A música em sinergia com o meio ambiente … · de fazer música ou de simplesmente perceber o som...

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Naturale junho/julho - 2013 2 A música em sinergia com o meio ambiente Por Marina Zan e Miriam Matsuda A música é uma linguagem artística, uma manifestação cultural e étnica que tem em sua estrutura relações com outras áreas do conhecimento. Quem aprecia ou estuda música, desenvolve senso rítmico, percepção musical, harmonia e criatividade. Hoje, a criatividade aliada à consciência ecológica une a música à preservação am- biental e à consciência do reaproveitamento e da reciclagem. Assim, contribui para a preservação do planeta e para o desenvolvimento humano. A partir da utilização de materiais orgânicos como cabaça, bambu, madeira, pedra e materiais sintéticos como plástico, papel, borracha, metal, sucata, utensílios domésticos, garrafas pet e diferentes tubos e peças em PVC, podem ser criados diversos instrumentos musicais com uma grande variedade de sonoridades a serem exploradas. O músico, compositor, multi- instrumentista, luthier, artista plás- tico e arte-educador Fernando Sar- do, nos apresenta uma gama de pos- sibilidades relacionadas à conscien- tização ambiental por meio da reci- clagem de materiais para a constru- ção de instrumentos musicais e para a musicalização das pessoas, o que vem transformando e aprimorando sistemas de aprendizagem da música para os mais variados públicos. O trabalho de Sardo é fruto de uma pesquisa iniciada em 1980, em música e luteria étnica de diversas épocas e culturas. Esta pesquisa só foi possível devido ao fato do artista residir na cosmopolita Grande São Paulo, que possibilita o contato com colônias e músicas de várias culturas, entre elas: japonesa, árabe, indiana, africana, europeia, latino-americana e indígena brasileira. Deste conta- to surgiu uma grande variedade de instrumentos típicos que o artista reproduziu e estudou. A partir daí, foram concebidos e construídos mais de 160 instrumentos musicais entre corda, percussão e sopro, com matérias-primas alternativas orgâni- cas e sintéticas, além de esculturas e parques sonoros. Esta pesquisa se reflete constantemente em suas composições musicais que contém como característica sua extensa bus- ca por timbres e sonoridades pouco convencionais. Suas criações de- monstram diversas possibilidades de fazer música ou de simplesmente perceber o som produzido, seja por objetos do cotidiano, por objetos descartados (sucata), ou pelas es- culturas sonoras e instrumentos artesanais. Fernando Sardo ministra curso de luteria e música experimental por todo o Brasil, em casas culturais, empresas, escolas e universidades de arte, para um público varia- do, como crianças, adolescentes, adultos, artistas, educadores e arte-educadores. Estes cursos têm como objetivo incentivar a pesqui- sa e a construção de instrumentos musicais feitos com matéria-prima alternativa, estimulando a criativi- dade e a autoria. O trabalho convida para a busca coletiva por novas plasticidades, sonoridades e tim- bres. Para isso, Fernando propõe em seus cursos que se criem e cons- truam instrumentos com diferentes materiais e que, posteriormente, os alunos façam suas próprias me- lodias, sendo sensibilizados para explorar timbres nunca antes per- cebidos. Assim, se dá o lúdico mé- todo de musicalização criado por ele. Seus cursos são multidisciplina- res, ou seja, a música, a luteria e as artes visuais são relacionadas com outras áreas do conhecimento co- mo a matemática, a física, a história e os valores de consciência e pre- servação ambiental. A partir dos anos 90, Fernando se dedicou a criar, além dos instrumentos musicais, esculturas sonoras que utilizou a princípio, em suas próprias composições musicais. No entanto, sua prática pedagógica apontou que as esculturas e instalações sonoras, por sua singularidade artística, seriam um ótimo recurso de interatividade, prática musical e convivência em grupo. Estas obras plástico-musicais são construídas artesanalmente e proporcionam ao público a aprecia- ção visual, aliada à interação artística e lúdica, por meio de fontes sonoras timbrísticas e melódicas. As esculturas sonoras, instalações mu- sicais e parques sonoros de autoria de Fer- nando podem ser encontradas em várias regiões do Brasil. O “Sabina — Escola Par- que do Conhecimento” em Santo André (SP), inaugurado em 2006, é exemplo de um espaço multidisciplinar que privilegia a popularização da ciência e das artes de forma interativa. Neste local está dispos- ta a instalação sonora “Sons Recicláveis”, que contém fontes sonoras de sopros, À esquerda violino confeccionado com lata, cabo de vassoura, colher e madeira. À direita violoncelo feito com tubos, conexões e caixa de inspeção de PVC.

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A música em sinergia com o meio ambiente

Por Marina Zan e Miriam Matsuda

A música é uma linguagem artística, uma manifestação cultural e étnica que tem em sua estrutura relações com outras áreas do conhecimento. Quem aprecia ou estuda música, desenvolve senso rítmico, percepção musical, harmonia e criatividade.

Hoje, a criatividade aliada à consciência ecológica une a música à preservação am-biental e à consciência do reaproveitamento e da reciclagem. Assim, contribui para a preservação do planeta e para o desenvolvimento humano.

A partir da utilização de materiais orgânicos como cabaça, bambu, madeira, pedra e materiais sintéticos como plástico, papel, borracha, metal, sucata, utensílios domésticos, garrafas pet e diferentes tubos e peças em PVC, podem ser criados diversos instrumentos musicais com uma grande variedade de sonoridades a serem exploradas.

O músico, compositor, multi- instrumentista, luthier, artista plás- tico e arte-educador Fernando Sar- do, nos apresenta uma gama de pos- sibilidades relacionadas à conscien- tização ambiental por meio da reci- clagem de materiais para a constru-ção de instrumentos musicais e para a musicalização das pessoas, o que vem transformando e aprimorando sistemas de aprendizagem da música para os mais variados públicos.

O trabalho de Sardo é fruto de uma pesquisa iniciada em 1980, em música e luteria étnica de diversas épocas e culturas. Esta pesquisa só foi possível devido ao fato do artista residir na cosmopolita Grande São Paulo, que possibilita o contato com colônias e músicas de várias culturas, entre elas: japonesa, árabe, indiana, africana, europeia, latino-americana e indígena brasileira. Deste conta-to surgiu uma grande variedade de instrumentos típicos que o artista reproduziu e estudou. A partir daí, foram concebidos e construídos mais de 160 instrumentos musicais entre corda, percussão e sopro, com matérias-primas alternativas orgâni-cas e sintéticas, além de esculturas e parques sonoros. Esta pesquisa se reflete constantemente em suas composições musicais que contém como característica sua extensa bus-ca por timbres e sonoridades pouco convencionais. Suas criações de-monstram diversas possibilidades de fazer música ou de simplesmente perceber o som produzido, seja por objetos do cotidiano, por objetos descartados (sucata), ou pelas es-

culturas sonoras e instrumentos artesanais.

Fernando Sardo ministra curso de luteria e música experimental por todo o Brasil, em casas culturais, empresas, escolas e universidades de arte, para um público varia-do, como crianças, adolescentes, adultos, artistas, educadores e arte-educadores. Estes cursos têm como objetivo incentivar a pesqui-sa e a construção de instrumentos musicais feitos com matéria-prima alternativa, estimulando a criativi-dade e a autoria. O trabalho convida para a busca coletiva por novas plasticidades, sonoridades e tim-bres. Para isso, Fernando propõe em seus cursos que se criem e cons-truam instrumentos com diferentes materiais e que, posteriormente, os alunos façam suas próprias me-lodias, sendo sensibilizados para explorar timbres nunca antes per- cebidos. Assim, se dá o lúdico mé-todo de musicalização criado por ele. Seus cursos são multidisciplina-res, ou seja, a música, a luteria e as artes visuais são relacionadas com outras áreas do conhecimento co-mo a matemática, a física, a história e os valores de consciência e pre-servação ambiental.

A partir dos anos 90, Fernando se dedicou a criar, além dos instrumentos musicais, esculturas sonoras que utilizou a princípio, em suas próprias composições musicais. No entanto, sua prática pedagógica apontou que as esculturas e instalações sonoras, por sua singularidade artística, seriam um ótimo recurso de interatividade, prática musical e convivência em grupo. Estas obras plástico-musicais são construídas artesanalmente e proporcionam ao público a aprecia-ção visual, aliada à interação artística e lúdica, por meio de fontes sonoras timbrísticas e melódicas.

As esculturas sonoras, instalações mu- sicais e parques sonoros de autoria de Fer-nando podem ser encontradas em várias regiões do Brasil. O “Sabina — Escola Par-que do Conhecimento” em Santo André (SP), inaugurado em 2006, é exemplo de um espaço multidisciplinar que privilegia a popularização da ciência e das artes de forma interativa. Neste local está dispos-ta a instalação sonora “Sons Recicláveis”, que contém fontes sonoras de sopros,

À esquerda violino confeccionado com lata, cabo de vassoura, colher e madeira. À direita violoncelo feito com tubos, conexões e caixa de inspeção de PVC.

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percussão e cordas. A obra foi construída com plástico, latas e mangueiras, que pro-porcionam completa interação do público. Já na cidade de Ouro Preto (MG), o “Vagão Sonoro Ambiental”, localizado na estação de trem de Ouro Preto, é uma obra criada para o desenvolvimento de conteúdos artísticos, sociais e ambientais, que recebe estudantes de diversas idades, bem como o público em geral. O antigo vagão contém duas salas: na primeira está a instalação sonora “Sons Recicláveis” que oferece aos visitantes diversas possibilidades de interação com instrumentos musicais de corda, sopro e percussão, criados e construídos com sucata de plástico, madeira, papel e metal. A segunda sala, por sua vez, é devidamente equipada para a realização de cursos de música, criação e construção de instrumentos musicais. Os materiais utili-zados nas oficinas são recicláveis e o Vagão Sonoro conta com um projeto educativo desenvolvido por monitores treinados pelo próprio artista para abordar conceitos de ecologia, música e luteria.

Fernando projetou e construiu também “brinquedos sonoros” e instrumentos musicais para Parques Sonoros que possibilitam interatividade e proporcionam con-vívio com a música, as artes visuais e, naturalmente, sugerem lazer e recreação. Estes podem ser encontrados em espaços públicos ou privados e fazem parte de projetos educativos e sociais. Por meio deles são notados ganhos expressivos na educação musical, estímulo à criatividade e aprendizado na área de luteria, ciência, arte e eco-logia. Um exemplo é o “Parque Lúdico Musical” que, assim como o “Vagão sonoro ambiental” citado acima, faz parte do “Projeto Trem da Vale – Fundação Vale do Rio Doce”, um projeto de revitalização das estações e linha de trem de Ouro Preto e Mariana (MG). Localizado na cidade de Mariana, o parque faz parte hoje da rota cul-tural da cidade. Parte do material utilizado na construção dos brinquedos musicais é sucata da própria ferrovia, o que demonstra que a preservação do meio-ambiente, as artes e a recreação podem ser atividades complementares.

Já em São Caetano do Sul (SP) o “Parquinho Sonoro” foi construído para crianças com necessidades especiais. Alguns dos instrumentos foram concebidos para usuá-rios com deficiência auditiva. Nestes, as mãos são posicionadas para que a vibração do som seja sentida pelo tato. Outros instrumentos foram projetados para crianças

Gangorra pau de chuva com adaptação para cadeirante.

Na móia o deficiente auditivo coloca as mãos nas laterais dos tambores para sentir a vibração sonora produzida pela mola.

Vagão Sonoro Ambiental — Projeto Trem da Vale, em Mariana/MG.

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com necessidades de locomoção. A gan-gorra, por exemplo, produz um som similar ao pau de chuva indígena, que ecoa de acordo com o movimento do brinquedo, e possui em um dos lados uma cadeira com encosto e apoio para os pés.

Hoje, com mais de 160 diferentes ins-trumentos musicais e esculturas sonoras criados, Sardo os utiliza em suas com-posições para apresentações musicais e trilhas sonoras para espetáculos de dança, teatro, cinema e televisão, que realiza com o grupo GEM (Grupo Experimental de Mú-sica), fundado por ele em 2003. O grupo participou em 2011, do Festival Europália Brasil, na Bélgica, em Antuérpia e Gent, com a apresentação do show “O Som e a Matéria”. Este trabalho reproduzido em CD, assim como o disco “Bambuzais” (1999), é elaborado somente com compo-sições musicais próprias, instrumentos e esculturas sonoras de sua criação.

Sardo também integra o projeto “Reciclar é show” que tem o apoio do Maestro João Carlos Martins e a participação da arte-educadora Flávia Maia do grupo Barbatu-ques. Esta é uma iniciativa da Tang, que inclui a fabricação de instrumentos musicais a partir de materiais reciclados e permite que os alunos aprendam a tocar os instru-mentos fabricados por suas próprias mãos. Cerca de 50 mil estudantes de mais de 100 escolas da rede pública de ensino do Brasil participarão deste projeto.

Muito se pode fazer pelo meio ambiente e pelo desenvolvimento humano. Fer-nando o faz pela música, pela criatividade e pela integração de diversos segmentos que resultam em obras de arte memoráveis.

Legenda: O “Quero-Quero” é feito com ma-deira de eucalipto e aço inox. Suas penas são representadas por 16 flautas, oito de cada lado, afinadas em uma escala de Dó Maior Diatônica. Cada flauta está conecta-da a uma bomba de ar que representa a cauda do pássaro. O público interage com a escultura tocando as flautas, movimen-tando as bombas de ar. Esta escultura está instalada no SESC Bertioga/SP.

Fernando Sardo e suas criações.

Ideias simples para criação de brinquedos

com materiais recicláveis

Carrinho de embalagem de desinfetante com rodinhas de PET.

Avião de pregador e palito de sorvete.

Carrinhos de rolo de papel higiênico.

Mobile de colher.Fonte: internet