A Ordem Oculta Na Arte, Anton Ehrenzweig

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Excelente introdução às relações entre arte e psicanálise.

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  • A ORDEM OCULTA DA ARTE

    (2. edio)

    Eis aqu i um li vro de qualidades excepcionai~. exprt:ssas vigorosamente pda sua profundidade anil-ltica e pelas vivn cias concretas do fenmeno est-tico de que se vale o a uto r. Trata-se de um estudo mpar, exaustivamente especfico sobre a psicologia da imaginao criadora . com a marca de uma sen-s ibilidade que adere ao impulso vi tal dessa criao no plano imprevisvel da Arte.

    Valendo-se. de mane ira renovada. das idia ~ fecundas elaboradas pela c1encia psicana ltica. .: transcendendo-as por uma aplicao que se ajusta realidade imposta pelas categorias prprias ao nvel criador. ANTON E HRENZWEIG - renomado psi-canalista britnico - pe em plano de contnua clareza a vasta est rutura da arte moderna. Os o rdenamentos subjacentes ao caos aparente desse pe-rodo so m ostrados como a face oculta da rtc. no seio da qual reinam a ordem e a perfeita a rti-culao das partes com o todo, construdo pela von-rade de forma espontnea, unitria. inconsciente. Re-tificando a viso ge.ftltica do fenmeno criador. substitui-lhe os delineamentos insuficientes pelo re-conhecimento positivo de um sincretismo que elabora a tota lidade da obra a rtstica concomitantemente sua gnese primria: a~> complementaes de forma. a posteriori. presen tes no momento consciente, no passam de meras iluses racionalizantes, discursiva~. que nada acrescentam o riginria configurao da coisa criada.

    Essa viso nota velmente elucidante do fen meno esttico que possibilita a certeza de uma ordem oculra que sust enta o fluxo criador e o st:u produto, e mesmo uma das mais decisivas con-tribuies do a utor ao escla recimento do "mistrio artstico" . A , dessa rea to rnada o bjetivamente visvel e apta a ser sen tida emocionalmente, quo:

    se irradia a fora dominadora do "sentimento oceni-co" - ncleo a trat ivo e envolvente da c riao aca-bada, legt ima. autntica . Diante de uma obra assim, o observador sente-se avassalado. em fuso e em comunho integral com o universo esttico) que tem sua frente.

    Tambm de ANTON EHRENZWEIG , nesta mesma coleo, est publicado o li vro Piicanlise da Per-cepo Arrsrica - Uma Introduo Teoria. da Percepo Inconsciente.

    ..

    .A ORDEM OCULTA DA .ARTE

  • PSYCHE

    V ulrmrt-.'' tmblicudos ne~ta coleao:

    MANUAL DE PSICOLOGIA, C . Arlcock (3. ed.\ 11UNDA MENTOS DA PSICANALISE, Frank Alcxnnder (2. ed.) AS PSICOSES DA CRIANA, H. Aubln INTRODUO A ANTIPSIQUIATRIA. Chnntnl Boaseur A ESTRUTURA DA MAGIA, R. Bnndler e John Orlnder TR~ FORMAS DA EXISTNCIA MALOORADA, L . Blnswanaer CHAVES DA PSICANALISE, G. P. Brabant (2.e ed.) TEMAS DE PSICOPATOLOGIA. Mlauel Chalub A ETOLOGIA, Rmy Chauvln AS PSICOTERAPIAS DA CRIANA, J . Chazaud PROBLEMAS PSICOLGICOS DA ADOLESC~NCIA, Helenc Deulach (2. ed.) PARA COMPREENDER JEAN PIAGET, Jean-Mnrle Dollc PSICANALISE E PEDIATRIA, Franolae Dolto (2. ed.) TEOR IA DA DISSONANCIA COGNITIVA, L. Fesllnaer INFANCIA , NORMAL E PATOLGICA, A nna Freud (2. ed.) A PSICOLOGIA DO MEDO E DO "STRESS", Jeffrey Gray AMN~IA SOCIAL, Russell Jacoby TIPOS PSICOLGICOS, C. G. Juns (3.a ed.) PSICOLOGIA ANALITICA DA CRIANA, F. Kle in e oulros PSICOLOGIA DA ORIENTAO VOCACIONAL, Paul K line MATA-SE UMA CRIANA, Serge Leclaire O NASCIMENTO PSICOLGICO DA CRIANA, M. S. Mahlcr e outros A CRIANA DEFICIENTE MENTAL, Roaer Mlss f'UNDAMENTOS DE PSICOPATOLOGIA, John C. Nemlah (2.a ed.) A ABORDAGEM GESTALTICA E TESTEMUNHA OCULAR DA TERAPIA,

    F. Perls A SEXUALIDADE FEMININA NA DOUTRINA FREUDIANA, M. Safouan A PSICOLOGIA DA INFANCIA E DA ADOLESC~NCIA C . I. Sandstrlim (5.a ed. ) NEUROSE E CLASSES SOCIAIS, Michael Schnelder A BUSCA DA SOLIDO, Philip Slater FORMAS DE VIDA. Eduard Spranaer A AGRESSA.O HUMANA, A nlhony Storr (2. ed.) DESVIOS SEXUAIS, Anthony Storr (2.a ed.) DOR E PRAZER. Thomas S. Szasz A TICA DA PSICANALISE, T homaz S. Szaaz A FABRICAO DA LOUCURA, T homas S. Szan IDEOLOGIA E DOENA MENTAL, Thomaa S. Szas7 O MITO DA DOENA MENTAL, T homas S. Szaaz O INDIVIDUO EXCEPCIONAL. C. W. Telford e J . M. Sawrey (2.a ed.) A CRI.ANA E 0 SEU MUNDO, O. W. Winnicotl (3.o ed.) OS MEDOS INFANTIS, 111 ichel Zlotowicz

    ANTON EHRENZWEIQ__

    A ORDEM OCULTA DA ARTE

    Um Estudo Sobre a Psicologia da Imaginao Artstica

    Traduo de

    Lus COR.O

    Segunda Edio

    TOMBO __ : 62924

    ~~~~lmiiJIIIIJmllllllm SBD-FFLCH-USP 1.M.IOlfCA 0t. I"IL.U::><

    -~~

    ZAHAR EDITORES RIO DE JANEIRO

  • \ !tuto original:

    THE HIDDEN ORDER OP ART - A Study in the Psychology of Artistic Iroagination

    Traduzido da primeira edio, publicada em 1967 por Weidenfeld & Nicolson, de Londres

    capa de

    llRICO

    1977

    @ 1967 'by Anton Ehremweig

    Direitos para a lngua portuguesa adquiridos por ZAHAR EDITORES

    Caixa Postal 207, ZC-00, Rio

    que se reservam a propriedade desta verso

    Impresso no Brasil

    1NDICE

    Nota do Editor Ingls ..... . ....... . ....... . . .. .. . .. . Ilustraes e Desenhos ....... . ............. . .. ..... . . l'rcfcio ... . ............................ . . . . . ... . .

    LIVRO I - O CONTROLE DO TRABALHO

    9 11

    13

    11 PARTE: Ordem no Caos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1. Como a Criana V o Mundo .. .. .. .. .. .. .. . .. . 19 2. As Duas Espcies de Ateno . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 3. A Triagem Inconsciente ............. . ... .. : . . . 45

    ;1 1 PARTE: O Conflito Criador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 4 . O Motivo Frtil e o Feliz Acidente . . . . . . . . . . . . . . 58 5. A Fragmentao da "Arte Moderna" . . . . . . . . . . . . . 73

    6. A Co'ntextura Interior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 \1 PARTE: Ensinando a Criar .. ~... . ............ . .. . . 102

    7 . As Trs Fases da Criatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 8 . Envolvendo o Espao Pictrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 9 . Abstrao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2

    1 O. Treinando a Espontaneidade por Meio do Intelecto 145

    LIVRO I1- ESTIMULANDO A IMAGINAO

    l PART E: O Tema do Deus Moribund() .......... . . . .. 173 I I . O Contedo Mnimo da Arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 3 I :.l . O Deus Autocriador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 I L O Deus Disseminado e Sepultado . . . . . . . . . . . . . . 210 I I. O Deus Devorado e Incinerado . . . . . . . . . . . . . . . . . 224

    !\1 PARTB: Concluses Tericas .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 I , . Caminhanlo para uma Reviso da Teoria Atual . . . . . 249 16. Dissociao do Ego ................. . . .. . . . . . . . . 265)

    Apndice: Glossrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279 Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... . - 2.&)

  • A minha mulher

  • No~a do Editor Ingls

    Quando se deu a sua morte, o autor j havia entrgue para Impresso os originais deste livro com ttulos e ilustraes, mas no ao encontrou qualquer rascunho sobre o seu reconhecimento para com 111 colaboradores e artistas que lhe haviam permitido a reproduo do seus trabalhos no texto, embora todos soubessem que seu desejo ~rll agradecer-lhes por tudo o que f izeram. So eles:

    Maurice Agis e Peter Jones, Da-vid Barton, Richard Hamilton, Peter Hobbs, Henry Moore, Eduardo Paolozzi, Bridget Ri ley, Feliks Topolski e Fritz Wotruba.

    Os editores tambm expressam seus agradecimentos esposa do autor, a Anna Kallin e Marion Milner que reviram as provas.

  • Iiustraes (entre as pgs. 144-145}

    ldolo das ilhas Cidades representando a Deusa Me, c. 3000 a.C., da coleo R. Sainsbury.

    2 Pote da idade do bronze, cultura Lausitz, c. sculo XII a.C., Museu Britnico (cortesia dos seus curadores).

    3 David 'Barton, variaes sobre o tema deus moribundo, 196~. 4 Eduardo Paolozzi; papel pintado pa.ra o teto dos escritrios de

    Ove Arup, Londres, 19~ 1.

    ) Eduardo Paolozzi, escultura em alumnio soldado, Towards a New Laacaan, 1963.

    6 Eduardo Paolozzi, escltura em alumlaio soldado (srie Medea), 1964. 7 Detalhe da decorao de uma nfora no perlodo de transio, c. 700

    a.C., Museu Britnico (foto ]. R. Freeman).

    A D etalhe de um relevo egpcio mostrando Akhnaton acariciando o filho, c. 1360 a.C., .Agyptische Abteilung der staatlichen . Museum. Berlim.

    9 Detalhes de trs caricaturas de 180~ mostrando a Pitt mais moo. Museu Britnico (foto J, R. Freeman}.

    10 Paul Klee, Ein neues Gesicht, aquarela, 1932. Coleo de K. Strher. 11 Alberto Giacometti, Homem Sentado, 1949. Galeria Tate, Londres

    (reproduzido por cortesia dos curadores. D.i.reitos reservados ADAGP). 12 Alberto Giacometti, Mulher de P, c. 19~8-9. Galeria Tate, Londres

    (reproduzido por cortesia dos curadores). U Rembrandt van Rij n, Auto-Retrato, detalhe, 1663. Kenwood House

    (coprri~t Greater London Courrcil).

    14 Rembrandt, .auto-retrato Kenwood (quadro inteiro) . 15 .Aibrecht Drer, Vilana Windisch, 1 ~0~. Museu Britnico (cortesia

    dos curadores}.

    16 D rer, Vilana Windisch (detalhe}.

    I f Feliks Topolski, SOldados e Oficiais Congaleses (de Topolski's Chronide, vol. ix, 1961}.

    111 Jackson Pollock, Drawing, c. 1951, da coleo d.a Sr Lee Krasne-r Pollock. Cortesia da Galeria Marlborough-Gerson, N. York.

    IJ Georges Braque, Glass and Pitcher, coleo particular. 111 Bridget Riley, Straight Curve, 1963 (detalhe da seo superior) .

  • 12 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    '21 3 Maurice Agis e Peter Jones, Enclosing and Opening Space, 1966. 24 Peter Hobbs, Form Space for Diogenes N' 4, 1964. 25 Pablo Picasso, Retrato de Vollard, 1910. Museu de Arte Moderna,

    Moscou (foto Editions Cercl~ d'Arte) . 26 F.ritz Wotruba, Grosse Liegende, 1951. Coleo M. Mautner

    Markhof. 27 Dormition of the Virgin, mosaico em Kariye Camii, Istambul, c.

    1315 (cortesia de Byzantine Institute Inc.). 28 Miguel Angelo, Rondanini Piet, 1564 (foto .A,linari). 29 Henry Moore; Helmet Head N 5 (Giraffe), 1966. Marlborough

    Fine Art Ltd. 30 Detalhe de painel e ignudi do teto da Capela Sistina de Miguel

    Arrgelo, 1511 (foto Alinari) .

    Desenhos

    Episdio de Bristow, por Fran-k Dickens (do Evening Standard dt Londres).

    2 Ilustrao de Jean Cousin em Livre de Povrtraitvre, 1600.

    3 Perfi s duplos de Rubin. 4 O emaranhado (.estrutura seriada) de uma busca criadora. 5 A ruptura no , terceiro movimento da Ha.rnrnerclavier Sonata de

    Beethoven. 6 Mapa do metr de Londres (com a permisso da London Transport) 7 Pgina da reconstruo tipogrfica, de Richard Hamilton, de Green

    Box de Mareei Duchamp.

    8 Ilustrao da recorrstruo de Green Box. 9 Exemplo do baixo de Alberti no movimento lento da Sonata para

    Piano em D M:iior (K. 545). 10 Diagrama de uma variante da Homage to the Square de Josef Albers. 11 Diagrama de uma serializao em cres.

    Di reitos reservados da .ADAGP e SPADEM.

    Prefcio

    c) ARGUMENTO deste livro vai desde as altas especulaes tericas tlt' os problemas altamente tpicos da arte moderna e as sugestes prAticas para os professores de arte, sendo muito improvvel que se urontre algum leitor que se sinta bem vontade em todos os llfc:rentes nveis abordados, mas isso, felizmente, no tem muita l ntt~ortncia. As principais idias do livro podem ser compreendidas utr.smo que o leitor siga apenas uma de suas linhas em discusso. ( h outros aspectos acrescentam apenas uma profundidade estereos-' tlf'ica ao argumento sem, na verdade, acrescentar tambm qualquer u >stncia nova. Poderei ento pedir ao leitor que no se irrite tom a obscuridade de algum material e que retire apenas do livro tudo aquilo que, realmente, lhe agradar, deixando o resto por ler? De certo modo, esta espcie de leitura exige o que tluuno de um mtodo sincrtico. As crianas ouvem com a respira c, . u suspen~a uma estria que s compreendem pela metade. Nas Jlll lo.vras de William James, elas passam de relance sobre longos t ll'Chos que fogem sua compreenso e se apegam aos poucos J'lllltos que lhes agradam, mas ainda assim aproveitam essa per 1 p1io incompleta. Essa capacidade para compreender - e no lt, dvida de que uma capacidade - pode ser devida sua lhthllidade sincrtica de absorver uma estrutura completa mais do 'I"~' de analisar elementos isolados. Tambm a arte infantil ~~ roltn a estrutura total sem se preocupar com os detalhes analticos, ' cu prprio conservei parte dessa espcie de capacidade. Isso me l''' lmite ler livros tcnicos com algum proveito, mesmo que no 1111' encontre inteiramente familiarizado com alguns dos termos Ih nlcos. Um leitor que no possa olhar por alto os trechos de 1111 nrmaes tcnicas, que no compreende, logo se tornar, neces-'" I,Lmente, um especialista limitado. ~ por isso que vantajoso

    1 "" ~t'rvar um pouco da capacidade sincrtica da criana para escapar llltlO. especializao excessiva. Este livro no para aqueles que ' cligerem as informaes dentro de um contexto bem definido t lr ltrmos tcnicos.

    Um leitor de uma casa editora certa vez achou que eu. no '' "' ''li:rava bem as coisas. O que le queria dizer era que o argu-

  • .l

    14 A ORDI!M OcuLTA DA ARTE

    mento tinha sempre tendncia a saltar de teori~ altamente psicol-gicas para receitas muito prticas sobre o ensmo da a~e e seus correlatos; wn jargo cientfico misturado com wna l1~guagem mundana e trivial. Esse modo de agir pode parecer cattco para uma mentalidade muito ordenada, mas, mesmo assim, no me arrependo. Verifico que a estrutura aparentemente ca~ica e dispersa de meus escritos se enquadra bem no assunto deste hvro, uma vez que ele trata do caos enganador na vasta subestrutura da arte. Existe uma "ordem oculta" nesse caos que somente pode ser b~m compreendida por um leitor bem ~fin~do ou. por wn .. ve~d~d~tr~ ffiante da arte. Toda estrutura artstica e essenoalmente pohfomca quando se desenvolve ao mesm~ t~mp~ em diversas camadas su~erpostas e no apenas em wna umca lmh~ . de pensame~to .. .f! por isso que a criatividade exige uma espe~te. de aten~o dtfus~ e espalhada em contradio com nossos hab1tos normats e ~6~1~os de pensar. Seria pedir mu~to dizer que o argumento polt!omco de meu livro dever ser bdo tendo em mente essa atenao de criatividade? No creio que um leitor que deseje enveredar por um caminho singular compreenda a complexidade da arte e da criatividade de modo geral. Sendo assim, por que se preocup~r com ele? At mesmo os argumentos mais persuastvos e mats impregnados de lgica no conseguiro substituir a sua falta de sensibilidade. Por outro lado, tenho razes para esperar que u~ leitor bem afinado com a subestrutura oculta da arte no encontrara dificuldade alguma em acompanhar a estrutura difusa e esparsa da minha exposio.

    H, naturalmente, uma ordem intrnseca na maneira de pro-gredir deste livro. Como a maior parte dos q~~ pensai? segundo a psicologia de profundidade, de parte da supe~f!C1.e conSCJ,ente para os nveis mais profundos do inco~s~ient~. Os pnmetros ~ap1tulos tratam dos problemas tcnicos e proftss10na1s com _que o art1sta se defronta normalmente. Gradativamente, surgem entao os aspectos que d~safiam essa espcie de anlise racional. Por exemplo, os . efe1tos plsticos da pintura (o espao pictrico) com que esto fatml.tanza-dos todos os artistas e amantes da arte acabam sendo determmados por percepes profundamente inconscientes. Fina~ente, eles fogem a todos os controles conscientes. Surge, dessa mane1ra, um profundo conflito entre o controle consciente e inconsciente (espontneo), 0 qual se mostra relacionado. com o conflit~ d

  • 16 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    umao com o universo . .Esse nvel corresponde imagem que Jung

    tinha do mtmdala e seu prottipo da criana divina autocriadora.

    O analista est muito pouco familiarizado com ele, mas, como

    mostrarei, a psicanlise do trabalho criador pode vir a ser um

    melhor instrumento para atacar os mais profundos nveis do fun-

    cionamento do ego criador do que a experincia clnica do analista

    em seu consultrio. Os nveis mais elevados do imagismo poemag6-

    gico alcanam terrenos mais familiares e podem ser associados aos

    nveis de fantasia oral, anal e genital de que a psicanlise clnica

    j tratou extensamente. Mas, mesmo assim, surgem novos aspectos

    estruturais que ultrapassam a ortodoxia clnica. Com o fim de

    auxiliar o leitor, resolvi acrescentar um apndice que resume os

    pontos tcnicos psicanalticos e procurei situar minhas concluses

    dentro da estrutura da teoria clnica de hoje. Mesmo assim, voltando

    ao ponto que citei no comeo, no tem realmente importncia se

    o leitor tiver que pular sobre a teorizao psicanaltica mais tcnica

    que liga meu argumento com o corpo principal da pesquisa psicanal-

    tica. O livro pode fazer valer seus prprios mritos como uma

    anlise esttica da profunda subestrutura da arte.

    O perodo de gestao do livro foi de mais de. doze anos.

    Aos poucos, os diferentes aspectos da subestrutura no-diferenciada

    da arte foram-se congregando. Eu no poderia ter escrito este

    livro em menos tempo. A Bollingen Foundation patrocinou a

    pesquisa com uma bolsa que me foi concedida quando o trabalho

    ainda se encontran em seus primrdios. Sinto-me imensamente

    grato aos dirigentes da Bollingen pela pacincia e indulgncia que

    demonstraram durante todo esse longo tempo.

    LIVRO I

    O Controle do Trabalho

  • 1." PARTE

    ORDEM NO CAOS

    1

    Como a Criana V o Mundo

    O CONCEITO clssico do processo pnmano (que forma a fantasia Inconsciente) nega-lhe qualquer estrutura. A fantasia inconscie~e nao distingue entre os opostos, deixa de articular o espao e o tempo da maneira que os conhecemos e permite que todSOs limites firmes se rundaffi em uma livre e catica mistura de formas. A arte, por outro lado, parece ser a corporificao de uma rigorosa qrganizao. ~ por isso que se diz que a estrutura da arte moldada exclusivamente por funes cobscientes e pr-conscientes, o que rhamado de processo secundrio. Mas isso no resolve o problema. Marion Milner, em sua conferncia no Centenrio .de Freud, Psycho-tmalysis and Art,23 disse que estava no ar uma reviso do conceito

    \lo processo primrio, e isso porque os problemas criados pela nlltureza da arte exerciam presso para essa reviso.

    Desta vez a psican.lise aplicada da arte pode levar a resultados Inesperados que modifiquem a teoria clnica original, algo que no rria novo na histria da cincia. A cincia do corpo humano l11mbm comeou como medicina e remdios, mas logo se ramificou pur disciplinas aliadas e no-clnicas que puco deviam a pesquis~ tlns fenmenos patolgicos e podiam, por 'sua vez, modificar a horia mdica existente. A psicanlise orho a cincia da mente humana talvez tenha agora atingido esse estgio em que as ramifica-\&-! no-clnicas de pesquisas possam pretender ser investigaes Independentes que no necessitem aceitar as teorias clnicas sem ' lualquer crtica. A psicologia psicanaltica do ego - sendQ que

    1

  • --

    20 A ORDEM OcULTA DA ARTE

    o estudo do trabalho criador pertence a esse campo de pesquisa

    tem sido em grande parte alimentada pelas anlises de Freud sobre

    os sonhos, o que, certamente, nada tinha de clnico. Depois de

    um longo perodo de estagnao, essa psicologia do ego comeou

    novamente a chamar a ateno geral, e no seria de estranhar se

    a anlise da arte fosse uma continuao da anlise dos sofili s. -

    Antes de Freud o sonho era considerado como um produto

    de acaso de uma mente meio paralisada. O seu feito consistiu

    em demonstrar seus significados ocultos, ligando-o a um sonho

    latente de fantasia que tinha seu curso por baixo do sonho no-

    -vinculado. Embora defendesse os contedos insensatos dos sonhos,

    Freud nunca defendeu a sua estrutura aparentemente catica. Como

    eu j disse, ele atribua aquilo a um processo primrio que se ...y

    ressentia da falta de uma diferenciao apropriada dos opostos, do

    espao e tempo, e tambm, na verdade, de qualquer outra estrutura

    firme. A , anlise formal da arte pode vir a preencher essa lacuna.

    Os componentes .inconscientes da arte demonstram um caos desa-

    nimador; por exemplo, os rabiscos dos traos artsticos da caligrafia

    ou as contexturas de fundo exibem a mesma falta de preciso de

    estrutura. Tenho sempre me batido em tudo quanto tenho escrito

    que no nos devemos letxrlludir por suas aparncias superficiais.

    -~ode ser que e es sejam apenas me.nos diferenciados, isto , que

    procurem fazer muito ao mesmo tempo e no possam distinguir

    - entre (diferenciar) opostos e articular espao e tempo precisos.

    Mostrarei que a complexidade de uma busca criadora, que tenha

    que explorar um sem-nmero de caminhos, necessita de um avano

    numa frente mais ampla que deixe em aberto as opes contradit-

    rias. Na soluo de propsitos complexos a no-diferenciao d

    "viso inconsciente se transforma em um instrumento de rigorosa

    preciso e leva a resultados que so plenamente aceitveis pela

    racionalidade consciente. Est claro que nas doenas mentais o

    material no-diferenciado desperta do inconsciente apenas para per-

    turbar os modos de pensamento discursivo conscient~ que estejam

    mis nitidamente focalizados; acontece ento que o caos e_ a des-

    truio que estamos acostumados a associar s fantasias dos processos

    primrios no-diferenciados passam a dominar a razo do paciente.

    Em contraste com . a doena, o trabalho criador consegue coordenar

    os resultados entre a indiferenciao inconsciente e a diferenciao

    consciente e assim deixa a descoberto a ordem oculta do inconsciente.

    O trabalho clnico pouco sabe como funciona a sublimao criadora,

    porque ele se limita a interpretar e traduzir o contedo da fantasia

    inconsciente. Uma vez resolvidos os conflitos do inconsciente,

    compete ao automtica do ego sublimar as tendncias reveladas

    do incnsciente para um trabalho til e criador. Esse procedimento

    COMO A CRIANA v~ o MuNDO 21

    ol tlxa obscuro o trabalho criador do ego. O estudo da subestrutura

    lll

  • 22 A RDEM OCULTA DA ARTE

    muito ~~dps primeiros tempos. Uma educao artstica no ~gue remediar isso. o que acon teceu foi que a viso da criana

    -.J::? d~~e -~e~ total e ~incrtic~ para se tornar analtica0 primitiva -vrsao ~mcretiCa _da cnana no diferencia os detalhes abstratos o

    ,)

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    ....___ o, - ' que Ja nao acontece com os adultos. A criana no faz em pedaos

    _menores e abstratos as formas concretas de objetos para depo_is procurar comparar, ~um por um, os elementos de seus sonhos. A SUa viso ainda global e el~ considera O todo

  • 24 A RDEM OCULTA DA ARTE

    { dade por parte das crianas ainda pequenas. _?la pode des

  • :!6 A ORDEM Ocut TA DA ARn

    Se a criana tiver encontrado um apoio adequado aos seus padres estticos num nvel sincrtico, o despertar posterior de sua auto-crtica analtica j no ser to prejudicial. ~a in!il, e !lt(1"" mesmo errado, desencorajar a criana de oito anos quando ela deseja fazer valer suas novas faculdades analticas. Temos apenas que evitar que ela destrua seus pode::res sincrticos anteriores, que con-tinuam a ter importncia at mesmo para o artista adulto. Isso s pode ser conseguido se proporcionarmos criana um ambiente adulto com trabalhos de notveis artistas espontneos como Picas~o. Klee, Mir, Matisse etc. Tal ambiente poder manter a sua velha viso sincrtica lado a lado com a sua nov~cepao _2naftfca. O que no est de forma alguma certo encor~.!... o velho _preconceito da "livre auto-expresso" contra as novas facu~ Se a sua viso sincrtica tivesse sido esteticamente treinada, ela poderia talvez sobreviver aos ataques da nova viso analtica e infundir vigor aos seus cqnsados moldes.

    Ainda tenho muito a dizer sobre a disperso de um foco que inerente viso sincrtica, mas primeiro vamos considerar os moldes de percepo analtica ordinria. Somos forados a escolher uma "figura" sada do mosaico nocdiferenciado do campo visual na qual a ateno se concentre enquanto o resto dos dados visuais recua e se funde em um vago cenrio de fundo de contexto indistinto. A Psicologia Gestaltista j investigou os princpios que governam a seleo e a formao de certa figura de preferncia a outras. Provenientes de uma poro de possveis constelaes dentro das quais se poderiam agrupar os estmulos visuais, temos sempre a tendncia a escolher o modelo mais compacto, simples e coerente, onde se espere encontrar as propriedades de boa geitalt, o que pode ser julgado por nossos gostos estticos habituais. Isso torna a Psicologia Gestaltista dependente da esttica, que no terreno muito firme para se construir uma teoria fundamental. A boa geJtalt se aproxima de simples modelos geomtricos que difiCil-mente se podem encontraf na natureza, mas isso no tem importncia. O princpio no somente governa a seleo do melhor mode::w tirado de dentro do campo visual como tambm o melhora ativamente. As pequenas falhas e imperfeies em uma geJtait perfeita sob outros pontos de vista podem ser facilmente preenchidas ou solucionadas. 1! por isso que a viso analtica gestaltista tende a ser generalizada e no leva em conta a individualidade sincrtica.

    Um pintor; de retratos disse-me certa vez que o treino usual na classe de retratos e modelos vivos prejudicava a obteno _de uma boa semelhana. Somos ensinados a analisar um rosto em termos dos moldes bstratos, e quase geomtricos, que so o equivalente a uma boa gestalt, e por isso as caractersticas individuais

    .OMO A CRIANA V o MUNDO 27

    c os quase imperceptveis desvios de um molde regularizado so nssim ignordos. O retratista me disse omo procurava reinvestir os moldes em um rosto com uma nova individualidade, transfor-mando-os em paisagens imaginrias, tal como na de "um ndio pele-vermelha em sua canoa", e em coisas parecidas. Parece para-doxal que essa espcie de sonhos consiga dar aos objetos uma 11parncia mais individual, embora a realidade; plstica de nossas percepes externas se relacione diretamente com a riqueza da fantasia inconsciente. Freud achava que os sonhos Eeciam bastante r cais, no quando as imgeflsse- mostravam precisas e claras, mas IJUando o sonho fosse apoiado - por um contedo de uma rica I nntasia inconsciente. A mesma coisa acontece com a nossa per-cepo quando acordados. O esquizofrnico, que se acha desligado tlc: sua ambincia, v o mundo vazio e irreal. A viso sincrtica, por se ancorar no inconsciente no-diferenciado, tambm mais plstica e real, embora menos claramente definida, do que a viso nnaltica dos moldes abstratos. O sonhQ acordado que nos traz 11 preguia no precisa ser plstico e real dessa maneira. O retra-tista que projeta uma paisagem dentro de um rosto est plena-mente desperto. O artista tem o privilgio de combinar a ambi-~Uidade do sonho com as tenses do plego estado de viglia. No momento de sua inspirao, a realidade lhe parecer super-real e Intensamente plstica.

    Se quisermos observar refinadas diferenciaes nas formas abs-1 ratas, teremos que projetar dentro delas um significado fantstico. Snbe-se bem que podemos julgar a posio relativa de trs pontos dentro de um crculo com surpreendente preciso se os interpretar-mos como dois olhos e uma boca em um rosto redondo. A menor mudana na posio desses pontos alterar a sua expresso fision-mica, e um rosto sorridente poder transformar-se em triste ou lltneaador, e vice versa. Um copista ser mais bem sucedido se ropiar essa total expresso facial em lugar de prestar ateno a 1elnes com detalhes geomtricos. Isso vem provar, mais uma vez; o poder superior de triagem de uma viso totalmente sincrtica ro a sua melhor percepo de traos individuais, embora no ligue IIOS detalhes abstratos. E nisso que reside o paradoxo da ordem no caos.

    A viso analtica de uma criana de oito anos representa o principio gestaltista plenamente desenvolvido. A criana comea 11 focalizar sua ateno nos detalhes geomtricos abstratos de seus 1lr cohos e a compar-los, um a um, com elementos dos objetos 'IIIC' a rodeiam. Ela j no pode mais dispersar sua ateno para 11 11pnrncia total sem levar em conta os detalhes. A teoria gestaltista rnt voga no toma conhecimento do sincretismo, e proclama "que

  • 28 A ORDEM OcuLTA DA ARTE

    essas tendncias gestaltistas comparativamente tardias so inatas, vm elo bero. A criana, ao abrir seus olhos para o mundo, seria desde logo compelida a articular o cam~o ~is~al em "?Ems" moldes gestal-tistas que sobressassem do todo md~stmto. Feli_zmente~ pel? menos assim pensam os psiclogos gestalt1stas, _os obJetos b1~logKamente importantes tambm possuem boas propnedad~s ge~talt1stas, e por isso a criana logo seria levada a perceber ta1s obJetos. Isso era, naturalmente, um pressuposto terico baseado nas obrigaes ges-taltistas que s so experimentadas nas vises dos adultos. H, . no entanto, casos de pessoas nascidas cegas, ou que _perderam a v1s~a muito cedo, e que vieram a recuperar a viso ma1s tard~ por me10 de operao. Essas pessoas tinham, naturalmen~e, conhec_1me~~ das formas dos objetos por meio do tato e sab1am da Slmpl!Cidade dos moldes geomtricos bsicos tais como. esfer~s e crcu~os, cub~s e quadrados, pirmid.cs e, trin_gulos. A Ps1Colog1a Gestalt1sta pre';a que ao abrir os olhos, ate entao cegos para o mundo, a sua a~e~ao seria logo atrada para as formas que nve~sem esse~ n;o~des bas1~os. Que magnfica oportunidade_ para se obs_erv~r o prm~1plo gestalhsta. em funcionamento para o f 1m de orgamzaao automat1ca _do. c~mp~visual em uma figura ntida, vista de enco~tro .a um campo md1shnto. Nenhuma dessas previses aconteC:Cu! Exemplos colecionados por von Senden 2s mostram as incrveis dificuldades encontradas pelQs pacientes ao se defrontarem, de re~ente: com as complexida~es do mundo visual. Muitos deles ( dev1do a falta de compreensao de suas dificuldades por parte de seus mdicos) falharam em seu propsito e no conseguiram concitar os esfo~os necessrios ~ara organizar o tremendo caos das manchas color!das. J:Iouv~ mmtos que sentiram profundo alvio quando a cegueua os mvadiU nova. mente e permitiu que el~s, ~is ~a vez, me~gulhassem no seu mundo do tato que j conheciam.

    Nunca demonstraram grande facilidade ou inclinao para escolher formas basicamente geomtricas. _A fim ae .distinguirem,-' digamos, um tringulo de um q~adrad?, eles tin~am que "con_tar"

    'os cantos um. por um~ como hav1am fetto ao toca-los quan_do amda eram cegos, e muitas vezes falh~ram la~

  • 30 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    precisos.. Infelizmente, os mdicos e observadores que atendiam ~se pac1ente pareciam hav-lo induzido, como acontecera muitas vzes antes, a buscar modelos precisos que e1e pudesse relacionar com ~ode~os de objetos palpveis j existentes. t mesmo possvel que 1~so tivesse atrapalhad~ o progresso apropriado. O paciente se retirou de um mundo v1sual atravancado com detalhes terrveis e irr:levantes, e depois de _P?ucos anos morreu em profunda de-pressao. No passado, os med1cos erravam seriamente quando, como aconteceu muitas vezes, abusavam dos pacientes em experincias em que ?s mesmos tinham que identificar moldes abstratos que no possu1am, para eles, qualquer interesse libidinoso, e a conseqnica foram grandes sofrimentos e uma dolorosa demora na sua apren-dizagem para ver.

    . l!m~ pesquisa ~ecente, b~eada parcialmente em experincias com :m1mats ~ovens e cnanas mutto novas, d a entender que o animal JOvem nao v as formas abstratas, mas esmia todo o objeto procura de indicaes que so logo ligadas a objetos reais. Para algu~as aves muito novas um mesmo modelo feito de madeira pode sugenr um ganso com um pescoo comprido, se for apresentado .de uma forma, ou um perigoso gavio, se for virado de modo que o pescoo se transforme em uma cauda. Somente a cor serve para iden-ti.ficar amigo, inimigo, os pais ou coisa semelhante. Uma criana amda beb s~rri~ para uma mscara terrivelmente crua que tenha ape~as uma ltge1ra semelhana com o rosto da me, mas mostrar tr" sma1s de medo se no houver tais traos. Esse reconhecimento de objetos mais por traos do que por uma anfse de detalhes abstratos o incio da viso sincrtica. A viso analtica apenas viria obstruir o reconhecimento de objetos. Qualquer movimento que se faa com um objeto poder afetar profundamente a forma abstrata de seus detalhes. O nariz humano parece triangular de perfil e algo sem f~rma quando visto de frente, e as duas vistas nada tm em comum. Podemos facilmente reconhecer um rosto que j vimos de perfil quando ele nos for apresentado de frente (Figura 2). Se a teoria gestaltista fosse correta, e a nossa primeira percepo da realidade fosse analtica e no sincrtica, a dificuldade na identificao de objetos se tornaria enorme. Se conseguimos no levar em conta a constante mudana e perda em detalhes abstratos com tanta facili-dade, isso deve ser porque a misteriosa percepo sincrtica do objeto como um todo pode ser hipersensvel quanto aos traos individuais ao mesmo tempo que despreza moldes abstratos sem significao. ~endo assim, . errado falar da viso primitiva da criana que mcapaz de analisar formas abstratas, quando, ao contrrio, isso ~ma faculdade superior que melhor se presta a um reconhecimento mstantneo dos objetos em si. Quando certa vez falei em uma reunio

    CoMo .A C!u.AN.A V o MuNDO 31

    clr artistas sobre a dualidade do sincretismo e da forma analtica AhStrata, houve um pintor que trabalhava em simples moldes abstratOS JIIC se mostrou indignado. Mesmo assim, ele logo apresentou uma tria que, provavelmente, poderia acontecer com qualquer um de ns. Certa ocasio, ao crepsculo, de sara a passear na praia de "11. lves e111. Cornwall e viu muito ao longe uma silhueta que diflCil-uumte poderia reconhecer. No entanto, ele imediatamente a reconhe-ccu, talvez por uma indefinvel particularidade de postura, como um vrlho conhecido que no havia tornado a ver durante dcadas e que "'hia estar morando na frica do Sul. Teria ele memorizado a forma

    Figura 2. Voltando-se a vista da frente para a do porfil faz-se que se tran'Sformem todos os detalhes do rosto, tor-nando-o irreconhecvel em termos de forma abstrata. No entanto, no se d qualquer mudana na semelhana total. O reconhecimento de objetos reais no depende de uma memorizao de seus muitos aspectos formais. A compreen alo da realidade vem antes dJ3I apreciao da forma abstrata.

    ~~ 11111~1 rica da postura caracterstica daquele. homem? Como _.po 11r1 ht nquele delineamento to vago, ao crepsculo, apresentar um 1111111 lc

  • 32 A RD.I'M OCULTA DA ARTE

    mas de alguma forma a explicao talyez esteja em uma sensibili-da de imagens, de dediferenciao quando descrever o processo llulrulco pelo qual o ego dispersa e reprime o imagismo de super-1 Ir ) A ampliao de novas imagens na arte e de novos conceitos

  • 34 A RDEM OCULTA DA ARTE

    na cincia alimentada pelo conflito entre dois princ1p10s estru-turais que se opem. A anlise do elemento gestaltista abstrato lanada contra a percepo sincrtica do objeto total, focalizando os detalhes contra a triagem complexa, a fragmentao contra a mtei-reza, a diferenciao contra a dediferenciao. Essas polaridades so aspectos do mesmo conflito entre o processo primrio e o secundrio. O novo significado tcnico que dei aos termos " no-diferenciao" e "dediferenciao" pode exigir no somente uma modificao da con-cepo tual do pt:ocesso primrio como tambm do termo "incons-ciente". As imagens se retiram do estado de conscincia no apenas devido - censura do superego a certos contetdos ofensivos; elas podem-se tornar inacessveis somente por meio de sua estrutura no--diferenciada. O paradoxo da viso sincrtica pode ser assim expli-cado. A viso sincrtica pode parecer vazia de detalhes precisos, embora seja de fato apenas no-diferenciada. Por meio de sua falta de diferenciao, pode acomodar uma larga faixa de formas incom-patveis, como, por exemplo, todas as possveis distores de um rosto em uma boa caricatura. No obstante, a viso sincrtica alta-mente sensvel aos menores sinais e se mostra mais eficiente para a identificao de determinados objetos. Impressiona-nos como vazia, vaga e generalizada apenas porque a conscincia que atinge a super-fce estreitamente focalizada no pode envolver toda a sua estru-tura mais vasta e mais totalizada. O seu preciso contedo concreto se tornou inacessvel e "inconsciente".

    2

    As Duas Espcies de Ateno

    A_ COMPULSo gestaltista consciente faz com que dividamos o campo v~sual em duas partes: a "figura" significante e o "fundo" no-signi-ftcante. N o entanto, essa bisseco exatamente o que o artista no se pode dar ao luxo de fazer. S um mau artista ir concentrar a 8ua ateno exclusivamente na composio em grande escala e tratar os elementos de formas menos articuladas como contexturas e rabiscos de "traos" artsticos ~orno ~crscimos decorativos sem significado estrutural. Um verdadeao art1sta concordar com o psicanalista que nada dever, ~er considerado insignificante ou acidental em um pro-duto do espmto _hum~no e '!ue o comum tem de ser invertido, pelo 1~enos em um. mve~ mconsoente. Detalhes superficialmente insigni-f !Cantes ou actdenta1s podem muito bem ser os portadores do mais Importante simbolismo inconsciente. A verdade que at mesmo a wnnde fora emotiva do trao inconsciente mostra bem esse signifi-cado ocult.o e esse si~bolismo (ilustraes 13 e 16). Uma grande obra de ptntura despoJada de suas pinceladas originais por um mau Jtstaurador perder toda a sua substncia. Muito pouco adiantou a r e~taurao da Vitima Ceia de Leonardo da Vinci.

    Em uma obra de arte, qualquer elemento por mais desprezvel 'IIIC seja deve ter relaes firmes com a estrutura total num ema-111hado co~nplexo de linhas cruzadas que se irradiam por todo o pl11n0 da ptntura. No h uma diviso decisiva entre a "gestalt" ou I xura e os simples elementos de fundo. A complexidade de qual-'luer obra de arte, por mais simples que seja, deixa longe a fora da rllrn~o consciente. que, com o seu foco em pontos precisos, s pode ' .unmar uma cotsa de cada vez. Somente a extrema no-diferen-llt~iio da viso inconsciente pode - detalhar essas complexidades. Ela poclt ret-las em um s relance geral e tratar a figura e o fundo 111 igual imparcialidade, e d isso que do testemunho os artistas.

    l,a~l Klee1~ falou sobre duas espcies de ateno praticadas. I'' lo ilrtista. O ttpo normal de ateno se focaliza na figura positiva

  • 36 A RDEM OCULTA DA ARTE

    que uma linha encerra, ou ento, com um esforo, na f~rma .neg~tiva que a figura destaca do fundo. Ele fala da rea e?dotpiCa \mtenor) e da rea exotpica (exterior) do plano da pm~ra, e dtz. que ~o artista pode ressaltar os limites do contraste produztdo pela btssecao do seu plano, sendo que nesse caso ele ~a~ sua ateno a .um dos _ lados da linha que .traar, seja o endotoptco ou o exot6ptco: ~u,_4 ainda mais, ele pode espalhar sua aten~o e olhar a .formaao st~Ultnea das reas internas e extern~ da lmha, uma c01sa que os pstc?-r ogos gestaltistas- conslaraiii impossvel. De acordo com a teorta ' gestaltista temos ~Qe _fazer uroa~scolha: podemos escolher ver a figura, e 'i'a forma do fundo. se torna invisvel, .ou ento, com l:gu.mesforo, podemos esq_uadnnhar a fo~~a negativa que se des-tacou do fundo e, nesse caso, a figura ongmal desaparece. NunCL

    ser possvel vermos ambos os planos ao ~esmo tempo. Na~ralmente ser possvel construirmos modelos deltber~damente . ~?tguos em que a figura e o terreno sejam facilmente .mterca~btave~s. Os famosos perfis duplos de Rubin so um exemplo. Uma lmha smuosa corre no centro de um quadrado. Ela pode ser interpretada como

    Figura 3. 0 perfil duplo de Rubin. As duas fac~ procuram beijar-se sem o conseguir. Quando fixamos a v1sta em um, 0 outro desaparece. Os ornamentos de mudana~ opostas tm essa estrutura; devemos presumir que o artl~ta pode inconscientemente abranger as duas vistas alternativas com um s olhar.

    As DuAS ESPCIES DE ATENO 37

    um perfil virado para a direita, e ento a parte esquerda se torna compacta e a rea da direita um campo vazio; ou ento pode ser vista como um perfil virado para o outro lado e, nesse caso, a parte da direita se torna compacta e a da esquerda recua. S6 possvel ver um perfil de cada vez, e temos que escolher. Mas ser que es-colhemos mesmo? Os moldes ambguos como esse costumam ser chamados ~mudanas opostas e-fm um vlor esttico e educa-cional definido. Alguns ornamentos primitivos nos impressionam como especialmente incisivos _e vigorosos porque so vistos com a mesma facilidade como moldes preto-no-branco ou branco-no-preto. Se os estudantes se qefrontarem com a construo de tais exemplos, 6 possvel que achem a tarefa insupervel, e essa dificuldade faz sobressair os ensinamentos da psicologia gestaltista. Tenho verifi-cado que se os estudantes de arte forem muito rgidos a sua ateno saltar alternativamente entre as reas endotpicas e exot6picas divi-didas pela linha. Dessa maneira embaraosa, eles podem verificar que ambas as leituras possuem sentido esttico, mas essa no a maneira de se chegar a ser um bom desenfiista. De alguma forma, como aconselha Paul Klee, um bom artista deve ser capaz de conservar todo o plano do quadro em um nico foco sem diviso. Ao traar uma nica linha ele estar dando automaticamente uma forma es-t6tica ao negativo que tal linha destaca do fundo. As mudanas opostas representam um caso especial em que o molde negativo conscientemente relacionado ao positivo (ilustrao 19).

    O que, naturalmente, se deseja uma ateno no-diferenciada 1emelhante viso sincrtica que no focaliza detalhes, conservando a estrutura total da obra de arte em uma nica viso no-diferencia-da. A introspeco no nos servir grande coisa. O contedo dessa nteno disseminada surgir em nossa memria consciente como es-sencialmente vazio e em branco. A verdadeira qualidade disruptiva, Inconsciente e potencial da no-diferenciao torna-se evidente pelo uso de moldes ambguos para testes de personalidade. A psicana-lista norte-americana Else Frenkel-Brunswiku achou que certas per-onalidades rgidas e mal integradas reagiam com ansiedade aos moldes ambguos, o que no de surpreender. Da mesma forma que 11 estudante de arte que no pode distrair a sua ateno, essas pessoas 1!0 incapazes de um ritmo suave entre os diferentes nveis de per-' rpo, incapacidade essa que devida a uma dissociao quase (llltol6gica das funes de seu ego. Devido a essa dissociao, o rompi-rnento desfavorvel dos modos de viso no-diferenciados ameaa ll t" rompimento e desintegrao as suas sensibilidades de superfcie g idamente focalizadas .

    H outro ponto: a sua ansiedade tambm pode ser devida ao 1 untedo de id das fantasias inconscientes. Logo que as percepes

  • 38 A RDEM OcULTA DA .ARTE

    no-diferenciadas se tornam inacessveis. conscincia, elas se tomam

    revestidas de fantasia de id, e ento o medo inconsciente dessa

    fantasia' vir reforar a ciso j existente entre os diferentes nveis

    de viso e endurece ainda mais a rigidez do ego. Existe apenas

    uma diferena quantitativa entre uma personalidade esquizide rgitia

    e a superconcreta rigidez do pensamento esquizofrnico. Na esqu~zo

    frenia, o medo inconsciente da dediferenciao pass!l por cima do limite crtico. O ritmo criador do ego, que oscila entre os nveis

    diferenciados e no-diferenciados, cessa por completo. Sob condies

    to extremas um rompimento da . . fantasia no-diferenciada traz

    consigo um caos catastrfico, que geralmente associamos ao processo

    primrio. Estamos comeando a verificar que o caos no inerente

    estrutura no-diferenciada do processo primrio, mas somente ao

    seu impacto em funes de superfcie dissociadas e patologicamente

    rgidas. F O artista tem a facilidade de espalhar flexivelmente a ateno,

    quando mais no seja devido sua necessidade de reter todos os elementos do quadro em uma nica e indivisvel ateno. Ele no

    se pode permitir a diviso fatal em figur-a e campo que lhe im-posta pelo princpio gestaltista consciente. Quantas vezes temos

    observado como um artista se detm inopinadamente e, sem razo

    aparente, d uns passos para trs e examina a sua tela com um

    olhar curioso e vago? O que acontece que a "gestalt" consciente

    no se pode cristalizar. Parece que nada lhe ocorre. Talvez um de-

    talhe Ou outro surja por momentos para logo depois mergulhar no

    vazio. Durante essa ausncia de pensamento parece que prossegue

    uma triagem inconsciente, mas de repente, vindo no se sabe de

    onde, surge um detalhe impositivo at ento ignorado e que estava,

    de certa forma, prejudicando o equilbrio do quadro, e com alvio

    que o pintor d por terminada a sua inatividade aparente. Volta

    para o seu trabalho e leva avante os retoques necessrios. Esse vazio

    completo da triagem inconsciente ocorre em muitos outros exemplos

    de trabalho criador. ~ dessa espcie a ateno dispersa de Paul Klee

    que pode atender figura e fundo nos dois lados da linha. No que

    diz respeito conscincia , no entanto, um vazio, pois o princpio

    gestaltista que dirige a percepo consciente no abre mo do seu

    domnio sobre a figura.

    O "vazio" completo da ateno tambm existe na audio. ~ o

    prprio Paul Klee quem faz a ligao entre pintura e msica. Ele

    chama de "multidimensional" e tambm "polifnic.a" sua ateno

    dispersa que pode abranger todo o plano do quadro, expresso essa que, felizmente, refora a sua estrutura irracional. O ltimo um

    bom nome, pois a audio polifnica tambm se sobrepe diviso

    consciente entre a figura e o fundo. Em msica a figura repre-

    As DuAs EsPCIES DE ATENo 39

    lrlllada pela melodia que se destaca contra um fndo indistinto

    ''" ncompanhamento harmnico. Os msicos costumam chamar de 11rnples acompanhamento os acordes de uma progresso harmnica

    hrm constru.da. Muitas vezes as vozes do acompanhamento formam

    I "'~es melodiOsas paralelas e de expresso prpria. Mesmo assim, a

    I 111 rna comum usada descreve bem o modo ingnuo de se desfrutar msica. E, . ainda mais, isso corresponde s exigncias dos prin-lpws gestalttstas, que exaltam a melodia como a figura a que o

    tlttunpanhamento serve como fundo musical. Em nossa memria

    urnrl pea musical s lembrada como o som de uma melodia. No

    rul,rnto, a percepo artstica, como chegamos a julgar, no ordi-

    rr4rlrL nem presa dentro dos estreitos limites da ateno de todos

    "' dias, nem tampou.co confinada ao seu foco ntido que s pode

    I ru.ler a ~a melodra de cada vez. O msico, assim como o pintor, I 111 que tremar para estender a sua ateno a toda a estrutura

    '"" lcnl, de modo a poder alcanar o tecido polifnico oculto no nrnpnnhamento.

    Diferentemente dos artistas visuais, dentre. os quais somente K Ir r compreendeu o problema, os msicos criaram termos tcnicos

    '

    r ' os dois tipos de audi. O tipo. de ateno normalmente foca-

    ' 11lo s pode apreciar a estrutura polifnica solta como acordes

    h umOnicos s?lidos progcedindo fortemente em apoio da melodia uprrlor dommante. Como os acordes so escritos verticalmente nas

    I AHinn~ musicais, essa espcie de audio chamada vertical e 0 t l(l tlltlo tipo. de ateno mais espalhado (polifnico) ch;mado

    luullcll1tnl, e 1sso porque as vozes polifnicas so escritas horizontal-

    "' rtlt' no lo~~o das cinco linhas. Trata-se de uma terminologia um

    11111111 superf1~1al, e_ purame~te visua!. Dificilmente faz justia aos I r"llrmas pslcologJCos em Jogo. Mutto poucos msicos se do conta lu Vtltio c~mpleto da audio ~orizontal. Lembro-me de que, quando r '' ouv1a ~ssombrado ~s d1scusses ent~e jovens msicos sobre a I 1ffvu ~npactdade que tmham de aprecrar a audio horizontal. li uhvrnmente julgavam que a audio horizontal era to-somente

    1111dt~fio vertical normal multiplicada e julgavam ser necessria 11111 11frno plenamente consciente para todas as vozes polifnicas

    1111'~1110 tempo. H?uve um d~les que alegava pesaroso que 0 1A 111111 CJUC conseguta era segulC duas vozes ao mesmo tempo.

    C hrlr11 twnsnva que talv.ez ouvisse uma terceira voz, mas era notvel

    urnhum deles aftrmava poder acompanhar todas as quatro

    . 11 tom~lcmento normal n~essrio para um som completa-li! h.rrrnOniCO. No entanto, o JOvem Mozart ouviu uma vez uma

    ri p11lr/Onica na Capela _Sistina cuja partitura era um segredo do

    r ' 11u c:nta~to consegum escrev~-~a .t"da de memria, por onde

    ~ tlllr o numero de vozes po!Ifontcas no constitua obstculo

  • 40 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    algum para o jovem gnio. O maestro experimentado tambm pode perceber uma voz dissonante no meio de uma orquestra setn pre cisar recorrer s falhas do som vertical. A meu ver, o engano que aqueles jovens msicos cometiam era confundir audio horizontal com a ateno normal focalizada. Se observarmos a ns mesmos veremos logo que impossvel, em um nvel consciente, dividir noss~o ateno at mesmo entre duas vozes independentes, a no ser, naturalmente, que se procure pular de uma para outra numa tent,.. tiva exaustiva de alcanar uma e outra, mas no assim, certamente, que se deve apreciar a msica. A audio polifnica rio focalizada e vazia para o msico, da mesma forma que para o leigo, s que desse vazio o msico pode extrair toda a informao de q~e ne cessita com a ajuda da triagem inconsciente que j descrevi repetida-mente. Essa informao conseguida to rapidamente que, em re trospecto, o momento de vacuidade esquecido. :S por isso que sabemos to pouco sobre os vazios na corrente perpetuamente osci-lante dos estados de conscincia. O trabalho da triagem incons-ciente continua a ser feito nesses vazios.

    O msico consumado pode permitir que sua ateno oscile livre mente entre os estados de focalizao e de no-focalizao (vazios), ora focalizando precisamente os sons verticais dos acordes, ora desligando a sua ateno para que possa abranger a teia de sons polifnicos soltos em toda a sua extenso. o leigo ingnuo pode-se recusar a abandonar a melodia dominante como a nica matria de sua ateno (vertical). No se sentir vontade ouvindo sinfonias clssicas, pois ali o fio da melodia dominante pode ser apanhado por vrios instrumentos de cada vez, embora nem sempre se enquadran-?o perfeitamente; ,ocorrem brechas e tambm superimposies que 1mpedem que ele consiga uma focalizao estvel numa linha con tnua. O resultado confuso e inquietao. O seu desconsolo no diferente das ansiedades que os moldes ambguos ( contramu-danas) criam nos observadores rgidos, pois tambm estes so devi-dos a um ataque ao princpio gestaltista de percepo focalizada.

    J um ouvinte mais sofisticado no experimentar tal confuso, pois ter talvez aprendido como estender sua ateno em uma ma-neira de ouvir mais horizontal. Dif1cilmente se dar conta de falhas e sobreposies no desenrolar da melodia. No existe uma diferena muito ntida entre a audio horizontal e vertical, da mesma forma que no h um limite definido entre o processo consciente e o inconsciente. Um nvel mental passa gradativam~nte a outro. A osci-lao entre os dois tipos de audio pode ter ou no profundidade. A estrutura da msica clssica diatnica se alterna entre a slida fuso harmnica dos acordes (favorecendo a audio vertical) e a sua dissoluo temporria se ramifica em fios soltos de polifonia.

    As DuAs EsPCIES DE ATENo 41

    A ateno segue oscilando entre uma melpdia sonora apoiada pela solidez vertical das acordes harmnicos e a transparncia sem peso do contraponto polifnico. Os tons dissonantes singulares compo nentes de um acorde podem resistir a serem sugados para dentro do som vertical. Por um momento, les sobressairo e atrairo a ateno para o passo meldico horizontal que "resolve" a dissonncia. Existe certamente um conflito entre os dois tipos de ateno, sendo gue um alimenta o outro. A diferenciao (focalizao) da ateno conseguida custa da dediferenciao _(disperso) e vice versa. A solidez dos acordes harmnicos, facilmente focalizveis, enfraque cida pelo relaxamento do contraponto, enquanto a lucidez e trans-parncia do contraponto so obscurecidas sempre que as vozes caem em acordes slidos e opacos. Algumas vezes as vozes formam bons ncordes ligando-se s passagens lineares simples. Isso acontece muito I rcqentemente nos corais lentos e comoventes na Paixo de So Mnte11s, de Bach. Ainda assim, to fortes e expressivas so as melo-dias que cabem a cada voz nos corais que elas podem eguilibrar o trnpulso para a completa fuso harmnica. A ateno pode ento ultcrnar livremente entre os modos vertical e horizontal. O funciona-11\Cnto mental consciente e o inconsciente so integrados harmo-IIIClSamente de forma singular. No. h urh rompimento mtuo vio-lrnto, como acontece to freqentemente na msica moderna. A \Uitve oscilao entre os modos focalizados e no-focalizados da per 1 ,.,,iio permitem uma espcie de ginstica mental gue imensamente 11 utar para a constituio do ego. .

    Devido a essa bem sucedida integrao talvez possam surgir uovn~ dvidas se a audio pol ifnica e a viso multidimensional de h.lrc realmente envolvem fenmenos inconscientes no sentido tcni-. co, Nenhuma delas d a impresso de um caos no-estruturado ade-rllldo ao processo primrio do inconsciente profundo. 1i um velho J nhkma difcil de tratar, e que surge logo que esquecemos que a tulrwao entre os princpios que se opem devida exclusivamente "'' \IICCSSO de um ritmo do ego criador. Sem isso (como demonstram 11 confuso dos observadores da Senhora Frenkel-Brunswik e a do IIIJ.Ifnuo ouvinte que se defronta com as superposies polifnicas) '' .llllil,qonismo entre os dois princpios no se resolve. Sem esse ~ luc\o criador para a integrao, quase certo que se d a ciso "''' n1 duas espcies de sensibilidade. J mostrei como o artista

    li 111 Ir r111o separa a figura e o fundo. lile desprezar os elementos I "'nlcxturn de fundo como insignificantes e caticos, que possivel-

    111 111r podero ser acrescentados depois que a parte principal da 1111\'""\llCl j(t tiver sido feita. Para resolver essa ciso sria e anti-li!! or,l 1cr(t necessrio o auxlio completo de uma viso vaga e

    I 1111 lJm "trao" verdadeiramente nervoso e aparentemente incon-

  • 42 A RDEM OCULTA DA ARTE

    trolvel que resista a todos os truques e maneirismos proposttats muito apreciado pelos artistas e amantes da arte. De alguma forma misteriosa isso exprime a personalidade do artista melhor do que as suas mais reputadas composies. Ser isso porque essas contexturas no-diferenciadas escondem smbolos inconscientes que se situam (;: para sempre alm da interpretao consciente? Se; co11;1o acredito, a estrutura aparentemente catica do trao disfara alguma ordem consciente oculta, essa ordem astru1da logo que seja imitada-por um esforo consciente, ~ que podr lanar-graves-dvidas sobre a alta confiana dos restauradores que no hesitam em imitar o trabalho do pincel dos mestres de uma forma bastante proposital. Existe um conflito realmente profundo entre os mtodos estudados e os espontneos. Enquanto a ateno consciente do artista estiver ocupada em delinear a composio em grande escala, a sua espon-taneidade (inconsciente) acrescentar as inmeras inflexes .diftcil-mente articuladas. que formam o seu trao individual. Qualquer mudana da ateno consciente para essas minSculas distores, ra-

    . biscos e contextura vir interferir na sua aparente falta de estrutura (ilustrao 17); vir infundir certa medida de boa "gestalt" e assim tirar do trabalho uma de suas mais preciosas qualidades, aquela im-presso de caos no-estruturado de que depende o seu impacto emocional e portanto tambm o seu significado e ordem incons- _k" cientes. No podemos definir a sua ordem oculta assim como tam bm no podemos decifrar o--seu simbolismo inconsciente. O _ seu contedo e os seus pnnpioS--formais de organizao so verdadeira-mente' inconscientes. --

    H muito pouca distncia entre a ateno multidimensional de Paul Klee que abrange . todo o plano no-diferenciado do quadro para a espcie de controle das inflexes no-articuladas e o trao pessoal. O olhar vago e no-fixado do artista presta ateno aos menores detalhes por mais remotos que eles sejam em relao imagem conscientemente percebida. A democracia intransigente que se recusa a estabelecer qualquer distino entre o significado dos elementos que formam a obra de arte pertence essncia do rigor artstico.

    Assim acontece na msica. A os elementos conscientes ar-ticulados se classificam dentro de vrios "sistemas" de escala, ritmo e harmonia. Qualquer coisa que se situe fora desses sistemas fica automaticamente excluda da ateno normal. Existem, por exemplo, as inmeras inflexes inarticuladas da melodia pelo vibra/o, porta-menta, mbato etc., nenhuma das quais articulada bastante para ser includa pela notao musical e, assim, so deixadas para a execuo espontnea do intrp~ete. Contribuem muito para o impacto emocio-nal da msica e fazem, sem dvida, parte de sua estrutura essencial.

    As DuAs EsPCIES DE ATENO 43

    I)~ mesma forma que o mau artista comercial imita um trao arts-lh ,, fazendo tremer a sua mo propositadamente em forma estereo-lll'llda, assim tambm o violinista comercial ou o cantor sem classe he,to trmulos em suas melodias com vibra/o ou portamento aplica-ti indiscriminadamente para conseguir uma sonoridade grosseira-mrnte sensual. Nen~~les conseguir enganar-nos. Um intr-l''"'lc inspirado como Casals;s co!oca um vibrato ou portamento nos

    ~~ ~ lugares certos, em-obdincia aos comandos de uma disciplina tlwlrosa que ele no pode traduzir em palavras.Jsso no torl}.a menos '''" igatria a sua disciplina espontnea. Se ele deixasse que a sua '~'lio consciente controlasse essa aplicao por um esforo cons-elrntc, seu objetivo o desertaria e o induziria a caminhos errados. t.un uma inspeo consciente, mesmo do prprio artista, essas in-rlrxl5es ficariam sendo ento caticas e arbitrrias. Por a se v gue t1 lltcno consciente privaria o intrprete e executante da estrita ''"' iplina de que necessita para moldar toda a estrutura de sua obra.

    e~ possvel, naturalmente, dosar com preciso o vibrato nas boas ~~11rs do canto e chegar a certas freqncias timas, e a esse respeito IA foram feitos bons trabalhos. Est claro, no entanto, que tais va-li\er1 timos esto sujeitos s mudanas de gosto ou de qualquer 1111lto elemento da arte. Os cantores populares se deixam levar a um lrnto vibra/o que seria inaceitvel em cantores de lieder, e tudo isso - 4ha levando a certos maneirismos estereotipados. Quando ouvimos 11111 vibra/o por um grande instrumentista, logo notamos que a sua .,ualidade pode mudar ,at mesmo dentro da mesma execuo. Os rir mcntos de forma espontaneamente aplicados so frgeis e sujeitos Imprevisveis mudanas de sentimento. Um executante pode pron-l~encnte mudar os microelementos inarticulados de sua interpretac elr uma execuo para outra, mas isso no os torna arbitrrios. Qual-'l"l'r mudana fora o executante a refazer sua interpretao de toda uhro. na inspirao do momento, e essa integrao total s pode ser 111111 rolada pelo olhar vago da triagem inconsciente, pois s ela e ~I'IIZ de impedir a fragmentao na superfcie da estrutura da arte. /1 ansigQificncia relativa dos microelementos desafia a articulao l1tii4C i ente, o mesmo acontecendo com os macroelementos da arte, tlr vatlo sua amplitude excessiva. Isso se aplica, por exemplo, nw mestrutura de uma sinfonia quando separada de seus movi-tnrnlos singulares. A to gabada percepo da estrutura total de. llllhl ~infonia est muito longe da capacidade at mesmo de muitos !1 mais conhecidos regentes. A maioria se contenta em moldar "'' frases apenas nos seus mais imediatos contextos, e ess~roced!-

    tnrnlo faz sobressair a fragmentaao

  • 44 A 'RDEM OCULTA DA ARTE

    taltistas neles mesmos, que se contrastam mtidamente em ritmo, harmonia e forma. Mais do que nunca, uma viso no-diferenciada se faz necessria para transcender tais divises ntidas e fazer da obra total um conjunto uno e in~visfvel. Ttmos a impresso d~ q_ue a arte, com certa perversidade, cria tarefas que no podem ser ! ealizadas por nossas faculdades normais. O caos se situa ento perigosamente perto. --

    t/ . Volt~os -o nosso _E!:Qbk_.II!.a principal qe o do papel que ~ mc~ente desemP-enha D.Q CQ!ltrole da vasta subestrutura da

    _ ~ribui.j.Q parece.. catica e inteiramente acidental, mas som:_nte enq~anto confiamos na disciplina presa "gestalt" da per-~_ao consctente. A despeito das precaues includas nos funda-

    1 !Dentos do pensamento psicanaltico, q\!e o torna desconfiadO-" das !.~presses superficiais de caos e acidentes, os estetas psicanalticos

    "). tem fracassad at aqui e sucumbido catica impresso que a subestrutura da . arte apresenta com tantas sedues. Uma vez que nos tenhamos hvrado desse engano, o p~el eminentemente cons-trutivo do processo primrio na arte no pode mais ser ignorado.

    3

    A Triagem Inconsciente

    (I IJUE comum a todos os e~emF).os de dediferenciao estarem Ir isentos de ser obrigados a fazer uma escolha. Enquanto os

    l'llnclpios gestaltistas conscientes foram a escolha de uma "gestalt" I llnitiva como uma figura, a ateno multidimensional de que fala

    1'4111 Klee pode abranger tantoa figura como o fundo. Enquanto a lrnilo vertical tem que escolher apenas uma melodia, a ateno hur lt.ontal pode abranger todas as vozes polifnicas sem escolher thtltjuer delas. A percepo no-diferenciada pode compreender de

    1111111 s vez certos dados que a percepo consciente jamais conse-~ulrta. J uma vez chamei a essas constelaes mutuamente excluden" I de estmtura " . . . ou-ou . .. " do processo primrio. Estrutura 1 dr1tla seria um termo melhor. Enquanto a viso de superfcie rll Juntiva, a viso de baixo nvel conjuntiva e seriada. O que l'rrce ambguo, multievocativo ou aberto em um nvel consciente 1 toma uma estrutura singular seriada com limites muito firmes 1'11 um nvel inconsciente. Devido ao seu campo mais amplo, a ~~-. r > de baixo nvel pode servir de instrumento de preciso para ri trrminar certas estruturas diferentes que ofeream um grande tlllrllt'r'o de escolhas, estruturas essas que surgem regularmente em l""''tuer busca criadora.

    A eficincia superior da viso inconsciente na triagem do campo Yh1111 l completo j foi confirmada por experincias em viso latente.

    uhliminar" apenas mais uma palavra para inconsciente, com um nurur diferente somente porque ainda relutamos em reconhecer uma l'"'lulade inconsciente s imagens que se tornaram inacessveis so-

    tllrHIC' por causa de sua estrutura no-diferenciada. Pode-se falar de 1111111 represso formal "estrutural" que fornea uma qualidade incons-lrutr as exposies taquistoscpicas de frao de segundo e s

    IIIIIIHt'tiS subliminares totalmente invisveis. Quando a exposio de lu~~~ de segundo ainda visvel nas experincias taquistoscpicas hll\11111. abaixo de um limite crtico, a imagem desaparece e a tela

  • 46 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    se torna vazia. Charles Fisher, um psicanalista de Nova York,10 apre-sentou os perfis de Rubin a que j me referi subliminarmente e pediu que os observadores fizessem seus desenhos por livre as-sociao. (Dessa maneira, usou ele o mesmo atalho que Freud j usara, depois de ter abandonado o hipnotismo, como meio de chegar ao inconsciente.) Os desenhos apresentados mostraram um significa-tivo nmero de imagens em que dois objetos se defrontavam da mesma forma que os dois perfis. Tornava-se bvio que a exposio instantnea havia sido suficiente para a viso subliminar se dar conta das formas positiva e negativa ap mesmo tempo. A viso inconsciente prova assim ser capaz de esmiuar estruturas seriadas e juntar mais informaes do que uma pesquisa consciente que du-rasse cem vezes mais. A viso subliminar registra, com imparcial acuidade, os detalhes, quer eles pertenam ao fundo, quer figura. A sua lendncia para modificar a preferncia consciente para a figura e prestar mais ateno aos elementos texturais' e de fundo. Tal deslocamento de nfase uma das caractersticas do processo primrio. As imagens subliminares fazem s vezes parte de sonhos subseqentes e mostram traos ntidos de condensao, desloca-mento, representao pelo oposto, fragmentao, duplicao e outras tcnicas do processo primrio, mas ainda isso no o torna catico. Uma vez alcanada a dediferenciao, as mais amplas estruturas seriadas de imagens de baixo nvel se acomodam de boa vontade e, na verdade, mostram conter desde o princpio muitas possveis va-riaes da constelao gestaltista originalmente escolhida. O que importa em nosso contexto o fato de que a estrutura no-diferen-ciada da viso inconsciente ( subliminar) est longe de ser fraca-mente estruturada ou catica, como sugerem as primeiras impres-ses, mas mostram as foras de tt.agem, que so superiores viso consciente.

    Talvez um dos exemplos mais elegantes em arte de uma estru-tura seriada no-diferenciada, que desde o princpio contm um nmero ilimita~o de variaes, seja conseguido pela tcnica de seria-lizao na msica moderna. Na serializao, os mesmos elementos so misturados em todas as seqncias possveis, de modo que suas afinidades se tornam muito obscurecidas para a audio consciente, mas mesmo assim os compositores afirmam e insistem que, ao con-trrio das_ aparncias, todas as variaes so mais ou menos equiva-lentes. Schoenberg, que foi o primeiro a fazer uso da serializao sistemtica, concordava que sua equivalncia era reconhecida apenas inconscientemente. Em uma "variao" clssica de um temll muitos elementos podiam variar livremente, mas normalmente se conservava a seqncia da progresso harmnica. Para o ouvinte leigo, o "acom-panhamento" harmnico despercebido da melodia era assim elevado

    A TRIAGEM INCONSCIENTE 47

    para vir a se tornar a estrutura essencial da msica, uma inverso _ urn tanto clara dos valores musicais ingnuos e uma estreita inte-ICn\o entre a melodia e a harmonia tambm se mostrava explcita: u melodias se tornam estreitamente relacionadas se partilharem da mrsma subestrutura harmnica. H muita dvida quanto s preten-a&s de que a melodia representa a "gestalt" consciente da msica I rente a um significado mais profundo. A serializao' afasta qual-'lllcr resto de uma mesma seqncia e sistematicamente ataca qualquer vctlgio de uma "gestalt" de superfcie. J afirmei que a conser-Ytl~lto da seqncia temporal o princpio da "gestalt" acstica. As 111rlodias podem ser transpostas, e o seu carter-chave modificado;

    111' s permanecem reconhecveis enquanto os passos meldicos prrmanecerem os mesmos. Uma.,vez que se tenha tocado nessa se-qMncia, invertendo-se, por exemplo, uma melodia do fim para o omeo, o tema perde toda a sua identidade. Mesmo assim, Schoen-ll(rg considerava essa inverso como a mais caracterstica variao Ir seu tema. Para de, as doze notas da escala cromtica constituam 11 Irma eterno que continha, desde o princpio, o nmero ilimitado "" permutas que se acredita preservarem intacta a identidade do Irma. Defrontamo-nos, mais uma vez, com o caos do processo pri-lll~rio que trata a coeso espacial e a temporal com o mesmo des-1'111.0 cavalheiresco. A identidade da seqncia temporal como o ptinclpio de uma "gestalt" acstica corre paralela, na viso, com - Identidade da distribuio espacial. ~ difcil reconhecer um objete Ir cnbea para baixo e quase impossvel se a afinidade espacial entre r111 elementos for embaralhada, mas isso exatamente o que acon-lf'c c com os retratos de Picasso e suas conglomeraes arbitrrias da ltJolllrn humana. J mostrei que uma viso sincrtica total que for 111 o-diferenciada no arranjo de seus detalhes poder transcender a ltuprcsso catica e reconhecer a semelhana e a inviolvel in te i reza .!11 rorpo humano.

    Os crticos de Schoenberg ou de Boulez se queixaram com 11111i11 razo de que era impossvel, com os meios ordinrios de pt~dno, reconhecer a ordem submersa de serializao, pois ela 111 ,Jt I diretamente todos os meios conscientes de continuidade. Esses 1 dttws no se deram conta do ponto essencial: que a serializao ptrlcncltn a derrota dos poderes conscientes de apreciao. Encon-11111111 nos diante de um caso em que o intelecto se volta contra de 1111 mo. Sendo assim, o compositor e o ouvinte tm que recorrer Y'""'''lliio no-diferenciada, que pode abranger com um s olhar h11l~ ~~ complexa estrutura seriada das possveis permutas. Mostrarei A 1r,_111r c1ue a escolha de um tema para uma fuga aceitvel tambm llnplu,, uma compreenso intuitiva e no-intelectual das muitas com-lltiA\1\r polifnicas que tal tema possa atacar. Pode-se afirmar como

  • 48 A RDEM OCULTA DA ARTE

    uma lei geral psicolgica que toda busca criadora significa mostrar vtsao interior uma multido de possveis escolhas que derrotem completamente a compreenso consciente. A criatividade permanece estreitamente ligada ao caos do processo primrio. Depende inteira-mente de nossa reao s nossas faculdades racionais se nos vamos defrontar com o caos ou com uma ordem altamente criadora. Se elas podem ceder mudana de controle de uma focalizao cons-ciente para uma triagem inconsciente, o deslizamen.to do domnio consciente apenas registrar {sentido) . A momentnea ausncia do esprito ser esquecida na medida em que a mente criadora voltar superfcie com uma viso ntima reconquistada. Se, no entanto, as faculdades de superfcie reagirem com rigidez defensiva e insistirem em julgar o contedo de dediferenciao desde seu prprio e restrito foco, ento o imagismo da visualizao de baixo nvel, mais espalha-do e difundido, nos impressionar como vago e catico. Na doena, as faculdades de superfcie tendem a reagir defensivamente dessa maneira e tambm a desabar catastroficamente quando tentam re-sistir ao mpeto de fantasias e imagens no-diferenciadas. O pavor esquizide ao caos se torna numa terrvel realidade psquica, ao mesmo tempo em que o ego se desintegra.

    Vamos primeiro tratar do bom funcionamento do ego criador e observar a sua fecunda alternao entre modos de funcionar dife-renciados e no-diferenciados. Qualquer busca criadora, de uma nova imagem ou idia, envolve o exame de possibilidades que s vezes

    J chegam a nmeros astronmicos. _ ~J{J . A escolha correta entre esses nmeros no pode ser feita p01 Se tentarmos ISSO estaremos perdidos. U~ busca Criadora se parece ~

    1' a um emaranhado .&.o~_mu.itos po~tos nod~is (Figura 4). De cada

    _,y um ?ess:s pontos se uradtam muttos cammhos possveis em todas as treoes e que levam a novas encruzilhadas onde surge outra ~de cannhos de toda sorte. Cada um desses -pontos tem a mesma importncia crucial para o progresso subseqente. A escolha se tornaria fcil se pudssemos comandar uma vista area de toda a re~e de pontos nodais e de caminhos radiais ainda pela frente, mas tsso nunca acontece. Se pudssemos traar um mapa do caminho nos~a. frent~ j no seria preciso qualquer outra busca. Dessa forma, o espwto wador tem que tomar uma deciso quanto ao caminho a segwr sem contudo possuir todas as informaes necessrias para tal _escol?~ A estru~ura de um problema matemtico um exemplo mutto mttdo. O wador tem que examin-lo detalhadamente, sem qualq~er esper~a de conseguir uma viso clara. Digamos que uma equaao algbnca tem que ser transformada por um nmero de etapas consecutivas at que assuma a forma que possa ser reconhe-

    ~ TRIAGEM INCONSCIENTE

    I

    / /

    / /

    / /

    / /

    ~--------------------/

    caminhos alternados terminais "abertos"

    pontos nodais e terminais sem salda

    ,-----'

    /

    ' ,. '',..../

    / ' /

    Figura 4. Um emaranhado (estrutura seriada) de uma busca criadora . O esprito c.riador tem que avanar em uma frente nmpla deixando muitas opes em aberto. 1l preciso que ele ganhe um ponto de vista que abranja toda a estrutura do que tem pela frente, sem conseguir focalizar possibilidades isoladas.

    49

    ti tia como a soluo de certo problema no-resolvido. Cada trans-lulllii\no possivel abre um nmero ilimitado de novas transfor-lll-'.lk8, algumas fecundas e outras que acabam em um beco sem tllftlll . flst claro que existem regras estritas que governam as trans-luum&~lScs algbricas, mas elas no dizem quais so as traosformaes JlOIfvds que se mostraro frteis no final. Para que se possam 11vallar M possibilidades fecundas de cada nova medida ser preciso 1ur, tlc alguma forma, nos antecipemos a todo o caminho que temos

    1 I~ I rente, sem que, todavia, seja possvel encontrar uma soluo

  • 50 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    A clara devido ao grande nmero de mtuas possibilidades exclusivas. A soma total ser uma estrutura seriada tpica que extravasa do

    yrj" foco estreito da ateno normal. Isso sigt:tifica que Q_!!_lat_smticod '\ criador, como acontece em todos os verdacleiros. problemas originais f na arte e na-. cincia, tem que tomar as decises certas sem possuir

    \ todas as informaes de que necessita. O matemtico Hadamard,1~ que se tornou interessao na psicologia do pensamento matemtico, declara taxativamente que ~que!:_ tentativa _p_ara visualizar o ca- .(1-minho a percorrer s nos faz seguir pistas erradas; a deciso deve seCCieixada ao inconsciente. I~so implica a minha hiptese de gue

    \7

    / a visualizao inconsciente est mais preparada para a triagem das estruturas seriadas complexas de um novo. argumento matemtico. Hadamard admite que o estudante no pode comear eliminando a sua ateno consciente. Primeiro, ele tem que aprender as regras

    - conscientes que governam a transformao matemtica e dever conferir bem cada passo de acordo com tais regras. ~ntudo, certo ponto em que ele ter que se haver com a criatividade ~rge e ser ento forado a abandonar a visualizao p.cecis~. Em lugar de se concentrar em cada passo, ele ter que alcanar e compreender a estrutura total do argumento em comparao com qualquer outra estrutura possvel. Ter que visualizar sincretica-mente a estrutura total, embora no possa olhar bastante longe sua frente para ver claramente as escolhas detalhadas e as decises que o esperam. Nas palavras de Wittgensteid: sua viso d~ve abranger tudo, embora no veja os detalhes claramente. Hadamard, como Poincar antes dele, declara categoricamente que necessr~ obscurecer ..a-...er.JU:ia conscincia_ para tomar~ ~o acertada, mas, .turalinte, essa conscincia vaga no suficiente 'Seno '"leVar a uma mudana de ateno de viso no-focalizada de baixo nvel.

    A dissociao esquizide das funes do ego incita uma ne-cessidade excessiva de visualizao clara e caracterstica de uma personalidade rgida no-criadora que no pode prescindir de seu domnio sobre as funes de superfcie. Ironicamente, o ensino aca-dmico habitualmente- d muito valor precisa visualiza~o do ~o e aos seus resultados. Um bom profissional em qualquer esfera de saber se torna notvel quando controla com perfeio o processo de trabalho, e espera-se que ele se d conta do que tem pela frente e escolha os caminhos mais diretos para o resultado desejado, ambies essas que so dignas de elogios nos principiantes, mas que se tornam sem sentido e prejudiciais logo que o profissional tem que resolver algo verdadeiramente original. 1 A j ele pode ter somente uma viso que abranja tudo, embora no claramente detalhada, da mesma forma que a misteriosa viso sincrtica que pode ser precisa na percepo de uma estrutura total cujos componentes sejam intercambiveis.

    A TRI.A.GEM INCONSCIENTE 51

    A necessidade exagerada de clara visualizao ser_ a: mes~o 1rrjndicial no desenrolar de jo?os de simples _combm~oe~ ass1_?1

    11110 0 bridge ou o xadrez. Os J9~os basead~s em c?mbmaoes nao llvrrgem da operao criadora. Ex1g~n: tambm a tna~e~ de est~

    h1r.11 seriadas para que se possa deod1r sobre _a estrateg1a a segwr. Um jogo de bridge pode-se dese~volver de m~utas ~ormas, conforme a distribuio das cartas, e para JOgar certo e prec1so que se levem

    111 conta todas as possibilidades nessa distribui~o. Tu~o. C! que 1n.tc acontecer com isso representa estruturas sena~as hp1cas. Eu ltre'lprio, como mu jogador que sou, tenho q~e considerar todas as

    1ntclaes possveis, uma por, uma! para a!mal acabar f~zendo o 1111 c errado. O meu fracasso e dev1do a nao poder ampliar o e~hrllo foco da'" ateno normal de todo dia e somente poder consl-1 1 ~r uma distribuio de cada vez. O jogador experime~tado,

    1111uuidor de um misterioso domnio sobre as cartas, pode_ considerar 111!11, as distribuies importantes num relance, como se ttv~sse tudo 1 nl ro de sua viso. Se lhe pergunt~semos com~ consel?;u~ o se~ f llct c 0 que se passara em seu espnto ao exammar a estrutura 1 terta jogada, possvel que ele no soubesse r~sponde_r. ~ua li nlo estava desligada ~ enevoada, enquanto a tnagem mcons- d ,.-lrntc trabalhava nas profundas camadas de sua mente. Qualqu~r

    1 nllttiva para uma visualizao mais precisa seria para ele mats 11nlusa como acontece em uma busca criador~. S:_ no mome~to 1111 ittl da escolha procurarmo!. a_yaliar. uma s1tua~o. com mUlta lrNil, estaremos automaticamente estreitando o O~Jehvo de no~sa aiPII~O e assim nos privando da fculdade de tnagem de batxo nlvrl de que depende a escolha a~tada.

    Os jogos raramente repr~se~tam uma _atividade cr!adora,' poi_s li 11 nmero de escolhas posstveJs, por m_a1~res 1ue seJam, e ltmt-llelo pelas regras do prprio jogo., Es_se limite nao ex,tste na obra rllldora, pois ela gera as suas propnas regras que so po~em ser 1111uC"idas depois de terminado o trabalho. _A estrutura, ~enad.a da t1111111 deve sempre conter variveis tlesconheodas e ~ ~sp1r!to cn~~or

    I v , de alguma forma, poder acomod_-la~ se_m p~ejutzo a pre~tsao. CJtt~ndo eu disse que o pensamen~o cna~or 1mphcava. a capa:t~ade I lhtlar com material de natureza 1mpreosa com a maw~ preos~o, ~

    111,. 111 tinha em mente eram essas variveis abertas . .Ja. me~cwne1 111111 11 percepo gestaltista tende a fechar brechas e el1m1nar _tmper-

    f 1 lir que marcam um material de outra forma coerente e stmples. 1 ~ rxtmplo, difcil perc~ber de~:ltre uma fileira d~ ~rculos per-

    f u11 nwnte iguais o crculo 1mpcrfe1to que tem uma llge1ra falha ~a 1 munferncia. A "lei de fechamento: p~s~lada ~ela teona

    1 tth ita sempre tender a ~erminar e simph_fJ,c~r as 1~a~ens e 1ur1tns do pensamento consCiente. Ela torna dtfJC~l, s~ nao '.~pos-

    1 1, para 0 pensamento racional tratar de matenal aberto sem

  • 52 A ORDEM OCULTA DA ARTE

    arrerilat-~o pre~aturan:te_nte. U~a reviso secundda poder dar a tal. matertal maJor. prectsao e sohdez do que ele, na verdade, possui, e 1sso nos podera levar a resultados errados. Uma visualizao de baixo nvel, em comparao, estaria mis prparada para tratar com formas abertas e assim evitar as armadilhas preparadas pela "lei de fechamento". Os . gedhletras, os arquitetos, os lgicos que quase s tratam com matertal de ~ forma q~ase perfeita, precisam aprender a se precave.r cont:a :ssa le1. Todos tem a tendncia para "idealizar" o s:u matertal e sao IDtoier:mtes, muitas vezes, para com a fragmen-ta~a~. Por ~emplo, os l8Jcos, preocupados como so pelas imper-~e1oes da li~guagem corrente, procuram aperfeio-la e tom-la um mstrumento 1deal para descrever a verdade e a realidade. Em sua ltipta ~bra, ~ittgenstein reconheceu que sucumbira a esse desejo de 1deal1zar a lmguagem e a uma necessidade quase compulsiva para lhe dar um mximo de clareza. Rejeitou o seu famoso Tractatus um livro em que reside ~ maior fY.~.rte de sua reputao. Ele havia pensado primeiro que poderia descrever a preciso inerente lin-guagem comparando a sua estrutura lgica com a estrutura de um quadro. Foi essa a famosa "teoria .d~ quadro" relativa linguagem. Ele .pensava

  • 54 A RDi CULTA DA ARTE

    presente" (pargrafo 197). Nunca precisamos conhecer todo o uso de uma palavra para poder compreend-la num relance. Muitas vezes o que acontece que a info,rmao detalhada ainda no est l. O importante que_ saibamos como nos haver no jogo da linguagem, embora~ como nos Jogos de verdade, no possamos antecipar todos os mov1mentos possveis que sejam permitidos pelas regras que ainda estamos elaborando.

    O paradoxo de Wittgenstein se resolve com a introduo do conceito de triagem inconsciente. Em estado consciente, jamais con-~eguiramos per~eber todos os usos futuros de uma palavra, mas ISS

  • A ORDEM OCULTA DA ARTE

    deseja _adquir~r primeiro_ a necessria habilidade profissional para regulartzar e tgualar a aao de seus dedos. ~ no se der conta das inflexes espontneas de seu desempenho, ele estar matando o -es.::-ptrilo da msica viva. No estar ouvindo o que lhe diz o seu prprio corpo nem estar respeitando a vida independente de seu trabalho, e a conseqncia inevitvel disso ser o seu fracasso como artista. A criatividade est sempre ligada ao momento feliz em que podemos e~ue~er todo, ~ control~ consciente. O que nunca se compreende ~m e o legthmo conflito entre duas espcies de sensibilidade, o ~telecto consciente e a intuio inconsciente. Uma sensibilidade v~ve! da .outra, sempre que a rigidez do ego produzir a sua disso-ctaao, e tsso ser aumentado com um mau ensino de arte e uma espcie errada de ambio.

    No representa vantagem alguma se o pensamento criador tiver que tratar com elementos que so intrmsecamente precisos como dia-gramas geomtricos ou arquitetnicos. As formas quase perfeitas destes se valem muito do princpio gestaltista e de sua lei herm-~ca, e .resistem diferenciao necessria a uma frutfera triagem mconsctente. Hadamard chegou concluso de que o uso de dia-gramas em Geometria - naturalmente que me refiro s invenes criadoras - pode levar a caminhos errados porque a sua nitidez tambm ap~esenta possibilidade de obscurecer a complexidade,( a es-trutura se nada) de um problema. :Ele se exercitou para ignorar a boa "gestalt" de tais diagramas e propositadamente desviou a sua ateno para alguns detalhes insignificantes. A destruio subjetiva da boa "gestalt" necessria at mesmo se o material a ser usado objetivamente possui essas boas qualidades.

    . ~m ~ c~puto mecnico no-

  • 2.a PARTE

    O CONFLITO CRIADOR

    4

    O Motivo Frtil e o Feliz Acidente

    A PESQUISA criadora se processa por passos e estgios; cada um deles representa um resultado provisrio que ainda no pode ser ligado a qualquer soluo final. Mesmo que se fornea logo a soluo pro-posta,. como aco~tece na busca pela prova de uma proposio de ~e?tahva, o c~mho pa~a ela desconhecido. Euler, que tinha um Jeito todo e~peCial para mventar novas provas, muitas vezes escolheu ~ rotas maiS escu~as que, num nvel consciente, nada tinham a vet d1ret~ente ~om o resulta_do final. Inventava smbolos obscuros cujas funoes prec1~as s sur~Jam d~pois que a prova estava completa. Esse uso de ~u~1bolos esta perf~1tamente de acordo com Wittgenstein em sua desc~tao de um uso cnador de linguagem em que o sentido e~ato ( funao) das palavras s se tornaria conhecido no seu. uso fmal. ~ pe?s~ento criador tem que tomar decises provisrias sem c?nsegwr ~Jsualizar a sua precisa afinidade com o produto acabado. !a descrevt como ele consegue extrair desse material semi-acabado Informaes 9ue s_o ~Imito m~is do que o seu valor aparente. Con-serva a sua VJsuahza~o consCiente intencionalmente imprecisa e en-volta em n~vens e de1xa que a triagem inconsciente o guie ao longo do seu cammho.

    . Um crtico americano se queixou a mim do conceito usual de PI?t_ura de ao que se preocupa exclusivamente com os msculos. Dtzta que, embora foose verdade que o pintor de ao no podia prever com preciso o resultado final, ele se preocupava sempre com o estado de seu quadro em todos os seus estgios, pois cada um

    o MOTIVO FRTIL E o FELIZ ACIDENTE 59

    I Ir, lhe impunha novas escolhas e decises que eram imprevi-1 ri logo de sada. Espero que o leitor j tenha reconhecido que

    1 r.spcie de descrio serve para qualquer forma de trabalho 1111l11r. No entanto, ser guerer obscurecer o prprio problema se li llllOS que o esiJrito criador indiferente quanto ao resultado

    tl11 d O pesquisador de mentalidade criadora se preocupa muito, hu,llmente, com o efeito que suas decises provisrias possa " 1r no resultado final, mas a expectativa um nus com que ele

    1 111 dt arcar. Stanley W. Hayter, o pioneiro da gravura moderna, I , l l vcu uma vez numa conferncia como conseguira, em suas ul1 , dominar o profissionalismo tacanho da gravura tradicional.

    I Ir IIISlrua seus alunos para que trabalhassem em estgios suces-1 ,,, ~em planejar antecipadamente a composio. Em cada estgio, 1 11rc1a algum novo motivo ou processo tcnico. Os estudantes

    l111i111n que inventar primeiro um motivo nico para depois equili-lt In com um contramotivo que enriquecesse o primeiro e acres-

    ulav,,, a cada passo, ndvas idias e tcnicas. Havia uma misteriosa 111 lgica no crescimento gradativo da composio. Cada passo

    IUIi 1 ,, mesma importncia crtica, embora isso no se percebesse 111 pll'ciso na ocasio. Se o aluno fizesse a coisa certa, isso apres-11 1 11 fluxo de idias, mas se le tomasse o caminho errado suas I 11 logo se extinguiriam e o trabalho pararia prematuramente.

    11111 cm todo trabalho criador, o estudante tinha que tomar a de-'' 1 nrreta, embora no possusse, na hora, a informao ne-

    I lm "motivo" verdadeiramente frtil, tanto na mus!Ca ou no 11~11111 wmo nas artes plsticas, tem muitas vezes algo incompleto e

    o1 rrn volta de sua estrutura. Traz a marca da viso no-dife-lliui,L ttue a criou em primeiro lugar e que orienta o seu uso. 1 1 I rutura aberta imperfeita est muito longe da forma n'ttida-

    1111 compacta do material lgico, geomtrico e arquitetnico qhe '' necessidades gestaltistas da viso consciente. Um moti:Vo

    til, por meio de sua estrutura no-diferenciada, muitas vezes 11 uma satisfao esttica imediata e, como justificativa para

    'l'nllta para o seu maior desenvolvimento no futuro. Um bom 11111~ical raramente uma boa e expressiva melodia, mas uma ttu tenhamos ouvido toda a sua execuo talvez j no nos "l'l"ll(mos mais, em retrospecto, com o que o tema tem de ruim I tlltpcrfeito, pois tudo isso se justifica pelos ltimos desen-

    1 l111111lo~, sendo mesmo possvel que eles j se encontrassem in-1 '' 1olro no tema original. A lei gestaltista de "clausura" que 11(

    1 11111,0. viso de superfcie sempre far tudo para eliminar as

    1 ri l ~ltc~ e polir premturamente a estrutura, impedindo assim rl fl~c 11volvimentos. :S to difcil nos agarrarmos s imperfeies

  • 60 A ORDEM OcuLTA DA .Altn

    de um bom tema como _invent-lo originariamente. Felizmedte, o criador espiritual se sente vontade nesses profundos nveis mentais onde o princpio gestaltista j no exerce mais presso. Para ele, qualquer pedacinho insignificante de uma melodia pode conter a chave de toda a estrutura que vir a surgir, e com muito mais segu-rana do que uma melodia bem acabada ou uma composio ela-borada com o mximo cuidado. H um princpio geralmente aceito na educao artstica segundo o qual o estudante deve aprender a resistir atrao esttica de algum detalhe feliz que foi alcanado muito cedo; ele deve ser capaz de destru-lo para assim salvaguar-dar a integridade do todo. Um poeta inspirado deve aprender a eli-minar as oportunidades de uma frase pomposa da mesma forma que o compositor tambm deve resistir seduo da sonoridade sem valor, que agrada ao nosso amor pela beleza e em ltima instncia s exigncias do princpio gestaltista ( co5.sciente) .

    ~ impossvel fazer uma anlise da futura ferti lidade de um motivo. Isso um fato, mesmo onde existem regras para o seu de-senvolvimento como numa fuga ou num soneto. A escolha de um bom tema para uma fuga algo extremamente importante, mas no existem regras conscientes que ajudem a fazer a escolha certa. Seria preciso que esquadrinhssemos intuitivamente toda a complexa tessi-tura polifnica com a qual ele se entrelaa. Bach era muito admira-do pela facilidade com que inventava ou tomava emprestado um bom tema. Esse seu dom parecia to extraordinrio para os seus con-temporneos que chegaram a acreditar que ele tivesse alguma espcie de receita secreta que lhe havia sido transmitida atravs das geraes de sua grande famlia. Naturalmente nada disso existia, mas esse relato faz sobressair o nosso reconhecimento tcito de que a anlise racional de um motivo no pode avaliar os seus usos futuros. Acha-mo-nos frente a frente com o mesmo problema j to bravamente levantado por Wittgenstein no uso l~ico das palavras.

    No h qualquer receita definida para quebrar a regra perni-ciosa do desgnio preconcebido e para liberar a viso difusa e de-sarticulada do inconsciente. Miguel Angelo, que foi um artfice su-premo, comeava s vezes com um esquema inteiramente tradicional, mas em suas mos esse mesmo esquema crescia e assumia propores gigantescas. Adrian Stokes, em seu livro Michelangelo, A Stttdy in th6 Nat11re of Art,81 apresenta uma explicao convincente como, inconscientemente para o prprio Miguel