A necessidade de um Acordo para a Biodiversidade em...

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A necessidade de um Acordo para a Biodiversidade em Alto-Mar Chega de oceanos ao estilo “faroeste” Maio 2013 _____________________________________________________________________ “A remoção indiscriminada de seres marinhos e a supressão de seus habitats está acabando com a resiliência dos ecossistemas oceânicos. Além disso, está minando a capacidade dos oceanos de dar suporte às necessidades humanas” – Callum Roberts, The Unnatural History of the Sea Até ao século passado, os oceanos do planeta eram, na sua maioria, demasiado longínquos, demasiado profundos, demasiado severos, demasiado frios ou demasiado perigosos para pescar. Os oceanos eram de facto, na sua maioria, reservas marinhas, fora de alcance da pesca. Contudo, a tecnologia tem vindo a desenvolver-se a grande velocidade. Os navios pesqueiros são agora capazes de pescar por todo o mundo, incluindo nas regiões do Árctico e da Antárctica, e a vários quilómetros de profundidade. Os navios pescam durante meses sem fim, utilizando equipamento sonar e por satélite para localizar as suas capturas. E actualmente, as empresas estão a implementar novas tecnologias para a mineração e perfuração em águas profundas. Já não existem refúgios seguros para a vida contida nos nossos oceanos. Mais de 64% dos oceanos não são abrangidos pela jurisdição de qualquer país e são geralmente conhecidos como alto mar. Estas áreas pertencem a todos nós, não importa se o seu país se encontra do outro lado do planeta, ou que nem tenha litoral. A constituição para os oceanos, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), estabelece os direitos e obrigações dos países quando operam em alto mar, incluindo a responsabilidade de proteger a vida nos oceanos contra danos. Infelizmente, tem sido dado muito mais ênfase ao “direito” de pilhagem dos oceanos que à responsabilidade de os proteger, criando uma abordagem ao estilo “faroeste” para a gestão dos oceanos. Se quiser pescar, perfurar ou explorar o alto mar, há organizações e processos que permitem que o faça, mas se quiser proteger o alto mar, por exemplo, através da criação de uma reserva marinha para proteger um recife de coral fragilizado, simplesmente não há maneira clara para o fazer. Actualmente, é muito difícil ou até mesmo impossível criar reservas marinhas, e mais ainda, monitorizar e controlá-las na maioria das áreas em alto mar. A forma como gerimos os nossos oceanos assemelha-se a uma manta de retalhos – uma com muitos buracos. Há um grande leque de diversas organizações e acordos responsáveis pela gestão de partes do alto mar, actividades específicas ou determinadas espécies de peixe. Contudo, a coordenação ou cooperação entre estes diversos organismos é pouca ou nenhuma. Das várias Organizações Regionais de Gestão da Pescas (ORGP), responsáveis pela gestão de determinadas populações de peixes, muitas têm rotundos fracassos, conduzindo espécies como o Atum-rabilho à beira da extinção devido a uma péssima gestão. Em comparação, há pouquíssimas organizações regionais e internacionais com poder para conservar os ecossistemas marinhos. Também não existe um controlo de monitorização e de execução centralizados, de modo a assegurar que as medidas de conservação sejam respeitadas em alto mar ou qualquer processo para efectuar avaliações do impacto ambiental antes que tenha lugar qualquer actividade que possa potencialmente ter impacto nos nossos oceanos. A actual forma de gestão do alto mar coloca os interesses a curto prazo e corporativos à frente da saúde a longo prazo dos nossos oceanos. A menos que sejam tomadas medidas para restabelecer e proteger os nossos oceanos, estes serão incapazes de sustentar a vida na terra. Embora a implementação adequada das regras de protecção dos oceanos existentes pudesse melhorar bastante a situação, esta não seria suficiente por si só. Sem regras e instituições para assegurar que os países e as indústrias respeitem e protejam a vida nos oceanos, os nossos oceanos, assim como os bilhões de pessoas dependentes dos mesmos, para alimentos e trabalho, continuam em perigo.

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A necessidade de um Acordo para a Biodiversidade em Alto-Mar Chega de oceanos ao estilo “faroeste” Maio 2013 _____________________________________________________________________“A remoção indiscriminada de seres marinhos e a supressão de seus habitats está acabando com a resiliência dos ecossistemas oceânicos. Além disso, está minando a capacidade dos oceanos de dar suporte às necessidades humanas” – Callum Roberts, The Unnatural History of the Sea Até ao século passado, os oceanos do planeta eram, na sua maioria, demasiado longínquos, demasiado profundos, demasiado severos, demasiado frios ou demasiado perigosos para pescar. Os oceanos eram de facto, na sua maioria, reservas marinhas, fora de alcance da pesca. Contudo, a tecnologia tem vindo a desenvolver-se a grande velocidade. Os navios pesqueiros são agora capazes de pescar por todo o mundo, incluindo nas regiões do Árctico e da Antárctica, e a vários quilómetros de profundidade. Os navios pescam durante meses sem fim, utilizando equipamento sonar e por satélite para localizar as suas capturas. E actualmente, as empresas estão a implementar novas tecnologias para a mineração e perfuração em águas profundas. Já não existem refúgios seguros para a vida contida nos nossos oceanos.

Mais de 64% dos oceanos não são abrangidos pela jurisdição de qualquer país e são geralmente conhecidos como alto mar. Estas áreas pertencem a todos nós, não importa se o seu país se encontra do outro lado do planeta, ou que nem tenha litoral. A constituição para os oceanos, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), estabelece os direitos e obrigações dos países quando operam em alto mar, incluindo a responsabilidade de proteger a vida nos oceanos contra danos.

Infelizmente, tem sido dado muito mais ênfase ao “direito” de pilhagem dos oceanos que à responsabilidade de os proteger, criando uma abordagem ao estilo “faroeste” para a gestão dos oceanos. Se quiser pescar, perfurar ou explorar o alto mar, há organizações e processos que permitem que o faça, mas se quiser proteger o alto mar, por exemplo, através da criação de uma reserva marinha para proteger um recife de coral fragilizado, simplesmente não há maneira clara para o fazer. Actualmente, é muito difícil ou até mesmo impossível criar reservas marinhas, e mais ainda, monitorizar e controlá-las na maioria das áreas em alto mar.

A forma como gerimos os nossos oceanos assemelha-se a uma manta de retalhos – uma com muitos buracos. Há um grande leque de diversas organizações e acordos responsáveis pela gestão de partes do alto mar, actividades específicas ou determinadas espécies de peixe. Contudo, a coordenação ou cooperação entre estes diversos organismos é pouca ou nenhuma. Das várias Organizações Regionais de Gestão da Pescas (ORGP), responsáveis pela gestão de determinadas populações de peixes, muitas têm rotundos fracassos, conduzindo espécies como o Atum-rabilho à beira da extinção devido a uma péssima gestão. Em comparação, há pouquíssimas organizações regionais e internacionais com poder para conservar os ecossistemas marinhos. Também não existe um controlo de monitorização e de execução centralizados, de modo a assegurar que as medidas de conservação sejam respeitadas em alto mar ou qualquer processo para efectuar avaliações do impacto ambiental antes que tenha lugar qualquer actividade que possa potencialmente ter impacto nos nossos oceanos. A actual forma de gestão do alto mar coloca os interesses a curto prazo e corporativos à frente da saúde a longo prazo dos nossos oceanos. A menos que sejam tomadas medidas para restabelecer e proteger os nossos oceanos, estes serão incapazes de sustentar a vida na terra. Embora a implementação adequada das regras de protecção dos oceanos existentes pudesse melhorar bastante a situação, esta não seria suficiente por si só. Sem regras e instituições para assegurar que os países e as indústrias respeitem e protejam a vida nos oceanos, os nossos oceanos, assim como os bilhões de pessoas dependentes dos mesmos, para alimentos e trabalho, continuam em perigo.

Os números são assustadores – a percentagem de alto mar que está ao abrigo de alguma forma de protecção é inferior a 1%, apesar de os líderes globais terem acordado o estabelecimento de redes de áreas de protecção marinha até 2012. A abordagem ao estilo “faroeste” relativamente à gestão dos oceanos tem de acabar, para que o nosso planeta e a sua população possam sobreviver. Este mapa mostra o mosaico parcial e complexo das ORGPs responsáveis pela gestão da pesca em alto- mar.

Note que as áreas neste mapa são as melhores aproximações, destinadas a mostrar a complexidade e as lacunas na governança na alta mar. ORGPs: Existem muitas lacunas de governança nas Organizações Regionais de Gestão da Pescas (ORGP)– tanto geograficamente, quanto em termos de espécies pescadas. Muitas ORGPs não estão considerando os impactos da pesca nas espécies não-alvo e nos habitats vulneráveis, tais como os montes submarinos e os recifes de coral. Há também limitações de comunicação e coordenação entre ORGPs, o que faz com que não haja conhecimento sobre o impacto total de pesca em nossos oceanos. Outras organizações: Algumas organizações e acordos globais são responsáveis pela regulação das diferentes atividades em alto-mar, incluindo a CBI (baleeira), a IMO (transporte), ISA (mineração de águas profundas) e da Convenção de Londres (despejo de resíduos). No entanto, não há atualmente nenhuma coordenação e cooperação entre esses órgãos, e nenhum mecanismo para avaliar os impactos de todas as atividades humanas em alto mar ou para monitorá-los de forma eficaz. Para a grande maioria dos oceanos, não há acordos para proteger a vida marinha e os habitats das atividades humanas predatórias. Tão pouco há acordos para avaliar os impactos consequentes dessas atividades ou mesmo para criar e implementar reservas marinhas. Mesmo nas áreas abrangidas por acordos marinhos regionais, as normas e regras aplicadas não são uniformes. Alguns acordos concentram-se apenas nas ameaças individuais (a exemplo da poluição), enquanto outros lidam com uma série de ameaças e podem estabelecer áreas marinhas protegidas. O novo acordo de execução nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), pretende resolver as lacunas e fragmentações do processo de governança dos oceanos. Isso ajudaria a identificar, criar e gerenciar reservas marinhas, avaliar os impactos humanos, coordenar a governança entre as organizações regionais e garantir que regras de execução acordados sejam respeitadas por todos.

Este mapa mostra a pequena proporção de áreas marítimas abrangidas por organizações que tem o mandato de proteger a vida marinha.

Acordo para a Biodiversidade en Alto Mar De modo a promover o fim da gestão dos oceanos ao estilo “faroeste”, os governos e as indústrias deverão reconhecer a necessidade de assumir a responsabilidade pelos oceanos, e que através da gestão das suas actividades de forma eficiente, possam assegurar oceanos saudáveis e produtivos para as gerações futuras. É urgentemente necessário um novo acordo que vise a protecção da vida nos oceanos e que assegure uma utilização sustentável dos mesmos. Esta é a razão pela qual o Greenpeace está a exigir um acordo para a biodiversidade em alto mar ao abrigo da CNUDM.

Um acordo para a biodiversidade em alto mar asseguraria a obrigação dos países em protegerem a vida nos oceanos, tanto a que se encontra a menor profundidade, como a vida a grande profundidade, em áreas que ficam além da jurisdição de qualquer país. Estabeleceria também um mecanismo de identificação, criação e gestão das reservas marinhas. Especificaria o processo que a indústria precisa de seguir para criar e implementar avaliações de impacto ambiental antes que actividades de extracção potencialmente prejudiciais sejam autorizadas. Organizaria a coordenação das organizações regionais existentes que regulam as actividades humanas (incluindo a pesca, perfuração, mineração e navegação) e protegeria os nossos oceanos. Iria também criar um regime justo de acesso e partilha dos benefícios da exploração de recursos genéticos nos oceanos – para que os países em desenvolvimento possam também beneficiar de tais recursos. Um acordo eficaz deve também incluir um mecanismo de monitorização, controlo e execução que irá assegurar que as regras acordadas sejam respeitadas por todos.

A grave crise que os nossos oceanos enfrentam fez com que, cada vez mais, os lideres se apercebessem de que o actual estado das coisas está a conduzir a vida marinha à beira da extinção. Hoje, a grande maioria dos países apoia um acordo global de protecção do alto mar, mas o progresso encontra-se actualmente bloqueado por uma mão cheia de nações poderosas. Na Cimeira Rio+20, que decorreu no Brasil em Junho de 2012, os governos comprometeram-se a tomar uma decisão quanto à criação de um acordo global ao abrigo da CNUDM até ao final de 2014 na Assembleia Geral das Nações Unidas, onde as questões possam ser levadas a votação.

Os oceanos estão em risco. Já não há tempo a perder. A grande maioria dos países a favor da protecção do alto mar deve agora juntar forças e agir conjuntamente por oceanos saudáveis e pelos milhões de pessoas que deles dependem.

Apelamos a um acordo para a biodiversidade em alto mar ao abrigo da CNUDM Um acordo para a biodiversidade em alto mar ao abrigo da CNUDM é urgentemente necessário para assegurar ecossistemas marinhos saudáveis e produtivos pelos oceanos de todo o planeta. Apenas um acordo global pode providenciar uma abordagem coerente e integrada para a biodiversidade em todas as áreas além da jurisdição nacional. O acordo deve fornecer: • un mandato explícito para a protecção, conservação e utilização sustentável da biodiversidade nas áreas além

da jurisdição nacional; • ferramentas de implementação, tais como um mecanismo para estabelecer, monitorizar e controlar as reservas

marinhas; e para levar a cabo avaliações sobre o impacto ambiental (AIA) e avaliações sobre o impacto estratégico (AIE) em áreas além da jurisdição nacional;

• harmonização e coordenação entre os instrumentos relevantes ou organismos regionais, internacionais ou intergovernamentais;

• um mecanismo para o acesso e a partilha equitativa dos benefícios da utilização dos recursos genéticos marinhos (RGM);

• um sistema centralizado de monitorização, controlo e vigilância com um registo e base de dados de todos os navios pesqueiros de alto mar.

Para más información: [email protected] Greenpeace International Ottho Heldringstraat 5 1066 AZ Amsterdam Países Bajos Tel: +31 20 7182000

greenpeace.org