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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHÃES NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA A MORTALIDADE POR HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE-PE Expressão mínima de uma macro violência Autora: MÁRCIA MARIA DE SOUZA GAIOSO Orientadora: ANNICK FONTBONNE BRA YNER Recife, 1997

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FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

CENTRO DE PESQUISAS AGGEU MAGALHÃES

NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

A MORTALIDADE POR HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE-PE

Expressão mínima de uma macro violência

Autora: MÁRCIA MARIA DE SOUZA GAIOSO

Orientadora: ANNICK FONTBONNE BRA YNER

Recife, 1997

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MÁRCIA MARIA DE SOUZA GAIOSO

A MORTALIDADE POR HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE-PE

Expressão mínima de uma macro violência

Monografia apresentada como requisito

parcial à obtenção do título de

Especialista no Curso de Pós-Graduação

latu sensu a nível de Residência em

Medicina Preventiva e Social do Núcleo

de Estudos em Saúde Coletiva I CPqAM I

FIOCRUZ/MS, sob a orientação da

Professora Annick Fontbonne Brayner.

Recife, 1997

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MÁRCIA MARIA DE SOUZA GAIOSO

A MORTALIDADE POR HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE-PE

Expressão mínima de uma macro violência

Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de

Especialista no Curso de Pós-Graduação latu sensu a nível de Residência em

Medicina Preventiva e Social do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/CPqAM I

FIOCRUZ/MS, pela Comissão formada pelos Professores:

Orientadora:

Profa. Annick Fontbonne Brayner

NESC-PE/CPqAM/FIOCRUZ

Examinadores:

Prof. José Luís Ratton - UFPE

Prof. Simone Morosini - Sec.S.Camaragibe

Recife, 1997

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AGRAD.ECIMENTOS

- A minha família de origem, pelos valores adquiridos e pelo apoio em todas as

horas;

- A família construída - Catarina e Felipe, amores incondicionais e insubstituíveis,

que me reconstroem a cada dia;

- A Bernadete Antunes, Patricia Ismael de Carvalho e Vera Barone, cuja

cumplicidade e desprendimento me permitiram essa experiência;

- A todos das instituições envolvidas que contribuíram para ampliar meus

conhecimentos, em especial a Cecília Minayo e Edinilsa Souza, do CLAVES, aos

professores do NESC, FESP, aos profissionais da SES/PE, especialmente a Marta

Vaz, pela presteza na obtenção dos dados, a Albertina Suliano pela "musicalidade"

amiga, a Sueli Oliveira, sempre injetando entusiasmo e a todos sem exceção,

companheiros da DENMM;

- A Annick Fontbonne pela paciência e disponibilidade;

-A Ratton, pela rara postura de se dispor a trabalhar nas divergências;

-A Ana Lúcia Bastos Falcão, pelo envio sistemático de artigos;

-A Ivan Correia, pelo profissionalismo e ética impecáveis e raros;

-Ao Grupo Saúde, de Camaragibe, especialmente a Simone Morosini, Cristina Sette

e Sidney Feitosa pelo apoio e amizade durante o período de estágio nesse

município;

-A Constança Clara Simões Barbosa, pelo incentivo profissional;

- A Marlene Marcolino, que me permite tempo para o estudo e a todos que

colaboraram para que este período transcorresse mais suavemente;

- Enfim, à vida, pois, desde que exista, permite todas as possibilidades.

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Os Ninguéns

"As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida,

fodidos e mal pagos: Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas

páginas políciais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata"

Eduardo Galeano

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 07

Capítulo 1

HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE: EXPRESSÃO MÍNIMA DE UMA MACRO

VIOLÊNCIA . . . . . . .. . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . ....................... .. ... .. .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . . .. . . . . . 1 O

Capítulo 2

AS POSSÍVEIS CAUSAS DOS CRIMES VIOLENTOS EM ESPECIAL DOS

HOMICÍDIOS .......................................................................................................... 21

2.1 -COMENTÁRIOS ....................... ................................................. .................... 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............. ....................................................................... 30

~ FONTE BIBLIOGRÁFICA ....................................................................................... 34 ~

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INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da história da humanidade, a violência por

homicídio é familiar, através dos textos bíblicos (Caim e Abel), legitimando-se nas

antigas civilizações gregas, latinas e orientais, quer por motivos políticos, quer

religiosos, até a época da colonização das Américas, com o extermínio dos índios,

de início, e com a posse do corpo e da vida dos escravos africanos.

Apesar da violência criminal ter diminuído na história da Europa e dos

Estados Unidos, desde o século passado até fins da década de 1970 (Chesnais,

1981)\ a modernidade, no entanto, apresenta novas formas desse fenômeno,

expressas através da violência institucional, interpessoal e da delinqüência.

O Brasil é um caso particular, onde nos vemos diante das expressões

mais modernas de violência, paralelas às formas arcaicas, já historicamente

instituídas na cultura da população. Aqui, os estudos sobre violência incluindo-a

como objeto da Saúde Pública, começaram a ganhar vulto a partir dos anos 80,

principalmente a reflexão sobre o impacto da violência na saúde, quando criada a

categoria "Causas Externas", se bem que, desde a década anterior, a Universidade

de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas, a Fundação Oswaldo Cruz,

com a criação na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) do Centro Latino­

Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), em 1989, já participavam

das discussões sobre o tema.

No entanto, o estudo do impacto da violência sobre a saúde é ainda

incipiente, abordando na sua maioria, os diagnósticos de situações. Necessita, pois,

se estender às ações efetivas, tanto nos serviços de prevenção de saúde, quanto

no seu planejamento, baseadas também numa melhoria do sistema de informação

sobre esses eventos.

A partir de 1991, a (Qrganização Panamericana de Saúde e a

Organização Mundial de Saúde passaram a se interessar mais ativamente pelo

problema, tendo em 1994, evoluído para a realização da I Conferência

1 Souza, Edinilza Ramos de. In Homicídios: Metáfora de uma Nação Autofágica. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 1995. Tese de Doutorado.

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lnteramericana sobre Sociedade, Violência e Saúde, realizada de 16 a 18 de

novembro, em Washington.

A atenção à violência contra a criança e o adolescente passou a ser

evidente no Brasil a partir de 1993, através do Programa Materno-Infantil, do

Minstério da Saúde, precisando, no entanto, abrir mais o leque de discussões,

ações e entendimento do quanto o problema envolve a nível dos aspectos

individuais, políticos, econômicos e sociais.

As mortes por causas externas no Brasil mostram apenas a "ponta do

iceberg" de uma problemática subjacente na população, tornando-se, pois um

problema de Saúde Pública, dada a forma como vêm se exacerbando ultimamente.

Como campo de estágio da Residência em Medicina Preventiva e Social do Núcleo

de Estudos em Saúde Coletiva (NESC), o Município de Camaragibe não destoa do

cenário de violência nacional, apresentando as Causas Externas como segunda

causa de morte no município e, entre elas, os homicídios contribuindo com 50,6%,

sendo o percentual majoritário, muito superior às demais causas e vitimando

preferencialmente sujeitos jovens, pobres e do sexo masculino.

O fato dessas mortes atingirem, em especial, indivíduos jovens é

preocupante: primeiro, porque estamos perdendo indivíduos em idade produtiva,

que deveriam estar mais presentes atuando no desenvolvimento do país do que nas

suas listagens de óbitos; segundo, porque quando não matam, as tentativas de

homicídios oneram os serviços de saúde, tanto nos atendimentos de emergência

quanto de suas consequências a nível secundário e terciário de saúde; terceiro, por

se tratar de um problema que envolve uma diversidade de causas possíveis,

dificultando o consenso em relação às políticas adotadas na busca de soluções.

Sendo um fenômeno não circunscrito ao Município de Camaragibe,

mas uma realidade comum à maior parte das cidades mais desenvolvidas do país,

torna-se um problema vinculado às formas de desenvolvimento urbano que vêm se

forjando nas últimas décadas, deslocando o foco de discussões sobre a origem

desses eventos do espaço municipal para o cenário macro da realidade brasileira.

As proporções que esses eventos assumem no país é assustadora e as

características da "clientela" atingida nos remete a repensar sobre a influência do se

pertencer a determinada classe social no país como pretensa inclusão em grupos

de risco de se morrer por homicídios. Torna-se, portanto, imperiosa a discussão

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sobre a favor de que causas esses eventos estariam "gritando", tanto pelo sentido

de cidadania que nos faz indignar diante do número de vidas perdidas, como pelo

compromisso de partir da indignação para a discussão do problema, refletindo sobre

as suas possíveis origens e buscando alternativas para a sua minimização.

Partindo da hipótese de que as profundas desigualdades sociais

brasileiras estariam contribuindo para o aumento do número de crimes violentos,

inclusive dos homicídios, nos remetemos à leitura e às explicações dos vários

autores sobre os mecanismos de causação desses eventos.

Assim, no capítulo 1, "Homicídios em Camaragibe: expressão mínima

de uma macro violência", fazemos referência ao problema das mortes por

homicídios como forma de exacerbação da violência no país. A situação do

município de Camaragibe também é vista nesse capítulo, como expressão micro

dessa violência, contemplando-se os dados quantitativos desses eventos no

município, comparando-os com os dados regionais e nacionais. No capítulo 2, "As

possíveis causas dos crimes violentos em especial dos homicídios", discorremos

sobre as opiniões divergentes de vários autores, como Misse, Zaluar e Ratton, que

tentam dismistificar a suposta relação da pobreza com a criminalidade, que ainda

hoje norteia as práticas de combate à violência pelos órgãos repressores oficiais.

Esses autores sugerem a implementação de políticas retributivas ou dissuasórias no --combate à violência, ao contrário de outros como Minayo, Sousa e Pinheiro, que

são a favor de políticas distributivas de ampliação dos canais de acesso aos bens

públicos, às instâncias governamentais e 'a Justiça como condições imprescindíveis

para a minimização dos crimes violentos no país. Finalmente fazemos comentários

sobre as divergências e tecemos as considerações finais, propondo sugestões que

poderão ser implementadas a nível local, sem, no entanto, que se perca a influência

do nível macro na condução e na persistência do problema da violência na

sociedade atual.

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Capítulo I - HOMICÍDIOS EM CAMARAGIBE: EXPRESSÃO MÍNIMA DE UMA

MACRO VIOLÊNCIA

Camaragibe foi o campo de estágio da Residência Médica em

Medicina Preventiva e Social do NESC/FESP, tendo a Secretaria de Saúde

oferecido seus departamentos para que os estagiários se inserissem, conforme o

interesse de cada. A Diretoria de Epidemiologia foi o nosso setor de inserção, onde

passamos a entrar em contato com a realidade epidemiológica do município. Ao

estudarmos o seu perfil epidemiológico, nos chamou a atenção o fato das Causas

Externas serem a segunda causa de morte no município. Também nas listagens de

óbitos enviadas do hospital local, o número deles que eram enviados ao IML

sugeriu maiores observações, o que possibilitou a identificação dos homicídios

como a primeira causa de morte dentro das causas externas específicas. O fato nos

remeteu a construção de taxas de mortalidade por homicídios, visando

comparações com outras localidades. As mortalidades proporcionais por homicídios

também foram calculadas, buscando-se identificar os grupos de risco. Vimos que os

Homicídios, nos anos observados, vinham se comportando de forma crescente,

principalmente nas faixas etárias jovens e atingindo preferencialmente indivíduos do

sexo masculino, tornando-se um problema preocupante, uma vez que vítima

indivíduos em idade produtiva, trazendo perdas econômicas e emocionais para as

suas famílias.

Contextualizando geograficamente Camaragibe, o município situa-se

na Região Metropolitana do Recife, a cerca de 14 km dessa cidade, compreendendo

uma área física de 52,9 km2, divididos em cinco regiões administrativas. De acordo

com o Censo Demográfico do IBGE para 1991, a população residente no município

é de 99.407 habitantes, sendo estimada pelo mesmo órgão para 101.248 habitantes

em 1995.

Segundo os dados do IBGE para 1991, 26% da população não tem

instrução ou possui menos de um ano de estudo. O setor comércio constitui a base

da economia do município, representando 69% das atividades, destacando-se os

segmentos de armazéns, mercearias e similares, bancas de revistas e fiteiros e

comércio varejista de bebidas em geral, que, segundo os dados provisórios, é o

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setor que apresenta agora maior crescimento. Das empresas economicamente

ativas no município, 81% se encontram na informalidade, têm como mercado o

próprio município e, como clientela, a população considerada de baixa renda. O

Sistema de Saúde Municipal vem se expandindo nas últimas gestões, com o

Programa de Saúde da Comunidade, englobando o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF}, que

cobrem quase a totalidade do município. O quadro de mortalidade do município se

apresenta compatível com os das cidades desenvolvidas, com o maior número de

óbitos por doenças do aparelho circulatório, seguido do de causas externas.

Dessas, a maior contribuição são as mortes por homicídios, que se apresentam num

crescente, se compararmos a sua evolução nos anos observados, ou seja, 1983,

1991 e 1995.

Na metodologia do nosso trabalho, procuramos analisar os dados

quantitativos da violência no município, comparando-os com os dados de algumas

capitais nordestinas, como também com as taxas nacionais. Os dados acerca dos

óbitos foram coletados pelo Ministério da Saúde, através de listagens fornecidas

pela Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), Instituto de Medicina

Legal do Estado de Permanbuco (IML), Secretaria de Segurança Pública do Estado

de Pernambuco (SSP-PE) e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações

Populares (GAJOP). Os dados de população e de população estimada para 1995

foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e para as de

1983, por interpolação. Os dados foram processados e analisados em termos de

taxas para uma população de 10.000 habitantes, e de mortalidade proporcional

segundo gênero e faixas etárias, sendo apresentados em tabelas e gráficos. Os

dados referentes ao desenvolvimento sócio-econômico de Camaragibe foram

obtidos através de publicação da Fundação de Desenvolvimento da Região

Metropolitana do Recife (FIDEM), sob o título de Monografias Municipais, 18 série,

de 1996 e do trabalho de Diagnóstico Sócio-Econômico e Perfil de Oportunidades

de Investimento para os Municípios, ainda em fase de conclusão, do SEBRAE, para

o Município de Camaragibe. Os gráficos comparativos das outras localidades do

país foram obtidos do texto de Edinilsa R. de Sousa, Homicídios no Brasil: o grande

vilão da Saúde Pública na Década de 80, da publicação "O Impacto da Violência

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Social sobre a Saúde", dos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo

Cruz, vol. 1 O-suplemento 1, 1994.

Pela dificuldade de se obter dados referentes a Camaragibe nos anos

anteriores a 1982, decidimos pela escolha do ano de 1983 para iniciarmos o nosso

trabalho. O motivo se deve ao fato de, até 1982, Camaragibe fazer parte do

Município de São Lourenço da Mata, não constando sequer como distrito no Censo

de 1980. O ano de 1982, quando se deu a emancipação do município, foi

descartado pela dificuldade de se encontrar dados consolidados para o município

anterior. O ano de 1991 foi utilizado por ter sido o ano do Censo Demográfico no

país, permitindo a apreensão de dados mais confiáveis e o ano de 1995 foi

escolhido por ser o último ano em que as informações sobre mortalidade já estão

mais consolidadas, mesmo assim, passíveis de alterações. Como a nossa hipótese

procurava correlacionar positivamente a criminalidade com as desigualdades

sociais do país, pensamos, além de apreender a magnitude dos homicídios no

município, cruzá-los com os dados socio-econômicos que nos parecesse de mais

forte correlação. No entanto, só pudemos obter esses dados para o ano censitário

de 1991 , pelo mesmo motivo acima descrito. Na falta de dados quantitativos que

pudessem reforçar ou não a hipótese, partimos para contrapor o pensamento de

diversos autores sobre as possíveis causas dos comportamentos agressivos que

podem eclodir em mortes por homicídios.

Tentando confrontar a situação das mortes violentas de Camaragibe

com a realidade a nível nacional, pudemos ver que o comportamento dessas

modalidades de morte no pais também apresentavam um crescente nas últimas

décadas, tornando-se um problema de Saúde Pública.

Investigada através dos estudos de mortalidade, pela Classificação

Internacional de Doenças (CID), o código das mortes pertencentes ao grupo das

causas externas vai de E800 e E999, sendo o de homicídios e lesões

intencionalmente infligidas, E960 a E969.

Segundo Minayo (1994), "de 2% da mortalidade geral em 1930, a

violência subiu para 10,5% em 1980; 12,3% em 1988 e 15,3% em 1989", sendo, no

fim da década, a segunda causa de morte no país. As Regiões Metropolitanas são

as mais atingidas por todas as causas de violência e em todas as faixas etárias. A

tendência dos homicídios, no entanto, comparando-se com as outras externas

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específicas, é de franco crescimento, ligando-se este fato ao incremento do uso de

armas de fogo. A seguir, veremos para o Brasil, em 1989, os percentuais para as

principais causas de morte:

Mortalidade Proporcional(*) por Principais Causas, Segundo Sexo. Brasil, 1989

TOTAL

PRINCIPAIS

CAUSAS NO

Aparelho Circulatório 228.432

Causas Externas 102.000

Neoplasias 80.568

Aparelho Respiratório 65.952

Doenças Infecciosas e 44.900

Parasitárias

Demais Causas 142.986

(*) Excluem-se as causas mal-defimdas

Fonte: MS/CENEPI, (1980/1989)

%

34

15

12

10

7

22

MASCULINO FEMININO

No % NO %

122.997 31 105.236 39

84.504 21 17.385 7

43.789 11 36.743 14

38.424 10 27.456 10

26.542 7 18.305 7

81.725 20 60.844 23

Os homicídios no Brasil cresceram de 1980 para 1988,

correspondendo a 22% das mortes por causas externas, tendo taxas variadas entre

sexo e faixa etária, sendo a faixa de 20 a 39 anos a mais atingida, como também o

sexo masculino, conforme podemos ver a seguir:

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Mortalidade Proporcional (*) por Homicídios, Segundo Sexo e Faixas Etárias.

Brasil,1988

IDADE TOTAL

(em anos)

NO %

0-4 136 0,82

5-9 90 0,52

10-14 265 1,69

15-19 2.931 20,82

20-29 8.843 35,08

30-39 5.592 29,74

40-49 2.723 21,64

50-59 1.281 14,56

SOe+ 848 9,00

(*) Taxas por 100.000 habitantes

Fonte: MS/Cenepi, (1980/1989)

MASCULINO FEMININO ÍNDICE

NO % NO % M/F

65 0,78 71 0,87 1

52 0,60 38 0,45 1

209 2,66 56 0,71 4

2.678 38,16 253 3,58 11

8.197 66,14 645 5,03 13

5.130 55,75 459 4,78 12

2.481 40,14 241 3,76 11

1.181 27,79 100 2,20 13

745 17,08 103 2,04 8

A proporção das mortes por homicídios em relação às causas externas

nas capitais da Região Nordeste, destaca Recife como a de maior expressão,

chegando, em 1989, a alcançar 45,8% de todos os óbitos dessa categoria, conforme

tabela a seguir:

Mortalidade Proporcional por Homicídios, Segundo Capitais de Regiões

Metropolitanas e Brasil, 1980 à 1989

CAPITAIS 1980 1981

Fortaleza 28,00 29,1

Recife 24,7 30,8

Salvador 2,3 3,1

Brasil 20,1 21,1

Fonte: MS/Cenep1, (198011989)

(*) Exclui sexo e idade ignorados

1982 1983

28,4 33,3

32,2 34,5

12,1 2,9

21,0 22,2

1984 1985 1986 1987 1988 1989

35,1 32,7 33,0 26,8 26,2 34,3

36,9 39,1 35,6 39,2 37,8 45,8

8,7 9,2 4,3 10,0 17,5 22,0

23,8 22,9 21,2 24,5 24,1 -

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Camaragibe acompanha a tendência das capitais das regiões

metropolitanas, uma vez que se avizinha de Recife, sofrendo sua influência, tendo,

porém a situação agravada por não possuir os mesmos recursos econômicos nem

de repressão à violência dessa cidade. Comparando-se as taxas de mortalidade

geral com as de morte por causas externas e por homicídios, teremos:

Taxas* de Mortalidade Geral, por Causas Externas e por Homicídio, Município

de Camaragibe - PE, 1983, 1991 e 1995

50

45

40

35

30

25

20

15

10

5

-o 1983 1991

*Taxa por 10.000 hab.

Fonte: Ministério da Saúde/SES-PE e IBGE

......

1995

-MORTALIDADE GERAL

- MORT. P/CAUS. EXTERNAS

-HOMICÍDIOS

Em relação ao gráfico acima, os dados demonstram que a taxa mais

baixa de mortalidade geral para o município foi observada em 1995. As taxas de

mortalidade por causas externas mostram valores crescentes, de 4, 7 em 1983, para

8,4 em 1995. Os óbitos por homicídios apresentam crescimento gradual, passando

de 1 ,3 em 1983 para 2,5 em 1991 e para 4,2 em 1995.

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~.

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Observando a proporção de óbitos por causas externas para cada

faixa etária, vimos que elas se apresentam num crescente, de 1983 para 1995, nas

faixas jovens, principalmente na de 20 à 29 anos. Dentre as causas externas

específicas, as mais importantes podem ser verificadas, por faixa etária, na tabela a

seguir:

Mortalidade Proporcional por Causas Externas Específicas, por Faixas Etárias,

Camaragibe- PE, 1995

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O comportamento das mortes por homicídios no município apresenta­

se crescente dos anos de 1983 até 1995, como podemos observar no gráfico

abaixo:

Mortalidade Proporcional por Homicídio em Relação ao Total de Óbito,

Segundo Faixa Etária, Município de Camaragibe- PE, 1983, 1991 E 1995.

60.-------------------~------------------~

50

40

30

20

-+-1983 -11-1991 --{~1995

0~~--~---4----~----~~~~~~

1-14 15-19 20-29 30-39 40-49 50--69 70e+

As mortes por homicídios acompanham o mesmo perfil de crescimento

das mortes por causas externas, uma vez que são as mais frequentes nesta

categoria. As faixas etárias de risco, as mesmas das causas externas, sendo a de

20 à 29 anos a mais importante e com o maior aumento no período de 1991 à 1995.

As faixas etárias vizinhas, de 15 à 19 anos e de 30 à 39 anos, também sofrem uma

elevação notável, a primeira de 1983 para 1991 e a segunda, de 1991 para 1995,

indicando um "alargamento" no grupo de risco de mortes por homicídios em jovens e

adultos jovens. Buscou-se identificar o evento quanto ao gênero obtendo-se os

valores abaixo:

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~.

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18

Mortalidade Proporcional por Homicídio em Relação aos Óbitos Totais,

Segundo Sexo*, Município de Camaragibe- PE, 1983, 1991 E 1995.

1983 1991 1995

Fonte: Ministério da Saúde/SES-PE

* exclui sexo ignorado

Fica comprovada a ocorrência predominante de homicídios no sexo

masculino, ocorrendo no sexo feminino só no ano 1991, dos três anos observados,

e compreendendo apenas 8% dos óbitos totais femininos.

Ao se observar o grupo de maior risco para as mortes por homicídios

em Camaragibe, a população jovem e de adulto jovem masculina é

predominantemente atingida, tendo os valores proporcionais dos eventos de

homicídio crescido de 4,8 para 17,5 de 1983 até 1995 nesse grupo. É importante

ressaltar que o evento atinge indivíduos em fase de vida produtiva, trazendo

prejuízo no setor trabalho, saúde e qualidade de vida.

Além dos dados quantitativos em relação às mortes por homicídios no

município, buscamos em outras fontes, verificar as demais condições em que esses

eventos ocorrem. Segundo os dados do GAJOP, o domingo é o dia de eleição para

a maior freqüência dos casos de homicídios, coincidindo com a existência das

situações de lazer, onde há maior aglomeração de jovens e adultos jovens,

principalmente os do sexo masculino, reunidos em bares e esquinas, submetendo-

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se à situações de embriaguez e sujeitos às discórdias e violências decorridas

dessas situações,

Excluindo os homicídios por conflitos interpessoais, que são os mais

freqüentes, os homicídios decorrentes de ação de grupos de extermínio estão em

segundo lugar nas ocorrências, implicando num olhar mais cuidadoso por parte do

setores ligados à segurança pública, no sentido de identificar se esses grupos estão

associados ao narcotráfico, ou se incluem, também, elementos do próprio aparato

policial, instituindo a justiça pelas próprias mãos.

Os conflitos interpessoais são os que apresentam maior percentual de

freqüência, demonstrando que o nível de relações entre os cidadãos precisa ser

trabalhado, no sentido de reverter as diferenças, utilizando-se a fala em vez da

ação, trabalho de base a ser implementado pela família e pelos setores de

educação, visando desenvolver o sentido de respeito pela vida e de cidadania entre

a população.

Os homicídios cometidos por armas de fogo consistem na quase

totalidade das formas desses eventos(86%), sugerindo medidas de desarmamento

da população, providência já experimentada em outras localidades, com resultados

bastante positivos e imediatos.

A via pública constitui o cenário principal das ocorrências de mortes

por homicídios, uma vez que a fuga do agressor é facilitada neste local e também,

por esses eventos ocorrerem, em grande parte, na saída dos locais de lazer.

Seguem-se os homicídios nas residências, normalmente causados por motivos

banais, mas que trazem no seu cerne a culminância de problemas de desajustes

nos relacionamentos entre os entes familiares.

A falta de providências pelas instâncias competentes em relação às

mortes por homicídios implica em acentuada omissão (82,02%), levando a uma

situação de impunidade, encorajando as repetições desses atos e aumentando a

violência no município. As aberturas de inquéritos e as prisões dos acusados são

em números irrisórios, se comparadas às freqüências dos mesmos, sendo a

instância policial a que mais atua na resolução do problema. Estão nas mãos da

polícia e não da justiça, as providências a serem tomadas nesses casos, podendo

acarretar abusos de poder como os grupos de extermínio.

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20

O combate à violência não pode ser implementado apenas com o

trabalho realizado sobre as expressões finais desta. Requer que sejam devidamente

avaliadas as possíveis causas desses eventos, colocando-as em associação com

as políticas de segurança, econômicas, de educação , de saúde e sociais vigentes

no país e no município, sendo um trabalho que exige uma articulação intersetorial,

multiprofissional e interdisciplinar, não centrada apenas nas instâncias

competentes, mas tendo a participação e o aval de toda a sociedade.

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Capítulo 2

AS POSSÍVEIS CAUSAS DOS CRIMES VIOLENTOS, EM ESPECIAL, DOS

HOMICÍDIOS

Inúmeras são as possíveis explicações para a origem da criminalidade,

fruto do não refreamento dos componentes emocionais agressivos e de sua

condução para atos não socialmente aceitos. A agressividade é uma característica

inerente à espécie humana, sendo, inclusive, imprescindível ao sujeito na luta pela

sobrevivência. No entanto, a exacerbação da agressividade para a violência põe em

risco a capacidade dos indivíduos conviverem em grupos sem se eliminarem uns

aos outros e de construírem, de forma pacífica, projetos consensuais.

Explicações de como essa agressividade foi modelada pelos grupos

sociais em prol da civilização foram formuladas por vários autores. Dentre os

clássicos, Hobbes e demais contratualistas, elegiam a formação do Estado como

instância reguladora da violência entre os homens, e Freud, com a construção da

teoria psicanalítica, explica pela subjetividade, a renúncia aos impulsos violentos a

favor de construções conjuntas e pacíficas. No entanto, nem só os teóricos ligados à

formalidade científica são capazes de inferir suposições acerca da origem da

violência. A cultura popular também faz construções sobre as suas causas,

buscando nas relações entre os indivíduos e entre eles e as instituições formais e

informais, criar representações sociais sobre a origem da violência. Essas

construções do imaginário popular, no entanto, muitas vezes tendem a culpabilizar

certos segmentos da sociedade, através de generalizações ou de manipulações

propositais desse imaginário pelos grupos que exercem o poder na sociedade. A

condução das políticas públicas no país tem o Estado como co-autor de muitas

dessas representações socais, que, na maioria das vezes, estigmatizam certos

segmentos da sociedade, gerando "equívocos" de interpretação na compreensão

dos seus papéis e de suas características .. Assim, é que Misse (1995), aborda, por

exemplo, a suposta correlação positiva entre negros e criminalidade no Brasil. A

"tese" que defende essa a$sociação não tem defensor identificado e se calca nas

estratégias de resistência dos quilombos e depois, na forma como os negros se

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vindos dos latifúndios rurais, nas cidades, foi pautada por práticas vistas como

violentas pela população. Na falta de moradia, eles se aglomeravam em cortiços

onde, na preservação da sua cultura pelos ritos afros, prática da capoeira e, depois,

pelo surgimento de ritmos como o samba, essas expressões, juntamente com os

episódios de violência que surgiam quando de suas práticas, vincularam os negros

como possuidores inatos de uma "vocação" para o crime.

Com a República e as reformas urbanas, os cortiços foram eliminados

e sua população foi impelida para a construção de favelas na periferia da cidade.

Por não terem facilidade de se inserir no mercado de trabalho, eram considerados

vadios, e por não possuírem carteira de trabalho, documento de grande validade na

época, não eram conceituados de trabalhadores. Pobres e sem acesso à educação,

quando envolvidos em comportamentos socialmente inadequados, eram geralmente

"presos para averiguações". Elegia-se a polícia e não a educação como forma de

impor moral na sociedade. A relevância, na época, dos testemunhos de terceiros,

deixavam esses negros às expensas das interpretações tendenciosas que eram

lavradas nos livros de ocorrências, sem que eles, por serem analfabetos, tivessem

acesso ao seu conteúdo. A partir daí, legitimou-se a prática da culpabilização dos

negros pelos eventos de violência, atribuindo à raça o que, na verdade, estava nas

condições de inserção na sociedade. Formou-se, assim, uma representação social

difícil de ser desconstruída, abstraindo-se o papel do Estado na sua formulação e

imputando à vítima o peso social quanto à criminalidade.

Segundo o mesmo autor, também em relação ao migrante rural,

geralmente nortista ou nordestino, inadaptado às grandes cidades, em condições de

miséria, isolados dos vínculos comunitários e em funções desqualificadas, são

criadas correlações positivas com a criminalidade. Contra essa "tese", que é

possivelmente oriunda do imaginário social, Misse argumenta mostrando as baixas

taxas de crimes violentos observadas na maioria dos estados de origem desses

migrantes. Estaria, então, nas "condições sociais de recepção", e não nas

características dos locais de origem destes, o seu possível envolvimento nos crimes

violentos, que, mesmo assim, não são confirmados pelas estatísticas. Nelas,

verifica-se que, nem a maioria dos nordestinos imigrantes é criminosa, nem está

presente em maior proporção entre os detentos nos presídios.

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------,

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23

Outra tendência usual apontada pelo autor é a de correlacionar

positivamente o bandido das classes urbanas pobres com a figura de herói e

justiceiro, um tipo Robin Hood, que faz uma distribuição mais justa dos bens

materiais circulantes, tirando dos ricos e dando aos pobres. Também de autoria

desconhecida, essa visão foi criada antes do evento do "crime organizado", quando

figuras com comportamentos ilegais como os "bicheiros" e os "malandros" eram

vistos pela sociedade com mais complacência e até com uma ponta de poesia. Na

ótica atual, no entanto, esse conceito tem difusão pela procura de legitimidade da

dominação e da autonomia pelos grupos de narcotráfico. Segundo o autor, não se

pode negar, porém, que na falta de atuação do Estado frente aos segmentos menos

favorecidos da população, os chefes desses grupos se apropriem desse espaço

vazio e promovam uma "proteção" dessas áreas, conseguindo assim, o controle

político sobre elas, seja através da força e da violência, seja pelas relações sociais

travadas a favor de sua legitimação.Neste caso, o Estado cede o espaço que

deveria estar normatizado pelas leis, de consenso democrático, para as mãos de

grupos que forjam, conforme os seus valores e interesses próprios, o que será

imposto como "lei". No entanto, a correlação desses grupos com uma possível

redistribuição de riquezas é falsa.Num país que tem a segunda maior concentração

de renda do mundo, a ação do" crime organizado", segundo Edinilsa de Souza

(1995), ao contrário de dispersar riquezas, contribui para a sua maior concentração.

Utilizando um exército de mão-de-obra barata, exposta a riscos de vida e de

invalidez, sem a cobertura de qualquer programa de seguridade e sem arcar com

nenhuma obrigação social, estes grupos contribuem apenas para enriquecer a si

mesmos, aumentando a concentração de renda já tão alta no pais.

A correlação positiva mais instigante e polêmica, porém, é a que se faz

entre pobreza e criminalidade. Misse reflete sobre o equívoco que é essa

associação, defendida por muitos autores e também atribuída como personagem do

imaginário social sobre a pobreza. Assim é que Luciano Oliveira (1994), afirma que

"o aumento das desigualdades sociais empurraria para o crime cada vez mais

indivíduos incapacitados de atingir suas necessidades mínimas de sobrevivência".

Também Paulo Sérgio Pinheiro et alii (1994), reitera a opinião acima, culpando a

recessão, o desemprego estrutural e as disparidades sociais como promovedores

da exarcebação da criminalidade entre os setores mais pobres da população, "não

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lhes deixando nenhum espaço, a não ser o caminho da violência e das atividades

ilegais". Da mesma forma, Minayo & Sousa (1994), afirmam que a criminalidade tem

que ser analisada a partir da violência estrutural. Aponta-a como consequência da

falência das instituições "totais" de assistência e recuperação de menores, na

consolidação da organização do crime e no aumento da pobreza e da miséria

urbana, principalmente na população em idade produtiva e da infanto-juvenil,

imposta ao trabalho pela necessidade de sobrevivência. Afirmam que "todos esses

fatores se inter-relacionam sinergicamente com a violência estrutural das extremas

desigualdades e com as mudanças de valores e visão das novas gerações em

relação às elites, à pobreza, à riqueza, aos bens de consumo e à própria felicidade".

Reiterando a opinião dos autores acima citados, Carvalho (1995),

chama a atenção para o padrão autoritário de modernização do país, com "a

escalada da pobreza e os níveis de desigualdades que resultaram do descaso do

Estado em implementar políticas distributivas mais progressivas ao longo do

período de crescimento econômico" como sendo o precursor das situações de

conflito ora vivenciadas na sociedade. A autora afirma que o privatismo "congênito"

das políticas do Estado estreitou a dimensão da cidade quanto a promoção de

espaço de vida digno para os seus cidadões. Chama de "cidade escassa" à pouca

capacidade da cidade para articular os apetites sociais à vida política organizada e

aos baixos níveis de cidadania da população.

As explicações acima, ainda persistentes nos meios acadêmicos e

entre os formuladores de políticas públicas, reforçam a correlação positiva entre

pobreza e criminalidade. Reportando-se ao que se coloca como pressupostos para

a correlação positiva entre pobreza e crime, Ratton (1996), observa nos autores

acima, a falta de dados que comprovem a suposta associação positiva entre

exclusão do mercado de trabalho, pobreza e violência. Contrapõe à suposta

associação, dados apresentados por Edmundo Campos Coelho (1988), em relação

à crise e recessão econômica no Rio de Janeiro, entre 1980 e 1983, como também

em semelhante situação em São Paulo, entre 1981 e 1982. Ao contrário do que se

esperaria pelas asserções dos autores que vinculam pobreza à criminalidade, nas

situações acima referidas não houve aumento, e sim, diminuição dos níveis de

criminalidade nos locais e datas referidos.

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Comportamento contra essa possível associação também é citado em

relação aos Estados Unidos e Europa, nas décadas de 60 e 70, onde o decréscimo

no nível de desemprego e o maior crescimento econômico desencadearam o

aumento do nível de criminalidade nesses locais. O autor ressalta, para explicar o

fato, que o aumento de mercadorias e de dinheiro circulantes nos períodos mais

prósperos, incitam a emergência de crimes violentos, por provocarem maior

aglomeração das pessoas que estão trabalhando nos espaços, acarretando maior

possibilidade de se gerar discórdias, assaltos, latrocínios e outros eventos de

violência. Ao contrário, em situações de desemprego, os indivíduos tendem a se

ampararem com suas famílias, permanecendo mais em seus lares por busca de

sobrevivência ou em situações de lazer.

Ratton adverte para o perigo da "criminalização da marginalidade",

provocada pela maior exposição das classes pobres aos mecanismos repressores

oficiais das instância policiais e judiciárias. Os indivíduos de extrato social mais alto,

além de não serem tão assediados pelas organizações de controle social, a maior

parte das vezes tornam os seus crimes impunes através do pagamento de fianças e

de subordinação das autoridades. Impossibilitados de usar essas armas, os mais

pobres são submetidos ao encarceramento. Ratton também ressalta o número maior

de comportamentos criminosos entre os trabalhadores do setor secundário, ou seja,

os de ocupações menos especializadas e valorizadas pelo mercado, dada à

instabilidade nos empregos. Esta rotatividade não propiciaria o desenvolvimento de

laços fortes de amizade nos locais de trabalho. Esses indivíduos se relacionariam

mais com a vizinhança, em relações que ele chama de "situações de companhia",

mais fáceis de serem alvo de discórdias e conflitos e de levarem a crimes violentos.

Esta seria uma situação que, segundo o autor em questão, falaria a favor da

correlação positiva entre pobreza e criminalidade. Não rejeitando a possibilidade da

estrutura social, interferindo na diferenciação dos níveis de riqueza entre os

indivíduos, colaborar com o aumento da criminalidade, Ratton observa que,

principalmente para certos crimes como os homicídios, essas associações são

fracas ou, simplesmente, não existem. Estariam mais associadas as categorias de

crimes contra a propriedade, para os quais os homicídios não encontram tanta

representatividade.

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26

Em relação à afirmativa de Paulo Sérgio Pinheiro et alii de que não

resta nenhuma opção aos pobres, senão o caminho da violência, Ratton contrapõe

o fato de que, se isso realmente se observasse, a maioria dos pobres seria

criminosa, o que não é verdade. Ressalta, também, que nenhuma situação social,

por mais difícil que seja, deixa apenas um espaço como alternativa de solução. O

autor termina suas considerações ressaltando a importância de se discernir bem

possíveis correlações entre fatos e condições que os provocam, com vistas a

formulação de diagnósticos mais precisos das situações, evitando a construção ou

manutenção de estereótipos que prejudicam a implementação de ações voltadas

para a minimização do problema da criminalidade.

2.1 - Comentários

Ao considerarmos as abordagens, muitas vezes divergentes, dos

autores acerca das causas da violência, não podemos deixar de contemplar

algumas questões que estão envolvidas, mas nem sempre percebidas, quando se

tenta explicar a criminalidade.

Quando, por exemplo, é refutada a associação pobreza x

criminalidade, usando o argumento da falta de dados que a comprovem, não

podemos deixar de pontuar alguns fatores que podem, mesmo através dos dados,

mascarar a realidade sobre a situação dos crimes, principalmente os de homicídios.

Apontamos de início para a dificuldade metodológica na coleta de

dados sobre violência. Primeiro, o Estado não dispõe de um sistema de estatísticas

criminais, tendo que se consultar fontes alternativas como o Sistema de

Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, no capítulo de

Causas Externas, para poder se acessar os homicídios e os dados básicos em

relação à vítima e à forma como se deu a "causa mortis". Em relação ao SIM, os

sub-registros dos homicídios é preocupante, e se tem trabalhado muito para a

melhoria dos dados desses eventos. No entanto, a coleta dos dados e o

preenchimento adequado das Declarações de Óbito (DOs), instrumento oficial do

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27

registro das mortes no país, se deparam com as dificuldades inerentes às práticas

ilegais instituídas na sociedade.

Assim, muitos homicídios ficam desvinculados das estatísticas por

terem sido cometidos por grupos de extermínio, que dão sumiço aos corpos,

enterrando-os em cemitérios clandestinos ou usando outros artifícios para o seu

desaparecimento. Também existe a coerção, até com risco de vida, sobre os

médicos que atestam o óbito. Eles sofrem, principalmente no interior do Estado,

pressões para não atestar o homicídio como tal, por serem ameaçados pelos seus

autores, que não querem a abertura de processos. Às vezes, até mesmo pelas

próprias famílias do morto, essas pressões se fazem presentes, já que, muitas

vezes, elas perdem o recebimento de seguros de vida quando é confirmado o

homicídio. Para escapar desses problemas, é muito comum que nas DOs, os

médicos façam constar termos como "parada cárdio-respiratória", "choque

hipovolêmico", e outros, que na realidade "escondem" casos de homicídio. As

Afecções, Sintomas e Sinais Mal Definidos (ASSMD), também é uma categoria que

traz embutida grande quantidade de homicídios, além de ter grande

representatividade entre o elenco das restantes causas de óbito. Também a

categoria "lesões ignoradas", no SIM, impede que se identifique, entre elas, as que

são lesões acidentais das que são lesões intencionalmente infligidas, como os

homicídios, sendo outro fator que implica em sub-registro desses eventos. Se

considerarmos, porém, os casos de lesões corporais obtidas pelo Instituto de

Medicina Legal (IML), podemos ter uma idéia do quanto essas práticas podem

evoluir para crimes de homicídios, como também do quanto elas podem ser

mascaradas pela conceituação de lesões ignoradas.

Em se falando da possível correlação pobreza x criminalidade, e sendo

os crimes contra a propriedade mais relacionados com situações de desigualdade

social e luta pela sobrevivência, o banco de dados do SIM não discrimina o crime

por latrocínio (roubo seguido de morte), dos restantes dos homicídios, agrupando-os

no mesmo sub-capítulo, impedindo, assim, que se conheça suas reais dimensões e

se possa, então, fazer uma correlação mais confiável entre as duas categorias.

Mesmo assim, reduziríamos apenas a roubos a correlação da pobreza com a

criminalidade, rechaçando outras variáveis que interferem a favor das

desigualdades como geradoras de violência, como o aliciamento de jovens pelos

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grupos de narcotráfico, prática que os expõem a grande risco de vida, e em sua

defesa, à possibilidade, também de cometer homicídios.

As DOs, também não contemplam dados que ampliem o conhecimento

sobre essas mortes, omitindo detalhes sobre as condições sócio-econômicas da

vitima e do agressor, causa que motivou o crime, condições físicas e emocionais no

momento, como o a1coolismo ou distúrbios psíquicos do agressor e demais dados

que seriam relevantes para a melhor compreensão do evento. Mais recentemente,

entidades como o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares

(Gajop), vem se preocupando com os dados acima referidos, porém o seu banco de

dados é relativamente novo, datando de 1992, e, como os dados são coletados

através da Imprensa, pela veiculação das noticias nos dois maiores jornais do

Estado, seus dados não coincidem com os divulgados oficialmente pelo SIM.

Os dados sobre homicídios também são "diluídos" em relação aos

denominadores, uma vez que a população de risco neles considerada apresenta

diferentes graus de exposição ao evento, o que faz os resultados não contemplarem

as situações particulares de determinados espaços como redutos de violência. Seria

necessário que se construíssem indicadores baseados em estudos de

georeferenciamento, que pudessem apreender a realidade dos espaços

heterogêneos para que esses dados pudessem ser mais confiáveis, principalmente

nos estudos de correlação da pobreza com a criminalidade.

Em relação à comparação de espaços homogêneos, temos uma

publicação da Folha de São Paulo, jornal de grande circulação nesse Estado, e

publicada em Caderno Especial no Domingo, 03 de março de 1996. Nessa

reportagem é mostrada a comparação entre dois bairros relativamente homogêneos

em seus espaços particulares mas apresentando grande discrepância em relação à

sua realidade sócio-econômicas. Assim, o bairro de Jardim Ângela, considerado

com níveis elevados de pobreza e o bairro de Perdizes, habitado pela classe mais

favorecida, foram comparados em relação aos níveis de violência, saneamento,

habitação, cobertura policial, etc., considerando-se os percentuais de morte por

homicídios, a mortalidade infantil e outros, revelando em seus resultados uma

associação positiva entre pobreza e criminalidade.

A diminuição dos crimes. violentos em épocas de recessão e o seu

respectivo aumento quando a superação da crise econômica, é explicada por

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alguns autores como uma resposta esperada, uma vez que na época da recessão a

sociedade, incluindo as classes mais pobres, ainda conseguem se manter

razoavelmente com a estrutura da fase econômica anterior. A recessão, no entanto,

com seus efeitos de desemprego e poucas oportunidades legais de sobrevivência,

viria desestruturar o pouco equilíbrio mantido, fazendo com que as expressões de

comportamentos violentos só viessem a eclodir no momento subsequente. Ainda em

relação à questão, o comportamento dos homens brasileiros, as maiores vítimas da

violência no país, que pela própria cultura dos valores considerados viris, quando

em situação de desemprego, não se protegem dentro dos seus lares. Pelo contrário,

os lares, considerados redutos femininos, são evitados, elegendo-se os bares como

refúgio, reforçado pela ingestão de bebidas alcoólicas, sendo esse contexto o palco

ideal para o surgimento das situações de conflito e possíveis crimes violentos.

É preciso, pois, ficar bastante atento às explicações das possíveis

formas como surgem as situações de conflito que podem suscitar crimes violentos,

uma vez que muitas dessas explicações não se conectam com os comportamentos

culturalmente instituídos em certas sociedade, havendo o risco de generalizações

que não se aplicam a determinada classe social, gênero ou lugar.

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30

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A condução de políticas de combate à violência, na ampla

possibilidade de pensamento instituída pela democracia, convive com a contradição

quanto ao momento e a forma como esses eventos devam sofrer intervenção. Surge

assim, até o momento, uma dicotomia em relação às políticas de eleição na busca

de minimizar a crescente onda de violência que ora se observa no país. Por um

lado, as políticas ditas retributivas ou institucionalistas são eleitas como as mais

econômicas e como as que promovem respostas mais rápidas no meio social. Seus

defensores acreditam que a ausência, insuficiência ou a ineficiência do Estado

como legítimo promovedor da proteção e da ordem na população, vem suscitando a

criação de um "espaço vazio", principalmente junto às classes mais pobres,

ocupado, então, pelos segmentos privados, pertencentes ou não ao crime

organizado, que promovem a ordem conforme seu próprio julgamento e poder. Para

evitar essa subversão de forças, que geram comportamentos não aceitáveis

socialmente, ilegais e até criminosos, a aplicação de medidas dissuasórias pelo

aparato policial e judiciário seria a melhor solução para limitar, de imediato, a

eclosão dos eventos de violência da nossa vida urbana, que persistem por causa da

impunidade. Em relação à aplicação dessas políticas, necessário se faz que se

observem certos aspectos singulares da nossa história e da nossa cultura, para que

se dê o real valor a esse tipo de intervenção. Primeiro, por tudo o que vimos em

relação aos valores instituídos pelos vários segmentos que compõem o aparelho

repressor do Estado, ficou clara a introjeção dos valores que a polícia e a justiça

fizeram historicamente em relação à classe pobre, ou seja, a verdadeira

criminalização da marginalidade. Desconstruir esse imaginário é um trabalho a

longo prazo, que implica em mudanças de subjetividade . Só a ação de uma base

educacional muito forte e de mudanças radicais em relação às a~es políticas a

favor das classes menos favorecidas poderiam reverter o que já foi cristªJ.tzado. É '---,.~----~··""'~-,_.~-~--~~~·w·.-~·-,,,. ··~_.-,,,--_,._ - -'' . •' •= .. ,,,, __ ,_, . ., '----~~-- .,,,. ,, ""'·'-"'"''"'

muito pouco provável que isso aconteça, com os valores cultuados atualmente pela

sociedade de consumo, que vê essas mudanças como "gastos" e não como

"investimento". As próprias regras que pautam o regulamento dos policiais são

alijadas de qualquer sentido de cidadania : como entender e respeitar no outro o

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que não se vê aplicado à própria vida? Segundo, o aparato judiciário e policial do

país teria que ser ampliado "ad infinitum", uma vez que seriam as únicas instâncias

promovedoras da interdição dos comportamentos ilegais. Só falando da polícia, o

número de policiais recomendado pelas Organizações da Nações Unidas (ONU), é

de um policial para cada 250 habitantes. São Paulo, cidade mais rica do país, tem

um para 320 hab. e convive com a violência sem controle, promovida ,em parte, por

eles mesmos, policiais. Sem contar com os que estão mal distribuídos, os que estão

excluídos do serviço por férias, licenças de saúde, folga, e os lotados na burocracia,

o contingente necessário para assegurar a segurança da cidade seria enorme. Isso

sem contar com aqueles segmentos que estão envolvidos em atividades ilícitas e

que não estão trabalhando em prol da sociedade, e sim, contra ela. Terceiro, do

judiciário, caso só as políticas retributivas fossem aplicadas, se exigiria uma

agilidade ímpar no encaminhamento dos processos, caso contrário, o sistema

entraria em colapso. A mediação dessas políticas como as de eleição no combate

ao crime, daria continuidade e acirramento ao que já assistimos hoje, ou seja, à

completa desassistência das classes pobres e a atuação da polícia apenas em

prender ou aliciar os que dela derivam para comportamentos ditos escusos. A

mediação de uma outra racionalidade, a melhor distribuição do aparato policial com

o objetivo real de proteção das classes pobres e a melhor atuação da Justiça na

resolução dos processos traria efeitos minimizadores da violência, mas se elas

atuassem não contra a classe marginalizada, como é de costume, e sim, contra os

grupos do crime organizado que dela se beneficiam e, digamos, essa é uma tarefa

"hercúlea", diante do poder dos conluios estabelecidos na complexa rede social.

Seria, inclusive, injusto para com a polícia responsabilizá-la pela contenção de um

problema como o da violência, que cresce em proporções maiores do que o seu

poder de resolução, que se resume apenas no uso da contra-violência. No entanto,

políticas de desarmamento têm oferecido bons resultados quando implementadas.

O uso da polícia em serviços à comunidade também poderiam reverter, com o

tempo, as distâncias até então erigidas.

Em contrapartida, a implementação de políticas distributivas, ou seja,

aquelas que promovem acesso mais igualitário aos bens de consumo coletivo como

um meio naturalmente dissuasório de práticas de violência, fica restrita aos

simpatizantes das formas mais socializantes de vida, não tão populares hoje em dia

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nos grupos de elite que coordenam as ações em prol da segurança dos indivíduos.

O imediatismo da sociedade atual, as intermitências, pela mudanças políticas, dos

projetos que poderiam promover menor desigualdade social, a falta de solidariedade

dos indivíduos entre si, são fruto do que construímos na nossa história. Nunca

tivemos, como nos países mais evoluídos, a convivência com a prática de políticas

distributivas, nem com a construção da cidadania, palavra que só recentemente

passou a fazer parte do nosso discurso político. Assim, estranhamos hoje, passado

o período da ditadura militar, quando "a minha gente falava de lado e olhava pro

chão", que eclodam comportamentos não condizentes com o que foi até então de

consenso. O que temos hoje em termos de violência cotidiana, não são os casos

isolados de perversões ditas congênitas de certos indivíduos. O que vemos é a

expressão final da displicência do Estado, que se hoje se explicita na falta de

cobertura em torno da segurança, fazendo com que parte dos seus cidadãos

rompam com o "contrato", falhou também "ontem" em não implementar melhores

condições de vida para a população, expondo-a ao aliciamento dos grupos

criminosos. A falta ou a ineficiência de instâncias oficiais reguladoras, que forneçam

figuras de identificação com as quais os jovens em formação possam tomar como

exemplo, facilita a ação de elementos do mundo do crime, ajudada pelos valores

ditos viris cultuados na sociedade. Quando o aparato da mídia em vez de fazer

sonhar com possibilidades, leva a sentimentos de impotência, revolta e às

transgressões da lei; quando o sexo sem restrições também não consegue canalizar

a agressividade; quando as religiões "seguram" as loucuras mas não conseguem

mais o efeito da apatia em se esperar um "lugar no céu", até porque ele não tem

valor imobiliário, o único valor legitimado, talvez seja o momento de pensar que a

sociedade está evoluindo e que suas camadas sociais mais vulneráveis estão em

crescente consciência e nível de exigência, demandando políticas mais de acordo

com a dignidade humana. Segundo Fromm (1973), sentimento de impotência tem a

tendência de se transmutar da apatia para a revolta e dessa, para a violência. Seria

de bom senso, na busca de uma sociedade mais sadia, promover situações onde

seus elementos tivessem acesso natural e legal à inserção em instituições

reguladoras de base, tipo a escola. No entanto, uma escola competitiva, de tempo

integral, e não o depósito de crianças pobres que são nossas escolas públicas hoje.

Foi assim que as nações mais desenvolvidas fizeram para que o comportamento

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evoluísse da força dos músculos para a força do intelecto e do diálogo na condução

dos conflitos.

O combate à violência é complexo e requer que sejam implementadas

concomitantemente tanto as ações de políticas retributivas, que deveriam atuar

apenas no resíduo de comportamentos violentos que persistissem na sociedade,

quanto das distributivas, que teriam um papel de prevenção na eclosão da mesma.

Uma sociedade cujo cidadão obtenha a introjeção da lei através do respeito e da

prática de cidadania, pode prescindir da maior parte do aparato repressor policial,

pois ele não transgride a lei por uma questão de consciência e de se saber

protegido por ela e não, pelo medo da punição. Talvez haja a necessidade de

estudos mais particularizados com o objetivo de identificar quais as violências que

são praticadas , por quem e por quê, para que se implementassem, então, ações

focalizadas. O que se torna perigoso e injusto é a ação apenas do aparato policial e

judiciário limitado como o nosso, na busca de solução para um problema de

causalidades tão diversas como o da violência.

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