A Pratica Da Escrita Na Escola Processo de Producao de Sentido

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A PRÁTICA DA ESCRITA NA ESCOLA: PROCESSO DE PRODUÇÃO DE SENTIDO Cleide Inês Wittke (UFPE A PRÁTICA DA ESCRITA NA ESCOLA: PROCESSO DE PRODUÇÃO DE SENTIDO Profa. Dra. Cleide Inês Wittke (UFPEL) 1 Contextualizando o tema Embora venha ocorrendo de modo mecânico, por se tratar de um exercício de treinamento e não de um ato social de interlocução, a prática da escrita tem constituído o conteúdo abordado na aula de português, na escola, tanto no ensino médio quanto no fundamental. Conforme explicita Bunzen (2006), em algumas escolas, existem professores específicos para administrar a disciplina de Redação . A esses profissionais compete a tarefa de ensinar o aluno a escrever narrações, descrições e, principalmente, dissertações. Ao propor a dinâmica da escrita, de modo geral, o professor está mais interessado em avaliar se o aluno sabe escrever de acordo com as regras da língua padrão do que realmente preocupado em saber o que o educando conhece e pensa sobre determinado assunto ou acerca da realidade em que vive. Nesse sentido, Antunes (2006, p. 165) complementa que, sob esse enfoque, “avaliar uma redação, por exemplo, se reduz, assim, ao trabalho de apontar erros, de preferência aqueles que se situam na superfície da linha do texto”. A prática de redação consiste em um ato avaliativo e não em um processo de interação, de diálogo entre dois interlocutores: aluno e professor, aluno e aluno, aluno e comunidade, entre outras opções. Eis a situação: o aluno escreve um texto para que o professor aponte os erros (principalmente os gramaticais e de coesão) e atribua uma nota. Qual seria o estímulo para o aluno realmente dizer o que sente e pensa se o próprio processo de produção textual não o incentiva a agir dessa forma? Como encontrar satisfação, e até mesmo prazer, em realizar essa atividade escolar tão destituída de sentido e de significação? Após uma longa trajetória de ensino de língua materna direcionado à Gramática Normativa, defendendo a tese de que o domínio das regras da língua padrão, através de exercícios automáticos e mecânicos, seria o método ideal para expressar-se com clareza e objetividade, 1 / 15

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A prática da escrita na escola

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  • A PRTICA DA ESCRITA NA ESCOLA: PROCESSO DE PRODUO DE SENTIDO Cleide Ins Wittke (UFPEL)

    A PRTICA DA ESCRITA NA ESCOLA: PROCESSO DE PRODUO DE SENTIDO Profa. Dra. Cleide Ins Wittke (UFPEL)

    1 Contextualizando o tema Embora venha ocorrendo de modo mecnico, por se tratar de um exerccio de treinamento eno de um ato social de interlocuo, a prtica da escrita tem constitudo o contedo abordadona aula de portugus, na escola, tanto no ensino mdio quanto no fundamental. Conformeexplicita Bunzen (2006), em algumas escolas, existem professores especficos para administrara disciplina de Redao. A esses profissionais compete a tarefa de ensinar o aluno a escrevernarraes, descries e, principalmente, dissertaes. Ao propor a dinmica da escrita, demodo geral, o professor est mais interessado em avaliar se o aluno sabe escrever de acordocom as regras da lngua padro do que realmente preocupado em saber o que o educandoconhece e pensa sobre determinado assunto ou acerca da realidade em que vive. Nesse sentido, Antunes (2006, p. 165) complementa que, sob esse enfoque, avaliar umaredao, por exemplo, se reduz, assim, ao trabalho de apontar erros, de preferncia aquelesque se situam na superfcie da linha do texto. A prtica de redao consiste em um atoavaliativo e no em um processo de interao, de dilogo entre dois interlocutores: aluno eprofessor, aluno e aluno, aluno e comunidade, entre outras opes. Eis a situao: o alunoescreve um texto para que o professor aponte os erros (principalmente os gramaticais e decoeso) e atribua uma nota. Qual seria o estmulo para o aluno realmente dizer o que sente epensa se o prprio processo de produo textual no o incentiva a agir dessa forma? Comoencontrar satisfao, e at mesmo prazer, em realizar essa atividade escolar to destituda desentido e de significao? Aps uma longa trajetria de ensino de lngua materna direcionado Gramtica Normativa,defendendo a tese de que o domnio das regras da lngua padro, atravs de exercciosautomticos e mecnicos, seria o mtodo ideal para expressar-se com clareza e objetividade,

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    os resultados obtidos nas escolas (e em diversas provas e demais processos avaliativos) nosmostram que essa prtica precisa mudar, pois tanto o objeto de estudo como o modo deabord-lo necessitam de alteraes, inovaes. Na medida em que assumimos o texto comofoco principal do ensino de lngua, preciso rever tambm os princpios que norteiam asestratgias de leitura, de estudos gramaticais e, principalmente, os mecanismos empregadosno exerccio de produo textual, tanto na modalidade oral quanto escrita. Com essa novaabordagem, produzir texto consiste em um ato social em que algum diz algo a outro algumno somente para ser avaliado, mas para posicionar-se sobre determinada questo, parainteragir com o outro que o cerca, seja ele o professor, os colegas ou a comunidade de modogeral. H, ento, mais probabilidade de que o ato de se expressar, via fala ou escrita, seja umexerccio interessante e, quem sabe, at prazeroso. Levando em conta a complexidade de textos, mais especificamente, de gneros textuais quecirculam em nossa sociedade contempornea, e a importncia que tal materialidade discursivaexerce no processo de interao social, possvel entender a nfase que os ParmetrosCurriculares Nacionais (PCNs-1998, 1999) atribuem ao uso desse material, no meio escolar.Esse documento oficial elege o texto como objeto de ensino e sugere a prtica de escuta,anlise de elementos lingusticos, leitura e produo de textos dos diferentes camposdiscursivos que o aluno precisa dominar para exercer sua efetiva participao social. Diante desse quadro nos perguntamos: com toda essa riqueza de material verbal de interaoexistente e precisando ser trabalhado na sala de aula, continua sendo pertinente que oprofessor de portugus dedique tanto tempo de sua aula efetuando exerccios demetalinguagem, com o velho objetivo de identificar, classificar e avaliar? Ser que taisatividades podem levar nosso aluno ao objetivo almejado pela maioria dos professores delngua materna: que o aluno se comunique melhor, tanto falando quanto escrevendo? Essamudana de concepo exige um redimensionamento na seleo das atividades propostas eno enfoque dado produo textual. Como estimular o aluno a ter interesse em expressar-se,tanto falando como escrevendo? Nessa linha de pensamento, seguimos nosso estudo refletindo sobre a passagem da composio redaoe, finalmente, produo textual. Mais do que simples troca de nomenclatura, h mudanas nas concepes, nos princpios ena prtica didtico-metodolgica. Encontramos um novo olhar da prtica da produo escritana escola.

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    2 Do exerccio da redao prtica da produo textual At chegarmos realidade atual, em que produzimos textos (algum que diz algo a outroalgum com determinada inteno), tivemos diferentes abordagens dessa prtica no meioescolar, com maior ou menor nfase escrita, dependendo das definies defendidas em cadapoca. Guedes (2008, p. 88) nos orienta que as expresses composio, redao e produotextual diferenciam-se por se vincularem a teorias que expressam diferentes formas deconsiderar no s a ao de escrever, a ao de ensinar a escrever textos e a ao deexercitar a linguagem, mas tambm nossa prpria organizao social. Isso significa que portrs da nomenclatura subjaz uma teoria a qual sustenta no somente o objeto de estudo, mastambm a metodologia empregada.

    2.1 Composio e redao: diferentes enfoques Traando um breve percurso histrico do processo que envolve o estudo de lngua portuguesano meio escolar, mais especificamente, do final do sculo XVIII at meados do sculo XX,podemos notar que o enfoque era dado ao ensino de regras gramaticais (normativas) e aoexerccio de leitura, entendida, conforme esclarece Bunzen (2006, p. 141), como uma prticade decodificao e memorizao de textos literrios. Nessa poca, a atividade de escrita,denominada composio, era exercitada somente nas sries finais do ensino secundrio, nasdisciplinas de Retrica, Potica e Literatura Nacional. A partir dettulos e de textos-modelo, o aluno deveria escrever uma composio. Como vemos, trata-sede um exerccio de imitao, j que se parte de modelos pr-determinados, os quais devem sercopiados, reproduzidos. No h espao criatividade nem inovao. a partir da dcada de 70, influenciada pela Lei 5692/71, que o exerccio de redao ganhanfase no ensino de lngua. Essa lei provoca mudanas no objetivo, na metodologia e nomtodo de trabalhar a lngua materna. Os objetivos passam a ser pragmticos, com vistas adesenvolver a postura do aluno como emissor e recebedor de mensagens, por meio de cdigosdiversos, tanto verbais como no verbais.

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    Nessa perspectiva, o ensino de lngua visto como atos de comunicao e expresso; o texto definido como uma mensagem que precisa ser decodificada pelo receptor; e a lnguaconsiste em um conjunto de sinais (um sistema) que possibilita a decodificao da mensagem.Nesse enfoque, construir um texto consistia em submeter uma mensagem a uma codificao,o que , em certo sentido, uma viso bastante reducionista da prpria interao verbal, sejaescrita ou oral, pois observa a lngua de forma monolgica e a-histrica (BUNZEN, 2006, p.145). Foi, entretanto, o Decreto Federal no 79.298, de 24 de fevereiro de 1977, que realmenteimpulsionou a adeso macia da prtica de redao na escola, principalmente no ensinomdio, a partir de janeiro de 1978. Tal Decreto determinou que todas as Instituies querealizam vestibulares eram obrigadas a efetuar uma prova de redao na disciplina de lnguaportuguesa. A deciso de obrigatoriedade de fazer redao para ingressar no Ensino Superiorredimensionou o currculo e a metodologia do ensino de lngua na escola, principalmente, nomdio. Desde ento, a comunidade escolar optava por um dos dois caminhos: ou preparava oaluno para o trabalho, oferecendo cursos profissionalizantes, ou, como acontecia na maioriados casos, preparava o aluno para passar no vestibular, enfatizando o ensino de redao,principalmente do texto dissertativo, modalidade exigida pela maioria das Universidades eoutras Instituies de ensino superior. Na poca, acreditava-se que essa medida melhoraria a qualidade na capacidade do aluno dese expressar por escrito. No entanto, diversos trabalhos e pesquisas de estudiosos dalinguagem, como o caso de Pcora (1983), Geraldi (1991) e Travaglia (2002), mostram que oproblema no estava na falha lingustica dos alunos, no se tratando de uma deficinciapatolgica, mas estava diretamente relacionado com as condies de produo e do processode ensino e aprendizagem da atividade de escrita, efetuada na sala de aula. Grosso modo, aproblemtica no estava na produo dos alunos, mas nas concepes e na inadequao daspropostas de produo escrita, o que acabava afetando a qualidade do produto em si. Emsntese, um processo inadequado gerava um produto de baixa qualidade. O que estavafaltando que o aluno pudesse assumir seu papel de sujeito-autor ao produzir seus textos.

    2.2 O exerccio de produo escrita: um processo de interao verbal No incio, a produo escrita era uma prtica que recebia pouco espao no ensino e

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    aprendizagem de lngua na escola. Mais tarde, embora tenha sido uma atividade realizada, atmesmo com nfase, principalmente no ensino mdio, acabou se tornando uma espcie deajuste de contas entre professor e aluno. Redigir um texto consistia em uma atividade rduaem que o aluno deveria se postar diante da folha em branco e escrever sobre um assunto que,muitas vezes, no tinha praticamente nada a dizer, por ser uma escolha do professor e nosua. Alm disso, no tinha a oportunidade de se informar sobre o tema antes de se pronunciarsobre ele. Sob essas condies de produo, a redao se tornou um exerccio mecnico em que o alunoredige um texto para que o professor aponte erros cometidos, principalmente, os desviosgramaticais e de coeso, uma vez que esses so de fcil identificao por estarem marcadosna superfcie do texto. Soma-se a isso o fato que a redao tem servido de instrumento paraavaliar o desempenho do aluno no conhecimento da lngua padro, nica variedade lingusticareconhecida no meio escolar. Nesses ltimos anos, muitas descobertas tm sido feitas em todas as reas, principalmente nocampo da comunicao, sendo que as prticas de interao social vm mudando com bastantefrequncia. No seria, ento, papel da escola o de trazer essa realidade para ser trabalhadapelos alunos na aula de lngua materna? Sob essa tica, vemos o texto e, de modo mais amploo gnero textual, como objeto de estudo no ensino de lngua. Surgem as questes: comoestudar o texto? De que maneira trabalh-lo? Ao nosso ver, deve ser abordado por dediferentes estratgias de leitura e produo textual (oral e escrita), prticadidtico-metodolgica que, paulatinamente, poder aperfeioar a capacidade de expresso doaluno, tanto falando como escrevendo.

    2.2.1 O texto e o gnero textual Eleito o texto (e o gnero textual) como objeto de estudo, de primordial importncia que sejadefinido a concepo que temos em mente. Quando nos referimos a texto, estamos pensandoem uma materialidade lingustica de variada extenso, que constitui um todo organizado desentido, isto , seja coerente e adequado comunicao (tanto oral quanto escrita) a qual seprope, em determinada situao social. Trata-se de uma produo verbal que exerceadequadamente sua funcionalidade comunicativa, ou seja, de uma

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    manifestao verbal, constituda de elementos lingsticos de diversas ordens, selecionados edispostos de acordo com as virtualidades que cada lngua pe disposio dos falantes nocurso de uma atividade verbal, de modo a facultar aos interactantes no apenas a produo desentidos, como a de fundear a prpria interao como prtica sociocultural. (KOCH, 2003, p.31) Nesse sentido, Marcuschi (2002, p. 24) define o texto como uma identidade concreta realizadamaterialmente e corporificada em algum gnero textual. Isso mostra que o texto, ao circularsocialmente, sob uma enorme gama de gneros textuais, pode ser desde um enunciado comoPega ladro!, Socorro!, uma poesia, uma crnica, uma bula de remdio, uma receitaculinria, um e-mail, uma reportagem, uma charge, uma histria emquadrinhos, um edital, um blog, uma ata, uma resenha crtica, um bilhete, um manual deinstruo at um romance de vrios volumes. Para Pereira et al. (2006, 32), o gnero textualrefere-se aos textos encontrados na vida diria que apresentam caractersticasscio-comunicativas definidas pelo contexto de produo, contedo, propriedades funcionais,estruturao do texto. Os gneros textuais remetem aos diferentes formatos que os textos assumem paradesempenhar as mais diversas funes sociais, ressaltando suas propriedadessociocomunicativas de funcionalidade e de intencionalidade. Eles apresentam diferentescaracterizaes, com vocabulrios especficos e empregos sintticos apropriados, emconformidade com a funo social que exercem. No entender de Bronckart (1999, p. 48),conhecer um gnero de texto tambm conhecer suas condies de uso, sua pertinncia, suaeficcia ou, de forma mais geral, sua adequao em relao s caractersticas desse contextosocial. Nesse contexto, compete ao professor de lngua materna criar oportunidades para que o alunoestude os mais diversos gneros textuais, sua estrutura e funcionalidade, para que se tornemcapazes no s de reconhec-los e compreend-los, mas tambm de constru-los de modoadequado, em suas variadas situaes sociais. Fazemos nossas as palavras de Geraldi(2006), quando o autor especifica que o exerccio dessas habilidades pode proporcionar odesenvolvimento da competncia comunicativa do aluno, capacitando-o a um bomdesempenho na sua vida diria, nos mais diversos eventos de interao verbal. Seguindo essa linha de pensamento, Brait (2002) enfatiza que, ao estudar os gneros textuais,precisamos considerar os diferentes aspectos que constituem seu processo de produo,

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    circulao e recepo. Suas condies de produoe de receporemetem ao questionamento:quem produz a mensagem para quem?Trata-se da identidade social do produtor e do receptor; j a circulaorefere-se ao veculo em que circula a mensagem. Tudo isso remete mensagem em si, ou seja, por que aquilo dito daquela maneira e no de outro modo?Para Marcuschi (2008, p. 149), o trato dos gneros diz respeito ao trato da lngua em seucotidiano nas mais diversas formas. Como o leitor j deve ter percebido, na medida em que trabalhamos o gnero textual em salade aula, levando em conta seu carter funcional, isto , a partir do papel social que o textoexerce na sociedade, deixamos de fazer redao (gnero escolar) para produzir textos(diferentes gneros textuais). De acordo com Geraldi (2006), o aluno deixa de desempenhar opapel de funo-aluno e passa a exercer o papel de sujeito-aluno, aqui, no caso, o alunoassume o papel de sujeito de seu texto, pois diz o que tem a dizer e no aquilo que o professorespera que ele diga. Dito de outra forma, abandonamos o exerccio mecnico e sem sentido de redigir um textodissertativo, para que o professor possa avaliar o desempenho lingustico do aluno, epassamos prtica social de interagir com o outro por meio de gneros textuais que circulamem nossa sociedade. Passamos a produzir cartas pessoais e de opinio, editorial, charge,histria em quadrinho, poema, e-mail, blog, resenha crtica, resumo, receita culinria, fbula,crnica, reportagem, ata, ofcio, curriculum vitae, comunicao, artigo cientfico e tantos outrosmais dessa natureza. Seguindo essa perspectiva, o sentido no est no texto, mas produzido pela interaoestabelecida entre seu autor e o leitor/ouvinte, na medida em que ocorre o processo deleitura-escuta, atravs da compreenso. Vale lembrar que embora o sentido seja produzido,isso no significa que qualquer interpretao seja vlida, uma vez que existem pistas deixadaspelo autor em seu texto que acabam delineando e delimitando determinados sentidospossveis, impossibilitando o aceite de qualquer interpretao.

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    Resumidamente, ao produzir um texto, o aluno deve assumir-me como locutor, como sujeito deseu dizer, e isso implica que ele tenha o que dizer e tenha razes para esse dizer; que elesaiba a quem dizer, e com que finalidade produz seu dizer. O conhecimento desses elementoso auxilia na escolha das estratgias que constituem seu dizer, na seleo dos mecanismos quedeterminam o modo de dizer, por fim, na escolha do gnero textual a ser empregado emdiferentes situaes sociais. Outra questo importante na passagem do ato de fazer redao para a prtica social deproduo textual consiste nos possveis receptores do texto produzido. Por que pensamos queo texto construdo em aula precisa sempre ser lido pelo professor? E mais, sempre receberuma nota? Por que no pode estar dirigido a um colega da turma, ou de outra srie, ou a umamigo, ou a leitores de um jornal, entre vrias outras possibilidades? Essa mudana deconcepo traz a tona outro fator: se o texto visto como um processo de interao entreinterlocutores e no um produto final a ser avaliado, digno de ser refeito a partir do dilogoque o leitor estabelece ao tentar compreend-lo. Temos, assim, um novo desafio prtica de produo textual no processo de ensino eaprendizagem de lngua materna: o texto um processo, portanto, caso apresente problemas,tanto na abordagem do contedo, na estrutura, como nos elementos gramaticais, precisa serre-escrito. Qual o papel do leitor, principalmente do professor, diante desse texto? De quemaneira o leitor pode dialogar com o autor, apontando aspectos que podem melhorariar aqualidade comunicativa de seu texto? Deve usar grades, cartas finais, assinalar nas bordas,enfim, como proceder? H uma frmula ideal para interagir com o texto do aluno? Therezo(2008) defende que o uso de indicadores, cartas finais, ou mesmo grades so maneirasprodutivas de mostrar ao autor em que e como seu texto pode ser melhorado tanto emaspectos cognitivos, estruturais, lingusticos, enunciativos como discursivos. Diante dessasituao, perguntamo-nos: Como estimular e orientar a re-escrita do texto do aluno?

    2.3 Alm de escrever, preciso re-escrever! A prtica de escrita consiste em um processo que depende de vrias etapas para que possaser realizada com sucesso. Concordamos com Antunes (2006, p. 168) quando a autora

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    defende que escrever um texto consiste em uma atividade que supe informao,conhecimento do objeto sobre o qual se vai discorrer, alm, claro, de outros conhecimentosde ordem textual-discursiva e lingstica. Nesse contexto, de extrema importncia que o professor de lngua tenha conscincia do queconsiste o processo de produo de textos, pois essa estratgia vai muito alm da simplesatividade de fazer um texto a partir de um ttulo, de uma temtica, de uma imagem ou mesmode um fragmento de outro texto . Existe todo um trabalho de estudo, decontextualizao do assunto a ser abordado, antes de chegar etapa de produopropriamente dita. Alm do conhecimento cognitivo, deve haver um estudo do gnero a serproduzido: quem escreve, para quem, com que finalidade, onde circula, se a linguagem maisou menos formal, qual o vocabulrio mais adequado, entre outras questes dessa natureza. preciso que haja conhecimento da estrutura da frase, do pargrafo, do texto; e domnio de usosde elementos de coeso e lingusticos. Enfim, o produtor de um texto precisa ter conhecimentode vrios elementos e mecanismos implicados no processo de construir textos, tendo emmente que se trata de uma prtica social e no de um ato mecnico, destitudo de sentido. Todavia, essa sequncia didtica ainda no est completa, pois, houve a preparao e aproduo. chegado, ento, outro momento da interao social (da leitura e da compreenso)por parte de um leitor, que pode ou no ser o professor. Qual seria o papel do leitor noprocesso de ensino e aprendizagem da escrita, na escola? Compete ao leitor interagir, dialogarcom o texto produzido. Mas como fazer isso? No caso do professor, ele deve ler o texto nosomente considerando questes gramaticais e de coeso, que esto na superfcie do texto,mas conferir tambm o sentido produzido e todos os efeitos enunciativos e discursivosenvolvidos nesse processo. Defendemos a viso de que o mestre deve apontar e orientar emque aspectos o autor pode melhorar seu texto, de modo particular, e sua capacidade de seexpressar por escrito, de modo geral. Para tanto, existem diferentes maneiras de dialogar como texto: fazendo indicaes na borda, no corpo do texto ou no final, usando grades previamenteestabelecidas. Entendemos que seja de suma importncia que o leitor escreva uma carta,orientado em que aspectos o texto pode ser aperfeioado. Para Gonalves (2009, p. 19), a reescrita vai, obviamente, exigir do professor uma concepo dialgica da linguagem, que oseu verdadeiro papel; isto , a reescrita vai possibilitar ao aluno ajustar o que tem a dizer forma de dizer de um determinado gnero. Isso contribui para a constituio do aluno enquantosujeito que diz o que diz para quem diz, bem como vai ajudar o aluno a escolheradequadamente as estratgias para realizar sua tarefa e, obviamente, a ter para quem dizer oque tem a dizer.

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    Seguindo a sequncia didtica do processo de escrita, o aluno-autor volta a ler seu texto,observando as indicaes feitas e o re-escreve, reorganizando seu dizer. Como vemos, essaetapa bem mais complexa do que o simples ato de passar a limpo. O nmero de vezes que otexto ser re-escrito depender das condies didtico-metodolgicas de cada processo deescrita. O importante que o espao de re-escrita seja institudo e efetuado no ensino delngua, na escola. Vale lembrar que a re-escrita parte integrante do processo de escrita, naqual o aluno estimulado a aperfeioar seu texto, sob orientao de um leitor mais experienteque, boa parte das vezes, ser o professor Ao analisar livros didticos voltados tanto para o ensino fundamental quanto do mdio, foipossvel perceber que praticamente todos eles apresentam propostas de produo textual, commaior ou menor enfoque ao gnero, entretanto, ainda bastante raro encontrar espao eorientao re-escrita dos textos produzidos. Essa realidade precisa ser, aos poucos, mudada.Mas, para que isso acontea, o professor precisar estar ciente de que a re-escrita consiste emparte importante do processo de produo textual e deve ser integrada ao exerccio daproduo textual.

    2.4. Propostas de produo textual no livro didtico de portugus Ao analisar diferentes livros didticos direcionados ao ensino de lngua materna, tanto nofundamental quanto no mdio, englobando exemplares editados nas ltimas trs dcadas,observamos que mais de 90% deles apresentam propostas de produo textual, sendo que osexemplares produzidos a partir de 2005 abordam o texto sob uma perspectiva de gnero.Conforme Macedo Reinaldo (2005, p. 92), embora os autores dos livros didticos de portugusestejam sensibilizados para a incluso de textos representativos dos diversos gneros comoobjeto de leitura, nem sempre apresentam orientao metodolgica suficiente para a produodesses textos. A anlise dessas obras revela que at h a incluso do gnero, mas suaabordagem superficial, restando ao professor o papel de abordar de modo sistemtico e

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    complexo o carter funcional e social do gnero. Surge, ento, a questo: nossos professoresem servio esto terica e didaticamente preparados para exercer essa funo? Fundamentamos nosso dizer com base no trabalho realizado por Costa Val. (2003) ao analisar14 colees de livros didticos de portugus voltados ao ensino fundamental (11 delasrecomendadas e 3 no pelo MEC), publicadas no Guia de Livros Didticos do PNLD-2002, comfoco na seo relativa s atividades de produo de textos escritos. A partir de seu estudo, aautora constatou que mais de 90% das obras apresentam propostas numerosas e variadas deproduo de diversos gneros e tipos de textos escritos, com sugestes quanto escolhatemtica (p. 131). Acrescenta que h tendncia geral a exerccios claros e com correo naformulao das propostas, com a preocupao em oportunizar a construo da formacomposicional do texto que ser produzido. Mas existem tambm aspectos negativos como odescuido na adequao do dialeto e do registro no que se refere situao de produo ecirculao do texto, pois, no fazem nenhuma referncia variedade lingustica a ser adotadae no proporcionam momento para autoavaliao e refeitura do texto. Os resultados das anlises nos mostram que embora os autores dos livros didticos assumama postura de definir o ato de escrita como um processo social de interao verbal, na prtica,os exerccios propostos e as metodologias adotadas ainda enfatizam a produo textual comoum produto. Tendo essa noo como base, no h enfoque no leitor-ouvinte, na compreenso,o que acaba no dando espao re-escritura do seu dizer. Acreditamos ser esse o motivo deencontrar oportunidades to raras de propostas de releitura, de reorganizao, enfim, dere-escritura do seu prprio texto. 4 Finalizando... A partir de uma breve reflexo sobre o percurso histrico do processo de ensino eaprendizagem da produo textual, no meio escolar, pudemos perceber que seu resultadoainda insatisfatrio, pois funciona como ato mecnico e, algumas vezes, como ajuste deconta no que se refere nota. Alm disso, h mais ateno aos aspectos ortogrficos, decoeso e lingusticos, em detrimento do teor temtico abordado no texto. Dito de outro modo,embora a produo de texto tenha recebido mais espao e ateno nas aulas de lnguamaterna, existe maior preocupao com a forma do que com o contedo que est sendo dito.Interessa antes a maneira como foi dito do que o que foi dito. Por outro lado, nosso estudomostrou tambm que h bons indcios de novos e diferentes olhares a essa prtica escolar. Asmudanas em sala de aula ainda so tnues, mas precursoras.

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    Na medida em que o texto, numa perspectiva mais ampla, o gnero textual, reconhecido etrabalho em sala de aula, atuando em suas diversas situaes sociais, tanto na prtica deleitura como de produo textual, a lngua passa a ser vista como um processo de interaoverbal e a manifestao falada ou escrita deixa de ser um ato mecnico, destitudo de sentido.Em sntese, se professor e aluno perceberem e trabalharem a lngua como processo deinterao, em que algum diz algo a outro algum, com determinada inteno, o ato de seexpressar, tanto falando como escrevendo, ser vivenciado como algo significativo e til no snas aulas de lngua, mas na vida em sociedade. Com isso, o ensino e aprendizagem de lnguamaterna deixa de ser algo que trar benefcios no futuro e se torna uma prtica importante paraque o aluno interaja, desde j, no meio em que vive, em uma sociedade letrada. Sendo trabalhada como um processo social em que h, no mnimo, dois interlocutores, aproduo textual levar em conta um autor e um possvel leitor-ouvinte, papel que, no processoescolar, boa parte das vezes ser desempenhado pelo professor. Essa postura implica arealizao de um dilogo, ou seja, ao ler o texto do aluno, o professor apontar aspectospositivos, bem como aproveitar a oportunidade para indicar elementos em que o texto pode edeve ser aperfeioado, considerando questes lingusticas, textuais, enunciativas, pragmticase discursivas. Com essa abordagem, aos poucos, surgir espao e interesse em reorganizar,re-escrever os textos produzidos. Vale lembrar que resqucios dessa mudana, ainda que deforma tnue, j podem ser notados nos livros didticos de portugus produzidos nos ltimosanos: h uma tentativa de trabalhar a lngua enquanto processo de interao verbal, comotrabalho social, sob uma perspectiva dialgica, o que, a nosso ver, consiste em avano! Referncias ANTUNES, I. Avaliao da produo textual no ensino mdio. In: BUNZEN, C. e MENDONA,M. Portugus no ensino mdio e formao do professor. So Paulo: Parbola, 2006. ______. Lngua, texto e ensino. Outra escola possvel. So Paulo: Parbola, 2009. BAKHTIN, M. Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 1992. BUNZEN, Clcio. Da era da composio era dos gneros: o ensino de produo de texto noensino mdio. IN: BUNZEN, C. e MENDONA, M.

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