual nessa turma fossem vivenciados

dentro de uma prática articulada de linguagem (oralidade/leitura/escrita/reflexão sobre a

língua), o autor desse texto teria a possibilidade de operar com os elementos que a língua lhe

oferece para, com efeito, argumentar por escrito sobre variados temas.

Vejamos o texto a seguir.

Texto 6 – Turma B

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Temos mais um texto que não foge à regra da estrutura da dissertação: parágrafos bem

definidos para cada parte desse gênero. No entanto, em termos de conteúdo, também não se

distancia da falta de conteúdo visualizada em outras produções: baixo nível de

informatividade e imprecisão nas ideias colocadas.

Analisemos alguns aspectos:

(1) o texto deixa pistas de que, para o autor, são os “erros da fala” os responsáveis

pelo preconceito linguístico;

“...pois somos muitos apontados pelos erros da nossa fala...”

(2) o aluno reproduz a fala da professora B, no que se refere à relação da leitura com

a fala e com a escrita: quem lê, monitora o seu discurso e assim não erra; de igual

modo, quem lê, escreve bem;

“Em muitos casos falos Errados porque não somos um bom leitor, um bom leitor

não Escreve Errado e prestar muito atenção quando vai falar”.

“Para que isso não aconteça, temos que se dedicar a ler mais um pouco...”

(3) o aluno afirma sem fundamento algum que o nordestino não tem tempo para ler;

aparenta desejar escrever qualquer coisa que lhe permita encerrar a tarefa de

produzir o seu texto;

“O nordestino Ele não tem tempo para ler e sim trabalhar e nem para Estudar”.

(4) ainda: em decorrência da falta do que dizer, apresenta um vocabulário pobre e de

um esvaziamento semântico que impressiona por se tratar de um estudante no

último ano de sua escolaridade básica; sobre esse aspecto, Pécora (1999, p. 50)

registra: “o vocabulário é pobre porque, ao mesmo tempo que preenche espaço,

esvazia semanticamente o texto”.

“Para que isso não aconteça, temos que se dedicar a ler mais um pouco e prestar

mais atenção Em mudanças nas formas que a língua Portuguesa aborda para não

sofre mais um pouco de preconceito”.

Para além dos vários problemas que podem ser visualizados (não-atendimento às

convenções ortográficas da língua, dificuldade de expor e estabelecer uma sequência entre as

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ideias, dificuldade de usar recursos coesivos, etc.) os textos são de uma insuficiência de dados

tal, que parece que os alunos estavam (ou são) alheios ao tema em questão.

As ideias ora se agregam ao senso comum e às generalizações (os nordestinos sofrem

preconceito), ora se fundamentam em informações inválidas (os nordestinos não têm tempo

para ler), que nos levam a questionar: de onde se originam essas informações? O que faz os

leitores expressarem informações que não podem ser confirmadas?

Silva (2002, p. 68) comentando sobre algumas questões de produção textual, expõe a

ocorrência de “Frases sem sentido, parágrafos sem ligação, problemas de concordância,

incoerência, estorinhas banais, tentativas poéticas etc.”. E acrescenta: “será que esses alunos

jamais redigiram? Será que a escrita perdeu mesmo a sua utilidade nesta sociedade imagética?

Será que não houve orientação de redação em níveis educacionais anteriores? [...]”

Esses também são algumas perguntas que nos fazemos, mediante as produções por ora

analisadas.

Vejamos mais algumas produções.

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Texto 7 – Turma B

No texto 7, o autor já relaciona (como os demais) o preconceito ao povo nordestino

logo no primeiro parágrafo.

“No Nordeste a muitas pessoas que sofrem com o preconceito só pelo modo de se

expressar...”

O diferencial (se assim podemos comentar) é que ele vai fazer uma espécie de

denúncia a alguém (seu possível interlocutor) sobre a postura dos paulistanos e dos cariocas.

“Os paulistanos, cariocas são um dos principais a crítica o nordestino”.

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Nesse sentido, apresenta justificativas para argumentar sobre o fato de os nordestinos

terem o direito a se expressarem como quiserem, mas não argumenta sobre a existência do

preconceito ou não.

“Mas não sabe eles que cada um tem seu modo de expressar, porque nordeste não tem

pessoas papagaios para ficar imitando o modo de outras pessoas de se expressar.

Se estivéssemos lidando com um gênero textual que permitisse uma abertura a uma

linguagem mais informal, a alusão que o autor faz ao papagaio, por exemplo, não seria

efetivamente um problema. Mas, em se tratando de um texto dissertativo-argumentativo, a

adequação à linguagem formal é uma dos requisitos do sucesso do texto.

Vemos, nesse caso, a possibilidade de um bom trabalho de reflexão sobre a língua, em

termos dos discursos que nos são autorizados em determinadas situações. Basta lembrar-nos

que Geraldi (2003) sugere sobre levar os alunos a perceberem que o que pode ser defeito em

um texto pode ser qualidade em outro. Eis uma das funções do professor de língua portuguesa

no eixo produção textual.

Considerando que os textos analisados até o momento davam indícios de que os

alunos escreviam unicamente à professora solicitante da tarefa, esse texto apresenta uma

relativa de originalidade em termos de orientar o discurso a um interlocutor que

necessariamente não seja a referida docente. Não podemos, entretanto, afirmar que o aluno

fez isso de forma consciente.

Notemos:

“Mas isto deve mudar porque cada um tem seu modo de se empor e só porque se

emponhe um pouco melhor ou fala melhor que outro não critique...”

Podemos visualizar, também, um indício da ideia dicotômica certo/errado em relação à

variedade padrão e a não-padrão, assemelhando-se ao discurso elaborado quando o tema é

variação linguística.

No que se refere à adequação ao tema, vimos que o aluno atende a essa exigência,

utilizando recursos coesivos para encadear a sua argumentação. Há problemas de atendimento

às normas da língua de ordens diversas (pontuação, acentuação, concordância) que marcam

todo o texto.

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Por fim, o autor tenta concluir o seu texto, momento em que nos deixa dúvidas sobre o

interlocutor com quem ele está se relacionando.

“...porque pode chegar o seu dia de ser criticado e a sua crítica pode ser maior do

que a que você fez. Não seja um preconceituoso, lute contra o preconceito que a no Brasil.

Principalmente no Nordeste”.

A nosso ver, no final de tudo, não se constitui, de fato, uma dissertação argumentativa.

Mas, com um pouco mais de trabalho sistemático em torno da escrita, talvez pudesse ser uma

crônica bem interessante (e a argumentação estaria aí presente). O que lhe falta então para ser

um bom texto argumentativo? Não há respostas por enquanto, mas acreditamos que possamos

ao final deste estudo apontar alguns caminhos em direção a mudanças.

Texto 8 – Turma B

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O texto 8 é um texto bem previsível e, portanto, marcado pela pouca informatividade,

seu autor não consegue se posicionar sobre o tema com clareza, nem argumentar de forma a

persuadir o outro.

“O preconceito linguístico existe em todos os lugares do Brasil mais quem sofre esse

preconceito maior ainda são o povo nordestino”.

Pauta-se pelas generalizações, pelo senso comum e pela circularidade de informações.

Vejamos:

(1) Reforça a ideia de que o “povo do Sul” é o maior responsável pelo preconceito em

relação aos nordestinos.

“No Brasil o preconceito linguístico mais o lugar que mais sofre é o nordeste e quem

faz essa discriminação são o povo do Sul que diz que as pessoas do nordeste fala

errado”.

(2) Vê a diferença de sotaque como a causa do preconceito.

“O nordestino quando sai daqui pra outros lugares como exemplo São Paulo ele sofre

grande preconceito porque o povo de São Paulo tem um sutaque diferente...”

(3) Deixa implícita uma informação equivocada ao mencionar “povo do Sul” e, logo

depois, fazer referência a São Paulo. Repete a mesma ideia no primeiro, segundo e

último parágrafos do texto.

“Concluir que o nordeste é um dos lugares que mais sofrem preconceito linguísticos

por causa da sua maneira de falar e quem faz essa discriminação são mais o povo do

Sul”.

Temos aqui o que Pécora (1999) chama de problemas de argumentação, atentando

para o fato de que esses problemas não devem ser entendidos como problemas na

manipulação de artifícios linguísticos, mas como problemas que afetam as próprias condições

de produção do discurso.

Ainda segundo esse autor, uma das razões pelas quais os textos fracassam se dá em

função da dificuldade do produtor de intuir ou prever as especificidades de seu interlocutor.

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Vemos que vários são os problemas do texto (tanto linguísticos como discursivos) e

estes não permitem ao leitor estabelecer quais as intenções do produtor ao escrevê-lo.

Interessante é que nos PCN de Língua Portuguesa para o ensino médio (BRASIL,

1999, p. 22) encontramos:

A competência do aluno depende, principalmente, do poder dizer/escrever,

de ser alguém que merece ser ouvido/lido. A escola não pode garantir o uso

da linguagem fora do seu espaço, mas deve garantir tal exercício de uso

amplo no seu espaço, como forma de instrumentalizar o aluno para o seu

desempenho social. Armá-lo para poder competir em situação de igualdade

com aqueles que julgam ter o domínio social da língua.

Nessa mesma perspectiva, a BCC-PE (PERNAMBUCO, 2008, p. 61) indica: “As

escolhas efetuadas pelo professor é que determinam, de certa maneira, a qualidade das

aprendizagens realizadas pelos alunos”. De igual modo, esse documento referenda que o

aluno da rede pública estadual seja levado a saber adequar-se às condições de interação, o que

significa ser capaz de ajustar-se à imensa variedade de situações sociais em que o evento

comunicativo se insere.

Corroborando essas noções, as Orientações Metodológicas para o ensino de língua

portuguesa no ensino médio (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6) recomendam ao professor:

Desenvolver nos estudantes habilidades de produzir textos escritos que

exigem maior complexidade em sua elaboração, de gêneros variados e com

diferentes funções, adequados aos interlocutores pretendidos, a seus

objetivos, à natureza do assunto e à condições gerais de produção.

Considerando, pois, todos os textos analisados, vimos que pouco do que está definido

ou sugerido no que diz respeito ao ensino-aprendizagem da produção de textos (no nosso

caso) da produção de textos argumentativos escritos está sendo efetivado nas aulas de língua

portuguesa.

Para Suassuna (2009, p. 79), “a escola controla as condições de produção escrita,

padronizando os discursos, negando a diversidade de tipos de textos, com suas respectivas

especificidades e funções”.

Quando, contudo, tenta-se inserir essa variedade de textos, na sala de aula, propicia-se

uma entrada equivocada, marcada por situações superficiais de leitura e de produção textual.

É assim, que artificializado o ensino, as produções de texto dos alunos se configuram também

em produções artificiais, que pouco informam, pouco dizem e nada acrescentam aos seus

leitores.

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No caso da argumentação, perde-se o foco do desenvolvimento das estratégias

discursivas que propiciem aos estudantes o posicionamento em relação ao outro. Aliás, eis um

grande problema: quem é o outro nessas circunstâncias?

Na maioria das vezes, os alunos foram levados a produzir os seus textos sem

conhecimento das finalidades de escrita, das razões pelas quais poderiam ou deveriam

escrever e mesmo de seus destinatários e, portanto, de alguém com quem os locutores

pudessem dialogar ou argumentar. Afinal de contas, não se diz algo para ninguém. Ninguém

se sente motivado a argumentar sobre o que não conhece, acerca do que não acredita e sem

saber para quem e para que irá argumentar.

Ora, a língua é dialógica, mas nas relações de produção de texto argumentativo aqui

descritas, a dialogia ficou somente no discurso das docentes, porque aos alunos, nas situações

de produção de textos escritos, esse conhecimento ainda não foi permitido.

Apoiando-nos em Geraldi (2003, p. 137) dizemos: “a observação mais despretensiosa

do ato de escrever para a escola pode mostrar que, pelos textos produzidos, há muita escrita e

pouco texto (ou discurso)”.

Perante o exposto, os resultados indicaram que:

(a) tendo em vista a noção de argumentação do nosso estudo, os alunos conseguiram

mobilizar, por vezes, a tese que desejavam defender; entretanto, na falta de uma

prática docente que favorecesse a apresentação de argumentos, poucos alunos

justificaram suas posições de maneira a garantir a persuasão dos interlocutores;

(b) não havendo ensino sobre as “estratégias do dizer” nos textos escritos, os alunos

elaboraram argumentos pouco ou nada convincentes;

(c) as leituras sugeridas e as suas formas de condução, nas aulas de português, foram

insuficientes para assegurar o repertório de informações que pudesse ser utilizado

no decorrer da defesa das teses;

(d) ainda sobre as leituras, podemos dizer que estas se esgotavam na busca de

informações superficiais; em momento algum, foram utilizadas em favor dos

alunos de modo a que eles construíssem estratégias de defesa ou refutação de

teses;

(e) os alunos não foram levados a confrontarem suas posições, de forma a favorecer a

construção de argumentos e contra-argumentos; os debates, embora ricos,

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encerravam-se na exposição de ideias; não havia problematização quando os

argumentos não eram aceitáveis;

(f) atividades de estudo dos textos produzidos, revisão e reescrita não eram

proporcionadas aos alunos;

(g) como havia um apego das professoras aos aspectos estruturais do texto

dissertativo-argumentativo (introdução, desenvolvimento e conclusão), os alunos

realizavam tentativas de atendimento a essa estrutura sem, muitas vezes, fazerem

isso em função de seus “projetos de dizer”;

(h) as professoras falavam sobre coesão e coerência como se fossem aspectos fixos

dentro de textos e de textos argumentativos. Não havia discussão no que se refere à

compreensão de como os elementos coesivos poderiam colaborar no

estabelecimento de efeitos pretendidos com o texto; nos textos dos alunos, vimos

algumas passagens em que os operadores argumentativos não funcionam a favor

da argumentação.

Após a análise e discussão dos dados de nossa pesquisa, o tópico seguinte destina-se à

apresentação de nossas reflexões gerais sobre o que visualizamos no ensino da argumentação

escrita e sua relação com as estratégias desenvolvidas por alunos nos momentos de produção

textual.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As inquietações que levaram à realização de nossa pesquisa acabaram por suscitar

outras a partir dos dados encontrados. Por conta disso, as considerações que ora fazemos

dizem respeito às impressões que tivemos no decorrer de todo o percurso e não podem se

configurar em generalizações acerca do ensino de língua portuguesa, até porque o nosso

corpus contemplou uma pequena parcela de ações e de atores envolvidos no dia a dia de duas

escolas apenas.

No decorrer deste estudo, entretanto, obtivemos um material bastante interessante no

que diz respeito ao ensino de produção de textos/textos argumentativos, o qual não poderia ser

transcrito em toda a sua amplitude.

A nossa pesquisa de campo transcorreu em duas escolas da rede pública estadual de

ensino de Pernambuco, situadas no município de Camaragibe (PE) e definidas a partir de

critérios já citados neste estudo; nelas observamos eventos de aula de português em duas

turmas de 3º ano do ensino médio.

Em termos gerais, a nossa pesquisa objetivou analisar práticas de ensino de produção

de textos argumentativos escritos e verificar as possíveis relações entre essas práticas e as

estratégias argumentativas utilizadas pelos alunos.

Por esse caminho, apoiando-nos na concepção de argumentação como uma ação de

linguagem que se estabelece numa relação dialógica com vistas à adesão de um auditório

particular (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005), buscávamos compreender as

relações de sala de aula e a resposta para uma questão: o ensino da argumentação tem

favorecido o desenvolvimento de habilidades argumentativas? Para isso, tomamos por base

determinadas noções teóricas de (1) língua, (2) texto, (3) argumentação e (4) texto escrito

argumentativo.

Nesse sentido, adotamos a concepção de língua como discurso, na perspectiva de

Bakhtin (2010); de texto como unidade significativa, com fundamento nos estudos de

Bronckart (2007), Marcuschi (2009), Savioli e Fiorin (2001), Val (2006) e Koch (2006); de

texto argumentativo como aquele que se configura na apresentação de uma tese, a ser

defendida por meio de argumentos com vistas a conseguir a adesão do interlocutor (LEAL e

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MORAIS, 2006; PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; SCHNEUWLY e DOLZ,

2010).

Inicialmente, nosso olhar estava direcionado para os discursos das professoras de

língua portuguesa envolvidas nesta pesquisa, com vistas a identificar as concepções de língua,

texto e argumentação que fundamentavam as práticas dessas docentes. Assim é que, por meio

das entrevistas semiestruturadas, observamos que:

i. as professoras tinham um discurso elaborado acerca do trabalho com textos

e definiam o texto argumentativo como um gênero que pode favorecer o

desenvolvimento do senso crítico dos alunos;

ii. as falas evidenciaram que as professoras se preocupavam em desenvolver

atividades com esse texto que ora se destinavam ao desenvolvimento da

tomada de posição e da defesa de argumentos, ora se concentravam nos

aspectos formais do texto: introdução, desenvolvimento e conclusão; estes

últimos, por sinal, foram mais evidenciados;

iii. aspectos referentes à textualidade eram trabalhados na perspectiva

conceito-exemplo-uso e não na ordem uso-reflexão-conceito, o que nos fez

pressupor que a concepção de língua que estava subjacente à prática das

docentes era a de língua como estrutura e não como interação; isso, de

alguma forma, foi explicitado nos encaminhamentos didáticos das

professoras A e B, por ocasião do período de observação de aulas;

iv. embora dissessem priorizar o desenvolvimento das habilidades

argumentativas dos alunos com vistas à formação de sujeitos críticos e

reflexivos, as professoras tinham uma preocupação essencial com a

preparação dos estudantes para a aprovação no ENEM e em concursos

vestibulares locais, não deixando indícios de que o objetivo maior era, com

efeito, o desenvolvimento dessas competências para assegurar a palavra aos

alunos;

v. ambas as professoras concebiam a leitura como base para uma boa

produção escrita, estabelecendo uma relação direta entre esses dois eixos;

por conta disso, as atividades de produção textual eram sempre precedidas

da leitura de textos-suporte sobre os temas por elas selecionados;

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vi. como consequência da relação estabelecida entre leitura e escrita, as

professoras A e B atribuíam a má qualidade dos textos produzidos à falta

de leitura dos alunos; não conseguiam, entretanto, se sentir parte integrante

do processo de mediação de leitura a ser desenvolvida na instituição

escolar, e mais especificamente, nas aulas de LP;

vii. as docentes promoviam sessões de debate em pequenos e grandes grupos,

com vistas a desenvolver a argumentação dos alunos; segundo elas, essa

atividade contribuía para a construção de argumentos que, por sua vez,

seriam utilizados no momento da produção escrita;

viii. as professoras concebiam algumas condições básicas para o

desenvolvimento da argumentação, tais como a necessidade de um tema

passível de debate, a apresentação de pontos de vista e a importância de

justificativas que sustentassem a tese a ser defendida; de igual modo, nos

deram indícios de que trabalhavam com a produção de textos de forma

sistemática, o que implicaria mais leituras de textos;

ix. as docentes deram pistas de que estavam num processo de transição entre o

ensino tradicional, cujas bases estão na gramática normativa, e as novas

perspectivas pedagógicas que situam o texto como objeto de estudo; em

seus depoimentos, evidenciaram que lidar com o texto é importante (tanto

em termos de leitura como em termos de escrita), mas que o domínio da

norma padrão é que iria assegurar aos seus alunos as competências

necessárias para os processos de leitura e de produção textuais.

De uma forma geral, as entrevistas nos levaram a pressupor que as professoras A e B

estavam num momento de conflito de identidade docente (MENDONÇA, 2006). Isso porque

faziam tentativas constantes de situar o texto como o centro das atividades pedagógicas, ao

mesmo tempo em que não conseguiam se desvincular dos conteúdos de gramática na

perspectiva do ensino das normas e das regras de emprego da variedade culta da língua.

Na segunda fase de nosso estudo, procuramos analisar as situações didáticas em que

eram propostas as produções de texto. Dessa forma, realizamos as observações de aula, que

foram registradas em diários de campo.

Para fundamentar as nossas análises, buscamos subsídio teórico nas pesquisas

desenvolvidas sobre o ensino de língua portuguesa, assim como sobre o ensino da produção

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de textos na escola. Nessa perspectiva, encontramos suporte basicamente em Suassuna (2009,

2010), Geraldi (2003, 2004), Antunes (2003), Leal e Albuquerque (2007).

Os registros de aula nos apontaram que:

i. as tarefas propostas pelas professoras A e B não tinham referência nas práticas

de linguagem do dia a dia; ainda que os textos produzidos (dissertação e

resenha) se configurassem em gêneros textuais que circulam em espaços

sociais e historicamente constituídos (XAVIER, 2001), as produções

solicitadas não partiam da reflexão sobre as funções de escrita implicadas

nesses textos;

ii. as discussões que antecediam as produções eram momentos ricos de

interlocução e de interação; os alunos, diante dos seus pares e vivenciando

situações reais de aprendizagem, viam-se na função de apresentar e defender

seus pontos de vista acerca de determinado tema e, nesse contexto, faziam

emergir argumentos diversos e consistentes para conseguirem a adesão dos

seus interlocutores reais; entretanto, nas produções escritas esses discursos

eram praticamente silenciados;

iii. em todas as situações didáticas de produção textual, as professoras

encaminhavam atividades de leitura como pretextos para a escrita, o que, de

acordo com Geraldi (2003), não se configura num problema em si, uma vez

que estabelece a própria relação de interlocução;

iv. não visualizamos objetivos definidos para os eventos de aula, o que nos fez

inferir que as aulas não eram necessariamente planejadas;

v. em termos de conteúdos privilegiados no ensino, observamos posturas que,

inicialmente, acreditávamos serem distintas, mas que, ao término das

observações, convergiram para o ensino da gramática normativa; a professora

A privilegiou, na maioria de suas aulas, a abordagem de conteúdos gramaticais,

dedicando apenas duas delas à produção textual; já a professora B favoreceu a

produção de textos na maior parte dos encontros; as lacunas se estabeleceram

nas situações didáticas em que eram propostas as produções textuais, dada a

artificialidade desses contextos de produção; essa professora, ao orientar os

alunos para a avaliação da unidade, elencou conteúdos da gramática como o

objeto dessa avaliação;

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vi. ainda que os textos-suporte selecionados como introdutórios às temáticas das

aulas propiciassem a exploração de diversos aspectos, os elementos discursivos

nunca eram privilegiados; as análises propostas pelas professoras limitavam-se

à identificação das ideias principais contidas nos textos; os alunos não eram

levados a pensar sobre os textos lidos, buscando identificar neles estratégias de

argumentação, posicionamento dos autores, efeitos de sentido pretendidos etc.;

vii. os alunos não sabiam dos objetivos e das finalidades das produções de texto

que lhes eram propostas, não havendo discussão sobre o que era argumentação,

nem sobre a importância de escrever acerca dos temas sugeridos;

viii. as orientações mais específicas para as produções de texto diziam respeito ao

atendimento da divisão do texto em parágrafos e às respectivas partes de uma

dissertação: introdução, desenvolvimento e conclusão; eram privilegiadas as

instruções sobre o que os alunos não deveriam apresentar em seus textos, em

detrimento de orientações relativas às estratégias propriamente ditas do dizer;

ix. tendo por base os paradigmas atuais para o ensino de língua portuguesa, não

vimos uma articulação entre os eixos leitura, oralidade, produção de texto e

análise linguística; na realidade, as professoras não deram indícios de que

tinham clareza/conhecimento dessa proposição metodológica;

x. para além do senso comum que existe em torno do perfil de discente nas redes

públicas de ensino, assistimos a eventos de aula em que os alunos explicitavam

o desejo de aprender a lidar com a sua própria língua em diversificadas

situações de comunicação. A dificuldade consistia no fato de que uma das

professoras, percebendo o desejo dos alunos de aprender a serem sujeitos

críticos, dava indícios de que não conseguia ultrapassar a perspectiva

normativo-prescritiva do ensino de língua portuguesa; consequentemente, não

efetivava uma prática pedagógica que propiciasse uma aprendizagem

significativa aos estudantes;

xi. ainda que nosso objeto de estudo não se relacionasse especificamente ao lugar

ocupado pelo livro didático nas aulas de língua materna, não poderíamos

deixar de registrar que as docentes envolvidas tinham esse instrumento como

suporte fundamental para as suas aulas; nesses termos, o que percebemos é que

o livro didático orientava os planos de ensino das professoras A e B, e lhes

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dava pistas para os encaminhamentos pedagógicos a serem desenvolvidos em

sala; nessa perspectiva, os autores dos livros didáticos utilizados se

configuraram em verdadeiros docentes de aulas de português.

Em síntese, as professoras tentavam, por vezes, realizar um trabalho diferenciado com

gêneros textuais argumentativos, mas acabavam se distanciando das práticas de ensino que

priorizam a apropriação dos gêneros numa perspectiva reflexiva e de constituição de

subjetividades.

Na sequência, realizamos a análise das produções de texto dos alunos, considerando os

contextos em que foram propostas essas produções. Nosso objetivo era analisar os textos dos

aprendizes, verificando as estratégias argumentativas mobilizadas por eles em suas produções.

Para tanto, tomamos por base os estudos de Pécora (1999), Val (2006), Geraldi (2003) e

Suassuna (2009; 2010).

As produções evidenciaram que:

i. contextos artificiais de produção textual conduzem a produções igualmente

artificiais (SUASSUNA, 2009);

ii. os alunos não conseguiram transpor as posições e os argumentos que eram

explicitados nas discussões orais para os seus textos escritos; desse modo, as

diferentes vozes que emergiam de um mesmo aluno por ocasião dos debates

eram silenciadas no momento da produção escrita;

iii. as leituras prévias propostas não conseguiram dotar os alunos de informações

suficientes para a construção dos seus textos;

iv. esses estudantes, ainda que no seu último ano de escolaridade básica,

demonstraram diversos problemas no trato com o texto argumentativo, tais

como: falta de domínio do código escrito, problemas de adequação ao tema,

informações imprecisas, incoerência, baixo nível de informatividade,

generalizações indevidas, falhas na estrutura e no encadeamento lógico de

ideias etc.;

v. acreditamos que, em virtude da ausência de reflexão sobre os aspectos

linguístico-discursivos implicados nos textos, os alunos desconheciam as

especificidades dos gêneros que foram instados a escrever;

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vi. diferentes sujeitos expostos às mesmas condições de produção escolar

transformam-se quase que em sujeitos semelhantes na elaboração de seus

textos: parecem querer atender ao discurso da escola.

Por tudo isso que foi exposto, o que de fato visualizamos?

(1) As mudanças no ensino de língua portuguesa estão começando a ocorrer e são,

possivelmente, resultados de pesquisas e discussões sobre linguagem e ensino de

língua. Contudo, esses processos de mudança ainda são lentos e sugerem uma

revisão de ideologias e metodologias por parte das professoras envolvidas na

pesquisa (e provavelmente de outros docentes também).

(2) O texto tem ocupado um lugar de destaque nas aulas de português, mas a sua

inserção no ensino por vezes tem sido equivocada.

(3) Alguns professores se apropriaram do discurso sobre a importância e a necessidade

de um sistemático trabalho com gêneros textuais com vistas ao desenvolvimento

de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos, mas não têm conseguido

efetivar uma prática diferenciada, de modo a atender à nova proposta para o ensino

de língua portuguesa. Em virtude disso, temos um ensino de produção textual

centrado, predominantemente, nos aspectos composicionais dos textos.

(4) As situações de produção de texto argumentativo distanciam-se das finalidades

propostas no currículo para o ensino-aprendizagem desse gênero e não favorecem

significativamente o desenvolvimento das habilidades argumentativas dos alunos

em textos escritos.

Nessa perspectiva, defendemos que as situações de produção textual na escola sejam

significativas para os alunos; que se origem de temas nos quais os alunos estejam imersos (e

se não estiverem que lhes sejam apresentadas e discutidas as razões pelas quais será

importante escrever); que possibilitem aos estudantes se constituírem como sujeitos autores

dos seus próprios discursos.

O que percebemos, entretanto, é que, entre discursos e metodologias adotadas, temos

uma lacuna no processo de ensino-aprendizagem, materializada na manutenção das antigas

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práticas escolares de produção textual, cuja ênfase recai sobre os aspectos

formais/composicionais do texto e relegam a um plano secundário os elementos discursivos.

Nesse sentido, encontramos produções que se pretendiam dissertações argumentativas,

mas estiveram longe de se estabelecerem como tais, porque seus produtores tinham o que

dizer, mas não conheciam as razões para dizer nem seus interlocutores; também

desconheciam as estratégias de dizer (GERALDI, 2003). Geraldi (idem) fala ainda da

necessidade de constituir-se como sujeito e de ter a quem dizer.

Argumentar por escrito na prática escolar não tem se constituído numa ação de

linguagem inerente ao processo de ensino-aprendizagem. Antes, tem se configurando como

uma prática escolarizada na qual se desvelam os discursos autorizados por essa instituição

social (ou os “não-discursos”).

Nessa direção, o que sugerimos, por enquanto?

(1) O desenvolvimento de mais pesquisas com foco no ensino da produção de textos

argumentativos escritos contemplando a modalidade do ensino médio e cujos resultados

possam ser efetivamente articulados a uma proposta de mudança nas metodologias adotadas

nas aulas de língua portuguesa.

(2) A garantia, a docentes de língua portuguesa, de um aprofundamento teórico a

respeito das concepções de língua, texto e argumentação que são explicitadas nas orientações

curriculares atuais para o ensino desse componente curricular.

(3) Uma reflexão sobre as condições objetivas e materiais de trabalho de professores

da rede pública que, na maior parte das vezes, são obrigados a se submeter a baixos salários, à

desvalorização profissional e a uma carga horária excessiva. Esses fatores culminam,

normalmente, na falta de tempo para planejamento de aulas, aprofundamento teórico e

reflexão sobre a sua própria prática pedagógica.

(4) A realização de estudos mais detalhados sobre o ensino da argumentação na

educação básica, com vistas a dotar professores de língua de subsídios teóricos que possam

lhes permitir uma reflexão e uma revisitação de suas próprias práticas pedagógicas.

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Como mencionamos anteriormente, as conclusões desta pesquisa não têm a pretensão

de esgotar as questões levantadas. Por esse viés, deixamos aqui alguns questionamentos que

surgiram no decorrer do trabalho:

(1) Por que, diante de toda a literatura existente, há um desconhecimento acerca do

que se constitui num trabalho articulado com os diferentes eixos de linguagem (leitura,

escrita, oralidade e análise linguística)? O que tem se ensinado em termos dessas práticas de

linguagem nos cursos de graduação em Letras?

(2) Se, nos anos iniciais do ensino fundamental, o ensino da produção de textos é

normalmente ministrado por graduados em Pedagogia, como os eixos de linguagem têm sido

discutidos no currículo desse curso?

(3) O que pensam e sabem os professores de português sobre atividades de revisão e

reescrita de textos?

(4) Que relação (in)existe entre currículo oficial e currículo vivido em aulas de

português no ensino médio da rede pública de Pernambuco?

(5) Que elementos estão implicados na ideia de que a formação do aluno como leitor é

responsabilidade do próprio aluno? Por que há professores de português que não se veem nem

agem como mediadores da formação do aluno-leitor?

(6) Que fatores contribuíram para que as diferentes vozes que emergiram no discurso

dos alunos por ocasião dos debates desaparecessem nos textos argumentativos escritos?

Imaginamos que não sejam questões simples de serem respondidas, mas consideramos

que sejam passíveis de investigação.

Esperamos ao término (diríamos parcial) desta pesquisa que tenhamos conseguido

alcançar ao menos alguns objetivos: contribuir com os estudos sobre as condições de

produção de texto argumentativo em nossas instituições de ensino; possibilitar reflexões sobre

a relação ensino-aprendizagem desse texto; chamar a atenção dos atores envolvidos nesse

processo de ensino para uma possível análise de práticas pedagógicas desenvolvidas em torno

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desse tema e para a consciência de que argumentar, como ação de linguagem, pressupõe uma

relação dialógica.

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APÊNDICE

ROTEIRO DA ENTREVISTA REALIZADA COM PROFESSORES DE PORTUGUÊS

(Algumas questões que nortearam a entrevista semiestruturada)

1 Apresentação do entrevistador e explicação sobre o objetivo da entrevista

2 Nome do professor entrevistado

3 Instituição onde cursou a graduação/ano de conclusão

4 Realização de curso de aperfeiçoamento ou de pós-graduação

4.1 Em caso afirmativo, instituição e ano de conclusão

5 Tempo de docência na rede estadual

6 Tempo de docência na escola onde está sendo realizada a entrevista

7 Turma em que leciona aulas de LP

8 Se mencionar que trabalhou com o 3º ano, perguntar sobre o fato de ter sido professor

dessa turma em 2010, ministrando aula de LP

9 Procedimentos usuais utilizados pelo professor para dar aulas de LP

10 Conteúdos costumeiramente trabalhados nas aulas de LP

11 Com que frequência o professor trabalha com textos?

12 E com produção de textos?

13 Que dificuldades são identificadas pelo professor no ensino de LP?

14 Encontra dificuldades para trabalhar com produção textual?

15 Trabalha com textos argumentativos? Por quê?

16 Como o professor encaminha as atividades de produção de textos argumentativos?

17 Os alunos produzem bons textos argumentativos?

18 Que problemas o professor encontra nos textos argumentativos escritos?

19 O que o professor acha que favorece a ocorrência de problemas nos textos?

20 Que propostas tem o professor para melhoria no ensino de produção de texto

argumentativo escrito?

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ANEXO 1: ATIVIDADE DAS AULAS Nº O1 E 02 DA PROFESSORA A

Transcrição da atividade colocada no quadro pela Professora A

Obs.: em todos os momentos, a transcrição foi fiel ao registrado na lousa pela professora.

Turma: 3º ano do EM A

Data: 03/05/2011

Atividade de interpretação de texto

O Xote Das Meninas (Luiz Gonzaga)

Mandacaru

Quando fulora na seca

É o siná que a chuva chega

No sertão

Toda menina que enjôa

Da boneca

É siná que o amor

Já chegou no coração...

Meia comprida

Não quer mais sapato baixo

Vestido bem cintado

Não quer mais vestir timão...

Ela só quer

Só pensa em namorar

Ela só quer

Só pensa em namorar...

De manhã cedo já tá pintada

vive suspirando

Sonhando acordada

O pai leva ao dotô

A filha adoentada

Não come, nem estuda

Não dorme, nem quer nada

Mas o dotô nem examina

Chamando o pai do lado

Lhe diz logo em surdina

Que o mal é da idade

Que prá tal menina

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Não tem um só remédio

Em toda medicina...

Questões

1. Qual região Luiz Gonzaga retrata nessa música e em outras tantas de sua autoria? Por

quê?

2. O que, provavelmente, Luiz Gonzaga quis dizer com os quatro primeiros versos?

3. Segundo Luiz Gonzaga, qual é o sinal que uma menina está apaixonada? Você

concorda com ele?

4. Havia diferença nas meninas antes e depois de se apaixonar? Cite algumas dessas

diferenças na música.

5. Por que o pai pensou que a menina estava adoentada? A paixão pode adoecer?

Explique.

6. Segundo o médico na música, “...que pra tal menina não há um só remédio em toda

medicina”. E você, acha que tem remédio? Justifique.

7. Retire do texto um período simples.

8. Retire do texto dois períodos compostos.

9. Existe no texto:

a) Uma conjunção coordenativa, encontre-a, copie a frase e classifique a conjunção.

b) Um pronome oblíquo, encontre-o, copie e classifique segundo a colocação

pronominal.

c) Verbos no infinitivo, gerúndio e particípio. Encontre-os e coloque-os separadamente

por forma nominal a qual pertencem.

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ANEXO 2: REGISTRO ESCRITO – AULAS Nº 04 E 05 DA PROFESSORA A

Transcrição da anotação colocada no quadro pela Professora A

Turma: 3º ano do EM A

Data: 16/05/2011

Casos Especiais de Concordância

1) Sujeito composto anteposto ao verbo (o verbo fica no plural)

“Aqui, o governo , serviços secreto e a polícia têm mais poderes legais para bisbilhotar o

cidadão”.

2) Sujeito composto resumido por palavras como ninguém, cada um, tudo, nada, alguém (o

verbo permanece no singular, pois prevalece a ideia de síntese)

“Crianças chorando, ambulância chegando, pessoas machucadas, tudo contribuía para

aumentar o desespero”.

3) Sujeito composto posposto ao verbo

“Durante o tumulto, brigaram o juiz, os jogadores e alguns torcedores”.

“Durante o tumulto, brigou o juiz, os jogadores e alguns torcedores”.

Obs.: ambas são corretas. Para o sujeito composto que vem depois do verbo, há duas

construções corretas:

O verbo vai para o plural.

O verbo concorda com o núcleo mais próximo.

Se o núcleo mais próximo vier no plural, o verbo só poderá vir no plural.

Ex.: Durante o tumulto, brigaram juízes, os jogadores e alguns torcedores.

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ANEXO 3: TEXTO DAS AULAS Nº 05 E 06 DA PROFESSORA A

Transcrição da atividade colocada no quadro pela Professora A

Turma: 3º ano do EM A

Data: 18/05/2011

AUTOPSICOGRAFIA

(Fernando Pessoa)

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é do

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

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ANEXO 4: TEXTOS PRODUZIDOS POR ALGUMAS EQUIPES NA AULA DO DIA

17/05/2012 – PROFESSORA B

CONTEÚDO DA AULA: PRODUÇÃO DE RESENHAS

Resenha 1 – Turma B

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Resenha 2 – Turma B

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ANEXO 5: TEXTO 1 UTILIZADO COMO SUPORTE PARA A INTRODUÇÃO DO

TEMA PRECONCEITO LINGUÍSTICO – AULAS Nº 07 E 08 DA PROFESSORA B

Data: 25/05/2012

O Novo Caipira

Chico Graziano

Monteiro Lobato deve estar chateado. O grande escritor, com certeza, não imaginou

que seu personagem mais famoso, o Jeca-Tatu, pudesse servir ao preconceito contra o campo.

Pior, provocar a mistificação rural.

Consagrado nas páginas de estórias escritas há 90 anos, o caipira do Vale do Paraíba

inspirava um sentimento generoso, uma forma de Lobato homenagear o homem rural,

valorizando, como escreveu certa vez, os silenciados da história.

O personagem de livros infantis transmitia bondade, pouco letrado, porém astuto, sem

riquezas, mas cheio de felicidade. Sua ingenuidade peculiar sensibilizou crianças e adultos,

permitindo iluminar o ser humano na atividade rural. Nobre caráter.

Mais tarde, chegou o cinema. E o cândido Jeca-Tatu acabou caricaturado na

interpretação do famoso Mazzaropi. Foi quando inventaram o chapéu de palha desfiado, a

calça de pernas curtas mostrando a botina desbocada. A imagem cinematográfica desvirtuou o

sentido simbólico construído por Monteiro Lobato. O caipira virou gozação.

Nessa época, anos 60, iniciou o fortíssimo ciclo da urbanização brasileira, em

simbiose com a industrialização, ambas alimentadas pelo tremendo êxodo rural. Em pouco

tempo, como nunca se imaginara, o pais passou de rural para urbano, arrebentando o mundo

caboclo.

Talvez a rapidez desse processo tenha estimulado um viés na cultura urbana,

exacerbando sua pretensão modernizadora. O fato é que os citadinos, mesmo sem querer,

passaram a olhar os agricultores como quem "ficou para traz" na corrida do progresso. O

campo passou a representar o atraso.

Quando as festas juninas começaram a ser dominada pelos representantes da cidade,

aconteceu a deformação maior: juntaram a caricatura do caipira com o folclore nacional. Os

festejos, nascidos no Nordeste com o bumba-meu-boi do século XVIII, aqui no Sudeste

incorporaram elementos depreciativos, carregados de preconceito.

Afinal, o que podem significar a roupa cheia de remendos fingidos, aquelas sardas

esquisitas nas faces das meninas e, Deus do céu, o dentinho pintado de preto nas crianças,

justo na frente, para parecer banguela.

Essa imagem deformada da gente da roca induz crianças e jovens, especialmente, a

acreditar que os homens do campo são malvestidos, sujos, desdentados, atrasados. A

trancinha que se bota no cabelo das meninas ate que e simpática. O conjunto parece bonitinho.

Esconde, todavia, um terrível engano, ajudando a turvar a realidade. Essa mania

urbanoide de rotular as mulheres e os homens rurais como caipiras bregas provoca

sentimentos chauvinistas, desagregadores. Alguém já perguntou para um agricultor o que ele

acha desse negocio de vestir calca pula-brejo?

Ocorre um enorme equivoco quando se supõe que as festas caipiras tipo Jeca-Tatu

fazem parte do folclore popular. Nada a ver. Folclore significa conhecimento popular,

tradição, patrimônio cultural. Só pode ser folclore aquilo que brota da criatividade, da

manifestação espontânea de um povo.

Estória romanesca não é folclore, pois neste inexiste identificação de autoria. Sem anonimato

não ha cultura popular, como são as lendas, as crendices, as danças regionais, o artesanato.

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Cantiga de roda, por certo, pertence ao folclore nacional, tanto quanto os rituais

festivos que reverenciam Santo Antônio, São João e São Pedro, com seus mastros pintados.

Isso tudo é lindo. Horrível ficou a mistura do preconceito urbano, recente, com a graça

popular, antiga.

Apos décadas de esquecimento, a agropecuária dos pais passa por um processo de

revalorização, quase um redescobrimento. Com certeza, a crise das metrópoles, atoladas na

criminalidade, sujas pela poluição e perdidas no caos do transito, induz ao olhar distante,

idílico que seja rumo ao interior. As coisas mais simples da vida, como conversar na calcada

da rua ou olhar as estrelas do céu, provocam ciumentas fissuras na dureza da mente urbana.

Por outro lado, há anos do campo brotam boas noticias: recordes de safras,

exportações aquecidas, supremacia no crescimento econômico, empregos, divisas fartas.

Felizmente, a modernização superou, a duras penas, o sistema latifundiário do Brasil, gerando

um modelo tropical de agricultura, capaz de obter elevadas produtividades, garantir

sustentabilidade e competir no mercado internacional.

Falta muito, é verdade, para se afirmar que a agricultura rompeu com o atraso.

Injustiças ainda permeiam pelos campos, exigindo politicas de inclusão produtiva e social. Ha

que se reduzirem as desigualdades.

O futuro, porém, supera o passado. Empresários rurais substituem a velha oligarquia.

Agricultores familiares se organizam, investem em tecnologia e começam a sair, eles também,

da pobreza secular. Forma-se alhures grupos de pequenos empreendedores, gente olhando

para frente, confiante na sua sorte.

Não vê quem não quer. No interior do Brasil surge um novo caipira. Pode falar puxado

no erre, mas não se inferior com quem sibila o esse. Caipira, sim, mas estudado, bonito,

vivendo com qualidade de vida.

Lembre-se disso, principalmente se estiver pensando, na próxima festa junina, em

vestir um chapéu desfiado daqueles que o presidente Lula ostentou noutro dia. Esqueça o

adereço. Tome seu quentão, dance quadrilha, curta o foguetório, mas reverencie o campo,

valorizando-o ao invés de estimular as diferenças.

E se encontrar alguma criança com dentinho pintado de preto, denuncie: preconceito é

crime constitucional. Disponível em http://apaddi.tripod.com/apaddi/index.blogastart=1088866742. Acessado em

04/02/2012.