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A Noiva do Desejo Anne Hampson Aquele era o homem mais improvável para Kate se apaixonar... Mas ela se apaixonou! Mulheres casadas, pensava Kate eram maltratadas, exploradas e viviam à mercê dos maridos. Ela não queria saber de casamento. Por isso, atendeu prontamente ao pedido de ajuda de sua amiga Vicky, que queria terminar o noivado com o prepotente Julian Parnell. Kate planejou um jeito de comprometê-lo. Mas as coisas não saíram exatamente como imaginou, e se viu raptada e levada para Gales. Julian queria vingança e escolheu a pior de todas: obrigou-a a casar com ele. Agora, estava presa na própria armadilha, escrava de cama e mesa de um homem que desprezava e que podia se tornar terrivelmente violento!

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A Noiva do Desejo

Anne Hampson

Aquele era o homem mais improvável para Kate se

apaixonar...

Mas ela se apaixonou!

Mulheres casadas, pensava Kate eram maltratadas, exploradas e viviam à mercê dos maridos. Ela não queria saber de casamento. Por isso, atendeu prontamente ao pedido de ajuda de sua amiga Vicky, que queria terminar o noivado com o prepotente Julian Parnell. Kate planejou um jeito de comprometê-lo. Mas as coisas não saíram exatamente como imaginou, e se viu raptada e levada para Gales. Julian queria vingança e escolheu a pior de todas: obrigou-a a casar com ele. Agora, estava presa na própria armadilha, escrava de cama e mesa de um homem que desprezava e que podia se tornar terrivelmente violento!

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CAPITULO I

A neve caía em grandes flocos, que passavam pela janela levados pelo vento forte, indo se depositar nas calçadas numa camada branca e ondulada. Kate apoiou os cotovelos no parapeito largo, olhando através do vidro com uma expressão desconsolada. — Tinha que acontecer no fim de semana — queixou-se, virando-se para a amiga que entrava com a bandeja do café. — Passamos a semana inteira trancadas naquele escritório abafado, e começa a nevar justamente quando, temos folga. Vamos passar dois dias presas neste apartamento, apesar de todos os nossos planos. — Podíamos pegar o carro para ir a algum lugar. — Carole pôs a bandeja sobre a mesinha e começou a servir o café. — Talvez o tempo melhore um pouco. — Não acredito. Além disso, que graça teria sair por aí sem poder tirar o nariz de dentro do carro? — Kate afastou-se da janela e sentou no sofá. — Podíamos arrumar um pouco o apartamento — disse Carole, com uma careta. — Arrumar? Não faz meu gênero, você sabe muito bem. Sempre há coisas muito mais interessantes a fazer do que cuidar da casa. — Por exemplo? — Ora, ler um livro, qualquer coisa assim. Carole deu uma risada. — Ainda bem que você está decidida a não casar. — E é verdade. O que o casamento pode oferecer a uma mulher? Carole continuou a rir, enquanto colocava o açúcar em sua xícara. Tinha vindo morar com Kate há um mês, quando a amiga que dividia o apartamento com ela saiu para casar. A estada de Carole era temporária. Seu marido estava na América, a serviço da firma, por três meses. Sentindo-se solitária em casa, ela voltou a trabalhar na mesma companhia de seus tempos de solteira, onde Kate era

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secretária do diretor administrativo. Ao saber que a amiga estava morando sozinha, ofereceu-se para dividir o apartamento pelo prazo da viagem do marido, pois ficava muito mais perto do centro da cidade. — Veja você, por exemplo — continuou Kate —, quanto recebe por hora, quando está trabalhando em casa? — E o que importa? — perguntou Carole, surpresa. — Nunca pensei nisso. — Pois devia pensar. Você não pode ficar com o carro, não é? — David precisa dele. — E ele sai todas as manhãs, deixando você presa em casa. lavando, passando, cozinhando, cuidando do jardim... já parou para calcular quanto David deveria estar lhe pagando por tudo isso? — Claro que não! Que idéia maluca! — Faça as contas. Vai descobrir que trabalha como uma escrava por uns míseros tostões por hora. — Não seja ridícula! — Carole explodiu numa gargalhada. — Que bobagem! Kate encostou-se nas almofadas e lançou um olhar inquisidor para a amiga. — Pense bem. Você trabalha no mínimo doze horas por dia... todas as mulheres casadas fazem isso. Agora, quanto David lhe dá para as despesas pessoais? — Quatro libras por semana só para mim. — Então, não ganha nem seis pence por hora... porque você trabalha sete dias por semana, lembre-se disso. Você é uma trouxa, Carole: todas as mulheres casadas são trouxas. Estão sendo exploradas, e isso é feito de um modo tão esperto que nem notam. Kate tomou um gole de café e ficou esperando pelo efeito de suas palavras. Carole estava com a testa franzida. — Hum... imagine só, nem seis pence por hora... — Mais casa e comida, é claro.

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— Sabe, Kate, nunca pensei no assunto sob esse ângulo. — A maioria das mulheres não faz esse cálculo. Trabalham o tempo todo, fazendo coisas o menos interessantes possível, mal têm tempo para lazer ou descanso... e tudo por uns míseros trocados por hora. Vocês estão todas loucas! — Bem... nunca pensei nisso. É horrível. Não admira que suas amigas casadas a invejem. — Claro que me invejam. Eu trabalho só sete horas por dia e fico com tudo que ganho. Tenho meu próprio carro, posso ir aonde quiser e ficar o tempo que desejar. Veja esses dois últimos fins de semana em que saímos para passear. Você não poderia ter ido comigo, se David estivesse ern casa. — Talvez eu tivesse saído com ele — comentou Carole, num tom cheio de dúvidas. — Talvez — repetiu Kate, com desdém. — Você sabe muito bem o que os homens fazem nos fins de semana. O carro, por exemplo, tem que ser lavado e revisado, e eles passam a maior parte do tempo lidando com óleo, baterias e essas coisas. Depois, vão mexer um pouco no jardim e logo começam a conversar com o vizinho, e você nem mesmo pode se juntar a eles, porque estão falando do serviço ou de esportes. Sempre as mesmas bobagens. Vamos, admita. — Acho que está certa. — Carole parecia muito triste e começava a imaginar se não havia cometido um terrível erro ao casar com seu adorado David. — Você fez o casamento parecer tão aborrecido, Kate. — É bem mais do que isso. Oh, você ainda não teve tempo de perceber, porque está casada há muito pouco tempo. Pode ter certeza: não há nada de bom no casamento para a mulher. Quero distância dele! — E pretende mesmo ficar solteirona? — Não gosto dessa palavra. Sou uma moça solteira. — Agora, sim. Mas daqui a vinte anos, não será mais uma moça.

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— Mas vou parecer muito mais nova do que qualquer mulher casada da minha idade. — A resposta veio rápida. — Elas estarão envelhecidas, abatidas pelas infindáveis preocupações e excesso de trabalho. — De certo modo... você tem razão. — Claro que tenho razão! E também tenho juízo. Como já disse, os homens são uns exploradores, e quero distância deles! — Você os odeia? — Não, exatamente. Só não estou interessada neles, é tudo. Fazem coisas terríveis com as mulheres, e elas aceitam porque são umas tolas... Kate foi interrompida pela campainha do telefone. Pondo a xícara sobre a mesinha, foi até o hall para atender. Ficou escutando por alguns instantes, com a testa franzida. Várias vezes tentou interromper e, quando finalmente conseguiu, parecia irritada: — Outra vez, Vicky? Já é a quinta! — Eu sei — gemeu a amiga, do outro lado da linha. — Mas ele é tão horrível, Kate. Não posso continuar noiva dele. — Então, dê o fora nele — aconselhou Kate, tentando ser paciente. — Você já devia ser perita nisso. O que posso fazer? — Esse é o problema, Kate. Não posso dar o fora nele... — Então, bolas, case com ele... — Não posso... Ah, Kate, não fique brava comigo. Você é a única que pode me ajudar. Nunca poderia casar com um homem como esse... Ele é terrível, cruel e mulherengo... para falar a verdade — continuou Vicky, numa voz um pouco assustada. — Acho que é bem capaz de fazer "coisas" com as moças, se é que você entende. Kate deu um suspiro e disse, num tom cansado: — Não, Vicky, não estou entendendo. — Ora, claro que está! Você conhece muito bem esse tipo de homem, esses que convidam as moças para um passeio e...

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— Houve uma pequena pausa e depois ela acrescentou: — Ele é assim, Kate, e é por isso que quero escapar. É cruel, duro... — Vicky estava quase em lágrimas. — Por que então ficou noiva? — Nem sei. Você me conhece, Kate, fico toda entusiasmada com eles e depois não consigo dizer não. Mas, dessa vez, aprendi uma lição. Nunca mais direi sim sem pensar nas consequências, se você me ajudar a sair desta. Por favor, Kate, por favor! Kate olhou para o telefone por alguns instantes, sentindo-se inclinada a batê-lo no gancho. Foi quando ouviu os soluços desesperados no outro lado da linha. — Pelo amor de Deus, Vicky, o que quer que eu faça? Por que não pode simplesmente dar o fora nele, como já fez com tantos? — Ele me mataria... Além disso há a tia Margaret. — O que ela tem com isso? — Kate não a conhecia em pessoa, mas sabia que adorava a sobrinha, que morava com ela desde a morte da mãe, há quatro anos. — Ela diz que não aguenta mais os meus casos... — Bem, não posso culpá-la por isso. — E ela disse que me deixará sem um tostão, se eu desistir de Julian. Sabe?, tia Margaret acha que ele é sensacional. — E ela está falando sério? — Sim, claro que sim. Algo na voz de Vicky convenceu Kate. Pensou por alguns segundos e disse: — Não conheço sua tia, mas, pelo que você me contou, parece ser muito esperta. Tem certeza de que esse Julian é assim tão mau como está pintando? — Ele é terrível. Estou apavorada. Por favor, Kate, deixe-me ir até aí para conversarmos... ou então, venha para cá. — Com esse tempo? Está muito ruim para se dirigir.

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— Então, irei até aí. Mas você não está sozinha, não é? Tia Margaret foi visitar uma amiga doente e aqui poderíamos conversar em particular. Estou desesperada. Eu... eu prefiro me matar a casar com Julian. Juro por Deus! — Não diga besteiras. Estarei aí o mais cedo possível. Mas para ser franca, não sei como poderei ajudar. — Você vai pensar em alguma coisa, é prática e muito esperta. Não se entusiasma com os homens, sabe como lidar com eles. Kate não respondeu e desligou o telefone. — Más notícias? — perguntou Carole, quando ela voltou para a sala. — Você está um pouco pálida. — Deve ser de raiva — respondeu Kate, tomando um gole da xícara de café. — Hum... está gelado — disse, fazendo uma careta. — Raiva? — Carole lançou-lhe um olhar curioso. — Nunca a vi com raiva. — Você não me conhece. Era Vicky, uma amiga. Acho que já lhe falei dela. Fui apresentada a ela através da irmã, que é mais da minha idade. Acontece que Liz, a irmã, casou e foi morar no Canadá. Continuei a amizade com Vicky, apesar de não combinarmos muito para estarmos saindo juntas. O hobby de Vicky é ficar noiva e depois dar o fora no cara. — Meu Deus! Pelo seu modo de falar, parece que ela já ficou noiva meia dúzia de vezes! — Nem tanto. Cinco, para ser exata. — Está brincando! — Carole arregalou os olhos. — Pois é a mais absoluta verdade. — Mas por quê? Qual é a desculpa para isso? — Ela diz que não consegue deixar de se envolver em situações românticas... música suave, luar, essas coisas... e, quando a pedem em casamento, não sabe dizer não. — Kate estava rindo, mas fez uma pausa e ficou pensativa. — Desta vez, parece estar com medo do

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homem. Se está sendo sincera, ele não é grande coisa. De qualquer modo, está com medo do tal Julian, e há um outro motivo também. — Kate olhou para o relógio. — Vicky quer que eu vá lá. Acha que posso ajudá-la. — Ajudá-la? Como? — Não sei, mas Vicky parece ter muita fé em mim como sua salvadora. É melhor eu ir. Sinto muito deixá-la aqui sozinha, Carole, mas tentarei voltar antes do almoço. — Certo. Tome cuidado, as ruas devem estar muito escorregadias. O rosto encantador de Vicky estava molhado de lágrimas. Parada na porta do pequeno chalé afastado da cidade, parecia não notar os flocos de neve que rodopiavam à sua volta, entrando pelo hall. — O que está fazendo aqui fora? — Kate tinha estacionado o carro e agora subia os degraus da varanda. — Para dentro, vamos, e não continue com essa cara tão triste. Não é o fim do mundo. — Oh, Kate, muito obrigada por ter vindo. Você é tão prática! Tem razão, não é o fim do mundo. Agora que está aqui, tenho certeza de que tudo vai dar certo. As duas foram para a sala de visitas onde um fogo alegre crepitava na lareira. Kate tirou as luvas e desabotoou o casaco. — Você está linda, Kate! Pare, deixe-me vê-la! — Vicky deu um passo atrás, admirando o traje da amiga, vermelho com uma gola de pele branca, que se repetia no capuz e na barra. Para completar o conjunto, Kate usava finíssimas botas de pelica branca. Seu rosto parecia iluminado pelo tom vermelho do casaco, que acentuava os maxilares bem feitos e a testa inteligente. Seus cabelos claros e olhos castanhos tomavam reflexos dourados sob a luz do fogo, e ela se movimentava com a graça de uma ninfa, apesar de parecer totalmente inconsciente de seu charme e sua inteligência. — Vamos, Vicky, pare com isso e conte logo toda a história. — Quer uma xícara de café?

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— Ainda não. Quero saber o que está acontecendo para poder pensar no que precisaremos fazer. De início, não havia nada de novo. Julian Parnell tinha proposto casamento a Vicky duas semanas depois de se conhecerem. Fazia agora três semanas que estavam noivos. — Três semanas, hein? Estamos melhorando — interrompeu Kate, erguendo as sobrancelhas. — Por favor, não caçoe de mim. — Apesar de estar brincando, Kate não conseguiu deixar de sentir um pouco de pena da amiga. — Então, descobri que não sinto nada por ele, — Bem, continua seguindo o seu padrão. Por que não lhe contou isso imediatamente? — Porque estava com medo. — Os olhos cinzentos de Vicky se encheram de lágrimas novamente. — Pensei que fosse me matar, quando insinuei qualquer coisa sobre terminar o noivado. E ele disse, num tom mandão, horrível, que em vez de acabar com tudo eu tinha que casar imediatamente. — Depois de conhecê-la apenas há cinco semanas? — Sim... oh, e ele ia me levar para morar num mosteiro... — Um o quê? — Um antigo mosteiro. É um lugar primitivo, sem nenhum dos confortos modernos. Eu não poderia aguentar isso, não é? Nenhuma outra moça aguentaria. Kate olhou para a amiga, com um ar incrédulo. — Tem certeza sobre o que está falando? — perguntou, num tom cauteloso. — Juro por Deus! — Onde ele está morando atualmente? — Num apartamento aqui mesmo em Londres, mas comprou esse mosteiro, bem no meio das montanhas de Gales. Fica a quilómetros de

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qualquer lugar civilizado e tem estado desabitado há anos... Oh, Kate, ele podia me assassinar lá e ninguém jamais ficaria sabendo! — Não seja boba, Vicky. Por que ele ia querer matá-la? — Por que os homens matam as mulheres? Mesmo que não me matasse, sei que seria cruel, que judiaria de mim. — Como pode ter certeza disso? Ele tem sido grosseiro? — Já lhe contei... ele ficou furioso, quando insinuei que queria terminar o noivado. Foi pavoroso, fiquei tão assustada! — E que história é essa sobre sua tia? Pelo que me disse, ela quer que você continue com esse Julian. — Tia Margaret simplesmente me proibiu de ao menos pensar em acabar com o noivado. Diz que Julian é o homem certo para mim e que... — Um pequenino soluço interrompeu as palavras de Vicky, e Kate permaneceu em silêncio, olhando para o fogo. — Ela insiste que eu preciso de alguém com mão firme, para me manter na linha. Não acha que tia Margaret está sendo muito dura comigo? O que devia responder, se concordava inteiramente com a tia de Vicky? No entanto, havia um mundo de diferenças entre ser mantida na linha e ser aterrorizada. — Quer dizer que esse tal de Julian é realmente do tipo dominador? — Claro que é, já lhe contei. — Pensei que talvez estivesse exagerando. Viu um brilho de indignação no olhar da amiga. — Não, não estava. Ele é como... um selvagem... — Bobagem. Agora, você está exagerando. Diga-me, do modo mais racional possível, como ele é. Qual é seu tipo físico? — É alto, de ombros largos. Bronzeado... Espere, vou lhe mostrar uma foto. Foi tia Margaret quem tirou. Julian não gostou muito da idéia. Kate estudou a fotografia, com a testa franzida. Não parecia haver exagero. Ele tinha jeito de ser mesmo um homem violento e autoritário.

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— Como foi se apaixonar por um tipo como ele? — perguntou, surpresa, observando o queixo forte, como esculpido em pedra, e os lábios finos, que, sem dúvida alguma, demonstravam crueldade. — Essa foto é fiel? — Ele é exatamente assim. — Vicky estremeceu. — Agora entende por que não posso casar com um homem desses? — Sim, acho que tem razão. — Quando penso no assunto, acho tudo muito estranho. Imagine só, me pedir em casamento depois de quinze dias. Ele me beijou... oh, Kate, ele sabe beijar, isso lhe digo... foi... — parou de falar e corou. — Bem, eu não pude resistir e disse sim. — Quinze dias... Kate ficou olhando, intrigada, para a foto que tinha nas mãos. Nunca suspeitaria que um homem desse tipo pudesse se apaixonar tão rapidamente. De fato, não podia nem mesmo imaginá-lo apaixonado por alguém. Então, por que havia pedido Vicky em casamento? Ela não parecia adequada para alguém como ele, nenhuma mulher pareceria. O mais importante: que mulher aceitaria casar com um homem assim? Só uma idiota... alguém como Vicky, imatura e sonhadora. Logo uma expressão de compreensão tomou conta do rosto de Kate. É claro, ele era um homem viril e primitivo. Tinha escolhido uma mocinha como Vicky, uma criança que poderia dobrar à vontade, sem encontrar nenhuma oposição. — E como ele conseguiu cair nas graças da sua tia? Não sei como ela pôde simpatizar com um homem assim. — Já lhe contei. Ela está sempre dizendo que preciso de alguém para me disciplinar, que tenho que encontrar um marido que me dê uma boa surra. — Uma surra! Não posso acreditar que ela tenha dito isso! Vicky baixou os cílios longos e abafou um soluço, antes de dizer. — É verdade, Kate. Foi isso mesmo o que ela disse.

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— Mas... — Kate ficou sem palavras por alguns momentos. — Por que ela a condenaria a uma vida de sofrimentos com um homem como esse? — Por causa dos meus casos amorosos. Tenho lhe dado muito trabalho, você sabe. — Sem dúvida. No entanto, não sei como ela poderia esperar que você continuasse com esse noivado. Percebe que esse tal de Julian não a ama, Vicky? — Não... — A mocinha pareceu ficar magoada, apesar de querer se livrar de Julian Parnell o mais rápido possível. — Ele me disse que eu era exatamente o que estava procurando numa esposa. — E é verdade. — Com uma nota muito séria na voz, Kate explicou a Vicky as conclusões a que tinha chegado. — Quer dizer que está mesmo disposta a me ajudar? — A mocinha não conseguia esconder o entusiasmo. — Vai pensar em algum modo de me livrar dele! — Pode ficar tranquila. Deixe tudo comigo. Primeiro, temos que acabar com a imagem dele junto à sua tia. Uma vez conseguido isso, o resto será fácil. Ela vai ser a primeira a querer que você rompa o noivado. Kate ficou olhando para as chamas. Era fácil falar, mas levar o plano a efeito era outra coisa. Não tinha dúvida de que ia lidar com um homem não só esperto como inescrupuloso, mas, assim que encontrasse um meio de derrotá-lo, não hesitaria em ir em frente. — Não sei como conseguiremos prejudicá-lo com tia Mar-garet. — Vicky parecia um pouco desanimada. — Ela acha que ele é o maior. — Então, não deve ser uma pessoa de muita percepção. Não se preocupe, cuidaremos disso. — Já pensou em alguma coisa? — perguntou Vicky, mudando de expressão, como era hábito seu. — Oh, diga-me, o que é? Conte, Kate! — Não, não tão rápido. Ainda preciso pensar um pouco. Estamos tratando com um homem muito esperto e seria desastroso se ele percebesse nosso golpe. — Não pôde evitar de sentir um arrepio. Se

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acontecesse algo errado com o plano que estava elaborando, ela é que correria perigo. Pediu a Vicky que fosse fazer um café, enquanto pensava em silêncio. Fez duas ou três perguntas a amiga, até se convencer de que havia escolhido a alternativa mais indicada. Finalmente, chegou à conclusão de que tinha encontrado a resposta. Era um plano simples, com poucas possibilidades de falha. Minutos mais tarde, enquanto tomavam café em frente da lareira, expôs suas idéias. — Você é um gênio! — elogiou Vicky, cheia de admiração. — Eu sabia que você ia conseguir, Kate, Julian nem imagina que adversária encontrou. — Acho que tenho todas as condições para enfrentá-lo. E até vou me divertir com isso. — Pegou um biscoito e mordeu, pensativa. — Acha mesmo que ele me oferecerá um drinque? — Tenho certeza. Ele sempre tem uma garrafa por perto. Ah, um beberrão também, pensou Kate. Mas, enfim, homens desse tipo sempre gostam de álcool. Quando estava saindo, mais uma vez lembrou a Vicky o que ela precisava fazer: — Aconteça o que acontecer, esteja lá na hora exata. O sucesso do plano depende de você e sua tia aparecerem no momento certo. — Sei disso... pode ficar sossegada. Estaremos lá exatamente às nove e meia. — Muito bem. Cinco minutos a mais ou a menos não farão diferença. — Oh, Kate, você é maravilhosa! Muito obrigada. Sabia que podia contar com sua amizade para me livrar desse homem terrível. — Fez uma pausa e acrescentou, um pouco incerta: — Agora, acredita que ele é tão mau como eu lhe disse? — Sim.

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— Kate, juro que ele é o tipo capaz de fazer qualquer coisa a uma mulher. — Vamos, esqueça isso. De qualquer modo, ele não terá oportunidade de fazer nada de mau a você. Pare de se preocupar. Logo estará tudo acabado. Vicky acenou, até perder o carro de vista. Kate pegou a estrada, com uma expressão séria e decidida no rosto bonito. Sua amiguinha podia ser frívola e imatura, mas, na verdade, era ainda muito ingênua... nunca conseguiria viver com um canalha como Julian Parnell. Como ele se sentiria, quando visse seus planos fracassarem? Não pôde reprimir um estremecimento. Felizmente, não estaria lá para ver sua reação. CAPITULO II Kate estacionou no pátio em frente ao prédio , e abriu o capo do carro, tirando a cabeça do distribuidor, procurando fazer o menor ruído possível. Por alguns instantes, ficou olhando para a janela iluminada do segundo andar. Pelas informações de Vicky, o apartamento do térreo estava desocupado e era por isso que tinha conseguido elaborar seu plano tão rapidamente. Com passos decididos, subiu os degraus de mármore e bateu na porta de Julian Par-nell. Em poucos minutos, estava frente a frente com ele. Não havia dúvida. A fotografia dava uma impressão verdadeira. Julian vestia um roupão e seus cabelos estavam molhados, como se tivesse saído do banho naquele momento. Ficou olhando para ela, com uma pergunta nos olhos escuros. Kate deu-lhe um de seus sorrisos mais encantadores. — Sinto muito incomodá-lo. É que estou interessada no apartamento do andar de baixo. Pode me dizer alguma coisa sobre ele? Está para alugar, não está?

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Houve um pequeno silêncio. Os olhos de Julian Parnell brilharam de um modo estranho, antes de ele responder, num tom calmo e suave: — Há uma placa no jardim e outra na janela... — Oh, sim, eu as vi — interrompeu Kate, apressadamente. — Mas sabe como é difícil se encontrar um apartamento desses hoje em dia e fiquei imaginando se elas ainda estariam valendo. Por acaso sabe se já alugaram? — Não sou corretor e não posso lhe dar nenhuma informação. Sugiro que espere até amanhã, quando poderá telefonar para o número que está na placa. — Sim, é o que farei. Muito obrigada... espero não tê-lo perturbado. Os olhos escuros brilharam novamente, medindo-a de alto a baixo. Kate teve dificuldade em controlar o rubor de raiva que começou a querer tomar conta de seu rosto. O homem era insolente. Seus olhos a despiam, e ela não sentiu mais dúvidas sobre o que Vicky tinha dito. — Boa noite. — Virou-se para descer a escada. — Boa noite. Tome cuidado, há um ponto escuro logo no primeiro patamar. — Obrigada. — Kate ouviu a porta se fechar, quando chegou ao andar térreo. Alguns minutos depois, estava novamente tocando a campainha de Julian, mostrando grande agitação. — Nem sei como me desculpar por ter que perturbá-lo outra vez. Por favor, poderia me deixar usar seu telefone? Não consigo dar a partida no carro. Ele franziu a testa. — Estava andando bem, quando você chegou? Concordou com um movimento de cabeça, e ele se ofereceu para dar uma olhada. — Ah, não, não é preciso se incomodar. Só quero telefonar para o meu mecânico. Ele já conhece o carro, não é a primeira vez que isso acontece.

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Kate encolheu os ombros e ficou esperando. Será que seu plano iria dar errado logo na primeira etapa? Para seu alívio, ele abriu mais a porta e convidou-a a entrar. — Seria mais sensato mandar fazer uma revisão completa. — Com um gesto displicente, indicou uma porta à esquerda. — O telefone fica ali. Sabe o número ou quer que eu procure para você? — Pode deixar, sei de cor. Kate entrou no escritório, onde havia mapas numa parede e um arquivo em um dos cantos. Pegou o aparelho e discou o número, olhando pela porta entreaberta para ver se Julian estava por perto. Com alívio, viu que ele tinha entrado no quarto. Não poderia ouvi-la. — ...Em meia hora, está bem. Não, não antes. Não, estarei aqui. Obrigada. Delicadamente, Kate bateu na porta do quarto. — Eles só poderão vir daqui a meia hora. Vou esperar no carro... — Parou e estremeceu. — Tinha que acontecer logo numa noite como esta. O pior é que estou com um começo de resfriado. Espero que não seja gripe. Bem... — fez menção de sair — peço desculpas por ter lhe causado tanto transtorno, — Não há sentido em ficar sentada lá fora nesse frio. Espere aqui mesmo — disse Julian, indicando uma poltrona perto da lareira. — Tire o casaco, senão, vai sentir mais frio quando sair. — Oh, mas... — Kate parou de falar. Sua intuição lhe dizia que, se recusasse a oferta, Julian seria bem capaz de encolher os ombros e não insistir. Tirou o casaco e colocou-o no braço da poltrona. — É muita gentileza sua, obrigada. — Sentou, muito empertigada, olhando para as mãos no colo. — Eu lhe ofereceria um drinque, se não fosse dirigir. — Se não fosse incômodo, gostaria de um pouquinho de uisque, só para me aquecer um pouco. Estou gelada.

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Julian pareceu relutar e Kate ficou um pouco surpresa por ele parecer se preocupar com o fato de ela beber e dirigir. — Muito bem, um pouquinho só. — Sua voz ainda estava suave, mas mostrava um tom firme e autoritário. Depois de servir a bebida, ele se inclinou perto dela, para pôr o copo sobre a mesinha. O rosto de Julian ficou perto e Kate teve a segunda surpresa da noite. Ele não cheirava a bebida e fumo, como esperava num homem como aquele. Em vez disso, sentiu um leve aroma de loção de barba ou xampu que a fez se lembrar de um bosque de carvalhos. — Quer soda? — Sim. — Santo Deus, quase tinha esquecido! — Eu mesma me servirei — acrescentou, rapidamente. — A vontade. Julian estava sentado, quando ouviu o gritinho de Kate. — Que desastrada! Oh... sinto muito! — Seu rosto mostrava uma expressão desolada, enquanto olhava para a frente do vestido. Estava todo molhado. — Como pude fazer uma coisa dessas? — Não posso saber — disse Julian, com um olhar intrigado. — Deve ter apertado demais a alavanca. — Sim... — Kate afastou o tecido molhado das pernas. — Oh, está tão frio! — É melhor tirar. — Tirar? — Fingiu relutar, e viu um sorriso irônico nos lábios finos de Julian. — Vá ao banheiro e tire esse vestido — disse ele, com uma autoridade infiexível. — Se o deixar em cima do aquecedor, estará seco quando seu carro estiver pronto. — Kate levantou, olhando em volta. — É a primeira porta à direita do corredor. — Obrigada. — Sorriu com todo seu charme. Os olhos escuros de Julian novamente a mediram de alto a baixo, demorando-se na mancha do vestido. O sorriso de Kate desapareceu,

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enquanto um ligeiro tremor passava por seu corpo. O que estaria ele pensando? Seria seguro tirar o vestido? Lembrando as palavras de Vicky sobre ele, sentiu a apreensão aumentar. Era um risco que tinha que correr, decidiu. A amiga confiava que seria capaz de livrá-la das garras desse malvado. Estava chegando na porta do banheiro, quando Julian falou: — É melhor levar isto. — Entregou-lhe o casaco. — Vai precisar dele. — Não havia sarcasmo em sua voz. Kate pegou o casaco, corando com a idéia de tê-lo esquecido, e viu uma mudança na expressão de Julian. Não havia mais insulto em seu olhar, mas... seria interesse? Virou-se, bruscamente, e saiu da sala. Apesar dos temores que sentia, o entusiasmo de Kate aumentava a cada segundo. Seu plano estava correndo sem nenhum tropeço. Julian continuava agindo exatamente como imaginou. Agora, só faltava Vicky e a tia chegarem dentro dos próximos cinco minutos. — Deixe-me pôr a poltrona mais perto do fogo — disse ele, quando ela voltou para a sala. — Assim. O aquecimento central é bastante bom, mas não totalmente adequado para uma noite tão fria como esta. Kate sentou e aceitou o copo com uisque que ele havia servido novamente. Viu que Julian não estava bebendo. Baixou os olhos e ficou observando o líquido dourado no copo, até ouvir um ligeiro movimento que a fez levantar a cabeça. Mais uma vez, examinou as feições daquele homem. Duras e severas... e ainda assim... Ele parecia se preocupar com seu conforto. Talvez não fosse tão cruel como Vicky achava. No entanto, eram ações educadas, que ele provavelmente faria com qualquer pessoa que encontrasse pela primeira vez. Desviou o olhar e examinou a decoração da sala. A mobília era de estilo moderno e de boa qualidade. O que ele fazia para viver?, pensou, lembrando que Vicky tinha dito que era muito rico. Sim, não parecia haver dúvidas quanto a isso; afinal, havia comprado o tal mosteiro, e cada detalhe da sala parecia

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comprovar uma vida de luxo e conforto. O enorme tapete persa, o aparelho de som, o aquário com peixes tropicais... Tomou um gole da bebida, prestando atenção para ver se conseguia ouvir passos nas escadas. No entanto, sua mente continuava a divagar e uma estranha inquietação começava a dominá-la. Seria tensão? A tensão de esperar por minutos que estavam parecendo horas? Essa parecia ser a única explicação. Ainda assim, a sensação não desapareceu por completo, quando, até que enfim, ouviu o que estava esperando. Seu olhar se fixou em Julian, quando ele se levantou para atender a campainha. — O seu mecânico. Chegou mais cedo do que você pensava. — Julian saiu da sala e Kate deu um sorriso de triunfo. Ele não podia imaginar o que o esperava. Seu plano de ter a pobre Vicky sob seu poder estava indo por água abaixo. — Vicky... tia Margaret! O que estão fazendo aqui a uma hora dessas? — A voz era baixa e um pouco seca, e continha uma certa dose de impaciência, que fortaleceu a convicção de Kate de que Julian não sentia nenhuma ternura em especial pela noiva. Elas entraram na sala e Vicky deu um gritinho de surpresa... como tinha sido combinado. — Oh... você está com uma amiga. — Vicky ficou muito séria. — Acho que chegamos em hora errada — disse à tia. — Talvez... talvez seja melhor irmos andando. Kate deu os parabéns à amiga em silêncio. Como representava bem! Aquele leve soluço na voz também chamou a atenção da tia, que olhou para Julian, com a testa franzida. — Será que chegamos mesmo numa hora errada? — Seus olhos se fixaram em Kate, que imediatamente pareceu ficar sem jeito, puxando o casaco para cobrir as pernas. Houve um pequeno silêncio, em que seu coração começou a bater descompassado, porque viu a estranha

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expressão no rosto de Julian enquanto olhava para ela. — Quem é essa moça, Julian? Vagarosamente, ele desviou o olhar de Kate e explicou à noiva o motivo da presença dela no apartamento. — Sentem. Querem uma bebida? — Só um pouquinho de licor, por favor. — Tia Margaret sorriu para Kate. — Que desagradável, ter um problema com o carro numa noite dessas. — Sim... muito des... desagradável — gaguejou, orgulhosa em conseguir fingir tão bem que estava confusa. — Está... está sempre encrencando. Julian olhava novamente para ela, sem fazer nenhum movimento em direção do bar para servir as bebidas. Finalmente, ele se virou e o plano pôde continuar. Com um gesto disfarçado, Kate desabotoou o casaco e depois dirigiu-se à tia Margaret para conseguir a atenção dela. Com um movimento descuidado, cruzou as pernas e, com imensa satisfação, viu os olhos da mulher se arregalarem, quando o casaco se abriu, mostrando as pernas nuas, antes que o puxasse de novo, num gesto rápido. Kate deu um suspiro de alívio. Estava tudo acabado. Tia Margaret era uma mulher antiquada. Julian se aproximou com os cálices e a mulher, sentada no sofá e ainda confusa pelo que tinha visto, aceitou a bebida sem olhar para ele, que, de qualquer modo, não teria notado. Seus olhos estavam sobre Kate. Pareciam devorá-la. Ela sentiu um ligeiro arrepio, mas logo se controlou. Tinha que estar apreensiva, é claro, pois sua parte no plano não era fácil. No entanto, gostaria que Julian não a olhasse daquele modo, como se percebesse o que estava acontecendo. Esperou ele estar de costas novamente e fez um pequeno sinal a Vicky. Não havia tempo a perder. Logo tia Margaret iria começar a fazer perguntas e descobriria o verdadeiro motivo de Kate não estar com o

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vestido. Além disso, se o mecânico chegasse, provaria que a explicação de Julian era verdadeira. Vicky já estava preparada e desempenhou muito bem seu papel. Quando Julian lhe estendeu o cálice, ela o afastou com um gesto, levantou e cambaleou, apertando a mão no peito. — Não, Julian, para mim não... Oh, meu Deus, estou com uma dor... — Fingiu ficar tonta e Julian amparou-a. — Querida, o que foi? Você está tão pálida. — Oh... é mesmo? Sim, acho que sim. — Sua voz saiu num sussurro agoniado. — Por favor, tia Margaret, leve-me para casa, agora. — Meu benzinho... — Pobre tia Margaret, pensou Kate, mas era tudo sua própria culpa. Se não tivesse interferido no desejo de Vicky de acabar corn o noivado, nada disso precisaria estar acontecendo. — Está se sentindo mal, querida? Julian, quer me ajudar a levá-la até o carro? — Parecia realmente assustada. — Você pode andar, Vicky? — Acho que sim... Ah, que dor! Não exagere, pensou Kate. Esse homem não é nenhum tolo. — Talvez seja melhor chamarmos um médico — sugeriu Julian, observando atentamente o rosto da noiva. — Não, não se preocupe — disse Vicky, rapidamente. — Devo ter comido alguma coisa que me fez mal. — Então, eu a ajudarei a descer a escada. — Ele olhou em volta. — Você trouxe bolsa? Tia Margaret já estava vindo com ela, e os três dirigiram-se para a porta. — Não precisa ficar preocupado comigo — suplicou Vicky, olhando para Julian com uma expressão ingênua. — Prometa que não vai se preocupar. — Pode ter certeza disso. — A resposta veio seca, mas suave. Que grosseiro, pensou Kate. Além disso, ele devia ter se

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oferecido para levá-la para casa; não, simplesmente, acompanhá-la até o carro. Sentiu vontade de mandar tudo para o inferno, dizendo-lhe exatamente o que pensava dele. Porém, foi se controlando, enquanto esperava ouvir o motor sendo ligado. Alguns instantes depois, o som foi se perdendo no silêncio da noite. No entanto, Julian não voltava. O que estaria fazendo? Finalmente, ele abriu a porta e ficou parado ali, olhando fixamente para ela, com o rosto mais duro e sombrio do que nunca. Fechou a porta e entrou na sala. Kate deu uma tossidinha, — Acho que o mecânico já deve estar chegando — falou, engolindo em seco para afastar a tensão que sentia na garganta. — Disse que viria em meia hora. — Ainda faltam dez minutos — observou ele, sentando na poltrona. Um estranho silêncio tomou conta da sala. Incapaz de suportá-lo, Kate tentou puxar conversa. — Espero que não demore muito para consertar o carro. — Você disse que já não é a primeira vez. Deve saber o tempo que leva. — Sim... sim, é verdade. — É a partida? Ela balançou a cabeça. — Acho que está precisando trocar alguma peça. Um amigo no escritório me explicou o defeito. — Não diga. — Parecia divertido e Kate ficou imaginando por quê. No entanto, seus olhos continuavam duros como aço. Como desejava que o mecânico chegasse logo! Tinha que sair dali o mais rápido possível; havia algo quase desumano na expressão daquele homem, e Kate podia vê-lo fazendo tudo o que Vicky lhe havia contado, e muito mais. Não conseguiu imaginar nada mais terrível do que ficar inteiramente à mercê de Julian Parnell.

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— Bem — comentou ele, finalmente —, acho que é melhor fazer uma boa revisão no carro. Pode falhar numa ocasião realmente inconveniente. Por que a ligeira hesitação? Seria intencional? Feita para enfatizar a observação? O ruído de um motor se aproximando impediu que a conversa continuasse. Dessa vez, devia ser a perua do mecânico, pois ouviram vozes de homens. — É melhor pôr o vestido — aconselhou Julian, numa voz fria. — Estou certo de que o conserto será feito em pouco tempo. — Depois de uma pequena pausa, acrescentou: — Talvez fosse melhor eu ir dar uma olhada. É bom para aprender alguma coisa de motores. — Oh, não... Quer dizer, não precisa se incomodar... — Não estou me incomodando. Disse que queria aprender alguma coisa. Quem sabe, poderei ter um problema semelhante, um dia desses. — Uma onda de consternação tomou conta de Kate. Seria lamentável ver seu plano falhar no último instante. — Por favor, não saia — disse, com indisfarçável ansiedade. — Está muito frio e você acaba de sair do banho... — Talvez tenha razão. Vou seguir seu conselho e não me arriscar. — Depois de uma pausa, disse: — Ainda não sei o seu nome. — É Kate... Kate Mayfield. — Kate... Um nome muito bonito. Difícil de esquecer. — Sorriu, um sorriso sem humor. — Você sabe o meu, naturalmente. — Eu... sei. — Kate levou a mão à garganta apertada. — Ouviu minha noiva dizer, há poucos instantes — lembrou Julian, e ela respirou, aliviada. — É claro. — Riu, nervosa. — Seu primeiro nome, naturalmente. Ele não fez mais nenhum comentário, e Kate foi se vestir no banheiro. Ao voltar, agradeceu: — Muito obrigada. Desculpe pelo aborrecimento. Foi muito gentil.

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Como sou mentirosa, pensou ela. Mas ele merecia, não sentia o menor arrependimento pelo que tinha feito. — Boa noite. — Boa noite, srta. Mayfield. Talvez nos vejamos novamente um dia desses. — Acho que será difícil. — O desejo foi mais rápido do que o pensamento, e as palavras saíram antes que Kate pudesse impedi-las. — Mas você veio até aqui por causa do apartamento do andar térreo — lembrou Julian. — Talvez logo sejamos vizinhos. Isto é, se decidir ficar com ele. — Sim, sim, é possível — concordou Kate, com uma risa-dinha nervosa. Despediu-se novamente e desceu correndo até o carro. Os homens estavam parados perto dele e ainda não tinham começado a fazer nada. — Sinto muito tê-los feito vir até aqui — disse, baixinho, lançando um olhar para a janela iluminada. — Alguém fez uma brincadeira comigo e tirou a cabeça do distribuidor. Eu pagarei por tudo, é claro — acrescentou, tirando o cartão que já tinha no bolso do casaco e dizendo que deveriam mandar a conta para aquele endereço. Para seu alívio, os homens logo se afastaram. Poucos instantes depois, ela estava indo embora, dando graças a Deus por ter saído incólume de sua pequena aventura e desejando ardentemente nunca mais pôr os olhos no impressionante Julian Parnell. CAPITULO III

Bem, para mim, chega! — Kate deu uns dois passos para trás e admirou a pequena cozinha. Tudo brilhava, das paredes até o chão. — Acho que vai durar umas duas semanas. Carole estava ao lado dela, rindo gostosamente.

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— Nunca pensei que você tivesse esse talento. Por que resolveu fazer faxina? — Senti que era meu dever. Não podia deixar você fazer todo o serviço da casa. Estava com um pouco de sentimento de culpa. — Que beleza! Não se sente recompensada pelos seus esforços? — Não há dúvida de que está bonita, mas... não, Carole, não faz o meu gênero. Passei o tempo todo pensando nas outras coisas muito mais interessantes que poderia estar fazendo. — Agora, venha olhar os resultados dos meus esforços — convidou Carole, dirigindo-se para a sala. — Veja, limpei o carpete e passei lustra-móveis em tudo. — Muito bonito. Divertiu-se fazendo isso? — Sim. Gosto de serviço de casa. Se meu casamento fracassar, não será por causa disso. — Tenho certeza de que nunca acontecerá — observou Kate, com sinceridade. Não sentia nenhuma atração pelo casamento, era prática e racional demais para isso, mas sempre haveria mulheres que fariam tudo por amor, e Carole era uma delas. — Acho que merecemos sair um pouco esta noite — disse Kate, um pouco mais tarde, enquanto tomavam chá. — Que tal um cinema? — Ótimo. Há um bom filme no Odeon. Quando terminou a sessão, por volta das nove e meia, Carole sugeriu que fossem a algum lugar para uma refeição. — Boa idéia. Tomaram a direção de um pequeno restaurante de estrada, frequentado pelo pessoal do escritório. — Lá estão Pamela e Matthew... e ali, Dennis e Léo. — Carole apontou a mesa no fundo do salão, sugerindo que se reunissem aos dois rapazes.

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— Olá, garotas — disse Dennis, satisfeito em ver as colegas. — Estou esperando pelo garçom. Vamos juntar nossa mesa com a de Pamela e Matthew. Logo estavam todos acomodados numa única mesa e houve muita conversa e risadas. Kate estava sorrindo com algo que acabava de ser dito e olhava distraidamente em volta, quando seus olhos se arregalaram de surpresa. — Vicky — murmurou baixinho. — E usando um anel de noivado! — A amiga não a havia visto. Estava encantadora e parecia só ter olhos para o homem sentado à sua frente. Noiva... mas só haviam passado três dias desde que... Kate mal conseguiu comer. Enquanto esperavam a sobremesa, pediu licença e foi até a mesa de Vicky. — Você! Oh, Kate, que... que... bom vê-la! — Boa noite. Gostaria de ser apresentada ao seu amigo. — Meu noivo... ha... Stephen. Stephen, esta é minha amiga Kate. A moça estendeu a mão, os olhos fixos no rosto vermelho de Vicky. Murmurou alguma coisa ao rapaz, que respondeu com um sorriso. Depois, com uma expressão decidida, disse: — Quero muito falar com você, Vicky. Posso ir a sua casa amanhã? — Claro! Gostaria muito de recebê-la, mas... procure chegar cedo, antes das oito, porque eu e Stephen vamos a um baile. Não é, querido? — Sim, meu bem. Precisamos sair cedo. — E sua tia? Ela estará em casa? — Oh, é mesmo, esqueci. — Vicky pôs uma mão trémula na garganta. — Você tem que ir mesmo? Quero dizer, é algo muito importante? — Muito importante. É melhor dar um jeito para termos uma conversa em particular. Que tal aqui mesmo às sete, amanhã à noite? — Mas não posso jantar às sete — protestou Vicky, olhando para o companheiro, pouco à vontade. O rapaz parecia francamente intrigado com aquela história. — Não podemos só ficar aqui, sem comer nada?

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— Tomaremos um drinque, qualquer coisa — insistiu Kate, em tom claro e firme. — Aqui, às sete em ponto. — E como virei até aqui? — perguntou Vicky, fazendo beicinho. — O que está acontecendo afinal? — perguntou Stephen, olhando indignado para Kate. — Não estou gostando do modo como fala com Vicky. — Está tudo bem, Stephen — disse a noiva, rapidamente. — Muito bem, Kate, eu pegarei um táxi. Kate virou-se, abruptamente, incapaz de confiar em seu autocontrole por mais tempo. Na noite seguinte, Vicky só se atrasou cinco minutos, o que deixou Kate bastante surpresa. Logo depois de pedir café e sanduíches, ela entrou no assunto sem rodeios: — Quero saber tudo. Está claro que já estava saindo com Stephen enquanto ainda era noiva de Julian. — É verdade. Oh, Kate, sinto muito, mas eu tinha que me livrar de Julian... ele era detestável. Eu não menti sobre ele, juro! — Estou pensando que você é que é detestável. — Ficou olhando para a cabeça inclinada de Vicky. — Não tinha uma verdadeira desculpa para querer se livrar dele, não é? — Claro que tinha. Como eu poderia viver com um grosseirão como ele? Seguiu-se um terrível silêncio. Tudo em que Kate podia pensar no momento é que tinha sido enganada por Vicky, usada por ela para se livrar de um noivo e poder se ligar a outro imediatamente. Estava furiosa com a amiga, mas ainda mais furiosa consigo mesma por ter se envolvido tanto, sem investigar melhor o assunto. Aquela inquietação que sentia enquanto esperava por Vicky e a tia significava que, instintivamente, sabia que havia algo errado— mas, mesmo então, já teria sido tarde demais. — E pensar que me deixei levar pela sua conversa — disse, cheia de raiva. — Que planejei tudo, deixando você livre para entrar em outra

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de suas aventuras frívolas. Esse noivado não vai durar mais do que os outros. — Vai, sim. Desta vez, é sério, Kate. Nunca amei ninguém como amo Stephen. — Kate fez uma careta irritada, e ela continuou: — Você concordou, quando eu disse que não podia casar com Julian. Você mesma falou que ele não seria o homem certo para mim. — Devia ter pensado nisso, antes de ficar noiva dele! — Sabe como eu sou... — Vicky começou a torcer as mãos, parecendo muito frágil e imatura. — Eles ficam tão românticos, e então... — Não acredito que Julian tenha ficado romântico. Ele não é do tipo. — Como pode saber? — Ele não me pareceu romântico. De fato, nunca vi ninguém que me parecesse mais diferente disso. — Bem, pelo menos, ele sabia beijar melhor do que os outros — começou Vicky, e depois baixou a cabeça, ao ver o olhar enojado de Kate. — Estou começando a ver que você é uma tremenda egoísta. Será que, por um único instante, pensou no risco que eu correria? E se Julian descobrisse o que estava acontecendo? Foi você quem disse que ele pode ser violento. — Mas você sabe cuidar de si mesma, Kate; eu nunca precisaria me preocupar com isso. E o plano foi perfeito. Ele jamais poderia desconfiar. Um silêncio longo e desconfortável se seguiu, antes de Kate perguntar: — Como ele aceitou o fim do noivado? No telefone, você só me disse que tudo tinha dado certo. — Foi tia Margaret quem falou com ele... eu não tive coragem. Saí de casa e deixei ela cuidar de tudo. — Você parece deixar as partes desagradáveis para os outros — comentou Kate, cheia de desdém. — O que sua tia disse a Julian?

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— Acusou-o de estar tendo um caso com você... quero dizer, com a moça que ela viu no apartamento, pois não a conhece. Ele aceitou e foi embora, sem causar problemas. — Sem nenhuma tentativa de se explicar? — É. Nem mesmo procurou falar comigo. Você tinha razão, quando disse que ele não me amava. Acha que seria certo casar com ele? — Não — disse Kate, depois de um pequeno silêncio impaciente. — Mas você já devia ter percebido isso. Alguma vez ele chegou a dizer que estava apaixonado? — Os homens geralmente não dizem nada — explicou Vicky, com uma expressão de quem é entendida no assunto. — Nós percebemos, entende o que eu digo? — Parece que nunca consigo entender nem a metade do que você diz. É melhor explicar. O garçom trouxe o café e os sanduíches, e Vicky não respondeu, até Kate lhe estender a xícara. — Julian me abraçava e beijava com ternura, de modo que achei que me amava. — Sei que tenho pouca experiência em amor. No entanto, acho que uma moça devia esperar uma declaração do homem que pensa em casar com ela. — Ah, como você é formal! — Vicky riu. O rosto sério de Kate a fez lembrar o motivo por que estavam ali. — Talvez tenha razão — continuou, num tom mais contido. — Mas, com um homem como Julian, é diferente. Ele não é do tipo de demonstrar seus sentimentos. — Foi o que eu disse: ele não é romântico. — Talvez fosse, se ficasse desesperadamente apaixonado por alguém. Você não está com raiva, não é, Kate? Compreende que eu nunca poderia casar com ele? — Não, você não conseguiria viver com alguém assim... — E acrescentou, com uma nova onda de raiva: — Mas ainda acho que é

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totalmente egoísta, Vicky, porque nem mesmo pensou no que poderia ter acontecido comigo! —- Bem, não aconteceu nada demais. For favor, Kate, não fique assim. Eu não suportaria perder a sua amizade. Kate teve vontade de continuar brigando com Vicky, mas havia algo na amiga que a fazia sentir uma certa pena, e ternura. Apesar da frivolidade, era uma criaturinha sem defesa. Por isso mesmo havia ficado tão assustada com as ameaças de Julian Parnell. Quanto a isto, não havia dúvida. Às sete e meia, Vicky disse que precisava ir embora. — Vou pedir que chamem um táxi para mim — falou, procurando pelo garçom. — Eu a levo para casa — ofereceu Kate, imaginando por que tinha insistido naquele encontro. Não havia ganho nada com ele, a não ser algumas informações a mais sobre Julian Parnell, e ele era a última pessoa do mundo de quem gostaria de saber mais coisas. — Obrigada. — Vicky sorriu, meia hora mais tarde, quando Kate estacionou o carro em frente de sua casa. — Tenho que correr, Stephen deve chegar a qualquer momento. O céu estava claro e a lua cheia iluminava os campos em torno do chalé. Kate cantava baixinho, enquanto percorria as estradas secundárias, antes de entrar na rodovia que a levaria para o bairro onde morava. Como era bom ser livre! Não ter um homem para lhe dar ordens ou ficar de cara feia porque estava demorando para chegar em casa depois do trabalho. Podia voltar à meia-noite, se quisesse... ou nem voltar! Liberdade! Nada era assim tão importante neste mundo. Carole não estava no apartamento. Kate sentou perto da lareira, preparando-se para passar uma noite tranquila, com um livro. Estava lendo há uns dez minutos, quando o telefone tocou. Com um suspiro de impaciência, levantou e foi atender. Seu corpo ficou tenso e a mão que segurava o aparelho tremeu ligeiramente, ao ouvir a voz do

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outro lado. Por que não tinha pensado nisso? Devia ter imaginado que Julian ia tentar falar com ela para esclarecer as coisas. Por que não tinha refletido melhor, antes de lhe dar seu nome? Como uma idiota, tinha fornecido o meio de encontrar seu número e endereço através da lista telefônica. Claro que Julian já estava antecipando os problemas que teria com Vicky e a tia, quando lhe perguntou como se chamava. Que estúpida fui!, pensou cheia de raiva, pois já sabia desde o início que seria perigoso subestimar a inteligência desse homem. — Esta noite? Não sei, estou muito ocupada — respondeu, tentando se resguardar. — Tenho que ver você de qualquer jeito. O tom era seco, mas foi seu jeito inflexível que preocupou Kate. Tinha a convicção perturbadora de que esse encontro aconteceria mais cedo ou mais tarde. Mas o que diria? Estava claro que ele ia pedir explicações sobre o motivo de sua presença no apartamento. — Está me ouvindo? — Sim... sim, claro... — Oh, Deus, o que posso fazer? — Mas estive pensando... — Não há tempo para pensar! Tenho que ver você... esta noite! Pode vir me encontrar em meia hora? Com os olhos brilhando de raiva, Kate começou a dizer não, mas algo a fez parar e hesitar por alguns instantes, com a testa franzida. Não há tempo... Por que a pressa? Havia algo de muito estranho em tudo aquilo. Agora que considerava melhor o assunto, lembrou que ele também tinha insistido em apressar o casamento com Vicky. Quando ela quis desmanchar o noivado, ficou violento, ameaçando-a e insistindo para casarem imediatamente. Kate estava intrigada e não pôde deixar de sentir uma ponta de curiosidade. Sugeriu, no mesmo tom cauteloso de antes:

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— Que tal amanhã? — Seria sábado. Iria pela manhã. Seria muito mais prudente encontrá-lo à luz do dia. — Está bem assim? — Eu não estarei aqui amanhã. Estou partindo para Gales hoje mesmo. — Ah... — Isso explicava tanta pressa. Julian queria acertar as coisas com Vicky, antes de voltar. Também, se estava partindo agora, não teria tempo para tentar... Kate sorriu, pensando no que Vicky lhe dissera. Ele era um canalha, e tipos assim deviam ser evitados como uma praga. No entanto, seria seguro ir vê-lo nessa noite. Com certeza, estaria muito preocupado com os preparativos da viagem para pensar em outra coisa. Uma exclamação de impaciência vinda do outro lado da linha a fez sair de seu devaneio. Sentiu um estremecimento de apreensão. Porém, ainda estava curiosa em saber por que Julian tinha tanta pressa em casar com sua amiga. E agora que sabia que não corria perigo... — Estarei aí em meia hora. Mas não sei se poderei ajudá-lo em alguma coisa. — Pelo contrário, srta. Mayfield. Tenho certeza de que poderá me ajudar muito! Kate encolheu os ombros e colocou o aparelho no gancho. Um sorriso brincava em seus lábios, enquanto foi pegar o casaco. Ajudá-lo. Ele não sabia de nada! Qual seria sua reação, se um dia descobrisse o que ela havia feito? O sorriso desapareceu e, mais uma vez, sentiu o arrepio de preocupação que aquele homem parecia ter o estranho poder de lhe provocar. Apesar disso, foi cantando baixinho até o apartamento de Julian. A noite continuava clara e o luar transformava a neve em prata. Seria maravilhoso poder continuar pela estrada até muito longe! Muitas vezes, quando Linda ainda morava com ela, saíam para longos passeios em noites como aquela. Era divertido terem a liberdade de fazer o que quisessem, a qualquer hora. Pena que Linda também tivesse desistido...

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talvez um dia ainda encontrasse uma amiga, depois da partida de Carole, disposta a resistir ao casamento. Como gostaria de ter uma que pensasse como ela, alguém suficientemente inteligente para querer escapar de qualquer armadilha amorosa. Quando estacionou o carro, Kate se olhou no espelho por alguns segundos. Seu rosto estava corado, irradiando saúde, e seus olhos, límpidos e brilhantes. O capuz com a pele branca lhe dava uma aparência jovial e elegante. Pegando a bolsa e as luvas, correu pela escada do prédio, chegando um pouco ofegante à porta do apartamento de Julian Parnell. Mal tinha encostado o dedo na campainha, quando ele veio abrir. Julian ficou examinando-a de alto a baixo. Corou, irritada. Será que fazia isso com todas? Parecia estar avaliando algo que pretendia comprar. Homem detestável, pensou, mas lançou-lhe um sorriso encantador, quando foi convidada a entrar. — Quer me dar seu casaco? Ponha a bolsa e as luvas nesta mesinha. Kate tirou o casaco e ele se afastou, provavelmente para pendurá-lo no armário. Demorou mais do que o esperado. Ela se acomodou na poltrona, aparentando uma calma que não sentia. Seu coração batia de um modo estranho. Não podia esquecer o jeito como esse homem a olhava... já tinha acontecido antes. Aquele interesse só podia ser desejo, nada mais. Tentou ignorar a sensação de desconforto que ele conseguia lhe causar tão facilmente. — Posso lhe servir uma bebida? — Sua voz tinha a rispidez habitual, mas não havia dúvida de que estava fazendo uso de seu charme. Kate notou as pequenas rugas de expressão em torno dos olhos escuros e o sorriso quase fascinante, que surgia na boca firme e bem marcada. Julian esperava por uma resposta e ela hesitava. Seria seguro beber alguma coisa? Mas, como ele estava para partir... — Muito obrigada. Um cálice de licor, por favor.

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Ficou observando-o se dirigir ao bar. Como parecia forte e elástico! Também havia algo de majestoso em seu porte, que se tornava ainda mais imponente por causa da largura dos ombros. Apesar de ter vários amigos, Kate conhecia muito pouco sobre esse tipo de homem. Sentia um certo interesse em estudá-lo, em tentar descobrir a técnica que usava para conquistar uma mocinha como Vicky. Esse ligeiro ar de tédio... seria proposital? E o sorriso... Sim, muitas mulheres tolas deviam se sentir atraídas por ele. Aquelas pequenas rugas em volta dos olhos... podiam ser charmosas, mas, se ele olhasse para mim desse jeito, Kate pensou, eu suspeitaria de que estivesse caçoando de mim. Essa conclusão fez com que levasse um pequeno choque, pois as ruguinhas bem-humoradas estavam lá, quando ele falou: — Permita-me dizer que está encantadora. — O tom da voz foi muito suave, mas Kate se sobressaltou visivelmente, a cor fugindo do rosto, enquanto encontrava o olhar dele no reflexo do espelho do bar. Viu sua própria imagem, com as pernas cruzadas, exata-mente como estava naquela noite em que deixou tia Margaret vê-las nuas. Engoliu em seco. Seria medo? Nunca havia sentido um medo real na sua vida. Preocupação, apreensão... sim, isso acontecia com todos. Mas em que situação? Seria essa? — Obrigada — murmurou, finalmente, desviando o olhar. — Você parece embaraçada. Não está acostumada a receber elogios? Não, isso seria impossível. Deve haver um outro motivo para esse corado que lhe fica tão bem. Diga-me, qual é? Julian chegou perto dela e deu-lhe o cálice. Kate pegou-o com a mão trêmula e ele tomou-o de volta e colocou-o sobre a mesinha. — Não estou embaraçada. — Procurou se controlar e pegou o cálice. Não conseguia afastar os olhos do espelho do bar e sua imagem a fazia lembrar a outra noite. Julian sentou à sua frente, sorrindo de um modo agradável e tranquilizador.

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— E agora, srta. Mayfield... Posso chamá-la de Kate? Como já disse, é um lindo nome. — É claro. — Baixou os othos novamente e tomou outro gole de licor. — Me chame de Julian — disse ele, acomodando-se na poltrona. — Agora, sobre o fim do meu noivado, por isso lhe telefonei, foi tudo por causa desse mal-entendido e, apesar de eu querer explicar à minha noiva e à tia, percebi imediatamente que estava perdendo meu tempo. A explicação terá que vir de você. — Parece estranho o fato de sua noiva não confiar na sua palavra. Deu-lhe algum motivo para isso? — Você deve pensar que sou um noivo infiel... ou pior. — Os olhos de Julian brilhavam estranhamente, observando-a por cima da borda do copo. — Não sei como pode ter uma impressão como essa. O licor parecia queimar a garganta de Kate. Será que ele sabia? Estaria fazendo um jogo de gato e rato? Algo a alertava para ter cuidado. — Eu não tive nenhuma impressão, sr... — ...Julian, por favor. — Sinto muito, mas acho que não poderei ajudá-lo. Se sua noiva não acredita em você, como irá acreditar em mim? — Cautelosamente, acrescentou: — Talvez ela já estivesse querendo uma desculpa para terminar o noivado. É possível que queira continuar livre. — Não sei. Quanto a mim, nunca ficaria noivo, a não ser que tivesse absoluta certeza de que a mulher que escolhi era a adequada para mim. Parecia tão grave e sincero que Kate ficou surpresa. Será possível que realmente amava Vicky? Era o que parecia... no entanto, Kate não conseguia imaginar que um homem como ele pudesse se apaixonar por alguém tão frívolo e imaturo. Vicky era boazinha, mas ninguém a levava a sério. O que Julian via nela? Eram completam ente opostos. Ele parecia culto, aristocrático e superior. Que tipo de conversa teriam? Sem dúvida, ela era bonita, mas um homem como

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Julian encontraria muitas outras mulheres mais lindas e sofisticadas. No entanto, dava a impressão de querer Vicky. — A que horas vai partir para Gales? — perguntou, desejando terminar aquela visita o mais breve possível. — É uma viagem longa, não? — Uns trezentos quilómetros. — E vai esta noite mesmo? Não será cansativo? — Nunca me canso dirigindo. — Julian colocou seu copo sobre a mesa e acomodou-se na poltrona. — Vai falar com minha noiva? Terá que conversar com a tia, também, pois foi ela quem deu o consentimento para o casamento. — Sua noiva não podia resolver isso sozinha? — A tia ameaçou cortá-la do testamento, se não casasse comigo. Parece que Vicky dá muita importância ao dinheiro. — E você não se incomodou com isso? — Incomodar, por quê? — Quero dizer, se ela realmente o amasse... Oh, sinto muito, eu não devia ter dito isso. Estou certa de que ela deve amá-lo muito. — Verdade, Kate? — Julian inclinou-se e abriu a cigarreira que estava sobre a mesinha. Ofereceu um cigarro a ela, que recusou, e acendeu o seu. — Ainda não respondeu à minha pergunta. Está disposta a me ajudar? Kate mordeu o lábio. Tinha estado fugindo daquela resposta, mas sabia que não poderia adiá-la por mais tempo. O que dizer? Ficaria segura até sua volta de Gales... e depois? Por que, por que tinha sido tão imprudente? Estava numa encrenca e não sabia como sair dela. Finalmente, decidiu prometer, imaginando que isso lhe daria tempo para pensar em alguma coisa, antes da volta de Julian: — Irei falar com elas. Quando deverá ser? — O mais breve possível... amanhã. — Não havia nem expressão, nem interesse na voz dele. Kate olhou-o, surpresa. Era quase como se,

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depois de ouvir suas palavras, ele não quisesse que cumprisse a promessa. — Muito bem. Farei o que me pede — murmurou, tomando o último gole de licor. — Está na hora de ir. Quer pegar meu casaco, por favor? — Naturalmente. Julian foi até o armário que ficava no hall e pegou o casaco, segurando-o para ela vestir. — Boa noite. — Kate já estava se preparando para descer a escada. — Boa noite — respondeu Julian, observando-a atentamente, como esperando por alguma coisa. Kate já estava no segundo patamar, quando ele perguntou: — Vai mesmo cumprir sua promessa ? — Sim, vou falar com sua noiva e a tia dela. — Nesse caso... vai precisar do endereço delas. O coração de Kate deu um salto. — É claro, que bobagem a minha. — Estava tremendo novamente. Como podia ter pensado que era esperta? Cometia erro após erro! — Que cabeça! — exclamou, tentando parecer despreocupada, enquanto subia a escada até a porta de Julian. Ele lhe entregou um pedaço de papel com o endereço. Depois de se desejarem boa noite mais uma vez, Kate saiu correndo para o carro. É inútil, pensou, cinco minutos depois. Teria que procurar aquele homem, apesar de estar aflita para se ver longe dele. Seu carro não podia ter escolhido uma hora mais imprópria para se recusar a dar a partida. A porta se abriu no instante em que ela pôs o dedo na campainha. — Ouvi seus passos na escada — disse Julian, com um olhar inquisidor. — Esqueceu alguma coisa? — Não. É o meu carro... não quer pegar. — Kate sentia-se ridícula. — O mesmo problema? — Uma expressão bem-humorada tomou conta do rosto moreno. — Bem que eu lhe disse para mandar fazer uma boa

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revisão. — Afastou-se para Kate entrar. — Dê-me o número e eu telefonarei para o mecânico. — Obrigada. — Tirou o cartão da bolsa. — Eu mesma posso ligar. — Não. Sente-se um pouco perto da lareira. — Indicando a poltrona, fez Kate entrar na sala e fechou a porta que dava para o estúdio. Alguns minutos depois voltou. — Tenho más notícias: não há ninguém disponível até amanhã cedo. — Amanhã? Mas eles têm um plantão para emergências! — Parece que não há ninguém lá. Deve haver muitos carros encrencados por aí, hoje. Mas não se preocupe, eu a levarei para casa. — É muita gentileza, mas não é preciso. Tomarei um ônibus. — Nada disso. Espere um instante, enquanto pego meu sobretudo. — Mas você já está de partida, e a estrada para Gales fica numa direção completamente diferente. — Kate balançou a cabeça. — Não, tomarei um ônibus. Já estava começando a levantar, quando Julian falou, calmamente: — Sente, Kate. Já disse que vou levá-la e esse é o fim do assunto. — Afastou-se e, quando voltou, Kate já tinha decidido não discutir mais. Seria melhor ser levada para casa do que ficar esperando pelo ônibus naquela noite fria. O carro já estava andando há alguns minutos, quando ela disse, num tom como se pedisse desculpas: — Você não entrou na rua certa... acho que não lhe expliquei bem. Mas pode virar na próxima, só que vai ter que fazer uma outra volta no quarteirão. — Julian continuava olhando para a frente. — É essa... entre à esquerda... — Passaram direto, e Kate inclinou-se no banco para indicar a próxima esquina onde agora ele teria que entrar. Mais uma vez, Julian passou direto, sem desviar a atenção do trânsito à sua frente, e Kate deu um suspiro irritado. — Agora, você vai ter que esperar até chegarmos ao farol. — Encostou-se no banco, pois ainda estava longe. — Agora! Entre nessa

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— indicou depois de alguns instantes, imaginando por que Julian continuava em silêncio. — Ora, você deixou passar novamente. Vamos ter que dar uma volta enorme! De repente, como se tivesse um clarão de entendimento, Kate percebeu o que estava acontecendo. Esse tipo de coisa não podia acontecer com ela. Com outras, talvez, que se atreviam a aceitar caronas de estranhos... mas nunca com ela... — A próxima esquina — engasgou, enquanto apontava. — Você p... pode en... entrar na próxima. — Palavras inúteis, ditas em desespero, mas sem nenhuma chance de serem atendidas. Kate lembrou-se de tudo que Vicky lhe havia dito sobre ele, reforçado por suas próprias impressões. O que Julian ia fazer com ela? — Para onde está me levando? Esse não é o caminho para minha casa. — É o caminho para "minha" casa — respondeu ele finalmente, aumentando a velocidade do carro, à medida que o trânsito diminuía. — Em seu lugar, eu relaxaria um pouco. Temos um longo caminho a percorrer. — Ele se acomodou no banco e aliviou a pressão das mãos no volante, enquanto o automóvel luxuoso tomava a direção da rodovia. — O caminho para sua casa... — Os olhos de Kate brilharam e depois se arregalaram. — Meu carro! — disse, com voz trêmula. — Você fez alguma coisa com e!e! — Eu? — Julian deu um sorriso cheio de malícia. — Mas foi você mesma quem disse que era o mesmo velho problema. Hã... a partida, não foi? — Você planejou tudo isso — acusou Kate, cheia de raiva, ignorando os comentários sobre seu carro. — Me chamou ao seu apartamento de propósito, admita! — Eu planejei tudo? Então, somos dois, não é, Kate? Você parece ter muita prática em fazer planos para afetar a vida das pessoas... de pessoas que nem conhece, que nunca lhe fizeram nenhum mal.

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— Então você já sabe... — Claro, ela devia ter percebido antes. Tinha subestimado a inteligência do homem... feito o que já sabia que não podia fazer. — Só um idiota não teria percebido seu plano — observou Julian, fazendo sinal com os faróis para ultrapassar um carro. — Foi muito mal feito, Kate, desde o momento em que chegou perguntando pelo apartamento para alugar, até o momento em que se mostrou apavorada, quando me ofereci para ver o que os mecânicos iam fazer. Mal feito... tudo tinha sido muito mal feito, pensou Kate. E ela que imaginava que tudo estava correndo na maior tranquilidade, que se sentia orgulhosa de sua inteligência. Por alguns instantes, ficou tão decepcionada que não conseguiu falar. Mas, quando eles entraram na rodovia, seu coração começou a bater loucamente. — Não sei que tipo de vingança está planejando, mas... — Não sabe? — Julian riu, baixinho. — Minha querida Kate, não pode ser assim tão ingênua! — Então... você realmente pretende... — Fique calma, disse a si mesma. O importante é manter a calma. Um pensamento lhe trouxe uma pontinha de esperança. — Vicky. Você parece ansioso para casar com ela, mas sei que não o aceitará se você... se fizer... se... — Se eu o que, Kate? — Ela ficou em silêncio e Julian continuou, num tom despreocupado: — Acontece que Vicky é a última mulher com quem eu me casaria agora... — A última? Mas estava noivo dela! Além disso, me pediu para esclarecer tudo. — Eu tinha que convencê-la a ir ao meu apartamento. Vicky foi só uma desculpa, um meio de levá-la até lá. Desisti da idéia de casar com ela no instante em que apareceu com a tia e ficou claro o que vocês tinham planejado. Meu único propósito ao tra-zê-la ao meu apartamento esta noite foi raptá-la. — Continuava a falar calmamente e entrou na pista de alta velocidade.

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O luxuoso automóvel corria a quase cento e cinquenta quilómetros por hora. A estrada estava praticamente deserta e iluminada pelo luar. Com um pequeno choque, Kate lembrou que há apenas uma hora tinha estado cantando em seu próprio carro, imaginando como seria delicioso fazer uma viagem... uma longa viagem! — Você não pode continuar com isso. Irei à polícia, entende? — Polícia? — Ele pareceu ficar pensando no assunto. — Acho que muito poucas mulheres procuram a polícia, não? Talvez porque imaginam que seria melhor ficar de boca fechada. Sabe?, há o orgulho e o auto-respeito, e medo dos mexericos da vizinhança... — Você é odioso! — disse Kate, por entre os dentes cerrados. — Pois saiba que eu irei dar queixa à polícia. Não vou deixá-lo sair livre dessa! E meu dever procurar as autoridades. Julian mudou de pista para dar passagem a um outro carro. — Você não irá à polícia, disso pode ter certeza — disse, depois de alguns instantes, no mesmo tom calmo. O que ele queria dizer? Será que pretendia matá-la? Kate levantou uma mão trêmula e passou-a pela testa. Ele notou o gesto e perguntou, um pouco divertido: — Vicky lhe contou que costumo ter explosões de violência? — Con... contou. Você a ameaçou. Ela estava apavorada. — E você, está apavorada? — Claro que não — respondeu, decidida a manter a calma. Precisava raciocinar, pensar com clareza. Só assim poderia encontrar um meio de escapar dele. — Nunca senti medo de você. Eu não lhe daria esse tipo de satisfação! — Ótimo. — Julian abafou um bocejo. — Não posso pensar em algo mais aborrecido do que fazer amor com uma mulher apavorada. — Então, deve ter ficado aborrecido muitas vezes. Chego a sentir pena de você.

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— Não desperdice sua pena. Vai precisar dela, antes de esta noite terminar. A ameaça estava clara. O homem queria se vingar da pior forma possível. Mas Kate estava decidida a manter a calma. O pânico seria desastroso. No entanto, era impossível raciocinar, pensar em outra coisa, a não ser que estava completamente à mercê de Julian Parnell. O que fariam outras mulheres na sua posição? Tinha que haver um meio de fuga. Será que conseguiria dizer alguma coisa que pudesse fazê-lo desistir? Talvez, se implorasse... A idéia era odiosa e Kate rejeitou-a, apesar de saber que teria que recorrer a ela, se tudo mais falhasse. No momento, decidiu, tentaria convencê-lo de que só tinha mentido para ajudar uma amiga. — Deixe-me explicar o que... — Naturalmente. Também quero saber como tudo aconteceu. Se me der uma explicação satisfatória, farei a volta e a levarei para casa agora mesmo. — É? — perguntou Kate, ansiosa, esquecendo o medo. — É verdade? . — Sim — respondeu Julian, calmamente, e acrescentou, enfatizando as palavras: — Se me der uma explicação satisfatória, não esqueça. Kate tentou explicar o melhor que podia, sabendo que sua -morte estava em jogo, mas a história pareceu sem sentido, mesmo aos seus próprios ouvidos. Não havia dúvidas de que não devia ter se metido naquele caso. Quando parou de falar, Julian continuou em silêncio, como esperando por mais. — Agora percebo que não devia ter me envolvido — admitiu Kate, cheia de humildade. Depois, sem nenhuma esperança, perguntou: — Você vai me levar de volta para casa? — Acha que me deu uma explicação satisfatória? Kate balançou a cabeça, tristemente.

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— Sei o que está sentindo e... sinto muito. — Por minha causa, ou porque você mesma se colocou nessa situação? — Por ambas as coisas — murmurou, olhando para a estrada à sua frente sem nada ver. — Bem, eu lhe disse para não sentir pena de mim. — Julian olhou pelo espelho e voltou novamente à pista de alta velocidade. — Não vou levá-la para casa. Pelo contrário, farei tudo para que se arrependa do dia em que me conheceu. Kate continuou olhando em frente, pensando vagamente quantos quilómetros ainda faltavam para chegarem ao destino... e quanto tempo teria, antes de enfrentar o verdadeiro perigo que a aguardava. — Sentirão minha falta — lembrou a Julian, ainda no mesmo tom desesperançado. — Eu divido o apartamento com uma... — Carole? Ela já sabe que você não vai voltar para casa. — Como sabe sobre Carole? — Já tinha telefonado antes, tentando entrar em contai» com você. Ela atendeu, dizendo que era Carole, sua companheira de apartamento. Foi bom eu ter ficado sabendo da existência dela. Até aquele momento, pensava que você morava sozinha. Uma amiga minha vai ligar para Carole, dizendo que você foi passar uns dias na casa dela. E guardará o seu carro na garagem. — Você pensou em tudo, hein? — Acho que sim. — Depois de uma pausa, ele disse: — Amanhã, você vai escrever a Carole. — Amanhã? — Kate estremeceu. — Mas amanhã eu já estarei em casa. — Não seja ridícula, menina. Se eu a quisesse por apenas uma noite, não teríamos saído do meu apartamento. — Mas... mas... — A voz de Kate falhou. — Quanto tempo nós... eu... — Ele não pode manter-me presa indefinidamente, pensou; mas no fundo

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sabia que Julian ia fazer exatamente o que queria, não só nessa ocasião, mas em todas as outras. — Quanto tempo vai ficar comigo? Acho que até eu me cansar de você. — Vamos ficar naquele... naquele terrível mosteiro? — Kate começou a tremer, imaginando se não seria melhor abrir a porta do carro e se atirar na estrada. Não estava habituada a chorar, mas sentiu-se à beira das lágrimas. Toda a situação parecia irreal. Não podia estar acontecendo com ela, repetia a si mesma. — Quer dizer que também sabe a respeito do mosteiro? Sim, é onde vamos ficar. — Fica... num lugar retirado... foi o que Vicky contou. — Nas montanhas... a quilómetros de qualquer cidade. — Há... empregados? — O lugar tem estado desabitado desde que os monges partiram, há uns cinco anos. Eu mesmo nunca morei lá. — Que idéia estranha, comprar um mosteiro. — Kate precisava falar, tinha que continuar conversando para afastar sua mente do que estava por acontecer. — O que pretende fazer com ele? — A propriedade é muito grande. Vou usar as pastagens para criar carneiros. O mosteiro em si será transformado num hotel. O lugar é muito bonito. Haverá esportes de inverno, caçadas e pescaria. Creio que dará um bom resultado financeiro. — Por alguns segundos, Julian desviou a atenção da estrada para olhar para ela. Kate sentiu que havia um ar de riso em sua expressão. — Por enquanto, ele será... hã... nosso pequeno ninho de amor. — Kate virou a cabeça rapidamente. — Pena que não posso ver o seu rosto, Kate. Você fica encantadora, ruborizada. Continuaram em silêncio por alguns minutos. Kate falou, quase implorando:

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— Leve-me de volta. Sei que agi errado, que não devia ter interferido, mas não mereço uma punição como essa. — Você merece tudo que vai receber. Atrapalhou todos os planos que eu tinha feito para a minha vida. Então, ele realmente tinha amado Vicky. Devia estar muito desiludido com as atitudes da moça e por isso não queria mais casar com ela. — Por favor, desculpe... — começou, mas parou de falar, sabendo que qualquer palavra que usasse seria inadequada. — Talvez você não venha a encarar o que vai acontecer como uma punição. É possível que até acabe gostando. — Você é detestável! — gritou ela, com o rosto muito vermelho. — Odiarei cada minuto que estiver com você... e pode ter certeza de que não tentarei esconder meus sentimentos! Julian deu uma risada áspera e cruel. Kate sentiu vontade de esbofeteá-lo. Porém, ele parou quase que imediatamente, e não havia nada mais que um pouco de irritação, quando falou: — Vamos acabar com esse melodrama, certo, Kate? Há uma caixa de bombons aí no banco de trás. Claro que não poderia saber da sua preferência. Comprei uma das marcas mais conhecidas. — Não vai mesmo me levar de volta para casa? — insistiu, tentando recobrar a calma. — Eu quebrarei as janelas... farei qualquer coisa! — Não se comporte como uma colegial histérica! Se não quer os chocolates, relaxe... — Relaxar? Como posso rela... — Faça o que mandei! — Não! — Kate tremia toda e seus olhos estavam marejados de lágrimas. — Não... não vou conseguir relaxar. — Kate — disse Julian, suavemente —, aconselho-a a começar a me obedecer desde já, porque, se não o fizer, vou ter que ensiná-la... e minhas lições, você logo descobrirá, estão longe de ser agradáveis.

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CAPITULO IV

Já haviam deixado a rodovia há um bom tempo e agora viajavam em direção oeste, atravessando uma passagem entre as montanhas. A lua estava encoberta e uma garoa fina fazia com que tudo parecesse ainda mais triste e sombrio. Kate estremeceu e puxou o casaco para mais perto do pescoço. — Está com frio? — Havia uma ligeira surpresa na voz de Julian, pois o aquecedor do carro estava ligado. Ela balançou a cabeça. Não era o frio que a fazia estremecer, mas o conhecimento de que deviam estar se aproximando do fim da viagem. Tinham se passado algumas horas mas, para Kate, parecia que fazia anos que estava longe de sua casa, de sua lareira e de seu livro. — Não, não estou com frio. — Então, o que há com você? Devia simplesmente aceitar a situação e acabar com esse desânimo. A impotência e o medo se transformaram em raiva. Os olhos de Kate brilharam como chispas de fogo. — Você é ridículo! Nenhuma mulher decente aceitaria uma situação como esta. Tenho vontade de me atirar para fora do carro. — Julian não fez nenhum comentário e ela continuou, num tom desafiador. — Não tem medo de que eu faça isso? — Você não é do tipo — respondeu ele, calmamente. — Além disso, ainda não abandonou a esperança. Seu cérebro tem trabalhado sem parar, tentando encontrar um meio de fugir. — É claro que espero estar bem longe, antes que... Não conseguiu continuar, e Julian deu uma risada divertida. Por alguns instantes, ele se concentrou na estrada, que era estreita e cheia de curvas.

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— É melhor inventar algo mais eficiente do que aquele pla-ninho idiota que usou para atrapalhar minha vida. Se fosse você, daria um descanso ao cérebro. Não há como escapar. Tem que haver um jeito, pensou ela. Encontraria um meio de fugir. Porém, ele estava certo. Era verdade que fazia duas horas que só pensava na situação e no que poderia fazer para ir contra as más intenções daquele homem detestável. Desesperada, achou que era chegada a hora de implorar. Era humilhante, mas não havia outra saída. — Já admiti que agi mal e já disse que sinto muito. Por favor, deixe-me voltar para casa. — Sente muito? Todos nós sentimos muito, quando vemos que nossos esquemas saíram errados, não é? Por que fez aquilo? A estrada ficava cada vez mais estreita e sinuosa. Olhando pela janela, Kate podia ver precipícios escuros à luz dos faróis. — Já expliquei — suspirou. — Achei que Vicky precisava de ajuda. — Agiu como uma heroína, indo em salvação da mocinha, não foi? — Julian freou o carro repentinamente, quando entraram numa curva muito fechada. — O que a sua amiguinha contou para deixá-la tão convencida de que realmente precisava ser salva? — perguntou, ao chegarem a um trecho mais reto. — Ela me disse... — Kate parou de falar, forçando a vista para poder distinguir o que parecia ser um prédio à beira de uma montanha. Não podia ser! Nem mesmo monges viveriam assim, no meio das nuvens... mas sim, seria exatamente o lugar que escolheriam. — Ela me disse que você era violento, às vezes, e ameaçador. Estava morrendo de medo e eu pensei... bem, ela é minha amiga e senti que precisava ajudá-la. — Vicky também tinha dito, lembrou Kate, que Julian poderia matá-la ali, no mosteiro, e ninguém jamais ficaria sabendo.

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— Estou surpreso, para dizer o mínimo, uma vez que você parece ser uma moça sensata. No entanto, como escolheu se intrometer, vê agora aonde isso a levou? Vai aprender a lição? — Nunca mais me intrometerei na vida de outras pessoas, enquanto viver — prometeu ela, com fervor, os olhos ainda fixos na silhueta negra do mosteiro. — Já estamos chegando? — Faltam ainda uns dez ou quinze minutos. É ali, você já está vendo, mas a estrada é tão íngreme e cheia de curvas que é impossível andar a mais de vinte por hora. Dez ou quinze minutos... e depois? Kate arriscou uma olhada para o rosto de Julian. Na escuridão, seu perfil parecia ainda mais duro e cruel do que nunca. Mas foi seu ar de superioridade, de cultura e seriedade, que despertou sua atenção e, de repente, a fez pensar em outros assuntos, além do perigo que corria. Tudo nele contrastava tanto com a frivolidade de Vicky que ela não resistiu ao impulso de perguntar: — Posso lhe fazer uma pergunta? — É claro. — E muito pessoal. — Fale. — Você ama Vicky? Quero dizer, realmente queria casar com ela? — Sim, eu queria casar com ela — respondeu ele, e Kate sabia que Julian estava falando a verdade. — Mas não quer mais casar com ela, agora. Foi o que disse há pouco. — Não quero mais casar com ela. Kate balançou a cabeça, confusa. — Mas você não pode ter deixado da amá-la assim... ou será que isso é possível? Nunca estive apaixonada — confessou — de modo que não saberia dizer. — Nunca esteve apaixonada? — Julian lançou-lhe um olhar curioso. — Que idade você tem, Kate? — Vinte e três.

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Ele diminuiu ainda mais a velocidade do automóvel, à medida que a estrada de terra ia ficando cada vez mais difícil. Estava claro que não era adequada para esse tipo de veículo, percebeu Kate, imaginando como ele teria descoberto o mosteiro. — Conte-me tudo sobre você — pediu Julian, num tom ligeiramente mais suave. — Fale-me sobre seu trabalho, tudo. Kate hesitou, mas logo começou a falar sobre si mesma, pois não podia suportar a idéia de ficar sentada em silêncio, enquanto via aquela sombra cinzenta e sombria se aproximar a cada minuto que passava. — Quer dizer que seu pai está morando no Canadá — comentou Julian, quando ela fez uma pausa. — Não quis ir para lá com ele? — Não me dou muito bem com sua nova esposa. Além disso, tenho um étimo emprego e não pretendo deixá-lo. O que aconteceria com seu emprego agora? Tinha estado tão preocupada com a situação que nem pensou nele. — Sentirão minha falta — disse, com um pouquinho de esperança. — Na segunda-feira pela manhã, seu patrão será avisado de que você vai faltar ao serviço. — Julian fez uma pequena pausa. — Não que isso tenha muita importância... você não vai voltar mais. — O que... o que está querendo dizer? — Kate sentiu a garganta apertada e a última gota de sangue fugir do rosto. — Quando eu tiver terminado com você, seu chefe já terá encontrado outra para ficar no seu lugar. — Fez a curva final, controlando o luxuoso automóvel com uma certa dificuldade. — Bem, Kate, chegamos. Finalmente, estamos em casa. Ela ficou em silêncio, apavorada. Não podia entrar em pânico, não agora, pois talvez encontrasse uma oportunidade de escapar. Enquanto Julian passava pelos portões, Kate teve a impressão de ver pesadas grades de ferro e paredes de pedra. O caminho até o mosteiro estava coberto de ervas e até pequenos arbustos apareciam sob a luz dos faróis e raspavam a parte inferior do carro. Os picos das

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montanhas, que podia ver vagamente por entre a névoa, pareciam cobertos de neve. O vento soprava, gelado, e ela sentiu frio, apesar do aquecimento do automóvel. Para onde poderia correr? Como se estivesse lendo seus pensamentos, Julian segurou seu braço com firmeza, fazendo-a gemer de dor. — Há eletricidade? — perguntou Kate, fracamente. Que pergunta idiota para uma ocasião como esta! Porém, tinha que ouvir a si mesma falando para não desmaiar de medo. — Não seja boba. Deixou os faróis acesos para que iluminassem a entrada do edifício. Kate teve uma visão assustadora de arcos de pedra, horríveis figuras esculpidas e grandes janelas fechadas com grades pesadas. Os degraus que levavam à porta de entrada estavam cobertos de líquen e as árvores retorcidas lutavam contra o vento que passava, assobiando furiosamente. Podia ouvir o ruído de uma correnteza forçando passagem por entre as pedras. — O nome do lugar é Strata Cadilla... se estiver interessada — disse Julian com uma risada. Como pode achar graça?, pensou Kate. Ele deve ser louco! Nenhum homem em juízo perfeito deixaria um apartamento tão confortável como o que ele tinha em Londres para ir a um lugar como aquele, numa noite tão terrível, submeter-se a todos os desconfortos, só para se vingar. Julian a empurrou pelos degraus e, instintivamente, Kate começou a resistir. As mãos morenas a agarraram como se fossem feitas de aço e ele prendeu seus braços. — Se tentar escapar vai se dar muito mal. Julian só a soltou quando já estavam no saguão, com a porta trancada. Apalpando no escuro, encontrou o que procurava: uma poderosa lanterna iluminou o cômodo e Kate deu um gritinho de espanto. Havia poeira por toda a parte e grandes teias de aranha pendiam do teto e

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cobriam o gradil de ferro trabalhado da escadaria. Julian iluminou uma das muitas portas que davam para o salão. — É a capela — informou, secamente, num tom que fez com que Kate levantasse os olhos para ele. No entanto, seu rosto continuava impassível, enquanto se dirigia para a escadaria. — Não vou subir aí — disse ela, quando Julian fez um sinal para os degraus. — Será muito mais confortável. Mandei reformar um dos dois quartos. — Foi pena não ter começado por aqui. Olhe que sujeira! — Uma observação típica de uma dona-de-casa — disse ele, com aprovação. — Amanhã, você poderá começar com a limpeza. — Avançou para Kate e pegou-a, arrastando-a para a escada. — Não estou com disposição para aguentar birras, menina. Vai subir, ou terei que carregá-la? Kate seguiu-o, sentindo-se sufocada pela poeira e cheiro de mofo. Durante toda a subida, examinava as portas fechadas, tentando descobrir qual delas poderia lhe servir para escapar. Resolveu aceitar a situação por algum tempo, tentando parecer dócil. Se não despertasse as suspeitas de Julian talvez ele acabasse se descuidando. Quando chegaram a uma porta que ficava no fim do corredor que saía da escadaria, Julian abriu-a e acendeu a luz. — Eletricidade! — Kate piscou e olhou para ele. — Mas você disse que não havia luz elétrica. — Não conseguiu evitar uma exclamação de surpresa, pois nunca poderia esperar.o que estava vendo. Kate andou sobre o carpete espesso e macio e ficou parada no meio do cômodo, encantada, esquecida de seus problemas. Olhou o teto trabalhado e as paredes, cobertas por riquíssimas tapeçarias. O sofá e as poltronas eram muito antigos, mas forrados de novo e

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extremamente confortáveis. Os outros móveis, também antiguidades, acompanhavam o estilo da construção. — É lindo — disse, — virando-se para Julian. — Oh, aquecedores! — São a óleo... só para estes cômodos, por enquanto. — E a eletricidade? Por que disse que não havia? — Não foi nada disso. Simplesmente disse "não seja boba". — Julian chegou perto dela, com um sorriso suavizando as feições morenas. — Por enquanto, vem de gerador, mas já estou tratando do fornecimento através da rede municipal. — Vai viver aqui? — "Nós" vamos viver aqui... por enquanto, pelo menos. — Ele foi para a porta. — A cozinha e o banheiro ficam do outro lado do corredor, e o quarto é aqui. — Seus lábios tremeram num sorrisinho divertido e seus olhos caçoaram dela. Kate corou, mas manteve a atitude dócil, enquanto o acompanhava à porta do quarto. Julian teria que deixá-la sozinha, mais cedo ou mais tarde, pois os faróis do carro ainda estavam ligados. Então, poderia procurar um meio de fugir. — É muito lindo — disse, surpresa por perceber que sua voz estava firme. — Deve ter sido decorado por uma mulher. — A cor básica era violeta-rosado, que se misturava em tons claros e escuros. A maioria dos móveis eram modernos, com exceção da cama, coberta por um cortinado de cetim. — Várias mulheres estiveram trabalhando aqui, assim como muitos homens. Eu já estava com o projeto de reforma em andamento, mas ainda não pretendia vir para cá. Quando decidi trazê-la, tudo teve que ser feito com muita pressa. Fizeram essa decoração em quatro dias, mas é verdade que esta ala do mosteiro estava bem preservada. Era onde moravam os três últimos monges que ainda estavam aqui. Quando eles foram transferidos para outro lugar, eu comprei a propriedade. Julian fez uma pausa e perguntou:

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— Acho que está pensando que devo ser um pouco maluco por ter comprado um lugar como este. — Não sei... É possível que se transforme num bom hotel. — Kate afastou-se rapidamente, ao perceber que ele estava tão perto dela que chegou a tocar sua mão. — Mas se você já é tão rico, por que se incomodar com tudo isso? — Quem disse que sou rico? — Foi Vicky que me deu essa impressão. — Kate olhou em volta, com uma expressão de quem avaliava o conteúdo do quarto. — Você deve ter gasto muito dinheiro aqui... e tudo foi feito em poucos dias, como disse. Dezenas de pessoas devem ter vindo trabalhar para fazer isto. — Sim, acho que sim. Foi um bom número de pessoas. Venha olhar o banheiro. Também estava decorado com gosto e muito luxo. Espelhos e prateleiras de vidro brilhavam sob a luz, formando um suave conjunto em rosa e dourado. A cozinha era um sonho, com todos os utensílios modernos que se poderiam imaginar. — Agora estou entendendo o que fez. Transformou esta ala num apartamento... Julian não respondeu e voltou para a sala de visitas. — Vou trancá-la aqui dentro, Kate, porque sei muito bem que está decidida a fugir. Além de tudo, é pela sua própria segurança. Uma tempestade de neve já está se formando e estamos a quilómetros de qualquer outra habitação. Estas montanhas são perigosas, você poderia sofrer um acidente e morrer sem ajuda. A chave virou na fechadura. Kate foi para a janela e afastou as cortinas pesadas. Claro que havia grades, pensou, nem precisava ter ido verificar. Uma onda de desespero tomou conta de seu corpo. Até esse momento, apesar do medo, tinha conseguido manter uma centelha de otimismo, que agora estava desaparecendo. Não havia como fugir. Sua vida estava arruinada, e tudo por causa da sua tolice.

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Ficou sentada no sofá, desanimada, e seus olhos se voltaram para a direção de onde vinha um tique-taque de relógio. Três e meia, viu. Plena madrugada. Sim, tinha que ser. Haviam deixado Londres às nove, e a última parte da viagem tinha sido muito vagarosa. O barulho na fechadura a fez olhar novamente para a porta. — Já pus nossas malas no quarto — disse Julian, sorrindo, os cabelos cheios de flocos de neve. — Tire o casaco. — Nossas malas? — Estou certo de que encontrará tudo o que precisa. — Quer dizer... quer dizer que você comprou roupas para mim? Teve coragem de entrar em lojas para... — Surpresa, olhou-o com um grande desdém. — Escolhi pulôveres e outras coisas eu mesmo. Quanto à roupa de baixo, comprei um pequeno enxoval que vem em caixas fechadas. — Julian deu uma risadinha. — É uma nova idéia do dono da tal loja. Acho que é para homens tímidos. — Com certeza, você não se encaixa nessa categoria! — Kate estava furiosa. Cerrou os punhos, com os olhos brilhando de raiva, porque Julian não parava de rir. — Pois pode pegar seu pacote e suas malas. Não usarei uma única peça da roupa que você comprou. — Vai fazer o que eu mandar, minha querida — disse ele, ficando subitamente sério. — Tire o casaco. Kate obedeceu e Julian também pegou suas luvas e o gorro de pele. — Está muito cansada e eu também, depois de uma viagem tão longa. E hora de nos recolhermos. Quer tomar alguma coisa antes? Tempo, preciso de um pouco mais de tempo, pensou Kate. — Gostaria de uma xícara de café. — Não, isso vai deixá-la sem sono — disse Julian, balançando a cabeça com firmeza. — Estava pensando em algo mais forte. — Não, obrigada.

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— Nesse caso, minha cara, vamos para o quarto. — Kate ficou imóvel e, repentinamente, toda a atitude de Juiian se modificou. Seus lábios se estreitaram e seu olhar tornou-se escuro e ameaçador. — Se não tivesse se intrometido na minha vida, eu estaria casado com Vicky e você, segura em sua própria cama. Mas você mesma escolheu se meter aonde não era chamada, e agora vai pagar por isso. — Pondo os objetos de Kate sobre uma poltrona, ele avançou decidido para ela. Quando recuou, Julian parou. — Como vai querer que seja, Kate? Não preciso dizer de que modo será mais confortável para você. — Você vai se arrepender! — gritou ela, com os olhos cheios de lágrimas. — Faremos como você quer, mas espere para ver! Vai acabar numa prisão! Pode... pode ter certeza disso! Julian tirou as coisas de que precisava de dentro da mala e foi para o banheiro. Trancou a porta atrás de si, e Kate ficou sentada na cama, olhando para a caixa a seu lado. Teria que usar aquelas coisas detestáveis, não tinha alternativa. Relutante, abriu a tampa e viu várias peças de finíssima qualidade. Tirando a camisola como se estivesse em brasa, Kate viu suas dobras flutuarem. Era branca, transparente e curta demais. Com um olhar de desgosto, atirou-a sobre a cama, lembrando os quentes e práticos pijamas que costumava usar. Era outra das vantagens de se viver sozinha... podia usar o que era sensato e de seu gosto, em vez de ter de vestir o que agradaria os olhos de um marido. O negligéque acompanhava a camisola era cheio de babados e lacinhos, e do mesmo comprimento. Colocou-o também sobre a cama e ficou parada em frente do espelho, imaginando se pela manhã teria o mesmo aspecto daquele momento. Seus cabelos estavam despenteados. Ao pegar o pente sobre a penteadeira, viu vários vidrinhos de perfume francês. Então, ele gostava de mulheres perfumadas? Sentiu vontade de quebrá-los. Estava penteando os cabelos, quando Julian voltou para o quarto. Seus olhos se encontraram no espelho.

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— Ainda está assim? Quer ajuda, Kate? — Seu tom de voz continha um desafio e uma ameaça. — Por acaso, tenho permissão para usar o banheiro? — perguntou ela, com maus modos, — Sinto muito, querida, eu devia ter deixado você usá-lo primeiro. — Julian abriu a porta e ela começou a sair. — Acho que seria melhor levar sua camisola. Tenho certeza de que não gostaria de se despir na minha frente. Furiosa, Kate foi para o banheiro e Julian trancou-a por fora. Quinze minutos depois, ela o chamou para deixá-la sair, convencida de que não adiantava mais tentar adiar aquele momento tão temido. Resignada, ficou parada ao lado da cama. Sua cabeça latejava, mas não sentia mais medo. Estava cansada e desanimada demais, pronta a aceitar seu destino. Julian estava parado perto da penteadeira, com as mãos nos bolsos do robe de seda, examinando-a de alto a baixo, com uma estranha expressão nos olhos escuros. Por algum motivo inexplicável, surgiu na mente de Kate a lembrança daquela sensação de inquietação que sentiu na noite em que visitou Julian pela primeira vez. Sabia agora que era causada pela dúvida de que Julian fosse tão mau como Vicky dizia. Também lembrou sua surpresa, quando a amiga lhe contou que a tia gostava imensamente dele. Apesar de não conhecê-la pessoalmente, Kate tinha a impressão, pelo que Vicky lhe dizia, que era uma mulher sensata e inteligente. Agora sabia que Vicky só estava interessada em sua liberdade para ficar com Stephen. Tinha sido usada, levada por ela a acreditar que Julian era um canalha, um patife aproveitador da fraqueza das mulheres. Ele ainda continuava parado perto da penteadeira e Kate, ao lado da cama. Em outras circunstâncias, a situação seria até engraçada. Seria assim mesmo na primeira noite? O homem, incerto e a mulher,

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esperando, quase sem respiração, até ele tomar coragem? Kate percebeu que sua mente estava escapando para a histeria e fixou sua atenção no rosto sério de Julian. Não existia falta de coragem nele... mas existia incerteza! Seu coração deu um salto, quando toda a situação ficou clara: ela o havia julgado mal. Não era o canalha que Vicky descrevera. O real significado da sua descoberta fez o coração de Kate agir estranhamente mais uma vez. Julian nunca teve a intenção de lhe fazer mal... não era capaz disso. Agora estava absolutamente convencida desse fato. Julian ficara furioso com sua interferência, é claro. Perdera a noiva que amava e tornara-se um homem magoado e amargo. Era compreensível que quisesse uma vingança, mas agora Kate sabia que só queria assustá-la, que nunca pretendeu realmente lhe fazer algum mal. — Estou compreendendo — disse ela, em tom excitado, mas ainda como se pedisse desculpas. — Você fez tudo isso só para me assustar, para me punir. Está magoado e com raiva, mas nunca seria capaz de me fazer mal, Bem, conseguiu, e agora sei que mereci o que fez, mas não tenho mais medo. — Sentia-se cheia de alegria, quase como seja tivesse sido libertada. Estava tão cheia de confiança que nem seus trajes transparentes lhe causavam mais embaraço. — E verdade, não? Você tem que admitir. O rosto de Julian estava impassível. De repente, para imensa surpresa de Kate, ele quase saltou sobre ela, com um esgar de fúria nos lábios. — Quer dizer que acha que não sou assim, hein? — disse, rouco, agarrando-a pelos ombros e puxando-a para bem perto. — Não pretendo lhe fazer mal? Não vou me vingar? Que tipo de tática é essa? Não, menina, esse seu pequeno truque não vai funcionar. Minhas intenções em relação a você são as mais desonestas possíveis... — Julian, não! Está me machucando... — Julian? — Por um segundo, ele se afastou e Kate estremeceu com a expressão selvagem que havia em seus olhos. — Finalmente! Gosto do som do meu nome nos seus lindos lábios, Kate. Agora, quero senti-los.

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Ela baixou a cabeça, mas ele a levantou com violência, pressionando os lábios contra os dela de uma forma cruel. Com os olhos cheios de lágrimas, tentou empurrá-lo com os punhos fechados, mas seus esforços foram inúteis. — Chorando, hein? — perguntou Julian, quando se afastou, vendo o rosto molhado de Kate. — Com pena de si mesma, agora que sabe o que vai ganhar? — Seu rosto estava mau e sombrio, e falava num tom odioso. Kate tremeu visivelmente. Como podia ter se convencido de que havia cometido um erro de julgamento? A idéia agora lhe parecia ridícula. Ele não teria feito tanto, gastado tanto dinheiro, simplesmente para assustá-la. Não, sua vingança ia ser terrível. Ia mantê-la ali, até se cansar dela. — Sabe o que vai ganhar por ter se intrometido na minha vida? — continuou ele, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto de Kate. — Espero que não esteja imaginando que sou um amante gentil. — Não — murmurou, balançando a cabeça. — Sei exata-mente o que me espera. Ele a beijou novamente, mas com crueldade. Quando finalmente a afastou, havia um estranho brilho em seus olhos. — Devia ficar orgulhosa. Kate, pois eu a acho atraente. Talvez a conserve para sempre... —Para sempre? Desse modo? Você não pode... — Claro que não... não, nesta posição — concordou ele, com um ligeiro sorriso. — Mas não consigo me ver cansado de você, minha bela Kate. Decidi lhe oferecer uma escolha. — Escolha? — Sim. Agarre-se a ela como um náufrago à última tábua de salvação. Não é mais do que isso. Estou lhe oferecendo casamento como a alternativa possível para... Bem, estou lhe oferecendo casamento. Casamento? Kate ficou muda de espanto. Que tipo de homem era ele?

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— Há cinco dias, você queria casar com Vicky. — É verdade. — Soltou uma das mãos que prendiam Kate e passou-a pelos cabelos. — Isso pertence ao passado. Agora, quero casar com você. — Abraçou-a novamente. — Vai casar comigo, queridinha? Ele era louco. Tinha que ser louco! Sim, devia haver algo de errado em sua mente. Seus planos, sua vingança... — Casar com você? Nunca! — A escolha é sua. Casamento ou... — A voz de Julian estava rouca e pastosa. — E melhor se decidir logo, antes que eu resolva que não vale a pena esperar. — Esperar? — Kate agarrou-se a essa idéia. — Se eu concordar em casar com você, irá embora agora... e me deixará sozinha? — Parecia bom demais para ser verdade! As mãos de Julian escorregaram por seus braços e apertaram os dedos delicados de Kate. — Não tão rápido, meu bem. Antes de discutirmos o assunto, tire todas as ideias de fuga do pensamento. Isso não é simplesmente um período de alívio para você poder pensar num jeito de escapar de mim... Sim, sei exatamente o que está passando nessa sua linda cabecinha, mas não pense que vai me enganar, Kate. Ou me dá sua solene promessa de que vai casar comigo... ou fico aqui esta noite. Kate estava pálida e sentia as mãos pegajosas. Fez uma tentativa para puxá-las, mas Julian as apertou ainda mais. Hesitou por alguns instantes. Na verdade, não tinha escolha nenhuma. Precisava fazer aquela promessa... sim, eles teriam que sair daquele lugar, precisariam ir a um cartório, uma igreja... e depois... — Sim — disse, finalmente. — Caso com você. — E depois disso, ficará comigo? — Sim, Julian. — A voz de Kate saiu num murmúrio. — Depois que estivermos casados, ficarei com você. — Apesar de seus sentimentos

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de honra, do valor a uma palavra empenhada, Kate sentia que uma promessa extraída sob pressão não tinha um real significado. Julian pegou seu queixo e olhou-a diretamente nos olhos por um bom tempo, examinando, atento, sua expressão. — Será para sempre — disse, gravemente. — Compreende o que vai fazer? Kate engoliu em seco, tentando aliviar a tensão na garganta, mas ainda assim sua voz saiu um pouco embargada. — Sim, Julian. Entendo que será para sempre. Ele a observou por alguns instantes mais e depois pareceu ficar satisfeito. Tomou-a nos braços e beijou-a, mas dessa vez havia calor e suavidade em seus lábios. Apesar de Kate resistir, ficou arrasada ao perceber que, se ele tivesse continuado por mais algum tempo, logo estaria correspondendo ao beijo. A idéia a encheu de desgosto. Quando Julian finalmente a soltou, abaixou a cabeça, querendo esconder a expressão que havia em seus olhos. — Boa noite, Kate. — Apanhou sua mala e dirigiu-se para a porta. — Hã... Kate... — Sim? — Teve que olhar para ele. — Preciso ser justo com você. Devo avisá-la de que o casamento será realizado de qualquer maneira. Não pense que vai escapar depois. Estou dizendo isso, só para o caso de estar pensando que sua promessa não teve valor. Com essas palavras, ele saiu, trancando a porta CAPITULO V Quando acordou, Kate foi à janela e viu-se diante de um majestoso monte coberto de branco. Como Julian havia predito, a tempestade de

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neve tinha sido muito forte, mas agora o céu estava claro e azul e o sol brilhava por entre os picos nevados. Qual seria o nome dessas monta-nhas? Percebeu subitamente que nem mesmo sabia em que parte de Gales estava. Ouviu uma batidinha na porta e a voz de Julian perguntando se já tinha acordado. — Sim. — São dez horas. Não quer tomar um banho? — Quanta gentileza — disse, com sarcasmo. — Por acaso, vai me acompanhar até o banheiro? — Gostaria de poder confiar em você. — A voz de Julian continuava a vir do outro lado da porta. — Mas ainda tenho algumas dúvidas. Kate abriu a porta, quando ouviu o ruído da chave na fechadura, e passou por ele sem falar. Logo estava trancada no banheiro. — Sinto muito por tudo isso — Julian falou, quando ela saiu. — As restrições ficarão menores, depois que estivermos casados — acrescentou, com uma pontinha de bom humor. Enquanto trocava de roupa, Kate sentiu o aroma de bacon e ovos e, para sua surpresa, descobriu que estava com muita fome. Comeu com grande apetite, e perguntou a Julian o nome da cadeia de montanhas onde estavam. — Cader Idris... significa "a cadeira de Idris" — disse ele, com as ruguinhas de riso surgindo em torno dos olhos. — Idris era um gigante, e qualquer pessoa que passe a noite na parte da montanha onde fica sua cadeira acordará louca ou transformada em poeta. — E onde fica essa cadeira? — Ninguém sabe... pode ser em qualquer lugar. — Ele se serviu de torradas e manteiga. — Bem, não me sinto louca nem poética. Portanto, não pode ser aqui. — Você não está louca... de raiva de mim?

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Kate ficou olhando para ele, enquanto tomava um gole de café. Julian parecia extremamente bem-disposto, apesar de ter passado a noite dirigindo e ter levantado cedo, pois já estava vestido e com o desjejum quase pronto quando foi acordá-la. Ficou imaginando onde ele teria dormido e concluiu que devia ter sido no sofá da sala de visitas. — Adiantaria alguma coisa eu ficar louca de raiva? — perguntou, friamente, vendo que ele aguardava uma resposta. — Pelo contrário, só teria a perder. — O tom era calmo, mas continha uma dureza que fez Kate hesitar. — Não vou casar com você, Julian — conseguiu dizer, com uma tranquilidade que até a surpreendeu. — Se tem um mínimo de decência, terá de admitir que a promessa que fiz não tem nenhum valor. — Quer dizer que pretende voltar atrás? Você me surpreende, Kate. Apesar das minhas dúvidas, muito pequenas, é fato, achei que cumpriria sua palavra. Estou desapontado com sua atitude. — Não estou preocupada com sua opinião sobre mim — disse Kate, num tom quase orgulhoso. — Não pode me forçar a esse casamento, sabe muito bem disso. Julian pôs a xícara sobre a mesa e se recostou na cadeira. — O ultimato ainda permanece. — E numa voz muito suave acrescentou: — Ou casa comigo, ou... Kate ficou pálida. Sentira uma nova confiança ao ver a luz do dia, mas, pela expressão de Julian, percebeu que não teria ama segunda oportunidade. Continuava a quilómetros e quilómetros de distância de qualquer lugar civilizado e ainda estava à mercê daquele homem. Podia se lembrar das vezes em que o viu olhando para ela... não havia mais do que desejo em seu olhar cruel. Estava decidido a possuí-la, com ou sem casamento. — Será que poderei apelar ao seu lado bom? — perguntou, sentindo-se gelada com a onda de desespero que a envolvia.

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— Não tenho um lado bom. Conforme-se, Kate. Poderá adiar seu destino por um ou dois dias, mas não haverá escapatória. Não sou o tolo que imagina, não pretendo levá-la a nenhum lugar. Casaremos aqui mesmo, na capela. — Na capela... — Kate lembrou a expressão estranha no olhar de Julian, quando lhe mostrou a porta da capela. Era como seja soubesse que seria usada. Mas isso significaria que a havia levado para o mosteiro com a intenção de casar com ela, o que era ridículo. Não, ele só pensou em casamento quando decidiu que a queria para sempre e que não poderia mantê-la prisioneira indefinidamente. — Vamos precisar de um padre — disse, sentindo uma ponta de esperança. — Naturalmente. — Julian inclinou-se e pegou a xícara novamente. — Conheço um que estará disposto a vir até aqui. E um amigo meu que mora em Barmouth. Quanto às testemunhas, serão os homens que estão trabalhando na reforma. Os empregos são escassos por aqui, como bem pode imaginar, e não se arriscarão a ficar sem trabalho por interferir em algo que não é da conta deles. — Está querendo me dizer que não me ajudarão? — Exatamente. — E esse seu amigo... esse padre... é tão canalha como você? Julian deu uma risada. — Ele não vai arrastá-la para o altar, se é o que está pensando, mas é um grande amigo e sente-se na obrigação de retribuir alguns favores que lhe fiz. Se perceber que você está querendo fugir do casamento, simplesmente se recusará a realizar a cerimónia e irá embora, deixando-nos sozinhos. — Quer dizer... que ele não... não o denunciaria a ninguém? — Como disse, ele acha que me deve muitos favores. Kate engoliu em seco. O que Julian teria feito a esse homem para ele se sentir tão obrigado?

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— Mas ele teria o dever de relatar o que viu às autoridades — gaguejou, um pouco ofegante. — Ele... isto é, a consciência dele... não o deixaria em paz... estou certa de que não o deixaria... — Você não acredita numa só palavra do que está dizendo, não é, Kate? — Julian levantou, com um sorriso cínico, e, pegando a mão dela, puxou-a para perto. — Você é desejável demais, minha linda Kate. Não posso deixá-la partir. Você é minha, quer queira ou não. Tudo isso começou como uma vingança, mas agora a quero como minha esposa... — E dentro de poucos dias estará querendo outra mulher! Vicky... — Esqueça-se dela — disse Julian, com rispidez. — Já lhe falei, isso pertence ao passado. Quero você... e pretendo tê-la. Antes de Kate ter tempo para resistir, ele a beijou com a mesma brutalidade de antes. Parecia decidido a feri-la, a convencê-la de seu desejo animal, mas, por alguma razão inexplicável, ela sentia que Julian não gostava realmente do que fazia. No entanto, seus olhos se encheram de lágrimas por causa da dor. — Por que me beija desse jeito? — perguntou, quando a soltou, percebendo que estava livre, mas não fazendo nenhum movimento para se afastar dele. — Gosta... tem prazer em me ferir? O rosto dele continuou impassível, mas tomou-a nos braços novamente e seus lábios procuraram os dela. O contraste com sua atitude anterior foi chocante. Kate sentiu a carícia suave da boca de Julian nos cabelos, no rosto e, finalmente, nos lábios. Ele a beijou com uma imensa ternura, e ela precisou se controlar para não corresponder. — Você é um homem estranho — disse, quando ele a soltou, carinhosamente, depois de alguns minutos. — E você é uma moça estranha, minha linda Kate. — Não sou sua Kate! — Oh, sim, você é, tenha certeza disso. — A voz de Julian era inflexível, apesar de haver uma certa suavidade no olhar. — Como

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disse, você é uma moça estranha. O que a fez se envolver naquele plano idiota? — Já lhe contei... achei que Vicky precisava de ajuda. — E acredita que ela merecia tanto? Kate lançou-lhe um olhar inquisidor. — Quer dizer que já conhecia todos os defeitos dela? — perguntou, impulsivamente, sem perceber que poderia estar sendo desleal com a amiga. — Sim, conheço Vicky muito bem. — E ainda assim queria casar com ela? — Já respondi a essa pergunta, Kate. Eu queria mesmo casar com ela. — Não compreendo você. — Balançou a cabeça. — Mas acho que o amor é assim. Quem ama não se incomoda com os defeitos da pessoa amada. Julian não fez nenhum comentário. Baixou a cabeça e tocou o rosto de Kate com os lábios. Depois, beijou-a na boca. — Gosta mais assim? — perguntou, num tom de troça. — E então, Kate, estou esperando por uma resposta. — Não compreendo você — repetiu ela e ficou em silêncio. Julian a estava apertando bem junto ao corpo e ela tornou-se profundamente consciente dessa proximidade. Já havia sido beijada antes, muitas vezes, em festas e bailes, mas nunca se permitira um envolvimento mais íntimo com um homem. Como estava decidida a permanecer solteira, achava que seria perda de tempo se divertir com flertes e namoros. — Você não respondeu — lembrou Julian. — Estou esperando. — Não gosto de nenhum dos seus beijos. — Que pena, porque vai ter que aguentá-los. — Fez uma pequena pausa e continuou, falando bem claramente: — Os do segundo tipo são para minha esposa, Kate; portanto, cabe a você escolher.

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Quer dizer que estava decidido a machucá-la, se não casasse com ele. Era desumano! Seus olhos brilharam de ódio, quando falou: — Casarei com você... mas nunca terei outros sentimentos, senão ódio e desprezo. Vai se arrepender do dia em que pôs os olhos em mim! O rosto de Julian ficou sombrio e seus olhos brilharam como se fossem feitos de aço. — Já me arrependi — rosnou. — Se não fosse por você, estaria casando com a mulher que amo! Essas palavras fizeram Kate parar para pensar. Inconscientemente, sempre teve certeza de que Julian nunca havia amado Vicky, mas agora ele acabava de admitir esse amor. Parecia verdadeiramente magoado por tê-la perdido. Kate sentiu uma dor profunda e desejou ardentemente nunca ter interferido na vida dele... e, dessa vez, não estava pensando na vingança que sofria. Eles casaram na terça-feira e, por dois dias, Kate continuou num silêncio frio, não trocando mais do que meia dúzia de palavras absolutamente necessárias com Julian. E!e não pareceu se importar com isso e continuou a andar pelo mosteiro com uma expressão alegre, fazendo anotações sobre as reformas necessárias nos vários cómodos. Apesar de ter dito a Kate que lhe daria a liberdade depois da cerimónia, ela só tinha escolha entre ficar trancada no quarto ou acompanhá-lo. Sentada no sofá, pensava tristemente na loucura que havia cometido ao querer salvar Vicky, e o que piorava ainda mais seu desânimo era o fato de saber que a amiga nem imaginava o que ela estava passando. As únicas pessoas que tinham sido informadas de seu paradeiro eram Carole e seu chefe. Quando Julian lhe pediu que escrevesse para eles, logo depois do casamento, Kate recusou teimosamente, pensando que, se desconfiassem de sua ausência, logo haveria uma busca, e então teria uma oportunidade para escapar daquele lugar. — A polícia vai acabar me encontrando.

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— Não sei como. Mesmo que encontrem, o que vai dizer a eles? — A verdade. — Acha que acreditarão em você? — Eu os farei acreditar em mim... Oh, sim, pode ter certeza, não precisa fazer esse ar tão cético. — Diga-me, o que vai contar a eles? — A expressão divertida de Julian a fez ficar furiosa. — Vou dizer que você me raptou! — E a forcei ao casamento? Você veio ao altar de boa vontade, minha cara; teremos a palavra do padre. Se tivesse alguma objeção, teria falado com ele. — Julian fez uma pausa e continuou, ao ver que ela se mantinha em silêncio: — Não, Kate, não há nada que possa fazer. Vai escrever ao seu chefe, pedindo demissão do cargo, e à sua amiga, pedindo que envie todas as suas coisas para cá. E eu lerei as cartas, antes, é claro! — acrescentou, em tom decidido. Ao se lembrar desse episódio, Kate começou a imaginar o que Carole estaria pensando. Sem dúvida, devia ter levado um choque, pois conhecia suas idéias sobre o casamento, mas era muito romântica e acreditava no amor à primeira vista. Além disso, não havia nada na carta que pudesse despertar as suspeitas da amiga. No terceiro dia, Kate ficou tão entediada de continuar trancada na sala que se ofereceu para sair com Julian, quando ele disse que iria ver as obras necessárias no terreno em volta do mosteiro. — Espero que não esteja com intenção de fugir — alertou ele. — Porque não irá muito longe. Se eu tiver que sair em seu encalço, vai se arrepender por muito tempo. — Por que não põe uma corrente em meu tornozelo? — perguntou, furiosa. — Por quanto tempo pretende continuar com esta farsa? — Até estar absolutamente certo de que não vai me deixar. — A resposta foi calma e cheia de significado.

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Kate corou até a raiz dos cabelos e cerrou os punhos, numa fúria impotente. Só podia rezar ardentemente para que as esperanças de Julian nunca se tornassem realidade. Começaram a andar pelos jardins e, apesar da estrita vigilância do "marido", Kate sentiu-se renovada com o passeio, pois o ar da montanha estava fresco e revigorante, dando-lhe uma sensação de saúde e bem-estar. — Não parece tão tenebroso à luz do dia, não é? — perguntou Julian, parando para anotar alguma coisa num caderninho. Kate parou ao lado dele, docilmente, e ficou em silêncio. — É melhor conversarmos, minha cara. Não pode continuar muda para sempre. Kate lançou-lhe um olhar indiferente e virou-se, para observar o terreno à sua volta. Estava abandonado e coberto de ervas daninhas, mas já devia ter sido muito bonito. O caminho levava até um lago muito límpido e tranquilo, que refletia os picos nevados contra o céu azul. Continuaram andando e, de vez em quando, Julian parava para fazer novas anotações. Depois de algum tempo, ele disse: — Acho melhor irmos voltando. Já está começando a ventar. Tinham descido um pequeno lance de escada e estavam frente a frente com um pequeno caminho cercado de muros altos, cobertos de musgo. — Que lugar é este? — perguntou Kate, intrigada. — A alameda da Prece. É o que diz na planta. Pode imaginar os monges andando por aqui, enquanto meditavam? Kate estremeceu. Havia algo de fantasmagórico no lugar. — Por quanto tempo vamos ficar morando aqui? — Não gosta do mosteiro? — Gostar? Eu odeio! — Nossos aposentos são bastante confortáveis. Quanto aos jardins, bem, acho que ficarão muito bonitos quando as reformas tiverem terminado. — Isso vai levar anos!

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— Não creio. O projeto do paisagista já está pronto e quero que tudo seja feito o mais rápido possível. — É você que vai cuidar do hotel? — perguntou, cheia de curiosidade. Não podia, mesmo forçando a imaginação, ver Ju-lian como um hoteleiro. Ele não respondeu e mudou de assunto. — Amanhã vamos visitar minha tia — disse, com a frieza habitual voltando à sua voz. — Quero que aja de acordo com o que se espera de uma esposa apaixonada. — Pois pode esperar por um desapontamento! Eu jamais poderia fingir algo que não sinto. Enquanto falava, Kate ia pensando em sua surpresa por saber que Julian tinha uma tia. Por algum motivo, havia imaginado que ele era sozinho no mundo. Teria também irmãos e irmãs? — Se me deixar em má situação, vai se arrepender — disse ele rispidamente, conduzindo-a pela escada da porta de entrada. Deixá-lo em má situação? Que estranho, pensou Kate. No entanto, ele não tocou mais no assunto da tia até a hora do almoço, quando disse que partiriam no dia seguinte bem cedo, se não nevasse durante a noite. — Na verdade, ela é minha madrinha. Meus pais, grandes amigos dela, morreram num desastre de trem, e, apesar de ser viúva, ela terminou de me criar junto com o próprio filho, que é um ano mais novo do que eu. Faz muito tempo que deseja me ver casado e agora eu darei um grande prazer a ela ao apresentá-la, Kate. Ela olhou para cima, pensativa, pois havia uma grande suavidade na voz de Julian, ao falar da tia. Por sua expressão, pôde ver que parecia gostar dela de verdade. — Onde é que ela mora? — perguntou, a curiosidade vencendo a determinação de manter-se em silêncio. — Em Penmon, uma pequena cidadezinha perto de Beaumaris. — Ela é daqui, de Gales?

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— Não. Veio para cá quando se aposentou. O chalé é muito antigo, pertence à sua família há muitos anos, e era usado como um local de veraneio. E muito bonito, tenho certeza de que vai gostar. — A frieza voltou à voz de Julian. — Ela se sacrificou muito por mim e não quero aborrecê-la com dúvidas de que meu casamento é feliz ou não. Por isso, você vai ter de esquecer a animosidade e agir como se me amasse, entendeu? Kate ficou em silêncio e ele continuou: — Felizmente, quando lhe escrevi dizendo que estava noivo, não mencionei o nome de Vicky; assim, não terei que entrar em explicações. — Julian fez uma pausa e examinou o rosto sombrio de Kate. — Não vou afirmar que sei ler pensamentos, minha querida, mas estou avisando... se me desobedecer, vai se arrepender! Kate sentiu-se tomada de fúria. Como era horrível precisar obedecer ordens, ser prisioneira, ser a escrava dos desejos de um homem... tudo isso era o casamento, uma situação da qual sempre tinha pensado em fugir. Liberdade! Era tudo que tinha desejado na vida... a liberdade de fazer o que queria, sem receber ordens de ninguém. A liberdade fazia parte de seu próprio sangue, e no entanto estava ouvindo ordens desse homem, desse estranho. Muito bem, não ia discutir com ele sobre sua atitude quando se encontrasse com a tia dele. Não, Julian era arrogante e tinha a certeza de que seria obedecido. Estava aparecendo uma pequena oportunidade de se vingar dele. Kate decidiu usá-la ao máximo. — Iremos pela estrada das montanhas — disse Julian, enquanto tomavam café na manhã seguinte. — É mais bonita. Kate continuou em seu silêncio gelado. Quando foi lavar as mãos, ficou surpresa ao ver que Julian não estava trancando a porta. — Vou buscar nossos casacos. — Ao falar foi entrando no quarto. Quando saiu do banheiro, Kate olhou em volta e não viu nenhum sinal

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do marido. Seus olhos se dirigiram para uma porta que ficava no corredor e que permanecia sempre fechada, despertando sua curiosidade. Foi até ela, com passos inseguros, e girou a maçaneta. Estava trancada. Abaixou-se para olhar pela fechadura. Não sabia o que esperar, só podia pensar que sua curiosidade sobre aquele quarto aumentava a cada dia que passava. Tinha que ser outro quarto, imaginava, pois, nos dias anteriores ao casamento, não vira sinais de Julian ter dormido na sala de visitas. Ficou ali, abaixada, examinando o pouco que podia enxergar pela fechadura. Sim, era um outro quarto, reformado como os outros cómodos da ala. Um suspiro trêmulo escapou de seus lábios. Isso significava que Julian tinha ordenado que preparassem dois quartos, o que mostrava que nunca realmente pretendera se vingar dela como ameaçou. E a proposta de casamento... Kate lembrou suas dúvidas iniciais sobre o amor dele por Vicky. Talvez Julian tivesse algum motivo para precisar estar casado. Se isso fosse verdade, não importaria com quem. Tendo perdido Vicky, apenas arranjou outra para ficar no lugar dela. Sim, podia entender tudo agora! Aquelas ameaças tinham sido simples palavras, calculadas para forçá-la a casar com ele. Outro suspiro escapou dos lábios de Kate. Devia ter recusado... tê-lo enfrentado. Toda sua vida estava arruinada porque deixara o medo tomar conta dela... um medo que, sabia agora, ser totalmente sem fundamento. — Se eu soubesse que estava tão curiosa, teria aberto a porta para você. — O tom calmo e suave na voz de Julian fez Kate se levantar de um salto, com o rosto muito vermelho. Porém, ela logo se recobrou e encarou-o, os olhos brilhando de raiva. — Você me enganou! Agora entendo. Fez tudo para me obrigar a casar com você! Eu estava certa, quando disse que não teria coragem de ir

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em frente com suas ameaças. Oh, como fui estúpida! Se o tivesse enfrentado, estaria livre agora... — Vá com calma... e não fique tão furiosa. Posso perder a paciência. — Julian continuava com sua voz calma e suave. Era irritante. Kate sentiu vontade de esbofeteá-lo. Nada lhe daria maior satisfação. — O que a faz ter tanta certeza de que eu não pretendia cumprir minhas ameaças? — Este quarto! Já estava pronto e mobiliado. Você não tinha a intenção de... de ficar comigo aquela noite! — Claro que tinha. — Não acredito em você... nunca acreditarei. — Depois, não conseguindo controlar a curiosidade, perguntou: — Então, por que mandou fazer este outro quarto? — Para acomodar um amigo — respondeu Julian, imperturbável. — Um amigo? — Piscou, surpresa. — Vai trazer um amigo para morar conosco, aqui? — Vou. — Julian segurou o casaco para ela vestir. — É claro que usei o quarto... depois de decidir que queria casar com você. Porém, ele foi reformado para outra pessoa. Não se engane, minha cara; como disse, minhas intenções eram as piores possíveis. Cheia de suspeitas, Kate olhou para ele depois de vestir o casaco. No entanto, ele desviou os olhos, como havia feito enquanto falava... Não, isso não era próprio dele. Havia algum mistério ali; disso, estava certa. Seria interessante descobrir quem era esse homem que viria morar com eles... esse amigo para o qual Julian tinha preparado o outro quarto. Capítulo VI

Os primeiros minutos da viagem foram passados em completo silêncio, mas, aos poucos, Julian começou a tentar iniciar uma conversa. Kate

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foi respondendo com monossílabos, até ele desistir. No entanto, quan-do saíram das montanhas e começaram a atravessar o Passo de Aberglaslyn, ela não conseguiu refrear uma exclamação de encanto ao ver tanta beleza. — Oh... é lindo! — Sim, é um dos lugares mais espetaculares de Gales — disse Julian, diminuindo a marcha para que ela pudesse admirar melhor a paisagem. A estrada acompanhava o curso de um rio que se precipitava por entre as rochas. De onde estavam, podiam ver um vale verdejante, com pequenas casas que pareciam brinquedos de crianças. Ao longe, entre os picos cobertos de neve, uma geleira brilhava ao sol claro da manhã. Quando se aproximavam da pequena cidade, Julian lembrou a Kate o papel que esperava que ela desempenhasse. Como continuasse em silêncio, ele insistiu: — Vai fazer o que mandei? — Apesar do tom ameaçador, parecia um pouco ansioso. — Fazer o quê? Ele cerrou os dentes e, encostando o carro, desligou o motor. — Estou avisando, Kate, vai se arrepender, se me deixar em má situação. Aquelas palavras novamente. Kate ignorou a ameaça e olhou para o outro iado. Com um suspiro irritado, Julian pôs o carro em movimento. Estava nervoso. Bem feito. Atravessaram as ruas movimentadas de Beaumaris e percorreram os poucos quilómetros até Penmon por uma estrada quase deserta. O chalé ficava no alto de um morro, no fim de um caminho íngreme e pedregoso. Era antigo e bem conservado. — Tem centenas de anos — explicou Julian. — E pequenino e nunca sofreu alterações. Abriu a porta de entrada, e logo se viram na sala de visitas. Kate ficou parada, olhando para uma mulher pequenina, sentada numa poltrona,

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com o pé apoiado sobre um banquinho. Seu braço pendia para o lado, paralisado. O rosto era muito pálido e cheio de rugas. — Julian! — Os olhos castanhos pareceram adquirir vida. — Chegou mais cedo do que eu esperava. Só o esperava depois do almoço. — Tentou erguer-se na poltrona, seu olhar passando de Julian para Kate. Ele avançou, imediatamente, ajudando-a a se endireitar. — Você é um anjo, meu querido. — A mulher falava com dificuldade e Kate sentiu um nó na garganta. Ela parecia muito doente. Não era assim tão velha; o que a teria deixado naquele estado? — Tia Sophy... — Julian pegou a mão de Kate e conduziu-a até a poltrona. — Esta é Kate. Kate, querida, quero lhe apresentar tia Sophy. Ela estendeu a mão, olhando rapidamente para o marido, antes de dedicar toda sua atenção à mulher. — Muito prazer. — Sentiu-se subitamente tímida, e um ligeiro rubor subiu às suas faces, realçando a beleza da sua pele. — E um grande prazer conhecê-la. — Digo o mesmo, querida. Fiquei encantada, quando Julian me escreveu dizendo que estava noivo. Parecia muito satisfeito com sua vida de solteiro e devo dizer que já estava conformada com isso. Mas cá está você, e foi tudo tão depressa! A mulher fez uma pausa para recuperar o fôlego e continuou, com o sorriso de prazer ainda nos lábios sem cor: . — Agora vejo por que ele esperou até você aparecer. Julian, quero lhe dar os parabéns... ela é um encanto. — Kate baixou os olhos, consciente do olhar do marido, desejando que tia Sophy parasse com os elogios. No entanto, ela continuou: — Não admira que tenha se apaixonado por ela, Julian. É linda, e parece uma bonequinha com esse casaco vermelho e o capuz debruado de pele. — Deixou-se cair nas almofadas. — Kate, querida, há muita comida na despensa ao lado da cozinha. Talvez possa nos preparar alguma coisa... — Parou, muito

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pálida, como se não tivesse fôlego para continuar. Kate olhou para Julian, com os olhos arregalados e ansiosos. — Não se preocupe, meu bem. Tia Sophy estará bem dentro de poucos minutos. Dê-me seu casaco. Kate ficou parada ao lado da poltrona, um pouco incerta do que poderia fazer pela mulher. Depois de alguns instantes, ela pareceu recuperar a respiração e insistiu com Kate para que fosse preparar alguma coisa para o almoço. — Tenho uma empregada que cuida de tudo... mas, é claro, Julian já deve ter lhe contado. Ele é maravilhoso, faz o máximo pelo meu conforto. Corno eu já sabia que vocês viriam, mandei-a à cidade para fazer algumas compras e uns pagamentos. — Vou fazer o almoço — disse Kate, olhando para Julian. Ele concordou com um movimento de cabeça e algo na sua expressão a fez acrescentar: — está com muita fome, querido? Ele lhe deu um sorriso de agradecimento, antes de falar; — Acho que sim. Esse frio abre o apetite. E você? Kate sorriu para ele. Há poucos minutos, diria que estava com fome, mas agora sabia que não poderia comer nada. Julian acompanhou-a até a cozinha para mostrar-lhe onde encontrar o necessário para preparar a refeição. — Pode deixar. Vá ficar com sua tia. Eu me arranjo. Kate pegou as verduras e começou a fazer uma salada. O que teria acontecido a tia Sophy? Por que o filho não estava com ela? E o casamento de Julian? Ao ver a expressão encantada da mulher ao entrarem, imaginou que ele só havia casado para agradá-la. Porém, apesar do evidente prazer que estava sentindo, tia Sophy disse que já estava conformada com a idéia de ele permanecer solteiro. Não, não era esse o motivo para aquele casamento apressado.

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Kate fritou algumas batatas e cortou uma parte do assado que estava no forno. Preparou uma bandeja e abriu a porta da cozinha, quando ouviu a tia de Julian dizer: — Kate sabe de tudo que aconteceu? Pela expressão dela tive quase certeza de que você não lhe disse nada. — Bem, eu pretendia dizer, mas ela é muito sensível, magoa-se com facilidade, e achei melhor esperar um pouco. Os olhos de Kate se arregalaram e ela quase deixou cair a bandeja. Sensível! Que conversa era essa? Julian estava falando novamente, e quase podia ver as ruguinhas divertidas em volta de seus olhos. — Pode me chamar de covarde, se quiser, mas não quis estragar nossa lua-de-mel. É o que aconteceria, se ela ficasse sabendo. — Naturalmente. Sou uma boba. Foi muito sensato de sua parte, Julian. Afinal, ela acaba de entrar na família. Temos que lhe dar algum tempo, antes de perturbá-la com nossos problemas. Talvez seja melhor não lhe contar nada por algum tempo. — Veremos. E quanto a Neil? — Está fazendo por ele tudo que me disse? — Sim. Ele terá uma renda suficiente, sem precisar se esforçar demais. Pare de preocupar a cabecinha com ele. — Oh. Julian, não consigo deixar de pensar nele. — Já lhe disse; não precisa se preocupar com seu futuro. Já cuidei de tudo. — Oh, querido, estou entendendo... e agradeço o dia em que você veio ficar comigo, mas é uma situação tão triste. Foi tudo tão terrível, e ele é tão jovem ainda... Julian deu um suspiro profundo, antes de responder, carinhosamente. — Foi terrível, tia Sophy, mas devemos dar graças a Deus por vocês dois ainda estarem vivos. Neil vai andar novamente, com o tempo. Não será como antes, é claro, mas poderá se movimentar. Quanto a ter um meio de vida, como disse, já cuidei de tudo. Agora — acrescentou ele,

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num tom ríspido e brincalhão —, quer parar de se preocupar? Ou terei que lhe dar umas palmadas? Tia Sophy deu uma risadinha cheia de ternura. — Pode me ameaçar, agora que é maior do que eu. Não, guarde suas palmadas para sua esposa. Ela talvez goste delas. Kate ficou furiosa com o que estava ouvindo e, com alguma curiosidade, esperou pela reação do marido. — As mulheres gostam de maridos durões — continuou tia Sophy. — Oh, elas fingem que não, mas sentem-se protegidas com eles. — Verdade? — disse Julian, interessado. — Continue, estou aprendendo. Kate decidiu que era hora de entrar na conversa. Julian sorriu para ela, como se tivesse percebido que tinha escutado as últimas frases. No entanto, não devia ter notado que Kate ouvira toda a conversa, já que não fez nenhuma menção ao assunto, quando voltavam para casa. Já estavam subindo as montanhas, quando Julian disse, suavemente: — Muito obrigado, Kate, por ter feito minha tia feliz. Como deve ter percebido, devo muito a ela. Sabe, tia Sophy tinha só vinte e sete anos quando ficou viúva e depois que começou a cuidar de mim teve a oportunidade de fazer um ótimo casamento. Mas, apesar de o homem estar disposto a ficar com o filho dela, não queria a mim. Sugeria que me mandasse para um orfanato. Quando ela se recusou, ele não quis mais casar. Por isso, teve que trabalhar a vida toda para nos sustentar... até ficarmos adultos para cuidarmos das nossas próprias vidas. Não suportaria vê-la magoada, e foi por esse motivo que insisti que você agisse como se gostasse de mim. Ela está muito doente, mas continua lúcida e astuta. Se tivéssemos sido descuidados, ela desconfiaria imediatamente. Kate não respondeu. Não era a decisão de não falar com ele que a deixava muda naquele instante. Estava intrigada, sem saber o que dizer. Não havia dúvidas de que tinha se enganado a respeito de

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Julian, mas até onde? Não compreendia muitas coisas, mas sentia que não devia perguntar nada a ele. Teria que esperar pelo momento em que Julian estivesse disposto a fazer confidências. Por enquanto, teria que continuar no escuro. Havia um abismo entre eles, causado pela anormalidade daquele casamento, pela raiva que sentia por ter sido raptada, pela aversão de ser forçada ao amor e, acima de tudo, pela confissão de que era Vicky quem ele amava. Esse abismo tornava as confidências impossíveis e era por isso que Julian não lhe tinha dito nada sobre a tragédia... tinha que ser uma tragédia... que acontecera à sua tia e ao filho. Kate imaginava que deviam ter sofrido algum acidente, mas sentia que havia muito mais do que isso. A viagem foi longa e cansativa, pois a neve estava formando uma camada escorregadia sobre o asfalto. O vento soprava muito frio e Kate puxou a manta que estava no banco de trás para cobrir as pernas. Apesar do aquecimento do carro, não conseguia parar de tremer. Quando chegaram ao mosteiro, ela estava febril. — Devíamos ter saído mais cedo. Esfriou demais nessa última hora. — Não precisa se preocupar. Amanhã cedo estarei boa. Só preciso de um pouco de descanso. O quarto estava quente, mas Kate ainda continuava a tremer. Julian mandou-a para a cama, enquanto preparava um pouco de conhaque com limão. Quando voltou, sentou-se na beira da cama, observando-a com uma expressão preocupada, enquanto ela levava o copo à boca com mãos trêmulas. Seus olhos se encontraram. Kate olhou para o copo, pensando no pouco que conhecia sobre o marido. Só naquele dia o havia visto sob uma nova luz. Ainda o odiava... sempre o odiaria por ter roubado sua liberdade e independência... mas agora também o respeitava. Não podia deixar de admirar o modo como estava saldando sua dívida com a mulher que tinha feito tantos sacrifícios para criá-lo.

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— Agora, deite. — Julian pegou o copo e, com gestos carinhosos, prendeu as roupas da cama em volta de Kate. — Se não estiver melhor pela manhã, teremos que chamar o médico. — Você não pode trazer um médico aqui. O que ele iria pensar? — Sua saúde é muito mais importante para mim do que a opinião do médico sobre minha casa. Kate não sabia o que pensar. Julian parecia genuinamente preocupado com ela... ou estaria aborrecido por ter uma doente nas mãos? Ele inclinou a cabeça e beijou-a no rosto. — Vou dormir no outro quarto, mas deixarei as portas abertas. Assim, poderá me chamar, se quiser alguma coisa. Boa noite, Kate. — Apagou o abajur e virou-se para a porta. — Boa noite. Através da luz do corredor, Kate o viu se afastar e depois virar-se para ela, com um sorriso nos lábios. Deu um suspiro de alívio. Era isso que desejava... estar sozinha. Alguns minutos depois, ouviu a água do chuveiro e, mais tarde, a luz do corredor ser apagada. Uma escuridão sinistra pareceu descer sobre o quarto. Ficou muito quieta, ouvindo. O apartamento era lindo, mas só um pequeno oásis perdido naquele prédio semi-arruinado. Mofos e teias de aranha. Saias enormes, cheias de poeira, sombras grotescas... e fantasmas... Kate tentou se controlar. Devia estar com muita febre... começou a tremer violentamente. Não era nervosa, sabia muito bem que não havia almas penadas ou fantasmas. De repente, um som fantasmagórico quebrou o silêncio e ela gritou. Estava sentada na cama, tateando para encontrar o interruptor do abajur, quando a luz do corredor foi acesa. — Julian... oh! — Estava muito pálida e sua testa, molhada de suor. — Kate, o que aconteceu? — Abraçou-a e ela se agarrou a ele, soluçando, as lágrimas caindo e umedecendo seu pijama. — Kate, minha menina, o que foi?

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— Aquele barulho... oh, Julian, que barulho horrível! — O corpo de Kate tremia e os braços de Julian a apertaram com mais força. — Uma coruja, meu bem... só uma coruja... — Não, você devia estar dormindo. Não pode ter sido só uma coruja. — Ainda continuava agarrada a ele, esquecida de tudo, a não ser do medo. — O grito ecoou na ravina. Isso acontece com frequência. Logo se acostumará e nem vai ligar para ele. — Uma coruja? — Kate afastou-se dele, sentindo-se uma tola. — Foi só isso? Tem certeza? — Claro. Já ouvi esses gritos muitas vezes. — Com gentileza, ele a fez deitar novamente e, tirando um lenço do bolso, enxugou suas lágrimas e o suor da testa. — Acha que ficará bem agora? Kate olhou para ele com os lábios tremendo. Quase sem perceber, murmurou: — Deve ser por causa da febre, mas... mas... estou muito assustada. Bem mais tarde, deitada em segurança, aninhada nos braços fortes de Julian, Kate tentou analisar seus sentimentos. Terminou por sentir uma enorme raiva do marido por tê-la raptado e levado para um lugar tão desolado como aquele, e uma grande vergonha de si mesma por ter fraquejado e pedido que ele ficasse. Notou que Julian dormia calmamente. Parecia satisfeito. Talvez dormisse tão serenamente por pensar que ganhara a batalha e que, de agora em diante, ela estaria disposta a aceitar seus desejos. Bem, ele estava enganado. O pequeno incidente não traria nenhuma modificação na relação entre eles. Seu ódio havia ficado ainda maior, porque agora tinha sido forçada a implorar pela proteção de Julian. Na manhã seguinte, a febre baixou bastante, mas Julian a fez ficar na cama, insistindo para que se alimentasse bem.

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— Onde aprendeu a cozinhar? — perguntou ela, ao experimentar o peixe e um delicioso pudim salgado que Julian tinha trazido numa bandeja. — Aprendi por pura necessidade. Uma vez, tia Sophy ficou muito doente por um longo tempo e tive que cuidar de tudo sozinho. Sozinho? Onde estaria o filho dela? Kate arriscou um olhar para Julian. Seu rosto estava impassível. Devia ter adivinhado seus pensamentos. No entanto, ele não fez nada para esclarecer suas dúvidas e Kate continuou a comer. — Posso levantar agora? — perguntou ela, quando terminou. — Vai passar o dia na cama e amanhã veremos como está. Kate não respondeu, mas sentiu uma onda de ressentimento. Se ainda fosse uma mulher livre, poderia fazer o que quisesse... mas agora tinha que obedecer ordens. Essa idéia a perseguiu durante toda a tarde e, quando Julian veio lhe trazer o chá, estava mal-humorada e disse que não sentia fome: — Você precisa comer! — Já disse que não estou com fome! — O que é que há com você? — Foi quase ríspido. — Parece mudar de humor ao sabor do vento! Estávamos começando a nos dar bem, e agora... Por que esse azedume? Qual o motivo para isso? Kate o encarou. Estava claro, como ela já suspeitava, que Julian pensava que o pequeno episódio da noite anterior resolvera todos os problemas entre eles. — Nós nunca vamos nos dar bem. Não sei como pôde pensar isso. Julian simplesmente encolheu os ombros. — Vamos, coma. E não banque a teimosa, porque vai ter que fazer o que eu digo. — Pretende enfiar essa comida pela minha goela? — perguntou Kate, com maus modos.

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— Talvez, se continuar a me desafiar— Julian se afastou deixando a ameaça pairando no ar. Furiosa, Kate comeu um pouco, temendo as consequências. Quando ele voltou, olhou a bandeja na mesinha ao lado da cama. — Está satisfeito? — perguntou, com azedume. — Bastante. — Depois de uma pausa, continuou: — Por ser uma esposa boa e obediente, vou permitir que levante por uma hora. Poderá ficar na sala de visitas. — Obrigada! Continuarei aqui mesmo onde estou. — Como quiser. — Julian pegou a bandeja e saiu do quarto. Kate mordeu o lábio. Se ao menos ele não falasse daquele jeito. Se ao menos fizesse um pequeno esforço para compreender quanto ela se ressentia por ser tratada com autoridade. Estava ansiosa para sair da cama, e ele sabia. Kate sentia vontade de gritar. Como detestava não poder dar uma volta sozinha, nem mesmo passar para o outro quarto, sem que o marido a seguisse com a chave na mão. Mas isso não poderia continuar indefinidamente. Mais cedo ou mais tarde, Julian cometeria um erro. E o amigo que estava para vir morar com eles? Ela não poderia ser apresentada como uma prisioneira. Talvez ele nem mesmo existisse, fosse só uma invenção de Julian para explicar a existência do outro quarto. Era quase incrível, mas no dia seguinte, Julian cometeu o primeiro erro. Depois de passar algum tempo na sala de visitas, fazendo anotações no caderninho, ele levantou com um ar muito concentrado e saiu. Instintivamente, Kate ficou esperando pelo barulho da chave na fechadura e mal conseguiu acreditar no que estava acontecendo, quando percebeu que tudo continuava em silêncio. Seu coração acelerou. Foi até a porta, abriu-a cuidadosamente e ouviu os passos de Julian na escadaria. Ficou imóvel no corredor e arriscou uma olhada para o saguão. A porta da frente estava aberta!

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Em poucos segundos, Kate já tinha ido pegar a bolsa e o casaco e corria pela escada. Alcançou a porta, mas, no instante em que passou por ela, viu Julian encostado na parede do lado direito. — Você! — Kate olhou para o jardim, na direção que imaginava que ele tivesse tomado. — Pensei que tivesse ido para lá — disse, numa vozinha fraca, sentindo um enorme desânimo. Julian não fez nenhum movimento para impedi-la de passar e o único sinal de emoção era seu olhar de reprovação. — Quer dizer que me enganei — murmurou, como se falasse consigo mesmo. — Não pensei que fosse fugir. — Que não fosse fugir? Kate arregalou os olhos. Como ele podia ter pensado isso? — Fiz um teste e você falhou. Um teste... Então, ele não tinha deixado a porta aberta por acidente. Devia saber que Julian não cometeria um erro desse tipo. — Eu falhei? — Pensei que talvez continuasse aqui. — Você deve ser louco! Desde o início, deixei claro que procuraria escapar na primeira oportunidade. E, apesar de você ter dito que me manteria prisioneira até... — Prisioneira, não — interrompeu Julian, rispidamente. — Não fale assim! — Aproximou-se dela. — De início, eu pretendia vigiá-la cuidadosamente, mas, depois do modo como agiu na casa da minha tia, achei que não fugiria mais. — E o que tem sua tia a ver com isso? — Eu lhe disse que meu casamento a faria feliz... muito feliz. O que aconteceria a ela, quando ficasse sabendo que você me abandonou? Você foi tão boa, tão gentil, que pensei que realmente tinha gostado dela. — Claro que gostei dela. E um amor.

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— E ainda assim, está disposta a magoá-la, fugindo de mim? O que eu iria dizer a tia Sophy? — Como... como ela poderia ficar sabendo? — perguntou Kate, numa vozinha fraca, vendo a imagem do pequeno chalé em pensamento, e baixando os olhos, para não ver a expressão acusadora de Julian. — Eu a visito com regularidade. Prometi levá-la até lá pelo menos uma vez por semana. Kate torceu as mãos, sentindo um desespero infinito. Estava pálida e abatida. Não haveria um modo de escapar desse homem? — Não sei o que dizer. Há tantas coisas que não compreendo. — Balançou a cabeça num gesto de desânimo. Julian ficou em silêncio por alguns instantes, como se pesasse aquelas palavras. Depois, encolheu os ombros. — Há muitas coisas que talvez não conheça, mas não é hora para confidências. Somos estranhos, Kate. Tomo-a nos braços todas as noites, mas sempre acordamos como estranhos. Ele devia ter dito "inimigos", pensou ela, mas, por algum motivo, achou que a palavra não se ajustava. — Prometo não tentar fugir mais — disse, com sinceridade, olhando diretamente nos olhos de Julian. — Mas com uma condição — acrescentou, com firmeza —, não quero ser tratada como uma prisioneira. Ele franziu a testa ao ouvir a palavra e seus olhos brilharam como aço por um segundo. — Você terá completa liberdade de movimentos — disse, finalmente, e Kate soube que podia confiar na sua palavra. Naquela noite, enquanto estavam sentados na sala depois do jantar, Julian lhe comunicou que os trabalhadores começariam as reformas no dia seguinte. Queria que a obra andasse o mais rapidamente possível, uma vez que esperava que o hotel já estivesse funcionando para os feriados da Páscoa.

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Depois de lhe explicar alguns detalhes sobre a reforma, avisou calmamente que a visita que estavam esperando também chegaria na manhã seguinte. Por alguns instantes, Kate só conseguiu ficar olhando para ele, muda de surpresa. Havia se convencido de que o tal amigo só existia na imaginação do marido. Agora entendia por que ele havia feito a promessa de lhe dar maior liberdade... não poderia ficar trancando portas na frente de outra pessoa. O que tinha dito sobre a tia não era mais do que um artifício para obrigá-la a prometer que não tentaria fugir. Furiosa por ter sido enganada mais uma vez, Kate decidiu que iria embora daquela casa logo pela manhã. No entanto, para não despertar suspeitas em Julian, procurou continuar a conversa calmamente: — Esse amigo logo vai adivinhar que somos praticamente inimigos. O que vai pensar? — Não é um amigo, mas uma amiga. — A... amiga? — Uma moça simplesmente encantadora. Acho que vocês duas se darão muito bem. — Nos... daremos... — Sem poder acreditar no que ouvia, gaguejou. — Ela não vai estranhar minha presença? — Claro que não. Tenho certeza de que ficará contente com sua companhia. Não era real, simplesmente não podia estar acontecendo. Porém, tantas coisas irreais tinham acontecido. Um homem como Juiian parecia estar sempre fazendo surpresas. — Quer dizer que está trazendo... realmente trazendo uma amiga sua para vir morar aqui conosco? — disse, completa-mente esquecida de sua decisão de ir embora logo pela manhã. — E isso mesmo. — A resposta veio sem hesitação, mas Kate teve a impressão de que as palavras o tinham deixado surpreso.

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— Você deve estar completamente louco! Não vou ficar aqui com... com uma de suas... — Calma. — Havia um pouco de humor na voz de Julian, mas seus olhos se estreitaram, como numa ameaça. — Por acaso está com ciúme, minha linda Kate? Com ciúme? Que convencido! Por um instante, sentiu-se sufocada demais pela raiva para poder responder. — Não existe ciúme, quando não há amor — respondeu, furiosa, quando recuperou a voz. Ficou esperando por um comentário cínico, mas, para sua surpresa e humilhação, Julian simplesmente pegou uma revista e, acomodando-se confortavelmente na poltrona, começou a ler. Ela o ficou observando, com os punhos cerrados sobre o colo e o rosto vermelho de raiva. Quem seria essa moça? De onde ele a conheceria? E há quanto tempo? Com impaciência, Kate tentou afastar essas perguntas do pensamento. Afinal, por que se interessar por ela? Estava decidida a ir embora pela manhã e ia fazer tudo para estar bem longe, quando a tal moça chegasse. Como seria ela? Encantadora, tinha dito Julian. Uma expressão intrigada apareceu no rosto de Kate. Por que ele havia convidado essa mulher para vir morar com eles? Subitamente, teve vontade de saber mais sobre ela, mas não teve coragem de perguntar. Se não tivesse perdido a paciência tão rapidamente, talvez tivesse conseguido mais algumas informações do marido. Na manhã seguinte, quando entrou na copa, um pouco antes das oito, encontrou Julian com o desjejum já pronto. Os homens já tinham chegado, podia ouvir suas vozes no jardim. — De hoje em diante, a cozinha ficará a seu cargo — disse ele, um pouco ríspido. — Estarei muito ocupado com a reforma. — E essa tal mulher? — perguntou Kate, com maus modos. — Não poderá cuidar das refeições?

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— Tenho certeza de que irá se prontificar a ajudar. A propósito, ela é uma ótima cozinheira. Sentando-se à mesa, Kate perguntou, azeda: — Quer dizer que já teve oportunidade de experimentar a comida dela? Já viveram juntos? — Seria mais correto dizer que eu vivi com ela. Kate respirou profundamente, mas segurou as palavras que estavam a ponto de sair de seus lábios. Por que perder tempo discutindo sobre alguém que nem ia ficar conhecendo? — A que horas ela vai chegar? — perguntou, um pouco mais tarde, quando estava se servindo de café. Não que realmente se interessasse, mas é que o silêncio tinha ficado opressivo. — Vou encontrá-la na estação às onze. Kate lançou-lhe um olhar rápido- Parecia haver um pouco de divertimento na voz de Julian. Por alguns instantes, ela se concentrou na comida. Ia ter a oportunidade de escapar, quando Julian saísse. Seria muito simples. Perguntaria a um dos homens qual o caminho para chegar à cidade mais próxima. — Por quanto tempo ela vai ficar conosco? — perguntou, aparentemente sem grande interesse. — É impossível dizer. — Julian encolheu os ombros e pegou o bule. — Quer um pouco mais de café? — Obrigada. Kate serviu-se de açúcar, passou manteiga numa torrada e depois perguntou, no mesmo tom desinteressado: — Qual é o nome dela? — Margery. Não havia dúvida de que Julian estava se divertindo. Kate franziu a testa e ficou em silêncio. Não ia lhe dar o gostinho de pensar que estava interessada na tal amiga. Só queria ver se ainda estaria se

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divertindo, quando voltasse da estação e descobrisse que sua mulher não estava mais lá. Iria embora, continuava a dizer a si mesma. Sim, estava completa mente decidida a ir... Kate estava no jardim, quando o carro atravessou os portões. Arrancava umas ervas daninhas em volta de um arbusto. Seus olhos se fixaram na mulher loira e delicada que descia em frente da porta de entrada. — Julian, é enorme! — Ouviu-a dizer, — Parece que fica maior cada vez que o vejo! Então, ela já tinha estado ali antes. Kate viu o marido tirar uma mala do automóvel e passar o braço pela cintura da moça, enquanto subiam a escada. De onde estava, pôde ouvir seu comentário: — Tem o tamanho exato. As reformas já estão em andamento. Quando ficar conhecido, tenho certeza de que virão muitos hóspedes. Não há quem não queira se afastar do barulho das cidades por uma ou duas semanas. — Acho que tem razão. — Margery olhava para ele e, apesar de não poder ver seu rosto, Kate imaginava a expressão. — E você me trouxe para cá, longe de tudo. Eu o amo, Julian. O corpo de Kate tremeu de raiva e seus olhos cintilaram. Que tipo de homem era aquele! Saiu de trás dos arbustos e dirigiu-se, decidida, para a casa. Eles estavam no saguão, quando os alcançou. — Ah, Kate, minha querida, quero lhe apresentar Margery... minha cunhada. — Um sorriso bem-humorado apareceu nos lábios de Julian, enquanto fazia as apresentações. Estava se divertindo com a situação... e com a surpresa de Kate. — Sua... — Olhando para ele, Kate viu seu olhar de satisfação ao vê-la corar. — Sua cunhada? — Como vai? — Margery estendeu a mão. — Muito prazer em conhecê-la.

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— Bem, na verdade, Margery não é realmente minha cunhada. É a nora de tia Sophy. — A mulher de Neil? — As palavras de Kate saíram antes que pudesse evitá-las, e os olhos de Julian mostraram um brilho intrigado e surpreso. — Vamos subir. Você nem vai acreditar no que foi feito naquela ala que estava mais conservada — disse, dirigindo-se a Margery. Quando a moça chegou à porta da sala de visitas, não conteve uma exclamação de espanto. — Que maravilha! Você me disse que ia ficar bom, mas eu tinha minhas dúvidas. Vai ficar tudo assim? — Minha idéia é fazer um hotel de luxo. Margery virou-se e Kate viu lágrimas em seus olhos. — Você é tão bom para nós, Julian. Como poderemos lhe pagar por tudo? Ele não respondeu. Em vez disso, dirigiu-se para Kate. — Meu bem, que tal preparar um lanche para Margery? — Sim, claro... Então, era por isso que o mosteiro estava sendo reformado? Para Neil e a mulher? Só bem mais tarde, quando Margery estava no quarto desfazendo a mala, é que Kate teve oportunidade de dizer a Julian exatamente o que pensava dele. Tinha que falar em voz baixa, mas suas palavras tremiam de raiva e indignação: — Além de tudo, você tem o senso de humor mais pervertido que já vi! Por que fingiu que ela era... era... Julian estava calmamente ocupado em consertar o interruptor de um abajur antigo que Margery tinha trazido. Olhou para Kate com uma expressão inocente e um pouco desdenhosa. — Não foi nada disso. Pelo contrário, as conclusões apres- sadas foram suas... e sem nenhum motivo aparente.

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É a pura verdade, pensou Kate, mas isso não serviu para melhorar seu humor. — Você podia ter negado! Julian pegou a chave de parafuso de cima da mesinha. — Por que deveria negar? Parecia tão certa de que eu estava disposto a começar um harém, que não quis estragar sua diversão. Cheia de fúria, Kate sussurrou, em tom sufocado: — Não pode me culpar por eu achar que é um mulherengo... depois do que aconteceu. — Mulherengo? — interrompeu ele, mostrando emoção pela primeira vez desde que Kate tinha começado seu sermão. — Quer fazer o favor de se explicar? — Explicar? E Vicky? Um dia queria casar com ela e quatro dias depois, quis casar comigo! Que homem decente mudaria de idéia desse jeito? — Já lhe disse antes: esqueça Vicky! Esse caso já está morto e esquecido! — Mas você ainda a ama, não é? Foi o que disse. Julian abriu a boca para responder, mas pareceu mudar de idéia. Seus olhos escuros se fixaram nas mãos de Kate, que torcia os dedos em pequenos movimentos convulsivos. Percebendo seu olhar, ela se forçou a aparentar uma calma que não sentia. — Você a ama, não é? — repetiu. Vagarosamente, Julian afastou o olhar das mãos dela e a encarou com uma expressão pensativa. — Sim, Kate. Eu ainda amo Vicky. Sempre a amarei. CAPÍTULO VII

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Ele ainda amava Vicky... Bem, mas isso não era novidade. Julian já admitira esse amor antes. Kate ficou parada por um instante, imaginando o porquê daquela onda de tristeza que sentia. Sem ter o que dizer, dirigiu-se para a porta, mas Julian a interrompeu, antes que saísse. — Você está sabendo sobre Neil, portanto, deve ter ouvido parte da conversa entre minha tia e mim. — Terminou de consertar o abajur e ligou-o na tomada para testar a lâmpada. — Deu para entender que Neil e a mãe sofreram um grave acidente? Kate balançou a cabeça, concordando. — Onde está ele agora? — perguntou, depois de alguma hesitação. — No hospital. — Julian endireitou-se na cadeira e acrescentou, num tom decidido: — Eu disse que nosso relacionamento ainda não estava pronto para confidências, mas, como já sabe de uma parte da história, é melhor ficar sabendo do resto. Neil sempre foi um problema para a mãe. Começou a andar com as pessoas erradas e logo estava metido numa série de encrencas. Foi então que conheceu Margery e tudo mudou. Eles se amam muito e Neil não teria feito nada que pudesse magoá-la. No entanto, logo descobriu que não seria fácil esquecer o passado... — Fez uma pausa, como se relutasse em continuar. — Seus antigos amigos precisavam de um parceiro para um assalto e foram procurá-lo. Quando se recusou a participar, a quadrilha prometeu vingança. Ameaçaram levá-lo para um lugar deserto e... dar-lhe uma lição. Na primeira oportunidade, começaram a perseguir seu automóvel, decididos a pegá-lo. — A mãe estava com ele? — perguntou Kate, horrorizada. — Eles sabiam? — Sabiam que tia Sophy costumava visitar o filho todas as quintas-feiras e que ele sempre a levava de volta. Geralmente, Margery ia junto, mas, naquela noite, não estava se sentindo bem e ficou em casa. Houve uma perseguição terrível, que só terminou quando um caminhão

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atravessou a estrada, saindo de uma fazenda. O desastre foi pavoroso. Os quatro homens que estavam no outro carro tiveram morte instantânea... o que foi uma boa coisa, pois certamente teriam planejado outra vingança, e até Margery poderia ser envolvida. — E Neil não vai mais poder andar... pelo menos, não como antes? — Kate olhou para o marido, cheia de compaixão. — Que terrível... e que golpe para Margery. — Ele vai andar, mas com grande dificuldade. Por outro lado, a cirurgia está cada vez mais adiantada e não se pode prever o que poderá acontecer daqui a alguns anos. Mas, aconteça o que acontecer, Margery adora Neil e ficará feliz só por tê-lo a seu lado. Houve um silêncio e Kate perguntou, sentindo a garganta apertada pela emoção: — Você está fazendo tudo isso... está gastando essa fortuna para transformar este lugar num hotel para eles? Julian pegou o abajur, enrolou o fio, e seus olhos morenos pousaram no rosto pálido de Kate. — O dinheiro não serve para nada, se não puder aliviar o sofrimento. — Dirigiu-se para a porta e Kate ficou observando-o, enquanto enxugava uma lágrima. De repente, estava se sentindo muito pequena. — Tia Sophy... ela está muito mal? — perguntou, antes de Juiian ter tempo de sair. — Tem no máximo seis meses de vida. — Oh... que terrível! Que remorso o filho deve estar sentindo, pensou Kate. — Ela... ela sabe? — Achamos que sim, mas não temos certeza. — O rosto de Juiian estava sombrio e seus olhos pareciam mais escuros do que nunca. — Eu... eu sinto muito por tudo isso — murmurou Kate, sentindo-se sem jeito e inadequada. — Ouvi Margery lhe agradecer por tê-la afastado de tudo...

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— Sim. O escândalo e o falatório dos vizinhos. Ela já sofreu muito. Foi por isso que eu achei que devia vir logo para cá. Além disso, preciso de sua supervisão. Afinal, aqui será a casa dela e de Neil, e é justo que participe dos planos de reforma e decoração. — Fez uma pausa, e Kate começou a imaginar onde ela e Julian iriam morar, mas, antes que tivesse tempo de perguntar, ele estava falando novamente: — Claro que estará muito mais longe do hospital, mas creio que Neil sairá dentro de umas três semanas. Até lá, eu a levarei de carro, quando quiser visitá-lo. — Você é um homem muito humano, Julian — disse Kate, emocionada, e viu um sorriso intrigado aparecer nos lábios do marido. — É a última coisa que poderia esperar ouvir de você. Com licença que vou levar o abajur para o quarto de Margery. O quarto de Margery... então, era mesmo para ela. Com. um pequeno choque de surpresa, Kate percebeu que nunca abandonara a idéia de que Julian o havia reformado para ele mesmo. Alguns momentos depois, ouviu Margery agradecendo por ter arrumado o abajur e, olhando pela porta, Kate viu Julian olhando pela janela do quarto para os picos nevados. Estava com as mãos nos bolsos e não deve tê-la ouvido entrar, pois continuou de costas. Kate ficou perto da porta, imóvel, tentando compreender essa nova emoção que sentia. Muitas vezes, durante a ausência do marido, enquanto ele saíra para buscar Margery, perguntou a si mesma por que não fazia o que havia prometido a si mesma, fugindo o mais rápido possível daquele lugar. Concluiu que era por curiosidade de conhecer a tal amiga. Mas agora... Continuava olhando para as costas de Julian. Sabia agora que ele não era nada parecido com o monstro que Vicky tinha pintado. Apesar de ter sofrido muitas humilhações nas mãos dele, precisava admitir que era um homem bom, cheio de gentilezas, compaixão e generosidade. Percebeu, com um choque, que o estava vendo sob uma luz totalmente

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nova, pensando em Julian como seu marido e não como aquele homem odioso que roubara sua liberdade e independência. — Julian... — Sim? — Virou-se, e seu rosto ainda parecia um pouco abatido. Kate teve grande dificuldade em escolher as palavras; finalmente, disse: — O motivo por ter casado comigo... foi mesmo o que você disse? Sentiu que corava e esperou pela resposta, um pouco ofegante. — Que outro motivo poderia haver? Parecia um pouco surpreso com a pergunta e havía algo de evasivo em seu tom de voz. — Não sei. — Kate mordeu o lábio, desejando não ter feito a pergunta. — Você disse que eu faria sua tia feliz, e pensei... que talvez fosse esse o verdadeiro motivo pelo qual quis casar comigo. Por um longo tempo, Julian hesitou, examinando o rosto da esposa, parecendo um pouco indeciso. Kate franziu a testa ao perceber sua expressão. Como poderia estar indeciso por causa de uma resposta que não pediria mais do que um "sim" ou um "não"? Finalmente, ele balançou a cabeça. — Não sei o que lhe deu essa idéia, mas... não, Kate, não casei com você pensando na felicidade de tia Sophy. Sentiu uma onda de raiva e vergonha envolvê-la. Então, apesar de suas virtudes, ele não tinha mercê ou compaixão, quando se tratava dos próprios desejos animalescos. Era como dissera antes: só casara com ela porque a queria... e pelo tempo que quisesse, mesmo que continuasse amando outra mulher. Por que tinha voltado atrás na decisão de fugir naquela manhã? Kate estava profundamente humilhada, pois tinha de reconhecer que não foi a curiosidade que a fez ficar em Strata Cadilla. Julian a observava com uma estranha expressão nos olhos escuros. Sua atitude a deixava ainda mais irritada, pois continuava calmo e

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impassível, enquanto ela se sentia arrasada. Então, ele a queria para sempre, hein? — Pois preste bem atenção no que vou dizer — começou ela, os lábios trêmulos —, assim que sua tia falecer, vou embora daqui... e espero nunca mais vê-lo enquanto viver! — Vai embora? — Para surpresa de Kate, suas palavras não produziram mais do que um brilho de desdém nos olhos de Julian, enquanto a mediam de alto a baixo. — É claro que estou consciente de que a morte de minha tia a libertará de sua promessa... — Parou de falar e chegou perto de Kate, que ficou imaginando se ele tinha conhecimento de que ela se sentia um pouco sem jeito, quando o via assim tão alto ã sua frente. — E quanto à sua primeira promessa... quando disse que ficaria comigo para sempre? — Nunca me considerei obrigada por ela. Afinal, foi arrancada de mim sob circunstâncias muito difíceis. — Sim, sei que foi forçada a fazê-la... porque não tinha alternativa. — Observou-a cuidadosamente por alguns segundos. — E agora... conseguiria me abandonar sem mágoas? Que resposta Julian estaria esperando? Por acaso pensava que seus atos de amor podiam resultar em mais do que raiva e ressentimento? — Claro que conseguiria — disse Kate, com um olhar de extremo desdém, — Quanto à mágoa... minha mágoa mais profunda será sempre a de ter conhecido você! Os olhos de Julian se estreitaram perigosamente. Com um movimento involuntário, Kate deu um passo para trás. — E de quem foi a culpa? Pode ter certeza de que seu pesar não é maior do que o meu. Se não tivesse se metido nos meus assuntos, eu agora estaria casado com a mulher que amo! Vicky outra vez... — Eu... eu odeio você!

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As palavras vieram num impulso e Kate saiu correndo do quarto. As lágrimas estavam a ponto de correr... lágrimas de raiva, disse a si mesma, enquanto lavava o rosto no banheiro. Porém, estranhamente, essa declaração só teve o efeito de fazê-la chorar com mais amargura. Nas semanas seguintes, um verdadeiro exército de pedreiros, eletricistas e encanadores tomou conta de Strata Cadilla. Felizmente, o inverno estava sendo menos rigoroso do que o esperado e o trabalho pôde progredir com mais rapidez do que Julian tinha imaginado. Com a ligação da eletricidade e dos cabos telefônicos, a vida ficou muito melhor para os três moradores, que trabalhavam como nunca na vida. Para sua surpresa, Kate sentia-se até alegre, não só porque suas ocupações a impediam de pensar no triste futuro, como também porque uma grande amizade havia surgido entre ela e Margery. Quanto à sua relação com o marido... não havia diferenças notáveis, mas não se esforçava mais para se convencer de que odiava Julian. Às vezes ficava pensando nessa centelha de emoção que surgira dentro dela. Ficaria mais forte com o tempo? Poderia abandonar o marido... sem se lamentar? Um dia, ela e Margery decidiram trabalhar no jardim, porque o sol estava bastante quente e o céu, azul e brilhante. Os homens preparavam o terreno para um grande gramado e plantavam as primeiras roseiras nos canteiros. As moças começaram a remover as ervas daninhas dos grandes vasos que ficavam perto da entrada e depois de algum tempo saíram para dar um passeio. — Oh, Kate, veja! — Margery apontou para algumas flores que nasciam por entre o mato seco. — Que lindas, tão amarelinhas! As duas se ajoelharam no chão e começaram a limpar o terreno em volta delas. — São as primeiras flores que vejo em muito tempo — disse Kate. — Gostaria de levar algumas para casa, mas não tenho coragem de tirá-las. Não temos como saber, mas acho que iam se sentir muito tristes num vaso.

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Quando terminou de falar, Kate percebeu a presença de Julian, que olhava para suas mãos cheias de terra. Margery deu um sorriso e afastou-se, procurando por outras flores que podiam estar escondidas pelo mato. — Nunca ouvi ninguém dizer algo assim — disse ele, com um leve sorriso. — Dizer... o quê? — Kate começou a limpar as mãos. — Nunca ouvi ninguém dizer que estava preocupado com o bem-estar de uma flor. Ele está caçoando de mim, pensou Kate. Seus cabelos estavam despenteados pelo vento e brilhavam em tons dourados, sob o sol. Com um gesto automático, levantou a mão para o rosto para afastá-los, esquecida de que ainda estava suja de terra. Com um movimento delicado, Julian pegou sua mão e ele mesmo afastou os cabelos de sua testa. — Minha linda Kate — disse, suavemente, sorrindo ao ver o rubor nas faces da esposa. Sempre aquele ar possessivo... mas, pela primeira vez, Kate não ficou irritada, pronta a dar uma resposta cheia de azedume. O que estava acontecendo com ela? Por que se sentia tão consciente do toque da mão de Julian? — Está ficando frio — gaguejou. — É melhor eu voltar para casa. — Sim, é verdade. De qualquer modo, já está na hora do chá. Entraram e, ao chegarem no corredor, Julian tomou-a nos braços e a beijou. Foi quase como se obedecesse a um impulso. — Você ameaçou me abandonar — disse, quando a soltou. — Mas acho que não vai fazer isso. Suas palavras foram tão inesperadas que Kate sentiu um pequeno choque. Julian parecia tão confiante que, por um segundo quase assustador, Kate achou que ele talvez estivesse percebendo a lenta modificação que acontecia a seus sentimentos. No entanto, o rosto de

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Julian continuava impassível. Seu beijo não havia sido mais do que a simples satisfação de um desejo animal. Era por isso que queria mantê-la a seu lado. — Pois tenha certeza de que vou deixá-lo... quando chegar a hora... aconteça o que acontecer — disse, com a voz embargada pela raiva. Para seu espanto, Julian também pareceu chocado. Um músculo se moveu em seu pescoço, como se engolisse em seco, antes de responder: — Veremos... Veremos o que vai acontecer, quando chegar a hora. Ouviram os passos leves de Margery subindo a escada. Deixando Kate parada no corredor, Julian entrou na sala de visitas. Kate foi lavar as mãos. Ao entrar na cozinha, Margery já estava pondo a água para ferver. — Estou morta de fome — disse ela, com uma careta. — O ar daqui é maravilhoso. Neil ficará encantado. Kate começou a cortar o pão e colocá-lo na cestinha. — Faltam só três dias para ele chegar. Imagino que esteja ansiosa. — E estou. — Os olhos de Margery brilharam. — Sinto tanta falta dele... — Parou e sorriu. — Você sabe como são essas coisas. Como se sentiria, se estivesse longe de Julian? Um pequeno suspiro foi a única reação de Kate. Por alguns instantes, elas continuaram a trabalhar em silêncio, ocupadas com os próprios pensamentos. Porém, Margery logo começou a falar de sua gratidão pelo que o cunhado estava fazendo. — Nem me atrevo a pensar quanto ele está gastando para fazer tudo isto. Talvez, mais tarde, consigamos saldar um pouco da nossa dívida com ele. — Julian parece ser muito rico — disse Kate, casualmente. Desde o casamento, estava curiosa para saber como o marido tinha conseguido tanto dinheiro.

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— Ele não lhe contou nada? — Margery a olhou, surpresa. — Não está sabendo do tio que morava na Austrália? Aquele que morreu, deixando-lhe uma imensa fortuna? Corando ligeiramente, Kate balançou a cabeça. — Não tivemos muito tempo para nos conhecer, antes do casamento — admitiu, um pouco inclinada a confiar em Margery. — Bem que imaginei isso, porque, quando mamãe me falou sobre o noivado, disse que não sabia nada sobre você. Diga-me, foi amor à primeira vista? — Nós não estamos apaixonados, Margery — disse Kate, depois de um longo momento de indecisão. — Por favor, não deixe Julian saber que lhe contei. Ele ficará furioso. — Estava muito pálida e sua voz era quase inaudível. — Não estão apaixonados? O que está me dizendo, Kate? Por que casaram? Oh, não deve ser assim. Julian nunca casaria com alguém, se não estivesse muito apaixonado! — É a pura verdade — confirmou Kate, com um pequeno sorriso amargo. — Nós nos conhecemos só uma semana antes do casamento. — Mas... mas... Margery parecia tomada pelo espanto e Kate começou a explicar exatamente o que havia acontecido. O conhecimento das ações de Julian deixou a moça completamente sem pala-vras. Não havia dúvida de que jamais poderia entender que o cunhado fosse capaz de atitudes quase criminosas. Várias vezes começou a abrir a boca para falar, mas fechava-a novamente, incapaz de encontrar alguma coisa para dizer. — Ele não faria uma coisa dessas! É absurdo! — exclamou, finalmente. Kate ficou em silêncio por alguns instantes, com o coração batendo descompassadamente. Não estava totalmente certa de que Margery iria guardar segredo. Seu espanto era compreensível, pois só conhecia o lado bom de Julian, que ela própria também admirava. Não tinha

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conhecimento da selvageria, da dureza e da crueldade que existiam nele. — Não vai dizer a ele que lhe contei tudo, vai? — implorou, esperando desesperadamente ouvir a promessa de Margery. — Mas... Kate... — A moça balançou a cabeça, confusa. — Não é verdade, não pode ser! Conheço Julian há muito tempo, ele chegou até a morar conosco, enquanto mamãe estava doente no hospital. Sempre foi um homem bom... gentil. — É verdade, Margery. Esse é o lado que vocês conhecem, mas o fato é que me desejava e estava disposto a me possuir. Não tive escolha, a não ser casar... — Oh, não, Kate! Não posso acreditar numa coisa dessas a respeito de Julian. — Ele ficará furioso, se souber que confiei em você. Por favor, dê-me sua palavra de que não lhe dirá nada. — Sim, é claro que não contarei nada. — Margery ainda estava confusa, mas conseguiu perceber a aflição de Kate. — Não se preocupe, meu bem, seu segredo está em boas mãos. Nunca deixarei escapar uma só palavra do que ouvi. — Mas balançou a cabeça, como se ainda não pudesse acreditar. Alguns minutos mais tarde, os três tomavam chá na sala de visitas, e foi com satisfação que Kate viu o assunto da conversa girar sobre as reformas. — Já mandei fazer os folhetos — disse Julian, dirigindo-se a Margery. — Os anúncios também já foram enviados aos principais jornais e revistas. Tenho certeza de que logo começarão a chegar os primeiros pedidos de reserva. — Sorria enquanto falava, e Kate pôde ver, pelo olhar de Margery, que ela ainda não estava convencida. — Bem, esse será o seu serviço e espero que o escritório fique pronto o mais rápido possível. — E o que pós nos folhetos?

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— Oh, tudo que se espera de um lugar como este. Ar puro, passeios, piscinas, pescarias... — Seria uma boa idéia oferecer excursões pelos lugares mais próximos — sugeriu Kate. — Há muitos pontos de interesse para os turistas. — Sim, foi bom ter pensado nisso. Entrarei em contato com uma companhia de ônibus. Naquela noite, quando estavam no quarto, Kate perguntou a Julian por quanto tempo esperava permanecer em Strata Cadilla. — Eu? Quer dizer "nós", não é? — respondeu ele, levantando as sobrancelhas. Já estava deitado, encostado confortavelmente nos travesseiros, e pôs o livro que lia, aberto, sobre o cobertor. Kate escovava os cabelos, sentada na penteadeira. Seus olhares se encontraram no espelho e ela pode ver o sorriso confiante do marido. — Onde nós... bem, quero dizer... onde vamos morar? — Onde gostaria de morar? Kate balançou a cabeça. Agora não estava certa de sua decisão de deixá-lo, mas sabia que, mais cedo ou mais tarde, chegaria a hora. Julian nunca poderia lhe dar amor. Seu coração pertencia a Vicky, e seria loucura continuar com ele nessas condições. Com um pequeno suspiro, passou a escova pelos cabelos claros. Qual seria seu futuro, se abandonasse o marido, voltaria para a antiga vida de independência e liberdade? Seria possível uma volta? Muitas vezes ouviu comentários de pessoas desapontadas, amigos e amigas decepcionadas com o retorno a um tipo de vida que nunca mais era o mesmo. — Não sei onde gostaria de morar — respondeu, yirando-se para Julian.—No entanto, preferia que fosse no campo. É possível? — Podemos viver em qualquer lugar. O apartamento em Londres está fora de cogitação, é muito pequeno. Vamos precisar de uma casa, ou de um bangalô. A escolha é sua.

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— Acho que seria melhor uma casa pequena — disse Kate, um pouco desanimada, pensando na alegria das amigas, quando falavam de seus pianos com os maridos. Era tudo tão diferente com os casais normais! — Para não dar muito trabalho! — Não precisa se preocupar com isso — tranquilizou Julian, com um sorriso. — Terá toda a ajuda necessária. Não pense que espero que se torne uma escrava da cozinha, e da casa, que fique cansada e maltratada. — É muita gentileza sua, mas é possível que se canse de mim muito antes disso. — O que quer dizer? — A voz de Julian saiu seca e com uma calma ameaçadora. — Você sabe muito bem. Talvez eu não tenha a finura necessária para escolher melhor os termos. — Pois não teve finura em mencionar o assunto. — A resposta veio rápida e Kate corou. — Bem, acho que já é hora de você começar a pensar num lugar para morarmos. O hotel ficará pronto em pouco tempo. Logo que Margery e Neil estiverem estabelecidos, nós iremos embora. Não quero interferir na rotina deles. Na manhã seguinte, foram visitar tia Sophy em Penmon. Kate notou que seu estado havia piorado muito desde a última vez em que a viram. O rosto de Julian estava muito sombrio, quando saíram, mas ele insistiu em levá-la para conhecer as ruínas da abadia, das quais já lhe havia falado muitas vezes. — Foi fundada no século VI, por São Seiriol — informou ele, enquanto andavam pelos jardins, parando para ver as partes mais interessantes. — Daqui a pouco chegaremos ao poço. O poço ficava sob um pequeno caramanchão que na primavera devia se cobrir de flores. — Era usado para o batismo dos convertidos — explicou Julian, tirando duas moedinhas do bolso. — Mas agora é considerado um poço

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dos desejos. — Atirou uma das moedas e ficou observando o movimento da água. — Agora é a sua vez — disse, dando a outra a Kate. Ela ficou imóvel, olhando para o poço dos desejos. — Vamos, jogue — encorajou Julian. — Mas tome cuidado — acrescentou, num tom divertido. — Não cometa um erro ao pedir, porque seu desejo será atendido. — Que bobagem! — Kate riu, olhando para ele. Estavam sozinhos, envolvidos pela brisa fresca e sob o sol quente e agradável. Tudo era tão tranquilo, tão isolado, que Kate sentiu uma estranha sensação de paz. Seu sorriso desapareceu e olhou muito séria para Julian, tentando imaginar o que ele estaria pensando. — O que foi que você desejou? — Algum dia eu talvez lhe conte... mas não agora. Vamos, atire sua moeda... e tome cuidado, Kate. O desejo de Kate foi muito simples. Nossa felicidade, pensou, e mais uma vez virou-se para olhar o rosto de Julian. Impulsivamente, ele se inclinou e beijou-a nos lábios. — Será que pedimos a mesma coisa? — perguntou ele. Depois, deu uma risada, como se não estivesse se importando. No entanto, pegou o braço de Kate e conduziu-a até a beira do rochedo, de onde podiam ter uma bela vista do farol e do mar a distância. — Aqui é muito lindo — disse ela. — Estou feliz por termos vindo. — Eu também. — Havia um tom um pouco estranho na voz de Julian. — Acho que foi bom para nós dois. CAPÍTULO VIII

Os primeiros hóspedes chegaram para os feriados da Páscoa, antes mesmo que todas as reformas estivessem totalmente terminadas.

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Apesar de a maior parte da criadagem já estar trabalhando, Kate e Margery tiveram que fazer todo o tipo de tarefas, desde arrumar camas até servir mesas. Isso continuou até o fim de junho, quando o último operário foi embora e o hotel entrou na rotina normal. — Graças a Deus! — disse Margery, atirando-se numa poltrona e sorrindo para o marido. — Nunca trabalhei tanto na vida! — Mas posso ver que está gostando disso — disse Neil, carinhoso. Estavam morando no andar térreo, enquanto Kate e Julian ainda ocupavam o apartamento. — Agora, tudo vai ficar mais organizado. — Julian lançou um olhar preocupado para o rosto pálido da cunhada. — As empregadas já estão preparadas para cuidar de tudo e você e Kate poderão descansar. Estão um pouco abatidas. — Eu não estou cansada. — Kate sorriu, ao ver seu olhar pousado nela. — Tem certeza? — Julian olhou-a um pouco intrigado, como se admirasse sua disposição e desejo de ajudar no que fosse possível. — Quer dar uma volta? — Claro. A noite estava linda, e saíram andando pelos jardins, procurando evitar os hóspedes e dirigindo-se para o pequeno caminho que levava às colinas. — É maravilhosa... essa transformação, foi o que quis dizer. — Kate admirava a piscina, com sua pequena cascata natural que ficava iluminada à noite. — Sim, é surpreendente o que se pode fazer com propriedades tão antigas como esta. Continuaram a andar e logo chegaram a um caminho estreito e pedregoso. Julian pegou Kate pelo braço. — Tem certeza de que não está muito cansada? Se quiser voltar, é só dizer. — Não, estou ótima, Julian. O passeio está me fazendo bem.

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— Você tem sido sensacional, Kate. Nem sei como lhe agradecer. — Oh, fiquei feliz em poder ajudar. Você também teve que trabalhar muito — acrescentou, levantando a cabeça para sorrir para ele. — Bem, se todos nós não colaborássemos, não teríamos conseguido abrir para a Páscoa. Kate não fez nenhum comentário, e o silêncio caiu sobre eles, enquanto continuavam o caminho até as colinas. O trabalho que tinham realizado juntos havia resultado em mais do que a abertura do hotel. Tinha trazido um certo companheirismo entre eles que parecia ter afastado todo o antagonismo, e agora Kate não se preocupava mais com a incerteza do futuro. Algumas vezes, ainda se sentia insegura, pois sabia que não havia uma base sólida em seu casamento, mas, de um modo geral, estava feliz, pois o marido estava sendo bom e gentil. No entanto, mantinha um freio nos sentimentos mais íntimos, pois ele ainda amava Vicky. Nunca demonstraria nada: seria muito humilhante, se Julian descobrisse quanto gostava dele. — Vou sentir falta de tudo isto — disse ela, ao chegarem à colina, olhando para as montanhas distantes. — Ainda não decidimos onde vamos morar, mas acho que não será aqui em Gales, não é? Kate sabia agora que Julian tinha muitos negócios e que talvez fosse difícil para ele morar muito longe de Londres. No entanto, havia dito que poderiam viver em qualquer lugar. — Gostaria deste tipo de isolamento... se resolvêssemos ficar aqui mesmo, em Gales? — Não é tão isolado como imaginei a princípio. Até que gostaria de morar aqui nas montanhas. — Não tão isolado como imaginou... — repetiu Julian, pensativo, e Kate ficou imaginando se estava sentindo remorsos pela terrível experiência por que a tinha feito passar. — Estava tudo muito feio naquela noite, não é? — Apertou o braço de Kate e ela sentiu um calor passar por seu corpo.

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— Pensei que fosse mal-assombrado. Julian parou, e virando-se para ela, levantou seu rosto com um toque suave. — Eu não devia ter magoado você daquele jeito. — Kate baixou os olhos para que ele não pudesse ver sua expressão. — Deve ter ficado muito assustada. Os lábios de Julian tocaram os dela, enquanto falava, e Kate engoliu em seco para afastar a emoção. Como gostaria que tivessem se conhecido em circunstâncias normais, pensou, esquecendo a antiga decisão de nunca se casar. — Então, acha que podemos ficar aqui mesmo? — perguntou, ansiosa por mudar de assunto, temendo não conseguir esconder seus sentimentos. — Vi um ou dois anúncios no jornal sobre casas para vender. Talvez fosse bom pedirmos informações. Sentindo a mudança na atitude dela, Julian começou a voltar pelo caminho. — Amanhã mesmo entrarei em contato com os corretores — disse, num tom seco e informal. A volta para a casa foi feita em silêncio. Julian era um homem sensível, Kate agora sabia disso, e devia ter se magoado com sua súbita frieza. Porém, tinha que fazer tudo para ocultar o que realmente sentia por ele. Se as circunstâncias fossem diferentes... Se ao menos a sombra de Vicky não continuasse entre eles... Aquela sombra, de repente, tornou-se muito real. Vicky chegou no sábado seguinte para se hospedar no hotel por três semanas! Kate estava na portaria, substituindo o empregado enquanto ele almoçava, quando Vicky chegou, toda de branco e rosa, parecendo uma boneca de porcelana. Mal conseguiu acreditar no que estava vendo, observando a moça parada ao lado do táxi, esperando o motorista descarregar suas malas. Quando entrou, foi a vez de Vicky ficar surpresa.

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— Kate! — Correu até ela. — Não admira que não pudesse mais encontrá-la! Há quanto tempo,.. — Por que está aqui? — interrompeu, olhando para a mão de Vicky, que continuava sem aliança. — Veio para passar férias, é claro, mas por que escolheu um lugar como este? Não me parece ser o tipo de lugar adequado para seu gosto. — Julian... — Julian? Ele a está esperando? — Não. Mas eu vi os folhetos e pensei em lhe fazer uma surpresa. — Olhou em volta. — Não tinha idéia de que fosse assim. Pensei que encontraria um lugar triste e sombrio. Ele deve ter feito reformas enormes. — De repente, Vicky parou, com uma expressão de perplexidade. — Mas você não respondeu à minha pergunta. Como veio parar aqui? Há quanto tempo está trabalhando para... — Mais uma vez, se interrompeu e arregalou os olhos, vendo a aliança no dedo da amiga. — Está casada? Você?! — Bateu palmas, alegremente. — Depois de tudo que disse sobre o casamento ser uma prisão? Vários hóspedes que atravessavam o saguão se viraram para olhar aquela mocinha, tão bonita e excitada, que parecia estar se divertindo muito com a conversa no balcão de recepção. — Diga-me, quem é o homem de sorte? Kate ignorou a pergunta. — Quer dizer que veio para ver Julian? — Sua voz estava fria e ríspida. — Por quê? A pergunta trouxe um brilho desafiador ao olhar de Vicky. Atirou a cabeça para trás, num pequeno gesto arrogante. — Quero fazer as pazes com ele. Julian me ama, agora sei disso, e decidi casar com ele. — Então, chegou um pouco tarde. — Tarde? — Vicky piscou os grandes olhos azuis para Kate. — Quer dizer que ele tem andado com outra mulher? Ah, mas isso não é nada. Será fácil se livrar dela.

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— Acho que não será tão simples assim, Vicky. Eu estou casada com Julian. — Você! — Ficou olhando para ela, sem poder acreditar. — O que... o que disse? — Que estou casada com Julian — repetiu Kate, num tom suave, porém decidido. — Portanto, as coisas não serão tão fáceis como pensa. — Casada com Julian! — repetiu Vicky, corada de raiva e cerrando os punhos. — Ora, não pode ser... Você só o viu uma vez! Kate estava muito pálida, mas sua voz continuava calma e fria. — Nós nos casamos duas semanas depois do nosso primeiro encontro. — Vicky estava boquiaberta. — Vou chamar o car regador para levar suas malas. Espero que goste do quarto. — Apertou a campainha e um rapaz logo apareceu. Quando deu a chave a Vicky, percebeu que os olhos da moça estavam marejados de lágrimas. — Vou arranjar alguém para me subs tituir e logo irei vê-la. Vicky ia abrir a boca para falar, quando pareceu mudar de idéia, ao ver que o carregador já subia a escada com suas malas. Virou-se com um gesto arrogante, e começou a segui-lo, "Vicky aqui..." Kate ficou observando-a, até ela entrar no corredor do segundo andar e desaparecer de vista. O que aconteceria em seguida? Com um suspiro, saiu de trás do balcão e foi procurar uma das empregadas para ficar no seu lugar. Vicky estava parada perto da janela, olhando para os picos das montanhas. Nem mesmo tinha tirado o casaco. Quando j se virou, levou ã mão ao rosto para enxugar as lágrimas. — Eu odeio você! — Suas primeiras palavras saíram quase I num sussurro. — Minha melhor amiga, fazer uma coisa dessas I comigo... — Em primeiro lugar, não sou sua melhor amiga e nunca fui — interrompeu Kate, secamente. — E, quanto ao que fiz, como disse... só estou aqui porque fui bastante idiota para ajudá-la!

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Vicky pareceu não ter ouvido, porque disse novamente: — Eu odeio você, ouviu? Ele era meu, e você o roubou. Como pôde fazer uma coisa dessas! Claro... foi por causa da fortuna dele... tem que ser, porque você nunca nem mesmo quis pensar em casamento... — Pare com essas bobagens! Por acaso, está tentando me dizer que ama Julian? — Tentando. — Vicky bateu o pé no chão com toda a força. — Você sabe que eu o amo. Eu sabia desde o inicio, mas... bem... oh, está certo. Stephen apareceu e pensei que estivesse apaixonada por ele... — As lágrimas começaram a correr pelo rosto bonito de Vicky. — Nunca poderei casar com outro homem. Não posso viver sem Julian! — Pois então, devia ter casado com ele! — Você não o ama, não é? Admita! — Uma risada áspera saiu dos lábios de Vicky. — Claro que não. Você mesma me disse que o tinha achado duro e cruel. Por que... isto é o que quero saber. — Estava quase gritando. — Por que casou com ele? Diga! Kate deixou escapar um grande suspiro e, por alguns instantes, sentiu vontade de mentir. No entanto, Vicky precisava saber o que tinha acontecido. Sentada na cama, começou a lhe contar como tudo tinha se passado. O único detalhe que omitiu foi o fato de Julian querer casar com ela por puro desejo. Preferia que Vicky acreditasse que ele só estava pensando numa vingança. — Então, ele a raptou e casou com você por vingança! Ora, nem posso acreditar! — As lágrimas começaram a correr novamente, mas, por algum estranho motivo, Kate sentiu que eram de inveja. Vicky era o tipo de mulher que gostaria de se ver numa situação aparentemente romântica como aquela! — Imagine só, ele casar com você só depois de poucos dias do fim do nosso noivado... Ele é detestável! — Neste caso — disse Kate, suavemente —, não vai se lamentar por não ter casado com Julian.

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— Não... — Vicky piscou os olhos molhados. — Você me deixou confusa e não sei o que estou dizendo. Claro que quero casar com ele. Agora tenho ainda mais certeza de que Julian me ama. — Encarou o rosto pálido de Kate, como esperando para ver sua reação. — Se não me amasse, não ficaria tão irritado, procurando se vingar! Kate não quis prolongar a conversa. Não havia mais o que dizer. No entanto, uma coisa estava clara: Vicky sabia que Julian ainda a amava, ou não teria vindo de tão longe para tentar uma reconciliação. O que iria acontecer?, pensou novamente. — Vai mesmo ficar... as três semanas? — Claro que vou ficar. Logo farei as pazes com Julian. — Você parece ter se esquecido da minha existência — disse Kate, levantando as sobrancelhas. — Agora sou a esposa de Julian, apesar das circunstâncias em que nosso casamento se realizou. — Oh, isso não é nada! O divórcio é a coisa mais fácil hoje em dia. Você não ficará magoada, não é? Acaba de admitir que não o ama e que foi forçada ao casamento. Como Julian podia ter se apaixonado por uma moça como aquela? Kate sacudiu a cabeça e saiu do quarto, cheia de perplexidade. No entanto, estava preocupada com a menção do divórcio. Qual seria a reação dele? Resolveu procurá-lo no escritório. Ele estava na escrivaninha e sorriu, ao vê-la entrar, Kate atravessou a sala, com o coração batendo loucamente e sentindo a garganta apertada pelo medo. — Vicky está aqui — informou, sem nenhum preâmbulo. — Vicky... aqui, no hotel? — Foi Margery quem fez a reserva e, naturalmente, não nos disse nada porque não sabia que nós... que ela é sua amiga. — A correção trouxe um pequeno sorriso aos lábios de Julian. — Você está certo, Vicky não é mais minha amiga. — Ela lhe causou muitos problemas? O que ela quer?

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Kate olhou para a escrivaninha e começou a mexer na agenda. Tinha ido até ali para contar a Julian o que Vicky lhe dissera, mas achou que o assunto era muito íntimo, por causa dos sentimentos dele. Sentindo-se mais triste do que jamais poderia imaginar, virou-se para a porta e abriu-a. — Ela lhe dirá o que veio fazer — murmurou, com voz rouca. — Só vim avisá-lo de sua chegada. — Não posso acreditar — disse Margery, chocada. — Algo deve ter acontecido a Julian, porque ele nunca foi assim! — Elas estavam no grande salão do hotel, paradas perto da janela que dava para o gramado. — Olhe só o jeito dela... e ele parece estar gostando! — Margery virou-se para Kate, com o rosto vermelho de raiva e indignação. — Se fosse você, eu faria alguma coisa. Como pode estar tão calma, Kate? Os olhos de Kate ainda acompanhavam o casal que se afastava. Vicky tinha passado o braço pelo de Julian e, mesmo à distância, era possível ver que estava muito perto dele. Havia uma atitude de intimidade entre os dois, que foi a causa da irritação de Margery. Kate simplesmente os observava em silêncio, desejando desesperadamente não se importar com o que estava vendo. — Você esquece as circunstâncias do nosso casamento — disse, tentando manter a voz calma. — Julian ainda ama Vicky. Ele mesmo me disse. Os olhos de Margery se arregalaram. — Ele disse? Ora, que desaforo! O que será que deu em Julian? — Balançou a cabeça. — Que estranho... nunca suspeitei de que ele pudesse ter essa faceta. Neil e eu sempre o admiramos tanto... e mamãe, bem, ela o adora. — Acho que vou subir. Tenho algumas coisas para fazer... verificar as roupas de cama...

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— Não vá para seu quarto, não fique sozinha. — Margery parecia muito preocupada. — Venha sentar aqui conosco. — Não. Neil começará a perguntar sobre Julian. Não se preocupe, Margery. Ficarei bem. — Está certo, mas promete descer, se começar a se sentir solitária? — Prometo. Kate entrou no saguão com a intenção de subir a escada até o quarto. Mas, quando estava começando a atravessá-lo, deu de encontro com um dos hóspedes, um rapaz que tinha chegado no mesmo dia que Vicky. Ele já estava ali há uma semana e passava a maior parte do tempo passeando pelas montanhas. — Oh, desculpe, sr. Ferris. Como está? Kate sorriu, e ia continuar seu caminho, quando ele disse: — Um pouco solitário. Gostaria de uma companhia para um aperitivo. Ela hesitou por um segundo. — Será um prazer, sr. Ferris. — Ótimo. Apesar de ter dito que só tinha tempo para um drinque, ainda estavam conversando na mesinha do bar, quando Julian entrou com Vicky, meia hora mais tarde. Kate viu os olhos do marido brilharem com uma expressão irritada, mas levantou o queixo, num gesto de desafio. Julian levou Vicky até o balcão e pediu uma bebida. Tom, o garçom, ficou olhando de um casal para o outro, com ar intrigado. Hum... vai haver diz-que-diz-que, pensou Kate, imaginando se o marido estaria pensando a mesma coisa. Mais tarde, quando Julian e Kate jantavam na sua sala de visitas particular, ele mencionou o jovem acompanhante de Kate, perguntando seu nome. — Brian... Brian Ferris. O amigo que devia ter vindo com ele ficou doente, de modo que está sozinho. — Falou sem olhar para Julian, mas podia sentir seus olhos escuros sobre ela.

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— Então, você decidiu lhe fazer companhia. — Ele me convidou para um drinque e eu aceitei. — E melhor não fazer disso um hábito. — Seu tom foi frio e imperativo. — Vou fazer o que quiser. Para falar a verdade, aceitei o convite dele para dar um passeio pelas montanhas. — Na verdade, havia recusado, mas agora estava decidida a aceitar. — Ficaremos fora o dia todo. — Nada disso — Julian falou calmamente, mas havia algo de perigoso em sua voz. Kate baixou a cabeça, não querendo enfrentar o brilho duro em seu olhar. — Já disse que vou fazer o que quiser. — Nem pense nisso. Corando de raiva, Kate olhou para ele. Que desaforo! Querendo lhe dar ordens com toda essa arrogância, quando ele mesmo passava a maior parte do tempo com Vicky! Bem, não ia obedecer. — Estou decidida a ir — disse, friamente. — E você não tem como me impedir. — Talvez não, mas não me faça perder a paciência, Kate, ou vai se arrepender. Ameaças, novamente? Lembrou do companheirismo que estava começando a surgir entre eles, antes da chegada de Vicky. O velho antagonismo voltava e tudo por culpa dele mesmo, que só parecia ter olhos para a ex-noiva. — Do que exatamente está me ameaçando? — Não estou ameaçando, só avisando... avisando para tomar cuidado. Já conheceu meu lado pior, mas acho que ainda não viu tudo. — E isso não é uma ameaça? — Kate tremia de fúria. — Bem, pode chamar do que quiser, mas não vai conseguir me assustar. Vou sair com Brian amanhã, e então você poderá mostrar seu lado pior! Sem dar tempo para Julian fazer qualquer comentário, Kate levantou e foi para o quarto. Ficou sentada na cama, e logo seus pensamentos em

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tumulto começaram a se tornar mais racionais. Tinha que enfrentar a verdade. Não estava com raiva por receber ordens ou ser ameaçada pelo marido. Não, era sua constante atenção para com Vicky que a deixava tão ressentida, que causava toda essa fúria. Depois de um longo tempo, começou a escovar os cabelos e se preparar para deitar. Olhou para a cama e franziu a testa. Não poderia dormir com Julian depois daquela cena... estava tudo errado, Vicky perto deles, o marido pensando em Vicky. Bem, estava decidida a terminar com isso o mais rapidamente possível. Sim, o divórcio resolveria todos os problemas. Kate ouviu Julian ligar o chuveiro e, apanhando algumas roupas para vestir pela manhã, saiu do quarto em silêncio e foi para o escritório. Dormiria no sofá. Ele podia ameaçá-la, mas estava resolvida. Seria imoral dormirem juntos, agora que o divórcio estava tão perto. Trancou a porta. Julian ficaria furioso, mas não poderia fazer nada. Se estivessem sozinhos, talvez tentasse arrombá-la, mas, com o hotel cheio de hóspedes, teria que aceitar a derrota. Depois de alguns minutos, ouviu seus passos no corredor e soube que dentro de instantes ele estaria imaginando para onde ela teria ido. Parada perto da porta, Kate o ouviu chamando seu nome enquanto estava parada, pensando se devia responder, e escutou seus passos descendo a escada. Ia falar com Margery e Neil! Kate levou uma mão trêmula ao rosto. Não tinha pensado nas consequências. Ele não podia saber que ela estava no escritório... devia ter-lhe dito, ter ao menos deixado um bilhete. Porém, isso era ridículo. Só se escreviam bilhetes quando se abandonava um marido, indo para outro lugar; não para um outro quarto. Kate ouviu outras vozes. O pior já tinha acontecido. — Ela deve ter saído para dar um passeio. — Era Neil, e não parecia preocupado.

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— Mas isso não são horas para passeios. — Margery sabia mais do que Neil. Era por isso que parecia ansiosa. — Vou dar uma olhada. — Julian falava com calma, mas ela percebeu que estava fingindo. — Talvez esteja no jardim. — Tem certeza de que ela não está lá em cima? Não está tomando banho? — Não. Ela tomou banho antes de mim... — E saiu? Não, não pode ser. Deve haver algo de errado, Julian. Kate não sairia a esta hora da noite. Kate mordeu o lábio ao perceber o nervosismo de Margery. Não devia ter sido tão impulsiva, correndo para o escritório sem pensar qual seria a reação do marido. — Bem, de qualquer modo, vou dar uma olhada lá fora. Por alguns instantes, Kate ficou esperando que Julian mudasse de idéia e voltasse para cima, mas, quando tudo ficou em silêncio, encolheu os ombros num gesto resignado e voltou para o quarto. Quando entrou, viu Margery remexendo, aflita, no seu armário. — Oh, Kate! Onde esteve? Julian está procurando por você... pensei que o tivesse deixado. — Margery deixou-se cair no banquinho da penteadeira, como se estivesse sem forças. — Aproveitei a saída de Julian e vim espiar se você tinha levado algumas roupas. Kate engoliu em seco, envergonhada e furiosa com Julian por não ter ficado quieto, em vez de ir perturbar a tranquilidade de Margery e Neil. — Onde esteve? — perguntou Margery novamente, — No escritório. Decidi dar o divórcio a Julian para ele poder casar com Vicky. Por isso, achei que seria até imoral continuar dormindo aqui. Houve um pequeno silêncio. Margery disse, com os olhos cheios de lágrimas:

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— Posso compreender o que está sentindo. Estou muito triste, Kate. Eu a considero quase como uma irmã e nem gostaria de pensar na possibilidade de não vê-la novamente. Outro silêncio. — Por favor, Kate, não se divorcie dele. Quem sabe, ainda vai dar tudo certo. — Não. É o melhor que temos a fazer. Tenho que deixá-lo livre para que case com Vicky. É o que ele realmente quer e... — Kate levantou da cama, com o coração aos saltos, quando viu o olhar furioso de Julian, que acabava de entrar. — Já vou indo — disse Margery, apressada. — Boa noite, Kate. Boa noite, Julian. Kate recuou um passo, quando Julian fechou a porta. — Onde estava, quando a chamei? — No escritório. É lá que vou dormir de agora em diante. — Por que não respondeu? — perguntou, ignorando as últimas palavras de Kate. — Não pensei... quer dizer, achei que iria dormir... — Dormir? Sem saber onde você estava? Tudo lhe parecia ridículo, agora que pensava no assunto. Claro que Julian ia querer saber onde ela estava. — Sinto muito... não parei para pensar. — Por que pedir desculpas?, pensou, cheia de raiva. Ele não merecia. — Por que Margery estava aqui? Por acaso, fez confidências a ela? Kate deu uma tossidinha. Sua hesitação confirmou a Julian o que estava querendo saber. Vendo a raiva no olhar dele, ela balançou a cabeça. — Não... não, Julian, não contei nada a ela... — Não minta! Então, por que ela estava aqui? — Veio ver se minhas roupas ainda estavam no armário. Pensou que... que eu tivesse deixado você.

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Um pequeno e terrível silêncio se seguiu àquelas palavras. — Então, contou-lhe tudo! Bem que notei que parecia mais nervosa do que seria admissível. Estava com medo de que tivesse me deixado... E imagino que pensa que sou um canalha. — Ela sabe como você me tratou... logo que chegamos aqui. — E Neil? — perguntou Julian, com uma voz áspera. — Contou-lhe, também? — Não... e Margery me prometeu silêncio. — Meu Deus! Contou a Margery. Não podia ter ficado quieta? — Por quê? Por acaso, está preocupado com a desilusão dela a respeito de seu ídolo? — Apesar do ar sombrio e ameaçador de Julian, Kate achou que não devia perder essa oportunidade de se vingar. — Sim, depois do que lhe contei, ela o acha um canalha! E também sabe que você está tendo um caso com Vicky e... — Um caso! — Antes de Kate perceber completam ente o que estava acontecendo, Julian avançou sobre ela e agarrou-a pelos ombros, fazendo-a gemer de dor. — Margery aceitou isso? Não posso acreditar... — Os olhos de Kate encheram-se de lágrimas. — Diga, mulher! — Ela balançou a cabeça, incapaz de falar, porque Julian a sacudia com violência. Finalmente, ele a largou e sua fúria pareceu diminuir. — Agora, que história é essa de ir dormir no escritório? — É lá que vou dormir de hoje em diante. — Muito trêmula, começou a procurar um lenço no bolso do roupão. — Não diga. — Havia um ligeiro sarcasmo na voz de Julian. — E acha que vou me submeter a isso? Kate enxugou os olhos. — Decidi pedir o divórcio e... — Você decidiu pedir o divórcio? — interrompeu, com os olhos arregalados. — E eu, onde entro nisso tudo? — Você ama Vicky, já me disse isso várias vezes; portanto, estou disposta a lhe dar o divórcio. — Kate cobriu os olhos com o lenço para

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esconder sua tristeza, mas Julian ficou em silêncio por muito tempo, até que, finalmente, teve que olhar para ele. — É a coisa mais sensata a fazer. Estou certa de que concorda comigo. Julian continuou em silêncio, mas parecia estar observando-a atentamente. — Já pensou em tia Sophy? — perguntou, afinal, numa voz muito fria. A pergunta a surpreendeu. Como podia ter se esquecido dela? — Teremos... teremos que esperar para depois... depois... que ela... — Não haverá divórcio, Kate. Pode tirar essa idéia da cabeça. Então, ele ainda a desejava, apesar de seu amor por Vicky? Que tipo de homem era, que queria uma mulher pelo corpo e a outra pelo... Por quê? Kate balançou a cabeça, confusa. Que interesse Julian poderia ter numa moça como Vicky? — Não compreendo você! — Foi tudo que conseguiu dizer, e viu um leve sorriso aparecer nos lábios do marido. — Então, não tente me compreender, querida. — Julian pegou a mão de Kate e puxou-a para perto dele, beijando-a docemente na boca. — Minha linda Kate... — Seus beijos foram ficando menos suaves, à medida que seu ardor aumentava. — Quartos separados? Divórcio? Você é muito desejável... desejável demais para eu deixar que vá embora! CAPITULO IX Por que Julian tinha dito que não devia tentar compreendê-lo? Kate estava preparando o café da manhã, pois ele não gostava de descer para o salão do hotel logo cedo. Como alguém poderia compreender um homem como ele? Suas ações eram tão contraditórias. Ele a raptara, obrigando-a a casar porque a desejava. No entanto, admitia cla-ramente que amava Vicky. Podia ser estúpido e grosseiro com ela,

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como no início, mas era definitivamente dedicado à tia e generoso com Neil e Margery. Julian entrou na cozinha e Kate serviu-lhe o café. — Bom dia — disse ele, com um pequeno sorriso. — Hum, está cheirando bem. — Kate sentou do outro lado, sem fazer nenhum esforço para responder nem ao cumprimento nem ao sorriso. — Pelo que vejo, desistiu da idéia de sair com Brian. — É mesmo? Por que chegou a essa conclusão? — Lançou-lhe um olhar desafiador. — Você não é boba. — Suas ameaças não me assustam. — Ah, não? — O sorrisinho estranho voltou aos lábios de Julian. —Vamos sair juntos hoje. Aonde gostaria de ir? — Você faz tudo para conseguir o que quer, não é? Um suspiro irritado escapou dos lábios de Julian. Serviu-se de ovos e presunto e comeu em silêncio por alguns minutos. — Estou com uma lista de casas à venda no escritório. Pensei que gostaria de ver algumas delas. Kate balançou a cabeça. Até a chegada de Vicky, ainda pensava em escolher uma casa para morarem, mas agora era a última coisa que tinha vontade de fazer. — Então, iremos dar um longo passeio pelas montanhas. Não era isso que estava pretendendo fazer? — Julian pegou sua mão com um gesto carinhoso. — Quer subir o monte de Cader Idris? — Mas... e Vicky? — Kate se arrependeu de ter falado no mesmo instante. Por que mencioná-la, quando Julian mostrava desejo de passar o dia com ela? — Vicky encontrará alguma coisa para fazer — disse ele, com indiferença. Kate olhou para o marido, completa mente confusa.

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— Gostaria de poder compreendê-lo. Para sua surpresa. Julian deu uma risada. — Você vai me compreender, querida, quando decidir se esforçar para isso. — Olhou para o relógio. — Bem, é melhor sairmos o mais cedo possível. Arrume uma cesta com um lanche. Instintivamente, Kate começou a abrir a boca para protestar, para dizer que ainda nem tinha se decidido a acompanhá-lo, porém, logo estava concordando com um aceno de cabeça, ansiosa. — Muito bem. Então, não perca tempo. — Ele levantou, — A propósito, é melhor se desculpar com Brian, dizendo,que não vai poder sair com ele. — Sim — murmurou Kate, sentindo que não tinha nada a ganhar informando o marido de que, na verdade, nunca havia aceito o convite. Vicky estava sentada na varanda, quando Julian passou por ela, carregando a mochila. — Oh, Julian, aí está você... Kate, parada no saguão conversando com Margery, tentou ouvir a resposta do marido. — Está tudo bem agora? — perguntou Margery, ansiosa. — Deve estar, senão não estariam saindo para passear. Vocês não vão mais se divorciar, não é? Kate sorriu, ao ver o olhar quase suplicante da outra. Sentiu-se feliz por poder responder. — Não, Margery, não vamos nos divorciar. Tentou ouvir a conversa entre Julian e Vicky, mas Margery continuou: — Vocês... vocês brigaram muito ontem à noite? — Não foi bem uma briga, ouvi um sermão — disse Kate, com uma careta. — Bem que imaginei. Ele parecia tão furioso! — Balançou a cabeça, perplexa. — Julian é sempre tão diferente conosco... não compreendo

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por que age assim com você. — Vendo que Kate continuava a olhar na direção do terraço, parou de falar e ouviu as vozes de Julian e Vicky. — ...Mas Julian, o que vou fazer o dia inteiro? Kate estava ansiosa por ouvir a resposta do marido, mas ele deve ter percebido que ela poderia escutá-lo, porque falou muito baixo. Desapontada, despediu-se, de Margery. — Bem, é melhor eu ir. Voltaremos para o chá. Até logo. — Até logo. Divirtam-se. Quando Kate entrou no terraço, Vicky sorriu para ela, mas estava claro que só fazia isso por causa da presença de Julian, e que havia um profundo antagonismo por trás do sorriso. O que teriam conversado? Que desculpa ele teria dado para passar o dia longe dela? Começaram o passeio em silêncio. Kate resolveu afastar todos os pensamentos tristes e aproveitar ao máximo aquele dia, que talvez pudesse reacender um pouco daquele companheirismo que tinha começado a surgir antes da chegada de Vicky. Subiam as montanhas há uma hora, quando Julian sugeriu que descansassem um pouco. — Vamos sentar aqui. — Abrindo a mochila, ele tirou um dos frascos com suco de frutas e deu-o a Kate. — Faz muito tempo que tinha vontade de dar um passeio como este. Poderemos voltar mais vezes, quando estivermos na nossa casa. — Então, vamos mesmo morar aqui em Gales? — Não pôde deixar de notar o leve sorriso de Julian, ao perceber a ansiedade que havia em sua pergunta. — Não era você que estava me ameaçando com o divórcio ontem à noite? — perguntou ele, com ar brincalhão. Kate ficou muito corada e desviou o olhar, admirando a beleza do panorama. Os lagos brilhavam como cristal ao sol da manhã, refletindo a imagem das altas montanhas com picos nevados.

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— Pensei que fosse isso que quisesse... por causa do modo como tem estado com Vicky, desde que ela chegou. — Como eu tenho estado com Vicky? — perguntou ele, com curiosidade. — Tem dado muita atenção a ela — respondeu Kate, com sinceridade. — E isso a perturba? — Não. claro que não — disse, apressada. Para mudar de assunto, perguntou: — Onde ficam as casas de que falou? — Em vários lugares. Há uma delas que me pareceu muito atraente. Fica nas colinas perto de Dolgellau, afastada da cidade, mas não muito isolada. Tem todo o conforto necessário e um grande jardim. Vamos precisar de um jardineiro. Seria ótimo, se encontrássemos um casal. Ela a ajudaria nos serviços da casa. Os olhos de Kate brilharam de interesse. — E como é? Nova? — Bastante nova. Deve ter uns quatro ou cinco anos. Os donos decidiram ir para a América, onde mora a filha. — E é grande? — Tem quatro dormitórios. É bom pensarmos no futuro. No futuro... Então, Julian pensava em ter uma família grande? Que estranho, pensou Kate, a idéia de ter filhos sempre lhe parecera desagradável. Eles tiravam a liberdade de uma mulher, não lhe dando tempo para coisas mais interessantes. No entanto, agora via que podia haver grande alegria em cuidar de uma casa e de uma família... — Gostaria de ir vê-la. — Veremos amanhã, quando estivermos indo para Penmon. — Vamos ver tia Sophy? Ele balançou a cabeça e. subitamente, ficou muito sério. — Ela está muito mal, Kate. E por isso que não quero perturbá-la, compreende? — Sim, Julian, compreendo.

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Sabia o que ele estava querendo dizer. Na última vez em que tinham ido visitá-la, haviam brigado durante todo o caminho e, ao chegar lá, Kate não conseguiu tratá-lo a não ser com uma fria indiferença, apesar de consciente dos olhares preocupados e ansiosos de tia Sophy. — Pode deixar, eu tomarei cuidado — prometeu. Depois do descanso, continuaram a subir. Às vezes cruzavam com outras pessoas; à medida que foram ganhando altura, viram-se totalmente a sós. — Está tudo bem? — perguntou Julian, depois de um trecho mais íngreme. — Sim, estou ótima. — Sentia-se revigorada e parecia vender saúde. — Estamos quase chegando no pico. — Julian sorriu, e Kate ficou pensando que nunca o tinha visto com uma expressão tão feliz. — Oh, finalmente! — disse ela, um pouco ofegante, quando chegaram ao topo da montanha. — Que lindo! Julian sentou a seu lado e passou o braço por seus ombros. — Parece que somos os donos do mundo. Há tanta paz aqui! — Kate respirou o ar fresco e puro. — Sim. As montanhas sempre nos dão essa sensação. Gosto de estar assim, longe de tudo. Quando menino, apesar de morarmos perto da praia, sempre procurava escalar alguma montanha, quando tinha oportunidade. — Neil costumava ir com você? — perguntou Kate, ansiosa por conhecer um pouco mais da infância do marido para tentar compreendê-lo. — Neil e eu nunca tivemos muito em comum. Atualmente, somos amigos, mas acho que isso só aconteceu por causa do acidente. É lastimável, mas o fato é que Neil mudou para melhor. Pelo menos, algo de bom resultou de tanta tristeza. — Você tinha muitos amigos? — Kate não sabia por quê, mas sentia que Julian sempre havia sido um solitário.

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— Sim, muitos — respondeu ele, para sua surpresa. — Sempre encontrava alguém para me acompanhar nos meus passeios. No entanto, muitas vezes gostava de ficar sozinho, pensando nas coisas deste mundo. — Virou a cabeça e sorriu para Kate, com ar brincalhão. — Mas isso foi há muito tempo. Agora já estou ficando velho. — Você não é velho... que é isso? — Tenho trinta e cinco anos. — Está muito longe da velhice. Um silêncio agradável surgiu entre eles. Depois, Julian sugeriu que almoçassem. Outros excursionistas começaram a chegar ao topo da montanha e a sensação de serem donos do mundo desapareceu. Depois do lanche, ficaram esperando a névoa desaparecer de alguns pontos abaixo das montanhas, de modo que Kate pudesse ver todo o panorama, — Lá, veja! Agora já dá para ver o pequeno lago. — Que encanto, Julian, parece um crista] encravado na rocha! — Bem, está satisfeita? Kate levantou o rosto e deu-lhe um sorriso doce e sereno. — Adorei cada minuto deste passeio, Julian. Foi um dia maravilhoso. — Ainda não acabou — lembrou ele, fingindo desânimo. — Vamos ter que descer. Voltaram pelo caminho mais suave, parando na fazenda para tomar leite fresco, e fazendo vários desvios para que Kate pudesse ver outros pontos interessantes. Com isso, já era bem tarde quando chegaram ao hotel e Julian achou melhor jantarem no salão, com os outros hóspedes. — Assim, você não terá trabalho. Tenho certeza de que não se sente com vontade de cozinhar, depois de um dia tão cansativo. Ele era tão cheio de consideração! Esse era o homem que Margery, Neil e tia Sophy conheciam. Era esse o Julian que causava uma perturbação em Kate, que ela imaginava que jamais iria acontecer.

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Resolveu usar um vestido de algodão verde-pálido que combinava muito bem com o tom de sua pele e seus cabelos. Julian pegou sua mão, quando ela entrou no salão, e olhou o delicado bracelete de ouro que usava. — Ainda não lhe comprei nenhuma jóia, não é, minha linda Kate? — A aliança — disse ela, sem sentir a irritação habitual ao ouvir aquelas palavras. — Isso não é jóia. Comprarei alguma coisa amanhã. Talvez um anel de noivado: você não teve um. — Kate não respondeu e ele disse: — Pense no assunto. Poderá escolher o que quiser. Muitos olhares seguiram Kate, enquanto atravessavam o salão até a mesa reservada para eles. Vicky já estava lá e levantou, assim que os viu. — Oh, que bom ver que vai jantar aqui, Julian — disse, ignorando por completo a presença de Kate. — Fez um bom passeio? Pena que houvesse um pouco de névoa. — Foi muito pouco e logo clareou — respondeu Julian, com um ar desinteressado. — Kate e eu tivemos um ótimo dia. — Você ainda não me perguntou o que estive fazendo. — Vicky fez beicinho, tentando parecer encantadora. — Fiquei sozinha o dia inteiro... Pensei que tentaria chegar a tempo de tomar chá comigo. É o que tem feito, desde que cheguei. Vou comer aqui com vocês. Os olhos de Kate brilharam perigosamente. Vicky estava agindo como se Julian ainda lhe pertencesse, como se tivesse o direito de receber suas atenções. Tinha que haver algum motivo para isso, concluiu, lançando um olhar quase hostil ao marido. Não havia dúvida de que ele a encorajava bastante. E mesmo agora, com a esposa ao lado, sendo tratada quase como uma intrusa, não estava fazendo nenhuma tentativa para pôr Vicky no devido lugar! O dia agradável que tinham passado juntos, a volta do companheirismo, foram esquecidos e Kate

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precisou se controlar muito para continuar no salão, não demonstrando raiva. Esperavam pela sobremesa, quando Margery veio falar com Julian. — Há um homem chamando por você ao telefone. Parece que é o encarregado da iluminação do salão de bilhar. — A esta hora? — Ele telefonou duas vezes durante o dia. — Está bem. Com licença — disse ele, dirigindo-se a Vicky e Kate. Assim que se afastou, Vicky inclinou-se sobre a mesa e começou a falar, ansiosa: — Kate, estive querendo falar com você a semana toda. Quis procurá-la no apartamento, mas Julian disse que eu não devia. Por que tem me evitado? — Não havia maldade em sua voz. Só uma leve súplica, que era uma das armas que usava para conseguir o que queria. — Preciso falar com você. — E claro que a tenho evitado. Quanto a querer falar comigo, não posso pensar em nada que gostaria de conversar com você. — Mas há algo de que precisamos falar. — Vicky lançou um olhar nervoso para a porta. — É sobre o divórcio. Você não quer Julian, não é? Sempre disse que nunca casaria. Então, por favor, desista dele. Afinal, não foi muito bonito você casar com meu noivo, não é? — Bonito... — Kate ficou olhando para ela, quase sem poder acreditar no que tinha ouvido. — Que tipo de gratidão é essa? Pelo modo como fala, até parece que gostei de ser raptada e trazida para cá! — Sinto muito, Kate. — Vicky fez um pequeno gesto de arrependimento. — Deve ter sido horrível para você... e acho que ainda é. Então, deve estar ansiosa para se livrar dele. E, como eu o quero de volta... — Os olhos de Vicky se encheram de lágrimas, mas Kate não ligou. Tinha aprendido sua lição.

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— Diga que vai desistir dele, Kate, por favor. Não posso viver sem ele! — Vicky enxugou os olhos com um lencinho bordado e assoou delicadamente o nariz. — Afinal, como eu disse a Julian, seria diferente se você o amasse. — Você disse a Julian que eu não o amo? — Kate franziu a testa, tentando se lembrar. —Acho que nunca lhe disse isso. — Bem, você não negou... e. de qualquer modo, só pode odiá-lo por tê-la tratado tão mal. — Vicky limpou os olhos novamente. — Prometa, Kate, que vai me deixar ficar com Julian. Era ridículo. Mas Kate teve vontade de rir. Se Julian pudesse ouvir o que estava sendo discutido! O que pensaria de ser como um objeto que podia ser trocado de mãos sem dar nenhuma opinião sobre o assunto? — O que a faz ter tanta certeza de que ele concordaria com o divórcio? — Julian sabe que cometeu um erro. — É mesmo? Ele lhe disse isso? — A voz de Kate estava fria como gelo. — Ele não foi muito explicito, é claro, mas você sabe que é a mim que ele quer, viu o modo como tem agido na última semana. Passou a maior parte do tempo comigo. Quanto tempo ele tinha passado com Vicky essa semana? Kate começou a pensar mais cuidadosamente no assunto. Ultimamente, era difícil saber onde estava seu marido na maior parte do tempo, pois, como tinha abandonado um pouco os negócios para cuidar do hotel, agora estava colocando tudo em dia. Muitas vezes, saía pela manhã, e ficava o dia todo fora. Em outras ocasiões, passava a maior parte do tempo no escritório, só saindo para as refeições, e muitas vezes Kate nem o via na hora de deitar. No entanto, desde a chegada de Vicky, sempre encontrava algum tempo para passear com ela e, como a moça mesma havia dito, tomavam chá juntos todas as tardes.

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— Ele não parecia muito preocupado em deixá-la sozinha hoje. — Kate não conseguiu evitar a observação, apesar de saber que devia manter um certo nível perto de Vicky. — Oh, sim... Bem, ele me explicou, quando estávamos no terraço, antes de vocês saírem. — Explicou? O que está querendo dizer com isso? — Julian me disse que tinha que levá-la para um passeio porque você estava ameaçando sair com um dos hóspedes. Poderia haver falatórios desagradáveis. Também falou que ia passar um dia muito aborrecido, que preferia ficar comigo, mas não conseguia pensar num outro modo para impedi-la. — Aborrecido, hein? — Kate estava transtornada pela raiva. Era incrível que Julian falasse dela desse modo. No entanto, a expressão de Vicky mostrava que dizia a verdade. — Aborrecido! — Sinto muito, acho que não usei de muito tato, mas imagino que você também não passou um dia muito agradável, pois poderia ter se divertido muito mais com aquele rapaz. Kate não podia pensar em mais nada para dizer. Estava furiosa com Julian por ele ter dado a entender que ela era uma carga, como se tivesse que arrastar uma esposa chata atrás de si. — Mas ele não parecia tão entediado — murmurou, pondo os pensamentos em palavras. — E claro que ele não iria demonstrar — disse Vicky, num tom pacificador que fez Kate ficar ainda mais irritada. — Você não percebeu como pareceu desinteressado, quando lhe perguntei se tinha feito um bom passeio? Kate arregalou os olhos. Sim, percebera isso, mas não tinha dado grande importância. Bem, ele não precisaria mais se preocupar em ficar aborrecido em sua companhia!

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— Lá vem ele, Kate — disse Vicky, muito agitada. — Diga-me, vai desistir de Julian? Desistir. Talvez ele quisesse mesmo o divórcio, apesar de suas palavras na noite anterior. Os lábios cheios de Kate se fecharam numa linha estreita. — Não, Vicky, não vou desistir dele. Julian me forçou ao casamento. Agora, vai ter que me aguentar! Ele se aproximou e seus olhos passaram do rosto calmo de Vicky para as faces coradas da esposa. Kate deu-lhe um daqueles olhares furiosos com que já estava habituado e, para seu espanto, viu-o sorrir. Tanto Julian quanto Kate ficaram um pouco chocados com o rosto pálido e abatido de Sophy. Ela sorriu fracamente e depois fechou os olhos, como se o esforço tivesse sido demais. — Não está muito bem hoje? — Julian aproximou-se, muito preocupado, e sentou no banquinho perto da poltrona. Kate permaneceu parada perto da porta, com os olhos castanhos cheios de dor e tristeza. — Há uns dois ou três dias que não estou nada bera — disse Sophy. — Acho que chegou o fim, Julian. — Não havia medo em sua voz, só um pouco de pesar misturado com desesperança. — O dr. Hyghes já esteve aqui hoje? — perguntou ele, fingindo não ter ouvido a última frase. — Vai chegar mais tarde. Costuma vir lá pelas três. — Seus olhos se moveram para a porta. — Kate, querida, não fique parada aí. Deixe-me vê-la mais de perto. Obedeceu, tomando a mão magra que se estendia para ela. Não sabia o que dizer. — Trouxemos aqueles bombons de que você gosta tanto — murmurou, finalmente.

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— Que bom... — A voz de Sophy sumiu, e teve grande di- ficuldade em articular o que falou a seguir: — O hotel... gostaria de ter ido vê-lo antes... Kate olhou para Julian. Seu rosto estava sombrio, mas resignado. — Descanse, querida — disse ele, acomodando a tia nas almofadas. — Gostaria que Kate lhe preparasse alguma coisa? — Não, Julian. Mary me fez tomar uma sopa antes de ir cuidar da roupa. Mas... vocês não almoçaram. — Vou cuidar de tudo. Kate foi para a cozinha e, como da primeira vez, começou a preparar uma refeição leve. E, como antes, pôde ouvir a conversa na sala. — ...Tem procurado casa, Julian? Margery me disse que o apartamento é muito bonito, mas tenho certeza de que Kate gostaria de ter uma casa só dela. Vocês devem morar sozinhos. A menina também não teve nem uma lua-de-mel adequada. Tem trabalhado como um mouro... sim, eles me contaram. Diga-me, tem procurado? — repetiu ela. — Estivemos olhando um chalé, antes de virmos para cá. — A voz de Julian estava muito tranquila. — Kate também gostou muito dele, de modo que estou pensando em entrar em contato com o corretor para fazer uma oferta. Kate ficou parada, com a faca pousada sobre o pão. Ele tinha que mentir pelo bem da tia, é claro, mas não precisava parecer tão calmo. Afinal, sabia que ela poderia estar ouvindo. Voltando a atenção para sua tarefa, lembrou a cena no carro, logo ao deixarem o hotel. — Vamos aproveitar para ver aquela casa? — Não, mudei de idéia — disse Julian, seco. — Vamos continuar no hotel por algum tempo. — Mas foi você mesmo quem disse que já estava com uma lista de propriedades que estão à venda.

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— As coisas mudaram. — Falou quase com rispidez e não desviou os olhos da estrada. Que coisas?, pensou Kate, engolindo em seco. Ele havia mudado de idéia. Seria por causa de Vicky? Só podia ser. Deviam ter conversado depois do jantar e ela teria dito que Kate nunca lhe daria o divórcio, que Julian teria que aguentar as consequências de sua ação impensada. Seus pensamentos voltaram para o presente e continuou prestando atenção na conversa entre Julian e a tia. — Estava tão aflita para vê-lo casado... vê-lo feliz, estabelecido, mas não tinha coragem de dizer nada. Sabia que, se você percebesse minha ansiedade, seria capaz de casar com a primeira moça que aparecesse, só para me fazer feliz... — Nada disso... — A porta da cozinha foi fechada rapidamente e Kate não pôde ouvir mais nada. Por que ele a fechara daquele jeito? Claro que não queria que ela ouvisse. Mas já havia escutado o suficiente para ficar com os pensamentos em tumulto. Sempre pensou na possibilidade de Julian ter casado com ela para tranquilizar a tia, mas ela mesma acabava de dizer que nunca tinha mencionado o assunto: sua preocupação pelo futuro do sobrinho. Kate estava confusa. Teria Julian adivinhado? Balançou a cabeça, sem conseguir entender. Se ele tinha casado com ela por causa de Sophy, por que negar isso com tanta veemência? Julian abriu a porta da cozinha. — Você está demorando. Quer alguma ajuda? — Não. Já está tudo pronto. — Pegou a bandeja. — O que quer beber? Chá ou café? — Qualquer coisa — respondeu ele, levando a bandeja para a sala. Depois do almoço, Kate foi lavar os pratos, enquanto Julian continuou ao lado da tia, esperando pela chegada do médico. O dr. Hyghes fez um exame rápido, tomou o pulso de Sophy e depois ficou conversando com Julian por alguns minutos. Quando partiu, Kate

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viu o marido voltar para a sala com uma expressão sombria e reveladora. Mas falou alegremente, quan- do se dirigiu è tia: — Está tudo bem, querida. Mas, sabe?, gostaria que viesse morar conosco. E ridículo ficar aqui, tão longe... — Julian, meu bem, já discutimos isso muitas vezes. Vocês sabem que não quero sair daqui. Sinto-me tranquila e segura, cercada pelas minhas recordações. Julian deu um suspiro e foi para a cozinha, onde a empregada estava preparando um caldo para a velha senhora. Kate adivinhou que ele devia estar lhe dando instruções para avisá-los imediatamente se houvesse alguma modificação no es- tado de saúde de Sophy. Saíram às cinco horas, e Julian dirigiu em silêncio por um longo tempo. — Ela está mesmo muito mal? — arriscou Kate, finalmente, num tom assustado. Julian parecia tão sério, tão imerso nos pensamentos, que sentiu que ele poderia não gostar da intromissão. — O que disse o dr. Hyghes? — Que só restam dois ou três dias. — Sua voz estava baixa e embargada. — Gostaria de ir buscar Neil para ficarmos perto dela, mas titia desconfiaria. Se pudesse convencê-la a vir para o hotel... — Dois ou três dias... — Kate ficou em silêncio, sentindo-se muito triste. Não tinha tido muita oportunidade de se apegar a Sophy. CAPITULO X

O fim veio muito mais rápido do que o esperado. Não fazia mais do que duas horas que Kate e Julian estavam no hotel, quando a empregada telefonou dizendo que Sophy estava muito mal.

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Ele e Neil voltaram para o carro e saíram, apressados, esperando chegar a Penmon a tempo de vê-la com vida. — Não esperem por nós. Não sabemos quando voltaremos. Margery estava transtornada e Kate sugeriu que fosse dormir com ela no apartamento, usando a cama do escritório. — Oh, Kate, obrigada. Sei que pode parecer bobagem, mas me sentirei melhor, só em saber que estou perto de você. Ficaram conversando até muito tarde e Margery contou o que sabia da vida de Sophy, de seus sacrifícios para criar os dois meninos. — E agora, isto... justamente quando toda a luta estava vencida e podia ter uma vida confortável e tranquila. Julian quis lhe comprar uma casa no campo, com tudo que pudesse desejar, mas ela nunca quis sair da casinha de Penmon. Sempre disse que ficaria lá até morrer. Margery começou a chorar novamente e Kate foi para a cozinha, fazer um café. — Tente comer alguma coisa — disse, quando voltou com a bandeja com sanduíches e biscoitos. — Vamos, você precisa ser forte. — Obrigada. — Margery conseguiu dar ura sorriso. — Sinto-me bem melhor agora. Kate, é maravilhoso ter você como amiga. É tão compreensiva... Compreensiva... Kate suspirou por alguma coisa que jamais conseguiria compreender. A personalidade de Julian. Depois, lembrando o que ele havia dito, que iria compreendê-lo se "quisesse", resolveu saber algo mais sobre o marido. — Conte-me alguma coisa sobre Julian, Margery. Eu o co-nheço tão pouco! — Sim, vocês nem tiveram oportunidade para um namoro, uma convivência maior... Sabe, Kate?, tenho pensado no que me contou. Ainda não consigo entender a atitude dele com você. Kate lembrou como o marido ficou furioso ao saber que havia feito confidências a Margery,

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— Eu lhe contei a verdade. — Sim, é claro. Acredito no que me contou, mas ainda acho . que há algo que não sabemos. A atitude de Julian foi completa-mente fora do normal. — Ficou pensativa, mordendo um sanduíche, — Diga-me, Margery, acha que ele seria feliz vivendo sozinho com a tia? Ficaria satisfeito com uma vida assim? — Ele sempre quis cuidar dela. Tem feito tudo para mostrar sua gratidão por ela o ter criado depois da morte dos pais. Sim, acho que ele viveria feliz com Sophy. — Mesmo solteiro? — Bem, pelo que Neil me contou, Julian nunca foi um na- morador, um mulherengo. Sempre gostou de uma vida tranquila, dos seus livros, das longas conversas com Sophy... Veja, é por isso que acho tão estranho que ele a tenha raptado daquele jeito. Só por... só pelo que você me contou... Oh, Kate, nem sei o que dizer. — Não se preocupe. Se não quisesse tocar no assunto, não teria feito confidências a você. — Kate pegou um sanduíche com um gesto mecânico. — E quanto a ele não ser mulherengo... tem certeza disso? — Sim, foi o que Neíl disse, e nunca vi nada que pudesse me dar outra idéia. Foi por isso que fiquei tão surpresa, quando mamãe me contou que ele estava noivo. Sempre achei que ia continuar sozinho... — De repente, Margery fez uma careta e Kate assustou-se, pensando que ela tivesse engasgado. — Kate — Margery quase gritou. — Sou a maior idiota do mundo! Já sei! O mistério está resolvido! — Resolvido? Do que está falando? — Agora posso ver o que aconteceu. Tudo se encaixa! Julian não casou com você só por causa do desejo. Seria horrível. Foi por causa de mamãe. — Tia Sophy? — Kate deu um sorriso triste. — Não, Margery. Cheguei a perguntar a ele sobre essa possibilidade, mas Julian negou.

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— Verdade? — Ficou olhando para ela, como se não pudesse acreditar, e depois encolheu os ombros. — Talvez tenha havido uma razão para essa negativa, mas tenho certeza absoluta de que ele casou com você por causa da tia! — Sorriu. — Oh, estou tão aliviada. Sabia que Julian não seria capaz de agir como agiu com uma moça como você. — No entanto, foi o que ele fez. — A resposta veio seca e fria. — Oh, desculpe... não é isso. Acredito no que me contou, mas agora entendo que ele só agiu assim por estar desesperado. Não teve nenhum escrúpulo em raptá-la e obrigá-la a casar com ele. Kate balançou a cabeça e deu um suspiro de impaciência. — Percebi tudo neste mesmo instante — continuou Margery. — Lembrei o que Neil disse, quando fomos visitar mamãe na última terça-feira. Foi: "Graças a Deus que Julian está casado". E depois, começou a falar na aflição de tia Sophy sobre o futuro de Julian. Ela sempre imaginou que ele continuava solteiro para se dedicar só a ela, como uma forma de gratidão. Depois do acidente, assim que pôde escrever, pôs todas as suas preocupações numa carta para Neil, pedindo-lhe que, quando saísse do hospital, fizesse o possível para encorajar Julian a procurar uma esposa, alguém que ficasse com ele quando ela se fosse. Sempre soube que não teria muito tempo de vida. Margery fez uma pausa e continuou, com os olhos brilhando: — Claro, Neil deve ter falado com ele. Julian tem verdadeira adoração por tia Sophy e procurou fazer exatamente o que ela estava desejando... mas ficou em silêncio, para que não suspeitasse de que só estava casando para agradá-la. Isso teria sido ainda pior. Mamãe sempre quis que ele fosse realmente feliz. — Vicky... — murmurou Kate. — Se suas deduções estão certas e ele só saiu à procura de uma moça... qualquer moça... — Isso explica o interesse de Julian por alguém tão pouco adequado para ele. Estava com muita pressa, e nada melhor do que uma garota

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imatura e impressionável para aceitar um casamento depois de poucos dias de conhecimento. Kate balançou a cabeça, começando a compreender. — Tia Sophy já estava sabendo do noivado, quando Vicky quis desistir dele e Julian ficou numa posição ainda pior. Como contaria a ela? Mamãe é esperta, logo entenderia que havia algo de errado e ia acabar desconfiando de que ele só estava pensando em casar para agradá-la... sem amor... nem mesmo amizade... Foi por isso que Julian ficou tão furioso com Vicky, e muito mais com você, a culpada pelo fim do noivado! — Então, ele resolveu casar comigo no lugar dela. — Exatamente. Julian é um homem bom e carinhoso, mas não é de aceitar uma derrota facilmente. Decidiu forçá-la a casar com ele; precisava resolver isso o mais rápido possível e, na época, não sabia que você é uma pessoa tão boa, tão... — Forçar-me... — Kate estava murmurando consigo mesma e nem prestou atenção aos elogios de Margery. — Então, ele realmente não pretendia me fazer nenhum mal. — Olhou para a amiga, os olhos brilhantes. — Não estava pensando numa vingança mesquinha e cruel. — Claro que não. Foi só uma ameaça, e muito necessária, para forçá-la a casar com ele. Margery estava certa. Kate se lembrou da hesitação de Ju-lian naquela primeira noite, de suas atitudes que, na verdade, nunca tinham sido realmente maldosas. — Sabe, Margery?, também cheguei a pensar nisso, mas Julian foi muito claro, quando negou que casou comigo por causa de Sophy. — Não posso entender. Ele deve ter tido um bom motivo para isso. — E há uma outra coisa. Julian me disse, e não foi só uma vez, que ama Vicky,

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— Ama Vicky? — Para surpresa de Kate, Margery não pareceu se preocupar com suas palavras. — Como ele foi dizer uma coisa dessas? Estavam brigando? — Bem, sim... — Então, devia estar querendo magoá-la por alguma coisa que você disse, que o feriu. — Margery levantou o queixo, num gesto decidido. — Ele não ama Vicky, tenho certeza disso. — Mas tem estado muito com ela desde que chegou... Uma expressão estranha apareceu no rosto de Margery, Pareceu hesitar, antes de falar: — Já pensou que ele pode estar querendo deixar você com ciúme? — Ciúme? Claro que não! — Apesar da resposta enfática, Kate começou a tremer e sua voz saiu insegura, quando acrescentou: — Sabe o que está insinuando? — Que ele a ama. Não, não fique vermelha, Kate. Não seria surpresa ele se apaixonar por você. De fato, na minha opinião, ficaria realmente surpresa se isso não acontecesse. Kate não conseguiu falar, e Margery continuou: — Tive a idéia de que ele estava tentando despertar ciúme em você quando o vi conversando com Vicky no terraço. Foi intuição. Você, provavelmente, não o trata muito bem, o mantém um pouco a distância... — É claro. Você não faria o mesmo, se estivesse no meu lugar? Depois de tudo que passei... — Eu não agiria assim, se o amasse — disse Margery, muito séria. — Você o ama, não é, Kate? — Eu... eu... A pergunta pegou Kate de surpresa. E, com ela, veio a lembrança do quanto havia tentado fugir da certeza desse sentimento. Desviando o olhar, esforçando-se para controlar o rubor que teimava em lhe subir ao rosto, confessou:

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— Sim, Margery, eu o amo. Por dez dias, Kate esperou pacientemente, abafando seu desejo de ter uma conversa séria com o marido. No entanto, ele estava muito ocupado, pois teve que cuidar do funeral e depois dos negócios da tia. Neil, corroído pela dor, ficou muito abatido e não pôde ajudar em nada. Uma noite, quando estavam sentados no terraço depois do jantar, Kate mencionou o estado de Neil. — Será que ele vai se conformar? Parece arrasado. Talvez esteja mais oprimido pelo sentimento de culpa. — Vai levar muito tempo — disse Julian, triste. — Mas ele tem a felicidade de ter uma mulher como Margery, que vai ajudá-lo a se recuperar. O jardim estava iluminado e o luar clareava a parte mais afastada do gramado, fazendo cintilar a água da piscina e da cascata. Kate sentiu um enorme desejo de aproveitar a ocasião para falar com Julian, mas, ao mesmo tempo, tinha medo de ouvir respostas muito diferentes das que esperava. — Vamos dar uma volta? — convidou ele, como se sentisse sua tensão. Andavam há uns cinco minutos, quando Kate disse, muito rapidamente, antes que mudasse de ídéia: — Quero falar com você, Julian. É sobre nós. — Olhando para o perfil do marido, viu que ele continuava impassível. — Nós? A palavra saiu seca e quase ríspida. Instintivamente, Kate afastou-se um pouco dele. — Nosso... futuro — murmurou. — Nós... não podemos continuar assim... Eu, pelo menos, não posso. — Não? E o que tem em mente?

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Kate não conseguiu continuar. Estava um pouco desconcertada com a atitude de Julian. Ele continuou a falar, no mesmo tom áspero, — Estou perfeitamente consciente de que não posso obrigá-la a ficar comigo... e que provavelmente se considera livre, agora que tia Sophy morreu. Porém, mesmo se me deixar, Kate, será sempre minha esposa. Jamais concordarei com o divórcio. Ela estremeceu, mas não por medo. Era a oportunidade que esperava. — Eu nunca o deixarei. — As palavras saíram rápidas, e Kate virou a cabeça, escondendo sua confissão. — Você me forçou ao casamento... agora... agora vai ter que aguentar! Julian olhou para ela como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido. Kate levantou os olhos. Brilhavam sob o luar, revelando seu amor pela primeira vez. — Kate! Ele a tomou nos braços, como já tinha feito tantas vezes, mas foi diferente. — Kate, querida, você tem que me explicar. — Sua voz estava grave e vibrante. — Quando descobriu que me amava? — Para ser sincera, não sei. Talvez tenha sido no poço dos desejos. — E o que desejou? — Nossa felicidade. — Bem que eu desconfiava que tínhamos feito o mesmo desejo. — Julian deu uma risada. Kate começou a lhe contar sobre a conversa com Margery no dia da morte de tia Sophy. Ele balançou a cabeça várias vezes, concordando. — Quer dizer que você e Margery chegaram à conclusão de que me casei com você por causa de tia Sophy, para fazê-la feliz? — Sim, e agora há pouco você parecia estar concordando comigo. Por que negou isso, Julian? — Porque não é verdade. — Não?

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— No início, quis casar com você por causa dela, mas, quando realmente chegou a hora, já estava apaixonado. — Quer dizer... quer dizer que foi logo no começo... Julian riu e beijou-a com ternura. — Eu me apaixonei por você desde o primeiro instante em que a vi, minha linda Kate. Como poderia ser de outro modo? Soltou-a, e continuaram andando por mais alguns instantes. — E por que disse que amava Vicky? — perguntou Kate, com uma pontinha de lamento na voz. — Você me magoou e eu quis magoá-la também. Tenho meu orgulho. Como podia dizer que a amava tanto, quando você parecia ter ódio de mim? — Você também disse a ela que não gostava de estar casado comigo... que preferia estar com ela. E que só me levou para passear por causa dos mexericos sobre Brian. Para grande indignação de Kate, Julian explodiu numa gargalhada. — Sabia que Vicky não deixaria passar a oportunidade para lhe contar. — Parou e acrescentou, num tom de desculpa: — Veja, querida, tentei de tudo para mantê-la ao meu lado, mas como nada parecia funcionar, tive que tentar deixá-la com ciúme. Já desconfiava de que você me amava, e a chegada de Vicky foi muito oportuna. Eu a usei... mas não faz mal, ela mereceu. Julian pegou a mão de Kate e continuaram andando. — Quando escolhi Vicky para casar comigo, já sabia que era uma moça frívola e inconsequente, e que teria me deixado antes de um ano. Era o que eu queria, afinal. Tomou Kate nos braços. — Foi uma bênção você interferir, minha querida. — Invo-luntariamente, Kate estremeceu com suas palavras. — Eu a assustei muito, meu amor? — Julian apertou-a com mais força e beijou-a, carinhosamente. — Nunca quis lhe fazer mal, mas não vou dizer que

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lamento ter feito o que fiz. Desde o início, quis que fosse minha para sempre, minha esposa muito amada. A brisa fresca começou a soprar e uma névoa se levantou do vale aos pés deles. — É melhor voltarmos, está ficando úmido. — Julian pegou o braço de Kate. Quando chegaram perto do hotel, falou: — Amanhã precisamos dar uma olhada naquela casa. — Oh, é mesmo. Por que mudou de idéia sobre isso? Ouvi quando você falou com tia Sophy que nós já a tínhamos visto, e não soube o que pensar. — Eu estava cheio de dúvidas. Não sabia se você ficaria comigo. Nunca poderia morar sozinho numa casa que você tivesse escolhido. — Passou o braço pela cintura dela e puxou-a para bem perto. — Mas logo teremos nosso lar, meu amor, eu prometo. Tia Sophy sempre disse que o sonho de uma mulher é ter sua própria casa, escolhida a seu gosto. Ao se aproximarem das janelas do salão, puderam ver que parecia estar havendo uma festa. Era a véspera da partida de Vicky e ela e Brian pareciam ser o centro das atenções. Neil e Margery estavam sentados no terraço. — O que está havendo lá dentro? — perguntou Julian, sem muito interesse. Margery começou a rir. — Vocês nem imaginam. Uma festa de noivado! F I M