A Perspetiva de T. Kuhn

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Jorge Barbosa Curso de Artes Visuais Filosofia Março, 2013 TEORIAS CIENTÍFICAS O objeto da ciência é ir para além do imediato e do visível, é estabelecer relações para colocar os fenómenos observáveis num novo e amplo contexto, pois só uma pequena parte do mundo físico se revela diante de nós de forma direta. A principal função de uma teoria é ajudar-nos a captar a imagem completa deste mundo que vemos sempre de forma muito parcial. Ao seu nível mais simples, uma teoria ajuda-nos a interpretar o desconhecido em função do já conhecido. É um esquema conceptual que inventamos ou postulamos para explicar a nós próprios, e aos outros, os fenómenos que observamos, e as relações que existem entre eles, para, deste modo, reunir numa estrutura única conceitos, leis, princípios, hipóteses e observações com origem em campos muito diversos. As teorias e as hipóteses só diferem no seu grau de generalidade. Assim, temos por um lado a hipótese de trabalho, através da qual nos orientamos numa experiência determinada, e por outro, a teoria geral que nos orienta no desenho 1 e interpretação de todo o tipo de experiências num determinado campo de estudo. As teorias, para o serem, têm de cumprir algumas funções e requisitos: Uma teoria serve, geralmente, para relacionar factos independentes num esquema mental lógico e facilmente exequível. Uma teoria, ou hipótese, geral ou limitada, deve sugerir novas relações. Uma teoria científica deve ser simples. Com efeito, a melhor de duas teorias rivais é a mais simples, no sentido em que requer menos hipóteses ou pressupostos básicos. As hipóteses devem ser plausíveis, mesmo que não possam ser imediatamente testadas experimentalmente. Uma boa teoria é aquela que é suficientemente flexível para se desenvolver e sofrer as modificações que venham a revelar-se necessárias. Teorias Científicas - Apresentação da Perspetiva de T. Kuhn JB, 2013 1 Desenho quer aqui significar projeto de representação mental com um desígnio. Na verdade, corresponde ao conceito de desígnio na sua forma de projeto.

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Texto de apoio para alunos do ensino secundário

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Jorge BarbosaCurso de Artes VisuaisFilosofiaMarço, 2013

T E O R I A S C I E N T Í F I C A S

O objeto da ciência é ir para além do imediato e do visível, é estabelecer relações para colocar os fenómenos observáveis num novo e amplo contexto, pois só uma pequena parte do mundo físico se revela diante de nós de forma direta. A principal função de uma teoria é ajudar-nos a captar a imagem completa deste mundo que vemos sempre de forma muito parcial. Ao seu nível mais simples, uma teoria ajuda-nos a interpretar o desconhecido em função do já conhecido. É um esquema conceptual que inventamos ou postulamos para explicar a nós próprios, e aos outros, os fenómenos que observamos, e as relações que existem entre eles, para, deste modo, reunir numa estrutura única conceitos, leis, princípios, hipóteses e observações com origem em campos muito diversos.

As teorias e as hipóteses só diferem no seu grau de generalidade. Assim, temos por um lado a hipótese de trabalho, através da qual nos orientamos numa experiência determinada, e por outro, a teoria geral que nos orienta no desenho1 e interpretação de todo o tipo de experiências num determinado campo de estudo.

As teorias, para o serem, têm de cumprir algumas funções e requisitos:

✓ Uma teoria serve, geralmente, para relacionar factos independentes num esquema mental lógico e facilmente exequível.

✓ Uma teoria, ou hipótese, geral ou limitada, deve sugerir novas relações.

✓ Uma teoria científica deve ser simples. Com efeito, a melhor de duas teorias rivais é a mais simples, no sentido em que requer menos hipóteses ou pressupostos básicos.

✓ As hipóteses devem ser plausíveis, mesmo que não possam ser imediatamente testadas experimentalmente.

✓ Uma boa teoria é aquela que é suficientemente flexível para se desenvolver e sofrer as modificações que venham a revelar-se necessárias.

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JB, 2013

1 Desenho quer aqui significar projeto de representação mental com um desígnio. Na verdade, corresponde ao conceito de desígnio na sua forma de projeto.

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Conceção Axiomática das Teorias Científicas

De acordo com a posição dominante na filosofia das ciências, só os axiomas (formais e abstratos) podem caracterizar as entidades de que falam as teorias matemáticas. Por vezes, exprime-se esta mesma ideia, dizendo que os axiomas caracterizam as entidades da teoria, ou, também, que definem implicitamente os termos primitivos. Os axiomas “definem” implicitamente os termos primitivos, no sentido em que eles são os únicos elementos constitutivos dos termos; qualquer estrutura que seja modelo dos axiomas é uma sua interpretação admissível; isto é: os constituintes de qualquer uma dessas estruturas são interpretações admissíveis dos termos com que se formulam os axiomas.

Ora, enquanto nas ciências formais (matemática, lógica) parece razoável, ou pelo menos defensável, a tese de que as entidades a que a teoria se refere são todas as que sejam verdadeiras no quadro dos seus axiomas, já nas ciências empíricas, essa tese parece inaceitável. Por exemplo, se os princípios da mecânica newtoniana, formulados em termos de “partícula”, “massa” e “força”, fossem por acaso verdadeiros para os anjos, para a sua “quantidade de espiritualidade” e para as suas “afinidades”, nem por isso seria legítimo dizer que a mecânica newtoniana pretende aplicar as suas teorias ao mundo dos anjos. A razão é simples: é que, ao contrário das ciências formais (matemática e lógica) onde essa ideia é menos discutível, as teorias empíricas, para além das limitações impostas ou derivadas do sistema axiomático abstrato, ainda enfrentam outras limitações resultantes da sua vinculação com o mundo físico-natural.

As teorias científicas têm de se conformar com um cálculo axiomático abstrato (cálculos matemáticos, estatísticos, probabilísticos…) e com uma outra componente que liga as expressões desse cálculo abstrato com situações da experiência, entendidas como situações de observação direta. Esta ligação entre cálculos abstratos e situações da experiência é constituída por “enunciados conectores”, a que se dá vários nomes: regras de correspondência, enunciados interpretativos, etc. A sua missão é proporcionar interpretação empírica ao cálculo axiomático que, por si só, é vazio de conteúdo empírico (veja-se o caso do cálculo de probabilidades, que pode muito bem ser realizado sem qualquer referência a um conteúdo empírico preciso; por outro lado, certas observações podem ter de se submeter ao cálculo de probabilidades para poderem ser interpretadas cientificamente). As teorias empíricas são, então, cálculos axiomáticos interpretados empiricamente através desses enunciados que ligam os termos do formalismo a situações de observação direta.

As teorias empíricas referem-se a fenómenos empíricos, postulando certas entidades ou processos governados por leis. Essas entidades ou processos não são dados da observação, são “alheios” à experiência observável, ao contrário dos fenómenos a que se referem, que são diretamente acessíveis à observação. A teoria introduz novos termos para referir-se a essas entidades ou processos governados por leis e não observáveis (força gravitacional, por exemplo).

Podemos dividir o conjunto de expressões ou vocabulário de uma teoria em três partes:

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1. Termos puramente lógico-matemáticos. Este é o vocabulário formal da teoria (as fórmulas da teoria).

2. Termos observacionais. Este é o vocabulário observacional da teoria, isto é, o vocabulário que se refere a entidades diretamente observáveis e a propriedades e relações entre elas, diretamente observáveis.

3. Termos teóricos. Este é o vocabulário teórico da teoria, isto é, o vocabulário que se refere a entidades, propriedades e relações não diretamente observáveis, postuladas para se referir aos fenómenos.

Concepção Historicista das Teorias

Thomas Kuhn

Um aspeto característico da concepção de Kuhn é a importância dada ao carácter revolucionário do progresso científico, onde uma revolução implica o abandono de uma estrutura teórica e a sua substituição por outra, incompatível com a anterior. Lakatos e Kuhn são dois autores que se situam nesta perspetiva.

Deve ter-se em conta que a concepção de Kuhn é anterior à de Lakatos. Por outro lado, a postura de Kuhn diferencia-se da de Lakatos pela insistência que faz nos aspetos sociológicos.

Thomas Kuhn exprime a sua ideia acerca do progresso da ciência, por meio do seguinte esquema aberto:

Pré-ciência Ciência Normal Crise Revolução

Nova Ciência Normal Nova Crise….

Introduz a noção de Paradigma, que é constituído por pressupostos teóricos, leis e técnicas de aplicação que devem ser adotadas pelos cientistas que se movem dentro de uma determinada comunidade científica. Os que trabalham dentro de um paradigma põem em prática a ciência normal. É provável que, trabalhando nela e desenvolvendo o paradigma na sua tentativa para explicar o comportamento de certos aspetos do mundo, sejam encontradas dificuldades (por exemplo, os cientistas podem deparar-se com falsificações aparentes da sua teoria). Se estas dificuldades se tornarem ingeríveis, desenvolver-se-á um estado de crise. A crise poderá ser resolvida através do aparecimento de um paradigma totalmente novo, o qual acabará por ter cada vez mais adesão da parte da comunidade científica, até que finalmente seja abandonado o paradigma inicial. Esta alteração descontínua de paradigmas constitui uma revolução científica. O novo paradigma enquadrará a nova atividade científica normal, até que esbarre em novas dificuldades e se produza uma nova crise e uma nova revolução.

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Uma Ciência Madura rege-se por um único paradigma que estabelece as normas que dão legitimidade ao trabalho que se realiza no interior da ciência. Para Kuhn, é precisamente a existência de um paradigma que pode apoiar uma tradição de ciência normal, que estabelece a diferença entre o que é Ciência e o que não é. Não se submeter a um paradigma significa não possuir o estatuto de ciência.

Os paradigmas são compostos por:

✓ Leis explicitamente estabelecidas;

✓ Pressupostos teóricos

✓ Formas próprias de aplicação das leis;

✓ Instrumentos e técnicas instrumentais;

✓ Prescrições metodológicas muito gerais;

✓ Alguns princípios metafísicos muito gerais (componente adicional)

A Ciência Normal é descrita por Kuhn como atividade para resolver problemas, governada pelas regras do paradigma em questão. O paradigma deverá providenciar os meios para solucionar os problemas formulados. Aqueles problemas que não possam ser solucionados, serão entendidos como anomalias e como fracassos dos cientistas (exceções à lei), e não como falsificações ou insuficiências do paradigma. Kuhn reconhece que todos os paradigmas contêm algumas anomalias e defende também que o cientista normal não consegue criticar o paradigma em que se encontra a trabalhar.

O que distingue a Ciência Normal, madura, da Pré-Ciência, imatura, é a ausência de acordo no fundamental. A Pré-Ciência caracteriza-se pelo total desacordo e o constante debate sobre o fundamental, chegando-se a estabelecer quase tantas teorias quantos os teóricos que trabalham no mesmo problema.

A existência de problemas por resolver dentro de um paradigma não constitui em si uma crise. Sabe-se que haverá sempre anomalias nos paradigmas. As anomalias podem desenvolver-se de tal modo, que seja perdida a confiança, isto é, que afecte os fundamentos do paradigma. Nesta situação, estamos perante uma crise. A crise começa por se manifestar com um período de “insegurança profissional”: tentará defender-se os novos argumentos e o descontentamento com o novo paradigma acabará por surgir.

A crise agravar-se-á se aparecer em cena um paradigma rival. O novo paradigma será distinto e incompatível com o anterior ; constituem visões diferentes do mundo. O novo paradigma só é adoptado, quando a comunidade científica vê vantagens nele. Esta viragem não se faz só com o trabalho de um único cientista.

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Para Kuhn, a sua abordagem a respeito da ciência é uma teoria e não uma descrição, na medida em que explicita as funções desempenhadas pelos seus componentes. Reconhece que as funções da ciência normal e das revoluções são necessárias: enquanto se está em período de ciência normal, podem desenvolver-se os pormenores ou detalhes das teorias, resolver problemas e realizar trabalhos teóricos e experimentais. Normalmente, em certa medida, a ciência normal é acrítica; se se estiver a discutir permanente a legitimidade dos pressupostos e métodos, não será possível aprofundar a investigação. As Revoluções são a oportunidade de passar de um paradigma para outro melhor. Ao surgir uma crise, tona-se indispensável que se consiga passar de um paradigma para outro, e esta passagem é, por seu turno, necessária para o progresso da ciência. Se não houvesse revoluções, a ciência ficaria presa a um único paradigma e não avançaria para além dele.

Vejamos, agora, as principais teses de Kuhn:

✓ A ciência normal é acumulativa. A atividade científica normal, governada por um paradigma, consiste fundamentalmente em

✤ Ampliar o conhecimento dos factos que o paradigma define como relevantes

✤ Ampliar a adequação entre as previsões do paradigma e os factos

✤ Articular cada vez melhor o próprio paradigma

✓ O desenvolvimento de uma ciência consiste numa sucessão de períodos de tradição, interrompidos por rupturas não acumulativas.

✓ O progresso através das revoluções só acontece se, perante pelo menos dois paradigmas, um deles obtém a aceitação da comunidade científica

✓ O progresso é uma possibilidade exclusiva da ciência madura. O desenvolvimento da ciência é diferente do de outros domínios, e só tem lugar quando a ciência alcança a “maturidade”, o que só acontece quando emergem da teoria técnicas preditivas de sucesso e cada vez melhores.

✓ O progresso através das revoluções tende a parecer acumulativo.

✓ O progresso não é contínuo. As revoluções constituem autênticos hiatos ou descontinuidades no desenvolvimento das ciências.

O progresso não é uma aproximação à verdade. O progresso não é uma evolução para um objetivo determinado, mas uma melhoria do conhecimento disponível; o máximo que se pode dizer é que cada novo paradigma é um instrumento melhor para resolver problemas.

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