A parte do diabo: provocações da sociologia maldita de Michel Maffesoli para os estudos de...
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Revista Tecer - Belo Horizonte vol. 2 n 3 novembro 2009
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A parte do diabo: provocaes da sociologia
maldita de Michel Maffesoli para os estudos
de religio
Adilson Schultz
Resumo
A sociologia desenvolvida no campo de estudos da ps-modernidade ergue-se com
grandes provocaes ao campo de estudos de religio, esse classicamente
determinado pelo trio moderno Marx, Durkheim e Weber. O pensador Michel Maffesoli,
socilogo francs estudioso do imaginrio e do cotidiano, mostra como o esprito ps-
moderno de diluio, desconstruo e quebra de paradigmas pervade todas as
dimenses da vida contempornea, inclusive formatando o jeito de crer e a forma de
entender o religioso. A partir da, os estudos do religioso especialmente Teologia,
Cincias da Religio e Ensino Religioso reelaboram seus conceitos modernos,
reestruturando seu campo a partir de novas categorias de anlise da sociedade
propostas por Maffesoli: Sociedade Neotribal, Associao pelo Desejo-de-estar-juntos,
Processos de indentificao, Homeopatia do mal, Efeito de composio, entre outros.
Palavras-chave: Michel Maffesoli, estudos de religio, ps-modernidade, neotribalismo,
sociologia, imaginrio religioso.
H momentos que, para alm das diversas dogmticas, teorizaes ou
legitimaes de toda ordem, o que prevalece o claro de Pentecostes
(MICHEL MAFFESOLI).
Quem Michel Maffesoli?
O livro de Michel Maffesoli A parte do diabo: resumo da subverso ps-moderna
comea com a seguinte frase: No existe nada pior que algum querendo fazer o
bem, especialmente o bem aos outros. (MAFFESOLI, 2007, p. 11). A acidez da frase
d o que pensar, e por si s j justificaria a palavra no ttulo desse texto:
provocaes. Ento existe um questionamento sociolgico a ser feito ao bem? O
socilogo maldito d seguimento frase e faz uma provocao aos/s tericos/as e
acadmicos/as em geral: O mesmo se aplica aos que pensam bem, com sua
irresistvel tendncia a pensar por e no lugar dos outros. (MAFFESOLI, 2007, p. 11).
Doutor, professor do Centro Universitrio Metodista Izabela Hendrix e da Pontifcia Universidade Catlica
de Minas Gerais
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As provocaes, caras para quem est envolvido no campo de religies, so a ponta
do iceberg de uma intensa crtica dita ps-moderna ao pensamento contemporneo, e
especialmente forma de pensar. Seu formulador o socilogo Michel Maffesoli,
francs nascido em 1944, hoje professor na Universit de Paris-Descartes - Sorbonne,
Diretor do Centro de Estudos do Atual e do Cotidiano, editor da Revista Societs.
Entre seus tericos mais referidos, Gilbert Durand de quem foi aluno! -, Carl Jung, e
milie Durkheim. Ficou conhecido pela elaborao do conceito Tribo Urbana -
Neotribalismo. um dos raros autores brasileiros que tem quase toda sua obra
traduzida para o Brasil. A plataforma Lattes de currculos tem j uma extensa lista de
obras onde o autor figura como palavra-chave, com cerca de 240 entradas para se
ter uma idia comparativa, Levinas tem 440 entradas, Celso Furtado, 362, e Leonardo
Boff, 244.
Maffesoli conhecido como um terico da ps-modernidade, nome genrico para esse
campo difuso do conhecimento, da histria, da sociedade, etc., que desenvolve a
crtica desconstrutivista das teorias contemporneas. O prprio Maffesoli raramente usa
o termo, preferindo adjetivos mais conceituais como Neotribalismo, sociedade difusa,
socialidade, modernidade lquida, ou outros j consagrados como sociedade complexa.
Um interesse especfico de pensadores e pensadores brasileiros pela obra Maffesoliana
justificar-se-ia pelo fato do autor classificar o Brasil como Laboratrio vivo da ps-
modernidade O pas teria as condies intelectuais e sociais ideais para que essa
socialidade seja forjada: a importncia do corpo, a mestiagem e a imaginao, que
juntas do vazo criatividade.
Para mim, a ps-modernidade a sinergia entre arcasmo e desenvolvimento
tecnolgico. E isso vemos claramente no Brasil e no vemos na Europa. (...) O pas
dita novas formas de pensamento e comportamento do que so os valores ps-
modernos. Assim como a Europa foi o lugar onde se desenvolveram os grandes
valores modernos, o Brasil onde identificamos esses novos padres (...) o retorno
dos valores do passado, mas que no so ultrapassados (BRASIL, 2004 p.18).
A sociologia ps-moderna contra o Imprio do Bem
No livro que d ttulo a esse texto A parte do diabo -, o autor tecer a crtica ao
sistema messinico judaico-cristo e s teorias de emancipao universalistas de toda
ordem que nascem dele, todas com o bem como sua justificativa ltima. Isso vale
tanto paras as teorias de emancipao do campo psi quanto para a emancipao
social.
Est colocada a tambm a crtica ao proprium da teologia, mais destacada rea dos
estudos de religio. Maffesoli reivindicar justamente a importncia dA parte do diabo,
mostrando, do ponto de vista sociolgico, como a vida segue em composio com o
mal em todas as suas modulaes, e como a oposio dualista bem versus mal
uma inveno que no se cumpre no iderio das possibilidades do cotidiano, que
mais bem opera por aquilo que ele denomina homeopatia do mal, sua deglutio
lenta. [Trata-se de] reconhecer o que cabe ao diabo, saber dar-lhe bom uso, para
O termo modernidade lquida de Zygmunt BAUMAN, Modernidade Lquida, p. 15. Sendo um dos mais
intensos pesquisadores da ps-modernidade, o autor faz referncia a essa poca em oposio anterior
denominada modernidade slida. O termo lquido tenta captar o sentido de fluidez, fugaz, transbordante e
dinmico que caracteriza essa nova fase da modernidade.
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que no sufoque o corpo social. (MAFFESOLI, 2004: 15-16) Por um surpreendente
paradoxo, aceitando o mal, sem suas diferentes modulaes, que podemos alcanar
certa alegria de viver. (MAFFESOLI, 2004: 20). No se trata de resignao. Trata-se de
outra estratgia, agora de negociao, pois amarrar o diabo pode deix-lo cada vez
mais forte.
A percepo Maffesoliana pode ser imediatamente referenciada tambm nos estudos
que lidam com a religiosidade contempornea, especialmente aquela carismtico-
neopentecostal - do lado moderno! - e aquela arcaico-animista, do lado pr-moderno.
Tomemos como exemplo um culto da Igreja Universal e uma roda de Candombl: o
que as pessoas nesses movimentos religiosos fazem dar movimento a um mtodo
diferenciado de tratamento do mal, e assim criam um ambiente seguro para viver. Na
intuio de Michel Maffesoli, um meio, um mtodo para compor com ele, integr-lo,
domestic-lo [baseado na] encantao rtmica. (MAFFESOLI, 2004: 164-165). Vive-se
nas igrejas uma espcie de integrao homeoptica do mal. (MAFFESOLI, 2004: 35).
Mais vale compor com a sombra do que neg-la. No fugir dela, mas passar atravs
dela... Posio pouco confortvel, verdade, mas ainda assim sabedoria, que, no dia-
a-dia, homeopatiza o mal at fazer com que proporcione o bem de que tambm
portador. (MAFFESOLI, 2004: 53-54). Maffesoli levar a provocao ao extremo, ao
propor que soltar o diabo foi, afinal, o procedimento de Jesus no tratamento do mal
pelo menos diante do possesso Geraseno Lucas 8.26-39.
A sociedade e a religiosidade contemporneas neotribalista
Nos seus livros No tempo das tribos e No fundo das aparncias, o pensador Maffesoli
fala de um clima neotribalista que vem modificando o conjunto das relaes sociais
contemporneas, caracterizado por um desejo de aproximao no tanto por
interesses de longo prazo e grandes contratos sociais, mas por afeto imediato.
Segundo Maffesoli, uma espcie de nebulosa neotribalista paira em toda a sociedade,
suscitando novas relaes e reelaborando questes clssicas como indivduo,
afetividade, instituies, educao, entre outras. Interessa no tanto mais o indivduo,
mas as relaes entre as pessoas. No mais ter uma identidade rgida, mas compor-
se a partir de mltiplas identificaes. No somos mais indivduos com uma funo
maqunico-social a cumprir, mas pessoas com vrios papis a desempenhar.
Para entender a nova ordem neotribalista em gestao, Michel Maffesoli prefere
substituir o termo sociedade por socialidade:
Enquanto a primeira [sociedade] privilegia os indivduos e suas associaes
contratuais e racionais, a segunda [socialidade] vai acentuar a dimenso afetiva e
sensvel. De um lado est o social que tem uma consistncia prpria, uma
estratgia e uma finalidade. Do outro lado, a massa onde se cristalizam as
agregaes de toda ordem, tnues, efmeras, de contornos indefinidos (MAFFESOLI,
1987, p. 101-102).
O social repousa na associao racional de indivduos que tm uma identidade
precisa e uma existncia autnoma; a socialidade, por sua vez, se fundamenta na
ambigidade bsica da estruturao simblica (MAFFESOLI, 1987, p. 135).
Para aprofundamento terico deste pargrafo, consulte Adilson SCHULTZ, As igrejas evanglicas como
agncias de negociao com o mal.
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Assim como ps-moderno, o termo Neotribalismo no exatamente um campo terico
ou a descrio rgida de uma poca nova em termos histricos, muito menos um
programa social, mas sim uma postura, um estado de esprito, uma tendncia que
afeta as coisas, a sociedade, as instituies, as pessoas e mesmo a imagem de
Deus, se considerarmos o campo da religio. Neotribal diz respeito capacidade e
criatividade da sociedade se organizar em Tribos que transcendem os agrupamentos
clssicos da modernidade.
O desejo-de-estar-juntos tambm na igreja
Essa multiplicao dos reagrupamentos afetivo-religiosos que caracterizam nossa
poca (MAFFESOLI, 1987, p. 116) e reorganizam a sociedade, tem como motivao ou
razo interna de constituio o que Maffesoli denomina de desejo-de-estar-juntos - e
de preferncia toa, sem obrigao. Os grupos no so tanto contratuais, mas
afetuais, no sentido de que no respondem mais a objetivos de longo prazo, mas
realizao imediata. O que agrega uma espcie de destino comum, e no a
utilidade do grupo.
No obstante a aparente relativizao dos objetivos a longo prazo, este micro-grupo
neotribal manifesta uma vontade/busca de realizao imediata que pode ser
profundamente transformadora. Esta nfase no presente no sinnimo de falta de
projeto, de imperfeio. Pelo contrrio: ela cheia de qualidades. As relaes dentro
da tribo podem no ser eficazes no sentido de planejar para o futuro, mas so
intensas no que tange organizao da vida diria. H uma perspectiva ex-tensiva
comum da modernidade versus outra in-tensiva da ps-modernidade. Esse
Neotribalismo baseado na afetividade e no curtir o momento pode ser tomado
tambm como uma reao social cultura de massas. O pequeno grupo, a tribo,
reestrutura ou restaura a eficcia simblica perdida na massa. Agora o grupo que
faz a minha cabea. Na massa a gente se cruza, se roa, se toca, interaes se
estabelecem, cristalizaes se operam e grupos se formam. (MAFFESOLI, 1996, p. 102)
Aqui a anlise Maffesoliana chega ao limite da provocao aos estudos de religio: no
jogo do intenso e do extenso, que tipo de religiosidade tomada como mais
significativa, ou mesmo mais eficaz? A pecha de alienante ou infantil dada comumente
aos cultos neopentecostais, por exemplo, entram em cheque diante das provocaes
maffesolianas. As relaes dentro da tribo podem no ser eficazes no sentido de
planejar para o futuro, mas so intensas no que tange organizao da vida diria.
Pensando especialmente no Neotribalismo religioso, teramos que nesta nova
configurao religiosa a banalidade das teologias neo-agrega mais do que o
utilitarismo comum das teologias modernas. As comunidades reunidas so
intensamente afetuais, nada contratuais, no sentido de que no respondem mais a
objetivos a longo prazo, mas realizao imediata. O que agrega uma espcie de
destino, e no a utilidade do grupo. Assim, a obrigao de dar testemunho ou louvor
a Jesus pode ser o apangio verbal, mas no fundo da reunio est a vontade e o
prazer de estar juntos. Os fiis querem um lugar onde as pessoas se renem - com
Deus. Nesse estar-juntos, a prpria criao do grupo: os cultos seriam formas das
pessoas dizerem o estar junto ningum ningum se no estiver junto: no coletivo,
as pessoas so agidas pelas outras; as outras determinam quem sou. Tomado nesses
termos, a experincia espiritual seria uma eterna encenao de quem eu sou, ou de
quem eu devo ser, ou mais bem quem eu poderia ser se, por exemplo, casse nas
mos do demnio.
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Somos vrios! O processo de identificaes mltiplas rompendo a identidade religiosa
Para investigar as estruturas do poder desse novo tipo de constituio grupal sobre
os indivduos, Maffesoli tece a diferena entre a funo e o papel do grupo. Ele
distingue a concepo de indivduo como entendido na sociedade moderna, da
concepo de pessoa entendida na socialidade neotribal. No Neotribalismo, as pessoas
e os grupos no so engrenagens de uma mquina que funciona para produzir
determinada coisa, para ser til; melhor pensar em algum desempenhando um
papel, como numa pea teatral. Quem desempenha um papel pode estabelecer
interaes com as outras pessoas ou grupos. Se uma pea de uma mquina falhar, se
ela no cumprir sua funo, est fora, e substituda - essa a compreenso
clssica do indivduo na modernidade. J como numa pea teatral, no h
propriamente falhas; cada interpretao nica e diferente da outra. a experincia
relacional que prevalece. Nos grupos neotribais as pessoas no tm uma funo, mas
desempenham um papel.
Caracterstica do social: o indivduo podia ter uma funo na sociedade, e
funcionar no mbito de um partido, de uma associao, de um grupo estvel.
Caractersticas da socialidade: a pessoa (personna) representa papis, tanto dentro
de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa.
Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seu gostos (sexuais, culturais,
religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia nas diversas peas do
theatrum mundi (MAFFESOLI, 1987, p. 108).
Os processos de identificaes se do nos elementos mais banais da vida: em casa,
sozinhos, assistindo TV, ou numa sala de cinema, ou tambm num banco de Igreja.
A aparente passividade altamente produtiva. Para alm da questo da perspectiva
intensiva apontada acima, pode ser que a se opera algo como uma passividade ativa,
ou uma ativa no atividade. (MAFFESOLI, 1996, p. 345). Nas identificaes fortalecido
o lao social com quem faz a mesma experincia. um agrupamento que opera por
uma espcie de comunho, e no uma adeso. O programa de televiso ou o culto
so o objeto sacramental da comunho. Nas palavras de Maffesoli, cria-se uma
comunidade dos santos que partilha a mesma eucaristia. (...) O conjunto cria uma
conivncia que faz religao, e fortalece o sentimento tranqilizante de fazer parte de
um pblico (MAFFESOLI, 1996, p. 347). Identificao totmica.
Maffesoli apontar, em seguida, a consequncia imediata dessa comunho
neotribalista: a fora mobilizadora das relaes de afeto. H uma supervalorizao do
tato, do pegar, do participar, da proximidade em oposio a uma tica do ver e do
entender. No so os indivduos que tm a primazia, mas as suas relaes .
(MAFFESSOLI, 1996, p. 125). Em seguida o autor mostra o lado libertador dessa
ambgua identidade de sermos vrios: somos sempre outra coisa alm do que nos
crem ser. Somos vrios. (MAFFESOLI, 1996, p. 305)
O ps-moderno efeito de composio religiosa
Diante da nova forma de composio grupal, como conciliar as necessidades
tipicamente modernas do campo religioso (seus discursos, tica, mensagens) com suas
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urgncias tipicamente pr e ps-modernas (curas, milagres, xtases)? Teriam os
estudos de religio capacidade de articular em sua linguagem tipicamente moderna
esse novo mundo ps-moderno? Essa possibilidade de linguagem a ser construda
carrega em si a capacidade de fazer a ponte entre o que caracteriza o novo mundo
que nasce e o mundo arcaico que a modernidade enterrou. Na verdade, o que os
estudos de religio teriam que fazer voltar-se para as origens da religio, ou seus
fundamentos, no sentido de buscar o mais profundo, aquilo que agrega as pessoas.
A palavra-chave da religiosidade contempornea veicular ou ligar no que ela nada
difere das religiosidades de todos os tempos e lugares. O que se faz insistir no
enraizamento da vida numa ordem ou num mais amplo que aquele ditado pela razo
econmica, filosfica, poltica e tecnolgica moderna um veio integral, diriam os
ecologistas. Uma religiosidade que faz ligao direta da vida social e individual ao
mundo espiritual; um indcio de persistente enraizamento numa ordem mais ampla, na
qual se associam paixo e razo, natureza e cultura, os deuses e os homens.
(MAFFESOLI, 2007, p. 151).
Na linguagem maffesoliana, a reconstruo da linguagem dos estudos de religio
passa pelo olhar o que est enterrado nas religies, no subterrneo delas. E a a
necessidade de resgatar a fora estruturante subterrnea da pecha de primitivo ou
popular, conferindo-lhe status de forma e lugar de pensar a vida e o mundo. Talvez
seja justamente esse primitivo e popular e tribal que insistam na permanncia do
pensamento mgico que nos vincula ao holos (totalidade) csmico e societal
(MAFFESOLI, 2007, p. 15).
Nessa perspectiva do substrato religioso, surge a pergunta pelo fundamento dos
estudos de religio, e no mais pela causa ou pelo horizonte. Ao invs de perguntar
onde isso vai dar?, vale a pergunta de onde isso veio? Significaria dizer que o fiel se
reconhece como parte da comunidade espiritual a partir do que ela , e no do que
ela deveria ser. Na linguagem de Michel Maffesoli, pesquisar o Grund, o fundamento:
Onde est enraizado o fenmeno religioso? Qual o fundamento do crer? De onde
vem as pessoas que dele participam? de onde ele vem, de onde ele .
(MAFFESOLI, 1998, p. 61-62). E mais adiante: [Quero] definir aquilo que tipifica,
encontrar o carter essencial (Durkheim), o arqutipo, ou a estrutura absoluta (...),
onde tudo se sustenta, onde cada coisa entra em sintonia, onde h interdependncia
necessria (...). Em suma, um verdadeiro trabalho intelectual de perceber o efeito de
composio. (MAFFESOLI, 1998, p. 71-72)
Nesse sentido, o trabalho dos estudos de religio tem um lugar privilegiado na
apropriao conceitual das mutaes em curso, justamente porque se coloca entre
esse profundo e essas alturas: Talvez seja nesse sentido que se pode falar do
nascimento da ps-modernidade. Esta nada mais do que a ecloso dos germes pr-
modernos que, aps o longo sono da modernidade, ganham novo vigor. (MAFFESOLI,
1998, p. 41).
O que salta de tudo isso uma inegvel mudana no modo de viver as relaes
sociais. Todos os pontos fortes, a partir do quais a modernidade as concebera,
indivduo, identidade, organizaes contratuais, atitude projetiva, do lugar a uma
outra realidade muito mais confusa, sensvel, emocional, de contornos pouco
definidos e do ambiente evanescente. (...) Uma mudana de perspectiva
epistemolgica que, utilizando noes como as de pessoa plural (personna), de
tribo, de atrao, de participao, (...) o pertencer a uma comunidade, a busca de
um proximidade fusional, os processo de imitao, o contgio afetivo retornam
com fora na vida pblica. O ressurgimento dos movimentos carismticos, o
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fanatismo religioso, o fundamentalismo islmico, a embriaguez musical, (...) colocam
a tnica na prevalncia de uma religiosidade onde o todo prevalece sobre as
diferentes partes que o compem. (...) A lgica da identidade substituda por uma
lgica da identificao em vias de elaborao (MAFFESOLI, 1996, p. 348 grifo
meu).
A sociologia maldita diluindo a fronteira entre o cientfico e o espiritual
Finalmente, resta ainda uma provocao maffesoliana pela possibilidade dos estudos
de religio construrem um campo comum de estudos que articule os desejos e as
expectativas dos vrios atores e das vrias atrizes do campo religioso; uma linguagem
geral ampla, no restrita; ou uma linguagem profunda, no superficial. Classicamente, a
rea de estudo est mapeada por profissionais acadmicos do Ensino Religioso, da
Teologia, e das Cincias da Religio. De forma marginal existem ainda atores e atrizes
ligados s religies e/ou s igrejas que promovem estudos, conferncias e
publicaes.
A obra Maffesoliana uma recusa a aceitar com facilidade as noes restritivas de
identidade de rea ou corpus terico. Transitar em diferentes campos: eis a mxima
da intelectualidade ps-moderna. O influxo ps-moderno da produo Maffesoliana
contundente ao provocar a benfazeja tendncia de aproximar as reas de estudo e
campos de pesquisa, liquefazendo ou diluindo a praga moderna da rigidez disciplinar
ou campo de estudos da religio. Por mais intensas que sejam as tentativas de
diferenciao de mtodo e objeto, a sociedade insiste em olhar para todos como um
s grupo, essa-gente-que-lida-com-religio, seja essa gente crente ou no crente,
militante a favor ou contra a religio.
Constituda uma rea comum, a provocao Maffesoliana abre questes extremamente
pertinentes para o campo de estudos da religio: qual o fundamento dos estudos
de religio? no mais da teologia, das cincias da religio. Partimos de onde e
vamos para onde? E de uma forma mais conceitual: Que tipo de pensamento sobre a
religio e que pensamento religioso surgem nas condies ps-modernas? E para
contrapor: que tipo de pensamento sobre as religies ou a partir das religies tem
surgido a partir da fragmentao hoje vivenciada entre as reas Cincias da Religio e
Teologia?
Se a sociologia ortodoxa a bendita trindade Marx, Durkheim e Weber foi forjada a
partir do vis moderno da necessria rigidez ou dureza disciplinar, a sociologia que
est sendo forjada nesses tempos nada rgidos abre todas as possibilidades de
aproximao entre os campos e atores e atrizes do campo religioso. A nova
sociologia maldita pode tornar o campo de estudos da religio mais comedido, menos
universalista, mais realista. Surge a uma rea de estudos que vai atrs do elo perdido
entre a dimenso espiritual da existncia (Teologia) e sua fatualidade (cincias da
religio em geral) com alta probabilidade de encontrar esse elo nas estratgias de
composio social identificadas nas mutaes ps-modernas. Trata-se de arregimentar
as pessoas, as estruturas e as ferramentas necessrias para quebrar o muro atrs do
qual est essa possibilidade, escondida e no revelada, autocriada nas possibilidades
ainda ocultas das religies, seja em seus estudos ou em sua vivncia.
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The part of the Devil: provocations of Michel Maffesolis damned Sociology to the studies of Religion
Abstract
The sociology developed in the field of studies of Postmodernity stands with large
provocations to the field of studies of Religion, which is classically determined by the
modern trio Marx, Durkheim and Weber. The thinker Michel Maffesoli, French sociologist
who studies the imaginary and everyday life, shows how the postmodern spirit of
dilution, deconstruction and paradigms breaking pervades all dimensions of
contemporary life, including formatting the way of believing and how to understand the
religious. Thereafter, the studious of Religious especially Theology, Science of Religion
and Religious Education reelaborate their modern concepts, overhauling the field from
the new categories for analysis of society proposed by Maffesoli: Neotribalism Society,
Association by the desire of being together, Identification Processes, Homeopathy of
Evil, Compositing Effect, among others.
Keywords: Michel Maffesoli; religious studies; postmodernity; neotribalism; sociology;
religious imaginary.
La parte del Diablo: provocaciones de la sociologa maldita de Michel Maffesoli para los estudios de la religin.
Resumen
La sociologa desarrollada en el campo de estudios de la postmodernidad levanta
grandes provocaciones en el campo de estudios de la religin, ese clasicamente
determinado por el moderno tro formado por Marx, Durkheim y Weber. El pensador
Michel Maffesoli, socilogo francs estudioso del imaginario e de lo cotidiano, muestra
cmo el espritu postmoderno de disolucin, desconstruccin y ruptura de paradigmas
pasa por todas las dimensiones de la vida contempornea, incluso determinando la
forma de creer y entender lo religioso. A partir de aqu, los estudios de lo religioso -
especialmente Teologa, Ciencias de la Religin y Enseanza Religiosa - reelaboran sus
conceptos modernos, reestructurando su campo a partir de nuevas categoras de
anlisis de la realidad propuestas por Maffesoli: Sociedad Neotribal, Asociacin por el
deseo-de-estar-juntos, Procesos de identificacin, Homeopata del mal, Efecto de
composicin, entre otros.
Palabras-Clave: Michel Maffesoli; estudios de la religin; postmodernidad; neotribalismo;
sociologia; imaginario religioso.
Referncias
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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BRASIL: laboratrio da ps-modernidade? O socilogo Michel Maffesoli entrevistado
por Regina Teixeira. Caros Amigos. So Paulo: Casa Amarela, v. 8, n. 64, p. 18-19,
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MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo: resumo da subverso ps-moderna. Rio de
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MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo: resumo da subverso ps-moderna. Rio de
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