A Polissemia Do Direito e o Tridimensionalismo Jurídico

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    A polissemia do Direito e o tridimensionalismojurdico

    Todo fato relevante para o Direito decorre de uma conduta humana. E somente sobretais fatos relevantes que ser construda uma valorao que poder culminar em umanorma.

    Por Natlia Paranhos

    A palavra Direito, segundo o pensador Pitgoras, denominada como sendo o igual mltiplo de si mesmo.Destarte, percebemos a diculdade em sua conceituao, visto que trs correntes especcas de estudo(axiolgica, sociolgica e normativa) acabam por retrat-la de maneiras diversas. O Direito nasce de uma tenso,de uma dialtica entre o fato e o valor buscando solues concretas e racionais para as relaes sociaisestabelecidas entre os homens e as coisas.

    Sua edicao e interpretao esto sujeitas dinmica cultural-valorativa, que variaria em face do tempo e doespao e busca da soluo justa, ou, ao menos, razovel, para o caso concreto tendo o homem como fonte.Nosso escopo tratar com maior profundidade o conceito e aplicabilidade da Teoria Tridimensional Direito, vezque ainda hoje tida como o mais claro entendimento sobre a signicao jurdica.

    1. O QUE DIREITO?

    Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata servat societatem; corrupta, corrumpit.Esta denio de Dante merece nossa anlise demorada pois, de maneira lmpida, apresentada a ordemjurdica como fundamento inarredvel da sociedade. Vamos traduzir, se necessrio faz-lo, uma vez que aspalavras so transparentes: "O Direito uma proporo real e pessoal, de homem para homem, que,conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a".

    Dante esclarece que a relao uma proporo. A proporo , sempre, uma expresso de medida. O Direitono uma relao qualquer entre os homens, mas sim aquela relao que implica uma proporcionalidade, cujamedida o homem mesmo. Notem como o poeta viu coisas que, antes dele, os juristas no tinham visto,oferecendo-nos uma compreenso do Direito, conjugando os conceitos de proporo e socialidade. Proporo

    entre quem? De homem para homem. Quando a proporo respeitada, realiza-se a harmonia " ...quae servata,servat societatem..." e, quando corrompida, corrompe a mesma sociedade. Mas, Dante no diz que h apenasuma proporo de homem para homem. Ele delimita melhor o sentido da palavra proportio esclarecendo, quasecom o rigor da tcnica moderna: realis ac personalis.

    Para Dante, o Direito tutela as coisas somente em razo dos homens: a relao jurdica conclui-se entre pessoas,no entre homens e coisas, mas "real" quando tem uma coisa (res) como seu objeto. Ideias que hoje nosparecem to modernas, como a da humanizao e da socializao do Direito, j encontram os seus antecedentesatravs de uma tradio histrica. O Direito, indiscutivelmente, inova, apresenta elementos de renovaopermanente, mas conserva, sempre, um fulcro de tradio.

    1.1 CONCEITUAO

    Direito a ordenao bilateral atributiva das relaes sociais, na medida do bem comum. Todas as regras sociaisordenam a conduta, tanto as morais como as jurdicas e as convencionais ou de trato social. A maneira, porm,dessa ordenao difere de uma para outra. prprio do Direito ordenar a conduta de maneira bilateral eatributiva, ou seja, estabelecendo relaes de exigibilidade segundo uma proporo objetiva.

    O Direito, porm, no visa a ordenar as relaes dos indivduos entre si para satisfao apenas dos indivduos,mas, ao contrrio, para realizar uma convivncia ordenada, o que se traduz na expresso: "bem comum". O bemcomum no a soma dos bens individuais, nem a mdia do bem de todos; o bem comum, a rigor, a ordenaodaquilo que cada homem pode realizar sem prejuzo do bem alheio, uma composio harmnica do bem de

    cada um com o bem de todos.1.2 POLISSEMIA DO DIREITO

    A Cincia do Direito, durante muito tempo teve o nome de Jurisprudncia, que era a designao dada pelosjurisconsultos romanos. Atualmente, a palavra possui uma acepo estrita, para indicar a doutrina que se vairmando atravs de uma sucesso convergente e coincidente de decises judiciais ou de resolues

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    administrativas (jurisprudncias judicial e administrativa).

    Pensamos que tudo deve ser feito para manter-se a acepo clssica dessa palavra, to densa de signicado, quepe em realce uma das virtudes primordiais que deve ter o jurista: a prudncia, o cauteloso senso de medida dascoisas humanas.

    O primeiro sentido da palavra "Direito" tem a ver com o que denominamos "experincia jurdica", cujo conceitoimplica a efetividade de comportamentos sociais em funo de um sistema de regras que tambm designamoscom o vocbulo Direito. comum vermos uma palavra designar tanto a cincia como o objeto dessa mesmacincia, isto , a realidade ou tipo de experincia que constitui a razo de ser de suas indagaes e esquemas

    tericos.

    "Direito" signica tambm, tanto o ordenamento jurdico, ou seja, o sistema de normas ou regras jurdicas quetraa aos homens determinadas formas de comportamento, conferindolhes possibilidades de agir, como o tipode cincia que o estuda, a Cincia do Direito ou Jurisprudncia.

    No pensem, entretanto, que se deva fazer uma identicao entre o Direito como experincia social e o Direitocomo cincia. A prova de que essa identicao no se justica est neste fato, de conseqncias relevantes: no apenas a Cincia do Direito que estuda a experincia social que chamamos Direito. O fenmeno jurdico podeser estudado pelo socilogo, dando lugar a um campo de pesquisas que se chama Sociologia Jurdica.A experincia jurdica pode ser igualmente estudada em seu desenvolvimento no tempo, surgindo assim a

    Histria do Direito.2. ORIGEM DO TRIDIMENSIONALISMO DO DIREITO

    2.1. CRITICISMO DE IMMANUEL KANT

    A origem do conceito de tridimensionalidade se fez por meio do Criticismo. Este o termo para designar umacorrente losca cujo nome expressivo foi Immanuel Kant. Ele objetivava o estudo do empirismo e racionalismoa m de atingir o conhecimento.

    Kant nos trouxe a idia de que as intuies sensveis precisam da razo, assim como a razo precisa da intuiosensvel. Isso signica que o ato do conhecer sensvel j estava condicionado subjetividade racional. O homem

    criou o conceito de tempo e espao e, assim, a subordinao do conhecimento sempre se fez por meio de taiscaractersticas.

    Um fato (sensvel) era valorado pela norma (conhecimento racional). Valor a medida da justia. Esta a teoriatridimensional. Discorrer a respeito do Direito inevitavelmente citar a polissemia. A cincia que se destina aestudar a experincia humana do justo chamou-se Jurisprudncia por ser o senso prudente da medida. Para ojurista romano, o que mais interessa a medida de ligao ou a medida do enlace que a Justia permite e exige,de tal modo que Justia e Direito se tornam inseparveis, considerado que seja como um todo o conjunto daexperincia jurdica.

    3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DE MIGUEL REALE

    Uma anlise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito no tpico 1.2 do presente artigo veiodemonstrar que eles correspondem a trs aspectos bsicos, discernveis em todo e qualquer momento da vidajurdica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva cincia); um aspecto ftico (oDireito como fato, ou em sua efetividade social e histrica) e um aspecto axiolgico (o Direito como valor deJustia).

    Onde quer que haja um fenmeno jurdico, h, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econmico,geogrco, de ordem tcnica etc.); um valor, que confere determinada signicao a esse fato, inclinando oudeterminando a ao dos homens no sentido de atingir ou preservar certa nalidade ou objetivo; e uma regra ounorma, que representa a relao ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor.

    As noes do Direito nos trazem a perspectiva do fato ("realizao ordenada do bem comum"), da norma("ordenao bilateral-atributiva de fatos segundo valores") e do valor ("concretizao da ideia de justia"). Assim,a compreenso integral do Direito somente pode ser atingida graas teoria tridimensional do Direito.

    3.1 FATO, VALOR E NORMA

    O Direito uma integrao entre fato e norma. Esta resulta da valorao daquele. impossvel entender a normasem a apreenso do fato social e se sua valorao. O dinamismo do fato social no anula a norma; ao contrrio:aperfeioa o entendimento da norma. Isso signica que a norma no se petrica. Ademais, sequer se tornaanacrnica, fora de seu tempo.

    Existe uma interdependncia equilibrada propiciando a no-absoro ou excluso uma pela outra.O fato apreciado pelo jurista no seu dinmico relacionamento com valor e norma. A teoria tridimensional em concreta eabstrata. A primeira tem fato, valor e norma ocupandosempre a ateno do jurista, pouco importando que o ponto de partida, para ele, deva ser a norma. Para oabstrato, compete ao lsofo estudar apenas o valor, o socilogo estudar o fato social e a norma ao jurista.

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    A tridimensionalidade no suciente para explicar o direito, que necessita de outras disciplinas (hermenutica,lgica jurdica, etc). A sociologia jurdica analisa o processo de criao do direito e sua aplicao na sociedade. Oadultrio, por exemplo, foi revogado recentemente.

    O advogado da mulher adltera poderia argumentar pela absolvio da r alegando inaplicabilidade da norma. Jo Tribunal prima pela condenao da acusada.

    Poderamos considerar diversas opinies, como a de um jurista, que alega inaplicabilidade pelo fato de se tratarde relao pessoal entre cnjuges. O Estado foi alm dos limites de sua competncia, ou seja, a norma contrariaos princpios do direito. Outro sujeito poderia compreender as razes sociais que levaram elaborao da

    norma e sua aplicabilidade, ou no.

    Este o ponto de reexo a respeito do direito versus evoluo social.

    3.2 DIALTICA DE IMPLICAO-POLARIDADE

    Fato, Valor e Norma no existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta.Ademais, oDireito resulta da interao dinmica e dialtica dos trs elementos que a integram.

    Desde a sua origem, isto , desde o aparecimento da norma jurdica, - que sntese integrante de fatosordenados segundo distintos valores, - at ao momento nal de sua aplicao, o Direito se caracteriza por suaestrutura tridimensional, na qual fatos e valores se dialetizam, sendo tal fenmeno chamado de "dialtica de

    implicao-polaridade"; que no se confunde com a dialtica hegeliana dos opostos.

    Segundo a dialtica de implicao-polaridade, o fato e o valor nesta se relacionam de tal modo que cada umdeles se mantm irredutvel ao outro (polaridade) mas se exigindo mutuamente (implicao) o que d origem estrutura normativa como momento de realizao do Direito. Por isso denominada tambm "dialtica decomplementaridade".

    3.3 REFLEXES ACERCA DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

    Segundo a teoria tridimensional dinmica de Miguel Reale, os fatos socialmente valorados so integrados aocorpo do ordenamento jurdico positivo, de forma sistemtica. O Direito no apenas fato como para os

    marxistas, no apenas valor como na leitura da escola do direito natural e nem apenas norma positiva, comoprope o positivismo jurdico.

    O direito simultaneamente fato, valor e norma, ou a relao entre esses trs nveis, com a integrao normativado fato valorado, atravs de um processo dialtico. O Direito, primordialmente construdo a partir da umaconduta humana que, em determinadas circunstncias exerce o direito.

    Esse direito no criado a partir de uma norma, pois, para se chegar na norma, precisou que houvesse aconduta humana. Ex: No Brasil no ha nenhuma lei proibindo que estudantes de direito se joguem pelas janelasdas salas de aulas, pois no h essa conduta. O mesmo se aplica tanto ao fato quando ao valor. Primordialmente,temos uma conduta humana para que assim haja, de fato, o Direito. Se Reale nos diz que Direito FATO, VALORE NORMA, pergunta-se: Onde, na ideologia de Reale, entra tal conduta humana?

    Todo fato relevante para o Direito decorre de uma conduta humana. E somente sobre tais fatos relevantes queser construda uma valorao que poder culminar em uma norma. A Teoria Tridimensional do Direito s possvel aos nossos olhos porque trabalhamos com leis positivadas. Se nosso sistema jurdico fosse baseado emjurisprudncia, como o ingls, acabaramos por inibir a busca por novas possibilidades e vises sobre osquestionamentos jurdicos.

    Cssio fala da conduta humana e sua interferncia intersubjetiva. Resumidamente, ele coloca a linguagem comosendo um elemento "estranho" aos dois participantes da interao.

    Ocorre que a linguagem no um elemento "estranho". Exemplo: NO PENSE NUMA MA VERMELHA

    AGORA! Impossvel no pensarmos na tal maa pelo fato de estarmos imersos na linguagem, ou seja, se caso elafosse um estranho elemento aos participantes da interao, conseguiramos tal feito? A resposta parece sernegativa. O direito originrio da conduta humana; no se origina das leis como dizia Kelsen. Logo, pararesolvermos o caso concreto, temos que recorrer conduta e no as leis.

    Ao estudarmos a jurisprudncia, temos uma noo de como variados casos (e juzes) se posicionaram. Ou seja,ao buscarmos respostas na jurisprudncia, teramos uma "resposta" para o caso, j que recorrendo jurisprudncia, estaramos face fonte primordial do direito: A CONDUTA HUMANA.

    A jurisprudncia por si s no poderia ser utilizada como forma de penalizar um crime. Alguns atos de extremabarbrie vem ocorrendo por no termos jurisprudncia referente. Em 2003, na Alemanha, A cometeu

    canibalismo, tendo colocado um anncio no jornal procurando um voluntario para ser morto, ter a sua carnecortada e comida ao longo de um ano. O crime foi descoberto porque A colocou anncio na internet procurandomais um voluntrio. No havia jurisprudncia sobre isso na Alemanha; e as leis germnicas no possuemnenhum tipo de penalidade para canibalismo. Por isso, recorreram a outras leis de forma 'genrica' (analogia) eusaram-nas para penalizar o sujeito .

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    Conclumos que o sistema baseado em jurisprudncias s eciente quando se trata de crimes comuns.

    3.3.1 DIREITO E A INFLUNCIA DA LINGUAGEM

    A linguagem para os ocidentais determinante em qualquer construo humana, eles intitularam a losoacomo losoa da linguagem, logo a linguagem superou a condio de tudo que lhe era estranho, o direitoenquanto norma no estranho linguagem, s que o direito no e nem nunca ser norma, em nenhumadimenso, por mais restrita que seja uma norma, sempre ser linguagem e a linguagem se constri edesconstri, dependendo dos interesses que a cerca, ou seja, com uma norma dizendo a mesma coisa, em doisperodos, no distantes, de tempo diferentes podemos ter duas interpretaes, inclusive, opostas. Pois na

    linguagem, "ganha quem repete mais e mais bonito".

    Ou seja, a partir da linguagem o direito no norma. Direito enquanto fato, no se coaduna, pois mesmo queno lhe seja negada a historicidade ele no necessariamente estaria ligado uma poca, mas umainterpretao, isso controvertido. Direito enquanto valor subsiste, ao menos a linguagem ainda nodesestruturou o direito enquanto valor. Para a linguagem, a abordagem de Reale cai, e pode renascer, claro, nopor um processo dialtico, mas um processo de repetio e convencimento. O exemplo clssico de linguagemque dado, pelos ocidentais que a teoria de Newton no mais verdadeira que a de Aristteles, s convenceumais pessoas.

    4. DIMENSES DO SISTEMA JURDICO

    4.1 EFICCIA, JUSTIA E VALIDADE

    O sistema jurdico tem trs dimenses: Justia (valor), validade (norma) e eccia (fato). Para exemplicar, nospautemos no Direito de Famlia. O intrprete estuda as normas, o lsofo reete acerca das instituies domatrimnio, conseqncias morais, etc. J o socilogo jurdico tem a incumbncia de averiguar o impacto socialda norma. Conclumos que a lei pode condicionar, inuenciar e transformar o comportamento dos cidados. Porisso devemos dar maior ateno ao tema da eccia.

    REFERENCIAL BIBLIOGRFICO

    CUNHA, Renan Severo Teixeira da. Introduo ao Estudo do Direito. So Paulo: Ed. Alnea, 2008.

    REALE, Miguel. Filosoa do Direito. So Paulo: Ed. Saraiva, 2005.SABADELL, Ana Lcia. Manual de Sociologia Jurdica. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.

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