A Perspectiva Estratégica Da Índia Para o Século XXI - India's Strategic Perspective for the 21st...

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5º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais Redefinindo a Diplomacia em um Mundo em Transformação 29 a 31 de Julho de 2015 Área Temática: Análise de Política Externa Painel: China, Japão e Índia: política externa e perspectivas estratégicas A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA DA ÍNDIA PARA O SÉCULO XXI Erik Herejk Ribeiro Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Belo Horizonte 2015

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This paper aims to analyze the strategic perspective of India for the XXI Century. Its efforts can be seen by the parameters of seeking greater security and at the same time of integrating markets. Compared to the twentieth century, India moved away from a Nehruist vision and practices a more realist and pragmatic foreign policy. Three elements are highlighted in this context: The quest for dominance in the Indian Ocean, the Look East Policy (1991-present) and the multi-alignment. The Indian Ocean is India's natural space for projection of power and influence. The country aims to be the regional security provider, to exercise control over maritime communication lines and to limit outside interference in the Indian Ocean, especially from China. From the diplomatic, economic and political points of view, the relative slowness of the integration process in South Asia urged India to deepen their integration with East Asia. The Look East Policy gradually inserted India in the affairs of the neighboring region through participation in multilateral architectures (eg ASEAN Regional Forum, ASEAN+6) and bilateral partnerships. Globally, India is pursuing strategic partnerships with leading international powers, intending to enter the highest political echelon of countries. This policy has been called multi-alignment. At the same time, Indians avoid forging alliances or partnerships that compromise its external autonomy. As a result, it is observed that India has adapted its prospects with the end of bipolarity and the emergence of a new geometry of global power. Today, the country is trying to secure its regional dominance, while it is associated with a new dynamic pole of the global economy and also with the traditional powers to maximize its national power.O trabalho apresentado procura analisar a perspectiva estratégica da Índia para o Século XXI. Pode se observar suas iniciativas sob os parâmetros da busca por maior segurança e, ao mesmo tempo, por integração de mercados. Em comparação ao século XX, a Índia se afastou da visão Nehruísta e pratica uma Política Externa mais Realista e pragmática. Destacam-se três elementos neste contexto: A busca por dominância no Oceano Índico, a Política de Olhar para o Leste (1991-atualmente) e o multi-alinhamento. O Oceano Índico apresenta-se como o espaço natural de projeção de poder e influência para a Índia. O país se propõe a ser o provedor de segurança regional, a exercer controle sobre Linhas de Comunicação Marítima e a limitar a interferência externa no Índico, especialmente da China. Do ponto de vista diplomático, econômico e político, a relativa lentidão do processo de integração no Sul da Ásia incentivou a Índia a aprofundar sua inserção no Leste Asiático. A Política de Olhar para o Leste tem inserido gradualmente a Índia nos assuntos da região vizinha através da participação em arquiteturas multilaterais (e.g. Fórum Regional da ASEAN, ASEAN+6) e de parcerias bilaterais. No âmbito global, a Índia busca parcerias estratégicas com as principais potências internacionais, tencionando se inserir politicamente no alto escalão de países. Esta política tem sido chamada de multi-alinhamento. Ao mesmo tempo, os Indianos evitam formar alianças ou parcerias que comprometam sua autonomia externa. Como resultado, observa-se que a Índia adaptou suas perspectivas com o fim da bipolaridade e com a emergência de uma nova geometria de poder global. Hoje, o país tenta assegurar sua predominância regional, ao mesmo tempo em que se associa ao possível novo polo dinâmico da economia mundial e também às potências tradicionais conforme o interesse nacional.

Transcript of A Perspectiva Estratégica Da Índia Para o Século XXI - India's Strategic Perspective for the 21st...

  • 5 Encontro Nacional da Associao Brasileira de Relaes Internacionais

    Redefinindo a Diplomacia em um Mundo em Transformao

    29 a 31 de Julho de 2015

    rea Temtica:

    Anlise de Poltica Externa

    Painel: China, Japo e ndia: poltica externa e perspectivas estratgicas

    A PERSPECTIVA ESTRATGICA DA NDIA PARA O SCULO XXI

    Erik Herejk Ribeiro

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    .

    Belo Horizonte

    2015

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    A PERSPECTIVA ESTRATGICA DA NDIA PARA O SCULO XXI

    ERIK HEREJK RIBEIRO1

    RESUMO

    O trabalho apresentado procura analisar a perspectiva estratgica da ndia para o Sculo

    XXI. Pode se observar suas iniciativas sob os parmetros da busca por maior segurana e,

    ao mesmo tempo, por integrao de mercados. Em comparao ao sculo XX, a ndia se

    afastou da viso Nehrusta e pratica uma Poltica Externa mais Realista e pragmtica.

    Destacam-se trs elementos neste contexto: A busca por dominncia no Oceano ndico, a

    Poltica de Olhar para o Leste (1991-atualmente) e o multi-alinhamento. O Oceano ndico

    apresenta-se como o espao natural de projeo de poder e influncia para a ndia. O pas

    se prope a ser o provedor de segurana regional, a exercer controle sobre Linhas de

    Comunicao Martima e a limitar a interferncia externa no ndico, especialmente da China.

    Do ponto de vista diplomtico, econmico e poltico, a relativa lentido do processo de

    integrao no Sul da sia incentivou a ndia a aprofundar sua insero no Leste Asitico. A

    Poltica de Olhar para o Leste tem inserido gradualmente a ndia nos assuntos da regio

    vizinha atravs da participao em arquiteturas multilaterais (e.g. Frum Regional da

    ASEAN, ASEAN+6) e de parcerias bilaterais. No mbito global, a ndia busca parcerias

    estratgicas com as principais potncias internacionais, tencionando se inserir politicamente

    no alto escalo de pases. Esta poltica tem sido chamada de multi-alinhamento. Ao mesmo

    tempo, os Indianos evitam formar alianas ou parcerias que comprometam sua autonomia

    externa. Como resultado, observa-se que a ndia adaptou suas perspectivas com o fim da

    bipolaridade e com a emergncia de uma nova geometria de poder global. Hoje, o pas tenta

    assegurar sua predominncia regional, ao mesmo tempo em que se associa ao possvel

    novo polo dinmico da economia mundial e tambm s potncias tradicionais conforme o

    interesse nacional.

    Palavras-chave: ndia. sia. Segurana. Integrao.

    1 Doutorando no Programa de Ps-Graduao em Estudos Estratgicos Internacionais pela Universidade Federal

    do Rio Grande do Sul UFRGS. Mestre em Estudos Estratgicos Internacionais pela UFRGS. Bacharel em Relaes Internacionais pela UFRGS. Contato: [email protected]

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    A PERSPECTIVA ESTRATGICA DA NDIA PARA O SCULO XXI

    Introduo

    O objetivo deste estudo apresentar uma anlise sobre a adaptao da Poltica

    Externa da ndia aos desafios estratgicos de uma ordem global e regional em mudana no

    Sculo XXI. A partir de 1998, houve certo consenso acerca das bases de insero

    internacional partindo das correntes poltico-estratgicas Neoliberal e Realista.

    Neste caso, entende-se que h elementos do Neoliberalismo na adoo do

    pragmatismo diplomtico em nome do crescimento econmico e de outras fontes de poder

    nacional. Ao mesmo tempo, h uma percepo realista sobre os interesses dos Estados e a

    competio interestatal. Assim, h a necessidade de forjar parcerias estratgicas mais

    profundas, sem que isto comprometa a autonomia estratgica nacional. Ou seja, o princpio

    fundamental proposto por Nehru, de no submeter-se aos interesses de potncias

    estrangeiras, permanece atual e organizado sob uma nova lgica.

    Este estudo traz uma abordagem da insero estratgica da ndia adaptada a partir

    dos trs crculos concntricos de Raja Mohan (2014), reorganizando-os em: Vizinhana

    Prxima (Sul da sia e Oceano ndico), Vizinhana Estendida (Oriente Mdio/frica e Leste

    Asitico) e a Dimenso Global2.

    Historicamente, a ndia enfrenta problemas com seus vizinhos imediatos. Em virtude

    da dificuldade em obter reconhecimento de sua dominncia no Sul da sia, os indianos

    passaram a agir de forma benfica sem exigir reciprocidade. A rivalidade com o Paquisto,

    contudo, tem se agravado e continua sendo o grande entrave para o reconhecimento de

    uma ordem regional liderada pela ndia. Em termos estratgicos, a soluo provisria para o

    impasse regional o alargamento do permetro indiano, passando a abranger o Oceano

    ndico e seus pontos de entrada e sada. Assim, a ndia aspira tornar-se uma potncia

    martima capaz de promover bem estar e segurana para todo o litoral, prevenindo o

    envolvimento de potncias externas.

    No contexto da Vizinhana Estendida, a ndia aproximou-se politicamente dos pases

    do Leste para diluir a influncia regional da China. Este um dos aspectos da nova

    perspectiva estratgica da ndia, que assume de forma mais explcita a sua ambio de

    liderana na sia no somente pelas ideias (democracia, solidariedade asitica, cooperao

    Sul-Sul), mas tambm pelos aspectos materiais de poder econmico e militar. Na frica e

    Oriente Mdio houve a busca por recursos energticos e novos mercados.

    2 A adaptao necessria devido crescente projeo externa da ndia, que j encara o Oceano

    ndico como seu entorno estratgico e rea vital de interesse. Dada a iniciativa da ndia em participar de questes diplomticas, econmicas e securitrias desde a frica at o Leste Asitico, estas regies devem estar inclusas em um permetro externo de influncia e atuao.

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    No mbito global, as elites indianas3 reivindicam status de Grande Potncia e

    postulam um mundo policntrico (ou multipolar) em que a ndia seja protagonista de uma

    ordem mais democrtica, relativista e que reflita a atual distribuio de poder global. Ainda

    que o Nehrusmo e o no alinhamento no tenham encontrado voz no ps-Guerra Fria, isto

    no significa que a ndia sucumbiu ao fim da histria ou ao egosmo auto-interessado.

    Embora esteja mais voltada para o desenvolvimento interno, a ndia reconhece que os

    problemas do Sul no sero resolvidos por cada pas individualmente (MENON, 2014).

    Assim, a ndia poderia se constituir numa potncia de ligao, ou bridging power

    (KHILNANI, 2005) entre as potncias tradicionais do Ocidente e o mundo emergente. Por

    hora, o pas continua agindo conforme o objetivo basilar de Nehru: manter a autonomia

    estratgica nacional. No mundo atual, isto inclui parcerias com as principais potncias do

    Sistema e coalizes de geometria varivel com pases do Sul poltico.

    As correntes poltico-estratgicas da ndia

    Identifica-se trs correntes poltico-estratgicas principais na ndia atual: Nehrusmo,

    Neoliberalismo e Realismo4. Seria possvel relacionar, historicamente, as coalizes

    lideradas pelo Indian National Congress (INC) com a viso Nehrusta e os governos do

    Bharatiya Janata Party (BJP) com a viso Realista (associada ao Hindusmo). A influncia

    do Neoliberalismo tem perpassado todos os governos desde a dcada de 1990. Atualmente,

    todas as trs partem do Realismo, pois acreditam que o Sistema Internacional anrquico e

    que suas bases de interao so o interesse prprio, poder e violncia (BAJPAI, 2014).

    Os Nehrustas acreditam mais no poder das instituies internacionais e da

    diplomacia. Nas origens desta corrente de pensamento esto as ideias do anti-imperialismo

    e do no alinhamento, duas bases da Poltica Externa da ndia independente. O

    Internacionalismo, o Pan-Asianismo (ou solidariedade asitica) e a coexistncia pacfica

    completam o corolrio nehrusta, chamado de Panchsheel. Este conjunto de ideias se

    constituiu na base normativa da Conferncia de Bandung (1955) e dos valores da

    Associao das Naes do Sudeste Asitico (ASEAN). A estratgia de Nehru, para alm do

    no alinhamento e da solidariedade no Terceiro Mundo, era aumentar a autonomia

    estratgica da ndia em tempos de bipolaridade global e de fragilidade interna.

    A viso de Nehru prevaleceu at a derrota impactante na Guerra Sino-Indiana

    (1962), quando houve a ascenso do que Cohen (2001) classifica como Nehrusmo

    3 Neste estudo, abordada apenas a perspectiva das elites polticas nacionais. Esta viso

    negligencia o papel de elites regionais, que adquiriram maior participao eleitoral a partir dos anos 1990 e provocaram o surgimento de coalizes entre os partidos nacionais (Indian National Congress ou Bharatiya Janata Party) e partidos locais de menor expresso. 4 Bajpai (2014) tambm identifica mais trs correntes: Hindusmo, Gandhismo e Marxismo. Estas tm

    apenas influncia marginal no pensamento e na formulao de polticas.

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    Militante durante os governos de Indira Gandhi (1966-1977 e 1980-1984). O Nehrusmo

    Militante se diferenciaria do original, segundo Cohen, por encarar o mundo de uma forma

    mais prxima ao realpolitik. Embora os nehrustas tradicionais tambm admitam a utilizao

    da guerra e coero em caso de falha da diplomacia, esta nova vertente enxergou um

    mundo onde predominavam ameaas: Os vizinhos passaram a ser vistos como manipulados

    por potncias externas; o Paquisto se consolidou como arqui-inimigo; a China se tornou a

    potncia rival por influncia regional; e os Estados Unidos reforaram seus laos com o

    Paquisto e retomaram sua relao com a China em 1971. Na viso dos Nehrustas

    Militantes, portanto, todos estes pases estavam bloqueando a dominncia justa e natural da

    ndia em sua regio (COHEN, 2001, p. 41-43).

    O advento do fim da Guerra Fria, somado s dificuldades econmicas da ndia,

    favoreceu a ascenso da corrente Neoliberal. Segundo Sisodia (2014, p. 181-182), tornou-

    se difcil situar o no alinhamento em um mundo subitamente unipolar e a ndia necessitava

    urgentemente de crescimento econmico. A partir de ento, o crescimento passou a ser

    prioridade na poltica externa atravs da liberalizao e da nfase no comrcio e

    investimento externo. Assim, a ndia revitalizou suas relaes com as principais potncias

    asiticas e globais nas bases do pragmatismo (estendendo para agendas polticas e de

    defesa). No sul da sia, houve a tentativa de integrao atravs da revitalizao da

    Associao Sul-Asitica para a Cooperao Regional (SAARC), que tornaria a ndia numa

    oportunidade de crescimento para os vizinhos.

    Os Neoliberais indianos acreditam na teoria da interdependncia complexa e

    assumem um papel preponderante dos aspectos econmicos sobre indicadores militares.

    H nfase nos ganhos absolutos, contrariando a lgica realista de ganhos relativos. Ao

    contrrio dos liberais-institucionalistas, no acreditam no poder das instituies globais para

    impedir conflitos, mas apenas no poder econmico. Este deve ser buscado atravs da

    abertura de mercados e da inovao tecnolgica, que sero os elementos substitutivos da

    lgica de conflito militar por territrios (SISODIA, 2014).

    A presena do Realismo na Poltica Externa da ndia antiga, influenciada por

    autores e textos pr-coloniais (em especial por Kautilya e por cinco escrituras do hindusmo

    as Vedas) (KARNAD, 2014), alm de ideias trazidas pelo Raj Britnico (MOHAN, 2010). O

    pressuposto geral desta corrente coloca o poder militar no papel de fiador da soberania

    nacional e a balana de poder como sendo o elemento regulador das relaes entre

    potncias. Na sua viso, o fenmeno da Guerra a extenso da poltica e no apenas fruto

    de erros de percepo. Do ponto de vista econmico, os gastos militares so vistos como

    investimentos, seguindo uma lgica keynesiana (BAJPAI, 2014, p. 117-124).

    Cabe ainda citar a importncia da extensa comunidade de estrategistas realistas,

    seja no governo, na academia, ou em think tanks como o Institute for Defence Studies and

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    Analyses (IDSA)5. No entanto, a relevncia do Realismo cresceu apenas a partir dos anos

    1990. Em associao, ascendeu a corrente Hindusta, que partilha do nacionalismo hindu e

    de alguns valores sociais conservadores (COHEN, 2001, p. 43-47).

    Assim como o Neoliberalismo passou a dominar o campo econmico, substituindo as

    antigas polticas socialistas, os defensores do Realismo passaram a reivindicar uma poltica

    externa mais voltada para os objetivos de segurana nacional. A realizao destes objetivos

    viria com a maximizao do poder geral da ndia, especialmente de poder material

    (econmico e militar). Argumenta-se que o pas deveria passar a atuar enquanto Grande

    Potncia e ter maior atuao e reconhecimento externo. Os realistas defendem parcerias

    estratgicas com outras potncias e a barganha com China e EUA. Alm disso, defende-se

    o endurecimento da relao com o Paquisto, ao mesmo tempo em que so oferecidos

    benefcios para a negociao. A realizao do teste nuclear de 1998 vista como um rito de

    passagem da ndia para o clube das Grandes Potncias e, analogamente, o acordo de

    cooperao nuclear com os Estados Unidos (2005) seria o reconhecimento desta condio

    pela superpotncia global.

    Jaishankar (2008) aponta que houve certo consenso sobre as bases da poltica

    externa da ndia nos governos de Vajpayee do BJP (1998-2004), e de Manmohan Singh

    do INC (2004-2014). Suas caractersticas comuns abrangem: doutrina de dissuaso nuclear

    mnima, aproximao com os Estados Unidos, intensa diplomacia com o Paquisto,

    parcerias estratgicas com potncias regionais, a Poltica de Olhar para o Leste e a

    Cooperao Sul-Sul.

    De uma maneira mais geral, os princpios da poltica externa da ndia neste perodo

    incluram a priorizao do desenvolvimento econmico, a nfase na diplomacia e na

    soberania nacional, a viso do mundo a partir de balanas de poder, a averso a alianas

    fixas, a no interferncia direta em assuntos internos e engajamentos bilaterais com pases

    chave, mesmo que sejam competidores (JAISHANKAR, 2008, p. 12).

    Vizinhana Prxima: A ndia no sul da sia e no Oceano ndico

    Historicamente, as elites indianas pensaram geopoliticamente a ndia como um

    subcontinente que estendia seus domnios s fronteiras naturais das montanhas do

    Himalaia, englobando os territrios atuais do Afeganisto, Paquisto e Bangladesh.

    Frequentemente, o subcontinente sofreu invases da sia Central e da Prsia (atual Ir),

    fator que introduziu novas populaes e a religio islmica (KAPLAN, 2010).

    5 Um expoente notvel desta corrente foi K. Subrahmanyam (1929-2011), que aconselhou primeiros-

    ministros durante as guerras Indo-Paquistanesas de 1971 e 1999 e exerceu papel chave para incentivar a fabricao dos primeiros artefatos nucleares pela ndia. Subrahmanyam tambm foi o segundo diretor da IDSA, cuja criao foi inspirada pelo sucesso da norte-americana RAND Corporation.

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    Ao sul, o Oceano ndico passou a ser encarado de forma estratgica a partir da

    colonizao britnica, que reforou a viso de poder martimo e a importncia do domnio

    dos mares contguos e dos pontos de estrangulamento para impedir incurses de potncias

    externas. Segundo Holmes, Winner e Yoshihara (2009, p. 38-39), o pensamento estratgico

    martimo indiano se assemelha Doutrina Monroe dos Estados Unidos. Isto significa que,

    caso haja a necessidade de interveno na regio, esta deveria ser feita pela ndia e no

    por uma potncia externa.

    A colonizao britnica e a subsequente fratura do subcontinente em 1947 deram

    origem a Estados incompletos e rivais entre si: ndia e Paquisto6. A rivalidade indo-

    paquistanesa originou quatro guerras (1947-1948, 1965, 1971 e 1999) e grandes crises

    bilaterais (a maior em 2001-2002). Aps o fim da Guerra Fria, a rivalidade indo-paquistanesa

    adquiriu novos contornos com a nuclearizao dos dois pases e o incio da insurgncia

    armada na Caxemira. Apesar de haver interpretaes positivas e negativas sobre seu

    impacto estratgico (GANGULY; KAPUR, 2010), a presena de armas nucleares acentuou o

    conflito bilateral, especialmente devido estratgia de guerra assimtrica do Paquisto7.

    A conformao de uma ordem regional harmoniosa barrada pela dificuldade da

    ndia em relacionar-se com os vizinhos e em garantir estabilidade regional. A questo

    fundamental da poltica externa da ndia para o sul da sia como conciliar a assimetria de

    poder regional e criar um ambiente estrategicamente seguro, politicamente estvel e

    economicamente integrado. Ao longo das dcadas, houve diferentes abordagens para

    atingir este objetivo, variando entre o intervencionismo da Doutrina Indira, o neonehrusmo

    da Doutrina Gujral (1997-1998) e o pragmatismo realista de Vajpayee-Singh (1998-2014).

    A Doutrina Indira exemplifica a abordagem proposta pelo Nehrusmo Militante em

    duas proposies: Evitar a interveno de potncias externas na regio e intervir quando

    houver um conflito que afete seus interesses. A maior interveno ocorreu no apoio guerra

    de independncia de Bangladesh (1971), quando os indianos operaram de forma encoberta

    e posteriormente iniciaram uma guerra aberta contra o Paquisto. Durante os anos 1970 e

    1980, a ndia tambm interviu em conflitos polticos nas ilhas Maurcio, Seychelles, Maldivas

    e no Sri Lanka, e promoveu um embargo econmico ao Nepal (BREWSTER, 2014).

    A Doutrina Gujral deu prioridade, pela primeira vez, ao desenvolvimento conjunto

    acelerado no sul da sia, que viria atravs do spill over do crescimento indiano para os

    vizinhos. Gujral declarou no esperar reciprocidade dos pases menores, indicando maior

    vontade em carregar os custos da integrao regional para diminuir as disparidades entre

    6 A poltica de fronteiras do Imprio Britnico tambm causou linhas de fratura entre o Afeganisto e

    Paquisto atravs da Linha Durand, que dividiu arbitrariamente o Raj Britnico e a zona tampo afeg. 7 Em virtude de sua desvantagem militar convencional, os paquistaneses tm aumentado o apoio a

    militantes islmicos atuando no Afeganisto e na ndia (RASHID, 2012).

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    pases. A abordagem para o Paquisto foi de resoluo pacfica de disputas, enquanto a

    ndia unilateralmente decidiu encerrar as operaes encobertas no pas vizinho como gesto

    de boa vontade. Segundo Stephen Cohen (2001, p. 40), a Doutrina Gujral seria a expresso

    contempornea do Nehrusmo, mas reforando o papel integrao regional como base de

    apoio e aceitando a nova realidade econmica global.

    O pragmatismo realista de Vajpayee-Singh colocou seu enfoque em dois eixos: 1)

    Priorizao dos laos diplomticos com o Paquisto, condicionando a estabilidade da

    relao aos esforos paquistaneses para encerrar o apoio a militantes anti-ndia e 2)

    Expanso da noo de vizinhana (e, implicitamente, de esfera de influncia) para todo o

    Oceano ndico, combinando aes de diplomacia cultural, econmica, poltica e militar.

    Aps os testes nucleares de 1998, ndia e Paquisto concordaram sobre a

    necessidade em evitar a confrontao e de resolver a questo da Caxemira de forma

    flexvel. O processo foi iniciado pela Declarao de Lahore (1999), colapsando aps a

    Guerra de Kargil. Na Cpula de Agra (2001), o governo militar paquistans de Musharraf

    recusou-se a assinar qualquer documento. Poucos meses depois, um ataque terrorista ao

    parlamento indiano causou nova crise, motivando a mobilizao de 500.000 soldados

    indianos na fronteira. Devido falta de efetividade em coagir o Paquisto, o Exrcito Indiano

    criou a Doutrina Cold Start, que prev pela primeira vez a possibilidade de invaso rpida de

    pequenas pores do territrio paquistans para obter vantagem em negociaes. Esta

    doutrina tem gerado apreenso devido ao risco de escalada (LADWIG III, 2008).

    Provavelmente, a maior diferena entre as estratgias de Vajpayee e Singh tenha

    sido a utilizao da coero militar. Neste sentido, apesar do pragmatismo, o governo do

    BJP mostrou sinais de maior propenso utilizao da fora contra o Paquisto. Contudo,

    Manmohan Singh tambm demonstrou que o avano das negociaes de paz dependeria

    do encerramento do apoio a grupos anti-ndia. Em 2006, iniciaram novas negociaes para

    um tratado de paz e amizade, sendo interrompidas pelos atentados terroristas de Mumbai

    (2008). Desde aquele momento, as negociaes no foram retomadas8.

    Em geral, se pode dizer que os indianos ficaram cada vez mais preocupados com a

    influncia exercida pela China no sul da sia, especialmente no mbito econmico, mas

    tambm em laos polticos e militares (MALIK, 2012). Apesar do interesse crescente da

    China no Oceano ndico, a ndia possui a vantagem geogrfica natural e, mais do que isso,

    tem exercitado um papel diplomtico de estabilizao poltica dos vizinhos e de progressivo

    8 Em 2014, durante a ltima tentativa de negociao, houve o cancelamento do encontro entre o novo

    primeiro ministro Narendra Modi, do BJP, e Nawaz Sharif. A justificativa foi o encontro de lderes paquistaneses com lderes militantes da Caxemira. Desta forma, o BJP demonstrou pela primeira vez que sequer negociaria enquanto o Paquisto mantivesse sua interferncia nos assuntos internos da ndia.

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    papel no provimento de segurana a estes pases, retomando a boa vizinhana de Gujral

    sem deixar de observar o plano securitrio.

    A ndia auxiliou os esforos de transio poltica no Buto, Maldivas, Nepal e Sri

    Lanka. Em Mianmar, os indianos expandiram os laos militares (naval e anti-terrorismo),

    evitando pressionar por abertura poltica devido s relaes especiais que o pas mantm

    com a China. Houve ainda o estabelecimento de novas parcerias estratgicas com

    Afeganisto e Bangladesh. Recentemente, j no governo Narendra Modi (BJP), foi assinado

    um pacto de troca de enclaves fronteirios com Bangladesh, sinalizando a continuidade das

    polticas anteriores.

    No Oceano ndico como um todo, a ndia tem combinado iniciativas de soft power

    cultural (Projeto Mausam), econmico-poltico (Indian Ocean Rim Association IORA) e

    militar (Indian Ocean Naval Symposium IONS e Indian Ocean Five IO-5).

    O Projeto Mausam (Mono) procura reviver historicamente as ligaes comerciais,

    culturais e sociais entre diversas regies do Oceano ndico, muitas consideradas como

    patrimnio da humanidade. O IORA a nica associao pan-regional9 criada para facilitar

    o comrcio e investimentos. Em 2014, foi introduzida a Declarao Econmica da IORA, que

    prioriza a Economia Azul: indstrias ligadas ao mar no desenvolvimento de portos, da

    pesca, energia renovvel, explorao mineral e turismo.

    No mbito securitrio, o IONS um frum naval, criado em 2008 pela Marinha

    Indiana e composto por 35 pases. O objetivo aumentar a cooperao entre as marinhas

    do Oceano ndico em iniciativas para aumentar a segurana martima em assuntos

    tradicionais e em novas ameaas. Apesar de seu interesse no multilateralismo, a ndia tem

    barrado a participao de potncias extra-regionais interessadas no IONS, especialmente a

    China.

    O IO-5, grupo criado recentemente por ndia, Ilhas Maurcio, Maldivas, Seychelles e

    Sri Lanka tem contornos de aliana. Os indianos tem provido segurana a estes pases

    atravs de exerccios e treinamento militar, venda de equipamentos e compartilhamento de

    radares costeiros. Na prtica, o grupo significa a institucionalizao da esfera de influncia

    indiana sobre estes pases.

    Por trs deste papel maior no Oceano ndico est uma mudana no pensamento

    estratgico da ndia, se deslocando do continente para o mar. Os indianos perceberam que,

    ao contrrio do poder terrestre, o poder martimo seria uma forma de projetar-se

    militarmente e aumentar a segurana nacional sem antagonizar os pases vizinhos. Tanto

    Vajpayee como Singh passaram a defender que o permetro estratgico da ndia englobava

    desde Suez e o Golfo Prsico at o Sudeste Asitico (REHMAN, 2013, p. 141). O uso do

    9 Entre os pases banhados pelo ndico, somente Arbia Saudita, Maldivas, Mianmar, Paquisto e

    Somlia no participam da IORA.

  • 9

    poder martimo possui elementos de soft power, como a proteo dos bens comuns e

    operaes humanitrias (LADWIG III, 2010). Alm disso, a ndia tem forjado parcerias

    navais em pontos chave do Oceano ndico, entre os quais frica do Sul (Cabo da Boa

    Esperana), Madagascar e Moambique (Canal de Moambique) e Singapura (Estreito de

    Malaca). A posse das ilhas Andaman e Nicobar, na Baa de Bengala, tambm possibilita

    acesso privilegiado ao Sudeste Asitico (RIBEIRO, 2015, p. 97-104).

    A mudana de concepo de regio vizinha para uma rea mais abrangente confere

    ndia maior espao de manobra e maior possibilidade de aceitao pela vizinhana. Por

    outro lado, esta estratgia no mitiga os conflitos interestatais regionais ou a necessidade

    da incluso de China e EUA nos clculos de poder indianos para o ndico.

    A ndia tambm no parece, por hora, ter capacidade (ou orientao poltica) de

    investimento externo e de comrcio exterior ao nvel da China. O crescimento apenas das

    cidades costeiras no ndico no cumpre a principal tarefa socioeconmica dos governos

    locais: prover empregos e bem estar a pases populosos e jovens. O desenvolvimento

    interno dos pases depende mais de projetos de infraestrutura terrestre que interliguem

    regies distantes do litoral, hoje capitaneados pelo Cinturo de Prosperidade da China10.

    Assim, a despeito de suas ligaes culturais, comerciais e polticas com os pases da regio,

    a ndia ter de encontrar um ponto de equilbrio com a estratgia poltico-econmica da

    China na sia.

    Vizinhana Estendida11: A ndia no Leste Asitico e no Oriente Mdio/frica

    A iniciativa de observar o crescimento acelerado no Leste Asitico surgiu logo aps o

    fim da Guerra Fria, quando o modelo de desenvolvimento da ndia se encontrava em crise e

    a regio vizinha experimentava o Milagre Asitico. No entanto, a insero de fato nos

    mbitos econmico, poltico e securitrio do Leste somente foi possvel com a ascenso

    indiana na virada do Sculo XXI. Do ponto de vista poltico, existe uma disputa por influncia

    com a China, decorrente de suas rivalidades histricas e das suas ambies geopolticas

    (MALIK, 2012; RIBEIRO, 2015).

    Do ponto de vista econmico, a integrao com as cadeias produtivas do Leste

    Asitico permanece um desafio para a ndia, que possui grande competitividade em servios

    (tecnologia da informao, telecomunicaes) e em bens industrializados (farmacuticos,

    automotivos e infraestrutura). Os maiores competidores regionais so China e Japo, que

    estabeleceram forte influncia sobre os pases da ASEAN ainda no sculo XX. Mesmo

    10

    Hoje, os projetos chineses que afetam diretamente a ndia so os corredores energticos, ferrovirios e rodovirios Xinjiang-Paquisto (em expanso) e BCIM (Bangladesh, China, ndia e Mianmar). O BCIM tem figurado na agenda bilateral e pode tornar-se realidade nos prximos anos. 11

    Os lderes Vajpayee e Singh utilizaram frequentemente a expresso Vizinhana Estendida para dar conta de uma nova projeo da ndia nas regies contguas (SCOTT, 2009, p. 108).

  • 10

    assim, em 2013-2014, as exportaes indianas para o Leste Asitico somaram 23% do seu

    total, comparado aos 16% da Unio Europeia, 15% dos pases do Conselho de Cooperao

    do Golfo, 13% da Amrica do Norte e 10% da frica.

    As principais iniciativas subregionais da ndia foram a Bay of Bengal Initiative for

    Multi-Sectoral Technical and Economic Cooperation12 (BIMSTEC) e o frum Mekong-Ganga

    Cooperation13 (MGC). Claramente, a ndia buscava alternativas de integrao SAARC

    devido s potencialidades do Sudeste Asitico e relativa falta de resistncia poltica. No

    entanto, a falta de capacidade de investimentos e as relaes oscilantes com Mianmar

    considerado a porta de entrada para a ASEAN refrearam o avano dos dois projetos.

    Num contexto mais geral, a ndia aproximou-se politicamente do Leste Asitico para

    diluir a influncia regional chinesa e contrabalanar o papel exercido pela China no sul da

    sia. A presena de uma rivalidade histrica e geopoltica entre China e ndia um fator

    importante, mas no definitivo das relaes bilaterais. Pode-se incorrer no erro de que suas

    relaes so fadadas confrontao. mais correto afirmar que existe em jogo uma

    perspectiva de poltica de poder em nvel regional, ao mesmo tempo em que coexistem

    interesses convergentes nos nveis bilateral, regional e global. Ambas as potncias asiticas

    levam em considerao que o Sculo Asitico depende da sua prpria cooperao, do

    contrrio a regio como um todo continuar fragilizada por atraso socioeconmico e por

    dependncia de potncias externas (RIBEIRO, 2015).

    A insero poltica multilateral da ndia no Leste Asitico ocorre de forma reativa,

    resultando da articulao poltica da ASEAN. O Frum Regional da ASEAN, criado em 1994,

    passou a figurar como a principal via de dilogo poltico e securitrio na sia, incluindo todas

    as potncias regionais e extra-regionais. Do ponto de vista econmico, a ASEAN promove o

    projeto do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), que seria a juno de

    todos os seus tratados de livre comrcio com China, Coreia do Sul, Japo, ndia, Austrlia e

    Nova Zelndia.

    A ndia tem avanado em relaes bilaterais estratgicas, destacando-se Japo,

    Singapura e Vietn. Na Declarao de Tquio (2014), indianos e japoneses estabeleceram

    uma parceria estratgia com foco em investimentos de infraestrutura, transferncia de

    tecnologia, de equipamento militar e coordenao entre as agncias de defesa. Em um

    gesto simblico, o Japo iniciar suas vendas militares interrompidas desde a II Guerra

    Mundial fornecendo 15 navios anfbios para a ndia. A parceria com Singapura teve incio

    em 1994 e desde ento a ndia treina todo o pessoal militar do pas, alm de realizar

    12

    A BIMSTEC foi criada em 1997. Seus membros so Bangladesh, Buto, ndia, Mianmar, Nepal, Sri Lanka e Tailndia. 13

    O frum MGC foi criado em 2000. Seus membros so Camboja, ndia, Mianmar, Tailndia e Vietn.

  • 11

    exerccios navais anuais. O suporte de Singapura essencial para as operaes prximas

    ao Estreito de Malaca.

    Com os vietnamitas, a ndia procura contrabalanar as relaes especiais entre

    China e Paquisto. Os dois pases tm investimento conjunto nas reservas petrolferas do

    Mar do Sul da China, regio reivindicada pela China. A Marinha Indiana j declarou que

    seu dever proteger quaisquer ativos indianos no exterior, incluindo os poos explorados pela

    ONGC Videsh nesta regio. O Vietn j fornece acesso de suas bases para o

    reabastecimento de navios militares indianos. A ndia tambm providencia treinamento

    militar e venda de equipamentos, incluindo navios de patrulha e possivelmente msseis

    BrahMos (SCOTT, 2013, p. 56, 60-61).

    No Oriente Mdio e na frica, o interesse econmico da ndia assegurar fontes de

    recursos naturais e, em menor medida, expandir suas empresas para novos mercados. Em

    termos quantitativos, o Oriente Mdio representa dois teros de suas importaes

    petrolferas e quase metade do consumo total. A ndia o segundo parceiro geral das

    economias do Golfo Prsico (atrs apenas dos Estados Unidos), exportando servios,

    manufaturas e capitais. Esses pases tambm so grandes fontes potenciais de capital

    (XAVIER, 2009, p. 48-50). Na frica, a ndia tem buscado diversificar suas fontes

    energticas e expandir seus negcios em telecomunicaes, farmacuticos, automotivos e

    infraestrutura. As Ilhas Maurcio de populao indiana so a porta de entrada para o

    investimento externo direto (IED), somando 20% do IED total da ndia entre 2008 e 2012

    (VIEIRA, 2012, p. 99-102).

    A importncia energtica do Oriente Mdio para o mundo um desafio poltico e

    securitrio pela ndia, que considera esta regio como uma arena central em futuras

    transies sistmicas. Por conta disso, Xavier (2009) aponta trs razes pelas quais a ndia

    dever participar de forma singular na economia e na segurana regional: a) Disporas

    Indianas agindo como pontes econmicas e populaes a serem protegidas; b) problema

    comum do radicalismo islmico (muitas vezes financiado por pases do Golfo); c) posio

    geoestratgica permanente no Mar Arbico. O autor defende que, embora o envolvimento

    securitrio indiano ainda seja pequeno, a ndia poderia ser uma ponte de ligao entre os

    atores na regio, pois tem boas relaes com o Ocidente, Arbia Saudita, Ir, Israel, China e

    Rssia.

    A relao indo-iraniana merece meno especial. O Ir tem sido a porta de entrada

    da ndia para a sia Central e para o Afeganisto, onde ambos tm apoiado os mesmos

    grupos polticos contra o Talib este apoiado de forma encoberta pelo Paquisto. O

    acesso indiano se cristalizar com a modernizao do Porto de Chabahar, no Golfo de Om.

    O Afeganisto a encruzilhada regional que, por conta de sua instabilidade e falta de

    infraestrutura, impede o centro da sia de conectar-se com o Oceano ndico (e dificulta a

  • 12

    conexo da China com Cucaso, Oriente Mdio e Europa). Historicamente, o Paquisto tem

    utilizado o pas vizinho como base de profundidade estratgica em caso de conflito com a

    ndia. Por conta destes fatores, o Afeganisto tambm considerado parte da Vizinhana

    Prxima e tem recebido ajuda para enfrentar grupos radicais que atuam no prprio territrio

    indiano.

    Ainda, h grande interesse da ndia nas reservas energticas da sia Central, hoje

    exploradas majoritariamente por China e Rssia. O interesse crescente da ndia na sia

    Central demonstrado pela sua provvel entrada na Organizao para a Cooperao de

    Xangai14 (OCX), juntamente com o prprio Paquisto e, futuramente, o Ir. A experincia da

    OCX no combate aos trs males (terrorismo, separatismo e extremismo religioso) tem sido

    positiva e pode ser a chave para a estabilizao futura do Afeganisto, especialmente num

    contexto de retirada dos Estados Unidos.

    A dimenso global: Parcerias estratgicas da ndia e o multi-alinhamento

    Nesta seo, ser tratada a dimenso global e sistmica da perspectiva estratgica

    da ndia. No sculo XXI, a ndia deseja consolidar-se enquanto polo do Sistema

    Internacional e contribuir para a formao de uma ordem multipolar. Com o fim da Guerra

    Fria, emergiu uma nova estrutura e geometria de poder varivel na sia. Raja Mohan e

    Parag Khanna (2006, p. 44) descrevem este novo momento:

    A constante mudana de lealdades e de alianas na sia confunde tanto os historiadores quanto os experts em geometria. H a dade patro-cliente entre Pequim e Islamabad, encontros entre China-ndia-Rssia declarando a necessidade de multipolaridade, manobras militares russo-japonesas e sino-russas [...], um tringulo nuclear China-EUA-ndia, e a tentativa dos Estados Unidos em transcender sua preferncia histrica entre ndia e Paquisto. A nica inferncia clara dessas configuraes assimtricas que a maioria dos Estados Asiticos continua [...] a ser polida, especialmente com seus inimigos. Enquanto todas as potncias asiticas esto alerta preponderncia norte-americana, tambm procuram boas relaes com Washington. Nenhuma delas esteve na linha de frente da crtica mundial [] ocupao do Iraque. [Traduo prpria]

    As parcerias estratgicas so parte de uma nova estratgia de multi-alinhamento,

    segundo a qual h motivos para a ndia se aproximar de qualquer pas relevante para o

    interesse nacional. A categoria em que se enquadram a maioria das parcerias (estratgicas

    ou no) da ndia o desenvolvimento econmico e cooperao tcnico-cientfica. Quando

    incluem pases considerados do Norte, o interesse indiano dominar novas tecnologias de

    14

    Seus membros so China, Cazaquisto, Quirguisto, Rssia, Tadjiquisto e Uzbequisto. Afeganisto, ndia, Ir, Monglia e Paquisto so observadores. Bielorrssia, Turquia e Sri Lanka so parceiros de dilogo. A entrada de ndia e Paquisto como membros plenos provavelmente ser confirmada ainda em 2015.

  • 13

    ponta (incluindo energia nuclear) e atrair investimentos para aumentar a produo e a

    produtividade interna. Com os pases considerados do Sul, a ndia procura ampliar sua base

    de apoio poltico atravs de Cooperao Sul-Sul e da concesso de benefcios para

    ampliao do investimento e do comrcio bilateral. Com alguns pases especficos (EUA,

    Frana, Israel e Rssia) existe uma forte cooperao focada no setor de defesa.

    A ndia procura extrair os pontos positivos da globalizao, atraindo grande

    quantidade de capitais e investimentos para o setor produtivo. Os setores nacionais mais

    competitivos tambm investem no exterior, inserindo-se atravs de intermedirios nos

    mercados europeu (Holanda e Ilhas Virgens), asitico (Singapura) e africano (Ilhas

    Maurcio), que somam dois teros do total de IED indiano. Ao mesmo tempo, est

    emergindo um consenso na poltica indiana de que a liberalizao econmica e a abertura

    do mercado interno no devem reprimir a demanda interna e o consumo de massa. Alm

    disso, necessrio haver uma rede de polticas sociais que diminuam o nmero de pessoas

    em situao de risco15.

    Num contexto de difuso do poder global, a ndia tem buscado maior reconhecimento

    de seu papel juntamente com outros polos emergentes (frica do Sul, Brasil, China e

    Rssia). O IBAS um exemplo de tentativa de liderana diplomtica e de conjuno de

    espaos estratgicos em ascenso (Atlntico Sul e ndico). A institucionalizao recente do

    BRICS, por sua vez, est promovendo uma alternativa financeira s instituies lideradas

    pelo Ocidente. Como aponta Maria Regina Lima (2012), estes pases no desejam a eroso

    das instituies globais ou do liberalismo, mas sim um equilbrio entre abertura econmica,

    salvaguardas nacionais e proteo social.

    Politicamente, o discurso e a prtica da ndia se aproximam atualmente mais destes

    pases do que dos Estados Unidos. Ao contrrio dos norte-americanos, a ndia no utiliza a

    promoo da democracia de forma seletiva para atender a seus interesses estratgicos. Os

    indianos ainda defendem o respeito soberania e a coexistncia pacfica de diferentes

    sistemas polticos, embora acreditem em um futuro democrtico para a sia e para o

    mundo. A ndia ainda sofre com os mesmos problemas socioeconmicos do Sul poltico

    global. Por isso, sua posio em fruns multilaterais muitas vezes se aproxima dos BRICS e

    de pases em condies similares. A criao e participao no G20 um exemplo disso.

    No campo securitrio, a ndia pleiteia um assento permanente no Conselho de

    Segurana da ONU e um dos pases mais ativos no envio de tropas de paz. Apesar do

    ativismo, a ndia demonstrou uma posio cautelosa e contrria a intervenes militares

    quando votou em resolues sobre Ir, Sudo, Mianmar e Lbia.

    15

    Isto pode ser observado pelo comportamento histrico do Indian National Congress, ou pelas iniciativas recentes do governo Narendra Modi, do BJP. As maiores promessas de campanha deste novo governo so unificar os programas de transferncia de renda, tornar o sistema pblico de sade universal e criar um programa bsico de saneamento universal.

  • 14

    Por outro lado, a ascenso da China suscita questes geopolticas complexas para a

    ndia, que v sua tentativa de hegemonia regional ameaada por um rival histrico. Da

    mesma forma, os chineses procuram evitar que a ndia supere suas fragilidades e se torne

    uma potncia de igual magnitude. Os Estados Unidos aproveitam as inseguranas da ndia

    para incentiva-la a criar coalizes com Austrlia e Japo, a fim de manter a balana de

    poder regional. A parceria com os Estados Unidos funciona como um seguro para a ndia,

    que no deseja ter as mesmas obrigaes dos aliados americanos, mas auferir alguns de

    seus privilgios, como a transferncia de tecnologia militar avanada e a cooperao

    nuclear. Alm disso, seria difcil supor qualquer envolvimento dos EUA em uma eventual

    guerra sino-indiana, portanto uma aliana formal no seria vantajosa.

    A questo das novas ameaas na era digital certamente a mais recente e

    imprevisvel. A proliferao de golpes de Estado e de grupos insurgentes no Arco das Crises

    (Afeganisto, Oriente Mdio e Norte da frica) reflete esta nova realidade. Apesar de

    posicionar-se contra intervenes, a ndia viu com bons olhos a invaso americana ao

    Afeganisto, pois o Talib representava um bastio do radicalismo islmico e recebia apoio

    do Paquisto. Posteriormente, a ndia apenas observou as revoltas conhecidas como

    Primavera rabe, que reconfiguraram totalmente o Oriente Mdio.

    A ascenso do Estado Islmico e a desestabilizao de Sria e Iraque causados

    pela interferncia ocidental e pela disputa ideolgica saudita-iraniana mudaram este

    panorama. Grupos militantes atuando em territrio afego e paquistans j organizam seu

    apoio ao Estado Islmico e ameaam a derrubada do prprio governo do Paquisto, que se

    encontra numa crise de legitimidade interna. Neste contexto, a ndia se v compelida a agir

    de forma preventiva, para evitar tornar-se alvo destes novos grupos e, mais do que isso,

    impedir que seu rival vizinho se radicalize.

    Uma das respostas da ndia, ainda de forma incipiente, a maior coordenao com

    China e Rssia atravs dos encontros trilaterais e da provvel entrada como membro pleno

    da OCX, juntamente com o Paquisto. As trs maiores potncias da sia continental

    perceberam que, num contexto de caos no Oriente Mdio e de recuo estratgico dos

    Estados Unidos, caber a elas exercer um papel poltico mais propositivo. Do contrrio,

    estaro sujeitas a grande instabilidade securitria em suas periferias imediatas e em seus

    prprios territrios com histrico de intranquilidade (Caxemira, Chechnia e Xinjiang).

    Concluso

    Ao longo deste estudo, foi possvel observar que, na virada para o Sculo XXI, a

    ndia passou por uma transio em suas bases de atuao internacional. O ponto de

    equilbrio foi atingido atravs da ascenso de novas correntes de pensamento poltico-

  • 15

    estratgicas, que tiveram de adaptar a Poltica Externa da ndia a novos desafios e

    reposicionar o pas conforme seu poder relativo e suas ambies polticas.

    Como resultado deste processo, a ndia expande cada vez mais seus horizontes e

    reflete seu poder material econmico e militar em maior influncia poltico-diplomtica. Os

    exemplos claros desta expanso so a ampliao do entorno estratgico (abrangendo o

    Oceano ndico) e a crescente influncia na Vizinhana Estendida, gerando maior

    interdependncia econmica e securitria desde a frica at o Leste Asitico. Em termos

    estruturais, a ndia j pode ser considerada uma Grande Potncia devido a sua capacidade

    militar, tecnolgica e nuclear. As relaes com outras potncias, especialmente China,

    Estados Unidos e Rssia, revelam que a ndia no pode mais ser considerada num segundo

    escalo, a despeito de suas fragilidades internas e regionais.

    As possibilidades de atuao na condio de Grande Potncia so muitas e

    provavelmente decepcionaro aqueles que imaginam a ndia como parte de uma aliana

    trilateral com EUA e Japo ou com China e Rssia. A vantagem indiana justamente poder

    tornar-se um bridging power, utilizando a expresso de Khilnani (2005). um Estado rico e

    pobre ao mesmo tempo, possui uma democracia liberal e valores de uma sociedade asitica

    ps-colonial e combina elementos de hard e de soft power. Como aponta Khilnani, a ndia

    pode se tornar uma potncia indispensvel se tiver habilidade poltica para construir

    coalizes e persuadir aqueles com interesses diversos. A concluso a partir deste raciocnio

    e do estudo atual que a ndia poderia ser a ponte comercial, diplomtica, financeira e

    securitria entre dois mundos que comeam a entrar em equilbrio: o Ocidente e a periferia

    emergente. A julgar pela perspectiva estratgica da ndia no amanhecer do Sculo XXI, o

    pas tem as credenciais polticas para auxiliar na conformao de uma nova ordem global.

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