A Onerosidade Excessiva No Direito Civil Brasileiro Luiz P

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o artigo trata da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro, abordando situações que extrapolam o cotidiano ônus à parte.

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Texto em 16.3.2010

LUIZ PHILIPE TAVARES DE AZEVEDO CARDOSO

A ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRODissertao de mestrado

PROFESSOR ORIENTADOR: ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO (JAN/2007-NOV/2009)CLAUDIO LUIZ BUENO DE GODOY (NOV/2009-MAR/2010)

FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SO FRANCISCO UNIVERSIDADE DE SO PAULOSO PAULO 2010

LUIZ PHILIPE TAVARES DE AZEVEDO CARDOSO

A ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRODissertao apresentada Banca Examinadora da Faculdade de Direito do Largo So Francisco da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de mestre em Direito Civil, iniciada e desenvolvida sob a orientao do Professor Titular Antonio Junqueira de Azevedo, de janeiro de 2007 a novembro de 2009, e finalizada sob a orientao do Professor Associado Claudio Luiz Bueno de Godoy, de novembro de 2009 a maro de 2010.

SO PAULO 2010

2LUIZ PHILIPE TAVARES DE AZEVEDO CARDOSO

A ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRODissertao de mestrado em Direito Civil

BANCA EXAMINADORA

FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SO FRANCISCO UNIVERSIDADE DE SO PAULOSO PAULO 2010

A meus pais,Maria Ins e Luiz Reynaldo

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Associado Claudio Luiz Bueno de Godoy, por ter aceito finalizar a orientao desta dissertao, e que com suas observaes contribuiu de maneira determinante para a melhoria de seu contedo e estrutura.Ao Professor Doutor Renan Lotufo, pelas observaes no exame de qualificao, pelos ensinamentos no convvio dirio e, principalmente, por ter dado o impulso decisivo para minha ps-graduao e o apoio constante durante a feitura deste trabalho acadmico.Ao Professor Doutor Joo Alberto Schtzer Del Nero, por todo o conhecimento que me propiciou, desde as aulas ministradas na graduao, passando pela ps-graduao e pela oportunidade de estgio em docncia, at o exame de qualificao.Aos funcionrios das bibliotecas e da secretaria de ps-graduao da Faculdade de Direito do Largo So Francisco da Universidade de So Paulo, por terem viabilizado o estudo e as formalidades necessrias a esta jornada.Aos colegas de escritrio, Professora Doutora Maria Alice Zaratin Lotufo, Ana Flvia, Joo Lus e, especialmente, Valria e ao Gilberto, pelo saudvel convvio dirio e por toda ajuda durante esse perodo.Aos meus pais, meu irmo, meu av, minha namorada, e toda minha famlia, pelo incentivo, pelas inumerveis ajudas e pela necessria pacincia.Aos colegas mestrandos e doutorandos, pela superao e ajuda mtuas na ps-graduao.

E a todos os professores, colegas, amigos, que fizeram parte desta caminhada,agradeo.

Agradeo, enfim, ao Professor Antonio Junqueira de Azevedo (in memorian). Somente uma narrativa daria conta de expressar sua importncia para mim, o quanto e por quanto lhe sou grato. Este estudo, por sua vez, nasceu de suas aulas, de sua orientao, de seus escritos, de sua sabedoria, de sua amizade. ainda um texto de um iniciante. Um dia, se Deus quiser, poderei dedicar ao querido Professor Junqueira um escrito sua altura.

RESUMO

Esta dissertao tem como tema a onerosidade excessiva no direito civil brasileiro. Primeiramente, fazem-se necessrios uma noo inicial da figura, uma delimitao conceitual do problema e uma sntese de seu desenvolvimento histrico no direito civil brasileiro. Feito isso, so apresentadas as teorias utilizadas para sua fundamentao pela doutrina e pela jurisprudncia brasileiras antes do advento de texto legal expresso sobre a matria. Concluda essa fase preparatria, adentra-se no direito positivo vigente, precisamente no Cdigo Civil, para explicar o contedo da onerosidade excessiva, de seus pressupostos e de suas conseqncias. So diretamente estudados os artigos 478, 479, 480, 317 e ainda outros especficos de alguns tipos contratuais. So abordados ainda alguns tpicos correlatos que finalizam o entendimento da matria, como os pressupostos negativos da figura, sua incidncia em contratos de sinalagma indireto e nos contratos aleatrios e as diferenas nos pressupostos para sua configurao no Cdigo de Defesa do Consumidor.

Palavras-chave: Onerosidade excessiva desequilbrio econmico superveniente do contrato onerosidade equivalncia das prestaes imprevisvel clusula rebus sic stantibus teoria da impreviso reviso e resoluo do contrato.

ABSTRACT

The theme of this dissertation is known in english as hardship, which means the fundamental alteration of the equilibrium of the contract. Firstly, it is necessary to make an introductional notion of the figure, a conceptual delineation of the problem and a summary of its historical evolution in the brazilian civil law. After that, it is presented the theories used by authors and courts to reason the solution of the problem before the existence of legal text about the issue. Then, we study the related articles of the brazilian Civil Code to explain the content of hardship, the content of its requirements, and the content of its consequences. The articles 478, 479, 480, 317 are directly studied, and also other articles from particular named contracts. Some related issues finalize the understanding of the theme, as the negative requirements of the figure, its incidence in some particular categories of contracts, and the difference of its requirements in the Consumer Defense Code.

Keywords: hardship alteration of the equilibrium of the contract unpredictable rebus sic stantibus clause adaptation and termination of the contract.

NDICE

Introduo11.Captulo I.Delimitao conceitual do problema15.Captulo II.Sntese do desenvolvimento histrico da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro 26.Captulo III.A clusula REBUS SIC STANTIBUSIntroduo34.Seo 1Antigidade clssica36.Seo 2Direito romano39.Seo 3Glosadores48.Seo 4Canonistas52.Seo 5Ps-glosadores55.Seo 6A primeira teoria sobre a clusula REBUS SIC STANTIBUS: ALCIATO, humanismo jurdico58.Seo 7Jusracionalismo, consensualismo, codificaes e o declnio da clusula REBUS SIC STANTIBUS61.Captulo IV.Desenvolvimento da alterao das circunstncias no positivismo jurdico alemo: pressuposio e base do negcio 64.Captulo V.Os fatos supervenientes e o PACTA SUNT SERVANDA no positivismo jurdico francs: a teoria da impreviso 75.Captulo VI.O superveniente desequilbrio econmico do contrato no positivismo jurdico italiano: a excessiva onerosidade 80.Captulo VIIFundamento da onerosidade excessiva84.

Seo 1

Captulo VIII.Onerosidade excessiva no direito civil vigente.

Conceito, pressupostos e conseqncias da onerosidade excessiva: art. 478 do Cdigo Civil.

Seo 2

Subseo I. Introduo87.Subseo II. Contratos de execuo continuada ou diferida87.Subseo III. Prestao excessivamente onerosa e extrema vantagem89.Subseo IV. Acontecimentos extraordinrios e imprevisveis112.Subseo V. Resoluo125.

Conservar ao invs de resolver: a oferta do ru de modificao eqitativa129.Seo 3Se NO CONTRATO as obrigaes COUBEREM a apenas uma das partes135.Seo 4O valor real da prestao: artigo 317143.Seo 5Pressupostos negativos150.Seo 6Contratos aleatrios158.Seo 7

Contratos de sinalagma indireto163.Seo 8Regras especficas sobre onerosidade excessiva nos tipos contratuais do Cdigo Civil 168.Seo 9Pedido direto de reviso173.Seo 10A onerosidade excessiva no Cdigo de Defesa do Consumidor179.Captulo IX.Consideraes finais sobre a onerosidade excessiva no direito civil brasileiro187.Referncias bibliogrficas191.

10INTRODUO

A onerosidade excessiva significa, em termos simples, o desequilbrio econmico entre as prestaes de um contrato. Parte-se do pressuposto de que todo contrato oneroso envolve uma troca econmica ajustada pelas partes numa relao de equivalncia. Contudo, quando o escambo de prestaes no se d no instante exato do acordo, quando as relaes contratuais so firmadas para perdurarem no tempo, pode ocorrer que o equilbrio originrio objetivado pelos contratantes perturbe-se ou at se rompa, em virtude de fatos supervenientes, de modo a destruir ou frustrar a eqitativa troca econmica.Percebe-se assim que a onerosidade excessiva no se colocaria no fossem os efeitos do decurso do tempo nas relaes contratuais. Ela refere-se, portanto, ao compasso entre a concluso e o trmino da execuo do contrato, sempre que o cumprimento da obrigao contratual no se d instantnea e imediatamente aps seu nascimento.A essa realidade corresponde a distino conceitual entre sinalagma gentico e funcional. Sinalagma o liame entre obrigaes de determinado contrato. O gentico d-se na formao do vnculo e refere-se s promessas recprocas. O funcional considera a vida de relao que se estabelece entre as prestaes nascidas1. A onerosidade excessiva prpria, portanto, do sinalagma funcional dos contratos.Se aps a concluso do contrato sobrevierem fatos que tornem a obrigao impossvel de cumprimento, caracteriza-se a impossibilidade superveniente da prestao, extinguindo-se a relao contratual, se no houve culpa do devedor. A onerosidade excessiva s ocorre quando a obrigao mantm-se possvel de ser cumprida, mas excessivamente onerosa com relao a prestao contrria: o tempo causa somente a perda da equivalncia entre elas. Nessas circunstncias, o direito pode autorizar a extino da relao contratual, ou sua adaptao ao novo contexto, dependendo para isso de vrios pressupostos.Diante desse quadro, vrias perguntas podem ser feitas: como se identifica o equilbrio e o superveniente desequilbrio econmico de um contrato? H uma medida para ele? Pode ser aplicado a todos os tipos contratuais? Quais fatos supervenientes autorizam a

1 A. TRABUCCHI. Istituizioni di Diritto Civile, 43 ed, a cura di G. TRABUCCHI. Padova, CEDAM, 2007, pp. 702-703.

interveno no sinalagma funcional? O que seria um fato imprevisvel? Quais os critrios para que o juiz determine sua extino ou modificao?O direito brasileiro resolveu2 algumas dessas questes principalmente com os artigos 478 a 480 e 3173 do Cdigo Civil vigente, alm de outros subsidiariamente relacionados.Estudar tais dispositivos, a fim de compreender os conceitos jurdicos neles presentes e, assim, ter uma noo clara do contedo da onerosidade excessiva e de seu carter o objetivo desta dissertao.

A escolha do tema justifica-se principalmente por dois aspectos essenciais. A impreviso, como comumente conhecida a onerosidade excessiva no Brasil, uma figura que flexibiliza a fora obrigatria dos contratos e sua intangibilidade. Por meio dela, autoriza-se ou a liberao do devedor, ou uma interveno heternoma no contrato, feita seja por um juiz, seja por um rbitro, para modificar seu contedo. S isso j significa muito para o direito contratual, no qual, como princpio, os pactos existem para serem cumpridos tal como foram constitudos pela autonomia das partes.Esse princpio fundamental e paradigmtico consiste em um alicerce no s do direito das obrigaes, como tambm o transcende e constitui-se numa das principais bases de todas as relaes sociais. Desse modo, verificar quando um contrato pode deixar de ser cumprido uma tarefa de interesse tcnico para o jurista e de fundo moral para qualquer pessoa.Mas alm disso, a razo que faz com que o devedor libere-se do pacto tem um contedo de justia material. o equilbrio, a equivalncia, enfim, o justo contratual no

2 Vale lembrar o ensinamento do Professor Antonio Junqueira de Azevedo, costumeiramente proferido em sala de aula: lei no adota teoria, lei d a soluo.3 Os artigos do Cdigo que normatizam o tema so os seguintes: Na parte geral dos contratos, no captulo II, referente extino do contrato, seo IV, Da resoluo por onerosidade excessiva: Art. 478. Nos contratos de execuo continuada ou diferida, se a prestao de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinrios e imprevisveis, poder o devedor pedir a resoluo do contrato. Os efeitos da sentena que a decretar retroagiro data dacitao. Art. 479. A resoluo poder ser evitada, oferecendo-se o ru a modificar eqitativamente as condies do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigaes couberem a apenas uma das partes, poder ela pleitear que a sua prestao seja reduzida, ou alterado o modo de execut-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. Na parte geral das obrigaes, captulo I, referente ao pagamento: Art. 317. Quando, por motivos imprevisveis, sobrevier desproporo manifesta entre o valor da prestao devida e o do momento de sua execuo, poder o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possvel, o valor real da prestao. Tambm no regramento dado aos contratos tpicos de locao, empreitada e seguro, existem disposies relativas ao problema: arts. 567, 572, 619, 620, 621, 625, 770.

sentido de igualdade entre as trocas que impe a flexibilizao do pacto dentro de certos pressupostos. Descobrir, portanto, como esse contedo material entendido e tutelado pelo direito uma atividade norteada pela valorao da justia econmica em casos concretos. Tal investigao , desse modo, digna de todo interesse.

Apresentadas tais consideraes iniciais, resta explicar a estrutura e o contedo dos captulos da dissertao.A primeira coisa a fazer para compreender melhor a onerosidade excessiva apart-la de outras matrias do direito das obrigaes que com ela fazem fronteira, identificadamente a questo da impossibilidade superveniente da prestao e a alterao das circunstncias como um gnero que inclui a onerosidade excessiva.Feito isso, preciso situar o estudo diante do desenvolvimento histrico do tema no direito civil brasileiro at ento. Apesar do tratamento legislativo expresso e geral somente advir com o diploma de 2002, a impreviso est longe de ser uma novidade por aqui. Tanto a doutrina, como a jurisprudncia, estudaram-no no decorrer do sculo XX, estabelecendo-lhe pressupostos, conseqncias e fundamento, de forma que chega a ser possvel identificar certa linha evolutiva no seu desenvolvimento histrico.Uma vez que no havia texto legal que a consagrasse, muitas teorias foram utilizadas para fundament-la. As principais teorias utilizadas, quais sejam, a clusula rebus sic stantibus, as teorias alems da pressuposio, bases do negcio subjetiva e objetiva, a teoria francesa da impreviso e a soluo italiana da onerosidade excessiva, sero, ento, objeto de breve estudo.Tal se justifica, pois foram teorias utilizadas no direito brasileiro para soluo do problema. Portanto, no se trata de analisar direito estrangeiro. A diviso feita de acordo com os pases de origem das teorias apenas um modo de expor. Alm disso, no h dvida que a pesquisa de tais referncias tericas propicia uma compreenso melhor do problema, de forma a preparar a parte mais importante do estudo, que diz respeito ao direito civil brasileiro vigente.Ao debruar-se sobre o direito positivo, mister se faz expor um fundamento para a figura que oriente a identificao de todos os seus elementos.

Vai-se, ento, ao Cdigo Civil brasileiro para tirar dele, principalmente do artigo 478, o conceito, os pressupostos e as conseqncias da onerosidade excessiva. Nas sees subseqentes sero analisadas as disposies subsidirias (arts. 479, 480, 317), bem como outros tpicos indispensveis sua completa caracterizao, como os pressupostos negativos, os contratos aleatrios, os contratos de sinalagma indireto, as regras especficas sobre onerosidade excessiva nos tipos contratuais e a possibilidade do pedido direto de reviso. Por fim, identificam-se as diferenas fundamentais nos pressupostos da onerosidade excessiva disposta no Cdigo de Defesa do Consumidor.Depois de todo o caminho percorrido, ser possvel tecer consideraes finais em que sejam identificados os principais pontos para o entendimento da excessiva onerosidade no direito civil brasileiro.

CAPTULO I

DELIMITAO CONCEITUAL DO PROBLEMA

Esta seo visa enquadrar o tema da dissertao frente a outras matrias do direito obrigacional que com ele fazem fronteira.Assim, o problema da onerosidade excessiva coloca-se, primeiramente, em relao com a impossibilidade superveniente da prestao. Num segundo momento, a onerosidade excessiva apresenta-se como uma espcie do gnero alterao das circunstncias.Por fim, mas com bem menor nfase, como existem posicionamentos segundo os quais o enriquecimento sem causa e a boa-f objetiva cobririam tambm as hipteses de onerosidade excessiva, cumprir apontar pontualmente porqu nesse trabalho no se procede assim.A idia a de recortar a figura da onerosidade excessiva desses outros institutos para melhor compreend-la. o que se passa a fazer.

A oneoridade excessiva aparece quando a obrigao no tenha se tornado impossvel, mas to somente excessivamente onerosa. Essa delimitao conceitual importante, pois alguns tpicos que so tratados como onerosidade excessiva na verdade no possuem essa natureza.Exemplo disso o aresto julgado pelo Superior Tribunal de Justia, REsp n 42.885-3-SP, 4 Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 21/3/1995, DJ 8/5/1995. Nele, o problema tratado o de compromissrios-compradores que, em razo do bloqueio e da indisponibilidade monetria gerada com o advento do chamado Plano Collor, no puderam utilizar os recursos de poupanas e outras aplicaes financeiras que contavam para pagar suas dvidas. Na instncia ordinria, os julgadores referiram a teoria da impreviso para julgar o caso. Entretanto, na corte especial, o Relator fez constar de seu voto a seguinte explicao:

Assim, a apreciao da questo deu-se sob o enfoque da ocorrncia de fora maior e no luz da teoria da onerosidade excessiva ou clusula rebus sic stantibus, isso a despeito, repise-se, da equivocada referncia constante do aresto atacado.Com efeito, o que ocorreu foi um factum principis, que, conquanto sem interferir no equilbrio e na comutatividade contratuais, sem, em outras palavras, colocar uma das partes em situao de vantagem frente a outra, certamente impossibilitou o cumprimento do contrato nas condies e prazos avenados, pelo menos para os contratantes e isso se aplica tambm construtora recorrente que contavam com recursos de poupana ou de outras aplicaes financeiras para faz-lo.Ou seja, quando a obrigao torna-se impossibilitada, no se pode falar em onerosidade excessiva. Esta s ocorre quando o problema concreto o desequilbrio superveniente entre as prestaes. As hipteses so excludentes: ou se diz que h impossibilidade, ou que h onerosidade excessiva.Mister se faz adentrar um pouco mais no tpico da impossibilidade, pois ele tem ainda outro desdobramento que servir tambm para delimitar conceitualmente o tema do trabalho.O trato da impossibilidade da prestao se divide em dois: a impossibilidade originria que se d no momento de formao do contrato e interessa sua validade e a impossibilidade superveniente, que pode extinguir a obrigao. Como a onerosidade excessiva superveniente se refere to somente ao sinalagma funcional do contrato, esta seo deixar de lado o problema da impossibilidade originria. Da mesma forma, nesta seo se cogita apenas da impossibilidade superveniente inimputvel ao devedor, pois se se tratasse da imputvel, adentrar-se-ia no terreno da responsabilidade civil.

preciso distinguir, pois, a impossibilidade objetiva da subjetiva, bem como a absoluta da relativa4.A prestao torna-se impossvel quando o comportamento exigvel do devedor, segundo o contedo da obrigao, torna-se invivel5. Se a inviabilidade diz respeito a

4 Segundo PONTES DE MIRANDA, a matria da impossibilidade da prestao uma das mais rduas do direito brasileiro das obrigaes, porque o Cdigo Civil s se refere s modalidades de prestaes (artigos 233 a 251 do Cdigo vigente) (F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXII, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1958, p. 69).

todos, eis que a conduta devida impossvel para qualquer um, a impossibilidade objetiva. Se somente o devedor no pode efetuar a prestao, mas outros podem execut-la, a impossibilidade subjetiva6.Tal distino extremamente importante. S a impossibilidade objetiva exonera o devedor7. Mas nas obrigaes infungveis, em que o devedor deve cumprir pessoalmente a prestao, a impossibilidade subjetiva se equipara objetiva8.Nesse sentido, A. M. FONSECA:

Sem dvida que, s vezes, quando se trata de obrigao tendo por objeto um facere infungvel, h impedimentos pessoais do devedor que se refletem necessariamente sobre a prpria prestao, impossibilitando-a. Assim, v. g., no exemplo da elaborao de um livro por determinado intelectual, a doena ou morte do escritor inibindo-o de cumprir a obrigao assumida. Em tais casos, no nos parece verificar-se impossibilidade subjetiva ou relativa, mas verdadeira impossibilidade objetiva, como, com razo, salientou Giovene. No assim se a impossibilidade decorrer de outras condies pessoais do devedor, sem relao necessria com a prestao, como, por exemplo, no caso figurado, a falta de dinheiro para comprar obras indispensveis elaborao do trabalho9.E tambm PONTES DE MIRANDA:

A impossibilidade objetiva e a impossibilidade subjetiva (impossibilidade subjetiva do devedor) so inconfundveis: aquela a impossibilidade por falta do objeto, inclusive a impossibilidade do fazer ou do no fazer; essa a inaptido do devedor para prestar, impossibilidade que s diz respeito ao sujeito passivo. (...) No tocante a algumas prestaes, elas coincidem. Por exemplo, se a prestao s pessoalmente pode ser prestada (cp.

5 J. M. ANTUNES VARELA. Das obrigaes em geral, v. II, 7 ed., 3 reimpr. Coimbra, Almedina, 2007, p. 67.6 Idem, ibidem, p. 68.7 F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXII, cit., pp. 68-70; A. M. FONSECA. Caso fortuito e teoria da impreviso, 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, Forense, 1958, pp. 152-7;J. M. ANTUNES VARELA. Das obrigaes em geral, v. II, cit., p. 72. Em sentido oposto, C. COUTO E SILVA. A obrigao como processo, reimpr. Rio de Janeiro, FGV, 2007, pp. 99-100; R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos por incumprimento do devedor, 2 ed., rev., atual. Rio de Janeiro, AIDE, 2003, p. 99.8 M. J. ALMEIDA COSTA. Direito das obrigaes, 3 ed., refund. Coimbra, Almedina, 1979, p. 463 e pp. 775-6; R. LOTUFO. Cdigo civil comentado: obrigaes: parte geral (arts. 233 a 420), v. 2. So Paulo, Saraiva, 2003, p. 50; O. GOMES. Obrigaes, 17 ed., 2 tir., rev., atual., e aum., de acordo com o Cdigo Civil de 2002, por E. BRITO. Rio de Janeiro, Forense, 2007, pp. 178-9.9 A. M. FONSECA. Caso fortuito..., 3 ed. cit., p. 154.

Cdigo Civil, art. 880, 2 parte), inaptido do devedor impossibilidade objetiva tambm 10 11.Por outro lado, entende-se, tambm, que somente a impossibilidade absoluta12 extingue a obrigao. Com essa expresso pretende-se dar relevncia idia de que a mera dificuldade, ainda que fora do comum, a difficultas praestandi, no basta para liberar o devedor13.No Brasil, contudo, consagrou-se o uso indistinto de impossibilidade absoluta como impossibilidade objetiva, e impossibilidade relativa como impossibilidade subjetiva14.Assim, quando se diz que a impossibilidade relativa suficiente para liberar o devedor, no se est referindo impossibilidade relativa como sinnimo de mera dificuldade de prestar, mas como sinnimo de impossibilidade subjetiva.E aqui se faz necessrio um segundo esclarecimento: o significado de impossibilidade relativa funcionalizou-se15 e passou a designar tambm, no uma simples impossibilidade subjetiva em prestao infungvel, mas tambm aqueles casos em que, por fora do princpio da boa-f, a prestao fungvel, ainda que objetivamente possvel, deveria ser considerada impossvel16. No se trata, repita-se, de dar importncia mera

10 F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXIII, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1958, pp. 104-5.11 AGOSTINHO ALVIM traz exemplo bastante esclarecedor evidenciando que a impossibilidade liberadora sempre a objetiva: Outras vezes a confuso aparece ao se tratar de saber qual , precisamente, aobrigao do devedor. Tambm aqui cumpre distinguir. Suponhamos que Tcio promete entregar a Caio, em tal data, mil sacas de arroz. Na ocasio da entrega, escusa-se, alegando que as irregularidades do tempo lhe impediram a colheita. Supostas essas irregularidades, estar aperfeioada a escusa do art. 1.058, pargrafo nico? Depende. Pode acontecer que o negcio tenha sido feito sem ateno ao fato de Tcio ser plantador de arroz. O credor podia ignorar esta circunstncia, ou, mesmo conhecendo-a, no ter combinado a compra do arroz que Tcio viesse a colher. Neste caso, este ltimo somente se exonerar se provar a inexistncia da mercadoria na ocasio da entrega e, portanto, a impossibilidade de obt-la no mercado. Logo, as inclemncias do tempo que atingiram a sua lavoura no o impediro de cumprir a obrigao que assumira, uma vez que ao credor no interessa saber onde o devedor obter a coisa que prometeu entregar. Mas se as circunstncias do caso denunciarem que o negcio foi entabulado em torno da colheita de Tcio, j ento se escusar ele com o mau tempo que lhe tenha impedido, ou prejudicado, a colheita (Da inexecuo das obrigaes e suas conseqncias, 5. ed. So Paulo, Saraiva, 1980, p. 327).12 J. M. ANTUNES VARELA pondera que a expresso impossibilidade absoluta consiste em pleonasmo (Das obrigaes em geral, v. II, cit., p. 68).13 J. M. ANTUNES VARELA. Das obrigaes em geral, v. II, cit., p. 68; F. C. PONTES DEMIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXIII, cit., p. 105; A. ALVIM. Da inexecuo..., cit., p. 328; A. M. FONSECA. Caso fortuito..., 3 ed. cit., pp. 154-6; O. GOMES. Obrigaes, cit., p. 176.14 A. M. FONSECA. Caso fortuito..., 3 ed. cit., p. 153; O. GOMES. Obrigaes, cit., p. 44; C. COUTO E SILVA. A obrigao..., cit., pp, 98-9; R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos..., cit., p. 97. No mesmo sentido, o texto legal do art. 106 do Cdigo Civil.15 O. GOMES. Obrigaes, cit., pp. 176-7.16 A. ALVIM. Da inexecuo..., cit., pp. 328-9; F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXIII, cit., pp. 105-6.

dificuldade: impossibilidade relativa no dificuldade17. Trata-se, na verdade, de avaliar a impossibilidade de acordo com circunstncias especiais de cada caso18.AGOSTINHO ALVIM traz o seguinte exemplo:

Suponha-se que algum, obrigado a despachar grande quantidade de mercadorias, v-se diante de uma greve de ferrovirios. Se lhe for possvel enviar as mercadorias por estrada de rodagem, a isso est obrigado, ainda que o nus seja maior, ou muito maior. Todavia, se no houver servio regular por estrada de rodagem, no est ele obrigado a adquirir caminhes, ou a fret-los de particulares, a qualquer preo19.O. GOMES, por sua vez, exemplifica:

O exemplo clssico de impossibilidade, segundo sua conceituao jurdica, o da obrigao de transportar mercadorias atravs de rio que gelou; logicamente, a prestao pode ser satisfeita, por isso que o devedor teria o recurso de usar um quebra-gelo, mas, juridicamente, tornou-se impossvel, porque o obrigaria a gastos vultosos, exigindo esforo excedente dos limites razoveis20.E tambm PONTES DE MIRANDA:

O transportador prometeu levar montanha o material de construo; a ponte sobre o rio caiu; para lev-lo at o lugar que se designou seria preciso dar a volta montanha e entrar por outro caminho, o que custaria muitssimo mais do que o preo dos transportes (...). Se A promete construir a casa no terreno de B, mas, ao comear as obras, descobre que a fonte que se conhecia na parte inferior do terreno passa por baixo do lugar em que teria de construir, exigindo pilastras ou estacas alicerciais de dez metros ou mais, a impossibilidade est caracterizada, porque essa no era a prestao em que A e B acordaram ao concluir o contrato de empreitada21.Esses interessantes exemplos foram listados, pois provvel que no direito vigente fossem alguns deles mais corretamente subsumidos hiptese de onerosidade excessiva, sem descuidar, claro, dos outros requisitos a ela necessrios. Na realidade, quando a prestao no se torna impossvel, mas apenas mais custosa (transportes mais

17R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos..., cit., p. 99.18 C. M. S. PEREIRA. Instituies de direito civil, v. II, Teoria geral de obrigaes, 12 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 246.19 A. ALVIM. Da inexecuo..., cit., p. 328.20 O. GOMES. Obrigaes, cit., pp. 176-7.21 F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXIII, cit., pp. 105-6.

caros, construo mais complexa) e, conseqentemente, deixa de ser remunerada equivalentemente pela contraprestao, o problema o da onerosidade excessiva. H impossibilidade relativa quando, por circunstncias especiais, a impossibilidade subjetiva, em prestao fungvel, deve tambm liberar o devedor.O aresto acima citado22 um exemplo concreto disso. No caso, a prestao era de pagamento de certo preo. Tal prestao no objetivamente impossvel. Contudo, o , subjetivamente, para o devedor que est com seu dinheiro bloqueado. Nesse caso, tal impossibilidade relativa foi considerada suficiente para liber-lo da obrigao.Tal peculiaridade constou inclusive do voto do Min. Ruy Rosado de Aguiar que assim exps:Gostaria de registrar que, no nosso sistema, a impossibilidade que se admite para escusar o devedor de cumprimento da sua obrigao a impossibilidade absoluta, no caso, inocorrente. Depois do plano Collor, as obrigaes continuaram sendo cumpridas, porque no se aplicou o princpio da impossibilidade absoluta, que no existiu. Por isso, parece-me mais conveniente examinar, caso a caso, a impossibilidade relativa do devedor, nas circunstncias objetivas do negcio e de acordo com as suas condies pessoais, de acordo com a teoria objetiva da alterao da base do negcio.

Na mesma toada, no configuram ainda onerosidade excessiva outros casos tambm lembrados em exemplos doutrinrios de impossibilidade subjetiva ou relativa. W.B. MONTEIRO entende que prestaes infungveis que impliquem risco para a sade ou vida do devedor excedente ao risco normal inerente sua atividade, se reputam impossveis23.O. GOMES trata como prestao impossvel a inexigibilidade psquica, correspondente quela que obrigue o devedor a suportar intolervel constrangimento moral. O exemplo dado o do ator que entre em cena enquanto sua esposa est moribunda24. M. J. ALMEIDA COSTA pondera que se enquadrariam no regime da alterao das circunstncias positivado em Portugal, no apenas os casos de onerosidade excessiva econmica da prestao, mas aqueles que envolvessem grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifcios de natureza no

20

DJ 8/5/1995. 1960, p. 100.

22 STJ, REsp n 42.882-3-SP, 4 Turma, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 21/3/1995,

23 W. B. MONTEIRO. Curso de direito civil: direito das obrigaes, 1 vol. So Paulo, Saraiva,

24 O. GOMES. Obrigaes, cit., p. 178.

patrimonial ao devedor25. Neste grupo de casos tambm se encontraria o exemplo trazido por A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO: o do jornalista que escreve para peridico de linha editorial catlica, o qual vendido e modifica sua linha editorial para atia e contrria Igreja. Tal jornalista teria de arcar com sacrifcio insuportvel.Em nenhum desses casos o problema de ordem patrimonial. Todos esses exemplos conferem uma flexibilizao do conceito de impossibilidade, relativizando-o em torno de uma impossibilidade que pode ser denominada moral26 e assim devem ser resolvidos. Nenhum deles aproxima-se da hiptese da onerosidade excessiva do direito brasileiro, que como visto inicialmente e que ser aprofundado, refere-se ao desequilbrio econmico, objetivo, entre prestaes.

Por outro lado, no se enquadra como onerosidade excessiva, (e como visto, nem como impossibilidade relativa), a doutrina alem, muito divulgada e acolhida naquele pas aps a primeira guerra mundial, da impossibilidade econmica, como nos casos deaumentos imprevistos de preos, de tal modo que a prestao resulte insuportvel para o devedor do ponto de vista econmico27. Em virtude da impreciso de seus critrios valorativos, foi ainda defendida a teoria do limite do sacrifcio, com o intento de fundament-la.De todo modo, cumpre esclarecer que no se trata nesse trabalho de estudar impossibilidade econmica ou limite do sacrifcio. O tema da runa do devedor no faz parte desse trabalho. Ele s ter relevncia aqui, indireta e eventualmente, na medida em que ocorra o seguinte: a prestao que leva o devedor runa perdeu sua relao de equivalncia com a contraprestao. Nesses termos, o problema se enquadra na onerosidade excessiva e dever ser examinado de acordo com seus pressupostos prprios28.

25 M. J. ALMEIDA COSTA. Direito das obrigaes, cit., p. 251.26 A. MENEZES CORDEIRO. Da modernizao do direito civil v. I (aspectos gerais). Coimbra, Almedina, 2004, p. 111.27 K. LARENZ. Derecho de obligaciones, t. I., version espanla y notas de J. S. BRIZ. Madrid, Revista de Derecho Privado, 1958 , pp. 310-31.28 Vale aqui a colao do seguinte trecho de C. C. COUTO E SILVA. A obrigao..., cit., p. 108: preciso salientar que no obsta o exerccio da pretenso a possibilidade de ser o devedor levado runa.Aqui, no se cuida de saber se a pretenso poderia ser obstaculizada em virtude de resultar de seu exerccio a morte econmica do devedor. Essas objees, de nenhum modo, podem impedir o exerccio de uma pretenso. Os motivos que a poderiam ocorrer seriam metajurdicos, ditados, talvez, em razo de um sentimento de piedade, e de nenhuma influncia. A, poder-se-ia falar de um aequitas bursalis. O princpio o de que o devedor responde com o bem determinado (proecise agere) ou com seu patrimnio, e, por esse motivo, existe o concurso de credores.

Por outro lado, a onerosidade excessiva (=desequilbrio econmico) pode ocorrer ainda quando o devedor no tenha nenhuma dificuldade em adimplir sua prestao.

Distinto de tudo quanto foi tratado at aqui, ainda o caso da jurisprudncia alem de direito constitucional, trazido por C.W. CANARIS, referente responsabilidade de familiares de um devedor por fianas prestadas, de valor altssimo. Aqui, o problema era o de que o fiador, por no ter quase nenhum patrimnio, se via numa dificuldade financeira sem perspectiva de sada. O Tribunal Constitucional Federal viu nisso, em detrimento da liberdade de contratar, violao do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, efeito irradiador dos direitos fundamentais, por meio do princpio da boa-f, positivado noCdigo Civil29.

Tal caso, apesar de envolver uma obrigao extremamente gravosa para uma das partes, no configura a onerosidade excessiva, tampouco impossibilidade superveniente. O entendimento de sua soluo tal como formulada depende da relao entre o princpio constitucional da dignidade da pessoa humana e sua incidncia no direito privado, por via de conceitos jurdicos indeterminados e clusulas gerais dispostos no Cdigo Civil30. Essa temtica no , por sua vez, objeto do presente estudo.

Por fim, no se trata de onerosidade excessiva a matria relatada em alguns casos jurisprudenciais nacionais envolvendo compromisso de compra e venda31. Tratava-se de contratos de longa durao para aquisio de unidades habitacionais, nos quais os compromissrios compradores alegavam insuportabilidade das prestaes, reajustadas por ndices superiores aos adotados para a atualizao dos salrios. Observe-se to somente que o problema no era de desequilbrio entre as prestaes. Elas permaneciam

29 C.W. CANARIS. A influncia dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha, in Constituio, Direitos Fundamentais e Direito Privado/I. W. SARLET (Org.). Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003, pp. 223-243, pp. 228-9.30 V. A. SILVA. A constitucionalizao do direito: os direitos fundamentais nas relaes entre particulares, 1 ed., 2 tir. So Paulo, Malheiros, 2008, p. 147.31 Como exemplo: TJ/SP, Ap. Cv. n 226.264-2, 13 Cm. civ., rel. Des. Marrey Neto, j.12/4/1994, JTJ 159/34; TJ/SP, Ap. cv. n 256.637-2, 12 Cm. civ., rel. Des. Carlos Ortiz, j. 30/5/1995, JTJ 178/47; STJ, REsp n 200.019-SP, 3 Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, rel. p/ acrdo Min. Ari Parglender, j. 17/5/2001, DJ 27/8/2001; STJ, REsp n 132.903-SP, 4 Turma, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 16/9/1997, DJ 19/12/1997; STJ, REsp n 109.960-RS, 4 Turma, rel Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 24/2/1997, DJ 24/3/1997. Tais casos tiveram uma pluralidade de fundamentos para justificar a possibilidade de resoluo pelo devedor que no podia mais cumprir o pactuado, como por exemplo, a base do negcio, o art. 53 do Cdigo de Defesa do Consumidor, a alternatividade da clusula resolutria, circunstncias do caso concreto, a inimputabilidade do inadimplemento.

equivalentes. O problema ocorria to somente na esfera de um dos devedores que, por fora da correo monetria, se via vinculado a uma prestao muito gravosa e que no iria conseguir cumprir. R. R. AGUIAR JR. apresenta tais exemplos dentre os casos especiais de resoluo do contrato pelo devedor, utilizando-se para tanto, da teoria da perda da base objetiva do negcio, no seu aspecto de frustrao da finalidade contratual32. Essa possibilidade de resolver no se d, portanto, pela onerosidade excessiva e assim, no ser examinada em pormenores neste trabalho.

Dadas esses primeiras coordenadas relacionadas delimitao da onerosidade excessiva frente impossibilidade superveniente, cumpre agora delimit-la dentro do conjunto maior de casos de alterao das circunstncias33.Como j dito, a onerosidade excessiva configura-se pelo desequilbrio contratual superveniente. Esse tipo de caso uma espcie de alterao das circunstncias. H outros grupos de casos em que no ocorre desequilbrio superveniente, mas so apresentados como exemplos de alterao das circunstncias34.A idia que une esse grupo de casos a da perda do sentido do contrato.

Alguns exemplos so recorrentes na doutrina para ilustr-los. So eles o do aluno, a quem o professor dava aulas de canto, que ensurdece por completo35; ou o exemplo de K. LARENZ, da encomenda de uma porta para uma igreja que resta destruda pela guerra36; tambm os coronation cases, em que pelo cancelamento da coroao do Rei Eduardo III perderam sua finalidade uma srie de contratos de locao pactuados justamente para que os interessados pudessem apreci-la de algumas sacadas que estavam no itinerrio do cortejo37.Alm destes, h o caso em que a finalidade do contrato se cumpre por outra via que no a prestao, tornando-a intil, como no caso do barco de resgate que deveria

32 R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos..., cit., p. 165. Mais a frente, nesta seo, esse ponto ser retomado.33 A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Relatrio brasileiro sobre reviso contratual apresentado para as Jornadas Brasileiras da Associao Henri Capitant, in Novos estudos e pareceres de direito privado/A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. So Paulo, Saraiva, 2009, pp. 182-198, p. 184.34 C. L. B. Godoy. Funo social do contrato. So Paulo, Saraiva, 2004, p. 61.35 J. M. ANTUNES VARELA. Das obrigaes em geral, v. II, cit., p. 75.36 K. LARENZ. Base del negocio jurdico y cumplimiento de los contratos. Madrid, Revista de Derecho Privado, 1956, p. 168.37 A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Negcio jurdico e declarao negocial (noes gerais eformao da declarao negocial), tese para o concurso de professor titular de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 1986, p. 219.

rebocar um navio encalhado, que acaba por desencalhar por fora da mar38. A prestao o reboque ainda possvel, mas perdeu seu sentido diante do navio desencalhado.Em todos esses casos no h, evidentemente, desequilbrio entre as prestaes de um contrato. O fato superveniente gera uma perturbao mais central, que da perda da finalidade, da utilidade do contrato.Vale at lembrar que R. R. AGUIAR JR. refere os casos acima citados dos compromissrios compradores que alegavam insuportabilidade das prestaes pelos reajustes inflacionrios como exemplos de perda da finalidade contratual, utilizando-se da teoria da base objetiva do negcio para justific-la39.Para A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, tais casos hoje tm soluo legislativa no direito brasileiro, pois podem ser resolvidos pela perda da funo social contrato, positivada no art. 421 do Cdigo Civil40. Inseridos sob o comando normativo da funo social ainda estariam outros grupos de casos em que a alterao das circunstncias, sem causar desequilbrio, violasse a dignidade da pessoa humana, privando-a de itens necessrios a sua subsistncia41.Alguns exemplos que sero mencionados nas sees seguintes, principalmente no tocante a referncias histricas da clusula rebus sic stantibus, sero melhor entendidos se compreendidos nesse campo maior que o da alterao das circunstncias, e no propriamente no campo mais delimitado da onerosidade excessiva.Ante tais consideraes, portanto, resta delimitar que o objeto desse estudo no abrange todo o contedo da alterao das circunstncias. Ele limita-se onerosidade excessiva entendida como desequilbrio econmico superveniente.

Para R. R. AGUIAR JR., o Cdigo Civil tratou de maneira muito limitada a onerosidade excessiva e, ao contrrio, tratou de forma superior a boa-f objetiva, alm do enriquecimento sem causa e da funo social. Nesse sentido, prope o autor que o art. 478

38 K. LARENZ. Derecho de obligaciones, t. I, cit., p. 322. 39 R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos..., cit., p. 165. 40 A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Relatrio..., cit., p. 184.41 Idem, ibidem, p. 184. Os exemplos acima trazidos de impossibilidade subjetiva ou relativa a respeito de prestaes que acarretem riscos pessoais aos devedores so trazidos por A. JUNQUEIRA DEAZEVEDO como casos de onerosidade excessiva psicolgica.

seja utilizado de forma subsidiria a esses comandos normativos, somente naquilo que a elas no for ajustado42.Diante de tal posicionamento, imperioso advertir que a delimitao do mbito desse trabalho feita da forma oposta. Os casos de desequilbrio econmico superveniente devem ser subsumidos hiptese legal de onerosidade excessiva que, por sua vez, possui natureza e pressupostos prprios, cujo contedo o objeto da dissertao. Justamente por isso, j se delimitou aqui a incidncia da funo social aos outros casos de alterao das circunstncias que no configuram onerosidade excessiva.Com relao boa-f objetiva, J. O. ASCENSO explica que ela foi na verdade um expediente utilizado para dar relevncia alterao anormal de circunstncias na ausncia de fundamentao legal para tal. Quando o Cdigo Civil brasileiro deixa de utilizar a boa-f e consagra dispositivo legal prprio, procede de maneira mais desenvolvida. E isso positivamente justificvel: a boa-f se traduz em regras de conduta, enquanto na onerosidade excessiva tem-se uma valorao do prprio contedo do negcio,tomado por si 43.

Outros julgados, quando no havia legislao especfica a respeito, norteavam a aplicao da impreviso pelo princpio que veda o enriquecimento sem causa44. A peculiaridade que aqui deve ser ressaltada, apenas para evitar qualquer tipo de confuso, que o aspecto do enriquecimento sem causa que incidiria na onerosidade excessiva seria to s o de princpio, como pano de fundo e no o de fonte obrigacional45. A onerosidade excessiva tem natureza prpria que no se confunde com o enriquecimento sem causa.A idia justamente essa: o foco no a onerosidade excessiva vista sob o prisma do enriquecimento sem causa ou da boa-f, mas a onerosidade excessiva vista por si s. Assim, passa-se a proceder uma breve aproximao histrico-conceitual de seu contedo.

42 R. R. AGUIAR JR. Extino dos contratos..., cit., p. 148.43 J. O. ASCENSO. Alterao das circunstncias e justia contratual no novo Cdigo Civil, inRevista trimestral de direito civil, v. 25, ano 7, jan./mar. 2006, p. 93-118, p. 111: A nosso ver, continuar a recorrer boa-f havendo preceito legal, anacrnico. Mantm como explicao atual o que foi um mero expediente. No se regula a conduta. Valora-se diretamente o contedo, e em decorrncia da valorao negativa deste que se cria a impugnabilidade da relao, no sentido da resoluo ou modificao desta.44 Como exemplo, TJ/SP, Ap. cv. n 86.569-4/0, 4 Cm. dir. priv., rel. Fonseca Tavares, j. 12/8/1999. Mesmo depois do advento do Cdigo civil de 2002, h julgados que continuam embasando a questo no enriquecimento sem causa: TJ/SP, Ap. n 992.06.003851-8, 25 Cm. dir. priv., rel. Des. Marcondes DAngelo, j. 22/10/12009.45 G. E. NANNI. Enriquecimento sem causa. So Paulo, Saraiva, 2004, p. 374.

CAPTULO II

SNTESE DO DESENVOLVIMENTO HISTRICO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Para cumprir a funo de situao, essa linha evolutiva ser traada com base apenas nos estudos doutrinrios, por trs razes. A primeira a de que, entendido o direito como sistema de segunda ordem46, doutrina e jurisprudncia se alimentam uma a outra, de tal modo que os resultados encontrados em uma delas no seriam divergentes em essncia, daqueles encontrados na outra.A segunda a de que, especificamente no tema da onerosidade excessiva, a maioria dos estudos doutrinrios sempre trouxe, por causa da ausncia de lei, ao lado do aprofundamento terico, apoio jurisprudencial. Quando, ao final do sculo XX, foi possvel doutrina concluir quais os requisitos para a reviso ou resoluo de um contrato por fato superveniente, o fez pautando-se em grande parte nas decises judiciais47.Por fim, a escolha pelo exame da doutrina para essa funo introdutria se d porque parece ser o modo como se evidencia melhor e mais sinteticamente a linha evolutiva do direito brasileiro. Os julgados sero citados neste trabalho no decorrer do texto nas sees seguintes, principalmente para ilustrar entendimentos acerca do direito vigente.

46 A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. (parecer) O direito como sistema complexo e de 2a ordem; sua autonomia. Ato nulo e ato ilcito. Diferena de esprito entre responsabilidade civil e penal. Necessidade de prejuzo para haver direito de indenizao na responsabilidade civil, in Estudos e pareceres de direito privado/A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. So Paulo, Saraiva, 2004, pp. 25-37, pp. 26-27. Sistema de 2 ordem significa que o direito, em primeiro lugar, est diretamente relacionado realidade social. Ele no existe independentemente dela, mas s a partir dela. Os mundos jurdico e social no esto separados. Alm disso, no sistema de direito, entre seus elementos componentes, como a norma, as instituies, os operadores e a jurisprudncia, h um mecanismo de feed-back, pelo qual cada parte integrante retro-alimenta uma a outra, de tal modo que, por exemplo, uma conquista da jurisprudncia revelada pela doutrina, da qual um juiz toma conhecimento e a re-aplica em nova deciso.47 Exemplar nesse sentido o estudo de RENATO JOS DE MORAES. Clusula rebus sic stantibus. So Paulo, Saraiva, 2001.

Desta forma, possvel comear afirmando que o sentido da investigao sobre o superveniente desequilbrio contratual no direito brasileiro fundou-se inicialmente na autonomia da vontade das partes, no incio do sculo XX, e teve depois outras formas de fundamentao, por volta ainda da metade do sculo passado, em torno da noo de equilbrio contratual. O tema nasceu sendo tratado mais comumente como clusula rebus sic stantibus, ou Teoria da Impreviso.Embora nas Ordenaes Filipinas possam ser encontrados dispositivos que remetam a idia de alterao das circunstncias48, o trato da clusula rebus s iniciou mesmo posteriormente. O Cdigo civil de 1916, por sua vez, dela no tratou expressamente, e por isso, saber se ele lhe dava ou negava acolhida sempre foi motivo de debate. Nesse contexto, tem-se como o primeiro trabalho de um jurista brasileiro sobre a clusula, o parecer de CASTRO MAGALHES, publicado em 192049, que negou a possibilidade de sua invocao perante o direito brasileiro, em nome da certeza do contrato como lei entre as partes. Mas logo em 1923, foi publicado o artigo em que JAIR LINS defendia a adoo da clusula pelo direito brasileiro, baseado no art. 85 do Cdigo Civil e no argumento de que ocorrendo profundas alteraes de circunstncias, o prprio consentimento e em decorrncia, o contrato deixaria de existir. tido, por isso, como o primeiro adepto da teoria no pas50.Em seqncia foram publicados, j na dcada de 30, artigos e livros em defesa e em oposio invocao da clusula ou da teoria no direito brasileiro51. O debate se dava

48 P. C. MAIA. Da clusula rebus sic stantibus. Monografia para concurso Ctedra de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. So Paulo, 1959, pp. 53-54: o autor traz o seguinte dispositivo das Ordenaes Filipinas (que tiveram vigncia no Reino de Portugal a partir de 11 de janeiro de 1603 e que vigeram no Imprio do Brasil pelo art. 1, da Lei de 20.10.1823), livro IV, ttulo XXI, sob a intitulao em que moedas se faro os pagamentos do que se compra, ou deve: Posto que alguns compradores e vendedores, e outros contrahentes se concertem, que se haja de pagar certa moeda de ouro, ou de prata, ser o vendedor obrigado a receber qualquer moeda corrente lavrada de nosso cunho, ou dos Reis, que ante Ns foro, na valia, que lhe per Ns for posta. Tambm, do mesmo livro, os ttulos XXIV, XXVII, LXV. O autor assinalou tambm, em outra oportunidade, e atribuindo a causa ao individualismo, o fato de que Teixeira de Freitas no tratara do tema: P. C. MAIA. Clusula rebus sic stantibus, in Enciclopdia Saraiva do Direito/R. L. FRANA (Coord.), v. 15. So Paulo, Saraiva, 1977, p. 144.49 J. C. MAGALHES. (parecer) A clusula rebus sic stantibus, in Revista Forense, v. XXXIII, jan./jun. 1920, pp. 45-46. R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 89.50 J. LINS. A clusula rebus sic stantibus, in Revista Forense, v. XL, 1923, p. 512-516. R. J. MORAES, Clusula, cit., p. 91.51 Como ilustrao do perodo, os seguintes importantes artigos: O. NONATO. Aspectos domodernismo jurdico e o elemento moral na culpa objetiva, in Revista Forense, v. LVI, jan./jun. 1931, pp. 5- 26, no qual o autor ponderava que para resolver a tenso entre direito e justia, juristas vinham utilizando a teoria da impreviso; J. AMERICANO. Clusula Rebus Sic Stantibus, in Revista da Faculdade de Direito de So Paulo, v. XXIX, 1933, pp.345-351; C. BEVILQUA. Evoluo da teoria dos contratos em nossos dias, in Revista de Crtica Judiciria, ano XVI, v. XXVIII, n III, Set. 1938, pp. 137-143, em que o autor apontava para a socializao do direito e para que o conflito entre pacta sunt servanda e rebus sic stantibus fosse

em torno de quais artigos do Cdigo Civil serviriam como bases para defesa52. Pode-se observar como tanto os que se opunham clusula, como os que a defendiam, nessa poca, utilizavam argumentos fundados, preponderantemente, no critrio ltimo da autonomia da vontade53, e entendiam o contrato como simples acordo de vontades.Nas dcadas de 40 e 50 deu-se o estabelecimento da clusula rebus sic stantibus na doutrina brasileira54, principalmente por duas importantes obras: A segunda edio do livro de ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, no qual o autor mudou de posicionamento na primeira edio de seu livro negara a aplicabilidade da figura, em nome do pacta sunt servanda55 e o estudo de PAULO CARNEIRO MAIA56.Quanto obra de A. M. FONSECA, a mudana de posicionamento deu-se por motivos interessantes de observar: dado que do Cdigo Civil no se deduzia a aplicao da teoria da impreviso (como havia defendido na primeira edio do trabalho), o fundamento para sua utilizao se deu pelo advento da legislao da Revoluo de 30, como a Lei da Usura, a Lei de Locaes e a prpria Lei de Introduo ao Cdigo Civil, que davam novas

resolvido pela boa-f e moral; e o livro de A. ROCHA. Da interveno do estado nos contratos concludos. Rio de Janeiro, Irmos Porgetti, 1932. Tambm os seguintes livros, porm em sentido de negao da clusula: A. M. FONSECA. Caso fortuito e teoria da impreviso. Rio de Janeiro, Tip. Jornal do Commercio, 1932; J. M. CARVALHO SANTOS. Cdigo Civil brasileiro interpretado, v. XV, 2 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1938, pp. 212-234. J. X. CARVALHO DE MENDONA. Tratado de direito commercial brasileiro, v. VI, 1 parte, 3 ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1938, pp. 61-64.52 Alguns artigos do Cdigo Civil de 1916 citados como base legal para aplicao da clusula: Art. 85. Nas declaraes de vontade se atender mais sua inteno que ao sentido literal da linguagem; Art.762. A dvida considera-se vencida: I Se, deteriorando-se, ou depreciando-se a coisa dada em segurana, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, a no reforar; Art. 1.059. Salvo as excees previstas neste Cdigo, de modo expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, alm do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar; Art. 1092, alnea. Se, depois de concludo o contrato sobrevier a uma das partes contratantes diminuio em seu patrimnio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestao pela qual se obrigou, pode a parte, a quem incumbe fazer a prestao em primeiro lugar, recusar- lhe a esta, at que a outra satisfaa a que lhe compete ou d garantia bastante de satisfaz-la.53 Em sentido de negar aplicao teoria da impreviso, J. M. CARVALHO SANTOS, Cdigo..., cit., p. 230: A lei no exige o consentimento seno para a formao do contrato. O ato de vontade, que se faz preciso para a sua execuo, j no cabe no campo do direito. Em sentido de defesa da clusula, A. ROCHA. A interveno..., cit., pp. 48-49: Seja qual foi o conceito deste ou daquelle escriptor entre os muitos queexpem idas e dedues, a base de systemas e theorias sempre a mesma psychologia da vontade contractual, e de qualquer modo se conclue que a doutrina italiana inteiramente baseada na lei natural do consenso, segundo a qual todo negcio jurdico condicionado por um pressuposto econmico de limite ordinrio; e em consequencia o Estado, responsvel pela ordem jurdica ou tutela dos negcios alienados de senso bilateral, tem de levar em conta a impotncia da vontade para realizar um acordo preventivo de todos os riscos; de modo que a sua assistncia no attinge a autoridade dos contractos e antes obedece ao princpio de autonomia da vontade. Em outros termos, a incompatibilidade do regimem do contracto com a supervenincia uma presumpo juris et de jure, limitando a questo ao reconhecimento do meio externo, - originrio a posterior -, para estabelecer a differena entre os dois e por esta graduar as obrigaes. A vontade, no demais repetir, foi estabelecida pelo meio exterior, porque ella no tinha outro meio de concepo, e a questo s de prova ou identidade de coisas.54 R. J. MORAES. Clusula...., cit., p. 98..55 A. M. FONSECA. Caso fortuito..., cit., p. 187-188. R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 89.56 P. C. MAIA. Da clusula..., cit.

luzes para o entendimento da intangibilidade do contrato57. O legislador determinava, ento, que se atentasse s exigncias de fins sociais e de bem comum. Na concluso da obra foi trazida uma espcie de sntese dos requisitos para a aplicao da teoria, com recurso analgico de precises aritmticas58. Tal obra exerceu forte influncia sobre as futuras geraes de juristas brasileiros, chegando a significar um marco na doutrina nacional59.Nesse perodo h tambm uma primeira tentativa de trato legislativo geral para o problema com o Anteprojeto da Parte Geral do Cdigo das Obrigaes de 1941, que contemplava a possibilidade de reviso contratual em termos prximos ao que vinha sendo discutido at ento no seu art. 32260. Complementam essa fase estudos de vrios autores, nos quais se fundamenta a soluo do problema, principalmente, na socializao do direito frente ao individualismo ou solidarismo61, na relativa equivalncia de prestaes62 ou ainda pela associao figura da leso subjetiva63. O que ressoa mais forte, contudo, a tendncia a no se utilizar mais argumentos focados exclusivamente na vontade das partes64.Durante as dcadas de 60 e 70, todos os grandes tratadistas do direito civil brasileiro se manifestaram sobre a impreviso e a clusula rebus, admitindo sua aplicao

57A. M. FONSECA. Caso fortuito e teoria da impreviso, 3 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, Forense, 1958, pp. 329-330.58 A. M. FONSECA. Caso fortuito..., 3 ed. cit., pp. 345-346: (...) a supervenincia de acontecimentos imprevistos e imprevisveis, alterando profundamente o ambiente objetivo existente ao tempo da formao do contrato e acarretando para um dos contratantes uma onerosidade excessiva e no compensada por outras vantagens auferidas anteriormente, ou ainda esperveis, diante dos termos do ajuste,pode dar lugar interveno judicial para resolver o vnculo contratual. Para isso, porm, exige-se que, s duas primeiras condies, acima fixadas, se alie uma terceira: o lucro inesperado e injusto do credor, excedente a um quinto do valor normal da prestao a que teria direito, limite esse estabelecido em disposies anlogas de nosso direito positivo.59 R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 103.60 Tal Anteprojeto foi uma iniciativa do governo Vargas de empreender a reforma do CdigoCivil, unificando as obrigaes civis com as comerciais, em subordinao aos interesses da ordem social, mitigados os excessos do individualismo. O art. 322 assim dispunha: Quando por fora de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da concluso do ato, ope ao cumprimento exato deste dificuldade extrema, com prejuzo exorbitante para uma das partes, pode o Juiz, a requerimento do interessado e considerando com equanimidade a situao dos contraentes, modificar o cumprimento da obrigao, prorrogando-lhe o termo, ou reduzindo-lhe a importncia. C. ZANETTI, Direito contratual contemporneo: a liberdade contratual e sua fragmentao. So Paulo, Mtodo, 2008, pp.145-148.61 F. C. SANTIAGO DANTAS. Evoluo contempornea do direito contratual, in Problemas de direito positivo. Rio de Janeiro, Forense, 1953, pp. 13-33; C. M. SILVA PEREIRA. Clusula rebus sic stantibus, in Revista Forense, v. 92, out. 1942, pp. 797-800.62 E. ESPNOLA. A clusula rebus sic stantibus no direito contemporneo, in Revista Forense, v. 137, Set. 1951, pp. 281-292.63 P. C. MAIA. Da clusula..., cit., p. 210.64 R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 114.

no direito brasileiro, mas sempre com rigor65. Houve questionamentos sobre qual teoria fundamentaria melhor a figura, com aprofundamento nas teorias alems66. As aluses s noes de equivalncia de prestaes como base dos contratos comutativos foram intensificadas nessa poca67. Tambm o problema da inflao mereceu ateno especial no que tange ao tema68, enquanto nova tentativa de legislar a matria restou infrutfera mais uma vez69.Novas vises do contrato, que integravam tanto o aspecto de instrumento econmico como a noo de equivalncia elementar aos contratos comutativos, foram manifestadas, chegando-se a afirmao do equilbrio econmico como fonte de sentido do contrato70. Outros estudos, sintetizando concluses, sempre com apoio na jurisprudncia, ou trazendo novas contribuies ao tema foram publicados71. E foi at possvel proceder a uma diviso classificatria de teorias que a fundamentam: as com base na vontade, como ada impreviso, a da pressuposio, a da vontade marginal, a da base do negcio, a do erro, a da situao extraordinria, a do dever de esforo; as fundamentadas na prestao, como a do estado de necessidade e do equilbrio das prestaes; e as extrnsecas ao contrato, como

65 M. M. SERPA LOPES. Curso de direito civil, v. III, (Fontes das obrigaes:contratos), 4 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1962, pp. 109-117; S. RODRIGUES. Direito civil, v. 3 dos contratos e das declaraes unilaterais da vontade, 26 ed. rev. So Paulo, Saraiva, 1999, pp. 20-24; W. B. MONTEIRO. Curso de direito civil, v. 5, Direito das obrigaes, 2 parte, Contratos, 31 ed. rev. e atual. So Paulo, Saraiva, 1999, pp. 10-11. C. M. SILVA PEREIRA. Instituies de direito civil, v. 3, Fontes de obrigaes, 7 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, pp. 108-113. D. BESSONE. Do contrato: teoria geral, 4 ed. So Paulo, Saraiva, 2007, pp. 213-224. O. GOMES. Contratos, 10 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984, pp. 38- 42 e pp.199-202. F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXV, 2 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1959, pp. 215-265.66 F. C. PONTES DE MIRANDA. Tratado..., cit., pp. 215-231. O. GOMES. Introduo ao problemada reviso dos contratos, in Transformaes gerais do direito das obrigaes. So Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, pp. 45-64.67 D. BESSONE. Do contrato..., cit., p. 223.68O. GOMES. Influncia da inflao nos contratos, in Transformaes..., cit., pp. 125-140.69 O Anteprojeto de Cdigo de Obrigaes de 1965 fazia parte de mais um plano de reforma do Cdigo civil. Na seo IV Resoluo por onerosidade excessiva constava: Art. 346. Nos contratos deexecuo deferida ou sucessiva, quando, por fora de acontecimento excepcional e imprevisvel ao tempo de sua celebrao, a prestao de uma das partes venha a tornar-se excessivamente onerosa, capaz de lhe ocasionar grande prejuzo e para a outra parte lucro desmedido, pode o juiz, a requerimento do interessado, declarar a resoluo do contrato. Pargrafo nico. Os efeitos da sentena, ento proferida, retroagem data da citao da outra parte. Art. 347. A resoluo do contrato poder ser evitada, oferecendo-se o ru, dentro do prazo da contestao, a modificar razoavelmente o cumprimento do contrato. Art. 348. Aos contratos aleatrios no se aplica a resoluo por onerosidade excessiva. Art. 349. No se resolver por onerosidade excessiva o contrato em que uma s das partes haja assumido obrigaes, limitando-se o juiz, neste caso, a reduzir-lhe a prestao. Sobre o Anteprojeto, C. ZANETTI, Direito contratual... cit., pp.149-152.70 M. REALE. (parecer) Compra e venda Equilbrio econmico do contrato, in Revista Forense, v. 231, jul./ago./set. 1970, pp. 54-60.71 Como exemplo: J. M. O. SIDOU. A Reviso judicial dos contratos e outras figuras jurdicas,2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1984. F. Q. B. CAVALCANTI. A teoria da impreviso, in Revista Forense, v. 260, out./nov./dez. 1977, pp. 109-116.

30a do fundamento na moral, na boa-f, na extensibilidade do fortuito, na socializao do direito, na eqidade e na justia72.A linha evolutiva prossegue passando s dcadas de 80 e 90, que constituem o ltimo estgio do desenvolvimento do tema at ento, no direito brasileiro. A dcada de 80 marcada pelo cenrio de grave crise econmica, que acarretou a desvalorizao da moeda e fortes intervenes estatais na economia. Esse contexto repercutiu no estudo do tema, principalmente pelo enfoque dado na relao entre ele e a correo monetria, dvidas de valor, clusulas de escala mvel, chegando-se a afirmar que em todo contrato h um direitosubjetivo do contratante ao equilbrio econmico73.

Aps a Constituio de 1988, outras contribuies foram dadas ao tema. Em nome da denominada corrente do direito civil-constitucional, foram revistos posicionamentos a respeito da inflao, quando esta, a despeito de previsvel, se mostrava em ndices fora de qualquer cogitao74. Deu-se enfoque profundo tanto relao entre o contrato e o mundo exterior a ele75, quanto relao entre temporalidade, segurana, proporcionalidade e equivalncia76. A teoria da base do negcio foi bastante utilizada parajustificar tais posicionamentos77. E a jurisprudncia acompanhava e influenciava taldesenvolvimento78.

Com o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor, tambm houve novas idias lanadas sobre o tema. O Cdigo tratava expressamente da reviso por onerosidade

pp. 87-133.

72 A. J. OLIVEIRA. A Clusula Rebus sic Stantibus atravs dos tempos. Belo Horizonte, 1968,

73 A. WALD. Reviso de valores no contrato: a correo monetria, a teoria da impreviso e o

direito adquirido, in Revista dos Tribunais, v. 647, set. 1989, pp. 23-34. Tambm sobre essas relaes, M. KLANG. A teoria da impreviso e a reviso dos contratos, 2 ed., rev. e ampl. So Paulo, RT, 1991. Julgados desta fase foram colacionados no Captulo VIII, Seo 1, Subseo IV.74 G. TEPEDINO. Efeitos da crise econmica na execuo dos contratos, in Temas de Direito Civil/G. TEPEDINO. Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp. 73-111, pp. 77-8.75 J. B. VILLELA. O Plano Collor e a teoria da base negocial, in Repertrio IOB de Jurisprudncia, n 19/90, So Paulo, p. 382.76 J. MARTINS-COSTA. A teoria da impreviso e a incidncia dos planos econmicosgovernamentais na relao contratual, in Revista dos Tribunais, v. 670, ago. 1990, p. 41-42.77 C. COUTO E SILVA. A teoria da base do negcio jurdico no direito brasileiro, in Revista dos Tribunais, v. 655, mai. 1990, pp. 7-11.78 A.V.AZEVEDO. Teoria da impreviso e reviso judicial nos contratos, in Revista dosTribunais, v. 733, nov. 1996, pp. 109-119. Um julgado bastante citado que data desse contexto o seguinte: TJ/RS Ap. n 586053548, 6 Cam., rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrcio, j. 24/3/1987, RT 630/176.

excessiva em termos objetivos, e abriu portas para a via revisionista do contrato, como mostram importantes monografias do perodo79.Terminando o perodo at o advento do Cdigo Civil de 2002, foi possvel enunciar-se o princpio do equilbrio econmico do contrato levando admisso da figura da onerosidade excessiva80. Nesse contexto, o estudo de RENATO JOS DE MORAES, alm de servir de seguro guia para traar essa evoluo histrica, trouxe tambm os requisitos exigidos para reviso dos contratos, os quais eram o decurso temporal, a imprevisibilidade do fato modificante, o desequilbrio acentuado causado e a ausncia de culpa da parte prejudicada. O fundamento dado para a figura, por sua vez, foi a justia comutativa81.

At aqui possvel notar como alm da diversidade de fundamentos que propicia aprofundamento terico e alm de toda gama de recursos utilizados pelos juristas brasileiros para resolver casos concretos, tais como o solidarismo da legislao extravagante, as interpretaes extensivas de dispositivos legais, a utilizao das mais diversas teorias em profundidade, o apelo eqidade, o princpio do equilbrio econmico, o direito civil brasileiro enfrentou diversos problemas prticos e pde, ento, construir um conhecimento sobre eles. Assim o problema da inflao, da correo monetria, das relaes de consumo.Com o Cdigo Civil de 2002, vrios artigos e estudos monogrficos j foram apresentados sobre o tema82, cujo objetivo preponderante foi o de estudar os dispositivos

79 L. R. F. SILVA. Reviso dos contratos: do Cdigo Civil ao Cdigo do Consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 1999. R. F. DONNINI. A reviso dos contratos no cdigo civil e no cdigo de defesa do consumidor. So Paulo, Saraiva, 1999.80 A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. (parecer) Os princpios do atual direito contratual e a desregulamentao do mercado. Direito de exclusividade nas relaes contratuais de fornecimento. Funo social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual, in Estudos e pareceres de direito privado/A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. So Paulo, Saraiva, 2004, p. 141.81 R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 273.82 Como exemplo: J. B. ALMEIDA. Resoluo e reviso dos contratos, in Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002: convergncias e assimetrias, R. A. C. Pfeiffer e A. Pasqualotto (Coord.), p. 232-246. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2005. J. O. ASCENSO. Alterao das circunstncias e justia contratual no novo Cdigo Civil, in Revista trimestral de direito civil, v. 25, ano 7, jan./mar. 2006,p. 93-118. Rio de Janeiro, Padma, 2004. A. V. AZEVEDO. O Novo Cdigo Civil Brasileiro: Tramitao; Funo Social do Contrato; Boa-f Objetiva; Teoria da Impreviso e, em Especial, Onerosidade Excessiva (laesio Enormis), in Questes Controvertidas no novo Cdigo Civil,v. 2, M. L. Delgado e J. F. Alvez (Coord.). p. 9-29. So Paulo, Mtodo, 2004. N. BORGES. Aspectos positivos e negativos da reviso contratual no novo Cdigo Civil, in Revista dos Tribunais, n 849, jul. 2006, 95 ano, p. 80-110. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2006. J. A. DAZ. A teoria da impreviso no novo Cdigo Civil brasileiro, in Revista de direito privado, n 20, ano 5, out./dez., 2004, p. 197-216. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. R. F. DONNINI. Reviso de contratos bancrios, in Revista de direito bancrio e do mercado de capitais, n 26, ano 7, out./dez. 2004, p. 41-54. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. L. C. FRANTZ. Bases dogmticas para

legais vigentes. Esse trabalho tambm se insere nessa fase de estudo dos textos legais vigentes. Antes disso, ser necessrio proceder a um breve panorama das teorias estrangeiras at ento utilizadas no direito brasileiro para resolver o problema da onerosidade excessiva. Tal exame tem a finalidade de contextualizar os temas envolvendo a figura, compreender o porqu de seu aspecto s vezes problemtico, investigar os fundamentos trazidos para sua soluo e, se possvel, evitar alguns equvocos no entendimento dos textos legais vigentes.

interpretao dos artigos 317 e 478 do novo Cdigo Civil brasileiro, in Questes Controvertidas no direito das obrigaes e dos contratos, M . L. Delgado e J. F. Alvez (Coord.), p. 157/217. So Paulo, Mtodo, 2005.J. HORA NETO. A resoluo por onerosidade excessiva no novo Cdigo Civil: uma quimera jurdica, inRevista de direito privado, n 16, ano 4, out./dez., 2003, p. 148-160. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2003.A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Relatrio brasileiro sobre reviso contratual apresentado para as Jornadas Brasileiras da Associao Henri Capitant, in Novos estudos e pareceres de direito privado/A. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. So Paulo, Saraiva, 2009, pp. 182-198. J. MARTINS-COSTA. A reviso dos contratos no cdigo civil brasileiro, in Roma e Amrica. Diritto Romano Comune, v. 16, Mucchi, 2003, pp. 135-172. A. P. MONTEIRO. Erro e teoria da impreviso, in Revista trimestral de direito civil, v. 15, ano 4, jul./set., 2003, p. 3-20. Rio de Janeiro, Padma, 2003. A. C. F. PUGLIESE. Teoria da impreviso e o novo Cdigo Civil, in Revista dos Tribunais, n 830, dez. 2004, 93 ano, p. 11-26. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2004. O. L. RODRIGUES JR. Reviso judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da impreviso. So Paulo, Atlas, 2002. J. SADDI. Teoria da impreviso no contrato bancrio sob a gide do novo Cdigo Civil, in Revista de direito bancrio e do mercado de capitais, n 21, ano 6, jul./set. 2003, p. 184-210. So Paulo, Revista dos Tribunais, 2003. F. TARTUCE. A reviso do contrato pelo novo Cdigo Civil. Crtica e proposta de alterao do art. 317 da Lei 10.406/02, in Questes Controvertidas no novo Cdigo Civil, M. L. Delgado e J. F. Alvez (Coord.), p. 125-148. So Paulo, Mtodo, 2003.

CAPTULO III

A CLUSULA REBUS SIC STANTIBUS

INTRODUO

H dois sentidos principais para o uso da expresso rebus sic stantibus.

O primeiro e mais amplo utilizado para designar que todos os atos jurdicos tm sua eficcia subordinada a certa permanncia do estado das coisas no momento em que foram formados. Essa concepo no est preocupada em afirmar requisitos, em especificar remdios, ou delimitar o mbito de abrangncia da figura. Ela colocada mais no mbito das idias jurdicas, do que propriamente como uma figura jurdica de traos definidos83. Perceba-se que nem mesmo atrelada ao instituto do contrato ela est. Se aplicada ao campo contratual, estaria mais prxima de uma noo geral de alterao das circunstncias do que da onerosidade excessiva.O segundo e mais estrito sentido da expresso tem cabimento para designar a seguinte situao: a clusula rebus sic stantibus aquela pela qual os contratos de durao, ou de execuo diferida, podem ser revisados ou resolvidos, devido ocorrncia de fato superveniente, com algum grau de imprevisibilidade, que desequilibra a relao contratual de maneira grave84. Esse o sentido que, j adstrito ao campo contratual, tambm se aproxima da onerosidade excesiva.O processo que vai do nascimento da utilizao da expresso nas fontes jurdicas, nos sculos XI e XII, at sua delimitao, nos sculos XV e XVI, pode ser compreendido como o movimento da concepo ampla da expresso rebus sic stantibus delimitao conceitual da clusula rebus sic stantibus.Como j mencionado, a razo primordial de se estudar aqui a clusula rebus sic stantibus reside na evidncia de que ela foi e ainda citada tanto em obras especficas

83 R. J. MORAES. Clusula..., cit., p. 29.84 Idem, ibidem, p. 30.

como pela prpria jurisprudncia85, como uma figura capaz de conduzir reviso ou resoluo do contrato por desequilbrio superveniente. Dado esse motivo, poderia se objetar o porqu de se mencionar esse sentido amplo da expresso rebus sic stantibus, que ultrapassa o prprio campo contratual, e no se limitar to somente ao seu sentido estrito. Tal empreitada se justifica, em primeiro lugar, pela busca de preciso conceitual. Em segundo, mas no menos importante, porque tambm pretende-se compreender intrinsecamente o carter da onerosidade excessiva. E quanto a esse ltimo, a retomada das idias originrias pode muito contribuir.Cabe aqui tambm uma justificativa do estudo do sistema contratual romano, conduzido intencionalmente de forma bastante horizontal, a partir do perodo clssico. Seu objetivo primordial o de identificar uma caracterstica essencial que o diferencia do direito contratual moderno e que est diretamente relacionada com a questo da clusula rebus sic stantibus: a distino entre contratos e pactos. Como tal aspecto apenas se mostra claramente a partir do perodo clssico, bem como as referncias a textos germes da futura clusula rebus datam apenas da em diante, o perodo pr-clssico no constou da exposio. Alm disso, o sistema contratual romano clssico foi fielmente reconstitudo pelos ps-glosadores, os mesmos que tambm se ocupariam de forjar a aplicao da clusula rebus sic stantibus. Da o interesse numa viso panormica dele.Os elementos novos que se agregaram com o passar de pocas noo de contrato herdada dos romanos fizeram com que a clusula rebus s nascesse definitivamente entre os medievais e logo se transformasse no alvorecer da modernidade. A compreenso de tal processo ir favorecer o entendimento dos pressupostos para configurao da onerosidade excessiva, como por exemplo, a imprevisibilidade do fato superveniente.

85 Apenas para dar um exemplo de como a aluso clusula rebus sic stantibus recorrente, um julgado recente que examinou profundamente a questo do desequilbrio econmico superveniente em contrato de leasing no TJ/SP, inicia sua fundamentao com meno clusula rebus: TJ/SP, Embgos Infring. c/rev., 29 Cam., rel. Des. Pereira Calas, j. 25/10/2006.

SEO 1

ANTIGIDADE CLSSICA

comum trazer como fonte da clusula rebus sic stantibus as noes esticas trazidas nos pensamentos de CCERO (106-43 a.C.) e SNECA (4a.C. 65), nos seguintes trechos, muitas vezes citados86.De CCERO, na obra De Officiis, livro III: Portanto, nem sempre bom cumprir as promessas ou devolver depsitos. Se algum te confiou a espada quando so pedi-la quando insano, entreg-la seria insensatez e ret-la, um dever. Se aquele que te confiou o dinheiro fizer guerra contra a ptria, devolvers o depsito? No, penso eu, pois assim agirias contra a repblica, que deve constituir a principal afeio. Assim, muitas coisas que parecem honestas por natureza tornam-se, conforme as circunstncias, desonestas. Cumprir as promessas, aferrar-se aos acordos e devolver os depsitos deixam de ser aes honestas quando j no so teis87.

De SNECA, na obra De Beneficiis, Livro IV: A menor mudana deixa-me inteiramente livre para modificar minha determinao, desobrigando-me da promessa. Prometi-vos minha assistncia de advogado: porm, verifiquei que sua pretendida ao era contra meu pai. Prometi-vos acompanhar em viagem: certifiquei-me, ao depois, que ladres infestavam a estrada; prometi-vos patrocnio: no entanto meu filho adoeceu ou minha mulher acometida de dores de parto. Todas essas coisas devem estar na mesma situao que a do momento em que vos prometi, para que possais reclamar essa promessa como obrigatria. Ora, que maior mudana pode advir do que a certeza adquirida por mim desde que vos tornastes um homem maldoso e ingrato? O que vos prometi como a uma pessoa que o merecesse,

86 O. L. RODRIGUES JR. Reviso..., cit., pp. 49-50; L. C. FRANTZ. Bases dogmticas..., cit., pp. 158-159. G. OSTI mostra a ligao entre o pensamento dos filsofos e a glosa cannica. La cos detta clausola..., cit., pp. 185-186. A. M. R. MENEZES CORDEIRO os traz como autores da idia de que as circunstncias devem ser levadas em conta para a exigibilidade de um acordo, mas ainda em campo filosfico ou de oratria, no jurdico. Da boa-f no direito civil, II. Coimbra, Almedina, 1984, pp. 938-939.87 Traduo de O. L. RODRIGUES JR. Reviso..., cit., p. 50. Consultado tambm em CICERN.Sobre los deberes, Libro III, n. 95, trad. esp. J. GUILLN. Madrid, Alianza, 2008, p. 240.

recusar-vos-ei por indigno, e ainda poderei me lastimar de ter sido enganado88.As citaes acima, contudo, no so as nicas antecedentes do tema. Ele foi objeto da observao de outros filsofos e pensadores no ligados ao estoicismo. Assim, MENEZES CORDEIRO traz o seguinte fragmento de POLYBIOS (203-120 a.C.), transcrito de discurso:Se a situao agora ainda fosse a mesma do que antes, na altura em que vocs concluram a aliana com os Aetlios, ento vocs deveriam decidir-se a manter firme o vosso convnio pois a isso vos tereis obrigado; caso ela esteja, contudo totalmente modificada, ento ser-vos- justificado retomar, sem quaisquer dvidas, a questo...89.M. VILLEY, ao trazer o pensamento de PLATO (428-347 a.C.), informa que para o filsofo, em direito privado, seria injusto estabelecer que o depsito deve ser sempre restitudo, uma vez que pode se tratar do depsito de uma arma entregue a um louco. Esseexemplo, tornado clssico, ser retomado por ARISTTELES (384-322 a.C.) e por SANTO TOMS DE AQUINO (1225-1274)90. No dilogo A Repblica, Livro I, consta como fala de SCRATES:As tuas palavras esto cheias de beleza, Cfalo admiti. Mas essa virtude, a justia, afirmaremos simplesmente que consiste em dizer a verdade e restituir o que se recebeu de algum ou que agir deste modo umas vezes justo e outras injusto? Eu explico-o assim: toda a gente concorda que, quando se recebem armas de um amigo so de esprito que, tendo enlouquecido, as reclama, no se lhas devem restituir e quem lhes restitusse no seria justo, como no o seria quem quisesse dizer toda a verdade a um homem nesse estado91.Destarte, importa fazer como MENEZES CORDEIRO, referindo-se aos trechos de CCERO e SNECA, e t-los como textos de natureza filosfica e oratria, no textos estritamente jurdicos92, com o que a afirmao de fonte da clusula rebus deve ser

88 Traduo de O. L. RODRIGUES JR. Reviso..., cit., pp. 50-51. Consultado tambm em SENECA. Moral essays, v. III. On benefits, Book IV, n. 35, trad. ing. J. W. BASORE. Cambridge, Harvard University, 2006, pp. 277-79.89 A. M. R. MENEZES CORDEIRO. Da boa-f..., cit., p. 938.90 M. VILLEY. A formao do pensamento jurdico moderno. So Paulo, Martins Fontes, 2005,

p. 34.

91 PLATO. A Repblica. Dilogos I. Livro I. Publicaes Europa-Amrica, s.d., pp. 9-10.92 A. M. R. MENEZES CORDEIRO. Da boa-f..., cit., p. 939.

entendida tendo em vista esse distanciamento. J os outros exemplos, o de POLYBIOS e o de PLATO, este ltimo retomado por ARISTTELES, no permitem, por sua vez, afirmar uma exclusividade do estoicismo no trato original com o problema.No mais, tais exemplos no configuram ilustraes de desequilbrio contratual superveniente, mas de alterao das circunstncias num sentido bem largo, e at de impossibilidade relativa. O que se pode deles depreender que, de acordo com certas circunstncias, uma modificao ou um no cumprimento de uma promessa tambm pode ser um ato de moralidade. O que no pouco.

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DIREITO ROMANO

O direito romano o conjunto de normas que regeram a sociedade romana, desde a sua fundao, lendria, em 754 a. C., at a morte de JUSTINIANO, Imperador do Imprio Romano do Oriente, em 565 d. C. A codificao por este ordenada tida como conclusiva93.Aps sua morte, o direito romano teve destinos diversos. No Oriente desenvolveu-se o direito bizantino, a partir de compilaes ordenadas pelos imperadores para facilitar a aplicao da obra de JUSTINIANO94.No ocidente, aps a queda do Imprio (476 d. C., data convencional), o estudo do direito romano decaiu, sendo as noes jurdicas ensinadas de modo bastante imperfeito e pouco profundo. O que perdurou at o sculo XI, poca conhecida como a do ressurgimento do direito romano, na Universidade de Bolonha, pela Escola dos Glosadores(sc. XI a XIII), fundada por IRNRIO95.

Foi a Escola dos Ps-Glosadores ou dos Comentadores (sc. XIII a XV) que cuidou da aplicao prtica do direito romano descoberto s necessidades de seu tempo. Fundindo as normas de direito romano com as de direito cannico e com as dos direitos locais, criou o denominado direito comum, que do sculo XIII at s codificaes de direito privado vigorou em diversos pases europeus, como Itlia, Alemanha, Frana,Espanha e Portugal96.

O Corpus Iuris Civilis (denominao dada pelo romanista DIONSIO GODOFREDO em 1538 codificao de JUSTINIANO) foi, portanto, a base do direito da Europa ocidental por mais sete sculos, at o advento das codificaes. Ele formado pelo Codex (leis emanadas dos imperadores, inclusive JUSTINIANO, em 534 d. C.), o Digesto ou Pandectas (que a seleo da obra dos jurisconsultos clssicos, composto de 50 livros

p. 67.

93 T. MARKY. Curso elementar de direito romano, 8 ed. So Paulo, Saraiva, 1995, p. 5.94 J. C. MOREIRA ALVES. Direito Romano, I, 2 ed., rev. e acresc. Rio de Janeiro, Borsoi, 1967,

95 Idem, ibidem, p. 69.96 Idem, ibidem, p. 70-71.

nele esto presentes tambm as interpolaes, alteraes feitas pelos compiladores para harmonizar os textos escolhidos com os princpios ento vigentes), as Institutas (um manual de direito para estudantes) e as Novelas (novas leis baixadas por JUSTINIANO entre 535 e 565 d. C.)97.Para melhor compreender a evoluo ocorrida no direito romano desde sua criao at sua codificao, costuma-se dividi-lo em perodos. O perodo do direito antigo ou pr-clssico, (das origens de Roma aproximadamente 149 e 126 a.C.), o perodo clssico, (da at 305 d. C.), e o perodo ps-clssico ou romano-helnico, (da at 565 d.C., sendo que o perodo em que reinou JUSTINIANO, de 527 a 565 d.C., conhecido pordireito justinianeu)98.

O direito do perodo clssico foi construdo em sentido contrrio ao formalismo e materialismo do perodo anterior em razo da atuao dos pretores urbano e peregrino. Como o ius civile s se aplicava aos cidados romanos, surgiu a necessidade de se disciplinarem as relaes envolvendo estrangeiros (pelo desenvolvimento do comrcio), em virtude do que foi criada a pretura peregrina, e desenvolveu-se o ius gentium, fundado no costume comercial e respeito boa-f (palavra dada)99.O pretor, tanto urbano (que cuidava dos conflitos entre romanos) como o peregrino, tinha o poder de conceder e negar aes. Tais aes passaram a ser concedidas a situaes que no eram, no perodo anterior, protegidas. desta maneira que ao lado do ius civile vai se construindo o ius honorarium ou praetorium, pelo trabalho dos pretores. Paralelamente, o pretor urbano vai acolhendo tambm as solues dadas pelo pretor peregrino aos conflitos comerciais.Com o desenvolvimento ocorrido no perodo clssico j se pode falar da concepo romana de contrato que, por sua vez, diferente da moderna. Com base em texto de GAIO (sc. II d.C.) sobre a constituio das obrigaes, os intrpretes do direito romano classificaram os tipos contratuais tambm quanto a sua constituio100. Podem ser eles verbais, literais, reais ou consensuais.

97 T. MARKY. Curso..., cit., p. 9-10.98 J. C. MOREIRA ALVES. Direito Romano, I, cit., p. 10.99 Idem, ibidem, p. 80-82.100 J. C. MOREIRA ALVES. Direito Romano, II. Rio de Janeiro, Borsoi, 1966, p. 146.

40Por tal classificao se pode bem entender os contratos entre os romanos. Em primeiro lugar, no havia a noo geral e abstrata de contrato, mas certos tipos contratuais, como a compra e venda, o mtuo, a stipulatio. Em segundo lugar, cada tipo contratual no se definia apenas como um acordo de vontades.O acordo de vontades existia e era o elemento subjetivo pressuposto em cada contrato. Mas alm dele, havia mais um elemento objetivo, que podia ser a entrega de uma coisa, ou a observncia de uma forma prescrita, responsvel por criar a obrigao, por fazer com que o contrato obrigasse101.Ilustrando tal concepo pela classificao apontada, aparecem em primeiro lugar os contratos verbais. A stipulatio, era o contrato verbal por excelncia, e o mais importante de todos os contratos no direito romano. Por sua simplicidade e por ter natureza de negcio jurdico abstrato (a obrigao surgia apenas da prolao das palavras solenes), era imenso seu campo de aplicao. Pela stipulatio era possvel tornar obrigatria qualquer conveno. Foi justamente por causa da amplitude do seu uso que os romanos nonecessitaram superar a tipicidade contratual: todo e qualquer acordo de vontade seria obrigatrio se feito atravs dela102.No perodo clssico, ainda se celebrava atravs de pergunta e resposta, em termos orais e solenes, entre os futuros credor e devedor, empregando-se o verbo spondere. Perceba-se aqui, portanto, o elemento subjetivo acordo de vontades e o elemento objetivo pronncia das palavras solenes que faz gerar a obrigao. No perodo ps- clssico, nela incidiram mudanas gradativas, com conseqncias importantes para a concepo romana de contrato.Os contratos literais, por sua vez, tambm tinham em uma forma a escrita o seu elemento objetivo gerador da obrigao. Entretanto, so mal conhecidos, pela escassez de fontes a seu respeito e por no serem muito utilizados pelos romanos. Eram eles o contrato literal romano, os contratos literais estrangeiros (GAIO) e contrato literaljustinianeu103.

101 Idem, ibidem, p. 138.102 Idem, ibidem, p. 173-4.103 Idem, ibidem, p. 181-2.

Os contratos reais tinham como elemento objetivo gerador da obrigao a entrega efetiva de uma coisa, alm do acordo de vontades, pressuposto subjetivo. Eram eles o mtuo, o comodato, o depsito e o penhor104.Os contratos consensuais eram excees quela regra de que havia sempre ao lado do acordo de vontades um elemento objetivo gerador da obrigao, pois neles a vontade por si s j tinha fora obrigatria. Eram a compra e venda, a locao, o mandato e a sociedade. Consistiam numa primeira exceo ao formalismo.Para completar o quadro dos contratos e dos acordos de vontade no perodo clssico do direito romano, resta falar sobre os pactos. Se contrato no era sinnimo de acordos de vontade no direito romano, por outro lado, havia outros acordos de vontade queno eram contratos: eram os pactos. De acordo com A. CORRA e G. SCIASCIA, os pactos eram, ontologicamente, acordos sem formalidades105.O conceito de pactum variou nas diferentes etapas de evoluo do direito romano. No tempo da lei das XII Tbuas, pactum trazia a idia de celebrao de paz, como o acordo de vontades que visava extinguir um vnculo jurdico entre as partes, para eliminar a pretenso de uma delas contra a outra. No perodo clssico, continuava-se a reconhecer apenas a eficcia negativa do pactum: no se podia criar, atravs dele,obrigao, nem era ele protegido por uma actio. Apenas se permitia que ele fosse tutelado por uma exceptio, um meio de defesa indireto106. Mas, ainda no direito clssico, ao lado desse entendimento, passou-se a atribuir ao pactum eficcia positiva, para que as partes pudessem modificar uma relao obrigacional, atravs de um pacto adjeto107.Pouco a pouco, os juristas clssicos comearam a analisar os elementos que constituam os pactos, dando especial ateno ao acordo de vontades. Os jurisconsultos do sculo III d. C. esclareceram que tanto no pacto como no contrato havia acordo de vontades, mas que as figuras se distinguiam porque no contractus (com exceo dos consensuais) o acordo de vontades se agregava a um elemento objetivo (causa, ou causa108civilis, segundo T. MARKY), enquanto que, no pactum, havia apenas acordo de vontadessem a causa, sendo certo que a causa era o elemento que gerava a obrigao. Isso foi se alterando a partir do perodo clssico, com alguns pactos recebendo proteo por aes.

104 Idem, ibidem, p. 150.105 A. CORRA. G. SCIASCIA. Manual de direito romano, 6 ed.So Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, p. 207.106 J. C. MOREIRA ALVES. Direito Romano, II, cit., p. 242.107 Idem, ibidem, p. 242.108 T. MARKY. Curso..., cit., p.119.

Eram os pacta uestita (vestidos denominao dos glosadores), que podiam ser adjetos (acessrios), pretorianos (criao do pretor), ou legtimos (decorrentes de constituies imperiais)109.Pelo exposto at aqui, pode-se perceber como no direito romano nem todo acordo de vontades gerava obrigao: contratos ou pactos eram acordos, mas em regra s aquele produzia obrigaes. Ou seja, no vigorava o chamado princpio do consensualismo.O acordo de vontade era pressuposto ftico do contrato (esse entendimento formulado no perodo justinianeu, mas ele presente no perodo clssico). Utilizando-se da frmula de J. C. MOREIRA ALVES, [contrato = acordo de vontade + elemento objetivo que faz surgir a obrigao]110, com exceo dos contratos consensuais.

Alguns textos de jurisconsultos clssicos, colacionados no Digesto, so costumeira e inadvertidamente referidos como um germe romano daquilo que se tornaria a clusula111.O primeiro deles um trecho de NERATIO (Neratius Priscus, jurisconsulto do final do sculo I ao incio do sculo II), (D. 12, 4, 8):O que Srvio escreve no livro dos dotes, que se entre as pessoas que contraram npcias uma delas no tivesse atingido a idade legal, pode ser restitudo o que entretanto lhe fora dado a ttulo de dote, assim deve ser entendido, sobrevindo o divrcio antes que ambas as pessoas tenham a idade legal, seja feita a restituio daquele dinheiro, porm, permanecendo no mesmo estado matrimonial, no possvel mais esta restituio, tambm daquilo que a esposa haja dado ao esposo a ttulo de dote, tanto que perdure entre eles a afinidade; porque aquilo que se d por esta causa, no se tendo consumado todavia a conjuno carnal, como era preciso que acontecesse a fim de que chegasse a constituir o dote, ou enquanto isso possa vir a suceder, no haver restituio112.

109 J. C. MOREIRA ALVES. Direito Romano, I, cit..., p. 243-45.110