A Previdência Privada Do Chile

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A PREVIDÊNCIA PRIVADA DO CHILE: UM MODELO PARA A REFORMA DO SISTEMA BRASILEIRO? Beatriz Azeredo* A Constituição de 1988 adotou o conceito de seguridade social, englobando as ações referentes à previdência, à saúde e à assistência social e reafirmando o seu caráter público e universal. Essas mudanças foram saudadas, á época, como um grande avanço em termos dp sistema de proteção social do País. Ao mesmo tempo, já naquele momento, os dispositivos da seguridade social, em particular aqueles que tratam do sistema previdenciário, eram apontados como um dos excessos do novo texto constitucional, causadores do desequilíbrio do Estado brasileiro. Não causou surpresa, portanto, que, no debate recente acerca da revisão constitucional, o sistema previdenciário tenha sido um dos alvos principais da reforma. As pesadas críticas levantadas e a natureza das mudanças propostas evidenciaram que o modelo de seguridade pública e universal, tal como foi consagrado na Consti- tuição de 1988, tem fortes opositores nos mais diversos setores da sociedade. Encerrada a etapa da frustrada revisão da Constituição, a previdência social permanece como um dos temas principais na agenda da reforma do Estado. As críticas levantadas, embora apontem problemas como a iniqüidade e a ineficiência do sistema, têm por eixo principal a sua suposta inviabilidade financeira. Argumenta-se, com freqüência, que o sistema, tal como está configurado, não tem qualquer possibilidade de sustentação nos médio e longo prazos. A reformulação da previdência, assim, torna-se um ponto crucial para a recuperação da capacidade de ação do setor público brasileiro. É interessante notar que, nesse debate, têm surgido as mais diversas propostas, que apontam desde a privatização da previdência, inspirada na reforma chilena, até a manutenção e o aperfeiçoamento do modelo atual, público e universal, nos moldes dos sistemas de seguridade europeus. Proposições intermediárias, por sua vez, indicam a necessidade de se adotar um sistema misto, em que o setor público se responsabilizaria pelos segmentos da população de mais baixa renda e no qual caberia um importante papel às instituições privadas, a exemplo do modelo norte-americano. Tanto no momento que antecedeu a tentativa de revisão da Constituição quanto nos debates atuais da reforma do Estado, vale destacar as propostas de privatização do sistema. Esse tema tem aparecido com freqüência nos novos modelos sugeridos, em particular naqueles provenientes dos setores empresariais e do mercado de previdência. Economista da ELETROBRÁS cedida à Câmara dos Deputados e Diretora do Centro de Estudos de Políticas Públicas (CEPP)

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A Previdência Privada Do Chile

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  • A PREVIDNCIA PRIVADA DO CHILE: UM MODELO PARA A REFORMA

    DO SISTEMA BRASILEIRO?

    Beatriz Azeredo*

    A Constituio de 1988 adotou o conceito de seguridade social, englobando as aes referentes previdncia, sade e assistncia social e reafirmando o seu carter pblico e universal. Essas mudanas foram saudadas, poca, como um grande avano em termos dp sistema de proteo social do Pas. Ao mesmo tempo, j naquele momento, os dispositivos da seguridade social, em particular aqueles que tratam do sistema previdencirio, eram apontados como um dos excessos do novo texto constitucional, causadores do desequilbrio do Estado brasileiro.

    No causou surpresa, portanto, que, no debate recente acerca da reviso constitucional, o sistema previdencirio tenha sido um dos alvos principais da reforma. As pesadas crticas levantadas e a natureza das mudanas propostas evidenciaram que o modelo de seguridade pblica e universal, tal como foi consagrado na Consti-tuio de 1988, tem fortes opositores nos mais diversos setores da sociedade.

    Encerrada a etapa da frustrada reviso da Constituio, a previdncia social permanece como um dos temas principais na agenda da reforma do Estado. As crticas levantadas, embora apontem problemas como a iniqidade e a ineficincia do sistema, tm por eixo principal a sua suposta inviabilidade financeira. Argumenta-se, com freqncia, que o sistema, tal como est configurado, no tem qualquer possibilidade de sustentao nos mdio e longo prazos. A reformulao da previdncia, assim, torna-se um ponto crucial para a recuperao da capacidade de ao do setor pblico brasileiro.

    interessante notar que, nesse debate, tm surgido as mais diversas propostas, que apontam desde a privatizao da previdncia, inspirada na reforma chilena, at a manuteno e o aperfeioamento do modelo atual, pblico e universal, nos moldes dos sistemas de seguridade europeus. Proposies intermedirias, por sua vez, indicam a necessidade de se adotar um sistema misto, em que o setor pblico se responsabilizaria pelos segmentos da populao de mais baixa renda e no qual caberia um importante papel s instituies privadas, a exemplo do modelo norte-americano.

    Tanto no momento que antecedeu a tentativa de reviso da Constituio quanto nos debates atuais da reforma do Estado, vale destacar as propostas de privatizao do sistema. Esse tema tem aparecido com freqncia nos novos modelos sugeridos, em particular naqueles provenientes dos setores empresariais e do mercado de previdncia.

    Economista da ELETROBRS cedida Cmara dos Deputados e Diretora do Centro de Estudos de Polticas Pblicas (CEPP)

  • O modelo privado de capitalizao individual, adotado com a reforma promovida no Chile, no incio da dcada de 80 tem sido tambm bastante discutido nos diversos debates sobre os sistemas previdencirios da Amrica Latina. Mais do que isso, a previdncia chilena tem inspirado reformas, como a que foi promovida recentemente pelo governo argentino.

    por esse motivo que se julga importante discutir algumas caractersticas da reforma chilena e seus primeiros resultados nesta primeira dcada de funcionamento do novo sistema.

    Um aspecto fundamental a ser levado em conta, em primeiro lugar, que se trata de uma reforma em curso, cujos efeitos ainda vo se fazer sentir por muitas dcadas. A anlise a ser feita, portanto, no a de um sistema acabado e testado, mas, sim, de uma etapa de transio, na qual convivem uma estrutura privada ainda em crescimento e um sistema pblico, de dimenses razoveis, em extino. Isso sugere uma boa dose de prudncia na considerao tanto dasvirtudes at agora apresentadas quanto dos problemas que tm surgido e das possibilidades de equacionamento.

    Certamente, a reforma previdenciria chilena um processo bastante complexo, cuja anlise foge ao escopo deste texto. Pretende-se apenas levantar algumas questes bsicas que possam ajudar na discusso em tomo da refomiulao da previdncia social no Brasil. Assim, cabe avaliar, inicialmente, o papel do setor pblico na reforma, em particular os impactos fiscais dela derivados. Vale lembrar que um dos principais objetivos da privatizao da previdncia era o de isolar o custeio de aposentadorias e penses das finanas pblicas. Mas, ao contrrio dessa expectativa, obsen/a-se que uma das con-seqncias foi, sem dvida, o forte desfinanciamento do setor pblico.

    Para se entender esse impacto, preciso ter em conta as responsabilidades assumidas pelo Governo em relao ao sistema previdencirio como um todo aps a reforma. Em primeiro lugar, permaneceu nas mos do Estado a gesto do antigo sistema, que no se extinguiu e que dever coexistir com a previdncia privada por mais, no mnimo, 40 anos.^ Esse sistema pblico tem sob a sua responsabilidade o estoque de benefcios existentes at a data da reforma, bem como o pagamento das novas aposentadorias e penses referentes aos trabalhadores que optaram por per-manecer na previdncia pblica. O Estado garante tambm o pagamento de uma penso assistencial para aqueles setores da populao no cobertos pelos programas de capitalizao individual.

    Com relao ao novo sistema, o Estado desempenha importantes funes, no s de fiscalizao das Administradoras dos Fundos de Penses (AFPs),^ mas, princi-palmente, de concesso de uma srie de garantias aos trabalhadores. Em primeiro

    As antigas caixas previdencirias foram fundidas no Instituto de Nonnalizacin Previsional, que representa atualmente a maior instituio pblica e previdenciria do Chile Esse instituto tinha, em 1991, cerca de um milho de beneficirios sob a sua responsabilidade (GILLION, BONILLA, 1992, p 179) O valor da penso assistencial, em 1992, era de US$ 36, equivalente a 12% do salrio mdio da economia e a 35% do salrio mnimo (GILLION, BONILLA, 1992) Para a fiscalizao das AFPs foi criada a Superintendncia dos Fundos de Penses (SAFP), entidade autnoma, vinculada ao Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social. Essa instituio conta com uma srie de instrumentos legais que definem com rigor as condies para constituio e operao de uma AFP, as normas de filiao, o plano de benefcios e as obrigaes quanto prestao de informaes ao pblico.

  • Essa garantia s vigora se o trabalhador tiver contribudo durante, pelo menos, 20 anos Em 1992, o valor do benefcio mnimo era de US$ 64, o que eqivalia a 22% do salrio mdio da economia e a 6 3 % do salrio mnimo (GILLION, BONILLA, 1992, p 178) Tm direito a esse bnus os trabalhadores que tiverem, pelo menos, 12 contribuies mensais nos cinco anos anteriores criao do novo sistema Isso significa que o Estado passou a pagar de uma s vez o equivalente a nove anos de penso (tVIARCEL, ARENAS, 1991, p.18). Em 1982, segundo ano de vigncia do novo regime, o sistema pblico tinha 648 filiados, enquanto nas AFPs esse total era de 1 741 (MARCEL, ARENAS, 1991, quadro 5)

    lugar, para aqueles que contriburam ao sistema privado, mas, no momento da aposen-tadoria no tm recursos suficientes para fazer jus a um benefcio mnimo, o Estado responsabiliza-se por uma complementao.'* Para os trabalhadores que j efetuaram contribuies previdncia pblica e optaram por se transferir para uma AFP, o Governo garante o pagamento de Bnus de Reconhecimento no momento da aposen-tadoria.^ Ou seja, o Estado transfere ao setor privado, de uma s vez, o montante de recursos equivalente aos aportes realizados pelo trabalhador. Para se ter uma idia do que isso representa em termos de volume de recursos, basta mencionar que, durante os primeiros anos da transio, esses bnus correspondero a mais de trs quartos dos fundos de quem se aposenta. Por fim, em caso de falncia da companhia de seguros, o Governo assegura o pagamento dos benefcios para aqueles que optaram por um programa de renda mensal vitalcia.

    Em suma, ficaram sob a responsabilidade do Estado encargos financeiros signi-ficativos, no apenas de natureza transitria, como o custeio do sistema antigo e a emisso dos Bnus de Reconhecimento, mas tambm alguns de carter estrutural, como a garantia do benefcio mnimo e o pagamento da penso assistencial.

    Ao mesmo tempo em que assumiu o nus financeiro da privatizao, o Governo sofreu uma perda imediata de receitas de contribuies previdencirias. Essa perda resultou da extino das contribuies dos empregadores e, principalmente, da rpida adeso dos trabalhadores ao sistema privado. O novo sistema obrigatrio apenas para os novos integrantes do mercado de trabalho aps 1983. Para os que j estavam filiados previdncia pblica, no entanto, foi dado um importante incentivo para a transferncia ao setor privado, em funo do diferencial de alquotas de contribuio entre os dois sistemas. Esse diferencial gerava um ganho de renda lquida, para aqueles que fizessem a opo pelo novo regime, da ordem de 12%. A instituio do Bnus de Reconhecimento, aliada baixa credibilidade do sistema pblico, outro fator que ajuda a explicar a transferncia para as AFPs, j nos primeiros 18 meses aps a reforma, de um milho e meio de trabalhadores, o que correspondia a cerca de 40% da fora de trabalho.'^

    O resultado da reduo brutal das receitas da previdncia pblica, aliada aos compromissos financeiros decorrentes da reforma, foi um dficit previdencirio signifi-cativo. Em 1980, o sistema pblico de previdncia apresentava um dficit de 1,7% do PIB. J em 1981, no primeiro ano de vigncia do novo sistema, esse valor passou para 4,1%> e atingiu, no ano seguinte, 8,2% do PIB. Esse desequilbrio, apesar de ter apresentado um comportamento declinante, registrou uma mdia bastante elevada entre 1981 e 1990, de 6,3% do PIB, e alcanou, neste ltimo ano, um patamar de 5%

  • do PIB. As estimativas feitas indicam ainda que, mesmo aps 35 anos de operao do novo sistema, o setor pblico apresentar dficits decorrentes da reforma da ordem de 2 % do PIB.

    O dficit previdencirio gerado foi maior do que o dficit global do setor pblico, o que significa que todo o resto do Governo teve que gerar supervit para custear parte da despesa com a Previdncia. Isso foi possvel, em grande medida, pelo amplo conjunto de reformas estruturais adotadas pelo Governo, no qual se promoveu uma significativa reduo do papel do Estado na economia, em particular nos chamados setores sociais. O gasto pblico social, que representava, na dcada de 80 cerca de dois teros do gasto pblico total, apresentou, no perodo, redues significativas, em particular nas reas de habitao, sade e educao (AZEREDO, 1992, p.21). O nico componente do gasto pblico social que registrou crescimento foi o referente pre-vidncia social, que passou de 27% do total em 1978 para 49% em 1988 (GILLION, BONILLA, 1992, p.192). Vale registrar tambm que os recursos das AFPs repre-sentaram uma importante fonte de financiamento do setor pblico, atravs da compra de aes das empresas privatizadas e de ttulos de dvida do Tesouro.

    Uma segunda ordem de consideraes a serem feitas a respeito da reforma chilena diz respeito aos resultados em termos de melhoria do grau de proteo sociedade, seja pelos nveis de cobertura, seja pelos valores dos benefcios pagos.

    Com relao cobertura, vale assinalar que, no sistema antigo, cerca de 60% da fora de trabalho contribua para a previdncia social, sendo que havia uma porcentagem maior que estava inscrita em alguma caixa previdenciria, mas no contribua regularmente. A expectativa poca da reforma era a de que o novo sistema traria um aumento da cobertura por vrios motivos. Primeiro, porque, no modelo privado, h uma relao direta entre contribuies e benefcios, gerando, portanto, um maior interesse da populao com as suas contribuies. Ou seja, esperava-se que, com o sistema privatizado e individualizado, a cobertura fosse maior, e os nveis de evaso, substantivamente menores. Alm disso, pelos mesmo motivos acima mencionados, a expectativa era a de que o novo sistema fosse mais atrativo para os trabalhadores autnomos.

    Mas, ao contrrio do que se esperava, ocorreu, de fato, uma queda nos nveis de cobertura aps a reforma. As cifras disponveis para o sistema privado do conta de que, em 1990, apenas 42% da fora de trabalho estavam protegidos pelo sistema, enquanto, em 1991, esse percentual era de 52% (MARCEL, ARENAS, 1991, p.1; MUJICA, 1993, p.53). interessante notar que essa reduo do grau de cobertura se deu num perodo em que a economia chilena apresentou uma notvel recuperao, com significativa reduo do desemprego.

    importante salientar que as cifras oficiais das AFPs apontam que cerca de 75% da fora de trabalho esto filiados ao sistema. No entanto apenas cerca de 60% desses trabalhadores contribuem regularmente para sua conta individual de aposentadoria, sendo que 16% dos filiados no contribuem h mais de um ano (MARCEL, ARENAS, 1991, quadro 5). Essa diferena entre o nmero de filiados e o total de aportes regulares

    Esses dados referem-se previdncia pblica como um todo Em 1989, por exemplo, cerca de 60% do total correspondia ao subsistema de penses civis, que foi o sistema afetado pela reforma (MARCEL , ARENAS 1991, p 35-6, 39)

  • Vale lembrar que, embora as contribuies sejam pagas pelo trabalhador, os empregadores tm a responsabilidade de recolher e repassar os recursos aos respectivos fundos de penso Entre 1982 e 1990, esse diferencial foi de cerca de 20% (MARCEL, ARENAS, 1991, p 24)

    varia de instituio para instituio e significativamente maior naquelas que atendem aos trabalhadores de renda mais baixa! Nessas instituies, no mximo, pouco mais da metade dos filiados contribuem regulmnente, enquanto, nas AFPs que congregam trabalhadores de renda mais alta, esse percentual varia de 80% a 90% (GILLION, BONILLA, 1992, p.181); ou seja, a desproteo do novo sistema atinge exatamente os trabalhadores mais pobres.

    O diferencial entre filiados e contribuintes regulares tem inmeras causas, dentre elas, o atraso na transferncia das contribuies pelos empregadores, permitido pela prpria legislao.^ Outros fatores so o desemprego, a retirada voluntria da fora de trabalho, ou mesmo a simples desistncia de contribuir, mesmo estando em atividade, como o caso dos trabalhadores por conta prpria. Neste ltimo grupo, em particular, a cobertura apresentada pelas AFPs bastante reduzida, alcanando apenas cerca de 5% desses trabalhadores.

    Os niviis de evaso das contribuies outro srio problema do novo sistema, que apresenta um diferencial significativo entre a evoluo da base de contribuio e a remunerao real.^ Isso se deve, em parte, subdeclarao de ingressos para efeitos da contribuio previdenciria. No final de 1990, por exemplo, 25% do total das contribuies das AFPs referiam-se base de Contribuio igual ou inferior ao mnimo legal. Os efeitos disso sobre o processo de acumulao dos fundos individuais so evidentes: em 1990, 70% dos contribuintes entre 30 e 35 anos de idade registravam saldos acumulados em suas contas, que, devidamente capitalizados, correspondiam a apenas 25% do fundo necessrio para assegurar, no momento da aposentadoria, uma penso equivalente a apenas dois salrios mnimos (MARCEL, ARENAS, 1991, p.24).

    A dimenso dos nveis de evaso revela as deficincias no sistema de fiscalizao do novo sistema, mas tambm indica que, ao contrrio do que se imaginava, os trabalhadores no tm sido aliados no processo de fiscalizao do prprio fundo. Argumenta-se que o longo perodo de acumulao requerido para a retirada da aposentadoria, associado garantia de uma penso mnima oferecida pelo Estado, limita os incentivos aos trabalhadores para contribuir e controlar os seus empregadores.

    Com relao aos valores dos benefcios, observa-se que as aposentadorias e penses pagas pelo sistema privado so muito maiores do que os benefcios do sistema antigo. Esse diferencial de 35% nas aposentadorias por idade e chega a 100% nas aposentadorias por invalidez (MARCEL, ARENAS, 1991, p.25). Essa com-parao, no entanto, fica bastante prejudicada, tendo em vista o reduzido nmero de trabalhadores inativos sob a responsabilidade das AFPs. Em 1991, por exemplo, essas instituies tinham apenas 100 mil beneficirios, enquanto, no sistema pblico, esse total era de um milho de pessoas, entre aposentados e pensionistas. Alm disso, o sistema privado tem apresentado uma elevada relao entre os valores pagos e os salrios de contribuio, indicando que esses valores ainda no so representativos da mdia dos valores dos benefcios que o sistema poder vir a ofertar de forma perma-nente (ARELLANO, 1988, p.134).

  • Em 1984, aps trs anos de vigncia do novo sistema, os fundos acumulados pelas FPs representavam quase 9 % do PIB Em maro de 1991, esse valor j alcanava 25% do PIB (GILLION, BONILLA, 1992, p. 180) Em 1990, as despesas com benefcios das AFPs totalizaram US$ 35 milhes, o que correspondia a 14% das receitas de contribuies e a 1,5% dos fundos de capitalizao acumulados at a data (IGLESIAS, ACUNA, 1991, p80 ) Esse dado refere-se a 1990.

    Alguns autores salientam que os altos valores dos benefcios pagos at o mo-mento se devem a condies bem especficas, que resultaram num vigoroso processo de acumulao dos fundos privados. Vale lembrar que, conforme j mencionado, a populao aderiu rapidamente previdncia privada, que passou a contar com a maior parte dos trabalhadores ativos da economia. Ao mesmo tempo, as despesas com benefcios tm sido, at o momento, bastante reduzidas, em funo do pequeno nmero de inativos a cargo do sistema.^^ Alm disso, as AFPs contam com as transferncias do Governo referentes aos Bnus de Reconhecimento. Vale assinalar, ainda, que o sistema privado rene basicamente os trabalhadores mais jovens. Isso decorre da obrigatoriedade de filiao ao sistema para os novos integrantes do mercado de trabalho e tambm do fato de os trabalhadores que estavam prximos da idade da aposentadoria terem optado por permanecer no sistema antigo. O resultado que mais de 60% dos filiados do sistema privado tm menos de 35 anos.^^

    Alm dos elevados niveis de liquidez alcanados inicialmente, as AFPs foram favorecidas tambm por condies econmicas especiais, que propiciaram altas taxas de rentabilidade dos fundos. A questo que se coloca como o sistema vai se comportar quando aumentar o requerimento para pagamento de benefcios. Alm da menor liquidez, cabe questionar se a economia poder continuar a prover novas oportunidades de investimentos, cuja rentabilidade seja compatvel com as necessidades de desem-bolsos.

    A boa sade financeira das AFPs e os altos valores pagos de benefcios contras-tam com as dificuldades enfrentadas pelo sistema pblico remanescente. Os valores dos benefcios, j bastante reduzidos, foram afetados indiretamente pela reforma. J em 1984, foi decretado um congelamento das penses como decorrncia do desfinan-ciamento do setor pblico e do dficit previdencirio. O resultado que se observou uma brutal deteriorao dos valores dos benefcios pagos pela previdncia pblica, que ainda o principal sistema previdencirio do pais, tendo em vista o conjunto de beneficirios que rene.

    Um ltimo aspecto a mendonar, que afeta diretamente os fundos acumulados e os valores dos benefdos a serem pagos, diz respeito fonna de cobrana das comisses das AFPs. A taxa de comisso do sistema composta de uma parte fixa, igual para todos, e de outra varivel, em funo do nvel de renda do segurado. Isso significa que, quanto menor a renda do trabalhador, maior a frao de suas contribuies destinada para o custeio do sistema. Esse diferencial no chega a afetar os estratos de mais baixa renda, na medida em que esses trabalhadores, de um modo geral, no alcanam recursos suficientes em sua conta para fazer jus a uma penso mnima e tm que recorrer a complementao feita pelo Estado. Os trabalhadores mais afetados so aqueles de renda mdia, que no contam com mecanismos de apoio estatal.

  • Por f im, no tocante aos aspectos operacionais, vale lembrar que, no momento da reforma, se argumentava que o novo sistema, por ser privado, seria mais eficiente e mais barato que o sistema pblico. Essas expectativas, porm, no levaram em conta a duplicidade em termos de mquina operacional, pblica e privada, que deve se prolongar ainda por mais de 40 anos. Alm disso, diversos autores apontam que o novo sistema muito mais caro do que o antigo e tambm mais caro que outros sistemas existentes no Mundo. Isso decorre basicamente dos custos de comercializao e de vendas que as AFPs tm que incorrer, em funo da concorrncia para captao de filiados. Esses custos representam cerca de 30% dos gastos de operao das AFPs (ARELLANO, 1988, p.135-136).

    Esses primeiros efeitos da reforma chilena fornecem alguns elementos importan-tes para a discusso do caso brasileiro. O primeiro deles o fato de que um sistema privado de capitalizao individual s funciona a contento para aqueles cuja renda permite uma capacidade de poupana. Para os trabalhadores de mais baixa renda e com uma maior instabilidade no mercado formal de trabalho, as possibilidades de acumular um fundo que permita retirar uma aposentadoria, de modo a garantir sua sobrevivncia na inatividade, so reduzidas. O resultado que essa parcela da fora de trabalho, mesmo num sistema privado de carter compulsrio, no pode abrir mo da ajuda do Estado.

    Isso nos leva ao segundo elemento importante levantado nesta anlise, que diz respeito ao papel desempenhado pelo Estado numa reforma dessa natureza. A ex-perincia chilena demonstra que a privatizao do sistema previdencirio no foi uma soluo do ponto de vista do equacionamento das finanas pblicas. Em primeiro lugar, o sistema pblico no se extingue com a reforma e continua a ser o principal sistema previdencirio do pais por um longo perodo. Alm disso, a participao do Estado na etapa de transio fundamental. Isso significa que o Governo deve assumir os encargos financeiros que viabilizem o reconhecimento das contribuies feitas ao sistema antigo para os trabalhadores que aderiram ao sistema privado. Alm dessas obrig&es, que esto diretamente ligadas a uma etapa de transio, a experincia chilena tem demonstrado que o Estado ter um compromisso permanente e significa-tivo, decorrente do pagamento das penses assistenciais e da complementao das penses mnimas.

    No caso brasileiro, no difcil imaginar que apenas uma parcela reduzida da populao poderia ser beneficiada por uma soluo para o sistema previdencirio que passe apenas pelo mercado. A heterogeneidade social deste pas e a estreiteza do mercado formal de trabalho indicam a impossibilidade de equacionar o problema da garantia de renda da populao inativa atravs de um modelo privado de capitalizao individual. Em outras palavras, a maioria da populao no pode prescindir de um esquema de previdncia social, entendida como uma ao pblica redistributiva. Isso significa que uma reforma radical que promovesse a substituio do esquema pblico por um modelo privado aprofundaria os problemas de segmentao e excluso da sociedade brasileira. E, ao contrrio do que se argumenta em favor da privatizao, o impacto da previdncia sobre as contas pblicas seria at agravado, em funo das demandas frente ao Estado para o atendimento da populao excluda e das perdas de receitas das contribuies.

    Assim, a reforma da previdncia social no Brasil deve se pautar pela reafirmao dos preceitos consagrados na Constituio de 1988: o carter pblico e universal do sistema. Isso no significa excluir o setor privado, que constitui, sem dvida, um

  • parceiro importante no processo de aperfeioamento do sistema previdencirio. Ou seja, os regimes pblico e privado no devem ser discutidos enquanto solues alternativas e excludentes, mas, sim, numa perspectiva de parceria e complementari-dade, nos moldes das experincias recentes dos paises industrializados.

    A defesa da previdncia no mbito de um sistema de seguridade social no implica tambm ignorar os notrios problemas do sistema atual, relacionados no apenas ao financiamento, mas tambm s iniqijidades presentes no plano de benefcios e, ainda, s questes relativas sua gesto. O que se pretendeu indicar neste artigo que reformas radicais do sistema podem trazer mais problemas do que solues e que o aperfeioamento do atual modelo pode e deve ser feito nos marcos do atual texto constitucional.

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