A política do ministério da saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras...

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  • MINISTRIO DA SADE

    A POLTICA DO MINISTRIO DA SADE PARA A ATENO

    INTEGRAL A USURIOS DE LCOOL E OUTRAS DROGAS

    2 edio revista e ampliada

    Srie B. Textos Bsicos de Sade

    Braslia DF2004

    1A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • 2004 Ministrio da Sade. permitida a reproduo parcial ou total desta obra,desde que citada a fonte.

    Srie B. Textos Bsicos de Sade

    Tiragem:2 edio revista e ampliada,2004 3.000 exemplares

    Distribuio e informaes:MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeDepartamento de Aes Pr ogramticas EstratgicasCoordenao de Sade MentalSecretaria de Vigilncia em SadeCoordenao Nacional de DST/AIDSEsplanada dos Ministrios, Bloco G, Edifcio Sede, Sala 606CEP: 70058-900,Braslia DFFones:(61) 315-3319/315-2684/315-2655Fax: (61) 315-2313 E-mail: [email protected]

    Elaborao:Grupo de Trabalho em lcool e outras DrogasCludia Arajo dos Santos, Denise Doneda, Denise Gandolfi,Maria Cristina Hoffmann, Maria Gorete Selau,Margareth Oliveira, Paulo Macedo, Pedro Gabriel Delgado, Regina Benevides, Sueli Rodrigues, FranciscoCordeiro

    Reviso tcnica:Coordenao Geral de Sade Mental/DAPE/SAS/MS

    Impresso no Brasil/Printed in Brazil

    Ficha Catalogrfica

    Brasil.Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. SVS/CN-DST/AIDS.A Poltica do Ministrio da Sade para Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogas/Ministrio da Sade. 2.ed. rev. ampl. Braslia:Ministrio da Sade, 2004.

    64 p.: il. (Srie B. Textos Bsicos de Sade)

    1. Prestao de cuidados de sade. 2. Alcoolismo. I.Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade/DAPE/Sade Mental.Secretaria de Vigilncia em Sade. Programa Nacional de DST e AIDS. II.Ttulo. III.Srie.

    NLM W 84

    Catalogao na fonte Editora MS

    2 Ministrio da Sade

  • Sumrio

    Apresentao .....................................................................................................................5

    1 - Introduo .....................................................................................................................7

    2 - Marco Terico-poltico ...................................................................................................9

    2.1 A lgica que separa o campo da sade ......................................................................9

    2.2 A poltica de ateno integral em lcool e outras drogas.............................................9

    2.3 A reduo de danos....................................................................................................10

    2.4 A rede de sade como local de conexo e insero..................................................10

    3 - Panorama Nacional para lcool e outras Dr ogas........................................................12

    3.1 Contextualiz .............................................................................................12

    3.2 Alcoolismo: blema de sade pblica .......................................................16

    3.3 Uso de drog

    3.4 Meninos e m

    3.5 A epidemia d

    3.6 O uso de dro

    4 - Diretrizes paDrogas ......

    4.1 Intersetoriali

    4.2 Ateno inte

    4.2.1 Preveno

    4.2.2 Promoo

    4.2.3 Modelos d

    4.2.4 Controle psquica,de lcool

    A Poltiao ..........

    o maior proas e incio da vida sexual .......................................................................19

    eninas de rua e o consumo de drogas...................................................20

    a AIDS e a rota do trfico........................................................................20

    gas injetveis .........................................................................................21

    ra a Poltica de Ateno Inte gral aos Usurios de lcool e outras .................................................................................................................22

    dade........................................................................................................24

    gral..........................................................................................................25

    ................................................................................................................26

    e proteo sade de consumidores de lcool e outras drogas..........30

    e ateno CAPS e redes assistenciais................................................32

    de entorpecentes e substncias que produzem dependncia fsica ou e de precursores padronizao de servios de ateno dependncia e outras drogas......................................................................................36

    3ca do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • 4.3 Diretrizes para uma Poltica Nacional, Integral e Intersetorial de Reduo dos Danos Sade e ao Bem-estar Causados pelas B ebidas A l c o l i c a s...................................37

    5 - Biblio grafia...................................................................................................................41

    6 - Endereos para Contato e Informaes ....................................................................44

    6.1 Ministeriais .................................................................................................................44

    6.2 Coordenaes Estaduais de Sade Mental ..............................................................45

    6.3 CAPS ad Implantados e Cadastrados no Ministrio da Sade ..................................48

    6.4 Associaes de Reduo de Danos .........................................................................55

    Anexo ..............................................................................................................................57Relatrio Final do I Encontro Nacional de Centros de Ateno Psicossocial lcool e outras Drogas - CAPS ad (Drogas, Sade Pblica e Democracia: reduzindo danos,ampliando direitos)

    4 Ministrio da Sade

  • Apresentao

    A excluso social e a ausncia de cuidados que atingem, de forma histrica e contnua,aqueles que sofrem de transtornos mentais, apontam para a necessidade da reverso demodelos assistenciais, de modo a contemplar as reais necessidades da populao, o queimplica a disposio para atender igualmente ao direito de cada cidado. Tal lgica tambmdeve ser contemplada no planejamento de aes voltadas para a ateno integral spessoas que consomem lcool e outras drogas.

    A constatao de que tal uso tomou proporo de grave problema de sade pblica noPas encontra ressonncia nos diversos segmentos da sociedade, pela relao comprovadaentre o consumo e agravos sociais que dele decor rem ou que o reforam. O enfrentamentodesta problemtica constitui uma demanda mundial: de acordo com a Organizao Mundialde Sade, cerca de 10% das populaes dos centros urbanos de todo o mundo consomemabu s ivamente substncias psicoat iva s, i n d ependentemente de idade, s exo, n vel deinstruo e poder aquisitivo. Salvo variaes sem repercusso epidemiolgica significativa,esta realidade encontra equivalncia em territrio brasileiro.

    Uma ao poltica eficaz pode reduzir o nvel de problemas relacionados ao consumo delcool e outras drogas que so vivenciados por uma sociedade, evitando que se assista deforma passiva ao fluxo e refluxo de tal problemtica. Consideramos que nada assume umcarter inev i t ve l , e que, ao contrrio, quando se constrem polticas pbl i c a scomprometidas com a promoo, preveno e tratamento, na perspectiva da integraosocial e produo da autonomia das pessoas, o sofrimento decorrente deste consumo tendea diminuir em escala expressiva. Se em alguns pases impera a ausncia de qualqueriniciativa de sade pblica neste campo, vemos que em outros tal resposta assume umcarter meramente retrico e, por vezes, confuso.

    No vcuo de propostas concretas, e na ausncia do estabelecimento de uma clarapoltica de sade voltada para este segmento, surgiram no Brasil diversas "alternativas deateno" de carter total, fechado e tendo como nico objetivo a ser alcanado aabstinncia.

    Cabe ressaltar, entretanto, que a sociedade atual coloca nossa disposio uma extensagama de polticas potenciais, e a sua inventividade e alcance esto em um processo deexpanso contnua, sendo ento possveis outras formas de produzir novas perspectivas devida para aqueles que sofrem devido ao consumo de lcool e drogas. Tal produo noocorre somente pelo estabelecimento de leis, planos ou propostas, e sim pela suaimplementao e exerccio no cotidiano dos servios, prticas e instituies, com definiosistematizada de responsabilidades para cada esfera governamental.

    O Sistema nico de Sade SUS, institudo pela Constituio de 1988 e regulamentadopela Lei 8080/90, o conjunto de aes e servios de sade que tem por finalidade apromoo de maior qualidade de vida para toda a populao brasileira; no intuito de garantiro acesso de todos a uma assistncia integral e eqitativa sade, avana de forma

    5A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • consistente na consolidao de rede de cuidados que funcione de forma regionalizada,hierarquizada e integrada. O SUS tem seu funcionamento organizado pelas Leis 8.080/90 e8.142/90, editadas com a funo de fazer cumprir o mandamento constitucional de disporlegalmente sobre a proteo e a defesa da sade.

    O texto da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, marco legal da Reforma Psiquitrica,ratificou, de forma histrica, as diretrizes bsicas que constituem o Sistema nico de Sade;garante aos usurios de servios de sade mental e, conseqentemente, aos que sofrempor transtornos decorrentes do consumo de lcool e outras drogas a universalidade deacesso e direito assistncia, bem como sua integralidade; valoriza a descentralizao domodelo de atendimento, quando determina a estruturao de servios mais prximos doconvvio social de seus usurios, configurando redes assistenciais mais atentas sdesigualdades existentes, ajustando de forma equnime e democrtica as suas aes snecessidades da populao.

    As conferncias de sade, definidas e institudas pela Lei 8.142/90, tm como atribuioavaliar a situao da sade, propondo diretrizes para a formulao de polticas afins, nastrs esferas de governo. De forma anloga, as conferncias de sade mental constituem oforo maior de debates em torno de questes relacionadas a esta rea especifica de atuao.Nesta condio, vemos o relatrio da III Conferncia Nacional de Sade Mental (dezembrode 2001) evidenciando, de forma tica e diretiva, a (re)afirmao e (re)elaborao deestratgias e propostas para efetivar e consolidar um modelo de ateno aos usurios delcool e outras drogas que garanta o seu atendimento pelo SUS e, ao mesmo tempo,considere o seu carter multifatorial, no reduzindo esta questo a uma problemticaexclusiva do sistema de ateno sade.

    Assim sendo, torna-se imperativa a necessidade de estruturao e fortalecimento de umarede de assistncia centrada na ateno comunitria associada rede de servios de sadee sociais, que tenha nfase na reabilitao e reinsero social dos seus usurios, sempreconsiderando que a oferta de cuidados a pessoas que apresentem problemas decorrentesdo uso de lcool e outras drogas deve ser baseada em dispositivos extra-hospitalares deateno psicossocial especializada, devidamente articulados rede assistencial em sademental e ao restante da rede de sade. Tais dispositivos devem fazer uso deliberado e eficazdos conceitos de territrio e rede, bem como da lgica ampliada de reduo de danos,realizando uma procura ativa e sistemtica das necessidades a serem atendidas, de formaintegrada ao meio cultural e comunidade em que esto inseridos, e de acordo com osprincpios da Reforma Psiquitrica.

    Neste sentido, entendemos que uma poltica de promoo, preveno, tratamento e deeducao voltada para o uso de lcool e outras drogas dever necessariamente serconstruda nas interfaces intra-setoriais possveis aos programas do Ministrio da Sade MS, o mesmo ocorrendo em relao a outros Ministrios, organizaes governamentais eno-governamentais e demais representaes e setores da sociedade civil organizada,assegurando a participao intersetorial. Para tanto, deciso poltica, compromisso com adefesa da sade e viso social so elementos indispensveis.

    Reafirmando que o uso de lcool e outras drogas um grave problema de sade pblica,reconhecendo a necessidade de superar o at raso histrico de assuno destare s p o n s abilidade pelo SUS, e buscando subsidiar a construo coletiva de seuenfrentamento, o Ministrio da Sade apresenta as suas diretrizes para uma Poltica deAteno Integral ao Uso de lcool e outras Drogas.

    HUMBERTO COSTAMinistro da Sade

    6 Ministrio da Sade

  • 1. Introduo

    A realidade contempornea tem colocado novos desafios no modo como certos temastm sido habitualmente abordados, especialmente no campo da sade. Isto se d pelo fatode que os objetos sobre os quais intervimos apresentam-se complexos, exigindo de ns oesforo de evitarmos simplificaes reducionistas. Este o caso do tema "lcool e outrasdrogas", que nos indica a necessidade de uma ao no apenas ampliada, mas para ondedevem concor rer diferentes saberes e aportes terico-tcnicos. Assim, ao estabelecermosdiretrizes, aes e metas na constituio de polticas para o Ministrio da Sade para osprximos anos, deveremos ter em mente a perspectiva transversalizadora que permite aapreenso do fenmeno contemporneo do uso abusivo/dependncia de lcool e outrasd rogas de modo integra d o, e dive rsificado em ofe rtas terap u t i c a s, p reve n t iva s,reabilitadoras, educativas e promotoras da sade.

    Historicamente, a questo do uso abusivo e/ou dependncia de lcool e outras drogastem sido ab o rdada por uma tica predominantemente psiquitrica ou mdica. A simplicaes sociais, psicolgicas, econmicas e polticas so evidentes, e devem serconsideradas na compreenso global do problema. Cabe ainda destacar que o tema vemsendo associado criminalidade e prticas anti-sociais e oferta de "tratamentos"i n s p i rados em modelos de excl u s o / s ep a rao dos usurios do convvio social.Constatamos assim que, neste vcuo de propostas e de estabelecimento de uma clarapoltica de sade por parte do Ministrio da Sade, constituram-se "alternativas de ateno"de carter total, fechado e tendo como principal objetivo a ser alcanado a abstinncia. Apercepo distorcida da realidade do uso de lcool e outras drogas promove a disseminaode uma cultura de combate a substncias que so inertes por natureza, fazendo que oindivduo e o seu meio de convvio fiquem aparentemente relegados a um plano menosimportante. Isto por vezes confirmado pela multiplicidade de propostas e abordagenspreventivas/teraputicas consideravelmente ineficazes, por vezes reforadoras da prpriasituao de uso abusivo e/ou dependncia.

    Os principais limites observados pela no priorizao, por parte do MS, de uma polticade sade integral dirigida ao consumidor de lcool e outras drogas, podem ser percebidos apartir do impacto econmico e social que tem recado para o Sistema nico de Sade, sejapor seus custos dire t o s, seja pela impossibilidade de resposta de outras pastasgovernamentais voltadas para um efeito positivo sobre a reduo do consumo de drogas;isto tambm ocorre no que se refere ao resgate do usurio do ponto de vista da sade (eno to-somente moralista ou legalista), e em estratgias de comunicao que reforam osenso comum de que todo consumidor marginal e perigoso para a sociedade.Internamente Sade, ressalta-se a elaborao pregressa de polticas fragmentadas, semcapilaridade local e de pouca abrangncia, alm do desenvolvimento de aes de reduode danos adstritas ao controle da epidemia de AIDS, no explorando as suas possibilidadespara a preveno e a assistncia.

    Entendemos que uma poltica de preveno, tratamento e de educao para o consumode lcool e outras drogas necessariamente ter de ser construda na interface de programas

    7A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • do Ministrio da Sade com outros Ministrios, bem como com setores da sociedade civilorganizada. Trata-se aqui de afirmar que o consumo de lcool e outras drogas um graveproblema de sade pblica. Dentro de uma perspectiva de sade pblica, o planejamentode programas deve contemplar grandes parcelas da populao, de uma forma que aabstinncia no seja a nica meta vivel e possvel aos usurios.

    A dependncia das drogas transtorno em que predomina a heterogeneidade, j queafeta as pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razes, em diferentes contextos ecircunstncias. Muitos consumidores de drogas no compartilham da expectativa e desejode abstinncia dos profissionais de sade, e abandonam os servios. Outros sequerprocuram tais servios, pois no se sentem acolhidos em suas diferenas. Assim, o nvel deadeso ao tratamento ou a prticas preventivas e de promoo baixo, no contribuindopara a insero social e familiar do usurio. Temos ainda presenciado o aparecimento denovas substncias de abuso e novas formas de consumo, que adotam caractersticasprprias e requerem modalidades de preveno adaptadas aos consumidores e aoscontextos em que so consumidas.

    Reconhecer o consumidor, suas caractersticas e necessidades, assim como as vias deadministrao de drogas, exige a busca de novas estratgias de contato e de vnculo comele e seus familiares, para que se possa desenhar e implantar mltiplos programas depreveno, educao, tratamento e promoo adaptados s diferentes necessidades. Paraque uma poltica de sade seja coerente, eficaz e efetiva deve ter em conta que as distintasestratgias so complementares e no concorrentes, e que, portanto, o retardo do consumode drogas, a reduo dos danos associada ao consumo e a superao do consumo soelementos fundamentais para sua construo.

    8 Ministrio da Sade

  • 2. Marco Terico-poltico

    2.1 A Lgica que Separa o Campo da Sade

    Sempre foi um desafio para as prticas de sade aliar o mbito clnico de intervenocom o da sade coletiva. O primeiro tem como seu foco as manifestaes individuais dasalteraes da sade, enquanto que o segundo efetua um outro tipo de corte, tomando aincidncia e a prevalncia das alteraes em plano coletivo. Menos do que contribuir para oavano de dispositivos e instrumentos de diagnstico, tratamento e reabilitao, promooe preveno, esta diviso entre a clnica de um lado e a sade coletiva de outro temresultado em embates de saber/poder que (re ) a f i rmam suas ve rdades em camposseparados e, grande parte das vezes, oponentes.

    Quando seguimos esta lgica, a das binarizaes, todos perdemos. Perdemos ascontribuies da experincia clnica que est voltada para as caractersticas singulares quese expressam em cada corpo, em cada sujeito, em cada histria de vida. Perdemos ascontribuies das anlises propiciadas pelo recorte da sade coletiva que capta asexpresses de uma comunidade, de uma localidade, de um tipo de afeco, de umacategoria social ou de gnero, de histrias que se cruzam configurando a histria em umcerto momento.

    O que estamos querendo aqui destacar :esta lgica deve ser combatida em prol de umaoutra maneira de pensar e fazer que experimente as diferentes contribuies, fazendo-asinterpelaes umas das outras. A esta outra lgica chamamos transversalizao.

    Parece que hoje a reside o grande desafio: instaurar em todos os campos da sadepblica uma atitude que, ao mesmo tempo, garanta as especificidades acumuladas ao longodo tempo em cada ncleo de saber e, para alm disso, consiga fazer atravessar tais saberesuns sobre os outros, de modo a construir novos olhares, novos dispositivos de interveno.

    Quem ganha com isto? Os usurios do sistema de sade e todos aqueles comprometidoscom a sade enquanto defesa da vida.

    2.2 A Poltica de Ateno Inte gral em lcool e outras Dr ogas

    No campo da poltica de ateno integral em lcool e outras drogas no Brasil, vimos queo tema tem sido tratado de modo pontual, contando com esforos de setores e grupospreocupados com o aumento exponencial do problema do uso abusivo de lcool de outrasdrogas. importante, portanto, destacar que, neste governo, o Ministrio da Sade assumede modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os usurios de lcool eoutras drogas como um problema de sade pblica. Esta deciso atende s propostas queforam enfaticamente recomendadas pela III Conferencia Nacional de Sade Mental, emdezembro de 2001 (III CNSM, Relatrio Final, 2001). Comprometer-se com a formulao,execuo e avaliao de uma poltica de ateno a usurios de lcool e outras drogas exige

    9A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • exatamente a ruptura de uma lgica binarizante que separa e detm o problema emfronteiras rigidamente delineadas, e cujo eixo principal de entendimento (e, portanto, de" t ratamento") baseia-se na associao droga s / c o m p o rtamento anti-social (lcool) oucriminoso (drogas ilcitas). Em ambos os casos, h um nico objetivo a ser alcanado: aabstinncia.

    Frente a este objetivo, so traadas estratgias de abordagem para sua consecuo:reduo da oferta e reduo da demanda. Para a primeira estratgia, conta-se com a aoda justia, da segurana e da defesa. Para a segunda, a operao substancial tem-se dadopor meio de tratamentos de internao com afastamento do usurio do agente indutor.

    Sem que deixemos de considerar a existncia destes mtodos, com os quais temos aindamuito de debater, queremos indicar que, em se tratando de tema to complexo, com clarasimplicaes sociais, psicolgicas, econmicas e polticas, traar uma poltica com base emum nico objetivo trabalhar em sade com um modo estreito de entendimento.

    Parece-nos que a o sentido da clnica que se perde e, mais ainda, a riqueza do quenos oferece a sade coletiva que se empobrece. Queremos resgatar aqui o duplo sentido daclnica: o de "inclinar-se" (kliniks), acolhendo o paciente e sua histria, e o de produzir umdesvio (clinamem) para produzir outra histria, outra possibilidade de existncia (Benevides,2001). Queremos tambm resgatar o sentido de sade coletiva que "implica levar em contaa diversidade e especificidade dos grupos populacionais e das individualidades com seusmodos prprios de adoecer e/ou representarem tal processo" (Paim, 1980).

    Se nas prticas de sade nosso compromisso tico o da defesa da vida, temos de noscolocar na condio de acolhimento, em que cada vida se expressar de uma maneirasingular, mas tambm em que cada vida expresso da histria de muitas vidas, de umcoletivo. No podemos nos afastar deste intrincado ponto onde as vidas, em seu processode expanso, muitas vezes sucumbem ao aprisionamento, perdem-se de seu movimento deabertura e precisam, para desviar do rumo muitas vezes visto como inexorvel no uso dedrogas, de novos agenciamentos e outras construes.

    2.3 A Reduo de Danos

    A abstinncia no pode ser, ento, o nico objetivo a ser alcanado. Alis, quando se tratade cuidar de vidas humanas, temos de, necessariamente, lidar com as singularidades, comas diferentes possibilidades e escolhas que so feitas. As prticas de sade, em qualquernvel de ocorrncia, devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento,o que em cada situao, com cada usurio, possvel, o que necessrio, o que est sendodemandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a suaparticipao e o seu engajamento.

    Aqui a abordagem da reduo de danos nos oferece um caminho promissor. E por qu?Porque reconhece cada usurio em suas singularidades, traa com ele estratgias queesto voltadas no para a abstinncia como objetivo a ser alcanado, mas para a defesa desua vida. Vemos aqui que a reduo de danos se oferece como um mtodo (no sentido demethodos, caminho) e, portanto, no excludente de outros. Mas, vemos tambm que omtodo est vinculado direo do tratamento e, aqui, tratar significa aumentar o grau deliberdade, de co-responsabilidade daquele que est se tratando. Implica, por outro lado, oe s t abelecimento de vnculo com os pro f i s s i o n a i s, que tambm passam a ser co-responsveis pelos caminhos a serem construdos pela vida daquele usurio, pelas muitasvidas que a ele se ligam e pelas que nele se expressam.

    2.4 A Rede de Sade como Local de Conexo e de Insero

    Se afirmamos que a reduo de danos uma estrat g i a , porque entendemos que,enquanto tal, e para ter a eficcia que pre t e n d e, ela deve ser operada em inter- a e s,p ro m ovendo o aumento de superfcie de contat o, criando pontos de re fe r n c i a ,

    10 Ministrio da Sade

  • v i abilizando o acesso e o acolhimento, a d s c revendo a clientela e qualificando a demanda,multiplicando as possibilidades de enfrentamento ao pro blema da dependncia no uso dolcool e outras droga s.

    Neste ponto, a abordagem se afirma como clnico-poltica, pois, para que no resteapenas como "mudana comportamental", a reduo de danos deve se dar como ao noterritrio, intervindo na construo de redes de suporte social, com clara pretenso de criaroutros movimentos possveis na cidade, visando a avanar em graus de autonomia dosusurios e seus familiares, de modo a lidar com a hetero e a autoviolncia muitas vezesdecorrentes do uso abusivo do lcool e outras drogas, usando recursos que no sejamrepressivos, mas comprometidos com a defesa da vida. Neste sentido, o locusde ao podeser tanto os diferentes locais por onde circulam os usurios de lcool e outras drogas, comoequipamentos de sade flexveis, abertos, articulados com outros pontos da rede desade, mas tambm das de educao, de trabalho, de promoo social etc., equipamentosem que a promoo, a preveno, o tratamento e a reabilitao sejam contnuos e se demde forma associada.

    Nunca demais, portanto, insistir que a rede de profissionais, de familiares, deorganizaes governamentais e no-governamentais em interao constante, cada um comseu ncleo especfico de ao, mas apoiando-se mutuamente, alimentando-se enquantorede que cria acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstri existncias,cria efetivas alternativas de combate ao que, no uso das drogas, destri a vida.

    Este o compromisso da sade: fazer proliferar a vida e faz-la digna de ser vivida. Este o compromisso do Ministrio da Sade: criar e manter equipamentos, qualificar seusprofissionais, formular polticas de sade em articulao com outras reas afins, executar eavaliar tais polticas, assumindo o que lhe cabe no enfrentamento do que faz adoecer emorrer. Este o compromisso do SUS: fortalecer seu carter de rede incitando outras redes conexo. A garantia do acesso aos servios e participao do consumidor em seutratamento so princpios assumidos pelo SUS como direitos a serem garantidos. Isto se dpor meio do estabelecimento de vnculos, da construo da co-responsabilidade e de umaperspectiva ampliada da clnica, transformando os servios em locais de acolhimento eenfrentamento coletivo das situaes ligadas ao problema.

    Proporcionar tratamento na ateno primria, garantir o acesso a medicamentos, garantirateno na comu n i d a d e, fo rnecer educao em sade para a populao, e nvo l ve rc o mu n i d a d e s / fa m l i a s / u s u r i o s, fo rmar re c u rsos humanos, criar vnculos com outro ssetores, monitorizar a sade mental na comunidade, dar mais apoio pesquisa ee s t abelecer programas especficos so prticas que devem ser obrigat o r i a m e n t econtempladas pela Poltica de Ateno a Usurios de lcool e outras Drogas, em umaperspectiva ampliada de sade pblica.

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  • 3. Panorama Nacional par alcool e outras Dr ogas

    3.1 Contextualizao

    A excluso social e a ausncia de cuidados que atingem, de forma histrica e contnua,aqueles que sofrem de transtornos mentais, apontam para a necessidade da reverso demodelos assistenciais que no contemplam as reais necessidades de uma populao. Isto uma demanda mundial, amplamente respaldada por evidncias cientficas. Citandosomente um exemplo, dados fornecidos por estudo capitaneado pela Universidade deHarvard indicam que, das dez doenas mais incapacitantes em todo o mundo, cinco so deorigem psiquitrica: depresso, transtorno afetivo bipolar, alcoolismo, esquizofrenia etranstorno obsessivo-compulsivo (Murray e Lopez, 1996). Apesar de responsveis diretaspor somente 1,4% de todas as mortes, as condies neurolgicas e psiquitricas foramresponsveis por 28% de todos os anos vividos com alguma desabilitao para a vida. Salvovariaes sem rep e rcusso epidemiolgica significat iva , a realidade acima encontraequivalncia em territrio brasileiro.

    De acordo com a prpria Organizao Mundial de Sade (OMS, 2001), cerca de 10% daspopulaes dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substnciaspsicoativas independentemente de idade, sexo, nvel de instruo e poder aquisitivo. Adespeito do uso de substncias psicoativas de carter ilcito, e considerando qualquer faixaetria, o uso indevido de lcool e tabaco tem a maior prevalncia global, trazendo tambmas mais graves conseqncias para a sade pblica mundial. Corroborando tais afirmaes,estudo conduzido pela Universidade de Harvard e instituies colaboradoras (Murray eLopez, 1996) sobre a carga global de doenas trouxe a estimativa de que o lcool seriaresponsvel por cerca de 1,5% de todas as mortes no mundo, bem como sobre 2,5% dototal de anos vividos ajustados para incapacidade. Ainda segundo o mesmo estudo, estacarga inclui transtornos fsicos (cirrose heptica, miocardiopatia alcolica, etc.) e lesesdecorrentes de acidentes (industriais e automobilsticos, por exemplo) influenciados pelouso indevido de lcool, o qual cresce de forma preocupante em pases em desenvolvimento.

    O uso do lcool cultural, sendo permitido em quase todas as sociedades do mundo.Informaes sobre "saber beber com responsabilidade e as conseqncias do usoinadequado de lcool" ainda so insuficientes e no contemplam a populao de maior riscopara o consumo, que so os adolescentes e os adultos jovens.

    Os transtornos mentais e de comportamento tm ocorrncia relativamente comumdurante a infncia e a adolescncia (OMS, 2001). Com freqncia, no so detectados,mesmo porque existe um certo consenso popular sobre a sua inexistncia, ou mesmo sobreum suposto carter incomum. Apesar disso, trazem custo inestimvel para a sociedadecomo um todo, especialmente nos aspectos humano e financeiro. Constituem graveproblema de sade pblica mundial, o que se agrava pelo fato de que muitos dostranstornos ocorridos nestas fases do desenvolvimento humano podem continuar semanifestando durante a idade adulta, em um comprometimento global de estimativa

    12 Ministrio da Sade

  • complexa e difcil; geram grande carga agregada de doenas, sendo freqentemente oreflexo de acometimento maior, em um contexto scio-familiar.

    Ainda que apresentem variao considervel, estudos investigativos evidenciam umaprevalncia geral elevada de transtornos mentais e de comportamento em crianas 10 a20% delas podem ter um ou mais problemas mentais. Porm, enquanto fases dod e s e nvo l v i m e n t o, a infncia e a adolescncia no pro p o rcionam uma cl a radelineao/delimitao entre fenmenos tidos como anormais e outros aceitos comocomponentes de um desenvolvimento normal, o que certamente superestima a prevalnciaacima mencionada. Em contrapartida, vemos uma elevao na identificao de transtornosque, freqentemente observados em adultos, podem ter seu incio na idade infantil, como nocaso dos transtornos depressivos. No tocante a categorias diagnsticas especficas dainfncia e adolescncia (CID-10, 1996), vemos que transtornos hipercinticos, distrbios deateno e hiperatividade, distrbios de conduta e transtornos emocionais da infncia podemconstituir fat o res de risco para a ocorrncia futura de comorbidades dive rsas especialmente, o uso de lcool e outras drogas.

    Existe uma tendncia mundial que aponta para o uso cada vez mais precoce desubstncias psicoativas, incluindo o lcool, sendo que tal uso tambm ocorre de forma cadavez mais pesada. No Brasil, estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informaes sobreDrogas Psicoativas CEBRID sobre o uso indevido de drogas por estudantes (n = 2.730)dos antigos 1 e 2 graus em 10 capitais brasileiras (Galdurz et. al., 1997) reveloupercentual altssimo de adolescentes que j haviam feito uso de lcool na vida: 74,1%.Quanto a uso freqente, e para a mesma amostra, chegamos a 14,7%. Ficou constatadoque 19,5% dos estudantes faltaram escola, aps beber, e que 11,5% brigaram, sob o efeitodo lcool.

    Como conseqncias, temos altos ndices de abandono escolar, bem como o rompimentode outros laos sociais que reforam a percepo pblica deste uso como prximo ao crime,faltando a compreenso do fenmeno como reflexo de questes multifatoriais.

    Comparativamente a estudos semelhantes realizados anteriormente, com o mesmo rigormetodolgico (o que permite algum nvel comparativo, visto que se referem a grupospopulacionais definidos), o uso freqente de lcool aumentou em seis capitais, e o usopesado (20 vezes ou mais por ms) aumentou em oito das dez capitais participantes doestudo.

    Estudos como este encontram dificuldades para a sua replicao em ambientesescolares de natureza privada, o que se justifica por diversas razes; dentre elas,destacamos o temor (por parte de diretores e donos de escolas) de que, mediantedivulgao indevida dos dados obtidos, estes estabelecimentos de ensino fiquem de algumaforma estigmatizados como locais nos quais haveria uma suposta facilitao ao uso desubstncias psicoativas, o que supostamente teria impacto indesejado sobre a credibilidadeda escola, enquanto um espao de formao de sujeitos.

    Ao considerarmos crianas e adolescentes em situao de rua, vemos um agravamentoda situao acima descrita, no tocante s substncias psicoativas em geral (Noto et. al.,1993), sendo apresentados percentuais altssimos de uso na vida, em todas as capitaispesquisadas, tambm de forma cada vez mais precoce e pesada.

    Diversos estudos brasileiros tm apontado o crescimento do consumo de lcool entrejovens. Dados do Levantamento sobre o Uso de Drogas com Estudantes de 1 e 2 Grausem 10 Capitais Brasileiras realizado pelo CEBRID , apontam que o uso de drogaspsicotrpicas entre estudantes da rede pblica de ensino vem aumentandosignificativamente, ao longo do perodo de 1987 a 1997. Nas camadas mais pobres dapopulao, o uso de solventes e maconha observado com freqncia. Observa-setambm o aumento no uso de ansiolticos, anfetaminas e cocana. Comparando-se oaumento do consumo destas substncias ao longo dos quatro levantamentos, na categoria

    13A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • de uso "seis vezes ou mais no ms", observou-se aumento no consumo de 100% para osansiolticos; 150% para as anfetaminas; 325% para a maconha e 700% para a cocana.

    A resposta nacional epidemia de AIDS aumentou a visibilidade dos usurios de drogasinjetveis, pela alta taxa de compartilhamento de seringas e agulhas. Cerca 25% dos casosde AIDS esto direta ou indiretamente relacionados a categoria de exposio ao uso dedrogas injetveis. Estudo realizado entre Usurios de Droga Injetvel UDIs acessados porprojetos de reduo de danos (Pesquisa AJUDE Brasil II - 2001) apontam que 38,6%concederam agulhas e seringas a outra pessoa, enquanto 35,9% utilizaram agulhas eseringas de outra pessoa. A taxa de soroprevalncia de HIV de 36,5%.

    Pesquisa encomendada pelo Governo Federal sobre os custos dos acidentes de trnsitono Brasil (IPEA/MS e Cols., em desenvolvimento), mostra em seus resultados preliminaresque 53% do total dos pacientes atendidos por acidentes de trnsito, no Ambulatrio deEmergncia do Hospital das Clnicas/SP, em perodo determinado, estavam com ndices dealcoolemia em seus exames de sangue superiores aos permitidos pelo Cdigo de TrnsitoBrasileiro, sendo a maioria pacientes do sexo masculino, com idades entre 15 e 29 anos. Adeseconomia relacionada a estes agravos faz que o SUS gaste aproximadamente R$1.000.000,00 dos recursos do tesouro nacional e do Seguro Obrigatrio de Danos Pessoaispor Veculos Automotores Terrestres/DPVAT, com internaes e tratamentos (IPEA/MS eCols., em desenvolvimento); a mortalidade chega a 30 mil bitos/ano, cerca de 28%, dasmortes por todas as causas externas. Das anlises em vtimas fatais/IML/SP, o nvel dealcoolemia encontrado chega a 96,8%.

    A relao entre o uso do lcool, outras drogas e os eventos acidentais ou situaes deviolncia, evidencia o aumento na gravidade das leses e a diminuio dos anos potenciaisde vida da populao, expondo as pessoas a comportamentos de risco. Os acidentes e asviolncias ocupam a segunda causa de mortalidade geral, sendo a primeira causa de bitosentre pessoas de 10 a 49 anos de idade. Esse perfil se mantm nas sries histricas doSistema de Mortalidade do Ministrio da Sade, nos ltimos oito anos.

    O tema "Violncia e Sade" objeto de estudos nacionais, e internacionais, sendo oBrasil citado pela Organizao das Naes Unidas como um dos poucos pases que tratamesse assunto no mbito do setor sade. O Ministrio da Sade estuda a relao dessesagravos com o uso de lcool e outras drogas, para desenvolver a ateno integral populao, de acordo com o estabelecido na Legislao em vigor para o Sistema nico deSade (MS, 2001).

    O Brasil conta com mais de 51 milhes de jovens na faixa etria dos 10 aos 24 anos deidade. Enfrentar o desafio de promover o desenvolvimento saudvel da juventude requer aelaborao de polticas capazes de prover a ateno sade em todos os nveis decomplexidade, e a participao de todos os setores da sociedade.

    O uso de drogas, inclusive lcool e tabaco, tem relao direta e indireta com uma sriede agravos sade dos adolescentes e jovens, entre os quais destacam-se acidentes detrnsito, agresses, depresses clnicas e distrbios de conduta, ao lado de comportamentode risco no mbito sexual e transmisso do HIV pelo uso de drogas injetveis e de outrosproblemas de sade decorrentes dos componentes da substncia ingerida, e das vias deadministrao.

    Vrios trabalhos citados por Galdurz, Noto e Carlini na discusso do IV Levantamentosobre o Uso de Drogas entre Estudantes de 1 e 2 Graus em 10 Capitais Brasileirasevidenciam que o uso de drogas psicotrpicas influem fortemente no baixo rendimentoescolar. Tal concluso foi possvel, porque houve diferenas significativas na comparao dadefasagem srie/idade entre os no usurios e os usurios de drogas, exceto tabaco elcool. No entanto, a defasagem no Pas to grande que, mesmo sem o uso de drogas, aanlise mais aprofundada fica comprometida.

    14 Ministrio da Sade

  • Em Salvador, a defasagem chegou a 78,7%. Com exceo de Porto Alegre, So Paulo eCuritiba, as outras 07 capitais apresentaram defasagem escolar acima de 60%.

    15A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

    Sexo Masculino

    1- Leses, envenenamento ealgumas outras conseqncias decausas externas

    2- Doenas do aparelho respiratrio

    3- Doenas do aparelho digestivo

    4- Algumas doenas infecciosas eparasitrias

    5- Doenas do aparelho geniturinrio

    6- Transtornos mentais ecomportamentais

    7- Doenas do sistemaosteomuscular e do tecido conjuntivo

    8- Doenas do aparelho circulatrio

    9- Neoplastas (tumores)

    10- Doenas do sistema ner voso

    11- Doenas da pele e do tecidosubcutneo

    12- Causas externas de morbidade emortalidade

    Total

    10 a 14 anos

    36.901

    38.962

    21.500

    24.255

    12.505

    986

    9.207

    5.692

    3.602

    5.401

    4.677

    3.981

    167.669

    15 a 19 anos

    44.692

    30.845

    22.356

    19.482

    10.935

    9.708

    9.703

    5.698

    4.871

    5.580

    4.860

    4.701

    173.431

    20 a 24 anos

    53.940

    28.729

    30.113

    21.008

    13.227

    22.580

    11.730

    6.875

    7.382

    4.766

    5.356

    5.537

    211.252

    Total

    135.533

    98.536

    73.969

    64.745

    36.667

    33.283

    30.640

    18.265

    15.855

    15.747

    14.893

    14.219

    552.352

    %

    24,53

    17,83

    13,39

    11,72

    06,63

    06,02

    05,54

    03,30

    02,87

    02,85

    02,69

    02,57

    _

    Sexo Feminino

    1- Gravidez parto puerprio

    2- Doenas do aparelho geniturinrio

    3- Doenas do aparelho respiratrio

    4- Doenas do aparelho digestivo

    5- Algumas doenas infecciosas eparasitrias

    6- Leses, envenenamento ealgumas outras conseqncias decausas externas

    7- Doenas do aparelho circulatrio

    8- Neoplastas (tumores)

    9- Doenas do sistemaosteomuscular e do tecido conjuntivo

    10- Transtornos mentais ecomportamentais

    11- Sintomas, sinais e achadosanormais de exames clnicos e delaboratrio no classificados emoutra parte

    12- Doenas endcrinas nutricionaise metablicas

    Total

    Fonte: DATASUS/TABNET/MS

    Morbidade Hospitalar do SUS por local de residncia Brasil/2001

    Internaes por Lista Morb CID-10 Faixa Etria 2: 10 a 14 anos , 15 a 19 anos , 20 a 24 anos

    Fonte: DATASUS/TABNET/MS

    10 a 14 anos

    36.565

    10.756

    34.963

    13.966

    20.240

    12.436

    3.103

    4.590

    5.614

    748

    2.797

    4.169

    149.947

    15 a 19 anos

    706.552

    38.495

    32.882

    23.243

    20.321

    12.805

    7.379

    6.430

    5.992

    4.841

    5.316

    4.399

    868.655

    20 a 24 anos

    915.086

    57.003

    32.262

    36.615

    20.892

    12.786

    13.465

    10.427

    6.758

    9.658

    7.081

    4.962

    1.126.995

    Total

    1.658.203

    106.254

    100.107

    73.824

    61.453

    38.027

    23.947

    21.447

    18.364

    15.247

    15.194

    13.530

    2.145.597

    %

    77,28

    4,95

    4,66

    3,44

    2,86

    1,77

    1,11

    0,99

    0,85

    0,71

    0,7

    0,63

    _

  • Os quadros da pgina anterior evidenciam que as causas de morbidade so bemdiferenciadas por sexo. Verifica-se que a vulnerabilidade das mulheres nesta faixa etriaest na sade sexual e reprodutiva, enquanto que os homens esto mais expostos scausas de acidentes e violncia.

    O contingente masculino, de 10 a 24 anos de idade, tem como primeira causa demorbidade, dentro das primeiras doze causas, as leses e envenenamentos e algumasoutras causas externas, com uma incidncia de 24,53%; o percentual mais alto por faixaetria est na faixa de 20 a 24 anos de idade com 39,78%, seguida pelos adolescentes de15 a 19 anos (32,97%) e os de 10 a 14 anos, com 37,22%. Quando somadas a outrascausas externas de morbidade e mortalidade, com o percentual de 2,35%, mostram avulnerabilidade dos homens adolescentes e jovens s questes relacionadas violncia.

    3.2 Alcoolismo: o Maior Problema de Sade Pblica

    O uso do lcool impe s sociedades de todos os pases uma carga global de agravosindesejveis e extremamente dispendiosos, que acometem os indivduos em todas osdomnios de sua vida. A reafirmao histrica do papel nocivo que o lcool nos oferece deuorigem a uma gama extensa de respostas polticas para o enfrentamento dos problemasdecorrentes de seu consumo, corroborando assim o fato concreto de que a magnitude daquesto enorme, no contexto de sade pblica mundial.

    O diagnstico e o tratamento precoces da dependncia ao lcool tm papel fundamentalno prognstico deste transtorno, o que se amplia em uma perspectiva global de prevenoe promoo da sade, e se agrava ao constatarmos que, de uma forma geral, h despreparosignificativo e desinformao das pessoas que lidam diretamente com o problema, sejamelas usurios, familiares, sejam profissionais de sade.

    Aproximadamente 20% dos pacientes tratados na rede primria bebem em um nvelconsiderado de alto risco, pelo menos fazendo uso abusivo do lcool. Estas pessoas tmseu primeiro contato com os servios de sade por intermdio de clnicos gerais. Apesardisso, estes pouco detectam a presena de acometimento por tal uso, o que temrepercusso negativa sobre as possibilidades de diagnstico e tratamento. Vemos que, nogeral, o foco da ateno est voltado para as doenas clnicas decorrentes da dependncia que ocorrem tardiamente e no para a dependncia subjacente.

    Os fatos acima assumem importncia maior dentro de um contexto preventivo, aoconsiderarmos que, via de regra, o perodo mdio entre o primeiro problema decorrente douso de lcool e a primeira interveno voltada para este problema de 05 anos; a demorapara iniciar o tratamento e a sua inadequao pioram o prognstico. Dentre inmeros fatoresde influncia sobre a ineficcia da assistncia disponvel, consideramos sobremaneira acrena errnea de que os pacientes raramente se recuperam, sendo um fator decisivo paratanto a falta/oferta de um currculo relativo a abordagem do uso de lcool e drogas que sejaminimamente suficiente, pelas faculdades de medicina; ampliamos a questo para asinstituies de ensino fo rm a d o ras de outros profissionais de sade, na desejve lpossibilidade de abordagens multiprofissionais para os consumidores.

    Ainda de forma relativa aos profissionais de sade, existem diversos impedimentos paradiagnosticar, tratar ou encaminhar as pessoas que apresentam complicaes decorrentesdo consumo de lcool. Em um plano cognitivo, os trabalhadores de sade apresentam a faltade conhecimentos sobre a variedade de apresentaes sintomticas gerados pelo usoabusivo e pela dependncia ao lcool, bem como de meios para facilitar o seu diagnstico.Apresentam tambm uma viso negativa do paciente, e de suas perspectivas evolutivasfrente ao problema, o que impede uma atitude mais produtiva.

    D evemos considerar que a no-compreenso fenomenolgica da re s i s t n c i afreqentemente apresentada pelos pacientes provoca nestes profissionais respostas poucoacolhedoras, o que se agrava na perspectiva de que a necessidade de acolhimento,enquanto estratgia facilitadora de abordagem, motivao, e aderncia a qualquer proposta

    16 Ministrio da Sade

  • de cuidados, fundamental. Tal acolhimento, em qualquer nvel assistencial (especializadoou no-especializado), deve estar disponvel no momento em que a sua necessidade seimpe, uma vez que a ambivalncia, a flutuao motivacional e o imediatismo fazem parteda apresentao costumeiramente evidente naqueles que procuram os servios de sade,devido s conseqncias do seu consumo alcolico. Podemos ainda apontar comoimpedimento o conceito normalmente abraado pelos profissionais de sade de que nopossuem qualquer responsabilidade ou competncia sobre o diagnstico e tratamento dadependncia ao lcool, em uma evidente demonstrao de estigma, excluso e preconceito.

    Ao analisarmos alguns dados correlatos e relativos aos custos decorrentes, vemos queos custos decorrentes do consumo de lcool so de grande magnitude. Considerando dadosreferentes ao ano de 2001 (DATASUS, 2001), tivemos no Brasil 84.467 internaes para otratamento de problemas relacionados ao uso do lcool, mais de quatro vezes o nmero deinternaes ocorridas por uso de outras drogas. No mesmo perodo, foram emitidas 121.901AIHs para as internaes relacionadas ao alcoolismo. Como a mdia de permanncia eminternao foi de 27,3 dias para o perodo selecionado, estas internaes tiveram em 2001um custo anual para o SUS de mais de 60 milhes de reais.

    Estes nmeros no incluem os gastos com os tratamentos ambulatoriais , nem com asinternaes e outras formas de tratamento de doenas indiretamente provocadas peloconsumo do lcool, como aquelas que atingem os aparelhos digestivo e cardiovascular,cncer (principalmente heptico, de estmago e de mama), deficincias nutricionais,doenas do feto e recm-nato da me alcoolista, as doenas neurolgicas e o agravamentode outras doenas psiquitricas provocado pelo lcool, assim como os agravos decorrentesde acidentes ou violncia, o que se aplica a todos os povos. Pesquisa realizada pelo InstitutoNacional de Abuso de lcool e Drogas dos EUA (1997) revelou que o uso excessivo debebida estava presente em 68% dos homicdios culposos, 62% dos assaltos, 54% dosassassinato e 44% dos roubos ocorridos. De forma relativa violncia domstica, a mesmapesquisa evidenciou que 2/3 dos casos de espancamento de crianas ocorrem quando ospais agressores esto embriagados, o mesmo ocorrendo nas agresses entre marido emulher. No Brasil, pesquisa realizada pelo CEBRID (1996) informou que na anlise de maisde 19.000 laudos cadavricos feitos entre 1986 e 1993 no IML de cada 100 corpos quederam entrada vtimas de morte no natural, 95 tinham lcool no sangue.

    Ainda de acordo com o DATASUS, e considerando o perodo compreendido entre 2001 enovembro de 2003, verificamos que o maior percentual de gastos decorrente do usoindevido de lcool 84,5%; contra 14,6% de gastos oriundos no consumo de outrassubstncias psicoativas.

    MORBIDADE HOSPITALAR NO SUSTranstornos mentais decor rentes do uso de lcool e outras substncias psicoati vas 2002 at abril de 2004

    MORBIDADES CID 10 Valor Total (R$) (%)

    Transtornos mentais e comportamentaisdevido ao uso de lcool 142.646.007,46 83%

    Transtornos mentais e comportamentais devido ao usode outras substncias psicoativas 29.098.956,61 17%

    Total Gastos Anuais 171.744.964,07 100%

    Fonte: DATASUS, Ministrio da Sade.

    17A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • Os dados confirmam o consenso mundial de que as intervenes voltadas para minimizaros custos do gasto indevido de substncias psicoativas devem dedicar ateno especial sdrogas de uso lcito, especialmente o lcool. Poucos consumidores (os mais acometidos, emverdade) recebem ateno do sistema de sade em dispositivos de ateno extra-hospitalarespecializada (ainda pouco disponvel) ou em nvel de ateno bsica; a ateno hospitalarno Brasil, componente de um modelo iatrognico, ultrapassado e excludente de oferta decuidados, no contempla as necessidades da maioria dos indivduos que tm poucosproblemas com o lcool, os quais constituem parcela maior da populao de consumidores portanto, com maior probabilidade e risco para desenvolver problemas mais graves,devendo ser alvo de intervenes preventivas, o que no deve ser absolutamente ignorado,d e n t ro de uma pers p e c t iva de sade pbl i c a . Desta fo rm a , p reveno precoce eintervenes breves podem ter efeitos benficos que ultrapassam as suas populaes-alvo.A oferta de cuidados extra-hospitalares, inseridos na comunidade e complementados poroutros programas assistenciais, promove condies para a reverso deste panorama.

    Repensar as formas de cuidar destas pessoas deve contemplar formas de intervenoprecoce, dentro de uma perspectiva lgica de reduo de danos, o que teria impactoaltamente positivo sobre a carga global de problemas e sobre o custo direto e indiretoassociado ao consumo de lcool.

    Desta forma, uma poltica nacional de ateno sade, de forma relacionada aoconsumo de lcool, implica a implementao da assistncia, ampliando a cobertura e oespectro de atuao do Programa Nacional de Ateno Comunitria Integral a Usurios delcool e outras Drogas do Ministrio da Sade, o qual contempla a assistncia a pessoascom problemas relacionados ao uso do lcool e seus familiares. A assistncia a usurios delcool deve ser oferecida em todos os nveis de ateno, privilegiando os cuidados emdispositivos extra-hospitalares, como o Centro de Ateno Psicossocial para lcool e Drogas(CAPS ad), devendo tambm estar inserida na atuao do Programa de Sade da Famlia,Programa de Agentes Comunitrios de Sade, Programas de Reduo de Danos e da RedeBsica de Sade.

    Tambm fundamental aperfeioar a assistncia dos casos de maior gravidade nosdispositivos de sade que demandem por cuidados mais especficos em dispositivos demaior complexidade, como os servios de emergncias mdicas (geral e emergnciapsiquitrica), principalmente para o atendimento de urgncias como os quadros deintoxicao ou abstinncia graves e outros transtornos clnicos e psiquitricos agudos; omesmo deve ocorrer em hospitais psiquitricos e hospitais gerais.

    Quanto capacitao, devem ser ampliadas as atividades do Programa Permanente deCapacitao de Recursos Humanos para os Servios de Ateno aos Usurios de Drogasna Rede do SUS do Ministrio da Sade, capacitando no apenas os profissionais queatuaro nos CAPS ad, como tambm os que atuam nas demais unidades assistenciais,atividade tambm extensiva ao PSF e PACS, contemplando tambm a capacitao paraprofissionais de nvel mdio que atuem na assistncia aos problemas relacionados ao usodo lcool. fundamental o desenvolvimento, em ao conjunta com o Ministrio daEducao, a modificao do currculo dos cursos de graduao na rea da sade, exigindoa abordagem dos problemas relacionados ao uso do lcool.

    Quanto preveno, essencial capacitar as equipes de sade da famlia e prover ossubsdios necessrios para o desenvolvimento de aes de preveno primria do usoprejudicial do lcool, para o diagnstico precoce, desenvolvimento de aes de reduo dedanos, tratamento de casos no complicados e referenciamento para a rede de assistnciados quadros moderados e graves.

    Deve ser estimulado o desenvolvimento de aes de preveno em escolas, locais det rab a l h o, s i n d i c atos e outras associaes. As aes incentivadas devem ter carterp e rm a n e n t e, ao invs de iniciat ivas pontuais e espordicas, como campanhas, sem no entantop rescindir de aes de curta durao voltadas para a multiplicao da atuao preve n t iva .

    18 Ministrio da Sade

  • Educar a populao fundamental, pois promove a reduo dos obstculos relativos aoao tratamento e ateno integral voltada para os consumidores de lcool, aumentando aconscincia coletiva sobre a freqncia dos transtornos decorrentes do uso indevido delcool e drogas. As opes de ateno disponveis e seus benefcios devem ser amplamentedivulgados.

    As respostas da populao em geral, dos profissionais, da mdia, dos formuladores depolticas e dos polticos devem refletir os melhores conhecimentos disponveis. Campanhasde educao e sensibilizao, bem orga n i z a d a s, re d u zem a discriminao e aestigmatizao, e fomentam o uso dos servios disponveis. Desta forma, as atividadepreventivas tambm devem ser orientadas ao fornecimento de informaes e discusso dosproblemas provocados pelo consumo do lcool, sempre tendo em mente a estratgia dereduo de danos, tendo ainda como fundamento uma viso compreensiva do consumo dolcool como fenmeno social, e ao mesmo tempo individual.

    Quanto mdia, uma poltica para reduo de danos relacionados ao consumo de lcooldeve necessariamente propor modificao na legislao na direo da proibio dapropaganda de bebidas alcolicas em meios de comunicao de massa. A propaganda deveficar restrita aos locais de venda (bares, prateleiras de supermercado, etc.), como j feitono Brasil para o tabaco. Os veculos de comunicao de massa devem ser incentivados arealizar campanhas de reduo dos danos sade provocados pelo consumo do lcool. Oeixo norteador de campanhas pela reduo dos problemas provocados pelo lcool deve sera estratgia de reduo de danos, devendo haver a crtica de esteretipos relacionados aouso do lcool, e incentivados pela propaganda de bebidas alcolicas, como a associao douso do lcool com a virilidade, a sensualidade, a diverso etc. Produtores, distribuidores eestabelecimentos que vendem bebidas devem ser implicados no desenvolvimento dacampanha de preveno, por meio de suas associaes.

    Quanto ao controle social dos danos sade relacionados ao uso do lcool, deve serfomentado o debate pblico em vrias instncias de modo a viabilizar o controle social sobreos danos sade e relacionados ao consumo de bebidas alcolicas. Este debate deveabordar medidas como a reviso da taxao de bebidas alcolicas por meio de imposto queseria destinado ao custeio de assistncia e preveno dos problemas relacionados ao usodo lcool, bem como por discusso, implantao e implementao das propostas constantesno Relatrio Final da III Conferncia Nacional de Sade Mental (III CNSM, 2001) e doSeminrio Internacional de Reduo de Danos em lcool, realizado em Recife, emsetembro de 2002.

    As discusses sobre o controle social e poltico do lcool devem combater argumentosmais liberais, os quais preconizam que a oferta e a demanda do lcool deveria ser algo queo prprio mercado deveria regular; que no Brasil temos controle em demasia, e que nonecessitaramos de mais um controle sobre esse pro d u t o, sendo tambm poucodemocrtico fazermos controle de um produto que legalizado.

    Pa ra tanto, d evem-se utilizar fo rtes contra - a rg u m e n t o s, no sentido de que so ex at a m e n t eos pases mais desenvolvidos do ponto de vista democrtico que aumentam a cada dia oc o n t role social sobre o lcool. necessrio priv i l egiar o interesse da sociedade em pro t ege r-se dos danos causados pelo lcool, em face do interesse da indstria de beb i d a s, s e n d op o rtanto imperat ivo um exe rccio menos tmido e mais eficaz do controle social, no sentido deimplementao das propostas que configurem uma poltica pblica re l at iva ao uso de lcool.

    3.3 Uso de Dr ogas e Incio da Vida Sexual

    Estudos demogrficos apontam para crescente tendncia de reduo da faixa etria deincio de vida sexual (em torno de 13 anos), refletida em altos ndices de gravidez naadolescncia, o que coincide com um incio igualmente precoce do uso de bebidasalcolicas. Pesquisa realizada na periferia de Caruaru (PE) confirmou esses dados, aorevelar que 27,6% dos entrevistados tiveram a primeira relao sexual antes dos 13 anos, e

    19A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • 80,1% tiveram antes dos 17 anos. Tais ndices coincidem com a idade mdia de incio deconsumo de bebidas alcolicas, tambm ex t rados da pesquisa supra c i t a d a : 3 2 , 2 %comearam a beber antes dos 13 anos e 74, 9% antes dos 17 anos.

    Os dados pre l i m i n a res da ltima pesquisa realizada pelo Centro Bra s i l e i ro deInformaes sobre Drogas Psicotrpicas CEBRID/UNIFESP: relao ente o uso de cracke o desenvolvimento de comportamento de risco para a infeco de DST/HIV/AIDS, com 150mulheres usurias de crack de So Paulo e So Jos do Rio Preto, demonstram que 80%das entrevistadas referem que a idade da primeira experincia sexual ocorreu antes dos 15anos de idade, sendo que metade da amostra teve sua iniciao antes dos 14 anos.Constata-se o dado alarmante de 17% da iniciao sexual por estupro. Das entrevistadas,72% referiram no saber que teriam de se proteger nas relaes sexuais, revelando baixoconhecimento sobre doenas sexualmente transmissveis; conseqentemente, o percentualdessas mu l h e res que re fe re ter usado pre s e rvat ivo na primeira relao sexual extremamente baixo: 7%. Essas mulheres iniciaram precocemente o uso de crack,geralmente por influncia do companheiro, sendo que para algumas o crack foi a primeiradroga psicotrpica utilizada. Citam o lcool e a maconha como substncias de usoobrigatoriamente associado ao crack.

    3.4 Meninos e Meninas de Rua e o Consumo de Dr ogas

    Outro estudo atual e relevante foi realizado pelo MS em parceria com o MovimentoNacional de Meninos e Meninas de Rua MNMMR no ms de junho/2002, junto a crianase adolescentes em situao de risco social. A amostra foi composta de 632 crianas eadolescentes entre 10 e 23 anos. Destacamos alguns dados gerais:

    53,5% so do sexo masculino e 46,5% do sexo feminino; 85% dos entrevistados encontram-se na faixa etria de 13 a 17 anos; 94,8% referem freqentar a escola regularmente; 89,5% referem morar na maioria dos dias da semana com a famlia, apenas 0,1% mora

    nas ruas e 9,5% em instituies.

    Quanto aos conhecimentos sobre formas de contgio de AIDS, a pesquisa mostrou que93,2% dessa populao jovem tm info rmao sobre a infeco por meio docompartilhamento de seringas. Quanto ao uso de drogas, 23,2% refere j ter usado algumtipo de droga e quanto ao uso de droga por via injetvel compartilhando a mesma seringaou agulhas h referncia em 0,8% da amostra.

    Quando questionados sobre as drogas mais utilizadas pelas pessoas nos locais ondemoram (perguntas com mltiplas escolhas), relataram:

    lcool: 66,7% Maconha: 65,1% Cola: 41,7% Cocana: 19,6% Crack: 13,13% Droga Injetvel: 6,5%

    3.5 A Epidemia de AIDS e a Rota do Trfico

    Defrontamo-nos com um cenrio complexo e em permanente mutao referente tanto aotrfico, quanto ao consumo de drogas. Este cenrio repercute de forma importante nadinmica da epidemia do HIV/AIDS, reclamando diversas alternativas preventivas, aplicveisa contextos que variam de regies com um uso incipiente de drogas injetveis (ainda que deum consumo intenso de drogas ilcitas pelas demais vias) a regies onde existem epidemiasmaduras de HIV/AIDS na populao local de UDI (com taxas de infeco pelo HIV por vezessuperiores a 60%).

    20 Ministrio da Sade

  • 3.6 Uso de Dr ogas Injetveis

    O uso compartilhado de equipamentos utilizados na auto-administrao de drogasinjetveis, com o predomnio da cocana injetvel, direta ou indiretamente, responsvel porcerca de 25% do total de casos de AIDS notificados. Alm da infeco pelo HIV, as demaisdoenas de transmisso sangnea so bastante prevalentes entre os usurios de drogasinjetveis (UDI) brasileiros, com taxas elevadas de infeco pelos agentes etiolgicos dashepatites virais, alm de infeces particularmente comuns em determinadas regiesbrasileiras, como a infeco pelo HTLV I / II, endmica na Bahia e regio Nordeste do Brasil,alm de surtos de malria transmitidos por equipamentos de injeo.

    Embora ainda no tenhamos dados consistentes, pesquisas pontuais e a observao darealidade demonstram crescimento do compartilhamento de seringas e agulhas para uso deanabolizantes em academias e de silicone injetvel entre travestis. Por ora, estima-se, apartir de dados disponibilizados por diferentes pesquisas, que existam cerca de 800.000usurios de drogas injetveis (UDI) no Pas, com utilizao desta via de consumo ao menosuma vez nos ltimos 12 meses, com as seguintes caractersticas:

    So jovens, entre 18 a 30 anos, tendo iniciado o consumo de drogas injetvel por volta dos 16 anos;

    Escolaridade baixa, tendo a maioria o primeiro grau incompleto; A mdia de injeo gira em torno de 10 a 25 vezes por sesso de uso; Altas taxas de HIV = 36,5%, Hepatite C = 56,4 %; 85% dos UDI relatam o uso de droga em grupo; 23% procuraram tratamento para a dependncia qumica em algum momento da

    vida; 80 % j foram detidos pelo menos uma vez na vida.

    21A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • 4. Diretrizes para a Poltica deAteno Inte gral aos Usuriosde lcool e outras Dr ogas

    Polticas e prticas dirigidas para pessoas que apresentam problemas decorrentes douso de lcool e outras drogas, no mbito de atuao do Ministrio da Sade, devem estarintegradas s propostas elaboradas pela rea Tcnica de Sade Mental/lcool e Drogas doMS, bem como articuladas com as demais reas do prprio Ministrio da Sade.

    As diretrizes para uma poltica ministerial especfica para a ateno a estes indivduosesto em consonncia com os princpios da poltica de sade mental vigente preconizada,articulada e implementada pelo Ministrio da Sade; uma vez regulamentada e respaldadapela Lei Federal 10.216 (MS, 2002), sancionada em 6/4/2001 , constitui a Poltica de SadeMental oficial para o Ministrio da Sade, bem como para todas as unidades federativas.

    Assim sendo, a Lei Federal 10.216 (MS, 2002) tambm vem a ser o instrumento legal/normativo mximo para A Poltica de Ateno aos Usurios de lcool e outras Drogas, aqual tambm se encontra em sintonia para com as propostas e pressupostos daOrganizao Mundial da Sade. A Lei em questo tem diversos desdobramentos positivospossveis, se aplicada com eficcia (Delgado, 2002).

    Vi abilizando as deliberaes da III Conferncia Nacional de Sade Mental, no sentidode normalizar a ateno a usurios de lcool e droga s, o Ministrio da Sade publ i c o up o rtarias voltadas para a estru t u rao de rede de ateno especfica a estas pessoas. APo rtaria GM/336 de 19 de feve re i ro de 2002 (MS, 2002) define normas e dire t r i zes para ao rganizao de servios que prestam assistncia em sade mental, tipo Centros deAteno Psicossocial CAPS, i n cludos aqui os CAPS voltados para o atendimento aosusurios de lcool e droga s, os CAPS ad. J a Po rtaria SAS/189 de 20 de maro de 2002( M S, 2002) regulamenta a Po rtaria GM/336, criando no mbito do SUS os "servios deateno psicossocial para o desenvolvimento de at ividades em sade mental parapacientes com tra n s t o rnos decorrentes do uso prejudicial e/ou dependncia de lcool eo u t ras droga s " .

    A necessidade de definio de estratgias especficas de enfrentamento que visam aofo rtalecimento da rede de assistncia aos usurios de lcool e outras droga s, com nfa s ena re abilitao e reinsero social dos mesmos, l evou o Ministrio da Sade a instituir, n ombito do Sistema nico de Sade, o Programa Nacional de Ateno Comu n i t r i aI n t egrada aos Usurios de lcool e outras Droga s, via Po rtaria GM/816 de 30 de abril de2002 (MS, 2 0 0 2 ) ; mediante a considerao da multiplicidade de nveis de organizao dasredes assistenciais localizadas nos Estados e Distrito Fe d e ra l , da dive rsidade dasc a ractersticas populacionais existentes no Pas e da variao da incidncia det ra n s t o rnos causados pelo uso abu s ivo e/ou dependncia de lcool e outras droga s, oMinistrio da Sade prope a criao de 250 Centros de Ateno Psicossocial CAPSa d , d i s p o s i t ivo assistencial de comprovada re s o l u b i l i d a d e, podendo ab r i gar em seusp rojetos teraputicos prticas de cuidados que contemplem a fl exibilidade e a ab ra n g n c i ap o s s veis e necessrias a esta ateno especfica, d e n t ro de uma pers p e c t iva estrat g i c ade reduo de danos sociais e sade.

    22 Ministrio da Sade

  • O programa considera ainda a necessidade de estruturao e fortalecimento de umarede de assistncia centrada na ateno comunitria associada rede de servios de sadee sociais, que tenha nfase na reabilitao e reinsero social dos seus usurios; consideraainda que a ateno psicossocial a pacientes com dependncia e/ou uso prejudicial delcool e outras drogas deve se basear em uma rede de dispositivos comunitrios, integradosao meio cultural, e articulados rede assistencial em sade mental e aos princpios daReforma Psiquitrica.

    Estes dispositivos, os j mencionados CAPS ad, devem oferecer atendimento dirio,sendo capazes de oferecer atendimento nas modalidades intensiva, semi-intensiva e no-intensiva, permitindo o planejamento teraputico dentro de uma perspectiva individualizadade evoluo contnua. Possibilitam ainda intervenes precoces, limitando o estigmaassociado ao tratamento. Assim, a rede proposta se baseia nestes servios comunitrios,apoiados por leitos psiquitricos em hospital geral e outras prticas de ateno comunitria(ex.: internao domiciliar, participao comunitria na discusso dos servios), de acordocom as necessidades da populao-alvo dos trabalhos.

    No que se refere s estratgias necessrias para a reformulao da Poltica Nacional delcool e Drogas, relevante destacar algumas caractersticas do campo de prticas,observadas no cenrio nacional e internacional:

    1. O consumo de drogas no atinge de maneira uniforme toda a populao e suadistribuio distinta nas diferentes regies do Pas, apresentando inclusive diferenassignificativas em uma mesma regio, tanto nos aspectos sociais, quanto nas vias deutilizao e na escolha do produto;

    2. A pauperizao do Pas, que atinge em maior nmero pessoas, famlias ou jovens decomunidades j empobrecidas, apresenta o trfico como possibilidade de gerao de rendae medida de proteo;

    3. O aumento no incio precoce em uso de drogas legais entre os jovens e a utilizaocada vez mais freqente de uso de drogas de designe crack, e o seu impacto nas condiesde sade fsica e psquica dos jovens, notadamente pela infeco ao HIV e hepatites virais;

    4 . A definio de polticas internacionais que contextualizam os pases emdesenvolvimento somente a partir de sua condio de produo, refino e exportao deprodutos nocivos sade.

    Por outro lado, a insuficincia/ausncia histrica de polticas que promovam a promooe proteo social, de sade e tratamento das pessoas que usam, abusam ou sodependentes de lcool so determinantes para o aumento de suas vulnerabilidades.

    Somado a esses fatores, o rigor da Lei Criminal de drogas vigente manifesta-se emcondies desfavorveis de acesso sade e a participao e organizao dos usurios dedrogas, ao estabelecer o uso como "proibido", sugerindo a ocultao. Alm disso, ao dividir-se as drogas em lcitas e ilcitas, incorre-se na concentrao de perigo e pnico diantedaquelas substncias qualificadas de ilcitas, h avendo incl u s ive incentivo quelasqualificadas de lcitas.

    Ressaltamos a necessidade de desenvo l ver aes de ateno integral ao uso delcool e drogas nas grandes cidades de fo rma dife re n c i a d a , d evido constatao deq u e, nas perife r i a s, locais de concentrao dos denominados "cintures de pobrez a " , h subsistemas sociais que incluem grupos organizados (de droga s, c r i m e, gangues etc. ) ,alm de ausncia de fat o res de proteo comunidade que direta e/ou indire t a m e n t epossam contribuir para a diminuio das vulnerabilidades da populao, como porexe m p l o, implementao de iluminao pbl i c a , s a n e a m e n t o, c e n t ros sociais e de laze r,j o rnadas duplas de escolaridade para jovens com at ividades scio-educacionais,p rofissionalizantes e re c re at ivas etc.

    23A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • Principais fatores que reforam a excluso social dos usurios de drogas:

    1. Associao do uso de lcool e outras drogas delinqncia, sem critrios mnimos de avaliao;

    2. O estigma atribudo aos usurios, promovendo a sua segregao social;

    3. Incluso do trfico como uma alternativa de trabalho e gerao de renda para aspopulaes mais empobrecidas, em especial utilizao de mo-de-obra de jovens nestemercado;

    4. A ilicitude do uso impede a participao social de forma organizada desses usurios;

    5. O tratamento legal e de forma igualitria a todos os integrantes da "cadeiaorganizacional do mundo das drogas" desigual em termos de penalizao e alternativasde interveno;

    Desta forma, todas as propostas abaixo descritas tm o objetivo imprescindvel de:

    1) Alocar a questo do uso de lcool e outras drogas como problema de sade pblica;

    2) Indicar o paradigma da reduo de danos estratgia de sade pblica que visa areduzir os danos causados pelo abuso de drogas lcitas e ilcitas, resgatando o usurio emseu papel autoregulador, sem a preconizao imediata da abstinncia e incentivando-o mobilizao social nas aes de preveno e de tratamento, como um mtodo clnico-poltico de ao territorial inserido na perspectiva da clnica ampliada;

    3) Formular polticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usurio dedroga um doente que requer internao, priso ou absolvio;

    4) Mobilizar a sociedade civil, oferecendo a esta condies de exercer seu controle,participar de prticas preventivas, teraputicas e reabilitadoras, bem como estabelecerparcerias locais para o fortalecimento das polticas municipais e estaduais.

    4.1 Intersetorialidade

    O impacto de polticas pblicas coordenadas setorialmente visvel e vem se impondopara todas as reas sociais de governo. O desafio colocado o de aperfeioar osinstrumentos de acompanhamento e de gerao de informaes, que tornem factveis osprocessos de avaliao e de gesto dos programas.

    O uso de lcool e outras droga s, por trat a r-se de um tema tra n s ve rsal a outras reas das a d e, da justia, da educao, social e de desenvo l v i m e n t o, requer uma intensa cap i l a r i d a d ep a ra a execuo de uma poltica de ateno integral ao consumidor de lcool e outras droga s.

    As articulaes com a sociedade civil, movimentos sindicais, associaes e organizaescomunitrias e universidades, so fundamentais para a elaborao de planos estratgicosdos estados e municpios, ampliando-se significativamente a cobertura das aes dirigidasa populaes de difcil acesso. Tais articulaes constituem-se em instru m e n t o sfundamentais de defesa e promoo de direitos (advocacy) e de controle social.

    Nesse sentido, no campo da prtica de polticas pblicas, a intersetorialidade e aintrasetorialidade requerem investimentos contnuos e de longo prazo, dedicando esforoscoerentes a cada nova gerao. A integralidade das aes, com a conseqente definio depapis entre os diversos nveis de governabilidade, requer:

    1. Construo de oportunidades de insero das aes nos mecanismos implementadospelo Sistema nico de Sade SUS nestas esferas de governo;

    24 Ministrio da Sade

  • 2. A formulao de alternativas de sustentabilidade e de financiamento das aes;

    3 . O repasse das experincias re l at ivas s iniciat ivas de descentralizao e dadesconcentrao de atividades e de responsabilidades obtidas por estados e municpios;

    4. Processos de formao e capacitao de profissionais e de trabalhadores de sade,com amplo investimento poltico e operacional para a mudana de conceitos.

    As aes de cooperao internacional tambm fortalecem este processo de articulaoe de gesto, medida que promovem a negociao de projetos e atividades de cooperao,a sua formalizao junto s instncias pertinentes, e as providncias tcnico-administrativaspara viabilizao destas aes, bem como a articulao com organismos internacionais ecom governos estrangeiros, no sentido de desenvolver aes de cooperao tcnica,cientfica, tecnolgica e financeira.

    Uma das propostas que se vislumbra como geradora de conhecimento e informao ainterao sistemtica entre universidades, centros de pesquisa e envolvimento de diversosservios de sade, educao e sociais na constituio de sistemas locais de inovaocientfica e tecnolgica aplicada aos problemas derivados do uso de drogas, bem como aarticulao com outros setores sociais nacionais e internacionais comprometidos com aproduo de conhecimentos neste campo.

    4.2 Ateno Inte gral

    Definir polticas pblicas para a promoo de mudanas capazes de manterem-seestveis nos diferentes nveis envolvidos requer:

    1 . Mudanas individuais de comportamento que esto diretamente vinculadas aestratgias globais de diminuio de riscos individuais e nos grupos de pares;

    2. A mudana de crenas e normas sociais;

    3. Aes de informao e preveno, destinadas populao em geral com vistas aparticipao comunitria;

    4. Diversificao e ampliao da oferta de servios assistenciais;

    5. Adoo de polticas de promoo a sade que contemplem aes estruturais nasreas de educao, sade e de acesso a bens e servios em suma, que incluam naagenda a questo do desenvolvimento;

    6. Discusso das leis criminais de drogas e implementao de dispositivos legais para aeqidade do acesso dos usurios de lcool e outras drogas s aes de preveno,tratamento e reduo de danos, de acordo com prioridades locais e grau de vulnerabilidade;

    7. Reviso da lei que permite demisso por justa causa em empresas que constatam ouso de drogas por funcionrios;

    8. Discusso e impedimento de testagem de uso de drogas, realizada de formacompulsria em funcionrios de empresas e estudantes de escolas pblicas.

    O estabelecimento de uma poltica exitosa deve prever sua descentralizao e autonomiade gesto pelos nveis estaduais e municipais. Para tanto, a definio dos papis de cadanvel fundamental, assim como a definio dos mecanismos de captao, utilizao erepasse de recursos financeiros pelos trs nveis de governo, de forma a equalizar os gastosem vigilncia, tratamento, preveno, reduo de danos e represso.

    Para tanto, fundamental a recomposio das instncias estaduais e municipais de

    25A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • controle da poltica de drogas, juntamente aos conselhos de sade, ressaltando-se o ganhoincomensurvel se tais instncias promoverem a participao de consumidores de drogaspara a formulao de polticas locais. Os conselhos de sade necessitam resgatar seu papelarticulador entre os diferentes segmentos e no se constiturem em executores de aes. importante ressaltar que a implementao de um sistema de formao de recursoshumanos especificamente voltado para este tema imprescindvel.

    Para a questo especfica do consumo de drogas, o mundo defronta-se com o desafio deencontrar respostas que possam trazer, em mdio prazo, a melhoria substancial dascondies de vida das pessoas consumidoras de drogas, bem como respostas potentesrelativas a preveno e tratamento.

    Os principais limites observados pela falta de prioridade dada a uma poltica de sadeintegral dirigida ao consumidor de lcool e outras drogas pode ser observada a partir doimpacto econmico e social que tem recado para o SUS, seja por seus custos diretos, sejapela impossibilidade de resposta de outras pastas governamentais, de forma a impactarpositivamente na reduo do consumo de drogas, no resgate do usurio do ponto de vistada sade e no to-somente moralista ou legalista, e em estratgias de comunicao quereforam o senso comum de que todo consumidor marginal e perigoso para a sociedade.

    4.2.1 Preveno

    Em todo o mundo, so evidentes os agravos decorrentes do uso indevido de substnciasp s i c o at iva s ; tambm de conhecimento pblico a crescente elevao dos custosdecorrentes direta ou indiretamente de tal uso. O estigma, a excluso, o preconceito, adiscriminao e a desabilitao so ao mesmo tempo agravantes e conseqncias do usoi n d evido de lcool e droga s, c o l ab o rando morbidamente para a situao decomprometimento global que acomete tais pessoas. Isto tambm ocor re relativamente aosoutros transtornos mentais.

    Em uma evidncia constante no tempo, a elevao do consumo evolui de maneiraproporcional ao crescimento da problemtica psicossocial correlata, devidamente manifestaem todos os segmentos sociais; por sua vez, estes tm contribudo historicamente para ore foro negat ivo dos agravantes acima citados, fato amplamente comprovado aoanalisarmos o despreparo global de todos (profissionais de sade, pacientes e familiares, nogeral) os envolvidos com questes decorrentes de tal uso (Crisp, 2000).

    Devemos ainda considerar o carter informativo alarmista em relao ao real status quodo problema; tabaco e lcool, substncias de uso historicamente lcito e as mais consumidasem todo o mundo so tambm as que trazem maiores e mais graves conseqncias para asade pblica mundial. Com a mesma magnitude, deve ser levada em conta a grandetimidez nacional em propor prticas de efetivo controle social relativo comercializaodestes produtos, que no trouxessem inevitavelmente a consolidao de uma cultura defalsos constrangimentos, e que fossem facilitadoras para a reduo de danos e custosdecorrentes do seu uso indevido. O comprometimento global conseqente ao uso de lcoole outras drogas envolve muito estigma, excluso e preconceito. Alm disso, sofre influnciada desabilitao que promove, sendo esta definida como a perda ou restrio nashabilidades de um indivduo para exercer uma atividade, funo ou papel social, emqualquer um dos domnios da vida de re l a o. Suas conseqncias afe t a m , c o mconsidervel prejuzo, as naes do mundo inteiro, ultrapassando fronteiras, na medidaem que a problemtica inerente ao abuso e/ou dependncia de drogas avana portodas as sociedades, envolvendo homens e mulheres de diferentes grupos tnicos,independentemente de classe social e econmica ou mesmo de idade.

    A preveno voltada para o uso abusivo e/ou dependncia de lcool e outras drogas podeser definida como um processo de planejamento, implantao e implementao de mltiplasestratgias voltadas para a reduo dos fatores de vulnerabilidade e risco especficos, efortalecimento dos fatores de proteo. Implica necessariamente a insero comunitria das

    26 Ministrio da Sade

  • prticas propostas, com a colaborao de todos os segmentos sociais disponveis,buscando atuar, dentro de suas competncias, para facilitar processos que levem reduoda iniciao no consumo, do aumento deste em freqncia e intensidade, e dasconseqncias do uso em padres de maior acometimento global. Para tanto, a lgica dareduo de danos deve ser considerada como estratgica ao planejamento de propostas eaes preventivas.

    O compartilhamento de responsabilidades, de forma orientada s praticas de efeitopreventivo, tambm no deve abrir mo da participao dos indivduos diretamenteenvolvidos com o uso de lcool e outras drogas, na medida em que devem ser implicadoscomo responsveis por suas prprias escolhas, e como agentes e receptores de influnciasambientais (Marlatt, 1999). Tambm no deve dispensar a participao dos que no estodiretamente envolvidos, ao contrrio: as intervenes de cunho preventivo devem seraplicveis para toda a populao, considerando que a maior parcela da mesma ainda nofoi atingida pelo problema em questo, e que um grande contingente de indivduos seencontra em grupos de baixo/moderado risco para o uso abusivo e/ou dependncia delcool e outras drogas. Isto ratifica a considerao estratgica da reduo de danos, umavez que possibilita um planejamento mais flexvel e abrangente de atividades preventivas,dentro de um contexto de sade pblica.

    Devemos ainda considerar o enorme contingente de crianas e adolescentes no Brasil.Levando em conta que a sociedade deve assumir o compromisso tico de cuidar de suascrianas e adolescentes, isto deveria encontrar equivalncia no aumento na ateno globalvoltada para esta faixa etria especfica; no devemos esquecer que o descaso do presentepoder incorrer em um custo futuro pesado para toda a sociedade.

    Cada indivduo constitui campo de integrao e inter-relao de vrios fenmenos demanifestao biopsicossocial, sendo ainda o local de entrecruzamento para estas variveis.A maneira como este indivduo percebe conscientemente esta interseo pode ser definidacomo subjetividade, sendo esta o stio de percepo e manifestao do que lhe relativo,inclusive no tocante sua prpria sade. Ao considerarmos que a promoo de sadeencontra seu espao na busca constante de mais qualidade de vida para as pessoas, e queo mesmo deve acontecer em relao aos que so alvo das aes de preveno, qualquertentativa de reduzir ou eliminar uma possvel influncia de fatores sobre a vulnerabilidade eo risco para o uso abusivo e/ou dependncia de lcool e drogas deve considerar as prticasde vida diria destes indivduos. Vale a pena ratificar que, se estas prticas podeminfluenciar positiva ou negativamente o seu bem-estar, podem ser qualificadas como fatoresde proteo ou de risco para este uso indevido.

    Os fatores de risco para o uso de lcool e outras drogas so caractersticas ou atributosde um indivduo, grupo ou ambiente de convvio social, que contribuem para aumentar aprobabilidade da ocorrncia deste uso. Por sua vez, se tal consumo ocorre na comunidade, no mbito comunitrio que tero lugar as prticas preventivas de maior impacto sobre avulnerabilidade e o risco.

    Fatores de risco e de proteo podem ser identificados em todos os domnios da vida:nos prprios indivduos, em suas famlias, em seus pares, em suas escolas e nascomunidades, e em qualquer outro nvel de convivncia scio-ambiental. importante notarque tais fatores no se apresentam de forma estanque, havendo entre eles considerveltransversalidade, e conseqente variabilidade de influncia. Ainda assim, podemos dizerque a vulnerabilidade maior em indivduos que esto insatisfeitos com a sua qualidade devida, possuem sade deficiente, no detm informaes minimamente adequadas sobre aquesto de lcool e drogas, possuem fcil acesso s substncias e integrao comunitriadeficiente.

    Assim como podemos identificar os fatores de risco atuantes em cada um dos domnioscitados, podemos fazer o mesmo para os fatores especficos de proteo. Vejamos:

    27A Poltica do Ministrio da Sade para a Ateno Integral a Usurios de lcool e outras Drogras

  • No domnio individual, podemos identificar como principais fatores de risco baixa auto-estima, falta de auto-controle e assertividade, comportamento anti-social precoce, doenaspr-existentes (ex.: transtorno de dficit de ateno e hiperatividade), e vulnerabilidadepsicossocial. Como fatores de proteo, a apresentao de habilidades sociais, flexibilidade,habilidade em resolver problemas, facilidade de cooperar, autonomia, responsabilidade ecomunicabilidade so os mais influentes, paralelamente vinculao familiar-afetiva ouinstitucional.

    Quanto famlia, vemos que o uso de lcool e outras drogas pelos pais um fator derisco importante, assim como a ocorrncia de isolamento social entre os membros dafamlia. Tambm negativamente influente um padro familiar disfuncional, bem como afalta do elemento paterno. So considerados fatores de proteo a existncia de vinculaofamiliar, com o desenvolvimento de valores e o compartilhamento de tarefas no lar, bemcomo a troca de informaes entre os membros da famlia sobre as suas rotinas e prticasdirias; o cultivo de valores familiares, regras e rotinas domsticas tambm deve serconsiderado, e viabilizado por meio da intensificao do contato entre os componentes decada ncleo familiar.

    No domnio das relaes interpessoais, os principais fatores de risco so pares que usamdrogas, ou ainda que aprovam e/ou valorizam o seu uso; a rejeio sistemtica de regras,prticas ou atividades organizadas tambm aqui considerada como um sinalizador. Aocontrrio, pares que no usam lcool/drogas, e no aprovam ou valorizam o seu usoexercem influncia positiva, o mesmo ocorrendo com aqueles envolvidos com atividades dequalquer ordem (recreativa, escolar, profissional, religiosa ou outras), que no envolvam ouso indevido de lcool e outras drogas.

    Nos ambientes de formao e aprendizado, ocorre o entrecruzamento de fatores de riscopresentes em todos os outros domnios; em verdade, a escola o ambiente em que boaparte (ou a maioria) destes fatores pode ser percebida. De qualquer forma, os maioresfatores de risco apresentados so a falta de habilidade de convivncia com grupos e adisponibilidade de lcool e drogas na escola e nas redondezas; alm disso, uma escola queapresente regras e papis inconsistentes ou ambguos com relao ao uso de drogas ou conduta dos estudantes tambm vem por constituir importante fator de risco relativo ao usode lcool e drogas. Apresenta fatores de proteo o ambiente de ensino que evidenciaregras claras e consistentes sobre a conduta considerada adequada desde que isto faaparte de um processo educativo e evolutivo docente-assistencial que considere cada vezmais a participao dos estudantes em decises sobre questes escolares, com a inerentee progressiva aquisio de responsabilidades.

    O planejamento de aes preventivas relativas ao uso de lcool e drogas deveobrigatoriamente considerar a mudana de relao na proporo de ocorrncia entre buscarminimizar a influncia de fatores de risco sobre a vulnerabilidade dos indivduos para tal uso;sinergicamente, tambm deve considerar o reforo dos fatores de proteo. Neste ponto, fundamental perceber a importncia da educao em sade como estratgia fundamentalpara a preveno.

    O Relatrio Mundial da Sade Sade Mental:Nova Concepo, Nova Esperana (OMS,2001) traz dez recomendaes bsicas para aes na rea de sade mental/lcool edrogas. So elas:

    1. Promover assistncia em nvel de cuidados primrios;

    2 Disponibilizar medicamentos de uso essencial em sade mental;

    3. Promover cuidados comunitrios;

    4. Educar a populao;

    5. Envolver comunidades, famlias e usurios;

    28 Ministrio da Sade

  • 6. Estabelecer polticas, programas e legislao especfica;

    7. Desenvolver recursos humanos;

    8. Atuar de forma integrada com outros setores;

    9. Monitorizar a sade mental da comunidade;

    10. Apoiar mais pesquisas.

    A grande relao entre a educao e as prticas preventivas e assistenciais fica explcitanestas recomendaes, seja de forma direta, seja por intermdio de seus possveisresultados e desdobramentos. Vale a pena lembrar que a separao entre preveno eassistncia no apresenta consistncia terica e/ou prtica, no campo da sade pblica.Uma concepo integral e eqnime de sade no pretere preveno em funo deassistncia, ou vice-e-versa. Assim sendo, prticas preventivas voltadas para a educaoem lcool e drogas devem ser planejadas levando em conta a especificidade inerente a cadaparcela populacional, sempre de forma articulada a outras aes voltadas para a prevenoe a promoo de ateno integral sade.

    Repassar informaes sobre efeitos e conseqncias do uso de lcool e drogas til,porm de validade questionvel, quando feito de forma isolada e desconectada de umprograma de preveno desenhado de forma a respeitar as caractersticas de suapopulao-alvo.

    Os fatos acima ratificam a necessidade imperiosa de capacitao e formao, de formaorientada aos profissionais de sade, em uma perspectiva multiprofissional. Devem serplanejadas aes de capacitao voltadas para os trabalhadores de sade componentesde equipes atuantes em unidades especializadas tipo CAPS ad, uma vez que,estrategicamente, tais unidades tambm possuem a atribuio de multiplicar conhecimentospara equipes atuantes na ateno bsica. Da mesma forma, ao pensarmos em estruturaode redes assistenciais locais, devemos contemplar tambm (e, preferencialmente, de formasimultnea) outras unidades componentes, como unida