A PERCEPÇÃO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS EM SAÚDE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CLÍNICA ODONTOLÓGICA LYGIA ROSTOLDO MACEDO A PERCEPÇÃO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS EM SAÚDE BUCAL DA ATENÇÃO BÁSICA SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PERMANENTE IMPLEMENTADA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA/ES VITÓRIA 2017

Transcript of A PERCEPÇÃO DOS AUXILIARES E TÉCNICOS EM SAÚDE...

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

CENTRO DE CINCIAS DA SADE

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CLNICA ODONTOLGICA

LYGIA ROSTOLDO MACEDO

A PERCEPO DOS AUXILIARES E TCNICOS EM SADE

BUCAL DA ATENO BSICA SOBRE A POLTICA NACIONAL DE EDUCAO PERMANENTE IMPLEMENTADA NA REGIO

METROPOLITANA DA GRANDE VITRIA/ES

VITRIA 2017

LYGIA ROSTOLDO MACEDO

A PERCEPO DOS AUXILIARES E TCNICOS EM SADE

BUCAL DA ATENO BSICA SOBRE A POLTICA NACIONAL DE EDUCAO PERMANENTE IMPLEMENTADA NA REGIO

METROPOLITANA DA GRANDE VITRIA/ES

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Clnica Odontolgica da Universidade Federal do Esprito Santo, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do ttulo de Mestre em Clnica Odontolgica. Orientadora: Prof. Dr. Karina Tonini dos Santos Pacheco Coorientadora: Prof. Dr. Carolina Dutra Degli Esposti

VITRIA

2017

LYGIA ROSTOLDO MACEDO

A PERCEPO DOS AUXILIARES E TCNICOS EM SADE BUCAL DA ATENO BSICA SOBRE A POLTICA NACIONAL DE EDUCAO PERMANENTE IMPLEMENTADA NA REGIO

METROPOLITANA DA GRANDE VITRIA/ES

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Clnica Odontolgica, do Centro de Cincias da Sade, Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Clnica Odontolgica.

Aprovada em _______/_______/_______

COMISSO EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. Dr. Karina Tonini dos Santos Pacheco Universidade Federal do Esprito Santo

Orientadora

__________________________________________ Prof. Dr. Carolina Dutra Degli Esposti

Universidade Federal do Esprito Santo Coorientadora

__________________________________________ Prof. Dr. RaquelBaroni de Carvalho Universidade Federal do Esprito Santo

Examinadora Interna

___________________________________________ Prof. Dr. Edson Theodoro dos Santos Neto

Universidade Federal do Esprito Santo Examinador Externo

Dedico este trabalho ao meu maior amor, minha me Janne, e s minhas

queridas irms, Lyvia e Layla, por todo apoio e incentivo na realizao

deste grande sonho de me tornar Mestre. E tambm por nunca me

deixarem desanimar frente aos desafios desta jornada. Esta vitria

tambm de vocs!

AGRADECIMENTOS

A Deus, por este presente maravilhoso que a vida! Agradeo tambm pelas pessoas que o Senhor colocou em meu caminho. Algumas me inspiraram, me ajudaram, me desafiaram e me encorajaram a ser cada dia melhor. minha me Janne, por fazer o possvel e o impossvel para que eu realizasse meus sonhos, por ser meu ponto de apoio e de colo nos momentos de alegria e de tristeza durante esta caminhada e por no me deixar desistir em momento algum. s minhas irms Lyvia e Layla, por serem minhas maiores fontes de inspirao, de determinao e de esforo, e por estarem sempre ao meu lado acreditando em mim. famlia Rostoldo, por sempre torcerem pelo meu sucesso.

minha orientadora Karina Tonini dos Santos Pacheco, por ter embarcado comigo nesta aventura logo de cara e por ser to paciente, generosa, dedicada e, acima de tudo, por exigir que eu desse sempre o melhor de mim, acreditando no meu potencial. minha coorientadora Carolina Dutra Degli Esposti, por ter sido, primeiro de tudo, uma amiga nesta jornada. Por ter sido meu brao direito, compartilhando suas experincias e seus conhecimentos, e por estar sempre pronta a me ajudar. Ao meu coordenador do estgio Rodrigo Resende Brando, por me fazer enxergar nele o exemplo de professor que eu quero ser e por sua infinita bondade e grande amizade. s auxiliares e/ou tcnicas em Sade Bucal, por terem contribudo tanto para a minha pesquisa ao aceitarem participar dela de bom corao. Vocs foram fundamentais Aos meus grandes amigos do mestrado Lorena, Flavia, Carol e Vinicius, por terem sido meus companheiros e por compartilharem comigo todos os momentos de ansiedade, euforia, desespero, felicidade e principalmente diverso, nesta caminhada. Foi muito mais fcil com vocs ao meu lado. Aos queridos Wagner, Julia e Lorena, por sempre cederem seu tempo com generosidade para me ajudar durante a realizao desta pesquisa. Ao professor Edson Theodoro dos Santos Neto, por me ceder de bom grado a continuao da realizao desta pesquisa to grandiosa e por aceitar participar da minha banca de defesa. professora Raquel Baroni de Carvalho, por gentilmente aceitar participar da minha banca de defesa, de modo a contribuir grandemente para a confeco de um grande artigo. Ao Programa de Ps-Graduao em Clnica Odontolgica, por garantir que eu tivesse o melhor corpo de professores. Regina, por ser to solicita em todos os momentos que precisei e por toda a sua dedicao. Universidade Federal do Esprito Santo, por me proporcionar a realizao de mais um sonho pessoal, o de me tornar Mestre em Clnica Odontolgica.

RESUMO

Introduo: A proposta da Educao Permanente em Sade (EPS) implantada

no Brasil destaca a importncia do potencial educativo do processo de trabalho

para a transformao da prtica dos profissionais da rea da sade. A EPS na

ateno bsica importante devido necessidade de garantir a universalidade

e a integralidade do Sistema nico de Sade. Objetivo: Analisar a percepo

dos Auxiliares e Tcnicos em Sade Bucal (ASBs/TSBs) sobre a Poltica

Nacional de Educao Permanente em Sade implementada para as Equipes

de Sade Bucal da Regio Metropolitana da Grande Vitria, Esprito Santo, que

atuavam na ateno bsica entre 2007 e 2012. Metodologia: Estudo com

abordagem qualitativa, cuja construo dos dados foi realizada por meio de um

grupo focal. A discusso entre os sujeitos da pesquisa durante o grupo focal foi

gravada e transcrita na ntegra e de forma literal, e analisada segundo a

Anlise de Contedo Temtica. Resultados: As ASBs/TSBs no

compreendiam a EPS e no a visualizavam na prtica em servio. Viam a

mesma como cursos rpidos e pontuais. Mencionaram que antigamente os

cursos e as rodas aconteciam com maior frequncia. Citaram o nmero

elevado de atendimentos, o que impossibilitava a ausncia do consultrio e

participao em outras atividades, a desvalorizao da profisso, e a prioridade

para os dentistas. Concluso: As ASBs/TSBs no enxergaram a implantao

dessa poltica no seu dia a dia nem tampouco no seu local de trabalho,

associando essa ausncia a: falta de tempo, desvalorizao da profisso,

gesto da unidade e a escolha do prprio profissional.

Palavras-Chave: Educao Continuada. Poltica de Sade. Ateno Bsica.

Odontologia.

ABSTRACT

Introduction: The proposal of the Continuing Health Education (EPS)

implemented in Brazil, highlights the importance of the educational potential of

the work process for transformation. The implementation of EPS in basic care is

important due to the need to guarantee the universality and integrality of the

Unified Health System, since it is a space of collective construction in which the

different subjects are involved in health care. Objective: Analyze the perception

of oral health aides and technicians (ASBs/TSBs) on the National Policy of

Continuing Education in Health implemented for the oral health teams of the

Greater Metropolitan Region Vitria, Esprito Santo, who worked in primary care

between 2007 and 2012. Methodology: a qualitative approach, where the

construction of the data was performed through a focal group. The discussion

between the subjects of the research during the focal group was recorded and

transcribed in full and in a literal form, where it was analyzed according to the

Thematic Content Analysis. Results: ASBs/TSBs do not understand EPS and

do not visualize it in practice in service. They see it as quick and punctual

courses. They mentioned that courses and wheels used to happen more often.

They cited the high number of appointments which made it impossible for the

absence of the office and participation in other activities, the devaluation of the

profession, and the priority for dentists. They observe the influence of the

management and the commitment in the divulgation of the courses and the

professional interest in participating. Conclusion: The ASBs / TSBs do not see

the implementation of this policy in their day to day nor in their place of work,

associating this lack to: lack of time, devaluation of the profession, management

of the unit and the choice of the professional himself.

Key words: Continuing Education. Health Policy. Primary Care. Dentistry.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACD Auxiliar de Consultrio Dentrio

ASB Auxiliar de Sade Bucal

CD Cirurgio-Dentista

CNS Conferncia Nacional de Sade

CNSB Conferncia Nacional de Sade Bucal

EPS Educao Permanente em Sade

EP Educao Permanente

EC Educao Continuada

ES Esprito Santo

ESF Estratgia de Sade da Famlia

MS Ministrio da Sade

PNEPS Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade

PSF Programa de Sade da Famlia

RMGV Regio Metropolitana da Grande Vitria

SEMUS Secretaria Municipal de Sade

SGTES Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

SUS Sistema nico de Sade

THD Tcnico em Higiene Dental

TSB Tcnico em Sade Bucal

UBS Unidade Bsica de Sade

SUMRIO

1. INTRODUO GERAL................................................................................ 09

1.1. Formao da Sade ............................................................................... 09

1.2. Educao Permanente em Sade ......................................................... 11

1.3. Importncia da Educao Permanente na Sade .................................. 15

1.4. Dificuldades da Educao Permanente na Sade ................................. 17

1.5. Educao Permanente x Educao Continuada .................................... 19

1.6. Equipe de Sade Bucal .......................................................................... 20

1.7. Educao Permanente na Odontologia ................................................. 25

2. OBJETIVO ................................................................................................... 28

3. RESULTADOS ............................................................................................. 29

3.1. Artigo 1 ................................................................................................... 30

4. CONSIDERAES FINAIS ......................................................................... 64

REFERNCIAS ................................................................................................ 66

APNDICES .................................................................................................... 72

Apndice A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................... 73

Apndice B Roteiro Guia para Grupo Focal .................................................. 76

Apndice C Formulrio para cadastro de participante .................................. 77

ANEXOS .......................................................................................................... 78

Anexo A Carta de Aprovao do Comit de tica em Pesquisa ................... 79

Anexo B Normas da Revista: Trabalho, Educao e Sade ......................... 82

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1. INTRODUO GERAL

1.1 Formao da Sade

A VIII Conferncia Nacional de Sade (CNS) e a criao da Comisso Nacional

de Reforma Sanitria, nos anos 1980, foram importantes para as muitas

conquistas que aconteceram no processo de reorganizao do sistema de

sade no Brasil. Mesmo com conflitos, embates e diferentes interesses,

ocorreram importantes mudanas, chegando Constituio Federal Brasileira

de 1988, que reconhece a sade como um direito de todos os cidados e um

dever do Estado, e a criao do Sistema nico de Sade (SUS) (BRASIL,

1988).

No Brasil, desde a institucionalizao do SUS, a partir da Constituio Federal

de 1988, a questo da formao profissional tem sido apontada como

fundamental, e a que vem sofrendo o maior processo de desregulamentao

dentro da poltica do Estado (SARRETA; BERTANI, 2009). O SUS j provocou

grandes mudanas nas prticas de sade, mas ainda no o bastante. Para

que novas mudanas ocorram, preciso que haja transformaes na formao

e desenvolvimento dos profissionais na rea da sade. Isso s ser

conseguido se realmente houver uma mudana na forma de pensar, cuidar,

tratar e acompanhar a sade dos brasileiros, e se conseguirmos mudar

tambm os modos de ensinar e aprender. A construo de um modelo baseado

na Ateno Primria Sade exige que uma nova prtica sanitria esteja em

curso no pas, articulando a ateno demanda e a vigilncia da sade, o que

vem implicar na necessidade de adequao e formao de profissionais pr-

ativos, com capacidade de diagnosticar e solucionar problemas, de tomar

decises, de intervir no processo de trabalho, de enfrentar situaes em

constante mudana e de trabalhar em equipe (AMNCIO FILHO, 2004).

Com a criao do SUS, ficou estabelecida a necessidade de atuao do

Ministrio da Sade (MS) como organizador da formao em sade. Apesar

dos apelos da Constituio Federal, a Lei 8080/1990, das CNS, das

Conferncias Nacionais de Sade Bucal, entre outros documentos

10

institucionais que conciliavam as reinvindicaes dos trabalhadores de sade,

foi somente em 2003 que se deu incio, no mbito do MS, a um novo momento

para a rea de recursos humanos, entendendo-se que o tema da gesto do

trabalho e educao na sade necessitava de ateno e dedicao constante.

Assim, o MS criou, atravs do Decreto n 4.726, de 9 de junho de 2003, a

Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES) (BRASIL,

2003), que veio para formular as polticas, projetos e programas e tem como

competncia a formulao das polticas orientadoras da formao,

desenvolvimento, distribuio, regulao e gesto dos trabalhadores da sade

(BRASIL, 2004c).

A precarizao do trabalho e o aprofundamento do modelo

curativista/hospitalocntrico tm sido apontados pela necessidade da formao

dos trabalhadores, h vrias dcadas nos espaos das conferncias de sade.

Considerada um suporte na implementao do SUS, de tal modo que efetive o

conceito ampliado de sade, a Educao Permanente em Sade (EPS) se

diferencia das propostas de transferncia de conhecimentos, apontando as

necessidades cada vez mais complexas de um perfil de trabalhador polivalente,

qualificado ou, ainda, bem treinado. Assim, a abrangncia do processo de

educao transportado para as questes de sade pode desencadear aes

educativas sustentadas nos paradigmas referenciais da promoo de sade.

Pode, ento, ser uma estratgia para transcender o pensamento tradicional

(agente-corpo-hospedeiro), ainda presente na prtica dos servios de sade,

para promover a reflexo das condies materiais de vida e seus laos

produtivos na sade (SARRETA; BERTANI, 2009).

Demonstra-se, aqui, que a implantao da Poltica de EPS privilegiou o

emprego da problematizao, como metodologia eminentemente participativa,

considerada inclusiva ao trabalho de campo, implicando no envolvimento pr-

ativo de todos os atores sociais (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004), tendo

em vista que a formao dos profissionais tem sido realizada de maneira

desarticulada e fragmentada, produzindo pouco impacto no cenrio nacional.

Frente ao exposto, inicia-se no pas um processo de construo coletiva de

11

uma Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade (PNEPS) (BRASIL,

2004a; AMNCIO FILHO, 2004).

Apesar de alguns avanos, a formao dos profissionais de sade ainda est

muito distante do cuidado integral. O perfil dos profissionais de sade revela

uma qualificao insuficiente para as mudanas. Uma necessidade crescente

de EPS para esses profissionais, com o objetivo de mudar seus perfis de

atuao, para implantao e fortalecimento da ateno sade no SUS um

grande desafio (BATISTA; GONALVES, 2011).

A EPS assumida ento como uma estratgia privilegiada de ensino-

aprendizagem por acontecer a partir da problematizao da realidade concreta

do processo de trabalho, atravs das rodas de discusso, que so espaos

para o estabelecimento de dilogo e de negociao entre trabalhadores da

sade, gestores, instituies formadoras, com participao social (GIMENES;

ABRAHO; MAIA, 2005).

1.2 Educao Permanente em Sade

O termo Educao Permanente apareceu pela primeira vez na Frana em 1955

e foi oficializado no ano seguinte em um documento do ministro educacional

sobre a continuao da escolaridade obrigatria e a reforma do ensino pblico.

No final da dcada de 60, passou a ser difundida pela Organizao das Naes

Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO), fundamentada na

teoria do capital humano, que compreende a qualificao do ser humano como

um dos mais importantes meios para a produtividade econmica e o

desenvolvimento do pas (LEMOS, 2016).

Durante os anos de 1990 a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS)

sistematizou o conhecimento de EPS, apontando uma perspectiva terica e

metodolgica para a constituio de Programas de EPS (BRASIL, 2007). Partia

da evidncia de que as capacitaes tradicionais, realizadas de modo vertical

e dirigidas indistintamente a pblicos diversos, tinham baixo impacto, ou seja,

12

produziam poucas modificaes nas prticas dos trabalhadores de sade

(MEHRY; FEUERWERKER, 2016).

A EPS tem seu conceito definido como aes educativas embasadas na

problematizao do processo de trabalho em sade e que tenham como

objetivo a transformao das prticas profissionais e da prpria organizao do

trabalho, obtendo como referncia as necessidades de sade das pessoas e

das populaes, a reorganizao da gesto setorial e a ampliao dos laos da

formao com o exerccio do controle social (BRASIL, 2007).

A definio de EPS pela OMS (ROVERE, 1994) compreende a educao no

trabalho, pelo trabalho e para o trabalho, em diferentes servios, cujo objetivo

melhorar a sade da populao. Est, portanto, diretamente relacionada

qualidade do atendimento da ateno, que, quando no satisfatria,

transforma-se num problema social de grande amplitude. Isto torna evidente

que, sendo os servios de sade servios de pessoas para pessoas, o principal

fator de qualidade da ateno est constitudo pela disponibilidade, atitude,

conhecimento e desempenho da sade.

A escolha da EPS como ato poltico de defesa do trabalho no SUS decorreu do

desafio para que o setor da sade correspondesse s necessidades da

populao, conquistasse a adeso dos trabalhadores, constitusse processos

vivos de gesto participativa e transformadora e captasse docentes, estudantes

e pesquisadores para a mais vigorosa implementao do SUS. O desafio da

poltica brasileira foi o de ultrapassar a utilizao pedaggica de natureza

educacional da formulao trabalhada pela OPAS, relativa EPS, para implic-

la com o carter situacional das aprendizagens nos prprios cenrios de

trabalho da sade, em todas as suas dimenses, conectando-a s aes

contra-hegemnicas necessrias (ROVERE, 2005).

A EPS constitui estratgia fundamental s transformaes do trabalho, para

que venha a ser lugar de atuao crtica, reflexiva, propositiva, compromissada

e tecnicamente competente. Portanto, h necessidade de descentralizar e

disseminar a capacidade pedaggica por dentro do setor, isto , entre seus

13

trabalhadores; entre os gestores de aes, servios e sistemas de sade; entre

trabalhadores/gestores e os formadores; e entre

trabalhadores/gestores/formadores e o controle social em sade. Esta ao

permitiria constituir o SUS verdadeiramente como uma rede-escola

(FEUERWERKER, 2005).

Em 2003, com a mudana de governo em nvel federal, o Ministrio da Sade,

por meio da SGTES, ampliou as discusses sobre a EPS, tendo como base o

Quadriltero da Formao para rea da Sade. O enfoque inserido nesse

debate coloca atores atuantes no ensino, no servio, na ateno e no controle

social, nas instncias de gesto e pactuao para o planejamento de aes em

EPS (LEMOS, 2016; CECCIM; FEUERWERKER, 2004).

Dentre os elementos analisadores para pensar/providenciar a EPS, est os

componentes do Quadriltero da Formao (CECCIM; FEUERWERKER, 2004;

CECCIM, 2005): anlise da educao dos profissionais de sade, buscando

mudar a concepo tradicional e mudar a concepo lgico-racionalista, elitista

e concentradora da produo de conhecimento; anlise das prticas de

ateno sade, buscando a integralidade e a incluso da participao dos

usurios no projeto teraputico como nova prtica de sade; anlise da gesto

setorial, buscando novos modos criativos e originais de organizar a rede de

servios, por meio da acessibilidade e satisfao dos usurios; anlise da

organizao social, buscando o efetivo contato e permeabilidade s redes

sociais que tornam os atos de sade mais humanos e de promoo da

cidadania.

Com base nesse conceito, o Ministrio da Sade articulou e aprovou a PNEPS,

por intermdio da Portaria n. 198/GM/MS, de fevereiro de 2004, e o conceito

de EPS incorporou e se interconectou s demais polticas do SUS (BRASIL,

2004a).

De acordo com a PNEPS (BRASIL, 2004a), a integralidade do atendimento a

referncia central para orientar as aes de sade voltadas, ao mesmo tempo,

para o indivduo, a famlia e a comunidade, em grau de complexidade

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crescente e nos aspectos preventivo, curativo e de promoo da sade. Sua

implantao precisa, portanto, estar articulada aos princpios da

intersetorialidade e com equipes multiprofissionais para finalizar a formao

fragmentada e reafirmar os princpios do SUS. Assim, conforme Sarreta (2008),

busca a formao de um profissional crtico, criativo, com capacidade para

aprender a aprender, e que considere a realidade social para oferecer

atendimento tico, humanizado e de qualidade, contribuindo para a qualidade

do atendimento.

A Poltica de EPS descentralizadora, ascendente e transdisciplinar, visando

ao desenvolvimento da autonomia das pessoas, descentralizao da gesto

e participao, e mudana do modelo de assistncia centrado na doena e

nos procedimentos fragmentados que valorizam as especialidades. Prope o

rompimento do sistema verticalizado na sade, em que alguns detm o saber e

o poder, para trabalhar com um conjunto articulado de servios bsicos,

especializados e hospitalares, em que todas as aes de sade devem ser

prestadas reconhecendo as necessidades das pessoas envolvidas (BRASIL,

2004a).

A atuao da EPS na ateno bsica importante por associar-se busca

pela garantia da universalidade e da integralidade do SUS, visto que, alm de

compreender um territrio adstrito a partir do enfoque familiar e comunitrio,

considerada espao de construo coletiva, no qual os sujeitos esto

envolvidos nos cuidados em sade (DVILA et al., 2014).

A proposta de EPS que vem sendo implantada no Brasil destaca a importncia

do potencial educativo do processo de trabalho para a sua transformao.

Busca a melhoria da qualidade do cuidado, a capacidade de comunicao e o

compromisso social entre as equipes de sade, os gestores do Sistema de

sade, instituies formadoras, controle social; e possibilita a identificao das

necessidades de formao e de desenvolvimento dos trabalhadores da rea da

sade e a construo de estratgias e processos que qualifiquem a ateno e

a gesto em sade, fortalecendo o controle social com o objetivo de produzir

15

um impacto positivo sobre a sade individual e coletiva da populao

(CAROTTA; KAWAMURA; SALAZAR, 2009).

Em 2007, o MS, divulgando as novas diretrizes para a implementao da

PNEPS, editou a Portaria n. 1.996/ GM/MS, de 20 de agosto de 2007, criando

os Colegiados de Gesto Regional (CGRs) e as Comisses de Integrao

Ensino-Servio (CIES) com atribuio de formular o Plano de Ao Regional

em Educao Permanente na Sade (BRASIL, 2007). Essa portaria dispunha

sobre novas diretrizes e estratgias para a implementao da PNEPS,

adequando-as s diretrizes operacionais e ao regulamento do Pacto pela

Sade, de forma a considerar as especificidades e a superao das

desigualdades regionais, como estratgia do SUS para a formao e o

desenvolvimento de trabalhadores para o setor, de forma regionalizada e

descentralizada. Trata-se, portanto, de uma poltica ascendente, que vem

somar ao papel indutor do gestor federal. A PNEPS ressalta, portanto, que o

desenvolvimento da funo de gesto da educao na sade uma

responsabilidade tripartite, e que avanos e compromissos precisam ser feitos,

por todas as esferas de gesto do SUS, visando efetivao do financiamento

desta rea (HADDAD, 2008).

1.3 Importncia da Educao Permanente na Sade

A EPS na Ateno Primria de suma importncia devido associao com a

procura pela garantia dos princpios do SUS, como a universalidade e

integralidade, pois, alm de compreender o ambiente de sade a partir da

famlia e da comunidade, ela considerada como espao de construo

coletiva, onde os diferentes sujeitos esto envolvidos nos cuidados em sade,

desde os profissionais que atuam na assistncia em sade aos pacientes que

so assistidos por esses profissionais (HEIMANN et al., 2011).

A Ateno Bsica ou Primria um espao adequado para o desenvolvimento

da EPS, visto que esse modelo de ateno une aes de promoo,

preveno, tratamento, reabilitao e acolhimento, bem como realiza referncia

a servios de sade especializados e de maior complexidade, seguindo as

16

necessidades de sade da comunidade. Como o primeiro nvel de ateno

sade, a Ateno Primria busca a integralidade nos seus servios atravs do

vnculo entre profissionais de sade, usurios e a comunidade na qual est

inserido o servio (SILVA; OGATA; MACHADO, 2007).

Na Poltica de Educao e Desenvolvimento para o SUS, a EPS parte do

pressuposto da aprendizagem que promove e produz sentidos, e prope que a

transformao das prticas profissionais esteja baseada na reflexo crtica de

seu cotidiano na rede de servios e que os processos de capacitao dos

trabalhadores da sade tenham como referncia as necessidades de sade

das pessoas e das populaes, da gesto setorial e do controle social em

sade (BRASIL, 2004a).

A EPS tem o objetivo de ampliar a competncia do profissional de maneira que

este consiga, de forma autnoma, solucionar determinadas situaes

encontradas no seu cotidiano (BRASIL, 2009). Assim, v-se como necessrio o

desenvolvimento de aes educativas que auxiliem na compreenso, por parte

da populao, do processo sade/doena, bem como desenvolvem nestes

indivduos a autonomia sobre o seu autocuidado, considerando o individual e o

coletivo (BRASIL, 2012).

A EPS prope uma prtica pedaggica diferente e adequada s necessidades

dos servios, que a educao em servio. Assim, os trabalhadores tm

oportunidade de aprender, discutir casos, aes e condutas de acordo com os

objetivos do servio, da situao ou problema apresentado, objetivando

qualidade e resolutividade na prestao do servio de sade (CUNHA et al.,

2014).

Na pesquisa de Sarreta (2009), foi constatado que a incluso da EPS ampliou

as possibilidades de desenvolvimento, bem como de reviso dos afazeres do

cotidiano, indo ao encontro das necessidades notadas pelos trabalhadores,

associando a compreenso das dificuldades prprias do SUS, servindo de

canal de troca de experincias, valorizao profissional, busca de solues

17

coletivas, entre outros aspectos, expandindo a viso da realidade e

aproximando os trabalhadores da comunidade com um olhar mais integral.

1.4 Dificuldades da Educao Permanente na Sade

Tradicionalmente, o setor da sade trabalha com a poltica de modo

fragmentado: sade coletiva separada da clnica, qualidade da clnica

independente da qualidade da gesto, gesto separada da ateno, ateno

separada da vigilncia, vigilncia separada da proteo aos agravos externos e

cada um desses fragmentos divididos em tantas reas tcnicas quantos sejam

os campos de saber especializado. Essa fragmentao tem gerado

especialistas, intelectuais e consultores com uma noo de concentrao de

saberes que terminam se impondo sobre os profissionais, os servios e a

sociedade e cujo resultado a expropriao dos demais saberes e a anulao

das realidades locais em nome do conhecimento (BRASIL, 2004a).

O desafio da EPS estimular o desenvolvimento da conscincia desses

profissionais sobre seu local de atuao e sua responsabilidade no processo

de aprendizagem (PASCHOAL; MANTOVANI; MEIER, 2007). A insero da

educao no processo de trabalho consiste em um dos principais desafios dos

gestores, assim como a rotatividade e a falta de recursos humanos decorrente

do pequeno nmero de trabalhadores e da grande demanda de atendimento

(SIGNOR et al., 2015).

Uma das dificuldades para a realizao das metas de sade tem sido a

compreenso da gesto da formao como atividade meio, secundria

formulao de polticas de ateno sade. Nem dirigida s polticas de

gesto setorial ou das aes e dos servios de sade, nem compreendida

como atividade final da poltica setorial (CECCIM, 2005).

Outra dificuldade que pode ser apontada em relao parte administrativa,

onde se podem citar a insegurana quanto ao legalmente adequado e possvel

uso do recurso de EPS do MS; dificuldades e a demora em licitar, firmar

contratos e convnios com instituies parceiras que se responsabilizariam

18

pela execuo direta das aes de EPS; limitaes na legislao especfica

dos estados, que no previam dispositivos para facilitar a execuo de aes

de EPS, como, por exemplo, o pagamento de horas-aula, a contratao de

educadores por meio de editais, bancos de educadores, pagamento ao servidor

de outro ente; e outros (GOMES; BARBOSA; FERLA, 2016).

A insero da EPS seria estratgia fundamental para recompor as prticas de

formao, ateno, gesto, formulao de polticas e controle social no setor

da sade, proporcionando aes intersetoriais oficiais e regulares com o setor

da educao, submetendo os processos de mudana na graduao, nas

residncias, na ps-graduao e na educao tcnica ampla permeabilidade

das necessidades e dos direitos de sade da populao e da universalizao e

equidade das aes e dos servios de sade (CECCIM, 2005).

Para que haja mudanas de prticas de gesto e de ateno, imprescindvel

que sejamos capazes de dialogar com as prticas e concepes presentes,

que sejamos capazes de problematiz-las no em abstrato, mas no concreto

do trabalho de cada equipe e de construir novos pactos de convivncia e

prticas, que aproximem os servios de sade dos conceitos da ateno

integral, humanizada e de qualidade, da equidade e dos demais marcos dos

processos de reforma do sistema brasileiro de sade (CECCIM, 2005).

Pode-se citar tambm, como um grande desafio, a necessidade de

reconhecermos que a EPS algo que no pode ser pensado como tendo um

lugar determinado onde ocorrer nas instituies. Ao contrrio, desloca-se nos

territrios, organizacionais e existenciais, ao se transversalizar nos diversos

campos da vida das organizaes, constituindo, inclusive, os processos de

gesto que esto implicados com a produo do cuidado. De certo modo, tal

constatao se refere ao fato de que a EPS um movimento que aponta muito

menos para uma pedagogizao da sade e muito mais para um agir no

campo da micropoltica do cuidado (FRANCO; MERHY, 2013)

19

Por fim, considera-se, tambm, que um desafio que se atualiza, de outro modo,

no atual contexto, a diferenciao entre os conceitos de Educao

Continuada (EC) e EPS (GOMES; BARBOSA; FERLA, 2016).

1.5 Educao Permanente x Educao Continuada

A EC se expressa atravs de aes pontuais e a EPS, atravs do processo de

reorientao, e, ainda que ambas proponham uma estratgia global articulada

ao desenvolvimento dos servios e polticas de sade, as experincias

demonstram que a primeira pende no sentido de direcionar os servios partindo

de polticas centrais, em especial de cobertura. Por outro lado, a segunda,

associada com as polticas de descentralizao, se baseia em propostas de

desenvolvimento, partindo das caractersticas e necessidades do processo de

trabalho concreto dos servios de sade. Portanto, a lgica que orienta a

mudana no campo da educao mostra duas tendncias inversas: a primeira

direciona para um caminho planejado centralmente e apoiado em processos

racionais neste caso, espera-se que a educao atualize, melhore a

competncia tcnica e articule-se com a carreira individual dos sujeitos

(BRASIL, 2007b).

Ao se discutir EPS e EC importante no consider-las antagonistas no

sistema, mas como processos que conferem especificidades relao ensino-

aprendizagem; a construo de dilogos entre os processos de mudanas no

mundo do trabalho frente perspectiva de o prprio trabalho ser um princpio

educativo. A EC pode e deve abranger metodologias ativas de ensino-

aprendizagem orientadas para mudanas nas prticas pedaggicas

tradicionais, objetivando transformar a prtica de sade nos servios (BRASIL,

2007b).

Segundo Ricas (1994), a EC abrange atividades de ensino aps o curso de

graduao com objetivos mais restritos de atualizao, aquisio de novas

informaes e/ou atividades que possuem um prazo definido e acontecem

atravs de metodologias consideradas tradicionais. Portanto, as necessidades

da implementao de novos programas e aes de sade nos servios, da

organizao de respostas a novas demandas dos usurios, da reorientao

20

das polticas sanitrias e das necessidades de atualizao dos profissionais.

Ao colocar como objeto de transformao e de investigao o processo de

trabalho, a EPS no procura transformar todos os problemas em problemas de

capacitao, mas sim busca as lacunas de conhecimento e as atitudes que so

parte da estrutura explicativa dos problemas identificados na vida cotidiana dos

servios. Na proposta da EPS, a capacitao da equipe, os contedos dos

cursos e as tecnologias a serem utilizadas devem ser determinados a partir da

observao dos problemas que ocorrem no dia a dia do trabalho e que

necessitam ser solucionados para que os servios prestados ganhem

qualidade e os usurios fiquem satisfeitos com a ateno prestada (BRASIL,

2007b).

Nessa perspectiva, a EC faz sentido por permitir a aquisio de conhecimentos

j existentes em oferta e que podem ser supridos atravs da contnua formao

dos quadros que se quer adestrar, ampliando suas caixas de ferramentas com

saberes instrumentais j estruturados. como se os problemas expressos

naquelas condies j encontrassem opes de soluo sistematizadas. J a

prtica de construo de novos saberes em ato no fazer do cuidado em sade

posiciona os trabalhadores de sade como um coletivo a construir modos de

inteligncia em rede. Esse processo constitutivo do prprio cotidiano do fazer

em sade, em qualquer lugar onde ele se produza, e vai operando sobre os

prprios trabalhadores de modo formativo. Esse processo formativo caracteriza

a EPS, algo de natureza muito distinta da EC (GOMES; BARBOSA; FERLA,

2016).

1.6 Equipe de Sade Bucal

A criao do SUS na Constituio de 1988 o marco de referncia do incio da

oferta de atendimento odontolgico regular e em larga escala na rede pblica

de sade. A adoo dos princpios constitucionais do SUS (universalidade,

equidade e integralidade) implicou reconhecer a sade bucal como parte

indissocivel da sade geral, como dever do Estado e direito de todos

(ANTUNES; NARVAI, 2010).

21

A ESF, criada pelo MS em 1994 com a denominao de Programa de Sade

da Famlia (PSF), vem exibindo nos ltimos anos sua efetividade como

estratgia de reorganizao do modelo de ateno sade, buscando atuar de

forma ampla e integralizada. Nesse contexto, o indivduo e a famlia so

colocados no apenas como usurios de um servio, mas como atores e

sujeitos participativos para a consolidao desse processo. A relao entre os

profissionais da sade e a populao possui, agora, um carter de coletividade

com base no conceito de sade como qualidade de vida (TEIXEIRA;

BEZERRA; PINTO, 2005).

Os princpios que norteiam e sustentam a ESF e so estruturantes do SUS,

levam em considerao a atuao de uma equipe multiprofissional, que tem a

corresponsabilidade social de enfrentar os desafios de uma nova produo de

sade. As intervenes organizam-se de forma interdisciplinar e os integrantes

desta equipe concordam que, para enfrentar o complexo quadro de

morbimortalidade, faz-se necessrio um pacto de solidariedade tcnica e

confiana mtua (SOUZA et al., 2001).

Verificando-se os modelos de assistncia sade bucal implementados no

Brasil, nota-se que as atividades realizadas no passado estiveram, em sua

maioria, voltadas para uma ateno assistencialista e tecnicista, quando a ao

curativa e individual teve predomnio (OLIVEIRA et al., 2007). Estas aes so,

muitas vezes, justificadas pela prpria formao acadmica, onde so

destacados procedimentos individualizados e centrados na doena.

No sculo XIX, os CDs iniciaram reivindicaes para a criao de escolas para

formalizar o ensino odontolgico, de maneira a qualificar e limitar a sua prtica

profissional. Entre 1910 e 1911, os CDs j comearam a sentir a necessidade

de profissionais treinados para realizarem a limpeza dos dentes dos pacientes,

liberando-os para tarefas mais complexas. Com esse intuito, foi criado o

primeiro curso para auxiliares ministrado pela Faculdade de Odontologia de

Ohio (USA) (ZIMMERMANN et al., 2011). A profisso se expandiu na dcada

de 1970 no Brasil, e teve marco importante depois de sua regulamentao pela

22

Consolidao das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia

(PERES et al., 2013).

Com a publicao da Portaria GM/MS no 1.444, de 28 de dezembro de 2000,

que definiu o incentivo financeiro para a reorganizao da ateno sade

bucal prestada nos municpios brasileiros, por meio do PSF, as aes de sade

bucal foram definitivamente inseridas na estratgia do PSF. Esse instrumento

foi regulamentado pela Portaria GM/MS n 267, de 6 de maro de 2001, que

aprovou as normas e diretrizes de incluso da sade bucal na estratgia do

PSF, atravs do Plano de Reorganizao das Aes de Sade Bucal na

Ateno Bsica(BRASIL, 2012). Quando implantadas, as ESBs atuaram em

proximidade com a realidade, identificando fatores de risco, famlias em

situao de risco, priorizando demandas assistenciais e preventivas e levando

as aes de sade bucal diretamente s comunidades (ARAUJO; ROCHA,

2007).

Em 24 de dezembro de 2008, a Lei n 11.889/2008 foi sancionada e as

profisses de ASB e TSB foram regulamentadas. Assim, houve definio clara

das atribuies, direitos e deveres desses profissionais auxiliares, bem como a

mudana para as denominaes de Tcnico em Sade Bucal (TSB), antigo

Tcnico em Higiene Dental (THD), e Auxiliar de Sade Bucal (ASB), antigo

Auxiliar de Consultrio Dentrio (ACD) (ESPOSTI et al., 2012; BRASIL, 2008).

Os profissionais de Sade Bucal que compem as ESFs e de Ateno Bsica

devem estar vinculados uma UBS ou a Unidade Odontolgica Mvel,

podendo se organizar nas seguintes modalidades: Modalidade I: Cirurgio-

dentista e auxiliar em sade bucal (ASB) ou tcnico em sade bucal (TSB) e;

Modalidade II: Cirurgio-dentista, TSB e ASB, ou outro TSB (MS, 2017). A

reorganizao da prtica odontolgica necessita que o CD seja qualificado e

entenda o seu papel no contexto da sade da famlia. So necessrios a

interao com outros profissionais, o planejamento em equipe e as aes

coletivas para promoo de sade (MATTOS et al., 2014).

23

A ESF, como parte de um novo paradigma e com vistas integralidade,

possibilitou a adoo de uma postura mais ativa de Ateno Primria em

Sade Bucal, e os Centros de Especialidades Odontolgicas (no mbito do

programa Brasil Sorridente) aumentaram a oferta de atendimentos protticos,

de endodontia e radiologia odontolgica (BRASIL, 2006; ANTUNES; NARVAI,

2010). Essa insero ampliou o campo de trabalho no s para os CDs, mas

tambm para os nveis auxiliares, pelo aumento do nmero de escolas de

sade bucal (BRASIL, 2008). Alm disso, o servio pblico odontolgico no se

limita ao atendimento clnico, mas inclui a atuao na comunidade,

levantamentos epidemiolgicos, aes preventivas e de educao em sade,

servios para grupos com necessidades diferenciadas, o que pode ser

entendido como promoo de sade bucal (ANTUNES; NARVAI, 2010).

No que se refere ao processo de trabalho em sade bucal, existem dificuldades

relacionadas prpria trajetria da profisso odontolgica, que se caracterizam

por aes isoladas, individuais, privatistas, com o poder centralizado no CD e

verticalizado sobre os profissionais auxiliares da Odontologia (SOARES; PAIM,

2011). Contudo, deve-se considerar que a prtica odontolgica vem sofrendo

transformaes ao longo de sua histria.

No Brasil, durante muitos anos, a insero da sade bucal nos servios de

sade pblica se deu de forma paralela e afastada do processo de organizao

dos servios e das aes de sade desenvolvidas pelos profissionais (BRASIL,

2004b), cenrio esse que vem se buscando modificar.

No trabalho em sade, todos os profissionais envolvidos possuem diferentes

potenciais de interveno nos processos do cuidado, que se complementam,

independente do lugar que cada um ocupa no espao social da sade

(BRASIL, 1994; FRAZO, 1998). Os resultados desse trabalho dependero

das formas de mobilizao e de articulao dos profissionais de sade, das

suas relaes, do compartilhamento de seus processos de trabalho, alm do

modelo de cuidado vigente para assistncia aos usurios (PEDUZZI, 2001).

24

A atuao na ESF necessita do trabalho multiprofissional e cada profissional,

por sua vez, favorecido neste modelo por aumentar suas possibilidades de

interveno e enriquecimento da sua prpria formao, afirma Faccin (2010).

A presena das equipes de sade bucal amplia as contradies que existem

entre mdicos e enfermeiros, entre profissionais de nvel superior e

profissionais de nvel mdio. Seja por uma disputa de poder/espao ou uma

autoafirmao da especialidade, os trabalhadores de sade tendem a ter

dificuldade em partilhar seus saberes (FARIAS; SAMPAIO, 2011). A

inexistncia da vivncia em equipe na formao do profissional de sade

aponta para a necessidade de uma mudana radical no sistema de formao

de recursos humanos para a sade no Brasil (MATTOS et al., 2014).

O desenvolvimento do trabalho em equipe no acontece de forma legal. Os

CDs geralmente no participam de forma integrada aos outros profissionais e,

portanto, a articulao das aes entre os membros da equipe no acontece de

maneira sistemtica, como parte de seu processo de trabalho (COSTA et al.,

2012). Entretanto, destaca-se que o CD tem um papel importante na

capacitao dos ASBs e TSBs, no auxlio da EC dos mesmos, a partir da

atuao como educador em sade bucal em equipes multidisciplinares e

multiprofissionais (AERTS; ABEGG; CESA, 2004). Geralmente os docentes

dos cursos de formao de TSB so CDs. Entretanto, grande parte dos

currculos de graduao em Odontologia baseava-se num modelo inadequado

para atender s mudanas propostas pelo SUS. Tal como nas principais

profisses de nvel superior da rea da sade, os currculos dos cursos de

graduao em Odontologia no englobam contedos sobre educao, uma

viso mais ampla sobre o SUS nem tampouco proporcionam ao discente uma

experincia prtica efetiva com pessoal auxiliar (ESPOSTI et al., 2012).

Mudanas nas relaes de trabalho possivelmente no acontecero de

maneira rpida, j que os profissionais que compem as equipes,

principalmente o CD, vm de uma prtica na qual predomina o tratamento

curativo-restaurador ou mutilador sobre as demais atividades (COSTA et al.,

25

2012). Assim, torna-se fundamental, para a atualizao de profissionais

originrios de formao especfica, um processo de EPS (COTTA, 2006).

1.7 Educao Permanente na Odontologia

Espera-se que a formao dos novos profissionais de sade seja voltada

realidade da populao, respeitando suas necessidades com um modelo de

assistncia de excelncia (MENDONA; NUNES, 2011). Evidencia-se que a

reorientao da formao profissional em sade deve ser um movimento de

fortalecimento do SUS, portanto, a formao em servio passa a ter papel

fundamental na metodologia pedaggica (ALMEIDA et al., 2016).

A EPS uma proposta tanto poltica como pedaggica que favorece aos

trabalhadores um processo de ensino-aprendizagem dentro do seu cotidiano

laboral. Tal processo defende uma filosofia de reflexo e crtica sobre os

processos de trabalho dos profissionais (GARCIA; BAPTISTA, 2007). Destaca-

se pela valorizao do trabalho como fonte do conhecimento, vinculao do

cotidiano e do processo de aprendizagem, orientao das aes educativas

para a integrao do trabalho de maneira inter e multiprofissional

(MONTANHA; PEDUZZI, 2010). Assim, a educao deve ser trabalhada de

maneira permanente e dinmica, procurando construir espaos coletivos para a

reflexo e avaliao, pondo o cotidiano do trabalho em anlise (CECCIM;

CAPOZZOLO, 2004).

Historicamente o trabalho do CD est associado ao equipamento odontolgico,

porm sabe-se que suas funes vo, alm disso. A discusso sobre as aes

de promoo de sade bucal aconteceu nesta perspectiva, dando enfoque

promoo e preveno da sade dos usurios do SUS (ALMEIDA et al., 2016).

importante ressaltar que a EPS est entre as habilidades e competncias

requeridas atualmente da formao do CD. Aps as Diretrizes Curriculares

Nacionais de 2002, este profissional deve ser formado contemplando: o

sistema de sade vigente no pas, a ateno integral da sade num sistema

regionalizado e hierarquizado de referncia e contra referncia, o trabalho em

equipe e possuir uma viso crtica e reflexiva. Desta forma, nota-se o claro

direcionamento para o SUS e as polticas pblicas de sade (BRASIL, 2002).

26

A EPS de suma importncia para a efetivao de um servio de sade de

qualidade e excelncia. Para que isto acontea necessria a compreenso

de todo o processo de trabalho, buscando competncias para atuar com os

problemas de sade em contextos socioculturais variados (PEDUZZI et al.,

2009).

Essa compreenso do processo de trabalho muitas vezes no acontece, como

mostrado no estudo de Almeida et al. (2016), onde a taxa de evaso dos CDs

foi de 31%, o que se mostrou semelhante ao observado por Carvalho (2011),

onde dois teros desses profissionais concluram o curso de EPS. A

participao dos prprios cirurgies dentistas do Municpio de Fortaleza/CE

mostrado no estudo de Almeida et al. (2016), como facilitadores do processo

de EPS, permitiu uma valorizao dos profissionais, assim como contribuiu na

construo de uma aprendizagem significativa.

Na proposta da EPS o professor passa a ter o papel de facilitador da

aprendizagem, proporcionando a construo de conhecimentos com significado

para a prtica diria dos profissionais de sade (CARDOSO, 2012).

Com base nos conceitos acima, cabvel ressaltar o papel importante da

equipe auxiliar odontolgica para a implementao desta poltica. O TSB e o

ASB fazem parte dessas categorias e compem a equipe de sade bucal

juntamente com o CD. Eles prestam servios populao desenvolvendo

atividades e tarefas de menor complexidade odontolgica sob superviso direta

ou indireta do cirurgio. Algumas dessas tarefas requerem habilidade e

domnio de tcnicas que demandam capacidade de observao, juzo e

deciso envolvendo questes de responsabilidade com o ser humano e com a

populao e, sobretudo, tica profissional (PEZZATO, 1999).

No estudo de Hayacibaraet al. (2012), os participantes relataram que eram

poucos os momentos de encontro e discusso do processo de trabalho dos

TSBs e ASBs, e que percebiam a necessidade de mais reunies com a equipe

de trabalho. Nos resultados, observou-se que 37% dos participantes

27

conheciam a EPS. Em relao sua realizao na Unidade Bsica de Sade

de cada participante, 29% responderam que realizavam, 67% no realizavam e

4% no responderam. Em relao importncia do assunto discutido na

oficina, 100% acreditavam ser importante. Quando foram questionados se

gostariam de conhecer mais sobre EPS, 94% disseram que sim, 2%, que no e

4% no responderam.

Sugere-se que a EPS uma estratgia necessria para promover a integrao

da equipe multiprofissional e a humanizao do atendimento e do processo de

trabalho, assim como para proporcionar crescimento dos atores envolvidos,

lev-los a pensar em aes para melhorias no modelo que exercem e

solucionar problemas que possam surgir ao longo da sua jornada de trabalho e

tambm os decorrentes da prpria comunidade de cada componente da

equipe. Quando se tem um trabalho em equipe, ele deve promover o

protagonismo de todos os seus integrantes, incluindo o sujeito que recebe os

cuidados (CECCIM, 2005).

Entretanto, ainda um grande desafio colocar em prtica o trabalho em equipe,

j que muitas vezes visto como diviso de trabalho, pela fragmentao do

cuidado em diferentes facetas das profisses e reas. A atuao em grupo

ainda no verificada como uma construo coletiva de saberes, um trabalho

em sinergia, ultrapassando os muros dos preconceitos e dos conflitos

interpessoais, operacionalizando a transdisciplinaridade com vistas

integralidade da ateno (HAYACIBARA et al., 2012).

28

2. OBJETIVO

Analisar a percepo dos Auxiliares e Tcnicos em Sade Bucal sobre o

processo de implantao da Poltica Nacional de Educao Permanente em

Sade implementada para as Equipes de Sade Bucal da Regio

Metropolitana da Grande Vitria, Esprito Santo, que atuavam na Ateno

Bsica entre os anos de 2007 a 2012.

29

3. RESULTADOS

3.1 - ARTIGO 1

A PERCEPO DOS AUXILIARES E TCNICOS EM SADE BUCAL DA

ATENO BSICA SOBRE A POLTICA NACIONAL DE EDUCAO

PERMANENTE IMPLEMENTADA NA REGIO METROPOLITANA DA

GRANDE VITRIA/ES

THE PERCEPTION OF DENTAL ASSISTENTS AND TECNICIANS IN ORAL

HEALTH OF THE BASIC ATTENTION ABOUT THE NATIONAL POLICY OF

PERMANENT EDUCATION IMPLEMENTED IN METROPOLITAN REGION OF

GREATER VITRIA/ES

LA PERCEPCIN DE LOS AUXILIARES Y TCNICOS EN SALUD BUCAL DE

LA ATENCIN BSICA SOBRE LA POLTICA NACIONAL DE EDUCACIN

PERMANENTE IMPLEMENTADA EN LAREGIN METROPOLITANA DE LA

GRAN VICTORIA/ES

_______________________________

2 Artigo elaborado de acordo com as normas tcnicas da revista Trabalho, Educao e Sade.

30

RESUMO

A Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade (PNEPS) possibilita a

identificao das necessidades de formao e de desenvolvimento dos trabalhadores da

rea da sade e a construo de estratgias e processos que qualifiquem a ateno e a

gesto em sade. Este estudo teve o objetivo de analisar a percepo dos Auxiliares e

Tcnicos em Sade Bucal (ASB/TSB) sobre a PNEPS implementada para as equipes de

sade bucal da Regio Metropolitana da Grande Vitria, Esprito Santo. Realizou-se um

estudo de abordagem qualitativa, cuja construo dos dados se deu por meio de um

grupo focal, seguindo um roteiro guia previamente preparado acerca da PNEPS entre os

anos de 2007 e 2012. A discusso entre os sujeitos foi gravada e transcrita na ntegra e

de forma literal. O material foi analisado segundo a Anlise de Contedo Temtica. Os

resultados mostram que as ASBs/TSBs no compreendiam a EPS nem conseguiam

visualiz-la na sua prtica em servio. Viam a mesma como cursos rpidos e

pontuais. No se lembravam bem do que ocorreu de 2007 a 2012, mas mencionaram

que antigamente os cursos e as rodas aconteciam com maior frequncia. Citaram o

nmero elevado de atendimentos, o que impossibilitava a ausncia do consultrio e a

participao em outras atividades, a desvalorizao da profisso, e a prioridade dada aos

dentistas. Observavam a influncia da gerncia da unidade e o comprometimento dela

na divulgao e realizao de cursos e tambm o interesse do profissional em participar.

Conclui-se que as ASBs/TSBs no viam a implantao dessa poltica no seu dia a dia e

nem tampouco no seu local de trabalho, associando essa falta da execuo da poltica a

fatores como: falta de tempo, desvalorizao da profisso, gesto da unidade e a escolha

do prprio profissional.

Palavras-Chave: Polticas Pblicas de Sade; Educao Continuada; Sade Bucal;

Ateno Primria Sade.

31

ABSTRACT

The National Policy on Continuing Education in Health (PNEPS) enables the

identification of training and development needs of health workers and the construction

of strategies and processes that qualify care and management in health. The aim of this

study was to analyze the perception of oral health workers and assistants (ASBs / TSBs)

on the PNEPS implemented for the oral health teams of the Metropolitan Region of

Greater Vitria, Esprito Santo, years from 2007 to 2012. A qualitative and descriptive

study was carried out, where the construction of the data was performed through a focal

group. The discussion between the subjects was recorded and transcribed in full and in a

literal way. The material was analyzed according to the Thematic Content Analysis. The

results show that the ASBs/TSBs do not understand EPS and cant even visualize it in

their service practice. They see it as quick and punctual courses. They did not remember

well what happened from 2007 to 2012, but they mentioned that in the past courses and

wheels happened more frequently. They cited the high number of appointments, which

makes it impossible for the practice to be absent and participation in other activities, the

devaluation of the profession, and that the priority is always for dentists. They observe

the influence of the management of the unit and the commitment of it in the divulgation

and accomplishment of courses and also of the interest of the professional in being

participating. It can be concluded that the ASBs/TSBs do not see the implementation of

this policy in their day to day nor in their place of work, associating this lack of the

execution of the policy to factors like: lack of time, devaluation of the profession,

management of the unit and the choice of the professional himself.

Keywords: Public Health Policies; Continuing Education; Oral Health; Primary Health

Care.

32

RESUMEN

La Poltica Nacional de Educacin Permanente en Salud (PNEPS) posibilita la

identificacin de las necesidades de formacin y de desarrollo de los trabajadores del

rea de la salud y la construccin de estrategias y procesos que califiquen la atencin y

la gestin en salud. Este estudio tuvo el objetivo de analizar la percepcin de los

Auxiliares y Tcnicos en Salud Bucal (ASB/TSB) sobre la PNEPS implementada para

los equipos de salud bucal de la Regin Metropolitana de la Grande Vitria, Esprito

Santo. Se realiz un estudio de abordaje cualitativo, cuya construccin de los datos se

dio por medio de un grupo focal, siguiendo un guin gua previamente preparado acerca

de la PNEPS entre los aos 2007 y 2012. La discusin entre los sujetos fue grabada y

transcrita en su totalidad y de forma literal. El material fue analizado segn el Anlisis

de Contenido Temtico. Los resultados muestran que las ASBs/TSBs no comprendan

la EPS ni podan visualizarla en su prctica en servicio. Va la misma como cursos

rpidos y puntuales. No se acordaron bien de lo que ocurri de 2007 a 2012, pero

mencionaron que antiguamente los cursos y las ruedas ocurran con mayor frecuencia.

Citaron el nmero elevado de atendimientos, lo que imposibilitaba la ausencia del

consultorio y la participacin en otras actividades, la devaluacin de la profesin, y la

prioridad dada a los dentistas. Observaban la influencia de la gerencia de la unidad y el

compromiso de ella en la divulgacin y realizacin de cursos y tambin el inters del

profesional en participar. Se concluye que las ASBs/TSBs no vean la implantacin de

esa poltica en su da a da ni tampoco en su lugar de trabajo, asociando esa falta de

ejecucin de la poltica a factores como: falta de tiempo, desvalorizacin de la

profesin, gestin de la unidad y la eleccin del propio profesional.

Palabras clave: Polticas Pblicas de Salud; Educacin Contnua; Salud Bucal; Atencin

Primaria a la Salud.

33

INTRODUO

O desenvolvimento de um modelo baseado na Ateno Primria Sade exige que uma

nova prtica sanitria esteja em andamento, relacionando a ateno demanda e

vigilncia da sade. Entende-se que h uma necessidade de adequao da formao de

profissionais que sejam capazes de diagnosticar e solucionar problemas, de tomar

decises, de intervir no processo de trabalho, de enfrentar situaes de mudana e de

trabalhar em equipe. Historicamente, a formao dos profissionais tem sido realizada de

maneira desarticulada e fragmentada, o que produz pouco impacto no cenrio nacional.

Com isso, iniciou-se, um processo de construo coletiva de uma poltica de Educao

Permanente em Sade (EPS) (GIMENES; ABRAHO; MAIA 2005).

A Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade (PNEPS) estabelecida pelo

Ministrio da Sade (MS), por meio da Portaria n 198, de 13 de fevereiro de 2004,

proporciona a identificao das necessidades de formao e de desenvolvimento dos

trabalhadores da rea da sade e a construo de estratgias e processos que

caracterizem a ateno e a gesto em sade, fortalecendo o controle social, objetivando

a produo de um impacto positivo sobre a sade individual e coletiva da populao

(CAROTTA, 2009). Essa poltica representou o empenho de cumprir uma das mais

nobres metas criadas pela Sade Coletiva no Brasil: transformar a rede pblica de sade

uma rede de ensino-aprendizagem no exerccio do trabalho (CECCIM, 2005).

A PNEPS vem para congregar, articular e colocar em roda/em rede os diferentes atores

do sistema de sade, proporcionando a todos um lugar de destaque na conduo dos

Sistemas Locais de Sade, contribuindo para a promoo do protagonismo de todos os

seus integrantes, bem como do sujeito que ir receber os cuidados, atingindo o objetivo

do trabalho em equipe (CECCIM, 2005b).

34

Segundo Narvai (2003), historicamente, o trabalho em sade bucal foi desenvolvido

com a atuao do Cirurgio-Dentista (CD) e tambm pelo trabalho do Auxiliar em

Sade Bucal (ASB) e do Tcnico em Sade Bucal (TSB), porm a tardia

regulamentao dessas profisses e a discordncia entre as inmeras legislaes

complicaram o estabelecimento de uma organizao do trabalho em sade bucal capaz

de atender s propostas de ampliao da ateno para alm das aes curativas.

Alm de atuar nas questes preventivas e de promoo de sade, difundindo

conhecimento e aumentando a qualidade do servio, a organizao do trabalho com a

participao desses profissionais auxiliares promove o aumento de produtividade e

reduo dos custos, tendo o objetivo de realizar o maior nmero de tarefas possveis,

para que o CD fique livre para os trabalhos mais complexos e especficos de sua

competncia. Esses profissionais auxiliares em Odontologia podem aumentar a

produtividade e a qualidade dos servios prestados (KOVALESKI et al., 2005;

QUELUZ, 2005).

Buscando mudana nas prticas de sade dos profissionais, desde aqueles que esto em

processo de formao at os que j se encontram nos servios, a EPS se prope como

uma medida de excelncia para a qualificao profissional. Para que seja implantada de

forma eficiente, necessria a anlise do cotidiano de trabalho ou da formao em

sade, por meio de um processo pedaggico pautado nas relaes concretas

desenvolvidas de acordo com diferentes realidades e que possibilitem a construo de

espaos coletivos para a reflexo e avaliao dos servios de sade (CECCIM, 2005a).

Assim, o objetivo do estudo foi analisar a percepo dos ASBs/TSBs sobre a PNEPS

implementada para as Equipes de Sade Bucal na Ateno Bsica da Regio

Metropolitana da Grande Vitria, Esprito Santo (RMGV/ES).

35

METODOLOGIA

Esta pesquisa faz parte de um projeto intitulado Poltica de Educao Permanente e as

Equipes de Sade Bucal na Ateno Bsica, que visou analisar a implementao da

PNEPS executada na RMGV/ES para as Equipes de Sade Bucal.

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa. Esse tipo de estudo foca nas

caractersticas e nos fatores relacionados a um fenmeno que podem ser entendidos

adequadamente quando analisados no contexto mais amplo no qual esto inseridos

(GIBBS, 2009). A pesquisa qualitativa responde a questes particulares e permite

compreender as relaes que se do entre atores sociais e sua situao (BARDIN,

2009).

Os sujeitos da pesquisa foram selecionados seguindo o critrio de terem atuado como

ASB e/ou TSB em um dos sete municpios da regio estudada, no perodo de 2007 a

2012. Esse perodo de tempo entre 2007 e 2012 foi determinado para o estudo, mediante

o fato de que em 2007 houve a implementao das novas diretrizes da PNEPS

estabelecida pelo Ministrio da Sade, e em 2012 houve uma mudana na portaria da

mesma.

Foi realizado um primeiro contato, por telefone, com aproximadamente cinquenta

profissionais informados pelas prefeituras (com exceo do municpio de Viana, que foi

excludo da pesquisa devido no colaborao na entrega da lista com os nomes e

telefones desses profissionais) como aqueles que atendiam ao critrio de seleo e,

desses, somente dez profissionais aceitaram participar da pesquisa.

36

A construo dos dados foi realizada por meio de um grupo focal. Este foi realizado no

ms de maro de 2017, em um auditrio da Universidade Federal do Esprito Santo,

com durao de aproximadamente uma hora e trinta minutos, em horrio de final de

expediente. Esse horrio e o local foram previamente acordados, por telefone, junto aos

sujeitos da pesquisa, como situao mais conveniente para todos. Solicitou-se a esses

profissionais que aceitaram participar da pesquisa que levassem, no dia do encontro,

durante o qual os dados foram construdos, os certificados e os comprovantes de

atividades de EPS referentes ao perodo de 2007 a 2012, no intuito de faz-los

rememorar o perodo vivido nos servios de sade, contudo, apenas duas das

participantes levaram esses documentos.

Apesar da confirmao antecipada da presena dos dez sujeitos de pesquisa, os

representantes de trs municpios da regio no compareceram no dia e local agendados

por motivos pessoais e, assim, no participaram do grupo focal. Dessa forma, ao todo,

participaram do grupo sete sujeitos, sendo cinco ASBs e duas TSBs. Aps a leitura e

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por todos os sujeitos de

pesquisa, os mesmos preencheram um formulrio para caracterizao do grupo, segundo

idade, sexo, tempo de formao, vnculo empregatcio atual, ano de concluso de curso

de auxiliar e/ou tcnico e anos de trabalho na ateno bsica.

Seguindo as recomendaes de Westphal, Bgus e Faria (1996), o grupo foi conduzido

por um moderador, que props o tema de discusso para os participantes, seguindo um

roteiro preparado a partir do objetivo do estudo, que inclua os seguintes tpicos: a

PNEPS na RMGV/ES; a EPS como processo formador; a importncia da EPS para a

gesto dos servios e para a qualidade da ateno sade bucal; os espaos destinados a

37

essa poltica; a participao dos profissionais de sade nesses espaos e a participao

da equipe de sade bucal; e os fatores facilitadores e/ou complicadores da execuo

dessa poltica. Ficou a cargo do moderador encorajar os participantes a expressarem

livremente seus sentimentos e opinies sobre a questo em debate, assim como manter a

discusso focalizada, fazendo resumos e retomando o assunto quando algum se

desviasse dele. Um observador foi encarregado de captar as informaes no verbais

expressadas pelos participantes e, ao final, auxiliou o moderador na anlise dos

possveis vieses relacionados sua forma de coordenar a sesso. Alm destes,

participaram da equipe de pesquisa dois digitadores relatores e dois assistentes de

gravao de udio.

Ao final do grupo, foi realizada uma reunio entre os pesquisadores, para discusso e

relato sobre os pontos mais relevantes. A discusso entre os sujeitos de pesquisa

ocorrida durante o grupo focal foi gravada e transcrita na ntegra e de forma literal.

Aps a leitura do material foram retirados os vcios de linguagem e nomes prprios para

proteo dos participantes da pesquisa. O material emprico do grupo focal foi analisado

segundo a Anlise de Contedo temtica, proposta por Bardin (2009), que aponta a

diviso da anlise em trs momentos: pr-anlise, a partir de uma leitura flutuante e

exaustiva de todo material, o que permitiu ao pesquisador obter uma viso de conjunto e

elaborar pressupostos iniciais, determinando os conceitos tericos que orientaram a

anlise; no segundo momento, ocorreu a explorao do material, com a anlise da

discusso, distribuindo os trechos de fala, no esquema da classificao inicial, criando

os ncleos de sentido e reagrupando as partes do texto por temas encontrados; e, por

fim, o pesquisador tratou os resultados, realizando a interpretao dos mesmos e a

inferncia de acordo com a literatura.

38

A anlise esteve tambm fundamentada em concepes de Ceccim (2004, 2005), de

Feuerwerker (2000, 2004) e na cartilha do Ministrio da Sade Brasil (2008) acerca

da EPS, entrelaando-se aos autores que trabalharam a mesma temtica. Desta forma,

foi possvel captar significados, atitudes e comportamentos que residem nas entrelinhas

da discusso, levando os pesquisadores possibilidade de decifrarem as percepes dos

sujeitos de pesquisa sobre a PNEPS implementada na regio do estudo.

Para categorizar os temas, foi utilizado o software de anlise de dados qualitativos

MAXqda 12.0, que possibilitou uma extenso na forma com que o texto foi trabalhado,

proporcionando maneiras de administrar e estruturar os aspectos da anlise qualitativa.

Optou-se pelo uso desse software, pois, segundo Gibbs (2009), o mesmo facilita a

visualizao de relaes entre conjuntos de dados, aumenta a velocidade de resposta por

meio das anlises e aumenta a transparncia dos trabalhos. O processo de codificao

foi feito pelo prprio pesquisador, que pde criar e organizar as categorias e manter o

controle sobre todo o processo de anlise.

O estudo seguiu as recomendaes da Resoluo n 466/12 do Conselho Nacional de

Sade, tendo sido aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa do Centro de Cincias da

Sade da Universidade Federal do Esprito Santo, sob o nmero de registro CAAE

38637414.0.0000.5060, Parecer n 959.863.

RESULTADOS E DISCUSSO

Sete profissionais participaram do grupo focal, duas com formao no curso de Tcnico

em Higiene Dental (atual TSB) e cinco em Auxiliar de Consultrio Dentrio (atual

39

ASB). No momento da coleta de dados, todas as participantes atuavam na Ateno

Bsica, seis com vnculo empregatcio efetivo e uma em contrato de trabalho

temporrio. Mesmo as que tiveram sua formao como TSB, atuaram entre os anos de

2007 e 2012, perodo ao qual se refere anlise do estudo, como ASB nas equipes de

ateno bsica. A idade variou entre 34 e 61 anos; o tempo de formao variou entre 11

e 39 anos; seis formaram-se no Estado do Esprito Santo, e uma, no Rio de Janeiro.

A anlise dos dados evidenciou trs categorias que foram colocadas em um quadro para

anlise e discusso: 1. Sentidos da EPS; 2. EPS na prtica dos profissionais auxiliares

em Sade Bucal; e 3. Fatores relacionados implementao das aes de EPS no

cotidiano do servio. A construo temtica dos resultados, conforme categorias, ser

apresentada a seguir.

Sentidos da EPS

No que diz respeito ao conceito de EPS, a maioria das participantes do grupo focal

apresentou pouco entendimento sobre o assunto. Isso pde ser percebido pelo fato de

associarem, em geral, a EPS a cursos de capacitao realizados. Os seguintes trechos

destacam bem essa relao:

[...] cursos que eu fiz nesse perodo, que me lembra muito, foi o

curso de PSF que a prefeitura colocou a gente pra fazer, n?

40

Os cursos que eu fiz l [municpio] foram aquelas coisinhas l.

No tem um curso, sabe. Eu nunca participei de cursos longos ao

longo da minha vida.

Ceccim e Ferla (2008) consideram que o conceito de EPS se refere poltica, mas

tambm a certas prticas de ensino-aprendizagem. Assim, no seria qualquer educao

na sade no SUS que poderia ser entendida como EPS.

O pensamento da EPS descentralizador, ascendente e transdisciplinar. Com essa

abordagem possvel: a democratizao institucional; o desenvolvimento da capacidade

de aprender, de docncia e de enfrentamento criativo das situaes de sade; de

trabalhar em equipes e de melhorar definitivamente a qualidade do cuidado sade,

assim como de constituir prticas tcnicas crticas, ticas e humanizadas. Portanto, os

processos de qualificao do pessoal da sade deveriam ser estruturados a partir da

problematizao do seu processo de trabalho. Seu enfoque deve ser a modificao das

prticas profissionais e da organizao do trabalho (CECCIM; FEUERWELKER,

2004).

O que caracteriza esses profissionais auxiliares em relao Educao Continuada (EC)

a realizao das capacitaes pontuais, que em sua maioria so de carter

programtico e centralizado, com um contedo padronizado, que objetiva atualizao

de conhecimentos de categorias profissionais especficas, no considerando as

realidades locais e as necessidades de aprendizagem dos trabalhadores, e, dessa

maneira, provocam pouco impacto nas prticas de sade. Essas capacitaes, baseadas

na organizao disciplinar e de especialidades, encaminham ao estudo fragmentado dos

41

problemas de sade das pessoas, levando manuteno da formao de profissionais

que no conseguem lidar com as totalidades ou realidades complexas (MS, 2003).

Ao se discutir EPS e EC importante no consider-las antagonistas no sistema, mas

como processos que conferem especificidades relao ensino-aprendizagem; a

construo de dilogos entre os processos de mudanas no mundo do trabalho frente

perspectiva de o prprio trabalho ser um princpio educativo (BRASIL, 2007b).

As participantes do grupo focal apontaram as rodas de discusso como um espao para a

realizao das atividades relacionadas EPS:

Na minha unidade existiu roda. Uma vez por ms. Onde a gente

pegava um problema da unidade pra tentar resolver.

Contudo, durante a discusso percebeu-se que algumas apresentavam dificuldade em

diferenciar a metodologia da roda de discusso dos momentos destinados s reunies de

equipe. Essas questes podem ser exemplificadas nos seguintes trechos da discusso:

Elas [rodas] funcionavam como reunies em 15 em 15 dias. Essa

reunio participava o mdico e enfermeiro, o psiclogo, as

tcnicas de enfermagem, o dentista, a auxiliar e a TSB e ali eram

discutidos os casos.

A PNEPS previa a criao dos Polos de EPS nas regies de sade do pas, com o

objetivo de administrar os processos de formao e capacitao dos trabalhadores do

42

setor de sade em seu territrio de abrangncia. Dessa forma, estabelecia como

estratgia de gesto dos polos as Rodas de Educao Permanente (REP), local de

negociao e pactuao que era composto pelos diferentes atores que constituam o

chamado quadriltero de formao: instituies de ensino em sade, trabalhadores,

usurios e gestores do setor de sade de cada regio (MS, 2004).

O Mtodo da Roda (Mtodo Paideia), criado por Campos (2000), foi definido como

"um mtodo crtico racionalidade gerencial hegemnica, propondo uma reconstruo

operacional dos modos para fazer-se a co-gesto de instituies e para a constituio de

sujeitos com a capacidade de anlise e de interveno" (CAMPOS, 2000). Baseou-se no

estabelecimento de espaos coletivos de "ofertas e demandas" que, submetidos anlise

cotidiana, se transformam em projetos, tarefas, aes. O Mtodo da Roda prope ativar

a produo de subjetividade, potencializando a autonomia e o protagonismo dos

indivduos, ampliando a capacidade de anlise e de interveno das pessoas e dos

coletivos (CARDOSO, 2012).

As rodas buscavam sempre a melhor maneira de formar e desenvolver definitivamente

os trabalhadores da sade. Dessa maneira, se faz primordial a consolidao urgente dos

espaos coletivos, ou seja, rodas de trocas, nas quais juntos todos possam criar um

conhecimento comum que busque a integralidade da assistncia, tendo em vista a sade

como expresso da qualidade de vida (GIMENES; ABRAHO; MAIA, 2005, grifo dos

autores).

Os resultados da avaliao realizada pela Secretaria Municipal de Sade (SEMUS) de

Vitria indicam que as REPs se constituram em um importante espao de discusso do

43

processo de trabalho das equipes de sade. Antes das Rodas, no havia espao coletivo

nas unidades que debatesse esse tema unindo todas as categorias profissionais e o gestor

de cada servio. Assim, os servidores passaram a se conscientizar mais das questes da

gesto e a participar da tomada de decises locais, consolidando-se como um importante

dispositivo de cogesto (CARDOSO, 2012).

Durante o debate acerca das rodas de discusso, foi indicado pelas participantes que

apenas os profissionais de sade participavam dessas rodas, e foi possvel observar que

todas concordavam quando se tratava da no participao dos usurios, como mostrado

nos trechos abaixo:

Em [municpio] acontecia isso [no participao da populao

nas rodas]. A gente tinha reunies de conselho local, a gente tinha

colegiado gestor que a populao participava l. Nesse encontro

eu acho... [sobre a participao positiva da populao].

Nota-se que esse resultado corrobora o estudo de Goulart (2016), no qual os CDs no

relacionaram a importncia do usurio no processo de EPS. Esse resultado tambm foi

obtido na pesquisa realizada pela SEMUS em Vitria, onde a participao dos usurios

nas REPs foi insignificante, muitas vezes por resistncia dos prprios profissionais de

sade, que sentiam que os servios no estavam organizados o suficiente para dar

respostas s cobranas dos usurios, recusando-se a convid-los para as reunies

(CARDOSO, 2012). Porm, sabe-se que os usurios so parte fundamental do SUS,

visto que os servios so direcionados a eles, justificando a importncia da presena dos

mesmos nessas rodas.

44

Assim, quando se trabalha na perspectiva da EPS, esta completa seu quadriltero com a

participao social. visto que cada espao de EPS deve ser pensado de forma singular

a cada contexto de discusso; desse modo, os espaos destinados formao em sade

para e com os usurios devem ser pensados mediante a dinmica de cada servio de

sade, contando com maior ou menor participao da comunidade, sendo pensadas

estratgias para trazer a comunidade para uma discusso horizontal, permitindo que

todos e todas, com formas especialmente diferentes a cada papel, discutam o cuidado

com a sade (BELLO, 2016).

EPS na prtica dos profissionais auxiliares em Sade Bucal

Em relao aos cursos de capacitao realizados pelas participantes, percebeu-se que,

em sua maioria, os mesmos tratavam de questes mais tcnicas relacionadas profisso.

Cursos como Biossegurana, PSF e Recursos Humanos foram citados, e apenas uma das

profissionais mencionou a participao em um curso voltado para a metodologia da

EPS. Contudo, elas enfatizaram a falta de cursos de capacitao para a profisso,

demonstrando um dficit no conhecimento dos profissionais em relao a determinados

assuntos, principalmente aqueles voltados para atividades de EPS. As citaes abaixo

ilustram esses dados:

Na [municpio] tudo biossegurana. Qualquer coisa que tem na

[municpio] biossegurana para ASB. S isso, mas nada.

J fiz alguns cursos de capacitao [...] recursos humanos j fiz.

Vrios deles, com tpicos pequenos, n? No um curso, mas...

45

Teve um curso de educao permanente que foi pela Fiocruz,

que foi o... Ele caiu em cima da minha cabea, caiu mesmo. Ele

falava da questo bsica. Falava da unidade. De tudo.

muita pouca oferta de curso, de capacitao.

A capacitao dos trabalhadores do SUS precisa ocorrer de forma descentralizada,

ascendente e transdisciplinar, ou seja, nos diversos locais, a partir de cada

realidade/necessidade local e regional, englobando saberes e associando a gesto e o

cuidado (BATISTA; GONALVES, 2011). No presente estudo pde-se notar esse

pensamento nas falas das participantes, visto que as mesmas citaram a quantidade

repetida de cursos abordando os mesmos temas (Biossegurana, Recursos Humanos),

quando na verdade o essencial seria que selecionassem os temas de acordo com as

necessidades da populao naquele momento ou simplesmente temas que

complementassem a formao das profissionais.

A integrao do profissional ao cotidiano dos servios de sade se desenvolve na prtica

de competncias, habilidades e conhecimentos acrescidos no processo de formao

profissional e de vida. Esse conjunto precisa de locais para anlise e reflexo, orientados

a relacionar os saberes e renovar as capacidades de enfrentar as situaes mais

complexas nos processos de trabalho, diante da diversidade das profisses, dos usurios,

das tecnologias, das relaes, da organizao de servios e dos espaos. Dessa maneira,

a escolha de estratgias e modelos de capacitao renovados e aderidos aos contextos de

trabalho e espao de ao dos participantes tende a minimizar o dficit na formao dos

profissionais diante dessa permanente reestruturao (FEUERWERKER, 2000).

46

Na proposta da EPS em sade, a capacitao da equipe, os contedos dos cursos e as

tecnologias a serem utilizadas devem ser determinados a partir da observao dos

problemas que acontecem no dia a dia do trabalho e que necessitam ser solucionados

para que os servios prestados ganhem qualidade e os usurios fiquem satisfeitos com a

ateno prestada. A EPS no procura mudar todos os problemas de capacitao, mas

busca as lacunas de conhecimento e as atitudes que so parte da estrutura explicativa

dos problemas identificados na vida cotidiana dos servios (BATISTA; GONALVES,

2011).

A ao de EPS no tem um foco na capacitao ou treinamento, mas sim na construo

de conhecimentos numa vinculao horizontal, intersetorial e interdisciplinar. D

prioridade relao ensino-aprendizagem movida pelo debate crtico e discusses das

exigncias presentes no cotidiano dos servios de sade, o que significa que o ponto

inicial so os problemas ou a problematizao da realidade concreta. , nessa

abrangncia, uma estratgia que parte do pressuposto da aprendizagem significativa, ou

seja, a aprendizagem que produz sentido para o sujeito e se relaciona com os problemas

enfrentados na realidade, alm de levar em considerao os conhecimentos e as

experincias que as pessoas possuem (BERTUSSI, 2004).

Nessa mesma categoria, discutiu-se a forma como as participantes entendiam que a EPS

estava presente no seu ambiente de trabalho, e, assim, percebeu-se que, na viso das

participantes, a EPS estava diretamente ligada a algum outro profissional de sade que,

na roda de discusso, compartilhava o conhecimento sobre algum assunto de destaque

na atualidade ou na prpria Unidade Bsica de Sade, como evidenciado nos seguintes

trechos da discusso:

47

A roda pode ser um aprendizado, levar algum, como ela falou,

pra falar sobre a Tuberculose, para falar sobre uma febre

amarela.

[...] teve em outubro, teve o encontro com infectologista, a a

pergunta que ele fez: Quem usa a N95, a mscara cirrgica?.

Quem tem consultrio particular. Foi a pergunta que ele fez. A

ele falou que era EPI [equipamento de proteo individual], foi

que abriu os olhos, j que, at ento, a gente no sabia o uso certo

sobre isso [...]

As capacitaes sem contexto e baseadas na transmisso de conhecimentos no so

eficazes, pois contribuem muito pouco para transformaes no setor de sade. Esses

treinamentos no proporcionam um compromisso com os princpios do SUS e no se

traduzem em trabalho realizado, sendo descries de habilidades, comportamentos e

perfis (LOPES et al., 2007; CECCIM, 2005a).

Por meio da discusso sobre o cotidiano de trabalho, a EPS possibilita pactos e acordos

coletivos de trabalho no SUS, objetivando os processos de trabalho, nos quais o alvo

so as equipes e seu local de produo so os coletivos (BRASIL, 2008). Essa

aprendizagem dos profissionais de sade passa a ter sentido quando ela significativa,

ou seja, quando o material a ser aprendido tem algum sentido para o educando

(CARDOSO, 2012).

48

Desse modo, no basta apenas que haja a presena de um profissional especializado no

assunto determinado para discusso nas rodas se ele for unicamente um transmissor de

informaes, ou seja, necessrio que a informao seja compartilhada e em seguida

discutida. Nota-se ento que preciso trabalhar esses conceitos com essas profissionais,

j que as mesmas baseavam o conceito que tm de EPS na presena de um profissional

palestrando sobre um tema.

A EPS de suma importncia para a concretizao de um servio de sade de qualidade

e excelncia. Desta maneira, para que isto acontea necessria a compreenso de todo

o processo de trabalho, procurando competncias para atuar com os problemas de sade

em contextos socioculturais diferentes (PEDUZZI et al., 2009). Nesse sentido, a PNEPS

tende a ser um espao de discusses onde todos os envolvidos possuem sua importncia

e contribuem para a ressignificao dos processos de sade (ALMEIDA et al., 2016).

Fatores relacionados implementao das aes de EPS no cotidiano do servio

Existem fatores capazes de influenciar a insero da prtica da EPS no ambiente de

trabalho das equipes na ateno bsica. No grupo focal emergiu o fator relacionado

falta de oportunidade que essas profissionais tinham para a realizao de cursos e de

participao nas rodas de discusso devido a pouca oferta para essa profisso. Esse fator

um dos responsveis pela presena ou pela ausncia de um processo de trabalho

eficiente e de um atendimento qualificado aos pacientes. Alguns trechos da discusso

destacam bem esse fator:

49

At servio social que estava fazendo estgio. Que ia entrar e ia

sair, n. At elas tinham mais coisa pra fazer curso do que quem

era efetivo. Ento, esse da [curso de EPS]. Porque o mdico no

podia ir porque estava fazendo coisa, o enfermeiro no podia ir.

A chamou eu e outra colega pra ir fazer este curso.

Mas assim... sade bucal, n... Falta de oportunidade. Eles no

davam pra gente. Odontologia, ento...

A gente no reconhecida, no enxergada.

A desvalorizao das categorias profissionais relacionadas Odontologia necessita ser

falada, nos seus valores tanto simblicos como concretos (salrios que no estimulam,

ausncia de propostas de EP, excluso do CD e dos profissionais que compem a equipe

de sade bucal das capacitaes existentes para os outros profissionais nos servios de

sade, e a prpria tendncia ao isolamento da odontologia dentro da equipe

multiprofissional) (MOURA et al., 2013). Assim, devido a essa desvalorizao

percebeu-se a falta de profissionais estimulados e dispostos a aprender sobre novos

assuntos. Alm disso, preciso unir essas profisses com as demais presentes na UBS,

visto que a prioridade deve ser sempre o bem-estar do usurio, o que s ser conseguido

quando a sade for vista de forma integral, ou seja, relacionando todas as reas da

sade.

notvel a contradio explcita que ainda existe entre as demandas dos processos de

municipalizao, descentralizao e quebra dos programas verticalizados em direo

50

integralidade do cuidado e vigilncia sade e o domnio dos programas de

capacitao verticalizados e direcionados a diferentes categorias de profissionais, o que

claramente requer o aumento da capacidade de deciso local e novas formas de relao

com os usurios (RIBEIRO; MOTA, 1996).

Ainda nessa categoria, observou-se como um fator que influenciava negativamente a

percepo das auxiliares e tcnicas em relao implantao da EPS, a falta de

oportunidade que essas profissionais tinham de realizar cursos e participar de rodas

quando se observava o dia a dia das mesmas, j que, como citado por elas no grupo

focal, havia falta de tempo devido ao imenso nmero de pacientes atendidos em um

nico dia e os horrios em que esses cursos eram ofertados no propiciava a

participao:

[...] teve na [municpio] um curso de ASB no ano p