A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA … · Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e...
Transcript of A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA … · Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e...
A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA
PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
Dedilene Alves de Jesus
Rio de Janeiro Fevereiro/2016
A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA
PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
Dedilene Alves de Jesus
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como requisito para a
obtenção do Título de Doutora em Língua
Portuguesa (Letras Vernáculas).
Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia Leitão de Almeida
Co-Orientadora: Profª Drª Verena Kewitz (USP)
Rio de Janeiro Fevereiro/2016
A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA
PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
Dedilene Alves de Jesus Orientadora: Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida
Co-Orientadora: Professora Doutora Verena Kewitz
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito para
obtenção do título de Doutora em Língua Portuguesa.
Examinada por:
_________________________________________________ Presidente, Profª Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida _________________________________________________ Profª Doutora Verena Kewitz (USP) - Co-Orientadora
_________________________________________________ Profª Doutora Lilian Ferrari – PPGLEF – UFRJ
_________________________________________________ Prof. Doutor Janderson Lemos Souza - PPGL - UNIFESP
_________________________________________________ Profª. Doutora Sandra Pereira Bernardo – UERJ (Suplente)
_________________________________________________ Profª Doutora Mônica Rio Nobre - PPGLEV - UFRJ
_________________________________________________ Prof Doutor José Simões - PPGLE - USP
_______________________________________________________ Prof. Doutor Mauro José Rocha do Nascimento - UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro Fevereiro/2016
A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA EM LÍNGUA
PORTUGUESA: A PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA
Resumo:
O adjetivo privativo foi conceituado por Kamp (1975) como um tipo de adjetivo que
estabelece relações de propriedades para propriedades, isto é, exerce função
modificadora das propriedades intensionais do N. Para identificação do adjetivo
privativo, partimos da disposição de que tal adjetivo é marcado discursivamente pela
paráfrase “o que não é N”, quando associado a um nome ou construção nominal.
Enquadramos o adjetivo privativo nas questões concernentes à modificação
adjetival, amparados em estudos descritivos do português e da Linguística
Cognitiva, no intuito de identificarmos os traços característicos da construção
modificada privativa. Além disso, procuramos vincular a noção de propriedades
intensionais ao conceito de affordance (propriedade invariante do ambiente provida
ao indivíduo), termo emprestado pelas teorias de percepção visual (GIBSON, 1979),
em uma perspectiva corporificada da língua (LAKOFF, 1987). Assim, fizemos uso de
dados coletados pelas ferramentas de busca Google e WebCorp, analisados dentro
dos critérios distribucionais produtivos postulados por Casteleiro (1979) para a
distinção entre adjetivos predicativos e não-predicativos, além da noção de frames e
espaços mentais (FAUCONNIER, 1985) e também do processo de mesclagem
conceptual (FAUCONNIER E TURNER, 2002), para verificarmos as alterações nas
affordances do N em construções A+N/N+A e N+N a partir dos adjetivos falso,
suposto, antigo, provável, possível e postiço.
Palavras-chave: modificação adjetival; adjetivo privativo; mesclagem conceptual;
affordance.
THE MODIFICATION OF PRIVATIVE ADJECTIVES IN THE
PORTUGUESE LANGUAGE: A COGNITIVE LINGUISTIC
PERSPECTIVE
Abstract:
The privative adjective was conceptualized by Kamp (1975) as a type of adjective
which establishes property relations to properties, that is, it exerts a modifying
function in N’s intentional properties. In order to identify privative adjectives, we
depart from the premise that such adjective is discursively marked by the
paraphrase “what is not N”, when associated to a noun or a nominal construction. We
framed the concept of privative adjective in questions concerning the adjective
modification, supported by Portuguese Language and Cognitive Linguistics, aiming at
identifying traits which are characteristic of modified privative constructions.
Furthermore, we attempted to link the notion of intentional properties to the concept
of affordance (an invariable environmental property provided to the individual), a term
borrowed from visual perception theories (GIBSON, 1979), in an embodied
perspective of language (LAKOFF, 1987). Therefore, we made use of data collected
by the search engines Google e WebCorp, which were analyzed under the
productive distributional criteria postulated by Casteleiro (1979) for the distinction
between predicative and non-predicative adjectives. We also used the notion of
frames mental spaces (FAUCONNIER, 1985) and that of the conceptual blending
process (FAUCONNIER E TURNER, 2002), in order to verify the changes in the
affordances of N in constructions A+N/N+A and N+N focusing on the adjectives false,
supposed, former, probable, possible and fake.
Key-words: adjectival modification; privative adjective; conceptual blending;
affordance.
Aos Três.
“Porque Dele e por Ele, para Ele são
todas as coisas. Glória, pois, a Ele
eternamente.”
(Romanos 11.35)
AGRADECIMENTOS
Ao meu Criador e eterno Redentor, por tudo o que me proporcionou nesses
quatro anos de estudo. Sou grata a Deus por cada aprendizado, pelas inúmeras
situações proporcionadas nesse período e por me capacitar para a realização desta
pesquisa.
Ao meu esposo, pela paciência e cumplicidade durante os longos períodos de
estudo, pelo ânimo nos momentos de dificuldade e pela compreensão da
importância desse tempo em minha vida.
À minha querida mãe e ao meu pai (in memorian), pelas orações e pelo amor
dedicados a mim. Por tudo o que eles representam em minha vida, pela dignidade
com que me criaram e por terem me ensinado a romper meus limites e ser
perseverante em tudo.
À minha irmã Sirlene, pelas intermináveis conversas sobre tudo,
principalmente pelas palavras de incentivo em momentos de necessidade.
À Malu, minha orientadora-amiga, que soube me direcionar nesse processo
de elaboração da pesquisa, com quem tenho uma relação de quase dez anos (que
certamente não terminará com o doutorado). Obrigada por confiar em mim, por me
incentivar a ir mais longe, pela forma apaixonada com que lida com as pesquisas
linguísticas e a Linguística Cognitiva, por me transmitir um desejo de me esforçar
cada vez mais.
Ao Carlos Alexandre, meu primeiro contato na UFRJ, pelo carinho, incentivo e
preocupação com a minha vida acadêmica. Agradeço pelo respeito e pelas
parcerias.
À Verena Kewitz, pelas contribuições tão precisas sobre o tema. Sinto-me
honrada em te ter como co-orientadora deste trabalho!
Ao Marcelo Leite, meu primeiro orientador na graduação, por ter me apontado
os caminhos da pós-graduação. Não me esqueço das nossas conversas e da forma
como me ajudou no início da minha vida acadêmica.
Às professoras Sandra Bernardo e Lilian Ferrari, pelas preciosas sugestões
durante a qualificação. Obrigada por compartilharem de forma tão generosa os
conhecimentos sobre o assunto.
Aos colegas nempistas, em especial ao Jorge e à Neide, pelas conversas de
corredor, na salinha e nas redes sociais sobre as affordances. Elas foram muito
importantes para o amadurecimento da pesquisa.
Ao Bruno Ferrari, amigo de longa data, pela generosidade de fazer o abstract
deste trabalho. Valeu, amigo!
À CAPES, pela concessão de bolsa-auxílio nesses dois últimos anos,
essencial para a minha dedicação exclusiva a este trabalho.
Enfim, agradeço aos vários colegas anônimos que em congressos e
simpósios teceram comentários importantes para o avanço nas análises realizadas
nesta pesquisa.
Muito obrigada mesmo!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO I – EMBASAMENTO TEÓRICO 17
1 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O ADJETIVO 17
1.1 O adjetivo em língua inglesa 17
1.2 O adjetivo em língua portuguesa 19
2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL 22
2.1 Modificação adjetival: apresentação 22
2.2 A modificação adjetival nas gramáticas 24
2.3 Estudos linguísticos do português sobre a modificação adjetival 25
2.4 Estudos de Linguística Cognitiva sobre a modificação adjetival 28
3 A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA 33
3.1 O termo PRIVATIVO 33
3.2 O modificador adjetival privativo 34
3.3 Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de
geração de sentidos
35
3.4 Modificação adjetival privativa no viés da Linguística Cognitiva 38
4 CONCEITOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA SUBJACENTES AO
FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
41
4.1 Affordance 41
4.1.1 O conceito de Gibson (1979) 41
4.1.2 O conceito de Lakoff (1987) 43
4.1.3 O conceito de Sweetser (1999) 45
4.1.4 A relação do conceito de affordance com outras teorias cognitivas 46
4.1.5 O conceito de affordance e as propriedades interacionais 49
4.2 Ajuste focal / zonas ativas 50
4.3 Mesclagem conceptual 51
4.4 Contrafactualidade 54
4.5 Relações vitais 55
5 OUTROS CONCEITOS E ABORDAGENS SUBJACENTES AO
FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
58
5.1 Polissemia 58
5.2 Sistemas complexos e Teoria Multissistêmica da Língua 60
6 ESTUDOS ANALÍTICOS DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA 70
6.1 O modelo de Kamp (1975) 70
6.2 O modelo de Franks (1995) 71
6.3 O modelo de Coulson e Fauconnier (1999) 78
6.4 O modelo de Coulson (2001) 81
6.5 Considerações sobre os modelos analíticos
82
CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA E ANÁLISE DE DADOS 84
1 APRESENTAÇÃO 84
2 ANÁLISE PANORÂMICA DO FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL
PRIVATIVA
84
2.1 O corpus WebCorp 85
2.2 Apresentação dos dados do corpus WebCorp 86
2.3 Proposta de análise 89
2.3.1 Posição do adjetivo 89
2.3.2 Tipo de gênero textual 91
2.3.3 Temática 94
2.4 Considerações sobre a análise 98
3 ANÁLISE ESPECÍFICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL
PRIVATIVA EM TEXTOS
100
3.1 O papel do contexto na análise específica das construções privativas 100
3.2 Apresentação dos dados do corpus 101
3.3 Critérios preliminares 104
3.3.1 Tipo de gênero textual 104
3.3.2 Temática 106
3.4 Critérios distribucionais 108
3.4.1 Posição do adjetivo 108
3.4.2 Cadeia referencial 112
3.4.3 Paráfrase 116
3.4.4 Negação 118
3.4.5 Resumo da análise pelos critérios distribucionais 120
3.5 Critérios da Linguística Cognitiva 121
3.5.1 Manutenção das affordances 121
3.5.2 Tipo de mesclagem conceptual 137
3.5.2.1 Antigo/antiga 139
3.5.2.2 Falso/falsa e postiço/postiça 145
3.6.2.3 Suposto/suposta, possível e provável
148
CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DAS
CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS
152
1 O PADRÃO DAS CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS 152
1.1 Construções com antigo/antiga 152
1.2 Construções com falso/falsa 153
1.3 Construções com postiço/postiça 153
1.4 Construções com suposto/suposta 154
1.5 Construções com possível e provável 154
2 QUESTÕES POLISSÊMICAS ENVOLVENDO AS CONSTRUÇÕES
ADJETIVAS PRIVATIVAS
155
3 OS MULTISSISTEMAS ENVOLVIDOS NO FUNCIONAMENTO DAS
CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS
160
CAPÍTULO IV - PALAVRAS FINAIS 161
REFERÊNCIAS 164
ANEXOS
- CORPUS WEBCORP LIVE
- CORPUS GOOGLE
- CADEIAS REFERENCIAIS - CORPUS GOOGLE
LISTA DE ESQUEMAS, FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS
TIPO PÁG.
Esquema 1. Esquema parcial de mesclagem conceptual para a construção “likely candidate”
31
Esquema 2. Representação da mesclagem conceptual 53
Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e sistemas da língua 62
Esquema 4. Representação complexa das estruturas de valor-atributo 72
Esquema 5. Representação do processo de união prioritária 72
Esquema 6. Representação do processo de coerção metonímica do type com refutação
73
Esquema 7. Representação do processo de coerção metonímica do type com corte para baixo
73
Esquema 8. Conceitos lexicais para gun (revólver) 74
Esquema 9. Efeito de fake (operador de coerção metonímica) sobre o AVE de gun
74
Esquema 10. Representação global da negação de traços em fake gun 75
Esquema 11. Representação dos conceitos lexicais de lion e stone 75
Esquema 12. Representação global da modificação adjetival privativa em stone lion (processos de união prioritária e coerção metonímica)
76
Esquema 13. Representação do conceito lexical para friend 77
Esquema 14. Representação do item apparent agindo sobre friend 77
Esquema 16. Desdobramento dos espaços mentais na temporalidade 141
Esquema 17. Mesclagem para ‘antigo’ 144
Esquema 18. Mesclagem ara ‘falso’ e ‘postiço’ 147
Esquema 19. Mesclagem para ‘suposto’, ‘provável’ e ‘possível’ 149
Figura 1. Análise de propriedades ausentes 48
Figura 2. Mesclagem conceptual para trashcan basketball 79
Figura 3. Mesclagem conceptual para fake gun 80
Figura 4. Intenção do ator em fake gun 80
Figura 5. Interface do WebCorp Live 85
Figura 6. Contínuo dos adjetivos privativos - categoria de negação 119
Gráfico 1. Percentual das construções privativas 90
Gráfico 2. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes 92
Gráfico 3. Percentual dos temas mais frequentes nos contextos 96
Gráfico 4. Temas nas notícias 98
Gráfico 5. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes 105
Gráfico 6. Percentual dos temas mais frequentes nos textos 107
Gráfico 7. Percentual das construções privativas nos textos 108
Gráfico 8. Percentual dos elementos nas cadeias referenciais 113
Quadro 1. Classifcação semântica dos adjetivos 34
Quadro 2. A polissemia no mapa conceptual da semântica lexical 59
Tabela 1. Esquema para land yacht, adaptado de Franks (1995) 81
Tabela 2. Representação de integração conceptual para land yacht 82
Tabela 3. Dados do Webcorp 86
Tabela 4. Levantamento dos itens e ocorrência 86-87
Tabelas 5. Gêneros textuais nos contextos da web 91-92
Tabelas 6. Percentual do gênero notícia nas construções 93
Tabelas 7. Temas nos contextos da web 94-95
Tabelas 8. Quantitativo dos temas no gênero notícia 97
Tabela 9. Distribuição dos dados - corpus Google 101-102
Tabelas 10. Gêneros textuais nos contextos 104-105
Tabelas 11. Temas nos textos 106-107
Tabela 12. Percentual da posição do adjetivo 108
Tabela 13. Predomínio dos elementos nas cadeias referenciais 112-113
14
INTRODUÇÃO
A análise da modificação adjetival privativa não é nova nos estudos de
Linguística Cognitiva, doravante LC. Coulson (2001) e Sweetser (1999) já
apontavam para o caráter privativo em algumas modificações adjetivais e as
consequências desse fenômeno em nível de análise linguística. Estamos
considerando como modificação adjetival privativa o tipo de modificação gerada a
partir de adjetivos que se comportam de forma privativa, ou seja, possuem funções
de propriedades para propriedades, em vez de terem caráter atributivo; é o que
ocorre em “leão de pedra” e “revólver falso”, em que observamos o modificador
agindo na alteração das propriedades intensionais dos nomes, o que nos faz atribuir
o sentido de negação a tais construções – em uma interpretação inicial, leão de
pedra não é um leão (animal) e revólver falso não é um revólver (arma).
O termo ‘privativo’, de forma geral, refere-se a um modificador que anula,
nega ou inverte o valor-base de uma palavra. Nos estudos da língua inglesa, a
privatividade abarca desde classes de palavras (como o adjetivo) até formas presas
como os prefixos. Neste trabalho, consideramos adjetivo privativo a categoria de
adjetivo que particulariza o sentido do substantivo, negando ou questionando
propriedades inerentes ou relacionadas a esse escopo, de acordo com o contexto
discursivo em que esteja inserido. Apesar dos estudos da LC sobre essa questão,
em sua maioria verificando construções em inglês, poucos são os estudos em PB
sobre tal aspecto singular do adjetivo. Ao percebermos essa ‘lacuna’ nos estudos
linguísticos brasileiros, buscamos o embasamento teórico necessário que nos
propiciasse uma análise satisfatória do fenômeno ora citado, a partir de
pressupostos básicos da LC, da noção ontológica de affordance, dos tipos de
relações geradas nos esquemas de mesclagem conceptual e das similaridades e
diferenças estabelecidas entre adjetivos predicativos e não-predicativos segundo
critérios distribucionais produtivos. Também nossa preocupação voltou-se para a
posição do adjetivo no SN, uma vez que a tradição gramatical aponta para a ordem
livre como característica dos predicativos e a ordem fixa como um dos traços dos
não-predicativos.
Quando falamos a respeito da modificação adjetival privativa, o que se
entende é que estamos tratando de uma modificação que ocorre a partir de um tipo
15
específico de adjetivo. Sabemos, pela classificação tradicional, que se trata de um
adjetivo não-predicativo e, portanto, deveria apresentar uma ordem fixa no SN. Nos
estudos realizados a partir de construções nominais modificadas, vimos que o
padrão da língua inglesa de anteposição do adjetivo não nos permite explanar sobre
a posição do adjetivo, mas em se tratando do português brasileiro, que tem um
padrão linguístico que admite anteposição e posposição do adjetivo, há que se falar
a respeito disso, uma vez que essa questão é relevante na análise de alguns tipos
de modificação privativa.
A concepção de alteração de sentido associada à colocação dos adjetivos é
bastante divulgada nos trabalhos sobre essa classe. De modo geral, a ideia
apresentada nos compêndios gramaticais é a de que, quando se antepõem, os
adjetivos favorecem uma predicação mais subjetiva do substantivo, ressaltando seus
valores afetivos, como em grande homem, cuja significação é excelente homem.
Nos estudos linguísticos do português a respeito da anteposição do adjetivo
em relação ao nome, o que concluímos é o seguinte:
a) a anteposição não altera o sentido do N - mulher bonita / bonita mulher
b) a anteposição intensifica uma propriedade de N - mulher boa / boa mulher
c) a anteposição gera uma ressignificação de N - homem grande / grande
homem
No caso dos adjetivos privativos, não podemos afirmar que se encaixem
adequadamente em uma das categorias, pois temos tanto 'cílios postiços' quanto
'falsa professora' e 'perfil falso'.
Diante desse quadro, há algumas questões a respeito do comportamento da
modificação adjetival privativa que precisam ser analisadas:
a) Existe um princípio geral que norteia a modificação adjetival privativa?
b) Quais os recursos linguísticos colocados à disposição de tal fenômeno, no
que diz respeito aos aspectos lexicais, semânticos e sintáticos?
c) Os recursos linguísticos aparentes na modificação adjetival privativa
apresentam um mesmo comportamento nas construções?
d) Qual o papel das affordances cognitivas na análise da modificação
adjetival privativa?
16
e) Que tipo de mesclagem conceptual é formada a partir das construções
modificadas privativas?
f) Em que medida o processo de coerção metonímica é essencial na
modificação adjetival privativa?
Inicialmente, apresentamos a conceituação de adjetivo, bem como a
bordagem do sintagma adjetival preposicionado; após, enquadramos a modificação
adjetival nos estudos descritivos/tradicionais e no aporte da Linguística Cognitiva,
tratando da questão da modificação adjetival privativa e suas implicações. A partir
desses embasamentos, debruçamo-nos sobre os conceitos da LC fundamentais
para a análise da modificação adjetival privativa, visando o estabelecimento de um
panorama de adjetivação privativa, a partir de critérios emergentes dos pressupostos
apresentados. Assim, nosso objetivo maior é o de mostrar como ocorre a
modificação adjetival privativa nos contextos discursivos coletados (nas formações
A+N e N+A), para um delineamento em nível multissistêmico (semântico, lexical,
gramatical e discursivo) desse fenômeno no PB.
Assim, dividimos este trabalho em quatro capítulos (I Embasamento Teórico /
II Metodologia de Pesquisa e Análise dos Dados / III Considerações sobre o
comportamento das construções privativas / IV Palavras Finais). No primeiro
capítulo, apresentamos todos os pressupostos necessários para a compreensão do
fenômeno da modificação adjetival - conceituação do adjetivo em língua inglesa e
língua portuguesa, apresentação do fenômeno da modificação adjetival e dos
conceitos de base cognitivista (affordance, predicação relacional, ajuste focal,
mesclagem conceptual, contrafactualidade, relações vitais e polissemia) e
multissistêmica, explanação sobre os estudos analíticos acerca da modificação
adjetiva. No segundo capítulo, apresentamos a metodologia de pesquisa e
realizamos uma análise de dados a partir de dois eixos - um de ordem panorâmica,
para visualizarmos o fenômeno da privatividade de forma genérica; outro de ordem
específica, para tratarmos das questões concernentes ao fenômeno da privatividade
adjetiva a partir de textos. O terceiro capítulo engloba as considerações acerca das
construções privativas, apontando para a descrição do comportamento desses
adjetivos a partir da análise. O quarto e último capítulo busca sumarizar as questões
relativas à modificação adjetival privativa levantadas na introdução deste trabalho.
17
CAPÍTULO I – EMBASAMENTO TEÓRICO
O objetivo deste capítulo é apresentar os embasamentos relacionados ao
adjetivo e à modificação adjetival privativa, buscando conciliar as abordagens
teóricas que tratam dessa questão no viés da Linguística Cognitiva.
1 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE O ADJETIVO
Nosso intuito neste tópico inicial é apresentar a noção de adjetivo que será
abordada nesta pesquisa, a partir dos estudos acerca do tema que se tornaram
pertinentes para a compreensão do adjetivo como operador sobre o escopo.
Apresentamos o conceito de adjetivo em línguas inglesa e portuguesa.
1.1 O adjetivo em língua inglesa
Quirk et al (1985), em sua gramática de língua inglesa, apresenta as classes
de palavras sob uma perspectiva cognitiva, enfatizando a relação semântica
presente nelas. Nomes são considerados estativos, verbos são dinâmicos (indicando
ação, atividade, mudança, processo) e adjetivos relacionam-se ao aspecto estativo
dos nomes por lhes atribuírem propriedades; advérbios, por apresentarem condições
de tempo e lugar, têm implicação dinâmica. Assim, o esquema para tais classes
seria o seguinte:
18
Após essa introdução, os autores apresentam uma sistematização na
categorização dos adjetivos, elencando 4 critérios para se considerar um item como
adjetivo1:
1. Adjetivos podem ocorrer livremente em função atributiva, modificando um
nome e na posição entre o determinante e o núcleo do SN: an ugly
painting (uma pintura feia) / dirty water (água suja)
2. Adjetivos podem ocorrer livremente na função predicativa, como
complemento do sujeito ou do objeto: The painting is ugly. (A pintura está
feia.) / He thought the painting ugly. (Ele acha a pintura feia.)
3. Adjetivos podem ser modificados por um intensificador prototípico: The
children are very happy. (As crianças estão muito felizes.)
4. Adjetivos podem apresentar formas comparativas e superlativas: The
children are happier now. (As crianças estão mais felizes agora.) / They are
happiest people I know. (Elas são as pessoas mais felizes que conheço.)
Também apresentam uma classificação sintática para o adjetivo: atributivo
(intensificador e restritivo) e predicativo. Quanto à posição, apontam a anteposição
como forma usual, mas também mostram a posposição ocorrente em adjetivos
predicativos (something useful / algo útil), como resultado de uma cláusula relativa
reduzida (something that is useful / algo que seja útil) e expressões
institucionalizadas (president elect / presidente eleito).
Kennedy (2012), em capítulo de livro sobre filosofia da linguagem, caracteriza
os adjetivos como “expressões que alteram, iluminam ou ajustam o significado dos
nomes” (p. 328), com a finalidade de permitir ‘gradações melhores’ de sentido do
que são possíveis quando o substantivo se apresenta sozinho, isolado. Para ela, a
classe dos adjetivos dispõe de dois eixos: a) semântico - que introduz
propriedades;b) sintático - capaz de funcionar com modificadores. Pela modificação
e atribuição de propriedades pode-se estudar fenômenos como indefinição,
contextualização, relativização, composicionalidade e modalidade.
A linguista também estabelece algumas propriedades distribucionais do
adjetivo:
1 Obviamente, as construções replicadas neste tópico, exemplos dados pelos autores, possuem contextos discursivos que fazem com que seu uso torne-se mais ou menos convencionalizado. Não há como demonstrarmos esses contextos nesta pesquisa, uma vez que o objetivo desta pesquisa não é a comparação de adjetivos de língua inglesa com os de língua portuguesa.
19
a) É utilizado como termo predicativo: That stone is weighty. (Essa pedra é
pesada.) / That stone weighs a lot. (Essa pedra pesa muito.)
b) Possibilidade de composição direta com palavras gradativas como rather
(um pouco), very (muito), too (demais), so (tão), enough (bastante) e how
(quanto): The country is too dependente on foreign oil. (O país é
dependente demais do petróleo estrangeiro) / *The country too depends on
foreign oil.
c) Possibilidade de adjunção a nomes, de forma recursiva e direta2, na
estruturação de constituintes complexos: a blue ball (uma bola azul) / a
round blue ball (uma bola azul redonda) / a large round blue ball (uma bola
azul redonda grande)
Kennedy segue a classificação menos tradicional dos adjetivos: intersectivos,
subsectivos e não-subsectivos (privativos)3, na máxima de que todo adjetivo
intersectivo é subsectivo, mas nem todo subsectivo é intersectivo. Exemplificando:
red switch (botão vermelho) é intersectivo porque red denota a interseção entre dois
conjuntos (o de objeto e o de cor), ao passo que big man (homem grande) é
subsectivo porque ‘ser grande’ é relativo a uma propriedade, havendo a
consideração de um conjunto de classes de objetos grandes; então, a máxima
replicada por Kennedy estabelece que adjetivos que denotam propriedades dentro
de um conjunto (como big man) não podem ser considerados como aqueles que
denotam interconexões entre conjuntos (como red switch).
1.2 O adjetivo em língua portuguesa
Said Ali (1964) conceitua o adjetivo como um denotador de qualidade,
propriedade, condição ou estado de um respectivo ser, considerando que existem
palavras que se adjungem a substantivos sem denotarem essas caracterizações, às
2 Por 'recursiva e direta' compreendemos a capacidade de um adjetivo adjungir-se a outros em torno do núcleo
de construções N+A/A+N, de forma coerente e sem a presença de elementos conectivos. 3 A classificação tradicional considera o grupo dos intersectivos (em que as propriedades se interconectam a partir de dois conjuntos diferentes) e subsectivos (em que as propriedades fazem parte de um conjunto maior de propriedades, ou seja, big man é parte de um conjunto relativo a coisas grandes).
20
quais ele denomina pronomes adjetivos ou pronomes-adjuntos. Para Rocha Lima
(2008), o adjetivo restringe a significação ampla e genérica do substantivo.
Câmara Jr. (1997, p. 46) define o adjetivo como “palavra de natureza a)
nominal ou b) pronominal, que se associa com um substantivo (v.) e em muitas
línguas fica em concordância com ele”. Na questão sintática, o linguista apresenta a
classificação canônica em qualificativos (de natureza nominal) e determinativos (de
natureza pronominal), considerando-os nomes adjetivos4.
Nessa tipologia de caráter funcional, os adjetivos fazem parte do grupo dos
nomes, subdivididos em substantivos e adjetivos. O autor trabalha a noção de
relativização nesse tipo de categorização, ao apresentar os sintagmas ‘marinheiro
brasileiro’ e ‘brasileiro marinheiro’, em que as funções exercidas pelos itens sofrem
alterações decorrentes da mudança de posição e da intencionalidade discursiva.
Apesar disso, considera que há nomes essencialmente adjetivos (belo, grande) e
outros essencialmente substantivos (homem, leão).
Para Neves (2000), a conceituação do adjetivo recai sobre sua funcionalidade
também: “os adjetivos são usados para atribuir uma propriedade singular a uma
categoria (que já é um conjunto de propriedades) denominada por um substantivo”
(p. 173). Cunha e Cintra (1985) advogam que o adjetivo tem a função de caracterizar
seres, objetos ou noções nomeadas pelo substantivo (rapaz delicado / céu azul),
além de estabelecer com o substantivo uma relação de tempo, espaço, matéria,
finalidade, propriedade e procedência (nota mensal - nota relativa ao mês / casa
paterna - casa onde habitam os pais / vinho português - vinho proveniente de
Portugal), manifestando um caráter de predicação relacional.
No viés da relativização, Neves afirma que, dependendo do substantivo com o
qual se adjungem e o contexto, os adjetivos podem mudar de classe. Ex.: Ele planta
as suas batatas doces e as come - elas são batatas doces (o adjetivo doces é
classificador na primeira ocorrência, mas na segunda ele é qualificador).
Da mesma forma, Perini (1997) problematiza a classificação canônica dos
substantivos e adjetivos a partir de listagens de palavras, sem a consideração de
elementos contextuais importantes para essa percepção. Um dos exemplos
trabalhados pelo autor são as sentenças "Uma palavra amiga (qualidade)" e "Um
amigo fiel (nome de coisa)"; nesses casos, o linguista aponta para três
4 Terminologia utilizada em Câmara Jr. (1970).
21
'classificações: uma que abarca as palavras que só podem ser substantivos, outra
em que as palavras só podem ser adjetivos e uma terceira, em que as palavras
podem ser uma ou outra coisa. A conclusão é a de que tais categorizações tornam-
se inadequadas, pois as palavras não podem ser 'encaixotadas', pois há uma
flexibilidade decorrente do uso da palavra.
Outra contribuição relevante para o estudo da categorização de adjetivos e
substantivos é dada por Basílio (2008), ao tratar sobre a problemática classificação
dessas classes de palavras em nível lexical. Por ter uma abordagem lexicalista,
Basílio considera que a proposta de Câmara Jr (1997) não consegue resolver o
problema da classificação de adjetivos e substantivos, pois ao afirmar que há uma
categoria de nomes (abarcando substantivos e adjetivos) ocorre uma implicação
direta nas regras de formação de palavras, que são regidas pela determinação de
classes em muitos casos. Após discorrer sobre o estudo de Lemle a respeito da
nominalização de adjetivos como forma de resolver o impasse da categorização,
Margarida Basílio propõe dois níveis de substantivação do adjetivo: a substantivação
plena e a precária. Para tal empreitada, a linguista aponta, a partir de testes
realizados, adjetivos que modificam nomes referentes a seres humanos (velho,
santo, doido, beato, etc) e adjetivos que modificam nomes referentes a seres não
humanos (absurdo, longo, brilhante,doce, etc).
A substantivação plena ocorre quando "o adjetivo assume integralmente as
propriedades do substantivo" (BASÍLIO, 2008, pg. 16) e a substantivação precária é
o "caso em que o adjetivo, embora ocorrendo como substantivo no contexto sintático
superficial, não é realmente interpretado como substantivo" (IDEM).
Rio-Torto (2006) considera o adjetivo uma classe essencialmente gregária,
não compatível com determinantes ou especificadores, mas com modificadores e
complementos (‘estava uma atmosfera muito pesada’ / ‘fácil de conseguir’, ‘ávido de
poder’). Essa posição teórica também aponta a predicação como um dos processos
relevantes na categorização do adjetivo.
22
2 REVISÃO DE LITERATURA SOBRE A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL
É objetivo deste capítulo apresentar o fenômeno da modificação adjetival a
partir de pressupostos formalistas e estudos linguísticos de base cognitivista. Para
isso, apresentaremos o comportamento geral da modificação adjetival, a
categorização realizada por alguns estudos gramaticais e descritivos, bem como a
visão de linguistas cognitivistas a respeito do fenômeno.
2.1 Modificação adjetival: apresentação
Os estudos sobre modificação adjetival têm suscitado algumas questões
fundamentais a respeito do processo em si e dos elementos envolvidos nesse
processo. Para compreendermos essas questões, cabe-nos esclarecer com que tipo
de fenômeno estamos lidando.
A modificação adjetival implica um tipo de predicação. O termo predicação
pode ser entendido como a operação exercida por um modificador sobre um outro
elemento, transferindo a ele propriedades semânticas que antes não lhe eram
disponíveis, fazendo com que tais elementos se constituam em um conteúdo
proposicional (um fato). Nesse processo, podem ocorrer um desses tipos de
transferência para o elemento modificado: a que afeta a intensão, a que afeta a
extensão e a que afeta a modalidade. Em outros termos, temos um predicador e um
argumento envolvidos nessa operação, que deve ser vista como um movimento
ocorrente em nível de elementos de um sintagma, de uma sentença e até de um
texto. Neves (2000) considera que todas as palavras do léxico de uma língua podem
ser analisadas na perspectiva da predicação. Também salientamos que a
predicação é considerada um traço relevante para o estabelecimento da categoria
do adjetivo.
Assim, os elementos presentes em uma predicação adjetiva são geralmente
denominados modificador/operador/predicador (adjetivo) e nome/escopo
(substantivo). Segundo Castilho (2010), o escopo é o termo sobre o qual age um
operador; seria um ‘alvo’ para o qual o predicador se movimenta, na intenção de
gerar modificação em seus traços inerentes. O escopo, na relação predicadora
adjetiva, geralmente é uma classe de nomes que se liga ao mundo dos objetos,
23
pessoas e coisas. Nessa relação, o predicador opera sobre essa classe-escopo de
formas distintas, através de processos de qualificação, quantificação, modalização,
localização e focalização (homem bom, saída habitual, raciocínio certo, presente
momento, vida particular), dentre outros.
Obviamente, a relação predicativa na modificação adjetival dependerá de
outros fatores, como a posição do adjetivo em relação ao substantivo (obedecendo a
uma ordem mais livre de anteposição ou posposição5), a possibilidade de
delimitação (especificação) em um conjunto de coisas, dando um sentido subjetivo
para o elemento modificado. Dessa forma, as formas adjetivas que se comportam
dentro desse quadro se caracterizam como adjetivos predicativos (vida simples);
formas adjetivas que possuem uma ordem mais fixa (não admitem movimento em
sua posição relacionada ao substantivo), com indicação mais objetiva para o
substantivo, em um caráter não-vago, são denominadas adjetivos não-predicativos
(indústria alimentícia). Um fator crucial na questão das similaridades e diferenças
entre adjetivos predicativos e não-predicativos é o fato de que os primeiros derivam
de construções relativas, são atributivos (vida simples - a vida que é simples), o que
não ocorre com o outro grupo (indústria alimentícia - *indústria que é alimentícia).
A modificação adjetival abarca formações diversificadas: N+A6 (mulher
bonita), A+N (verdadeira história), N+N (bomba relógio), A+N+A (pequeno ponto
luminoso), N+A+A (sistema nervoso central) e A+A+N (três altas janelas), em
que A corresponde ao adjetivo e N ao substantivo. Nos três últimos casos, temos a
chamada formação de ‘sanduíches adjetivais’ (LEMLE, 1984); no caso de N+N,
observamos que o segundo N tem valor adjetivo. Essas formações podem
manifestar tanto uma relação predicativa quanto uma não-predicativa, dependendo
dos elementos que as constituem. É certo que existe uma tendência, por causa da
ordem fixa, para que as formações A+N e N+N apresentem uma relação não-
predicativa (suposto criminoso / assalto relâmpago), mas isso não pode ser
entendido como regra.
Castilho (2010), na abordagem multissistêmica da língua, também afirma que
a anteposição ou a posposição do adjetivo afeta o processo semântico. Com vistas a
5 Certamente, a mudança de posição pode alterar o sentido da formação: cheiro forte (mais objetivo) / forte
cheiro (mais subjetivo). 6 Utilizamos nesta seção as notações N para substantivo e A para adjetivo como uma reprodução do que é apresentado por Lemle e outros autores de viés formalista que defendem a distinção entre essas classes, embora considerem a questão da flutuação categorial.
24
corroborar essa ideia, o autor apresenta os seguintes exemplos: falso estudante /
estudante falso e suposto comunista / comunista suposto. No primeiro elemento,
segundo o linguista, a anteposição do adjetivo tem um efeito negativo sobre o
substantivo (‘alguém que não é estudante’/ ‘alguém que não é comunista’); no
segundo, o item adjetival pressupõe que ‘há um estudante’ e ‘há um comunista’.
Estudos sobre a modificação adjetival têm se realizado de forma produtiva,
desde a perspectiva da linguística gerativa até a cognitiva, tanto pela análise
variacionista mais tradicional quanto pelo uso de processos cognitivos em interface
com outras ciências. Veremos, nos próximos tópicos, uma abordagem resumida
desses estudos.
2.2 A modificação adjetival nas gramáticas
A maioria dos estudos gramaticais sobre a modificação adjetival tecem
classificações a partir do tipo de modificação exercida pelo adjetivo em relação ao
substantivo, em nível semântico, sintático e pragmático.
Bechara (2004) considera a delimitação o traço relevante do
adjetivo, podendo se referir a uma parte ou aspecto do que é delimitado; para o
autor, teríamos grupos delimitadores, expressos por instrumentos verbais
correspondentes: a) explicadores, que destacam uma característica inerente do
nomeado (o vasto oceano); b) especializadores, que marcam limites extensivos e
intensivos na consideração do determinado (a vida inteira) ; c) especificadores, que
restringem a possibilidade de referência do delimitado (menino louro).
Neves (2000) refere-se às duas subclasses de adjetivos: os qualificadores
(predicativos), que englobam relações semânticas de modalização (caminho óbvio)
e avaliação (mulher atraente); os classificadores (não-predicativos), que
correspondem geralmente a SNs do tipo de+nome (locuções adjetivas),
expressando, muitas vezes, noções adverbiais (ano retrasado - anterioridade /
espaço central - localização).
Castilho (2010) reconhece três classes de adjetivos, levando em conta os
pontos de contato entre essa categoria e a dos advérbios. São elas: a) predicativos
de três tipos: (i) modalizadores (verbalizam um juízo emitido sobre o conteúdo do
25
substantivo - consequência óbvia), (ii) qualificadores (afetam as propriedades
intensionais da classe-escopo - relativa disposição) e (iii) quantificadores (afetam a
extensão do substantivo - ideia básica); b) não-predicativos ou adjetivos de
verificação - de ordem mais fixa, são os que possuem a característica de promover
uma comparação implícita entre seu escopo e o correspondente sentido prototípico,
a partir do estabelecimento ou não do valor de verdade (casamento religioso, mulher
brasileira); c) dêiticos - dispõem sua classe-escopo numa perspectiva locativa e
temporal, apresentando a subdivisão: (i) dêiticos locativos e (ii) dêiticos temporais
(grupo próximo, mês atual).
Resumidamente, observamos que os estudos gramaticais dedicam-se a
categorizar subclasses semântico-discursivas dos adjetivos, na intenção de apontar
aspectos que aproximam e afastam tal categoria das outras classes de palavras.
Percebemos em Neves (2000) e Castilho (2010) uma tendência para a postulação
de que as fronteiras categoriais do adjetivo são bem mais fluidas do que a gramática
mais normativa apresenta, já que apresentam aspectos adverbiais para a classe.
2.3 Estudos linguísticos do português sobre a modificação adjetival
Borges Neto (1985) é um dos primeiros estudiosos a apresentarem a
problemática da modificação adjetival. Analisando formações N+A+A (comunidade
científica brasileira), A+N+A (pobre menina rica), A+A+N (novos falsos picassos),
N+A (esposa neurótica, mãe ranzinza) e A+N (pior caminho, mero estudante,
suposto comunista), o autor discorre sobre questões conceituais que dificultam a
análise adequada desses casos. Também lança dúvidas a respeito de algumas
dessas predicações (ocorrem em nível sintático, semântico ou pragmático?),
afirmando que as propostas semânticas vigentes para o estudo da posição do
adjetivo não sustentavam a interpretação dos exemplos apresentados. Por fim, o
linguista apresenta a noção de nexo semântico (relação do valor informacional de A
no SN) como um caminho mais confiável para a análise desse tipo de modificação.
A proposta acarretaria a afirmação de que os adjetivos são antepostos porque
mantêm um nexo informacional maior com o N, enquanto os pospostos teriam uma
ligação menor com o N; ou seja, o adjetivo posposto traria mais informação ao N do
26
que o anteposto. Mas tal proposta não se aplicaria a casos como falso revólver e
suposto criminoso e mero estudante, conforme o estudo.
Na perspectiva da gramática gerativa, Menuzzi (1992) apresenta o processo
de modificação adjetival a partir da teoria léxico-projetiva, que propõe a análise
desse tipo de modificação pelas relações entre a estrutura argumental de A e a
estrutura argumental do N modificado, levando em conta os efeitos semânticos
sobre a estrutura resultante dessa relação. O estudioso critica a classificação dos
adjetivos em categoremáticos e sincategoremáticos7, argumentando que a análise
somente por entidades linguísticas com traços semânticos seria insatisfatória para
dar conta de todos os casos de modificação adjetival.
Também na linha conceitual, Ilari (1993) argumenta que a concepção de
predicação da gramática tradicional, baseada no funcionamento do adjetivo como
adjunto (que indica propriedades) e predicativo (que delimita, especifica um
conjunto) não dá conta dos usos possíveis dessa categoria. Isso ocorre porque há
fatores como idiomaticidade (elefante branco), papel semântico do núcleo do SN
(pianista calvo/*calvo pianista) e a própria questão não-resolvida dos adjetivos
intensionais (aqueles que não podem ser predicados diretamente do sujeito e que
exigem um complemento que deve ser uma expressão que indique propriedades -
homem grande, muro alto - SN de relações, com natureza comparativa).
Confrontando a visão focada nos predicativos, Castilho e Moraes de Castilho
(1993) fazem a descrição desses adjetivos a partir da amostra do Projeto
NURC/Brasil. Reforçam as características desse tipo de adjetivo, em um paralelismo
com os não-predicativos, na apropriação dos critérios distribucionais apresentados
por Casteleiro (1979) para diferir os dois tipos de adjetivo, em desdobramento da
comparação entre categorias adjetivas e substantivas. A partir dessas
considerações, estabelecem a seguinte categorização para os adjetivos
predicativos:
a) Qualificadores - predicam o que é denotado por N de forma objetiva. São
subclassificados como unidirecionais não psicológicos (bom, mau, bonito,
limpo) e bidirecionais psicológicos (asfixiante, atraente, curioso).
7 Os adjetivos categoremáticos têm o sentido estabelecido independentemente do N a que se ligam (mulher boa/casaco bom); os sincategoremáticos têm o seu sentido intimamente ligado ao sentido do N (bom casaco/boa mulher).
27
b) Quantificadores - predicam o que é denotado por N de forma
mensuradora. São subclassificados como dimensionadores (larga, alto,
baixo), intensificadores (ínfimo, vertiginoso) e aspectualizadores (semanal,
habitual).
c) Modalizadores - predicam o que é denotado por N de forma subjetiva. São
subclassificados como epistêmicos (asseverativos - real, óbvio / quase
asseverativos - provável, possível), delimitadores (especificadores –
autêntico, rigoroso / aproximadores - relativo, aproximado) e deônticos
(necessário, obrigatório).
Simões (2007), no estudo sobre a anteposição dos adjetivos predicativos no
português culto falado no Brasil, analisa 21 entrevistas do corpus do Projeto NURC –
SP, a partir de 16 variáveis independentes8 que poderiam favorecer a posposição ou
anteposição do adjetivo; foram realizadas 3 rodadas estatísticas pelo programa
VARBRUL, permanecendo somente os grupos de fatores mais significativos para a
anteposição (Tipo de especificadores; Marcas de singular e plural na presença ou
ausência de especificadores e complementos; A natureza do nome; O lugar
argumental do adjetivo nas fronteiras do SN; A unidade sintática: SN e SP). A partir
da classificação proposta por Castilho e Castilho de Moraes (1993), o autor
apresenta resultados dessa análise, dos quais destacamos os seguintes: a) pelo
cruzamento das estatísticas dos fatores, em termos semânticos, o subgrupo dos
adjetivos intensificadores é o que mais favorece a anteposição; b) pela ordenação
proposta por Castilho, tanto os quantificadores como os qualitativos favorecem a
anteposição.
Em estudo singular sobre as formações N+N, Longo et al (1997) analisam 224
ocorrências de gêneros diversos (literatura romanesca, jornalística, dramática,
técnica e oratória) para o tratamento lexicográfico desse grupo em um dicionário de
usos do português. Os autores apresentam as características específicas do
segundo N (função qualificadora, possibilidade de gradação, coordenação para
adjetivos, ausência de função temática e concordância) como critérios suficientes
8 Tipo do adjetivo predicativo (NURC), Tipo de entrevista (DID-EF-D2), Entrevistado/Documentador, Faixa
etária, Sexo, Escolaridade, Natureza do nome, Unidade sintática analisada (SN ou SP), Lugar argumental na fronteira verbal, Natureza do verbo, Natureza do preenchimento com especificadores e complementos, Tipo dos especificadores, Tipo dos complementos, Natureza de número do preenchimento com especificadores e complementos, Sanduíches adjetivais e Lugar argumental dentro das fronteiras do SN.
28
para comprovar que há uma hierarquia para a classificação desse elemento (pode
ser substantivo, substantivo em função adjetiva ou adjetivo), que deixa clara a
flutuação categorial entre as classes. O tratamento dado na análise também levanta
uma questão: os não-predicativos seriam gerados como categoria nominal e não
mudariam de estatuto.
A respeito da ordem do adjetivo no SN, Callou et al (2003) apresentam uma
análise variacionista laboviana a partir de textos diversos em um período de quatro
séculos, com o objetivo de verificar o comportamento do adjetivo, tentando
determinar a época em que a ordem se tornou mais fixa ou previsível. As autoras
fizeram uso de algumas hipóteses sintático-semânticas (tipo de adjetivo, natureza
semântica do núcleo do SN, base do adjetivo e dimensão em relação ao
substantivo) e concluíram que a frequência da anteposição começa a diminuir a
partir do século XIX, com destaque para os adjetivos avaliativos. Ainda na questão
da ordem, Silva (2008) apresenta uma proposta de classificação sintática dos
adjetivos a partir da proximidade em relação ao N. As ‘zonas sintáticas’ são assim
denominadas: a) determinativa (que modifica a extensão) - mais distante do N,
sempre na anteposição; b) avaliativa ( que qualifica) - mais próxima do N (se estiver
anteposta) e mais afastada do N (se estiver posposta); c) classificadora (que
relaciona entidades) - mais próxima do N, sempre na posposição. Assim, teríamos:
únicas modelos famosas (DET+N+AVAL), um outro importante dado
(DET+AVAL+N), certo contexto linguístico (DET+N+CLAS), etc.
2.4 Estudos de Linguística Cognitiva sobre a modificação adjetival
É importante ressaltar que em relação aos estudos cognitivistas a respeito da
modificação adjetival, temos tanto estudos embasados nas ciências cognitivas
(FRANKS, 1995) quanto os específicos da Linguística Cognitiva (SWEETSER, 1999;
COULSON, 2001). Esses estudos baseiam-se em construções consideradas
problemáticas no inglês (stone lion / leão de pedra, fake gun / arma falsa, land yacht
29
/ limusine / 'iate terrestre' 9 - exemplificados por Franks, 1995 e Coulson, 2001 - e
likely candidate / provável candidato - exemplificado por Sweetser, 1999).
Franks (1995) trata a modificação adjetival como um tipo de combinação
conceptual10, a partir da própria noção de conceito como perfiladora da
representação, da classificação e da linguagem. Esses elementos - representação,
classificação e linguagem - são vistos por Franks como fundamentais para a
caracterização dos adjetivos privativos, uma vez que seriam as motivações
psicológicas para a conceituação de um objeto. Por representação nos referimos ao
conjunto de propriedades observáveis na categorização de uma coisa, a partir da
memória de longo prazo, sendo divididas em propriedades centrais (que refletem
crenças ontológicas) e diagnósticas (que são mais superficiais, flexíveis); a
classificação é compreendida como a detecção dos traços centrais e diagnósticos de
acordo com o contexto cultural, tendo implicações de juízo de valor. A linguagem
relaciona-se às questões de uso convencional, às convenções estabelecidas por
uma comunidade de fala. Esses elementos funcionam para manter um suporte
mínimo na comunicação e na referência.
Para Franks, em expressões como stone lion temos um conceito
implicitamente vinculado, que atua porque há atributos default de lion que propiciam
uma instanciação dentro da cena comunicativa, dando suporte à especificação de
sentido: lion pode se referir a um animal, a uma estátua, a um brinquedo, etc.,
dependendo do contexto em que tal uso ocorre.
O autor critica o processo gerativo de construção de sentido (conceito lexical
(input)) > contexto (especificidade/flexibilidade) > sentido apropriado (output)), pois
acredita que sentidos e conceitos lexicais não podem ser expressos como estruturas
que contenham atributos de valor único. Assim, ele oferece o modelo de construção
9 A construção land yacht tem sentido privativo em língua inglesa, mas não em língua portuguesa, uma vez que a correlação no processo de tradução apresenta processos diferenciados: land yacht tem caráter composicional, enquanto limusine é uma palavra simples; na tradução literal, teríamos 'iate terrestre'. A instanciação de land yacht é pautada na concepção de um carro luxuoso, com muito acessórios (frigobar, bancos de couro, TV) e muito valioso (na faixa de alguns milhões de dólares). A privatividade decorre do fato de que land yacht não é um iate, como yacht prevê, mas um carro - temos, então, processos metafóricos auxiliando na mesclagem conceptual. 10 Termo apresentado por Franks (1995), que compreende a combinação de conceitos, que possuem as
funções de representação (com eixo na memória de longo prazo, que atua como conteúdo para o pensamento
e a inferência), classificação (eixo na detecção de traços e comparação de entidades) e linguística (léxico
mental).
30
de sentidos a partir da combinação conceptual, que seria uma especificação de
relações entre conteúdos. A partir daí, utiliza-se de análise a partir de traços para
demonstrar a eficácia do seu modelo (falaremos melhor sobre esse modelo no
tópico “Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de geração
de sentidos”).
A questão da modificação adjetival é tratada, na visão de Sweetser (1999),
através dos mecanismos de composicionalidade linguística em construções A+N
modificadas, a partir da teoria de mescla de espaços mentais (FAUCONNIER E
TURNER, 1998), uma vez que a análise simplificada de interseção nas relações de
nomes com modificadores adjetivais não é suficiente para explicar tal fenômeno. A
linguista se utiliza de exemplos como ‘likely candidate’ (provável candidato) e ‘usual
suspect’ (suspeito frequente), considerados ‘intratáveis’ em análises mais
formalistas, mas analisáveis sob o prisma da mescla dos espaços epistêmicos do
falante com os de atos de fala. Também afirma que a consideração das affordances
cognitivas torna-se importante na análise de algumas construções modificadas.
Ainda sobre a questão da modificação adjetival, a autora afirma que o adjetivo
elabora algumas zonas ativas da entidade perfilada pelo nome; por exemplo, na
construção ‘provável candidato’, há um perfilamento que projeta um espaço mental
de hipótese, fazendo referência a frames de estrutura e comportamento epistêmicos,
em que as zonas ativas operam na projeção dos espaços mentais no processo de
integração conceptual.
31
Esquema 1. Esquema parcial de mesclagem conceptual para a construção “likely
candidate” (SWEETSER, 1999, p. 152)
Segundo a autora, as construções com propriedades composicionais formam-
se a partir de três eixos: frames, zonas ativas e espaços mentais (SWEETSER,
1999). Os frames, conceito bem fundamentado por Fillmore (1982), referem-se a um
sistema de conceitos relacionados de tal forma que para se compreender qualquer
um deles é necessário entender toda a estrutura na qual ele se insere; palavras
como comprar e preço evocam o frame ‘cena comercial’. O fenômeno das zonas
ativas é difuso na linguagem; há distinção de zona ativa nos enunciados a seguir:
“Coloquei o lápis na mesa”, “Coloquei o lápis no apontador”. No primeiro enunciado,
está claro que todo o lápis foi posto em cima da mesa, enquanto no segundo há a
ideia de que parte do lápis (e não ele todo) foi colocada no apontador. O que nos
permite ter essa interpretação é, essencialmente, a zona que é ativada de acordo
com o contexto de cada enunciado. Os espaços mentais, largamente estudados por
Fauconnier (1987), são construtos teóricos que descrevem interconexões entre
partes de estruturas conceptuais complexas; a principal característica de um espaço
mental é a capacidade de apresentar mapeamentos cognitivos sistemáticos entre
uma e outra projeção, formando cadeias referenciais.
32
Coulson (2001) descreve o comportamento dos adjetivos privativos em língua
inglesa (‘fake’, ‘false’, entre outros). A autora aponta dois modelos para análise do
privativo: o modelo de geração de sentido (combinação conceptual) e o da teoria da
mesclagem conceptual. Tanto um quanto outro trabalham com a observação da
flexibilidade de sentido e a instanciação do contexto como suportes para o
significado privativo de uma construção.
Ao discorrer sobre a mesclagem conceptual nos sintagmas nominais
modificadores, Coulson (2001) afirma que a extensionalidade e a intensionalidade
são os eixos para a compreensão dos adjetivos predicativos. Exemplifica através da
construção ‘brown cow’, em que a análise extensional aponta para a interseção
entre ‘coisas marrons’ e ‘vacas’, enquanto a intensional aponta para a união de parte
dos traços definidores de ‘marrom’ com traços definidores de ‘vaca’. É interessante
perceber como a autora considera os dois eixos como análises possíveis nas
construções adjetivas, o que não ocorre nos estudos mais tradicionais. A partir
desse exemplo, mostra como a noção de combinação conceptual é fundamental
para a análise intensional, foco do seu trabalho. O processo de mesclagem
conceptual é apresentado como ferramenta plausível para análise tanto dos
adjetivos predicativos quanto dos não-predicativos.
33
3 A MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
Considerando que os embasamentos acerca da modificação adjetival foram
estabelecidos, pretendemos apresentar a conceituação do termo ‘privativo’ e o
funcionamento da modificação adjetival privativa, buscando mostrar o percurso da
categorização de tal fenômeno, o modo como as ciências cognitivas e a LC têm
analisado tal questão.
3.1 O termo PRIVATIVO
Para compreendermos a natureza do sentido do termo 'privativo', temos que
analisar o desdobramento semântico ocorrido no percurso de formação desse termo.
Tal desdobramento pode ser considerado da seguinte forma: pri > privus > privatus >
privativus. A partícula 'pri-', “antes, à frente de”, adjungida ao sufixo '-ivus', origina
'privus', “próprio, de si mesmo, individual”, que por sua vez possui a forma 'privatus',
“pertencente a si mesmo, colocado à parte, fora do coletivo ou grupo”, particípio
passado de 'privare'. O verbo ‘privare’ (pôr de parte, isentar, livrar, desembaraçar,
eximir, privar, despojar, tirar) deu origem ao uso em língua portuguesa, com sentido
“que indica privação, falta de determinado traço, significado etc. (diz-se de afixo,
prefixo etc.)” (DICIONÁRIO HOUAISS, 2009); nesse caso, o a- em ‘amoral’ é prefixo
privativo. 'Privus' tem a contextualização de ser o primeiro dentre muitos, o que está
realçado em relação a outros e não o sentido de único (noção da forma 'unos').
Dessa forma, ao observarmos melhor as acepções de ‘privativo’ em língua
portuguesa, perceberemos que a entrada lexical para o sentido de negação não
ocorre nas primeiras acepções, consideradas de maior uso ou ativadas
primeiramente:
n adjetivo
1 que contém ou leva à privação Ex.: pena p. da liberdade
2 que priva, que goza da convivência de 3 que não é permitido a todos, só a algumas pessoas; próprio, exclusivo, especial
Exs.: elevador p. dos juízes
armas p. das Forças Armadas 4 que é peculiar a um indivíduo ou grupo; característico, específico,
exclusivo Ex.: estilo p. desse escritor
34
5 que indica privação, falta de determinado traço, significado etc. (diz-se de afixo, prefixo etc.); p.ex., o a- em amoral é prefixo privativo
(DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS, 2009)
Assim, a compreensão de ausência ou negação torna-se opaca no uso desse
termo, fazendo com que o sentido de privação torne-se o mais comum. Nossa
intenção neste estudo é elucidar o comportamento do dito adjetivo privativo no uso
do PB a partir de textos da internet, então por causa desse objetivo entendemos que
o termo para se referir a esse tipo de adjetivo também pode ser o de
‘particularizador’, no sentido de que o privativo torna o objeto/ a coisa
representada pelo substantivo algo particularizado, com a negação
específica de affordances que geram uma compreensão exclusiva da
construção.
3.2 O modificador adjetival privativo
Nas classificações mais gerais dos adjetivos não-predicativos, existem
estudos a respeito de adjetivos que funcionariam como privativos. O
comportamento privativo é reconhecido como uma função de um tipo restrito de
adjetivos. Pria (2008) apresenta o seguinte quadro comparativo da classificação
semântica dos adjetivos nos estudos formais:
Quadro 1. Classifcação semântica dos adjetivos (PRIA, 2008, p.25)
Nesse quadro, percebemos que há uma divergência quanto à categorização
dos privativos: Kamp (1975) destaca o aspecto singular do privativo, a ponto de não
ser representado por esquemas em seu trabalho; Chierchia e McConnell-Ginet
(1990) também destacam a ausência de função predicativa nesse adjetivo; Kamp e
35
Partee (1995) e Partee (2001) consideram a classe dos não-subsectivos como
composta pelos não-subsectivos planos (alegado, predito) e os não-subsectivos ou
privativos (fictício, imaginário), nos quais insere também elementos morfológicos,
como os prefixos negativos pseudo-, ex- e não-.
Vamos nos ater à proposta de Kamp (1975), precursora de todas as outras.
Para ele, os adjetivos privativos são compreendidos como funções de propriedades
para propriedades, ou seja, são funções que se aplicam a nomes, no intuito de gerar
alterações nos traços essenciais do nome a que se referem; essas funções diferem
de acordo com o tipo de adjetivo (PRIA, 2008). Essa categoria de adjetivo
caracteriza-se pela modificação que causa no significado do substantivo - ‘revólver
falso’ não é um revólver de verdade, isto é, o adjetivo ‘falso’ muda a propriedade do
substantivo ‘revólver’, que se diferencia, dependendo do contexto.
Kamp (1975) estabeleceu o seguinte postulado para esse tipo de adjetivo:
Para cada propriedade P e cada w ∈ W, F(P)(w) ∩ P(w) = Ø. Lê-se: “para cada
propriedade P e para cada w (“mundo possível”) ∈ (“pertencente a”) W (“o conjunto
não vazio de todos os mundos possíveis”), F(P)(w) (“o significado F na propriedade
P e no mundo possível w”) ∩ (“interseccionada com”) P(w) (“a propriedade P no
mundo possível w”) = ∅ (“p um conjunto vazio”)”. Isso quer dizer que o adjetivo
privativo transforma a condição de verdade do sintagma nominal, fazendo com que
al gumas informações do escopo sejam negadas (revólver falso não é um revólver
em todas as suas propriedades essenciais, mas um objeto semelhante em algum
aspecto a ele).
Na perspectiva de estudo sobre estruturas de combinação conceptual, Franks
(1995) estabelece princípios para explicar a geração de sentidos em construções
como ‘leão de pedra’ e ‘revólver falso’. O autor mostra, então, como a noção de
combinação conceptual é relevante para explicar tais construções. A seguir,
veremos um detalhamento dessa teoria.
3.3 Modificação adjetival privativa nas Ciências Cognitivas: o modelo de
geração de sentidos
No intuito de analisar algumas construções modificadas problemáticas,
Franks (1995) estabelece um modelo de geração de sentidos a partir da noção de
36
conceito. Para ele, o conceito performa três funções na cognição: a representação
(através da memória de longo prazo), a classificação (pela detecção de traços) e a
função linguística (ou léxico mental, derivada das duas primeiras funções).
Segundo esse modelo, em construções privativas teríamos várias
perspectivas para o mesmo referente discursivo. Há três processos envolvidos11:
unificação, união prioritária e coerção metonímica. Para entendermos esses
processos, é necessário apresentarmos a noção de atributo de valor estruturado e
de traços diagnósticos e centrais, muito enfatizada pelo estudioso.
O atributo de valor estruturado (AVE) corresponde à atribuição de sentido
dada a um objeto/ser de forma ampla, segundo o sentido que tal item apresenta no
mundo. A principal ferramenta para sua ativação é a memória de longo prazo. Ele é
uma estrutura de tipicidade padrão, em que se incluem atributos típicos ao conceito
de uma palavra. O AVE não faz parte dos atributos centrais e nem dos atributos
diagnósticos; ele seria a tipicidade mais primitiva de um objeto/ser, que varia
segundo o modelo cognitivo idealizado de cada sociedade. Tanto os traços centrais
quanto os diagnósticos estariam mais ligados ao conceito lexical de uma palavra. Os
traços centrais correspondem às propriedades essenciais do objeto, enquanto os
traços diagnósticos se referem às propriedades secundárias.
Parte-se do pressuposto de que há uma significação ampliada e comum a
uma sociedade, que se relaciona, por exemplo, às palavras ‘leão’ ( AVE animal) e
‘pedra’ ( AVE material rochoso). Quando esses termos são postos em uma
construção como ‘leão de pedra’, há uma alteração nos traços centrais e
diagnósticos, em que alguns traços são negados e outros mantidos (animado,
orgânico e com essência biológica - traços centrais negados / patas e cauda - traços
diagnósticos retirados / cor acastanhada e pelo macio - traços diagnósticos
substituídos por textura áspera e cor cinza / dureza e peso são traços diagnósticos
acrescentados) . Essa alteração pode fazer com que o AVE seja negado ou posto
em dúvida. No caso de ‘leão de pedra’, há uma negação do AVE de ‘leão’, pois em
nesse contexto não estaremos diante de um leão de verdade; a alteração ocorreu
nos atributos centrais do item.
11 Segundo Franks (1995), esses processos podem ocorrer em uma mesma construção e não são
exclusividade dos adjetivos privativos.
37
No processo de unificação, ocorre uma operação típica das combinações
conceptuais afirmativas, em que não há conflito nos atributos de valor estruturado de
cada constituinte. Assim, ‘homem feliz’ e ‘mulher bonita’ denotam esse tipo de
processo, que aponta para a especificidade do sentido das construções.
A união prioritária é o processo em que o atributo de valor estruturado do
modificador se sobrepõe ao atributo de N, quando há propriedades conflitantes entre
eles. Essa operação aponta para a flexibilidade de sentido das combinações
conceptuais. Como exemplo desse processo, temos ‘leão de pedra’, em que as
propriedades do modificador ‘de pedra’ entram em conflito com ‘leão’, no aspecto
‘animado’ e ‘orgânico’.
A coerção metonímica do type é um processo decorrente da força semântica
exercida pelo adjetivo sobre o N; corresponde a uma flexibilização de determinado
item de uma construção para satisfazer o contexto. Esse processo pode refutar
traços centrais do objeto ou pôr em dúvida uma de suas características. Em ‘cílios
postiços’, por exemplo, há a refutação de algumas propriedades essenciais de
‘cílios’ (orgânica, humana), enquanto ‘suposto criminoso’ apresenta uma dúvida a
respeito de quem teria cometido o crime.
Os processos ora citados estão presentes, como já dito, na geração de
sentidos; uma construção com adjetivo privativo pode passar por eles em momentos
diferentes. Segundo Franks (1995), no caso de ‘leão de pedra’, primeiro ocorre uma
coerção metonímica do type (embora ‘pedra’ não seja um agente coercitivo) por
causa do conflito nos traços ‘animado’ e ‘orgânico’ dos atributos centrais; após essa
acomodação, ocorre a união prioritária, em que o AVE coergido de ‘leão’ é
combinado ao AVE de ‘pedra’; em seguida, temos o processo de unificação, dada a
interpretação de ‘estátua’ para ‘leão de pedra’.
Ainda, o autor estabelece tipos de adjetivos privativos:
a) quanto à estrutura: i) privativos próprios - teriam a formação A+N no
inglês; no português, teríamos essa mesma formação, com ordem fixa para
alguns casos (suposto amigo, falso documento); ii) privativos funcionais -
teriam a formação N+N, em que o segundo N é um sintagma preposicionado
(locução adjetiva).
b) quanto ao sentido: i) privativos negativos - em que o modificador gera
conflito semântico com o nome (falso revólver, leão de pedra); ii)
38
privativos equivocados - em que o modificador gera dúvidas em relação ao
nome (suposto amigo, provável candidato).
O modelo de geração de sentido de Franks é visto por Coulson (2001) como
insuficiente, uma vez que ela considera as regras para o mapeamento mais
relevantes do que a unificação de traços no que diz respeito à construção de
significado. A autora enfatiza que a compreensão dos privativos não é uma questão
somente de traços semânticos, pois envolve mapeamentos diversificados e leva em
conta a habilidade dos atores da interação para acomodação dos traços dentro da
projeção de espaços ativada pelo contexto discursivo. O mecanismo de análise por
traços seria muito supérfluo para abranger todos esses aspectos.
A autora nos dá a informação de que o uso do adjetivo privativo é checado
pelo frame, ou seja, se temos um frame que caracterize a negação de propriedades
intensionais do referente, estamos diante de um privativo (ex.: frame de assalto -
falso revólver / revólver falso). Para ser privativo, então, o adjetivo dependerá da
perspectivização do falante e do papel-valor de seu referente. Ser real ou falso é
visto, assim, como um conceito socialmente construído.
3.4 Modificação adjetival privativa no viés da Linguística Cognitiva
Ao tratarem sobre a importância da compressão de duplo escopo nas
interpretações de formas gramaticais específicas, Fauconnier e Turner (2002)
apontam a mescla como um dos recursos para a construção de
significados complexos em formas simples. Para tanto, os autores
exemplificam com as seguintes construções: boat house/casa flutuante
(construção N-N), angry man/homem irado (construção A-N) e child-safe/bebê
seguro (construção N-A). Em casos como child safe, dolphin-safe e shark-safe12, há
mesclas sucessivas; primeiro, há uma mescla do espaço mental da situação dada
(envolvendo golfinhos, tubarões e crianças), no frame abstrato de PERIGO. Essa
12 Três construções com instanciações difusas, mas fundamentadas na compressão da propriedade de segurança: ‘child-safe’ refere-se à proteção/segurança dada à criança para evitar situação de perigo (que vai de acidente dompstico a abusos); ‘dolphin-safe’ refere-se a um conjunto de procedimentos adotados para evitar que os golfinhos fiquem presos às redes de pesca quando há pescaria de atum, no sentido de minimizar os danos ao golfinho; ‘shark-safe’ refere-se a um programa de proteção à população dos tubarões, visando equilíbrio no ecossistema oceânico.
39
mescla produz um espaço mental contrafactual específico, no qual os itens
destacados são assinalados em papéis no frame citado; esse espaço mental de
nocividade é ‘desanálogo’ ao espaço mental da situação corrente. Assim, os dois
espaços “incoerentes” serviriam como inputs para uma nova mescla, em que a
‘desanalogia’ é comprimida para a propriedade SEGURANÇA.
Os linguistas ainda especificam situações decorrentes de possibilidades
geradas por frames realizáveis, mostrando-nos a gama de interpretações segundo a
situação comunicativa/interacional para cada construção. Isso mostra que há níveis
de integração diferenciados para essas construções. Existem, porém, construções
em que não há mesclas sucessivas, como land yacht (limusine, carro de luxo,
carrão): ‘land’ e ‘yacht’ nomeiam elementos que não são contrapartes no
mapeamento; na verdade, temos elementos de domínios diferentes (terra e água),
que criam espaços analógicos(água/terra, capitão/motorista, curso/rua, iate/carro,
magnata/proprietário). Os autores afirmam também que as mesclas são um tipo de
composição dos inputs espaciais e, em alguns casos, ocorreria o apagamento de
algumas características/traços dos objetos dados para uma ‘iluminação’ de outros
elementos.
Partee (2003) defende a existência de uma ‘hierarquia’ de classes para o
adjetivo nas construções modificadas, em que a teoria dos protótipos serviria para
estabelecer restrições nas combinações A+N, desde intersectivos como carnívoro
até os não-subsectivos/privativos (contrafeito, falso, fictício). Consideramos que a
visão hierárquica apresentada pela autora não seja cabível para uma análise em LC,
uma vez que pressupõe que uma classe de adjetivos seja mais ou menos
importante, a depender de sua posição na ‘pirâmide’; entendemos que a modificação
adjetival privativa de forma geral seja um processo escalar (e não hierárquico), e
isso denota uma análise que nos obriga a enxergar os elementos à volta do centro
prototípico como mais ou menos relevantes. Como lidamos com construções
estruturadas gramaticalmente de forma diversificada, não nos cabe hierarquizar,
mas sim considerar mais próxima ou afastada de um protótipo13 uma construção X
13 Entendemos que nossa análise apontará uma construção que seja mais privativa/particularizadora (no
sentido de ter mais negação) do que outra.
40
ou Y. Preferimos a compreensão de que tais construções apontam para um
fenômeno que possui alguns padrões, a serem analisados pelos pressupostos da
Linguística Cognitiva e teorias que deem conta dos aspectos construcionais focados
na mescla de conceitos.
41
4 CONCEITOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA SUBJACENTES AO
FENÔMENO DE MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
Neste capítulo, apresentaremos os conceitos da Linguística Cognitiva que nos
auxiliam na compreensão do fenômeno de modificação adjetival privativa. Para
entendermos como ocorre esse tipo de modificação, apresentamos a noção
ontológica de affordance, desde o postulado inicial de Gibson (1979) até as
relações desse conceito com teorias da aprendizagem e linguagem de design visual
(Norman, 1988) e a visão de Sweetser (1999); após, apresentamos o conceito de
ajuste focal e zonas ativas na perspectiva langackeriana (2008), mesclagem
conceptual (FAUCONNIER, 1997), contrafactualidade (FAUCONNIER, 1985) e
relações vitais (FAUCONNIER E TURNER, 2002).
4.1 Affordance
A necessidade de enquadrarmos o conceito de affordance aos nossos
estudos deve-se ao fato de que, uma vez que uma teoria de análise de traços seja
insuficiente para verificarmos o comportamento dos adjetivos privativos, há de se
pensar em outras acepções que coadunem com o processo de integração
conceptual, que será um dos mecanismos utilizados em nossa análise. Como a
affordance tem um caráter ontológico, ligado diretamente à existência de coisas e
seres, cremos que há interface entre seu conceito e a relação de entidades e
referentes discursivos.
4.1.1 O conceito de Gibson (1979)
Em estudo sobre a abordagem ecológica para a percepção visual, Gibson
apresenta o que é chamado de “Teoria das affordances”. Para ele, o ambiente
seria uma superfície que distingue substâncias do meio no qual os animais vivem.
Sua tese é a de que ‘valores’ e ‘significados’ de coisas em um ambiente podem
ser percebidos de forma direta e externa ao observador; ou seja, a percepção
42
de propriedades de um objeto dependeria da forma como ele se apresenta no
ambiente e de como esse observador o enxerga.
As affordances seriam propriedades invariantes do ambiente oferecidas a
uma espécie, o que é provido ou fornecido a essa espécie em seu ambiente, sendo
tanto benéfico quanto prejudicial. Assim, a superfície terrestre possui propriedades
que proveem aos animais formas de se fazer uso dela: é horizontal, rígida, tem uma
extensão e suporta peso; ela é ‘pisável’ e ‘corrível’. Essas propriedades não são
abstratas e atendem às necessidades do animal. Para cada espécie de animal, há
propriedades de superfície que atenderão em maior ou menor nível; então, para
cada situação estabelece-se um affordance diferente.
Para se aprofundar na noção de affordance e seu funcionamento relacionado
ao ambiente e ao observador, Gibson traz-nos o conceito de nicho, retirado da
ciência ecológica: o nicho seria a forma como vivem as espécies, diferenciado do
habitat, que aponta para o lugar onde essas espécies vivem. Como o ambiente
natural oferece muitos modos de vida, as espécies vivem em um tipo de nicho que
seja adequado às suas possibilidades e vice-versa (o nicho fica adequado às
possibilidades de vida dessas espécies); é uma relação de complementaridade.
Para Gibson, a affordance não é propriedade objetiva nem subjetiva; ela
estaria em um continuum entre objetividade e subjetividade, uma vez que fatos do
ambiente equivalem a fatos do comportamento e que ela aponta tanto para o
ambiente quanto para o observador.
Os seres humanos são dotados de affordances mais elaboradas, uma vez
que vivenciam experiências diferenciadas e seu comportamento é muito variado. A
capacidade de locomoção, de mudança de postura corporal e do próprio
comportamento faz com que a espécie humana possua affordances específicas e
imprevisíveis, algumas mais próximas das características biológicas, outras mais das
psicológicas.
Relacionadas aos lugares, as affordances podem variar segundo o habitat.
Existem lugares perigosos para algumas espécies, lugares de refúgio dos
predadores, lugares para esconder alimentos, entre outros. A questão do ‘lugar
escondido’ é relativa, uma vez que do ponto do observador a pessoa ou objeto
43
pode estar à vista, quando ela acha que se escondeu completamente (é o
caso de crianças quando brincam de se esconder e acabam escondendo somente
a face e deixando o corpo exposto).
Após essa explanação, o autor preocupa-se em explicar melhor o surgimento
do conceito de affordance: tal conceito seria derivação de outros postulados da
psicologia gestáltica - valência, convite e exigência -, com algumas restrições, como
o fato de que a affordance não muda segundo as necessidades do observador. O
observador pode ou não perceber tal affordance, mas ela estará lá, independente da
demanda. Para reforçar tal afirmação, Gibson dá como exemplo a caixa de correio,
que tem como um das affordances a postagem de algo, independentemente do ato
de ser utilizado pelo observador para tal. Também é possível que a perspectiva do
observador faça com que ele não perceba a affordance para postagem (se a caixa
de correio estiver de lado ou virada para ele e não der para observar a abertura para
postagem).
Nesse ponto, o autor aproveita para discorrer sobre a informação ótica para a
percepção de affordances. Há fatores que serão determinantes para essa
percepção, como a iluminação. Por causa de uma ‘desinformação’ ótica, uma
pessoa pode colidir com o blindex de uma loja; sabemos que a affordance de colisão
não é especificidade para o blindex, mas por conta da falta de percepção visual, é
comum essa ocorrência. Por isso, é preciso checagem do objeto/situação, para
que as affordances possam ser adequadamente percebidas.
4.1.2 O conceito de Lakoff (1987)
Lakoff discorre sobre os problemas da cognição e da semântica objetivista, no
sentido de que muitas categorias da mente e da linguagem não possuem
correspondência com as categorias dadas no mundo; ele assume que a existência
de propriedades interacionais nas entidades contradizem a doutrina da cognição
objetivista, que postula a fixação das categorias da mente em categorias do mundo,
em uma correspondência unívoca.
Ao se referir à concepção de mundo dado/entendido, na visão da semântica
objetivista, o autor nos lembra de que a noção de cor é determinada por várias
44
instâncias - pelas propriedades reflexivas dos objetos, por capacidades
neurofisiológicas, pelas fronteiras culturalmente impostas nas regiões do espectro,
entre outras. Assim, ‘ser vermelho’ não é uma propriedade de um objeto, mas uma
atribuição dada decorrente da percepção do observador, a partir de suas
experiências.
Nesse ponto, Lakoff apresenta a versão ecológica de concepção de mundo
dado (GIBSON, 1979 [1986]). A visão gibsoniana é de cunho interacionista, que
afirma a importância da constante interação dos seres humanos com seus
ambientes. A primeira restrição feita por Lakoff à teoria diz respeito ao campo de
análise, uma vez que Gibson vincula sua pesquisa à percepção e não à cognição
propriamente dita.
Lakoff também aponta como estranha às teorias voltadas para a cognição
a distinção entre realidade física e ambiente; para Gibson, a realidade física
é considerada independente de todos os seres animados, ou seja, o ambiente
seria definido em relação à forma como os seres interagem nele. A leitura lakoffiana
sobre affordances é de que seriam oportunidades de interação
proporcionadas pelo ambiente. Esse ambiente é visto como fechado em alguns
aspectos do ‘mundo experienciado’. Assim, Lakoff apresenta as affordances como
invariâncias de seres em dado ambiente; citando Gibson, são “propriedades de
coisas tomadas com referência a um observador, mas não propriedades
das experiências do observador” (p.137).
Para o linguista, o problema da concepção de Gibson é a noção de um
ambiente que foge ao padrão do mundo experienciado, onde é necessária uma
ordem para dar conta dos fatos da categorização. Sua teoria se aplicaria a
fenômenos individuais, mas não a categorias de fenômenos; muito menos
funcionaria com categorias abstratas. Outra questão é que o ambiente gibsoniano
é monolítico e autoconsistente, sendo o mesmo para todos. As categorias
humanas discutidas por Lakoff não existiriam como invariâncias no ambiente de
Gibson. Dessa forma, Lakoff ratifica que o realismo ecológico não faria sentido para
analisar categorias culturais e de experiência.
Apesar dessas divergências, Lakoff observa uma convergência de sua teoria
com as ideias gibsonianas sobre a corporificação da língua e a questão das
propriedades interacionais.
45
4.1.3 O conceito de Sweetser (1999)
Em estudo sobre construções nominais modificadas (A+N), ao se referir
especificamente às construções com fake, safe e intellectual14, Sweetser (1999)
admite que leituras metafóricas não são suficientes para definir os tipos de
processamento prévio quando se rejeita um sentido literal, assim como a
interpretação a partir do processo garden-path15 não serviria. Um dos motivos
apresentados é a questão da flexibilidade dessas construções, associada à
manutenção de aspectos apropriados do sentido de cada palavra, que se
manifestam para marcar aspectos da estrutura cognitiva da cabeça lexical, da base
da palavra.
Para resolver tal impasse, a linguista aponta para a descoberta de
affordances cognitivas, que teriam a função de conectar aspectos ou estrutura
cognitiva a outro item, principalmente quando é manifestado um material com
estrutura coerente e acessada pelo falante. Isso representa afirmar que as
affordances cognitivas seriam suportes que dariam condições para uma
interpretação não-literal de uma construção nominal modificada.
Sweetser afirma que o desenvolvimento da affordance torna-se fácil de ser
percebido porque a identificação do domínio cruzado de referência locativa pode
ser realizada a partir de processamentos cognitivos muito usuais, como o acesso
a espaços múltiplos e a junção do contexto com o processo dinâmico da
construção de sentido, que determinam se a interpretação mais simples de uma
palavra é literal (direta) ou se exige conexões inter-espaciais.
14
A autora afirma que a interação entre os espaços de frame estruturado, os mapeamentos inter-espaciais e o fenômeno de zonas ativas cria interpretações variadas para essas construções. 15 Teoria processual de desdobramento sintático-semântico de uma construção. Nas palavras de Maia (2005, p. 17), "a Teoria do Garden-Path – TGP (Frazier & Fodor, 1978; Frazier, 1979; Frazier & Rayner, 1982), termo traduzido em português por Dillinger (1992), como a Teoria do Labirinto é um modelo de processamento de frases modular e serial. Conforme discute-se em Maia & Finger (2005), a metáfora do garden path ou “caminho do jardim” é basicamente semelhante a do labirinto. Trata-se de um modelo estrutural e o labirinto, à semelhança de uma frase, é uma estrutura, com várias bifurcações a serem escolhidas ao se trafegar por ele. Ao se entrar em uma sala em que há várias portas, escolhe-se uma delas, provavelmente a mais próxima e, algumas vezes, a escolha leva para fora, ao jardim, e não ao interior da estrutura, como pretendido. " Na sentença " O presidente anunciou que o ministro vai deixar o cargo ontem", por um momento há um problema no processamento do advérbio, pois a associação inicial ocorre com o verbo mais próximo (vai deixar), gerando incongruência temporal; por isso, o leitor precisa reanalisar a sentença e fazer a ligação do advérbio com o verbo 'anunciou', para que seja mantido o sentido da oração.
46
A autora ainda enfatiza que as estratégias cognitivas para se descobrir
uma affordance nas construções A+N são as mesmas utilizadas nas construções
de sentido e de espaço. O complicador seria a tentativa de descompactar os
resultados da construção em affordances. Apesar da noção implícita de que a
affordance é um conceito importante na análise de SN modificados, Sweetser
(1999) não apresenta claramente uma forma como os casos citados (fake, safe
e intelectual) seriam analisados.
4.1.4 A relação do conceito de affordance com outras teorias cognitivas
Duque (2013) discorre a respeito da integração de affordances e restrições
gramaticais para se compreender uma sentença. Para demonstrar como a
percepção de determinada affordance comprova a corporificação de uma estrutura
conceptual, cita a construção ‘boi voador’ (retirada dos versos de Chico Buarque e
Ruy Guerra): a imagem mental construída pode ser de um boi com asas ou um boi
com capa. Essa imagem é resultado de um processo de integração conceptual, em
que a affordance percebida para a mesclagem está ligada ao voo (asa/capa).
Para o linguista, esse processo demonstra que, na produção e compreensão
de enunciados, ativamos regiões do cérebro relacionadas à percepção do mundo e
do movimento do corpo. O resultado seria a interferência entre linguagem e demais
capacidades cognitivas que fortalecem abordagens linguísticas direcionadas à não
autonomia da linguagem.
Em seu trabalho, há uma crítica a respeito da teoria de Gibson:
“(...) ao desconsiderar o conhecimento prpvio e as expectativas do ator, Gibson contempla apenas as capacidades motoras do ator e não as capacidades perceptivas e mentais. Vale enfatizar que, ao contrário disso, acreditamos que as informações que especificam o affordance dependem das experiências do indivíduo e da cultura em que está inserido.” (DUQUE, 2013, p. 482)
A ideia de Duque vai ao encontro do que postula Lakoff, ao considerar a
cultura um dos elementos determinantes da affordance.
Gorniak (2005), em sua tese sobre a linguagem computacional para RPG
(roler playing game), apresenta uma perspectiva ampliada a respeito das
47
affordances. Para ele, affordances são “aspectos únicos primitivos da constituição
física do mundo que não são nem objetivos nem subjetivos” (p.31); essa
perspectiva é gibsoniana, mas Gorniak se utiliza da conceituação de Norman
(1999)16 quando destaca a affordance percebida, que seria o resultado da
produção da percepção individual do mundo, codificando algum aspecto da
estrutura do mundo em relação ao observador. Nesses termos, o que Gibson
considera genericamente como affordance foi distribuído por Gorniak como
affordance real (termo amplo para designar todas as possíveis propriedades para
interação do indivíduo com o meio ambiente) e affordance percebida (termo
limitado à percepção de uma propriedade na interação individual com o ambiente).
Quanto às affordances percebidas, Gorniak afirma que há uma estrutura
para elas: um ator, um ambiente, a interação e o elemento temporal. Essa
estrutura é genérica, pois para cada situação haverá inserção de elementos
novos; para exemplificar, as diversas formas de se pegar um copo e a escolha de
alimentos para um café da manhã implicariam níveis de representação
diferenciados. Existe uma conexão, mas percebemos que uma situação é mais
amplificada do que a outra, o que exige um número maior de affordances.
Abdullah e Frost (2005), em estudo sobre um possível princípio semântico
uniforme para os adjetivos no viés da ciência computacional, advogam que assim
como os adjetivos regulares ‘iluminam’ algumas propriedades do N, os privativos
‘mascaram’ essas propriedades. Nessa perspectiva, a expressão ‘arma falsa’ é
interpretada como uma arma, mas com algumas propriedades ausentes. Os autores
fazem uma demonstração com outras construções:
16 Don Norman foi o primeiro estudioso a fazer uso do termo ‘affordance percebida’, no artigo
‘Affordance, conventions, and design’ (revista Interactions, volume 6, maio de 1999), sobre interação homem-computador.
48
Figura 1. Análise de propriedades ausentes (ABDULLAH E FROST, 2005, p.333)
Na tentativa de conciliar a teoria de Gibson às ideias de Lakoff, Attardo
(2005) analisa o conceito de affordance ligado a frames semânticos, na
interface semântica/pragmática. O autor afirma que as affordances guiariam ou
restringiriam a expansão de sentidos lexicais no processamento das sentenças,
não sendo limitadas somente ao aspecto visual da realidade.
Nesse viés, Attardo sugere uma teoria linguística para a affordance, pautada
nos seguintes tópicos:
a) Palavras ativam affordances
b) A visão socioconstrutivista da affordance é possível
c) Definição intensional de affordance, nos termos de crenças e sistemas
de crenças (contrariando a visão referencial de Gibson, que não se ampara
na cultura)
d) A análise sintática é afetada por affordances
e) Affordance seria um subesquema de cada frame, que enfatiza slots de
objetos, agentes ou instrumentos.
49
4.1.5 O conceito de affordance e as propriedades interacionais
O termo ‘propriedades interacionais’ foi utilizado primeiramente por Lakoff e
Johnson (2002) como “conceitos definidores emergentes das nossas interações
com os outros e com o mundo” (p. 210). Tal conceito está intimamente
relacionado com o processo de categorização.
As propriedades interacionais implicam uma gama de caracterizações de um
determinado objeto, que podem ser consideradas em algumas dimensões:
perceptual, motora, intencional, funcional, etc. Essas dimensões são responsáveis
pela determinação de semelhanças de família nos processos de categorização; não
são propriedades em si dos objetos, mas categorizadas segundo o agir humano, a
experiência humana em dada cultura, por isso não são fixas.
Os autores exemplificam a identificação de tais propriedades a partir da
oposição subjetivismo x objetivismo. Na análise objetivista, teríamos o seguinte:
• Isto é uma arma preta.
Então, isto é uma arma.
• Isto é uma arma falsa.
Então, isto não é uma arma.
Então, isto não é uma girafa.
Então, isto não é uma vasilha com macarrão com broto de bambu. E assim por
diante...
Para uma análise subjetivista, teríamos o que é demonstrado no exemplo
seguinte:
• ARMA FALSA
FALSA preserva:
- Propriedades perceptuais (uma arma falsa se parece com uma arma)
- Propriedades motoras (pode ser manuseada como uma arma)
- Propriedades intencionais (serve a alguns propósitos de uma arma)
FALSA nega:
- Propriedades funcionais (uma arma falsa não serve para atirar)
- História funcional (se fosse feita para ser uma arma real, então não seria falsa)
50
O exemplo de análise subjetivista apresenta as seguintes implicações:
a) A contextualização é genérica, baseada no conhecimento de mundo a
respeito do objeto ‘arma’.
b) Não há contexto discursivo.
c) Por falta de contexto discursivo, não temos noção das diferentes
propriedades que possam ser negadas.
Apesar das ressalvas lakoffianas, compreendemos que as revisões sofridas
pelo conceito de affordance em outras áreas do conhecimento (NORMAN, 1988;
VAN LIER, 1998, 2000) desfizeram muitas das distinções percebidas inicialmente.
Norman (1988) demonstra o caráter experiencial da affordance, ao apresentar o
termo ‘affordance percebida’ - aquela que é notada a partir da compreensão do
indivíduo e de sua vivência com tal objeto, portanto passível de variações segundo o
conhecimento de mundo; Van Lier (1998, 2000) aponta a interação como elemento
fundamental na compreensão das affordances.
Enfim, a teoria seminal de Gibson (1979) acerca das affordances também
sofreu alterações, refinamentos, ao longo do tempo e hoje pode se adequar aos
estudos linguísticos, tendo uma similaridade muito mais nítida com as propriedades
interacionais de cunho lakoffiano.
4.2 Ajuste focal/zonas ativas
Sweetser (1999) afirma que não deveríamos, no caso dos privativos,
considerar na análise os itens separadamente, até porque estamos diante de uma
composicionalidade. A estudiosa, ao citar o exemplo de ‘bola vermelha’, discorre a
respeito da compreensão mediada pelo contexto; uma bola vermelha, sem levar em
conta o contexto, é somente uma bola com a superfície vermelha. Mas dentro do
contexto, ‘bola vermelha’ pode ser uma bola que, no meio de tantas que têm a
superfície azul, é vermelha em sua constituição interior; mais ainda, pode ser uma
bola com uma marca vermelha, entre outras acepções. Nesses termos, a linguista
estabelece um exemplo do que seja ajuste focal.
51
Segundo Langacker (2008), a focalização é um tipo de construal
(perspectivação conceptual17), em que porções de um conteúdo linguístico são
seletivamente ativadas, segundo as intenções de uso do falante. Para ele, o
construal se divide em classes: a) especificidade, referindo-se ao nível de precisão e
detalhamento da construção linguística (detalhamento do tipo animal > mamífero >
cachorro > pastor-alemão); b) proeminência, que permite colocar em primeiro plano
ou como fundo uma determinada estrutura (perfilamento e saliência relativa das
subestruturas de uma predicação; alinhamento figura/fundo; oposições perfil/base
e trajetor/marco); c) perspectiva, referindo-se à posição através da qual uma
situação é observada (envolve categorias como ponto de vista, escopo,
dêixis e objetividade/subjetividade); d) dinamicidade, que considera o
processo de desenvolvimento de uma conceptualização no tempo (escaneamentos
sequencial e sumário; movimento fictício; sistema de dinâmica de forças). Ainda
existem outras operações do construal: metáforas, metonímias e esquemas
imagéticos.
Evans (2007) considera as zonas ativas como um fenômeno em que parte de
uma entidade é cognitivamente ativada, tornando-se ativas por causa do contexto
linguístico. A autora utiliza como exemplo as sentenças “Max ouviu o trompete” e
“Max viu o trompete”; os verbos ‘ouvir’ e ‘ver’ servem para ativar diferentes aspectos
do nosso conhecimento associado a trompetes. Na primeira sentença, a zona ativa
relaciona o conhecimento concernente ao tipo de som emitido por trompetes,
enquanto na segunda a zona ativa concebe propriedades visuais associadas a
trompetes, como formato e cor.
4.3 Mesclagem conceptual
A mesclagem conceptual é considerada uma poderosa ferramenta de análise
de situações linguísticas e não-linguísticas (FAUCONNIER E TURNER, 2006),
sendo utilizada nos estudos cognitivistas para demonstrar o processo de integração
conceptual de variadas construções que apresentem relações de referenciação.
17 “(...) modo ou modos de conceptualizar determinada situação.” (SILVA E BATORÉO, 2010, p. 233)
52
Evans (2007) esclarece que a mesclagem conceptual deriva de duas
abordagens na semântica cognitiva: a teoria da metáfora conceptual e a teoria dos
espaços mentais18. A mesclagem conceptual é um operação cognitiva básica para a
compreensão do modo como pensamos, sendo considerada a chave para
o desenvolvimento de comportamentos humanos que dependem de
habilidades simbólicas complexas.
O esquema da mesclagem conceptual, segundo Fauconnier (1997), é
elaborado de acordo com os procedimentos abaixo:
a) Projeção interdomínios - entidades do domínio-fonte projetam-se em
contrapartes no domínio-alvo.
b) Esquema genérico - espaço compartilhado pelo domínio-fonte e pelo
domínio-alvo; seria a interseção entre os dois domínios.
c) Mescla - os domínios são projetados em um quarto espaço, levando os
elementos que são contrapartes ou não; as entidades podem, nesse espaço,
aparecerem como um só elemento ou serem projetadas separadamente.
d) Estrutura emergente - é própria da mescla, sendo formada pela
contribuição dos domínios. Pode ser construída de três formas:
- por composição - as relações disponíveis não precisam existir no domínio-
fonte ou no domínio-alvo;
- por completamento (complementação) - MCIs19 e conhecimentos
compartilhados de molduras comunicativas podem ser passados dos domínios para
o espaço da mescla ou, através da composição, nascem novas relações;
18 Entendidos como construtos teóricos temporários para informação relevante sobre um domínio
particular (COULSON E FAUCONNIER, 1999)
19 Modelos cognitivos idealizados, que nos termos de Lakoff (1987) seriam estruturas complexas do conhecimento, relativamente instáveis, servindo para embasar estruturas proposicionais, esquemas imagéticos, mapeamentos metafóricos e metonímicos. Para Jesus (2009, p. 30), MCI seria o “conhecimento sobre o domínio ou domínios da experiência que colabora na significação de uma categoria linguística; ele é interindividualmente partilhado pelos membros de um grupo social, tem limite indeterminado e está envolvido em qualquer ato de categorização, sendo imprescindível para formação do significado e pensamento de uma língua”.
53
- por elaboração - ‘criação’ cognitiva dentro do próprio espaço da mescla,
ocasionada pela nova lógica instaurada.
Esquema 2. Representação da mesclagem conceptual (FAUCONNIER E TURNER, 2002)
A integração conceptual como processo pode ser percebida nesse
diagrama básico, em que as linhas representam as projeções e mapeamentos
conceptuais, relacionadas a vinculações e coativações neurais.
Enfatizamos que, conforme afirmam Fauconnier e Turner (2006), os
diagramas envolvem somente uma parte dos espaços mentais; assim, um espaço-
mescla pode ter múltiplos espaços de input.
Quando nos referimos à modificação adjetival, pelos exemplos já expostos no
tópico anterior, percebemos claramente a ocorrência de integração conceptual, em
que há uma compressão de espaços mentais para a elaboração de novos
significados a partir da mescla.
Todas essas contribuições de estudos linguísticos servem para orientar nossa
conceituação a respeito do adjetivo privativo nesta pesquisa. Consideraremos como
adjetivo privativo o modificador não-predicativo que estabelece uma alteração das
54
propriedades intensionais do sintagma ou construção nominal que lhe serve como
escopo, percebida na maioria das vezes pela negação contrafactual.
4.4 Contrafactualidade
Fauconnier (1985) apresenta a contrafactualidade como um caso de
construção linguística de um raciocínio possivelmente válido a partir de um locus
falso na atualidade. Ou seja, construções como “Se fosse rico, compraria um
Camaro amarelo” são válidas do ponto de vista hipotético, embora o espaço da
realidade atual demonstre a falsidade do estado do falante - ‘ser rico’.
Cognitivamente falando, temos nesse tipo de asserção uma
incompatibilidade entre espaços mentais, uma vez que o espaço R (realidade)
projeta um espaço H (hipótese) que não é concreto, fazendo com que haja um
dualismo nas contrapartes dos dois espaços mentais: no primeiro, temos um ‘eu’
pobre, que não possui um Camaro amarelo; no segundo, o ‘eu’ projetado é rico,
dono de um Camaro amarelo. Assim, quando vislumbramos uma compressão da
cena do falante, o que temos é uma negação contrafactual, uma vez que
consideramos a situação real de fala como base para o estabelecimento da
condição econômica desse falante.
Fauconnier aponta inicialmente as construções condicionais como premissa
para a contrafactualidade, mas o próprio autor, em outros estudos, admite que a
contrafactualidade não estaria restrita a construções gramaticais, mas seria um
recurso para operarmos com/na irrealidade (FAUCONNIER E TURNER, 2002).
As estruturas contrafactuais seriam vistas, então, como mesclas complexas gerais
com estrutura emergente, em que a modificação causada por um item
gera consequências para o todo; “Dama de Ferro” não se refere somente à
Margareth Tatcher como mulher e política, mas a uma comparação entre
sistemas políticos diferentes (Inlgaterra x EUA).
Ferrari e Pinheiro (2014), a partir da abordagem de Fauconnier, analisam
estruturas contrafactuais em trechos de canções e poemas, demonstrando que tais
estruturas são comuns na linguagem cotidiana, projetadas a partir da determinação
55
de um ponto de vista (que pode ser do falante ou não20). Para os autores, as
estruturas contrafactuais “descrevem situações contrárias aos “fatos”, permitindo o
estabelecimento de raciocínios válidos a partir de premissas consideradas falsas” (p.
30).
Na modificação adjetival, temos também a ação de raciocínios contrafactuais,
quando consideramos que cada elemento da construção ativa um input que sofrerá
sucessivas mesclas e em uma dessas projeções ocorrerá uma desanalogia. É o
caso, por exemplo, de ‘cavalo de pau’, que se projeta primeiro em um espaço
contrafactual, já que o conceito genérico de ‘cavalo’ se liga a um animal que se
movimenta (no caso da construção, ‘de pau’ projeta essa negação contrafactual); em
seguida, a integração entre os elementos da mescla (animal/brinquedo,
orgânico/artificial, com pelo/de madeira) gera uma estrutura emergente em que há a
conceituação de ‘cavalo de pau’ como brinquedo que imita um cavalo.
4.5 Relações vitais
A noção de relações vitais é apresentada por Fauconnier e Turner (2002)
como uma forma de mostrar o detalhamento de sistematizações nos diferentes tipos
de redes integradas, ou seja, no processo de combinações conceptuais. Os autores
consideram que muitos fenômenos linguísticos (categorização, metáfora, analogia,
gramática, pensamento contrafactual, integração de evento, tipos diversos de
aprendizagem e criação artística, dentre outros) são produtos de uma mesma
operação imaginativa. Assim, necessitaríamos desses detalhes para explicarmos
suficientemente o que ocorre nos fenômenos linguísticos em que há integração
conceptual.
A explicação por meio desses detalhes nos auxilia na investigação de meios
pelos quais um modelo de rede se aplica em diferentes ‘nichos conceptuais’, através
de desenvolvimento conceptual com propósitos diversos, em contextos variados,
20 A flexibilidade do ponto de vista é assumida pelos autores como um fator relevante na análise de espaços
mentais em diferentes contextos discursivos.
56
com diferentes affordances e pessoas também diferenciadas nas esperanças,
crenças e desejos.
As relações vitais são observadas no processo de mesclagem conceptual de
construções linguísticas, quando ocorrem as compressões; uma relação vital pode
resultar da compressão de outras21. As relações categorizadas por Fauconnier e
Turner são as seguintes: causa e efeito, tempo, espaço, identidade, mudança,
singularidade, parte-todo, representação, papel-função, analogia, desanalogia,
propriedade, similaridade, categoria, intencionalidade). Há tipos e subtipos de
relações vitais, dependendo da natureza da construção linguística.
Abaixo, uma breve noção de cada tipo de relação vital:
a) Causa e efeito - sua manifestação depende de outros tipos de relação,
como tempo, espaço e mudança; há subtipos dessa relação, como
produtor-produzido.
b) Tempo - relacionado à memória, mudança, continuidade, simultaneidade
e não-simultaneidade.
c) Espaço - parecida com a relação de tempo; relaciona-se à distância e
proximidade locativa.
d) Identidade - relação vital mais básica; refere-se à noção essencial de
pessoas, objetos, seres ou eventos; no processo de criação ou
desintegração da identidade, há contribuição das relações de mudança,
tempo e causa e efeito.
e) Mudança - relação vital mais genérica, conectando um elemento (ou parte
dele) a outro; possui vínculo com a relação de identidade.
f) Singularidade - refere-se ao que é adquirido no resultado da mescla dos
elementos, no sentido de exclusividade.
g) Parte-todo - refere-se à noção metonímica de, por exemplo, usar um
termo genérico (pessoa) para se referir a uma parte do corpo (face);
21 Por compressão entendemos o processo que reforça a relação entre os inputs de espaços distintos
no esquema de mesclagem conceptual, provocando uma fusão de sentidos ora evocados por domínios diferentes. O resultado de uma compressão aparece na estrutura emergente (espaço- mescla) da integração conceptual (EVANS, 2007).
57
envolve outros tipos de relação, como identidade, causa e efeito,
exclusividade.
h) Representação - apresenta dois inputs: um que se relaciona à coisa
representada e outro ao elemento que a representa.
i) Papel-valor - refere-se a papéis sociais/valores de coisas no mundo
(presidente do Brasil é um papel para o valor Itamar Franco e um valor para
o papel chefe de estado).
j) Analogia - dependente da compressão papel-valor; os papéis Papa
João Paulo e Papa João VI são análogos.
k) Desanalogia - fundamentada na relação de analogia; é marcada pela
compressão na mudança (Oceano Pacífico x Oceano Atlântico).
l) Propriedade - refere-se ao que se atribui a uma coisa, a
uma característica específica (copo azul/cor azul).
m) Similaridade - relaciona elementos com propriedades compartilhadas.
n) Categoria - parecida com a relação de propriedade; refere-se
às categorizações que fazemos das coisas (Fiat Uno é um carro).
o) Intencionalidade - refere-se a esperanças, desejos, vontades, medos,
crenças, memórias e outras atitudes e disposições mentais.
58
5 OUTROS CONCEITOS E ABORDAGENS SUBJACENTES AO FENÔMENO DE
MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
Em análise inicial de construções modificadas privativas, percebemos que
conceitos e abordagens que não pertencem ao arcabouço teórico da Linguística
Cognitiva são necessários para a compreensão do fenômeno. No caso de ‘loura
falsa’, por exemplo, temos a acepção de significado determinada pelo contexto
discursivo, mas tal acepção fora desse contexto nos aponta pelo menos duas
possiblidades semânticas: negação de propriedades de ‘loura’ ou atribuição de
desvio ao caráter de ‘loura’.
Para nos auxiliar nesta questão, utilizaremos os conceitos de polissemia
(SILVA, 2006) e de sistemas complexos ligados à teoria multissistêmica da língua
(CASTILHO, 2010).
5.1 Polissemia
A polissemia é compreendida como “a associação de dois ou mais sentidos
relacionados entre si a uma única forma linguística” (SILVA, 2006, p. 10). No viés
da LC, a polissemia ocupa um lugar importante, uma vez que está associada a
uma recontextualização do significado e da linguagem.
Na literatura linguística, há um embate acerca da atribuição de sentido de
uma palavra, criando duas alternativas para a sua interpretação: uma que conduz o
sentido de uma palavra para algo mais genérico/vago e outra que privilegia “a
multiplicidade de usos concretos” (PINHEIRO, 2010, p. 64). Nos casos em que há
essa tensão, deve-se ‘puxar’ o significado para cima, “para o nível dos conteúdos
esquemáticos e de outros factores de coerência semântica” e também para baixo,
“para o nível dos usos contextuais, psicologicamente (mais) reais” (SILVA, 2010, p.
365).
59
Na estruturação semântica do léxico, o quadro apresentado por Silva (2006),
a partir das ideias de Geeraerts, mostra como o conceito de polissemia pode ser
representado:
Quadro 2. A polissemia no mapa conceptual da semântica lexical (SILVA, 2006, p. 14)
No quadro, observamos que o conceito de polissemia cerca-se de dois
eixos: o semasiológico, “dimensão que parte do componente formal da palavra
ou, em termos de Saussure, do significante para os sentidos e referentes que
podem estar associados a essa forma e, logo, a essa palavra ou item lexical.”
(SILVA, 2006, p. 13) e o onomasiológico, “que parte do conceito, significado ou
referente para as diferentes formas e, logo, diferentes palavras ou itens lexicais
que o podem designar ou nomear” (IDEM). A partir desses eixos, são
distinguidos os aspectos que se opõem nesse domínio: a) o de ordem
funcional ou qualitativo, espraiado nos sentidos, no objetivo de saber como
estão relacionados semanticamente; b) o de ordem estrutural ou quantitativo,
que envolve questões de prototipicidade, no objetivo de verificar se os sentidos
diferentes de uma palavra têm o mesmo peso estrutural ou apresentam gradiência.
60
Na assunção de que não é possível determinar exatamente quantos
sentidos tem uma palavra, uma vez que os significados são flexíveis, construídos a
partir de conhecimento enciclopédico e configuração de feixes de conhecimento
(domínios), Silva (2006) apresenta o contínuo monossemia-polissemia-homonímia:
Para exemplificar o contínuo, o autor utiliza as palavras ‘árvore’, ‘avô’ e
‘banco’, respectivamente casos de polissemia, monossemia e homonímia. Em
‘árvore’, temos dois sentidos fortemente convencionalizados (salientes): determinado
ser vegetal que cresce no solo e rede genealógica; os dois sentidos funcionam em
domínios conceptuais distintos ( o primeiro é de seres biológicos e o segundo de
redes de parentesco). No caso de ‘avô’, as duas interpretações são ‘pai do meu pai’
e ‘pai da minha mãe’; há uma pequena distância conceptual entre o esquema e suas
instanciações, não ocorrendo distinção nos domínios conceptuais. Em ‘banco’,
temos as leituras de ‘instituição de crédito’ e ‘espécie de assento’, que convergiriam
para um conteúdo esquemático de coisa, bastante genérico para criar nexo entre os
dois sentidos, o que nos faz perceber que os significados são complementos
distintos, portanto há uma distância percentual enorme entre o esquema e seus
significados.
5.2 Sistemas complexos e Teoria Multissistêmica da Língua
Para compreendermos a relação entre a ciência dos sistemas complexos e a
teoria multissistêmica da língua (CASTILHO, 2010), precisamos compreender os
pressupostos nos quais tal ciência se baseia:
1. Os componentes dos sistemas complexos exibem um tipo de ordem sem
periodicidade, em fluxo contínuo, em mudança - como queria Heráclito.
61
2. Os sistemas não são lineares, são dinâmicos, exibem um comportamento
irregular, imprevisível.
3. Os elementos dos sistemas complexos exibem relacionamentos
simultâneos, não são construídos passo a passo, linearmente. Eles são adaptáveis e
auto-organizados.
4. As anomalias identificadas pela abordagem clássica exemplificam
fenômenos vitais para o entendimento do problema, e não deveriam ser descartadas
como aberrantes.
5. Uma nova topologia do impreciso, do vago, do aproximativo, precisará ser
proposta.
6. A competição nos sistemas é mais importante que sua consistência.
7. Finalmente, ao tratar de fenômenos complexos, nenhum método
revelará por si mesmo o objeto por inteiro.
A partir de tais pressupostos, Castilho (2010) elaborou as seguintes
premissas:
(1) Do ângulo de sua produção, as línguas serão definíveis como um conjunto
de processos mentais, pré-verbais, organizáveis num multissistema
operacional.
Os processos de organização das línguas são complexos, operando de
forma simultânea, dinâmica e multilinear. São esses os domínios de tais
processos: lexicalização, discursivização, semanticização e gramaticalização.
(2) Do ângulo de seus produtos, as línguas serão apresentadas como um
conjunto de categorias igualmente organizadas num multissistema.
Como produto, a língua é um conjunto de categorias englobadas
simultaneamente em quatro sistemas: Léxico, Discurso, Semântica e Gramática.
Esses sistemas não são hierarquizados (o que gera a ausência de sistemas
centrais e periféricos), mas articulados por um dispositivo sociocognitivo. O que se
62
admite é que qualquer expressão linguística exibe características lexicais,
discursivas, semânticas e gramaticais, ao mesmo tempo.
Na perspectiva de fundamentação da teoria multissistêmica funcionalista-
cognitivista, existem os seguintes postulados:
(a) A língua se fundamenta num aparato cognitivo.
(b) A língua é uma competência comunicativa.
(c) As estruturas linguísticas não são objetos autônomos.
(d) As estruturas linguísticas são multissistêmicas, ultrapassando os limites
da gramática.
(e) A explicação linguística deve ser buscada numa percepção pancrônica da
língua.
(f) Um dispositivo sociocognitivo ordena os sistemas linguísticos.
O avanço na análise a que nos propomos depende da explicitação do último
postulado - sobre o dispositivo sociocognitivo. Castilho (2010) afirma que tal
dispositivo articula os processos e produtos linguísticos captados pelos sistemas
lexicais, discursivos, semânticos e gramaticais. O dispositivo citado se fundamenta
em dois eixos: a) cognitivo, através de categorias cognitivas (pessoa, espaço,
tempo, objeto, visão, movimento e evento) e suas subcategorias; b) social, a partir
da análise continuada das situações que ocorrem numa conversa (turnos
conversacionais). É importante salientar que as categorias cognitivas possuem
caráter pré-verbal, ao passo que suas subcategorias são linguísticas.
Para sumarizar tal relação, apresentamos o seguinte esquema:
Esquema 3. Dispositivo sociocognitivo e sistemas da língua
63
Os princípios sociolinguísticos gerenciam os sistemas linguísticos, sendo
discriminados abaixo:
- ativação: fundamentado no princípio de projeção conversacional; é
responsável pela ativação de propriedades lexicais, semânticas, discursivas e
gramaticais; também caracterizado pela inserção de tópico novo.
- reativação: fundamentado na correção pragmática, através da repetição, da
paráfrase, da organização do sintagma e da recorrência da preposição na formação
de preposições complexas.
- desativação: fundamentado na estratégia conversacional de
despreferência, através da manifestação do fonema elíptico, morfema-zero,
argumentos sentenciais vazios, elipse do verbo e descontinuação do quadro tópico.
A partir dos princípios postulados, o autor apresenta os sistemas linguísticos e
seus processos, bem como os subsistemas e categorias inerentes a esses sistemas.
Castilho estabelece as seguintes categorias cognitivas presentes nas estruturas das
línguas naturais: PESSOA, COISA, ESPAÇO, TEMPO, MOVIMENTO, VISÃO,
QUALIDADE, QUANTIDADE, entre outras. Enfatiza que tais sistemas não são
hierárquicos e que funcionam na língua de forma colaborativa. Os quatro sistemas
são relacionados aos processos: a) léxico e lexicalização; b) semântica e
semantização; c) discurso e discursivização; d) gramática e gramaticalização22.
a) Léxico e lexicalização
Para o sistema lexical, o autor define léxico como "um conjunto de categorias
cognitivas e traços derivados que são representados nas palavras por meio da
lexicalização" (CASTILHO, 2010, p. 110); assim, o léxico tem um caráter de
inventário (virtual, pré-verbal) que se manifesta através do processo de lexicalização
(criação de palavras). Esse processo é negociado durante a interação linguística,
sofrendo transformações à medida que ocorre uma nova situação comunicativa e em
decorrência da passagem de tempo; dessa forma, temos a ativação ou lexicalização
22 Embora esses termos processuais sejam comuns e nos remeta a associações com processos de base puramente funcionalista, há de se notar que a sua atribuição perpassa categorias mais cognitivas. Por isso Castilho considera a Teoria Multissistêmica de base cognitiva-funcionalista.
64
propriamente dita (seleção de categorias cognitivas e seus traços semânticos), a
reativação ou relexicalização (nova ativação das categorias) e a desativação ou
deslexicalização (eliminação ou substituição de categorias).
A lexicalização manifesta-se por etimologia (fructu persicu > persicu >
pêssego), neologia (verbo coisar) e empréstimo (o celta caballus, que suplantou o
latim equus para cavalo, mantendo-o somente na forma feminina égua). A
relexicalização pode ser percebida nos processo de derivação e composição lexicais
(amor ~amoroso, desde < em de + ex + de). Já a deslexicalização ocorre no desuso
de uma palavra (pela não é mais usada para se referir à bola de futebol - porém, a
derivação pelada, designando jogo informal de futebol, mantém-se no PB).
b) Semântica e semantização
O sistema semântico é apresentado como o de criação de significados,
operando a partir das seguintes estratégias: (i)organização de campo visual; (ii)
emolduração de participantes e eventos via criação de frames, scripts e cenários; (iii)
hierarquização de participantes e eventos por fixação de perspectivas, escopos,
figura/fundo; (iv) inclusão, exclusão e focalização de participantes e eventos; (v)
agregação de participantes e eventos novos por inferência, pressuposição e
comparação; (vi) movimentação dos participantes e eventos de forma fictícia ou real;
(vii) alteração de nossa perspectiva acerca de participantes e eventos, por metáfora,
metonímia, especialização e generalização.
Para a observação dessas estratégias no processo de semantização, temos
de compreender que sentidos, significados e significações não são conceitos
hierárquicos, pois funcionam simultaneamente. O campo do sistema semântico,
nessa perspectiva, abarca as seguintes categorias:
- dêixis e foricidade: a primeira é dependente da situação discursiva,
correspondendo à função de apontar a pessoa, o espaço e o tempo; o segundo
termo diz respeito à identificação por itens lexicais de termos já referidos ou a serem
referidos em um discurso, dentro de uma relação estreita com a dêixis.
- referenciação: é a função exercida por um signo linguístico para
representar uma entidade do mundo extralinguístico (real ou imaginária); essa
representação de coisas pode ocorrer de forma intensional (através do conjunto de
65
propriedades lexicais das palavras) ou extensional (através da noção de conjunto de
indivíduos).
- predicação: decorrente da ação de um operador sobre seu escopo, através
da transferência de propriedades.
- verificação: decorrente da comparação implícita entre o escopo de um
operador e o protótipo correspondente, tendo como resultado a afirmação, a
negação, a focalização, a inclusão, a exclusão ou a delimitação do escopo.
- conectividade: representada pela função exercida por preposições e
conjunções, que é a de ligar palavras e sentenças.
- inferência e pressuposição: o primeiro termo refere-se à criação de
realidades semânticas embasadas naquelas que já existem; o segundo corresponde
ao entendimento de alguma coisa que não foi dita ou posta.
- metáfora e metonímia: a primeira é considerada um fenômeno conceitual
manifestado através de um mecanismo cognitivo básico e nem sempre ligada a
expressões linguísticas; a segunda está relacionada à alteração de sentidos de uma
palavra por meio de migração de traços presentes na expressão linguística.
A semantização é vista como a criação de sentidos, enquanto a
ressemantização está relacionada à adequação da representação de objetos e
eventos e a dessemantização corresponde às alterações geradas pelas metáforas,
metonímias, especializações e generalizações, em que há o silenciamento do
sentido anterior e ativação de novos sentidos (desbotamento semântico).
c) Discurso e discursivização
O discurso é entendido pela teoria multissistêmica da língua como o conjunto
de negociações em que se envolvem o locutor e o interlocutor, através das quais (i)
se instanciam as pessoas de uma interação e se constroem suas imagens; (ii) se
organiza a conversação através da elaboração do tópico discursivo, dos
procedimentos de ação sobre o outro ou de exteriorização dos sentimentos; (iii) se
organiza essa interação através do subsistema de correção sociopragmática; ou (iv)
se abandona o ritmo em curso através de digressões e parênteses, que passam a
66
gerar outros centros de interesse. A discursivização é o processo de criação de
textos.
As categorias cognitivas que constituem o discurso são a moldura e a
perspectiva. A primeira corresponde a "uma percepção compartilhada pelos falantes
sobre a função social do discurso" (CASTILHO, 2010, p. 135); a segunda diz
respeito ao "ponto de vista adotado pelos interlocutores" (IDEM). A moldura pode ser
considerada uma metáfora ligada à categoria cognitiva de ESPAÇO, na
compreensão de que o objeto desse espaço é o texto; também não se descarta sua
estruturação na categoria de TEMPO e a maneira como permite operações
semânticas complexas, com vários desdobramentos.
O conceito de perspectiva liga-se às categorias de ESPAÇO e VISÃO,
através da manifestação variada de formas na estrutura do texto: seleção da voz
verbal, escolha lexical, dêixis e foco narrativo.
As categorias sociais que constituem o discurso são os interlocutores e as
categorias discursivas constituintes do texto são várias: tópico discursivo (unidade
discursiva e parágrafo), reformulação do quadro tópico (repetição, paráfrase),
descontinuação do quadro tópico (parentetização, digressão) e conexão textual.
O processo de discursivização será percebido pela produção de unidades
discursivas e parágrafos, enquanto a rediscursivização é revelada pela repetição de
enunciados, sua correção ou parafraseamento e a desdiscursivização é resultado do
abandono da hierarquia tópica por meio de estratégias como parênteses ou
digressões.
d) Gramática e gramaticalização
O sistema gramatical abarca três subsistemas: (i) a fonologia (quadro de
vogais e consoantes e sua distribuição na estrutura silábica); (ii) a morfologia
(estrutura da palavra); (iii) a sintaxe (estrutura sintagmática e funcional da sentença).
Esse sistema lida com estruturas cristalizadas ou em processo de cristalização.
A gramaticalização é vista por Castilho (2010, p. 138) como "processo de
constituição da gramática", no sentido de que essa constituição não é resultado de
processos lineares (uma vez que a língua não é considerada um conjunto de signos
lineares) e muito menos há um percurso de produção linguística do léxico para a
67
gramática (pois léxico e gramática são sistemas autônomos) ou derivações entre
léxico, gramática, semântica e discurso.
Nessa perspectiva, a gramaticalização é apresentada pelo autor como criação
e alterações da estrutura fonológica das palavras (fonologização), da estrutura
flexional e derivacional da palavra (morfologização) e da estrutura da sentença
(sintaticização). Como exemplo de palavra que apresenta todas as manifestações de
gramaticalização, o autor trabalha com o pronome você: temos a fonologização nas
alterações de Vossa Mercê para Vosmecê, você, ocê e cê; há também a
morfologização na alteração de classe - palavra composta > palavra simples > clítico
/ substantivo > pronome > afixo; a sintaticização é demonstrada na perda das
fronteiras entre o Especificador vossa e o núcleo nominal mercê - na forma clítica
(cê), temos uma marcação gramatical pré-núcleo no PB que afeta a pessoa do
verbo.
A gramaticalização em si é percebida na construção dos sintagmas e das
sentenças, na ordenação dos constituintes, na concordância, na organização da
estrutura argumental, entre outras operações. A regramaticalização decorre de dois
processos já comumente apresentados - o de poligramaticalização e o de reanálise,
alteração de uma classe gramatical, gerando mudança na fronteira sintática e
associando o item a mais de um valor gramatical - caso de tipo: tipo de saia / tipo
assim. A desgramaticalização refere-se à desativação de propriedades gramaticais,
tendo como exemplo o morfema-zero (Morfologia) e a elipse de constituintes
sentenciais ou categoria vazia (Sintaxe).
Em nossa pesquisa, não temos como objetivo abordar a análise a partir de
todas as categorias e subsistemas apresentados, mas procuramos relacionar
algumas categorias dos sistemas gramatical, lexical, discursivo e semântico às
construções trabalhadas.
Também aproveitamos os critérios distribucionais explanados por Castilho
para desenvolvermos a análise de cunho sintático. Os critérios distribucionais são
apresentados por Castilho (2010) a partir da ótica de Casteleiro (1979), em estudo
sobre as diferenças sintáticas entre adjetivo e substantivo; Casteleiro observa as
seguintes distinções na análise das propriedades de distribuição desses itens, o
68
que nos leva a uma classificação de adjetivos como predicativos e não-
predicativos:
a) Propriedade predicativa: os adjetivos predicativos correspondem a
sentenças relativas, enquanto os não-predicativos não. Ex.: Adoro as
paisagens que são tranquilas. / ?Adoro as casas que são rurais.
b) Propriedade de grau: os adjetivos predicativos admitem a gradação, o que
não ocorre com os não-predicativos. Ex.: Adoro as paisagens muito
tranquilas. / ?Adoro as casas muito rurais.
c) Propriedade pré e pós-nominal: os predicativos podem ter posição livre
(tanto posposta quanto anteposta) em relação ao substantivo, enquanto os
não-predicativos têm posição fixa. Ex.: Adoro as paisagens tranquilas ~
tranquilas paisagens. / Adoro as casas rurais - *rurais casas.
d) Propriedade de comutabilidade com uma paráfrase nominal: os não-
predicativos, quando na forma de+N, podem ser parafraseados, enquanto os
predicativos não. Ex.: cidade sombria - *cidade de sombra / ciências
naturais - ciências da natureza
e) Propriedade de ligação por verbos copulativos ‘ser’ e ‘estar’: os
predicativos são ligados aos substantivos através desses verbos, ao passo
que os não-predicativos rejeitam o verbo ‘estar’. Ex.: Essas paisagens
são/estão tranquilas. / * Essa ciência é/está natural.
f) Propriedade de funcionamento como predicativo do objeto direto: os
predicativos podem funcionar nessa categoria, o que não acontece com os
não-predicativos. Ex.: Acho essas paisagens tranquilas. / *Acho esse
engenheiro civil.
g) Propriedade de aposição: os predicativos podem funcionar como
apostos (antepostos ou pospostos) do substantivo, o que não ocorre com
os não-predicativos. Ex.: As crianças, alegres, partiram para o campo. /
*Os engenheiros, civis, partiram para o campo.
h) Propriedade de coordenação: os predicativos podem ter coordenação
entre si, enquanto os não-predicativos não fazem esse processo. Ex.:
paisagens calmas e bonitas / *engenheiros competentes e eletrotécnicos
69
i) Propriedade de adição de prefixos numéricos: os não-predicativos aceitam
prefixos numéricos (mono-, multi-, poli-, etc), enquanto os predicativos não os
aceitam. Ex.: paisagem monocromática / *terras bivermelhas
j) Propriedade de adição de prefixos de negação: os predicativos aceitam
tais prefixos, enquanto os não-predicativos os rejeitam. Ex.: crianças
infelizes / *geradores insolares
k) Propriedade de adjunção a sentenças substantivas: os predicativos
aceitam sentenças substantivas, enquanto os não-predicativos só as
aceitam quando prefixados. Ex.: É bom que essas dificuldades sejam
vencidas. / *É governamental que certas repartições públicas não
funcionam. / É antigovernamental que certas repartições públicas não
funcionam.
l) Propriedade de formação de cadeia referencial: os predicativos formam
anáforas a partir de pronominalizações, enquanto os não-predicativos
formam anáforas nominalizadas.
Castilho (2010) afirma que essa análise mostra que os adjetivos são uma
classe heterogênea, considerando que a tradição faz a categorização em dois eixos
dos adjetivos: os verdadeiros adjetivos, adjetivos prototípicos, atributivos ou centrais,
contrapondo-se aos pseudoadjetivos, adjetivos não-prototípicos, classificatórios ou
de relação.
70
6 ESTUDOS ANALÍTICOS DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL PRIVATIVA
O objetivo deste tópico é apresentar a dimensão prática dos estudos a
respeito da modificação adjetival privativa. Para tanto, utilizamos os estudos já
explanados nesta pesquisa, envolvendo conceitos gerativistas (KAMP, 1975) e
cognitivistas (FRANKS, 1995; COULSON E FAUCONNIER, 1999; COULSON,
2001).
6.1 O modelo de Kamp (1975)
O tipo de análise de adjetivos utilizado por Kamp (1975) é apresentado de
forma mais abrangente por Dalla Pria (2008). Para Kamp, a categorização
semântica dos adjetivos é respaldada pela satisfação de postulados a eles ligados:
a) Predicativo: Existe a propriedade Q para cada propriedade P e cada w
W, F(P)(w) = P(w) ∩ Q(w).
Interpretação: “existe uma propriedade Q para cada propriedade P e para
cada w (mundo possível) ϵ (pertencente a) W (o conjunto não vazio de todos os
mundos possíveis). F(P)(w) (o significado F na propriedade P e no mundo possível
w) = (é igual) P(w) (a propriedade P no mundo possível w) ∩ (interseccionada com)
Q(w) (uma propriedade Q no mundo possível w)”.
b) Afirmativo: Para cada P e w, F(P)(w) P(w)
71
Interpretação: “para cada propriedade P e para cada w (mundo possível),
F(P)(w) (o significado F na propriedade P e no mundo possível w) (está contido
ou é igual) P(w) (a propriedade P no mundo possível w)”.
c) Privativo: Para cada propriedade P e cada w ϵ W, F(P)(w) ∩ P(w) = Ø
Interpretação: “para cada propriedade P e para cada w (mundo possível) ϵ
(pertencente a) W (o conjunto não vazio de todos os mundos possíveis), F(P)(w)
significado F na propriedade P e no mundo possível w) ∩ ∩ (interseccionada com)
P(w) (a propriedade P no mundo possível w) = (é igual a) Ø (um conjunto vazio)”
Para esse último caso, o linguista utiliza o exemplo de ‘fake’ e ‘false’,
afirmando que não há uma representação possível para esse tipo de adjetivo, como
ocorre com o predicativo e o afirmativo.
6.2 O modelo de Franks (1995)
Os processos analisados por Franks em seu modelo de geração de sentidos
são os de coerção metonímica do type, união prioritária e unificação. O linguista
sustenta sua análise na relação entre palavras e sentidos através de conceitos
lexicais23. Dessa forma, teríamos o seguinte processo gerativo: conceito lexical
(input) > contexto (especificidade/flexibilidade) > sentido apropriado (output).
23
Para o autor, conceitos lexicais são representados pela memória de longo prazo, enquanto sentidos são representações temporárias, construídas pelo contexto vigente na comunicação.
72
Para analisar os casos de modificação adjetival, Franks utiliza um esquema
complexo de representação baseado na lógica formal:
Esquema 4. Representação complexa das estruturas de valor-atributo
Como vemos, temos uma representação que pode ser interpretada da
seguinte forma:
- a tipifica um grupo de atributos centrais, que se desdobra em a e c; no
desdobramento, a se relaciona à especificidade desses atributos, enquanto c faz
outro desdobramento para valores específicos (b se relaciona com p e c com r);
- b tipifica um grupo de atributos diagnósticos, sendo relacionado a um valor;
- nada impede a existência de mais elementos e desdobramentos em b.
No mecanismo apresentado, o autor leva em conta duas propriedades para a
análise – a especificidade e a flexibilidade. A partir desse pressuposto, Franks
apresenta outros esquemas para cada processo considerado no modelo de geração
de sentidos:
Esquema 5. Representação do processo de união prioritária
73
Esquema 6. Representação do processo de coerção metonímica do type com
refutação
Esquema 7. Representação do processo de coerção metonímica do type com corte
para baixo
Em (6), temos o elemento A com seus atributos e valores, assim com o
elemento B; na relação desses elementos, o que não tem um par correspondente é
gerado por A/B. Franks utiliza o exemplo de ‘maçã vermelha’ e ‘maçã verde’ para
exemplificar a união prioritária: ‘vermelha’ é a cor padrão para maçã, mas quando
vinculamos à ‘maçã’ a cor ‘verde’, há a prioridade no modificador para esse novo
valor.
No caso de (7) e (8), vemos casos de coerção metonímica do type, sendo que
no primeiro temos refutação (como em ‘cílios postiços’) e no segundo temos corte
(como em ‘suposto criminoso’). No esquema, a distinção entre os dois está no
output: enquanto em (7) há um output apontando para a alteração de atributos
centrais e a manutenção dos atributos diagnósticos, em (8) temos somente a
manutenção dos atributos diagnósticos e a inexistência dos centrais.
Especificamente, Franks apresenta a análise de adjetivos privativos negativos
e funcionais. De início, mostra os conceitos lexicais do substantivo, para depois
apresentar o efeito do modificador sobre seu escopo.
74
O primeiro tipo de análise é realizado com a construção ‘fake gun’ (revólver
falso). Temos, então, o esquema dos conceitos lexicais da palavra gun, com seus
atributos centrais e diagnósticos desdobrados em valores; perceba-se que há
marcações de /+/ para os valores trigger (gatilho), barrel (‘tambor’) e handle (cabo).
Esses valores não são alterados quando ocorre a inserção do modificador fake; na
verdade, a alteração ocorre nos atributos centrais e seus valores, que tem seus
sentidos ‘dobrados’, sob coerção, pois fake denota a impossibilidade da função de
tiro do revólver, bem como deixa em suspenso o material, o mecanismo e a
munição.
Esquema 8. Conceitos lexicais para gun (revólver)
Esquema 9. Efeito de fake (operador de coerção metonímica) sobre o AVE de gun
Finalmente, temos a representação do sentido global de ‘fake gun’, segundo
Franks:
75
Esquema 10. Representação global da negação de traços em fake gun
Para o adjetivo privativo funcional, Franks apresenta os seguintes esquemas,
a partir da construção ‘stone lion’:
Esquema 11. Representação dos conceitos lexicais de lion e stone
76
Observamos que os traços centrais e diagnósticos são bem definidos nos
esquemas. Há elementos comuns na lista de conceitos lexicais, como orgânico e
animado, em que há oposição: ‘lion’ (leão) apresenta traços positivos e ‘stone’ (de
pedra) traços negativos.
O resultado na junção desses elementos é observado no esquema 13. Nele,
há alguns traços diagnósticos de ‘lion’, enquanto os traços centrais apresentam dois
aspectos: alguns são negados (orgânico, animado), outros são coergidos (gênero,
essência biológica) e um é herdado dos traços de ‘stone’ (+ sólido).
Esquema 12. Representação global da modificação adjetival privativa em stone lion
(processos de união prioritária e coerção metonímica)
Os adjetivos privativos equivocados também são analisados por Franks.
Como nos outros casos, primeiramente ele apresenta os atributos e valores do
conceito lexical do N, para depois mostrar a ação do modificador sobre esse N.
77
Esquema 13. Representação do conceito lexical para friend
O item ‘apparent’ (aparente), nesse caso, opera sobre o N, primeiramente em
um processo de coerção metonímica por corte e depois atribuindo sentido ambíguo
à construção. Então, mantém-se tanto o sentido apontado no esquema 14 quanto o
que aparece no esquema 15, com oposição nos traços dos atributos centrais
(loyalty/fidelidade, affection/afeição, dubious motivations/segundas intenções,
personal gain/ganho pessoal) e distinções nos traços diagnósticos: enquanto (14)
apresenta traços de comportamento solícito, tolerância, gentileza e afabilidade, (15)
apresenta, além desses traços, os de mentira e patifaria.
Esquema 14. Representação do item apparent agindo sobre friend
78
Em todos os casos, o padrão de listagem de traços na relação atributo-valor
ocorre e, apesar de Franks citar o contexto como fator importante, não notamos a
relevância dele como item fundamental para essas análises.
6.3 O modelo de Coulson e Fauconnier (1999)
O tratamento dado por Coulson e Fauconnier às construções modificadas é
focado nos pressupostos da Linguística Cognitiva. Tais linguistas consideram a
abordagem de Franks (1995) simplista e insuficiente para dar conta de tal fenômeno,
uma vez que o desdobramento em traços centrais e diagnósticos seria uma forma
de manter ainda pressupostos do objetivismo, opostos pelo arcabouço teórico da
LC.
A primeira construção analisada pelos linguistas é ‘trashcan basketball’ (jogo
de basquete de lixo), que seria a lixeira que funciona como cesta de basquete
quando se joga uma bola de papel nela. Os linguistas descrevem um cenário para o
uso dessa construção: dois estudantes universitários estudando até tarde para uma
prova; um amassa uma folha de papel e começa a jogar a ‘bola’ na cesta de lixo,
fazendo surgir um jogo de basquete inusitado. A representação para tal construção
é a seguinte:
79
Figura 2. Mesclagem conceptual para trashcan basketball
Obviamente, estamos lidando com domínios diferentes, um ligado ao jogo de
basquete e outro ligado a objetos de escritório/sala de aula. No espaço genérico,
temos a propriedade ‘vagamente esférica’, ligada ao formato de bola. No espaço
‘basketball’, temos ‘esfera de couro’ e os elementos pessoa, bola, basquete, na
relação de arremesso; no espaço ‘trash’, temos ‘papel amassado’ e ‘lixeira’ e os
elementos pessoa, papel, basquete, na relação de lançamento com força.
Outra construção analisada é ‘fake gun’ (arma falsa). Nesse caso, o cenário
descrito é de assalto, em que a vítima não tem noção de que a arma utilizada não é
de verdade:
80
Figura 3. Mesclagem conceptual para fake gun
Na representação, não houve a descrição do espaço genérico, mas
observamos que os dois espaços de inputs apontam para o conhecimento do
ator/agente (g’) e a crença da vítima (g’’). Além disso, os autores apresentam um tipo
de mapeamento para mostrar as ações do ator e a percepção da vítima:
Figura 4. Intenção do ator em fake gun
81
No mapeamento, observamos que há correspondência entre os elementos
‘cano’ e ‘arma’, na relação de ações do ator e crença da vítima; os mapeamentos
são limitados pela compreensão de que na mente do ator há a relação de causa
entre suas próprias ações e a crença da vítima. Esse ‘olhar’ mais detalhado no
processo de mesclagem conceptual é fundamental para o estabelecimento da
distinção entre o modelo de análise de Franks (1995), mais formal, e o de Coulson e
Fauconnier (1999).
6.4 O modelo de Coulson (2001)
A análise realizada pela linguista apoia-se muito nas reflexões de Franks
(1995) acerca dos adjetivos privativos, apesar de a autora não descartar o eixo
baseado nas concepções de Fauconnier e Turner (2002).
Para a construção ‘land yacht’ (limusine/carrão), a autora faz uma adaptação
da análise de Franks, em que vemos o processo de unificação sendo destacado, a
partir de alterações nos traços centrais e acréscimo de traços diagnósticos:
Tabela 1. Esquema para land yacht, adaptado de Franks (1995)
A partir disso, a autora apresenta o que seria a análise por mesclagem
conceptual, sem a utilização dos esquemas amplamente divulgados por Fauconnier
e Turner (2002):
82
Tabela 2. Representação de integração conceptual para land yacht
Na tabela 2, vemos os elementos da mesclagem conceptual apresentados
detalhadamente. Notamos que na mescla os elementos de um ou outro input se
sobressaem, além de alguns elementos serem transportados do input 2 para o
espaço-mescla sem correspondência com outros elementos do input 1.
6.5 Considerações sobre os modelos analíticos
Os modelos apresentados até aqui mostram algumas convergências em
relação à análise que pretendemos realizar, bem como noções que serão
descartadas por considerarmos insuficientes para a descrição dos adjetivos
privativos em língua portuguesa24: Nossas considerações são as seguintes:
a) O processo de mesclagem conceptual torna-se eficaz na análise dos
privativos na medida em que consideramos o fenômeno da modificação
24
Advogamos que a análise baseada em traços, embora seja amplamente utilizada por outras abordagens teóricas, não condiz com a abordagem da LC no que diz respeito à conceituação/categorização de objetos. Essa visão seria simplista e objetivista, não contemplando processos intrínsecos e complexos relacionados à construção de sentidos.
83
adjetival privativa como decorrente de projeções múltiplas de caráter
metafórico e metonímico.
b) A utilização de traços no processo de mesclagem não será aproveitada em
nossa análise, uma vez que acreditamos que as propriedades ditas
centrais e diagnósticas do escopo são relacionadas ao que Lakoff e
Johnson (2002) denominaram propriedades interacionais e que iremos
considerar nesta pesquisa pelo aporte das affordances, conceito mais
específico e eficiente no tratamento das propriedades intrínsecas do
escopo.
84
CAPÍTULO II - METODOLOGIA DE PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, apresentamos a metodologia utlizada para a seleção dos
dados, bem como a proposta de análise em nível panorâmico (no caso dos dados do
WebCorp) e em nível específico (nos dados dos textos da internet).
1 APRESENTAÇÃO
Para um tratamento adequado da modificação adjetival privativa em língua
portuguesa, buscamos estabelecer dois eixos de análise: o primeiro, de caráter
panorâmico, para percebermos tal fenômeno em contextos mais aleatórios; o
segundo, de caráter mais específico, para enfatizarmos os processos cognitivos
ocorridos nos contextos de gêneros textuais encontrados na internet.
Optamos por esses enquadres no intuito de apontarmos, inicialmente, como o
fenômeno ocorre em ‘larga escala’, na análise de um corpus mais amplo coletado no
WebCorp25, e depois apresentarmos as peculiaridades das construções privativas
em textos selecionados da internet, através da ferramenta de busca Google26.
Esclarecemos que a coleta dos dados pelo WebCorp não é exaustiva, portanto não
pode esgotar as possibilidade de uso dos adjetivos privativos.
2 ANÁLISE PANORÂMICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL
PRIVATIVA
Quando iniciamos o processo de análise da modificação adjetival privativa,
observamos que a seleção de textos em que ocorresse tal fenômeno poderia ser
vista como uma forma de manipulação de dados, no sentido da escolha somente de
situações linguísticas em que isso fosse comum, sem levar em conta um contexto
mais abrangente. Por conta dessa preocupação, buscamos realizar uma análise
panorâmica, que nos apresentasse dados de contextos genéricos na web.
25
Endereço eletrônico: www.webcorp.org.uk/live/index.jsp. Primeiro acesso em 10/02/2015 26
Endereço eletrônico: www.google.com.br . Primeiro acesso em 22/01/2014
85
2.1 O corpus WebCorp
O WebCorp é um conjunto de ferramentas para a seleção de corpus da web
em tempo real, permitindo extrair dados linguísticos, considerando a web um grande
corpus. Foi lançado em 2000, pela Research and Development Unit for English
Studies (Birmingham City University), e tem sido amplamente utilizado em pesquisas
linguísticas diversas. Tal ferramenta realiza busca em 46 idiomas, mas não
apresenta distinção entre o português brasileiro e o europeu.
A seguir, apresentamos a interface do WebCorp Live:
Figura 5. Interface do WebCorp Live
Como observamos, o mecanismo de busca da ferramenta é bem simples e
não exige um manual para que possamos fazer as buscas pelos dados. Nesta
pesquisa, utilizamos o WebCorp Live para coletarmos dados a respeito das
construções privativas; para tanto, diante do levantamento realizado pela
ferramenta, tivemos que realizar uma varredura nos dados, para separar os
adjetivos que estavam em contexto predicativo dos que se apresentavam de forma
privativa.
86
2.2 Apresentação dos dados do corpus Webcorp
Após a coleta dos dados no Webcorp, buscamos realizar uma ‘varredura’ nos
mesmos, selecionando somente os contextos em que apareciam modificadores
privativos. Tal seleção foi manual e apresentou os seguintes resultados:
TOTAL DE
CONTEXTOS
WEB
CONTEXTOS
DESCARTADOS
%
DESCARTE
CONTEXTOS
APROVEITADOS
CONSTRUÇÕES
PRIVATIVAS
FALSO 61 15 24,6 46 46
FALSA 61 06 9,8 55 63
ANTIGO 59 52 88,1 07 15
ANTIGA 57 52 91,2 05 06
POSTIÇO 37 10 27 27 15
POSTIÇA 41 02 4,9 39 15
SUPOSTO 60 08 13,3 52 39
SUPOSTA 62 02 3,2 60 52
PROVÁVEL 57 28 49,1 29 28
POSSÍVEL 51 40 78,4 10 08
TOTAL GERAL
546 216 39,4 330 287 Tabela 3. Dados do Webcorp
O descarte apontado na tabela diz respeito aos contextos em que as
construções eram extensionais ou sentenciais (casa antiga, é possível) ou
apresentavam somente enumerações de dicionários, ou seja, listas de palavras sem
contexto discursivo suficiente para análise.
Assim, temos os seguintes dados das construções:
CONSTRUÇÕES
OCORRÊNCIAS
PERÍODO
ANTIGA 06 06 01/01/2000 a 10/03/2015
ANTIGO 15 15 01/01/2001 a 18/11/2014
FALSA 63 65 13/04/2004 a 17/03/2015
FALSO 46 50 04/07/2010 a 18/11/2014
POSSÍVEL 08 12 01/01/2001 a 13/03/2015
POSTIÇA 15 27 15/11/2013 a 01/01/2014
POSTIÇO 15 21 15/11/2013 a 01/01/2014
PROVÁVEL 28 30 01/12/2013 a 19/03/2015
87
SUPOSTA 52 55 01/01/2010 a 16/03/2015
SUPOSTO 39 49 01/01/2004 a 13/03/2015
Tabela 4. Levantamento dos itens e ocorrência
Após essa etapa, listamos as construções encontradas:
MODIFICADOR CONSTRUÇÕES
ANTIGO
antigo professor / antigo prefeito / antigo Clube Náutico / antigo porto / antigo diretor / meu antigo apartamento / antigo modelo / meu telefone antigo / antigo Primeiro-Ministro / antigo dono / antigo Presidente / antigo símbolo / antigo centro de poder / antigo Estádio da FNAT / antigo ring de óquei
ANTIGA
antiga capela / antiga União Soviética / antiga parceira / antiga fronteira / antiga Escola Conde Ferreira / antiga mulher do Google
FALSO
falso magro / falso baiano / falso positivo / falso negativo / falso testemunho / falso médico / RG falso / amigo falso ~ falso amigo / perfil falso / falso movimento / falso padre / falso engenheiro / falso casal lésbico / falso juramento / amor falso ~ falso amor / vidro falso / falso arroz / falso brilhante / falso Cristiano Ronaldo / falso adeus / texto falso / fundo falso / falso alargador ~ alargador falso / falso filho / IPhone falso / falso herói / falso trabalho de parto / falso choro / sorriso falso / falso prefixo / falso profeta / sangue falso / falso mendigo / email falso / falso menino / falso chantilly / celular falso / falso coração / Twitter falso / falso diploma / telefone falso / produtos falsos / falso alerta
FALSA
falsa blitz ~ blitz falsa / falsa fome ~ fome falsa / falsa segurança / falsa democracia racial / falsa paz / falsa bandeira / bandeira falsa / página falsa / chave falsa / falsa tropa / moeda falsa / falsa oposição / falsa baiana / imagem falsa / ficha falsa / falsa citação / falsa atribuição / falsa religião / explicação falsa / falsa balsa / falsa grávida / falsa memória / falsa visão / acusação falsa / prova falsa / notícia falsa / habilitação falsa / falsa consideração / amizade falsa / falsa amizade / estátua falsa / falsa informação ~ informação falsa / falsa desculpa/ falsa ideia / falsa pergunta / falsa solução / falsa concorrência / etiquetagem falsa / falsa identificação / afirmação falsa / falsa ideia / falsa folha de rosto / pedra falsa / fruta falsa / falsa professora / falsa simetria / câmera falsa ~ câmera de segurança falsa / falsa ciência / parede falsa / falsa magra / falsa cinderela / amiga falsa / falsa prova / falsa pizza / falsa torta / joia falsa / falsa beleza / falsa cor / Baía falsa
irmão postiço / cavanhaque postiço / fundo postiço / painel
88
POSTIÇO
postiço / nariz postiço / bigode postiço / pai postiço / cílios postiços / cabelo postiço / peito postiço / pênis postiço / filho postiço / Picasso postiço / rabo postiço / coração postiço
POSTIÇA
dentadura postiça / unha postiça / ditadura postiça / franja postiça / identidade postiça / mãe postiça / barriga postiça / rosca postiça / cabeleira postiça / verdura postiça / mente postiça
SUPOSTO
suposto relacionamento / suposto envolvimento / suposto caixa dois / suposto fantasma / suposto espião / suposto operador / suposto homicídio / suposto policial civil / suposto novo Hyundai / suposto radar / suposto sucessor / suposto anjo / suposto membro / suposto cancelamento / suposto namorado / suposto vídeo / suposto conflito / suposto benefício / suposto cartel / suposto medicamento genérico / suposto inimigo / suposto final de filme / suposto filme / suposto agente / suposto estupro / suposto relógio / suposto gosto / suposto novo uniforme / suposto vazamento / suposto lobisomem / suposto ser mítico / suposto antídoto / suposto ‘chefe’ / suposto assassino / suposto autor / suposto carro / suposto voto / suposto filho / suposto falso filho
SUPOSTA
suposta foto oficial / suposta ligação / suposta traição / suposta desculpa / suposta imagem oficial / suposta anaconda / suposta morte / suposta descida do desemprego / suposta compra de votos / suposta quebra de decoro / suposta quadrilha / suposta ex-namorada / suposta fuga / suposta imagem / suposta exposição / suposta bola / suposta vítima / suposta manipulação / suposta camisa do Manchester City / suposta prática / suposta propaganda / suposta ‘pegadinha’/ suposta malandragem / suposta reação / suposta prova / suposta venda / suposta música / suposta ameaça / suposta agressão sexual / suposta affair / suposta convocação / suposta democracia racial / suposta rivalidade / suposta tortura / suposta ‘brincadeira’ / suposta nova mordida de Suárez / suposta nova terceira camisa / suposta foto / suposta namorada / suposta discriminação / suposta rixa / suposta espionagem / suposta ‘cura gay’/ suposta leucemia / suposta doença / suposta aparição / suposta função / suposta crise / suposta vegetariana / suposta separação / suposta tentativa / suposta liberação
POSSÍVEL
mundo possível / possível erro / tradução possível / possível problema / sonho possível / decoração possível / possível testemunha / possível envio
PROVÁVEL
fim provável / data provável / efeito provável / placar provável / disfarce provável / publicidade provável / provável formando / ataque provável / altura provável / provável chance / provável vilão / provável filme / provável visual / sentido provável / provável desempenho / provável navio / provável primeiro-ministro / provável inefetividade / provável setlist / (camisa) onze provável / provável substituição / provável substituto / provável
89
reestilização / precipitação provável / provável adversária / alinhamento provável / provável titular / provável lançamento
2.3 Proposta de análise
A partir dos dados elencados, pudemos executar algumas análises no intuito
de desenharmos um panorama para o fenômeno da modificação adjetival privativa
em termos gerais. Como o corpus utilizado para essa análise inicial baseou-se em
excertos de contextos da web (WebCorp Live), a utilização do programa
mencionado mostrou-se eficaz. Para uma melhor compreensão desse panorama,
optamos por cruzarmos os dados obtidos no processamento dos dados,
buscando evidenciar o que é relevante quanto à posição do adjetivo, gênero textual
e temática.
2.3.1 Posição do adjetivo
Nos estudos linguísticos sobre modificação adjetival em PB, já
apresentados na seção 2.3 do capítulo I, discorremos sobre a questão da ordem
fixa e da ordem livre dos adjetivos. Baseados nos pressupostos de Callou
et al (2003) de que diacronicamente há diminuição na anteposição de
adjetivos e na noção de que, apesar da ordem do adjetivo ser considerada
um critério basilar para a categorização de predicativos e não-predicativos, há
fatores que interferem nessa ‘regra’, apresentamos os seguintes resultados:
ANTEPOSIÇÃO
%
POSPOSIÇÃO
%
ANTIGA 06 100 0 0
ANTIGO 14 93,3 01 6,7
FALSA 38 60,3 25 39,7
FALSO 15 32,6 31 67,4
POSSÍVEL 04 50 04 50
POSTIÇA 0 0 15 100
POSTIÇO 0 0 15 100
90
PROVÁVEL 16 57,1 12 42,9
SUPOSTA 52 100 0 0
SUPOSTO 39 100 0 0
A partir dos resultados apresentados, fizemos um gráfico demonstrativo do
percentual total da posição do adjetivo:
Gráfico 1. Percentual das construções privativas
Como observamos, os casos em que há totalidade em uma das posições
(postiço/postiça e suposto/suposta) decorre de questões ligadas à relação
sintático-semântica das construções; tanto a posposição quanto a anteposição
Possibilitam a compreensão do sintagma (cílios postiços/*postiços cílios,
suposto fantasma/*fantasma suposto).
Nas construções em que há flexibilidade na ordem, sem alteração semântica
do modificador (antigo/antiga, falso/falsa, provável e possível), notamos que ainda
há ocorrência maior na posição considerada canônica para os
privativos (‘antigo/antiga’: média de anteposição - 96,65%/ média de posposição -
3,35%); no caso de ‘falso/falsa’, as médias de anteposição (46,45%) e posposição
(53,5%) são muito próximas, o que pode ser indício da mudança apontada por
Callou et al (2003) no último século para os casos de anteposição. Nas
construções com ‘possível’, percebemos equivalência nas posições, dado que tal
91
modificador, por apresentar características modalizadoras e não-polissêmicas,
também apresenta flexibilidade, assim como ‘provável’.
2.3.2 Tipo de gênero textual
Para a questão do gênero textual, levamos em conta a noção de que os
gêneros referem-se aos “textos materializados que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”
(MARCUSCHI, 2005, p. 22). Houve dificuldade em identificar os gêneros textuais
pelo fato de as construções ocorrerem em excertos da web, muitas vezes com
pouco conteúdo discursivo que nos levasse a uma categorização exata. Diante
disso, em muitos casos buscamos os excertos em contextos maiores na internet,
para termos certeza acerca do gênero apresentado. Após essa etapa, fizemos um
levantamento dos gêneros ocorrentes nos dados, a partir do contexto discursivo:
GÊNEROS POSSÍVEL PROVÁVEL SUPOSTO SUPOSTA TOTAL
Anúncio - 06 - - 06
Artigo de opinião - 01 01 - 02
Carta - - - 01 01
Conto - - 01 - 01
Entrevista - - - 01 01
Foto (legenda) - - 01 02 03
Informativo27 03 03 - 01 07
Manual - 01 - - 01
Canção - 01 01 - 02
Notícia 04 16 44 47 111
Questionário 01 01 - - 02
Receita - 01 - - 01
Reportagem - - - 02 02
Resenha 02 - - - 02
Verbete 02 - 01 - 03
Vídeo - - - 01 01
TOTAL 12 30 49 55 146
27 Referimo-nos ao tipo de gênero que traz informações acerca de algo. Nos casos em questão, são textos que trazem informações sobre saúde e resultados de futebol.
92
GÊNEROS FALSO FALSA ANTIGO ANTIGA POSTIÇO POSTIÇA TOTAL
Anúncio 02 01 03 - 05 12 23
Artigo de opinião - 04 - - - - 04
Crônica - 03 - - - 01 04
Entrevista - - - - 01 - 01
Estudo bíblico 02 01 - - - - 03
Foto (legenda) - - - - 02 - 02
Manual 03 01 - - 02 03 09
Máxima 02 01 - - - - 03
Canção 04 12 - - 02 02 20
Notícia 15 23 07 03 04 03 55
Poema 01 02 - - - - 03
Questionário - - 01 01 - - 02
Receita 04 01 - - - 01 06
Reportagem 04 05 02 01 01 05 18
Resenha 01 - - - - - 01
Verbete 05 09 02 01 03 - 20
Vídeo 07 02 - - 01 - 10
TOTAL 50 65 15 06 21 27 184 Tabelas 5. Gêneros textuais nos contextos da web
A partir dos números expostos, fizemos um gráfico para entendermos melhor
a ocorrência das construções privativas nos contextos da internet:
Gráfico 2. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes
93
A relevância do gênero textual presente no contexto das construções
privativas dá-se pelo fato de que essa ancoragem nos apontaria para a definição da
intencionalidade do texto e também a percepção do uso mais comum dessas
construções. Pelo que observamos, a maioria dos contextos são noticiosos (50,3%),
o que aponta para um uso especializado em uma área de grande circulação
social. A seguir, apresentamos alguns excertos:
[5] ‘o team do “falso filho de JES” solicitou um financiamento de 29 milhões’ [6] ‘Quadrilha faz blitz falsa e assalta ônibus em Barra Velha’ [7] ‘Fernanda Lima perde a unha postiça durante o 'SuperStar' e cai na gargalhada’ [8] ‘Polícia encontra leão identificado como Rawell na casa de antigo dono no Paraná’
Levando-se em conta que as notícias são replicadas ou comentadas via redes
sociais e outras ferramentas, podendo alcançar uma difusão inimaginável do
material postado (ZAGO E BASTOS, 2013), compreendemos seu alto índice nos
contextos analisados.
Destacamos o levantamento da proporção do gênero notícia com os dados,
nos 330 contextos web aproveitados, e obtivemos o seguinte:
TOTAL DE
CONTEXTOS
NOTÍCIA %
NOTÍCIA
ANTIGA/ ANTIGO 21 10 47,6
FALSA/ FALSO 115 38 33
POSSÍVEL 12 04 33,4
POSTIÇA/ POSTIÇO
48 07 14,6
PROVÁVEL 30 16 53,4
SUPOSTA/ SUPOSTO
104 91 87,5
Tabelas 6. Percentual do gênero notícia nas construções
Como observado, o percentual do gênero notícia é mais significativo no uso
das construções com ‘suposto/suposta’ (87,5%), seguido de ‘provável’ (53,4%) e
‘antiga/antigo’ (47,6%).
94
Além da análise do gênero textual, a temática presente nas construções é
importante para compreendermos as esferas de uso desses itens.
2.3.3 Temática
Os temas considerados por nós nessa análise dizem respeito aos assuntos
abordados no contexto das construções privativas, levando-se em conta o nível mais
genérico. Então, diante de uma construção em contexto de estelionato, como em
‘Em maio deste ano, ele foi condenado por usar um falso diploma de especialização
em cirurgia plástica’, consideramos o tema ‘crime’, mais amplo e que abarca
vários níveis (lavagem de dinheiro, homicídio, assalto, roubo, falsidade ideológica,
etc).
A seguir, as tabelas com a listagem dos temas e seu quantitativo:
TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL
ciência 01 02 04
clima - 01 01
culinária - 01 01
decoração - - 03
economia - 01 01
educação - 01 01
entretenimento 02 05 10
esporte - 05 05
estética 01 - 01
justiça 01 01 02
linguagem 02 - 02
literatura - - 01
música - 04 04
objeto - 02 02
política 01 02 03
premiação - - 14
saúde - 02 02
transporte - 01 01
TOTAL 10 29 39
95
TEMAS FALSO/
FALSA
ANTIGO/
ANTIGA
POSTIÇO/
POSTIÇA
SUPOSTO/
SUPOSTA
TOTAL
alimentação - - 01 - 01
amizade 08 - - - 08
animais - - - 01 01
arte - - 01 - 01
celebridade - - - 08 08
comportamento - - 02 01 03
crime 21 - - 65 86
culinária 04 - - - 04
educação - - - 01 01
entretenimento 03 - - 05 08
esporte 01 01 - 08 10
estética 04 - 51 - 55
estilo de vida 02 - - - 02
família 01 - 04 02 07
gentílico 02 - - - 02
gênero 01 - - - 01
imóvel - 01 - - 01
internet 06 - - 01 07
justiça 04 - - - 04
localização 01 05 - - 06
objeto 17 01 05 09 32
política 18 02 02 13 35
profissão 04 01 - 01 06
relacionamento amoroso
- - - 05 05
religião - - - 01 01
saúde 03 - - 06 09
Tabelas 7. Temas nos contextos da web
Como feito anteriormente, salientamos os temas mais utilizados nos
contextos:
96
Gráfico 3. Percentual dos temas mais frequentes nos contextos
Ao observarmos o gráfico, constatamos que o tema ‘crime’ (26%) é o mais
frequente, acompanhado pelos temas ‘estética’ (17%), ‘política’ (11,5%) e ‘objeto’
(10,3%); tais temas podem ser comparados com o resultado de outras pesquisas.
Zago e Bastos (2013), em pesquisa sobre os temas de notícias publicados no
Facebook e no Twitter em 5 países, incluindo o Brasil, mostram que os temais mais
comuns são os seguintes: Facebook - política (20,45%), notícias locais (18,75%) e
cultura (17,04%); Twitter - política (29,05%), notícias locais (15,24%)
e entretenimento (14,76%). Mesmo considerando que nossos dados não se
referem somente a textos noticiosos, percebemos que, exceto pela ‘cultura’, os
outros temas encontram-se em destaque em nosso gráfico.
Outro estudo, de Herscovitz (2009), em análise de 432 matérias publicadas
em jornais online, durante um período de 15 dias, elencou os principais assuntos:
economia (19,3%), internacional e conflitos diplomáticos regionais (11,5%), crime
(8,5%), terrorismo e assassinatos políticos na América Latina (7,8%), desastre
(6,9%), imigração (6,4%), políticas nacionais (6%), corrupção (5,3%), esportes
(5%) e ordem nacional (4,1%). Tais resultados também se coadunam com os
encontrados em nossa análise.
97
Buscando um alinhamento com os estudos apresentados, isolamos os
dados referentes ao gênero notícia, para através deles definirmos as
temáticas. Os resultados podem ser observados nas tabelas a seguir:
TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL
clima - 01 01
economia - 01 01
entretenimento - 04 04
esporte - 05 05
objeto - 01 01
política 02 - 02
saúde - 02 02
transporte - 01 01
TOTAL 02 15 17
TEMAS FALSO/
FALSA
ANTIGO/
ANTIGA
POSTIÇO/
POSTIÇA
SUPOSTO/
SUPOSTA
TOTAL
canção - - - 02 02
celebridade 01 - 02 10 13
crime 18 - - 27 45
educação - - - 01 01
entretenimento 01 - 03 02 06
esporte - 01 01 09 11
estética - - 05 - 05
internet - - - 04 04
justiça 01 - - - 01
localização - 02 - - 02
objeto - - - 07 07
política 05 - 01 09 15
saúde - 01 - 06 07
sobrenatural - - - 04 04
TOTAL 24 04 12 78 123 Tabelas 8. Quantitativo dos temas no gênero notícia
Também ranqueamos os temas mais frequentes no gênero especificado:
98
Gráfico 4. Temas nas notícias
Quando realizamos o cruzamento de dados e comparamos com a pesquisa
de Herscovitz (2009), percebemos que há duas temáticas comuns (crime e esporte).
No ranqueamento da jornalista, o tema ‘crime’ aparece em 3ª posição e ‘esporte’
está entre as últimas, resultado que não é corroborado pelo nosso ranqueamento,
em que ‘crime’ ocupa a 1ª posição e ‘esporte’ a 3ª. Tal discrepância pode ser
explicada pelo tipo de seleção dos dados: enquanto Herscovitz objetivava
estabelecer os assuntos em jornais e escolheu os tipos de portais com os quais
trabalharia (Estadão, iG, Terra, Uol ), em nosso caso encontramos os dados a partir
de pesquisa no WebCorp, bem mais genérica.
2.4 Considerações sobre a análise
Diante da análise realizada, nos aspectos de posição do adjetivo, gênero
textual e temática, podemos destacar algumas considerações:
a) Quanto à posição do adjetivo, a amostra aponta que não há disparidade
entre anteposição e posposição, o que nos remete à refutação da
premissa da gramática tradicional de que adjetivos de caráter negativo
como ‘falso’, por exemplo, , aparecem sempre antepostos (CASTILHO,
2010).
99
b) Quanto ao tipo de gênero textual, os resultados apontaram que os gêneros
notícia, anúncio, verbete, canção e reportagem são os mais comuns nos
contextos. Tal ranqueamento aponta para a preferência do uso dessas
construções em um gênero de grande circulação social, demonstrando que
tal uso torna-se também muito frequente na língua.
c) Quanto à temática, temos os assuntos ‘crime’, ‘estética’, ‘política’ e
‘objeto’ mais ranqueados; na temática específica nas notícias, a análise
apresentou os temas ‘crime’, 'política’,‘estética’, ‘entretenimento’ e ‘esporte’
como os mais usuais, o que se coaduna em parte com resultados
apresentados no estudo de Herscovitz (2009). Consideramos que tais
temas refletem as preferências de nossa sociedade, uma vez que a
criminalidade no Brasil é uma das maiores preocupações, juntamente com
as questões políticas e o esporte, principalmente o futebol (um dos temas
específicos mais tratados nas notícias), considerado o esporte preferido dos
brasileiros.
100
3 ANÁLISE ESPECÍFICA DO FENÔMENO DA MODIFICAÇÃO ADJETIVAL
PRIVATIVA EM TEXTOS
Para essa etapa da pesquisa, em que nos aprofundaremos na análise das
construções privativas a partir de textos, optamos por iniciá-la por alguns critérios
gerais já utilizados na análise panorâmica e depois nos encaminhamos para a
proposição teórica dos critérios distribucionais e cognitivistas e, então,
a apresentação dos resultados da análise por esses critérios.
Ressaltamos que a escolha das construções coletadas foi baseada nas
construções que apareceram na pesquisa pelo WebCorp e também pelas
construções que já foram estudadas em língua inglesa. O mecanismo para essa
seleção consistiu em lançar na ferramenta de buscas Google a construção (como
'falsa loura', 'cílios postiços', por exemplo) e verificar os textos que apareciam,
fazendo a seleção do que fosse realmente um texto, marcado por início,
desenvolvimento e conclusão.
Antes de tudo, sentimos necessidade de discorrer sobre a questão do
contexto como base para essa análise específica, uma vez que compreendemos
que a identificação das affordances nos frames construídos, bem como dos
elementos envolvidos na mesclagem conceptual e nas relações estabelecidas pelas
compressões, só se tornam possíveis porque existe um contexto discursivo,
social, de base corpórea, que dá suporte a essas construções.
3.1 O papel do contexto na análise específica das construções privativas
Quando nos referimos ao contexto estabelecido como suporte para a
compreensão das construções privativas, levamos em conta o conceito apresentado
por Ferrari (2011): o contexto se caracteriza como “evento mental rico, imagístico,
sensorial e corpóreo” (p.44), tendo dois eixos em sua formação - as experiências
cognitivas locais e a relação com a hipótese da base corpórea da cognição.
Em relação às experiências cognitivas locais, Ferrari (2011) aponta o contexto
linguístico e o social como seus componentes. O contexto linguístico apresenta
três aspectos: a) discurso precedente - o que é dito antes do termo em foco; b)
101
ambiente linguístico imediato - a expressão ou frase em que o termo ocorre; c)
tipo de discurso - refere-se ao tipo de gênero textual, registro e campo discursivo
em que o termo está presente. O contexto social diz respeito ao tipo de situação
que envolve os participantes e as relações sociais entre eles, além do
conhecimento, crença e intenção utilizados na interlocução.
Quanto à hipótese de base corpórea da cognição, que se relaciona com a
memória permanente, a linguista observa que a experiência vivenciada influencia
atividades cognitivas básicas - percepção, formação de conceitos, imagística
mental, memória, raciocínio, linguagem, emoções e consciência. Cremos que tais
atividades são os fundamentos para os processos de categorização (cf. LAKOFF
E JOHNSON, 2002).
Em nossa análise, a perspectiva cognitivista do contexto torna-se fundamental
para uma abordagem mais eficaz das construções privativas. Adiante, veremos
como a base contextual relaciona-se aos processos cognitivos estabelecidos
como descritores do fenômeno de adjetivação privativa.
3.2 Apresentação dos dados do corpus
Os dados aqui apresentados referem-se a construções privativas presentes
em textos extraídos da internet por meio da ferramenta de busca Google. O
processo de seleção dos textos foi realizado a partir do lançamento das
construções tanto antepostas quanto pospostas, baseando-se nos itens aparentes
na etapa de análise do WebCorp. Ao todo, selecionamos 262 textos, assim
distribuídos:
MODIFICADOR TEXTOS CONSTRUÇÕES
ANTIGO/ANTIGA 50 50
FALSO/FALSA 50 42
POSSÍVEL 25 23
POSTIÇO/POSTIÇA 50 50
102
PROVÁVEL 25 25
SUPOSTO/SUPOSTA 50 47
TOTAL 250 237
Tabela 9. Distribuição dos dados - corpus Google
A seguir, apresentamos as construções selecionadas, que ocorreram em mais
de um texto, em alguns casos:
MODIFICADOR CONSTRUÇÕES
ANTIGO/ANTIGA
antigo dono / antigo homem mais rico da Rússia / antigo relacionamento / antigo fumante / antigo companheiro / antigo amor / antigo professor / antigo parceiro / peguete antigo / antigo morador / amor antigo / caso antigo / antigo traficante / antigo prédio / antigo criminoso / antigo kartódromo / antigo cabelo ~ cabelo antigo / antigo ‘jogador problema’ / antigo corpo / antigo animal de estimação / antigo físico / antigo padrasto / antigo estudante de direito / antigo amante / antiga Mulher-Maravilha / antiga esposa / antiga dona / antiga patroa / antiga ‘Loira do Tchan’ / antiga mulher do Google Tradutor / antiga professora / antiga Serraria / antiga paixão / antiga namorada / antiga fábrica / antiga casa / antiga usuária / antiga Rua da Horta / antiga estrada Rio-São Paulo / antiga comadre CCCP / antiga madrinha / antiga família real / antiga moça / antiga prostituta / antiga guarda penitenciária / antiga babá / antiga estagiária / babá antiga / antiga moradora
FALSO/FALSA
falso marido / marido falso / esposa falsa / Popozuda falsa / loura falsa / falsa Popozuda / falso crente / sobrinho falso / repórter falso / amigo falso ~ falso amigo / noivo falso / grávida falsa / esposa falsa / noiva falsa / falso profeta ~ profeta falso / fumante falso / falso repórter / empregado falso / pastor falso / falsa gorda / médico falso / dentista falso / professor falso / falsa professora / vendedor falso / psicóloga falsa ~ falsa psicóloga / policial falso / falso sequestrador ~ sequestrador falso / maconheiro falso / menina falsa / menino falso / homem falso / carioca falso / carioca falsa / mineiro falso / falsa bonita / falsas magras / falso sobrinho
POSSÍVEL
possível volta / possível ensaio nu / possível contratação / possível logo / possível substituto / utopia possível / cenário possível / possível impeachment / possível novo recordista / possível evento / possível sucessor / possível corrupção / possível rebaixamento / possível fraude / possível tomada de reféns / possível supernova / possível filiação / possível variação / possível alta / resposta possível / possível renovação / possível spoiler / possível acordo
103
POSTIÇO/POSTIÇA
unhas postiças / mãe postiça / roscas postiças / franja postiça / aresta postiça / torcida postiça / identidade postiça / manga postiça / avó postiça / gola postiça / sobrancelhas postiças / dentadura postiça / campanha postiça / irmã postiça / pinta postiça / moral postiça / mão postiça / barriga postiça / estabilidade postiça / felicidade postiça / justiça postiça / casa postiça / titia postiça / barba postiça / mulher postiça / prima postiça / cílios postiços / dente postiço / pai postiço / filho postiço / cabelo postiço / dedo postiço / coração postiço / bigode postiço / nariz postiço / ar postiço / irmão postiço / líder de governo postiço / Estado postiço / olho postiço / pais postiços / governo postiço / nome postiço / avô postiço / conselheiro postiço / braço postiço / sogro postiço / homem postiço / pênis postiço / eu postiço
PROVÁVEL
provável personagem / provável causa / data provável / provável destino / provável saída / provável visita / provável novo navegador / provável equipe / tempo provável / provável oceano / quadro provável / provável ‘ataque terrorista’ / correlação provável / provável titular / provável visual / provável novo maestro titular / provável racionamento / provável aumento / provável desafiante / provável premier / provável candidato / caso provável / provável elenco / provável favorita / roteiro provável
SUPOSTO/SUPOSTA
suposto assassino / suposto amigo / suposto homicídio / suposto estupro / suposto primo / parto suposto / suposto pai / suposto ataque de tubarão / suposto envolvimento / suposto colega / suposto estuprador / suposto OVNI / suposto pivô / suposto assalto / suposto desvio de dinheiro / suposto ladrão / suposto inimigo / suposto vídeo íntimo / suposto alien / suposto usuário de drogas / suposto filho / suposto ex-affair / suposto autor / suposto chefe do tráfico / suposta mãe / suposta namorada / suposta filha / suposta ida ao cinema / suposta traição / suposta ‘boca de fumo’ / suposta injúria racial / suposta mandante / suposta fraude / suposta mudança de sexo / suposta música / suposta ‘pegadinha’ / suposta ligação / suposta ofensa / suposta overdose de droga / suposta adulteração / suposta homicida / suposta vítima / suposta amante / suposta aliciadora / suposta doente mental / suposta cantada / ‘suposta conta’
104
3.3 Critérios preliminares
Assim como fizemos no tópico 2.3 e seus subtópicos 2.3.2 e 2.3.3
deste capítulo, apresentamos a análise por dois critérios gerais - gênero textual
e temática. Salientamos que o critério ‘posição do adjetivo’ não será contemplado
neste tópico porque faz parte dos critérios distribucionais apresentados por
Casteleiro (1979), que serão trabalhados em tópicos subsequentes.
3.3.1 Tipo de gênero textual
Seguindo ainda os pressupostos de Marcuschi (2005) a respeito dos gêneros
textuais, identificamos os gêneros nos textos selecionados. Salientamos que a
presença de um contexto discursivo mais amplo nos garantiu uma maior facilidade
na identificação desses gêneros. A seguir, a tabela com os resultados:
GÊNEROS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL Artigo de opinião 03 01 04
Fórum 01 - 01
Informativo - 02 02
Notícia 17 21 38
Questionário 01 - 01
Reportagem 03 01 04
TOTAL 25 25 50
GÊNEROS FALSO/
FALSA
ANTIGO/
ANTIGA
POSTIÇO/
POSTIÇA
SUPOSTO/
SUPOSTA
TOTAL
Anúncio 03 01 01 - 05
Artigo de opinião - - 05 02 07
Canção 02 01 - - 03
Conto 01 02 01 - 04
Entrevista - - 01 - 01
Fórum 03 - - - 03
Guia - 01 01 - 02
Informativo 01 01 05 - 07
Máxima 02 - 01 - 03
Notícia 19 34 24 48 125
Poema - - 02 - 02
Post 10 01 02 - 13
Reflexões - 01 - - 01
Relato 02 07 02 - 11
Reportagem 04 01 05 - 10
Resenha 01 - - - 01
105
Sinopse 02 - - - 02
TOTAL 50 50 50 50 200
Tabelas 10. Gêneros textuais nos contextos
Nesses resultados, podemos observar que as construções com ‘possível’ e
‘provável’ não apresentaram uma variedade nos gêneros, o que pode apontar
para uma seletividade desse tipo de construção; quer dizer, tais construções são
específicas de um grupo de gêneros (no caso, o predomínio é a notícia). Ao
analisarmos todas as construções, observamos que o gênero notícia continua sendo
o predominante:
Gráfico 5. Percentual dos gêneros textuais mais frequentes
Como abordado na análise panorâmica, parece-nos que a predominância do
gênero notícia mostra o quanto as construções privativas são frequentes no
português brasileiro, pois é um gênero de grande circulação social. Nos textos, tal
gênero ocorre em mais da metade deles (65,2%), acompanhado pela reportagem
(5,6%), que também pode ser considerada um gênero derivado da notícia.
Além disso, a presença das construções privativas em tal gênero levanta
questões acerca das características próprias do gênero: a) a tipologia textual
predominante é a do relatar, pois implica situações reais, fatos, acontecimentos; b)
as condições de produção da notícia perpassam os autores, o público-alvo, o meio
de veiculação, os objetivos e a relevância da informação noticiada; c) os fatos
106
noticiados em sua maioria são de interesse público ou curiosos. Nessa
perspectiva, abordaremos as temáticas envolvidas nos textos com as construções
privativas.
3.3.2 Temática
A partir do que foi observado na análise panorâmica, em que se verificou
índice alto nas temáticas ‘crime’, ‘esporte’, ‘política’, ‘celebridade’ e ‘entretenimento’.
Nosso objetivo é verificar se tais índices se repetem nesta análise específica e o que
a incidência deles aponta para o uso das construções privativas. Nossa previsão
era de que os resultados das análises convergeriam para temas semelhantes.
Dessa forma, elencamos os temas:
TEMAS POSSÍVEL PROVÁVEL TOTAL
acidente - 01 01
automóveis 01 - 01
celebridade 01 - 01
ciência 02 01 03
crime 02 01 03
economia 03 02 05
entretenimento 02 03 05
esporte 05 07 12
filosofia 01 - 01
internet 01 - 01
natureza 01 - 01
política 05 05 10
religião - 01 01
saúde - 02 02
tecnologia 01 02 03
TOTAL 25 25 50
TEMAS FALSO/
FALSA
ANTIGO/
ANTIGA
POSTIÇO/
POSTIÇA
SUPOSTO/
SUPOSTA
TOTAL
amizade 02 - - - 02
animais - 01 - - 01
celebridade 04 11 07 10 32
comércio - 01 - - 01
crime 07 07 02 28 44
desaparecimento - - - 02 02
economia - 03 01 - 04
educação - 02 - 01 03
entretenimento 03 04 01 - 08
107
esporte - 04 03 01 08
estética 03 - 09 - 12
família - 02 07 02 11
gentílico 04 - - - 04
internet 01 - - - 01
justiça - 04 01 - 05
livros 01 - - - 01
localização - 02 - - 02
moda - - 02 - 02
objeto - - 05 - 05
política 02 02 09 03 16
protesto - 01 - - 01
relacionamento amoroso
05 05 03 - 13
religião 05 - - - 05
sobrenatural - - - 02 02
trabalho 11 02 - - 13
vício 02 - - 01 03
TOTAL 50 50 50 50 200
Tabelas 11. Temas nos textos
A partir desses resultados, obtivemos os seguintes índices dos temas:
Gráfico 6. Percentual dos temas mais frequentes nos textos
Como pressupomos, os temas são recorrentes, mas o percentual de
incidência se diferencia, exceto no caso de ‘crime’, que se mantém no topo da lista.
108
3.4 Critérios distribucionais
A partir das propriedades estabelecidas por Casteleiro, fizemos uma testagem
preliminar com algumas construções privativas, que foi suficientemente eficaz
para apontar que critérios seriam mais salientes em nossa análise. Baseados
nisso, elencamos os seguintes critérios: posição do adjetivo, cadeia referencial e
paráfrase, além do critério de negação (não elencado na lista de Casteleiro).
3.4.1 Posição do adjetivo
Para essa análise, listamos as 237 construções que ocorreram nos 250
textos, seguida de um gráfico com o percentual da posição do adjetivo:
ANTEPOSIÇÃO
%
POSPOSIÇÃO
%
ANTIGO/ANTIGA 45 90 05 10
FALSO/FALSA 13 31 29 69
POSSÍVEL 20 87 03 13
POSTIÇO/POSTIÇA 0 0 50 100
PROVÁVEL 19 76 06 24
SUPOSTO/SUPOSTA 46 98 01 02
Tabela 12. Percentual da posição do adjetivo
Gráfico 7. Percentual das construções privativas nos textos
109
Observa-se que há uma discrepância nos dados coletados em relação aos
da análise panorâmica - enquanto havia uma aproximação maior na
análise panorâmica (59,3% de anteposição e 40,7% de posposição), agora
temos uma diferença percentual entre anteposição e posposição de 27,4 pontos.
Neste aspecto, observamos que os itens que portam a opção de ficarem
pospostos ou antepostos ao nome, em escala percentual, são ‘falso’, ‘provável’ e
‘possível’; dos outros, por questões lexicais e semânticas, alguns ocupam a
posposição em relação aos nomes (‘cílios postiços’) e outros a anteposição
(‘suposto assassino’, ‘antigo dono’).
No caso de ‘antigo/antiga’, observamos que em 90% dos dados coletados
ocorreu a anteposição do adjetivo, uma vez que a posposição geraria um outro
sentido:
[5] ‘antigo dono’ (negação) > ‘dono antigo’ (duração)
[6] ‘antigo homem mais rico da Rússia’ (negação) *‘homem antigo mais rico da
Rússia’ (estrutura problemática)
[7] ‘antiga Mulher-Maravilha’ (negação) ‘Mulher-Maravilha antiga’ (duração)
[8] ‘antigo fumante’ (negação) ‘fumante antigo’ (duração)
[9] ‘antigo amante’ (negação) ‘amante antigo’ (duração)
Em ‘falso/falsa’, temos tanto a posposição quanto a anteposição, o que é um
fato relevante quando se considera tal adjetivo como não-predicativo, uma vez que a
distinção de tal adjetivo para o predicativo incide também sobre a posição do
adjetivo: os não-predicativos teriam uma ordem fixa. A atribuição de sentido privativo
dependerá, então, do contexto discursivo:
[10] Popozuda falsa > falsa Popozuda
[11] falso estudante > estudante falso
[12] loura falsa > falsa loura
[13] empregado falso > falso empregado
[14] marido falso > falso marido
[15] falsas magras > magras falsas
110
Obviamente, notamos que a forma anteposta, mais marcada, salienta o
caráter de negação do escopo, enquanto a forma posposta, menos marcada,
dependerá sempre do contexto para a atribuição de sentido privativo. A
instabilidade nos resultados em relação à posição sugere que tal grupo de adjetivos
não pode ser somente categorizado mediante esse critério28.
Garcia (2010), em artigo sobre o deslocamento do adjetivo no SN, tenta
explicar as razões para alguns adjetivos em posição normal de posposição
apresentarem comportamento de anteposição e vice-versa. O autor apresenta duas
causas:
a) fatores semânticos - encapsulação (luxuoso relógio de ouro), variações
valorativas do adjetivo (bela porcaria / velha senhora) e mudança no sentido do
adjetivo no contexto (velha mania / duro aprendizado / pobre cão);
b) fatores sintáticos - tipo de adjetivo empregado (homem imoral/*imoral
homem, batata frita/*frita batata), graus do adjetivo (o melhor amigo, homem muito
famoso/*muito famoso homem), aumentativo e diminutivo (mulher
boazuda/*boazuda mulher), tipos de SN (um chá quente/*um quente chá, uma
oportunidade melhor/uma melhor oportunidade), modos da sentença (Boa
tarde!/volitivo, Assassinos miseráveis!/imprecativo).
Ele também apresenta a mudança semântica e o contraste como fatores para
inversão da ordem dos antepostos: última moda/causa última, nosso
irmãozinho/irmãozinho nosso. Em breve análise, percebemos que a proposta de
Garcia não se coaduna com a questão exposta no caso do privativo ‘falso’:
[1a] “Pior do que marido falso é marido de verdade.”
(http://pseudointelectualoides.blogspot.com.br/)
[1b] “Ex-servidora do INSS validou a pensão por morte de falso marido da
irmã”
(http://www.tribunadodireito.com.br/noticias-detalhes.php)
28 ”Embora haja algumas correlações entre a colocação preferencial de determinados tipos de adjectivos e uma determinada configuração ou estrutura morfológica, a distribuição não assegura, por si só, a função do adjectivo no interior do sintagma. Esta realidade é corroborada pelo facto de os adjectivos predicativos terem posição fixa, e pelo de muitos dos não predicativos terem colocação variável. Assim sendo, a distribuição por si só não é critério suficientemente relevante para delimitar uma função e, por conseguinte, uma classe funcional de adjectivo.” (RIO-TORTO, 2006, p. 109)
111
[2a] “E a Popozuda falsa, porque a bunda é puro silicone também é uma
tremenda falsa!!!!”
(http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110915134248AALnZ0p)
[2b] “Enquanto se bronzeava, a falsa Popozuda - em seguida identificada
como a funkeira Maysa Abusada - fez uma "farofinha" com os amigos, com
direito a peixe e batata frita.”
(http://ego.globo.com/praia/noticia/2012/10/)
[3a] “No Brasil, criar um perfil falso é considerado um ato ilícito?”
(http://idgnow.uol.com.br)
[3b] “Luciana Gimenez se irrita com falso perfil do filho de um ano no Twitter.”
(http://www.redetv.com.br)
[4a] “Eu já tive uma amiga ou amigo falso”
(http://br-pt.sonico.com/g/968024068/)
[4b] “Os outros no show zombaram e brincaram, mas Shindong permaneceu
firme em sua crença de que ele e a atriz ficariam ótimos como falso marido e
esposa.”
(http://www.hatobrazil.com/)
Uma análise inicial aponta que nos casos acima estamos lidando com
adjetivos privativos, dentro de uma ordem livre, mantendo o sentido de negação. No
primeiro exemplo ([1a]), ‘de verdade’ ativa a significação de não-marido na
construção ‘marido falso’, silenciando a interpretação de desvio de caráter, esperada
pela convencional posposição do adjetivo (forma não-marcada). O caso [1b]
apresenta uma forma anteposta, em que há a negação de estado civil. Nos casos
[2a] e [2b], percebemos a negação de propriedades do nome, mas há perspectivas
diferenciadas: enquanto em ‘Popozuda falsa’ é negada a naturalidade de parte do
corpo da famosa (glúteos), em ‘falsa Popozuda’ é negada a identidade da famosa.
Em [3a] e [3b], observamos que ocorre a ordem livre; estamos diante de um N
que não se refere a uma pessoa, mas uma entidade relacionada às redes sociais.
Mas notamos que, independentemente do caráter do N, o adjetivo permanece em
112
função privativa. Nos casos [4a] e [4b], percebemos que o mecanismo de flexão
ocorre conforme previsto pelo padrão de concordância nominal do PB29 e há clareza
na negação de propriedades dos itens marido/esposa, enquanto nos pares
amigo/amiga existe uma sobreposição de sentidos, já que podemos interpretar
‘falso’ tanto como o desvio de caráter quanto a negação de ‘ser amigo’.
3.4.2 Cadeia referencial
Para Koch e Marcuschi (1998), a progressão referencial ocorre dentro de uma
relação complexa entre linguagem, mundo e pensamento, estabelecida centralmente
no discurso. Assim, os referentes não são tomados como entidades estáveis, mas
objetos-de-discurso. Os autores também afirmam que o nível lexical não seria
suficiente para explicar como conseguimos saber a que entidade um falante se
refere quando ela não está explícita.
Nos dados coletados, buscamos perceber a cadeia referencial ligada ao
adjetivo privativo/particulariador30, para confirmarmos em que casos há uso de
nominalizações ou pronomes como referentes que se ancoram no escopo.
Nos textos analisados, observamos a seguinte distribuição de elementos
na cadeia referencial:
NOMINALI
ZAÇÃO
PRONOMINA
LIZAÇÃO
NOM/PRON
SEM
ANAFORIZA
DOR
ANTIGO/ANTIGA 38 04 04 04
FALSO/FALSA 37 02 02 09
POSSÍVEL 23 - - 02
POSTIÇO/POSTIÇA 40 01 02 07
PROVÁVEL 24 - - 01
SUPOSTO/SUPOSTA 48 - - 02
29 “Se as palavras determinadas forem de gêneros diferentes, a palavra determinante irá para o plural masculino ou concordará em gênero e número com a mais próxima.” (BECHARA, 2004, pg. 545) 30 As cadeias referenciais encontram-se nos anexos deste trabalho.
113
TOTAL 210 07 08 25
Tabela 13. Predomínio dos elementos nas cadeias referenciais
A diferença sintática entre a função predicativa e a função não-predicativa se
revela produtiva no que diz respeito à cadeia referencial. Nas construções com
adjetivo privativo/particularizador parece haver maior incidência das formas nominais
(repetidas ou novas) como elemento anaforizador (ou de reativação). A ausência de
anaforizador também é relevante, como observamos no gráfico a seguir:
Gráfico 8. Percentual dos elementos nas cadeias referenciais
Salientamos que tais resultados consideram a predominância de um
anaforizador/reativador na função de nome ou pronome. A ausência desse
elemento pode ser explicada pelo tamanho e tipo de texto coletado. Apresentamos
dois textos para confirmar essa questão:
[9] 19 DE AGOSTO DE 2014
Homem é preso em Codajás (AM) por estuprar filha adotiva
Atualmente com 15 anos, garota declarou que sofria abuso sexual por parte do pai adotivo e do irmão postiço desde que tinha 6 anos de idade. Polícia Civil cumpriu mandado de prisão preventiva contra suspeito
(http://acritica.uol.com.br/tema/irmao_postico.html)
114
[10] CONVERSA DE EX BARBUDO
Naquele tempo, a maioria dos universitários (exagero por certo) usava barba. Meu co-cunhado (ou concunhado) Nelson fazia arquitetura também na UFRGS, e usava barba há bom tempo. Quando deixei a barba ironizou dizendo que Lúcia também queria um barbudo para ela. Confesso que não gostei da brincadeira. A verdade é que usei barba durante exatos vinte e cinco anos.
A esquerda usava barba, inicialmente por causa de Karl Marx e depois pelo Fidel Castro. Eu não tinha nada de esquerda era, e sou, um conservador, mas não queria ficar diferente. A realidade é que gostava de usar barba, e ainda gostaria de usar. Só que ela está ficando branca, e barba branca só Papai Noel.
Hoje, as barbas estão desaparecendo, e voltando os bigodes. Lá por Cuba saiu de cena o barbudo e entrou o bigode do Raul Castro. Ele, o dono do bigode, certamente mais por razões econômicas do que políticas, se mostra mais aberto do que seu irmão atualmente “Coma andante” Fidel. É que a coisa lá está mais para urubu do que para beija-flor. Esta semana, li no jornal que está existindo falta de papel higiênico. Parece que vejo os amigos esquerdas tentando amenizar o assunto: “É melhor faltar papel higiênico do que comida.” A falta de papel higiênico p somente uma amostra da falência da ilha.
A imputação das dificuldades ao embargo econômico americano já não se sustenta, haja vista que ninguém mais liga para ele. Cuba pode importar o que bem entende. Só que não tem grana para comprar coisa nenhuma. Tem consigo importação de petróleo ainda graças ao amiguinho Chavez, senão já não teria óleo nem para botar no cabelo do Raul. É que a antiga comadre CCCP não existe mais a lhe socorrer todos os meses com petróleo barato, ou seja, encerrou o pensionamento.
A ilha hoje vive de esmolas que lhe dão os “hermanitos” de esquerda como Lula Lá, Chavez e outros. A vocação da ilha nunca foi agrícola, ela tem que se dedicar ao turismo. O Fidel Castro é muito esperto: quando viu que a situação estava ficando preta, passou o bastão para o irmão, o qual ficará com a conta da abertura que deverá realizar aos poucos, tal como disse o General Geisel, lenta e gradual.
Em pouco tempo, Cuba será uma grande Las Vegas do lado leste americano, entrando dólares por tudo quanto é lado. Aliás, era assim antes do Fidel. O único defeito era o governo corrupto e arbitrário de Batista. Quando Fidel e seus amigos fizeram a revolução cubana nada tinham de comunista. Acho que o único comunista por lá era Ernesto Che Chevara. Como os americanos não lhe deram o apoio que necessitava se atirou nos braços dos soviéticos.
O que se tem hoje como conquista dos comunistas da ilha, ou seja, atendimento médico e ensino, na verdade, Cuba antes da revolução já gozava de certa liderança neste campo no âmbito da Latino América. O problema não era este, mas sim o governo podre que reinava por lá, o qual deixou um campo fértil para que a revolução de Fidel e seus amigos vencesse.
Cuba deve aproveitar que o governo americano é de um jovem democrata louco para
fazer história, e construir um bom acordo de abertura e reatamento com os USA.
A melhor coisa que se faz quando se tem um vizinho rico e ficar amigo dele. Geralmente este lhe cede parte de seu conforto, mesmo que seja por exibicionismo. Os governantes da ilha parecem que estão se dando conta desta verdade. A única diplomacia que gosta de afagar vizinho pobre é a brasileira. Claro - não sou ingênuo - é só para tentar mais um votinho nas United Nations, é claro.
115
Breve teremos Cuba como um Hawai tamanho família, renunciando ao papel de Disney World das esquerdas.
(http://blogdoosnir.blogspot.com.br/2009/08/conversa-de-ex-barbudo.html)
[11] Pior do que marido falso é marido de verdade.
(http://pseudointelectualoides.blogspot.com.br/2009/09/eu-era-feliz-e-nao-sabia.html)
Em [9] e [11], observamos que o tamanho do texto é um dos fatores para não
permitir a presença de anaforizador; no caso [11], como o texto tipifica uma máxima,
não há como ancorar o tópico em um outro referente e em [9] a notícia tem como
tópico o ‘homem’ e não o irmão postiço, então a referência maior liga-se ao tópico.
No caso de [10], o tamanho do texto não é o que determina a ausência de
anaforizador para ‘antiga comadre CCCP’, mas o assunto tratado, centrado na
questão atual de Cuba, com referência à parceria com a antiga União Soviética.
Nos resultados apresentados, não fizemos menção à elipse, também
presente em algumas cadeias referenciais, como observado nos exemplos:
[12] .Voces acham que a Raquel Pacheco é falsa? Falsa e muito feia!
E aquela boca "MEU" ??? Ela só deu uma de gostosona qd era fazendeira. Começou como uma mosca morta.
Voz irritante que ela tem. Affffffff E a Popozuda falsa , porque a bunda é puro silicone também Ø é uma tremenda falsa!!!!
(http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110915134248AALnZ0p - alterado)
[13] 'Seu sonho era a fama', diz amiga de suposta mãe de filho de Caio Castro
Carolina Bianchi está grávida de quatro meses e espera um menino. O ator não
confirma a paternidade.
Carolina Caetano Bianchi vem enfrentando uma situação delicada desde que descobriu que estaria grávida de seu ex, Caio Castro. O então casal, que viveu um relacionamento no ano passado, ensaiou uma reaproximação nos últimos meses, quando a estudante de teatro acabou engravidando. Entretanto, Caio colocou em dúvida a paternidade da criança publicamente e, durante um evento na semana passada, desdenhou: “Já ouvi coisa mais cabeluda do que 'você vai ser pai' ou 'estou esperando um filho teu'. De boa, acontece". Pessoas próximas a Carolina garantem que ELA está chateada com a postura dele, mas que a estudante de teatro tem visto a situação com outros olhos. "Ela
116
conseguiu o que queria. Sempre disse que o sonho dela era ser famosa. Veio morar no Rio por causa disso. Deve estar adorando essa atenção toda. Ø Dizia que tem potencial, que é amiga de vários famosos", conta uma amiga, que preferiu não se identificar. No domingo, 1, ao falar com o EGO por telefone, a estudante foi breve ao comentar a postura de Caio. "Não quero falar nada por enquanto. Não estou legal. Quero evitar esse assunto e não quero entrar em detalhes sobre a minha saúde".
(http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/12/seu-sonho-era-fama-diz-amiga-de- suposta-mae-de-filho-de-caio-castro.html - alterado)
Em [12], estamos considerando a elipse (Ø) como possibilidade para o ‘ela’
implícito, portanto não é um caso típico de referência anafórica por pronomes
pessoais. No exemplo [13], temos uma cadeia referencial: suposta mãe > Carolina
Bianchi > Carolina Caetano Bianchi > a estudante de teatro > a Carolina > ela > a
estudante de teatro > ela > dela > Ø (ela) > a estudante. Nessa progressão,
percebem-se duas situações em que ‘ela’ foi utilizado como referente anafórico.
Ainda sobre a formação da cadeia referencial, cabe-nos destacar que a
manutenção do referente por meio de nominalizações ocorreu tanto diante de
escopo referente a seres animados (‘homem’) quanto aos não-animados (‘ataque’).
Algumas construções foram selecionadas especificamente com escopo animado
a partir dos resultados da busca no Google, pela necessidade de mostrarmos
a acepção privativa, como no caso de ‘falso/falsa’, que pode apresentar outra
acepção quando o escopo é pessoalizado (pessoa falsa - desvio de caráter /
pessoa falsa - não é uma pessoa).
3.4.3 Paráfrase
Baseados na propriedade dos não-predicativos de comutabilidade com uma
paráfrase nominal, que afirma que eles podem ser parafraseados na forma de+N,
como em ciências naturais / ciências da natureza, observamos que ela não ocorre
nas construções privativas analisadas nesta pesquisa. Porém, observamos a
necessidade de abordarmos outra questão referente à paráfrase.
Consideramos como paráfrase “um enunciado verbal subjacente”
(AUGUSTINI E ALFERES, 2010, p. 13), um tipo de informação global de uma
construção, remetendo-nos à realidade onde ela se instancia. Em termos
117
morfológicos, a paráfrase é utilizada para esclarecer determinadas construções:
narigudo ~ ‘tem X grande’, em que X representa a base da palavra.
No caso dos adjetivos predicativos, a paráfrase é simples e afirmativa - ‘amor
materno’ ~ ‘de mãe’, ‘que p de mãe’. Nos adjetivos não-predicativos, teríamos uma
paráfrase de negação:
[14] antigo dono ~ ‘aquele que não p mais o dono’
Esse tipo de paráfrase é diferente do que ocorre quando o adjetivo tem
elementos morfológicos de negação:
[15] amigo desleal ~ ‘amigo que não p leal’
Em [15], a negação de propriedades intensionais ocorre no próprio adjetivo,
não é projetada para o escopo da construção; de forma remota, poderíamos pensar
na paráfrase ‘aquele que não p amigo leal’, mas ela não p ativada claramente no
enunciado.
Nos dados analisados, percebemos as seguintes paráfrases:
‘antigo’ - “o que não é mais N”
‘falso’ - “o que não é N”
‘postiço’ - “o que se parece com N”
‘suposto’ - “o que pode ou não ser N”
‘provável’ - “o que se prova como N”
‘possível’ - “o que pode ser N”
Especificadas as paráfrases, podemos notar que existem nuances de sentido
entre uma e outra. Destacamos ‘antigo’, em que a paráfrase contém a expressão
‘não é mais’, que implicitamente marca temporalidade passada, de
forma contrafactual; em ‘postiço’, há uma tendência a interpretarmos o objeto
como um simulacro, mas não existe uma marcação negativa direta. Em ‘suposto’,
temos uma paráfrase que se encontra no meio-termo, ora apontando para uma
afirmação, ora para uma negação, como acontece em ‘possível’ e ‘provável’
também.
118
3.4.4 Negação
Em termos formais, para que uma negação ocorra é necessário que a
veracidade de um evento/ fato/ elemento do enunciado seja colocada em dúvida. Em
enunciados como ‘Não está chovendo’ e ‘João não beijou Maria’, temos negações
ocorrendo em níveis diferenciados: no primeiro, negamos o evento da chuva, mas
não afirmamos que o dia esteja ensolarado (pode estar nublado); no segundo,
negamos a pessoa ‘Maria’, mas o evento de beijo pode ser ou não afirmado em
outra pessoa (chegamos a essa conclusão pelo mecanismo de pressuposição).
Nos casos trabalhados nesta pesquisa, lidamos com nuances de negação,
que, consequentemente, nos levarão ao conceito de negação escalar ou
gradiente31, devido à manifestação linguística do caráter negativo das
construções em seus contextos específicos.
Dadas as especificidades de sentido, elegeremos o item que se comporta
como protótipo na categorização da negação; pelas atribuições semânticas
diretamente ligadas à negação, o item ‘falso’ será considerado o polo com maior
grau na categoria de negação dos adjetivos privativos elencados nesta pesquisa.
Para tal objetivo, faremos uso de um contínuo sêmico, que compreende dois polos
opostos, mostrando o início e o final de um eixo entre os quais ocorrem nuances
de significação, segundo a concepção dos termos no uso da língua (TURAZZA,
2005). A partir da posição de ‘falso’ no contínuo, podemos tomar os outros
itens nas seguintes posições:
31 Consideramos aqui a noção de escala sem o aparato hierárquico, mas como assunção de maior ou menor incidência de negação, como em uma gradiência, em que as tonalidades se desfazem à medida que um polo vai se afastando de outro.
119
Figura 6. Contínuo dos adjetivos privativos - categoria de negação
Consideramos a categorização acima como a mais adequada, pelos motivos
abaixo listados:
- O conceito de ‘postiço’ nos dados coletados está amparado na paráfrase ‘o
que não é X’, que mostra linguisticamente uma negação absoluta. Esse modificador
atua sobre o escopo de forma coercitiva, forçando a negação de algumas
propriedades, embora mantenha, aparentemente, as características da coisa
representada. Por exemplo, ‘franja postiça’ é um simulacro de franja e pode ser
usada como se fosse uma franja de verdade.
- ‘Antigo’, como já dissemos, mantém um caráter de negação dependente da
questão temporal; assim, a compreensão desse mecanismo não se dá de forma
direta, mas a partir de uma projeção temporal32. É o que ocorre também com
‘suposto’, que ocupa a área periférica exatamente porque a negação não é
totalmente confirmada pelo contexto linguístico, gerando uma dúvida quanto a esse
aspecto.
-‘Provável’ e ‘possível’ possuem acepções afirmativas, dado o seu caráter
modalizador, que associadas ao sentido do escopo colocam em questão as
propriedades dele, ativando muito mais o caráter afirmativo do que o negativo.
O que observamos, na categorização dos adjetivos privativos no aspecto da
negação é que as construções periféricas possuem um caráter mais concreto,
enquanto o item prototípico aponta para uma abstratização do termo.
32 Admitimos que, em todos os casos, sempre ocorrerá algum nível de projeção contrafactual para a compreensão do sentido de negação, mas no caso citado, além dessa projeção prevista, teríamos ainda outra (no sentido presente > passado).
120
3.4.5 Resumo da análise pelos critérios distribucionais
Baseados na primeira etapa de análise dos textos, elaboramos uma tabela
para demonstrar o lugar das construções privativas em relação à dicotomia
predicativo/não-predicativo:
POSIÇÃO
CADEIA
REFERENCIAL
PARÁFRASE
ANTIGO/ANTIGA não-predicativo não-predicativo predicativo
FALSO/FALSA predicativo não-predicativo predicativo
POSTIÇO/POSTIÇA não-predicativo não-predicativo predicativo
POSSÍVEL não-predicativo não-predicativo predicativo
PROVÁVEL não-predicativo não-predicativo predicativo
SUPOSTO/SUPOSTA não-predicativo não-predicativo predicativo
Pelo observado na tabela, as construções privativas analisadas, se fossem
parametrizadas somente pelos critérios distribucionais produtivos, seriam de
natureza não-predicativa. No entanto, tais adjetivos aparecem classificados na
maioria dos estudos gramaticais ( por exemplo, por Castilho (2010)) como
predicativos - modalizadores, qualificadores e quantificadores33. ‘Possível’,
‘provável’ e ‘suposto/suposta‘, por exemplo, seriam considerados predicativos
modalizadores epistêmicos quase asseverativos34; ‘falso/falsa’ poderiam ser
categorizados como predicativos qualificadores polares35, bem como as
construções com ‘postiço/postiça’ seriam adjetivos predicativos delimitadores
aproximadores36. Nessa classificação, não teríamos como incorporar ‘antigo’,
pois seu caráter temporal faria com que ele se alocasse como adjetivo dêitico, que
não é considerado predicativo nem não-predicativo.
33 Os modalizadores seriam adjetivos que apresentam um juízo emitido acerca do conteúdo do
substantivo; os qualificadores afetam a intensão do substantivo e os quantificadores afetam a extensão do substantivo. 34
O falante escolhe um modalizador epistêmico quase asseverativo quando deseja manifestar insegurança quanto às propriedades intensionais do substantivo-escopo.” (CASTILHO, 2010, p. 524) 35
“São qualificadores polares os adjetivos que se ordenam em pares antonímicos, tais como limpo/sujo, bonito/feio, igual/diferente, fácil, difícil, etc.” (IDEM, p. 526) 36 “Do ponto de vista qualitativo, o adjetivo delimitador repassa ao substantivo ‘escopado’ suas
propriedades intensionais, tornando imprecisa, aproximada sua interpretação semântica.” (IBIDEM, p. 528)
121
Por causa dessa flutuação nesses critérios de categorização, a utilização
somente de critérios formais para a descrição dos adjetivos
privativos/particularizadores não é suficiente, havendo, portanto, a necessidade
de buscarmos informações mais condizentes com o uso desse tipo de adjetivo na
língua portuguesa.
3.5 Critérios da Linguística Cognitiva
Os critérios utilizados nesta análise do comportamento das construções
privativas em língua portuguesa no âmbito da Linguística Cognitiva são justificáveis,
em parte, pelos resultados em estudos de língua inglesa (COULSON, 2001;
SWEETSER, 1999), que apontaram a mesclagem conceptual como o modelo de
análise mais eficaz para o adjetivo privativo, e também pela hipótese de que mesmo
a mesclagem conceptual em si não teria condições de abordar as especificidades
presentes nas construções privativas, no que diz respeito à relação modificador-
escopo. Pensando na apresentação de uma análise mais completa e que abarcasse
detalhes até então obscuros na modificação adjetival privativa, faremos uso dos
critérios manutenção das affordances (para a análise da relação modificador-
escopo e dos frames) e do tipo de mesclagem conceptual (que se desdobra em
outros níveis de análise relativos aos processos envolvidos na mesclagem,
como as relações vitais e a identificação das zonas ativas).
3.5.1 Manutenção das affordances
Ao nos referirmos à manutenção das affordances, consideramos as
propriedades do escopo que são mantidas e aquelas que são negadas ou
questionadas.
Embora a análise apresentada por Abdullah e Frost (2005) não faça essa
alusão, acreditamos que esses autores, quando se referem às propriedades
ausentes, estão demonstrando a possibilidade de análise dos privativos, de
122
forma simplificada, pela manutenção das affordances37. Partindo desse tipo
de análise, que mostra claramente as propriedades focalizadas do escopo,
a partir dos frames ativados pelo contexto discursivo, listamos as
construções com as respectivas affordances negadas/questionadas e os
frames construídos.
a) ANTIGO/ANTIGA
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE
NEGADA
FRAME
CONSTRUÍDO
AN
TIG
O / A
NT
IGA
antigo dono posse no presente Posse
antiga Mulher-Maravilha papel no presente Filme
antigo homem mais rico da Rússia riqueza no presente Dinheiro
antigo relacionamento união estável no presente
Direito familiar
antigo amante relacionamento no presente
Relacionamento amoroso
antigo fumante vício no presente Vício
antigo companheiro relacionamento no presente
Violência doméstica
antigo amor relacionamento no presente
Relacionamento amoroso
antigo professor treinador de Anderson Silva no
presente
Esporte de luta
antigo parceiro parceria no presente Música sertaneja
peguete antigo ficante no presente Relacionamento amoroso
antigo morador moradia no presente Habitação
antigo sogro parentesco no presente
Relação familiar
amor antigo relacionamento no presente
Relacionamento virtual
caso antigo relacionamento no presente
Relacionamento amoroso
antigo traficante vendedor no presente Uso de drogas
antigo prédio sede da prefeitura no presente
Vandalismo
antigo criminoso crime no presente Segurança nacional
37 Estamos considerando que a noção de ausência de propriedades do escopo é uma das características da negação no processo desse tipo de modificação adjetival. Sabemos que a noção de negação vai além da ausência, mas para fins de análise nesta pesquisa, não vemos
discrepância nessa aproximação.
123
antigo kartódromo pista de carro no presente
Incêndio criminoso
antigo cabelo ~ cabelo antigo corte de cabelo no presente
Celebridade
antigo ‘jogador problema’ mau comportamento no presente
Futebol
antigo corpo corpo musculoso no presente
Gravidez de celebridade
antigo animal de estimação criação do animal no presente
Morte de animal
antigo físico corpo sarado no pesente
Mundo fitness
antigo padrasto parentesco no presente
Abuso sexual
antigo estudante estudante de Direito no presente
Prova do Enem
antiga esposa relacionamento no presente
Dívida
antiga dona proprietária no presente
Venda de imóvel
antiga patroa chefia no presente Agressão
antiga ‘Loira do Tchan’ dançarina no presente
Noticiário
antiga professora docente de Balotelli no presente
Escola
antiga Serraria espaço de trabalho no presente
Lazer
antiga paixão relacionamento no presente
Programa de TV
antiga namorada relacionamento no presente
Traição
antiga fábrica ambiente de trabalho no presente
Projeto cultural
antiga casa propriedade de Ian Curtis no presente
Música
antiga usuária beneficiária no presente
Mudança de vida
antiga Rua da Horta nome da rua no presente
Saneamento básico
antiga estrada Rio-São Paulo principal rodovia no presente
Manifestação popular
antiga comadre CCCP parceria no presente Política comunista
antiga madrinha passista no presente Escola de samba
antiga família real regime monárquico no presente
Exposição
antiga moça juventude no presente
Festa de casamento
antiga prostituta profissão no presente Escândalo sexual
antiga guarda penitenciária profissão no presente Atendimento psicológico
antiga babá babá de Maria Ribeiro no presente
Relação afetiva
124
antiga estagiária emprego no presente Relação de emprego
babá antiga emprego no presente Relação de emprego
antiga moradora moradia no presente Habitação
antiga mulher do Google Tradutor comando de voz do Google no presente
Sistema operacional
Dos itens analisados, podemos enfatizar alguns aspectos relevantes para a
compreensão da presença das affordances e sua respectiva negação. Como
observado na tabela, a negação decorre da compreensão dos papéis exercidos
pelo escopo na relação temporal. ‘Antiga estagiária’ é aquela que em algum
momento no passado exerceu essa função, mas não a exerce no momento do
evento citado.
O adjetivo ‘antigo’ provoca uma relação de temporalidade ligada ao
escopo, fazendo com que a marcação da passagem presente > passado fique
nítida. Em estudo sobre adjetivos temporais na perspectiva da Gramática
Cognitiva, Sew (2008), citando exemplos de Sheffer (1996), demonstra como
ocorre essa projeção de propriedades no tempo. Sheffer conceptualiza o adjetivo a
partir de dois eixos: adjetivos prototípicos (elaboram um aspecto semântico inerente
ao substantivo com o qual se combina) e adjetivos dêiticos (especificam a
relação entre o papel e o valor38 particular dado/atribuído).
Os exemplos apresentados são os seguintes:
38 A noção de papel (role) está ligada a uma entidade, enquanto o valor (value) refere-se a um
determinado aspecto dessa entidade em um contexto específico. Evans (2007) problematiza tal relação a partir das concepções da sentença ‘Your cari s always different’ (Seu carro está/é sempre diferente), que pode se referir a aquisições sucessivas de um carro novo (que implicaria na alteração de papel, pois teríamos uma entidade diferente) ou a mudanças nos acessórios do carro (implicando na alteração do valor, aspecto do mesmo carro).
[Digite uma citação do documento
ou o resumo de uma questão
interessante. Você pode posicionar a
caixa de texto em qualquer lugar do
documento. Use a guia Ferramentas
de Caixa de Texto para alterar a
formatação da caixa de texto da
citação.] a)
125
(b)
No modelo de Sheffer, observamos que as noções de papel (role) e
valor (value) são conectadas de forma equitativa na passagem de tempo, quando
temos os dois elementos ocorrendo no presente; (b) representa as construções
‘my new lover’ (meu novo amante) e ‘her present employer’ (o patrão atual dela).
Para a marcação de passado, teríamos a conexão em t1 e para o futuro a relação
ocorreria em t3.
Então, o exemplo a seguir pode demonstrar como a compreensão do discurso
é consequência de várias projeções influenciadas pela affordance temporal negada
e sua relação com a estrutura textual:
[16] Alinne Moraes mostra boa forma depois de gravidez; veja as mamães que
voltaram rápido ao antigo corpo
Atriz é mamãe de primeira viagem do pequeno Pedro
Alinne Moraes mostrou que está com a barriguinha negativa dez meses depois do
nascimento de seu primeiro filho. A atriz postou um clique deitada em uma rede,
em Fernando de Noronha, usando biquíni cortininha (http://entretenimento.r7.com/mulher/fotos/)
Inicialmente, temos o conhecimento de que a atriz citada apresenta um
físico esguio, típico de celebridade (contexto social). A construção ‘antigo
corpo’ é referendada como ‘negação de corpo musculoso no presente’ porque
sabemos que durante e após uma gravidez o corpo da mulher sofre alterações.
Então, ‘antigo corpo’ refere-se ao físico antes da gravidez, negando a
pressuposição de que no período pós-gravidez a atriz apresentasse um corpo
flácido e acima do peso. Porém, pelo contexto linguístico, através do uso do verbo
‘voltar’, percebe-se que o corpo da atriz após o parto encontra-se no mesmo
estado que em momento anterior à gravidez. Há uma conjuntura na estrutura
126
textual para gerar a interpretação adequada do termo ‘antigo corpo’ e nos levar à
identificação da affordance negada. No esquema de Sheffer, teríamos a marcação
de ‘antigo corpo’ em t1, reforçada pela movimentação do papel-valor de t2 para t1,
gerada pelo verbo de movimento ‘voltar’, se considerarmos o contexto discursivo no
qual se insere tal expressão:
Dessa forma, notamos que a relação papel-valor está fortemente ligada às
alterações das affordances nas construções adjetivas a partir de ‘antigo/antiga’.
b) FALSO/FALSA
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE
NEGADA
FRAME
CONSTRUÍDO
FA
LS
O / F
AL
SA
falso estudante função de estudar Estelionato
Popozuda falsa composição natural do bumbum
Reality show
loura falsa cor original do cabelo Relacionamento amoroso
loura falsa cor original do cabelo Humor
loura falsa cor original do cabelo Reality show
falsa Popozuda identidade Celebridade
empregado falso função de servir os convidados
Contratação de serviços
falsas magras magreza ‘esquelética’ Beleza
marido falso função conjugal Casamento
falso marido função conjugal Obra literária
esposa falsa função conjugal Filme
falsa Popozuda composição natural do bumbum
Reality show
falsos crentes fé / comportamento cristão
Religião
127
sobrinho falso parentesco Estelionato
repórter falso profissão Noticiário
amigo falso ~ falso amigo vínculo de amizade Amizade
noivo falso compromisso para o casamento
Peça teatral
grávida falsa formação dos fetos Gravidez
noiva falsa compromisso para o casamento
Filme
esposa falsa função conjugal Divórcio
falso profeta ~ profeta falso função religiosa / comportamento cristão
Religião
fumante falso prazer de fumar Vício
falso fumante ação de fumar Vício
falso repórter formação profissional Programa televisivo
empregado falso função de servir os convidados
Casamento
repórter falso profissão Filme
pastor falso função religiosa Traição
falsa gorda sobrepeso Beleza
empregado falso ação de trabalhar Fraude
médico falso formação profissional Prisão
dentista falso formação profissional Prisão
professor falso formação profissional Prisão
professor falso formação profissional Escola
falsa professora formação profissional Prisão
vendedor falso profissão Estelionato
psicóloga falsa ~ falsa psicóloga formação acadêmica Prisão
policial falso exercício da profissão Viagem
falso sequestrador ~ sequestrador falso
detenção da vítima Crime
sequestrador falso detenção da vítima Aconselhamento
maconheiro falso fumo Rede social
menina falsa identidade Rede social
menino falso identidade Relacionamento amoroso
homem falso gênero Homossexualidade
carioca falso sotaque Pronúncia
carioca falsa amor pelo Rio Comemoração
carioca falso amor pelo Rio Turismo
128
mineiro falso naturalidade Futebol
falsa bonita beleza física Cinema
falsas magras magreza Estética
amigo falso vínculo de amizade Amizade
falso sobrinho parentesco Prisão
Temos considerado o item ‘falso/falsa’ como prototípico no aspecto da
negação; assim, as affordances negadas nas construções com esse item estariam
bem delimitadas nos contextos discursivos em que ocorrem. Observando os
exemplos a seguir, percebemos a incorporação do aspecto negativo de forma
gradativa:
[17] Loura falsa vai esconder raiz do cabelo Preocupada com o visual, a carioca Tatiana Machado Souza, de 27 anos, mantém a forma com hidroginástica e, recentemente, deu uma turbinada nos seios com silicone. “Como pinto o cabelo, levo para a casa do BBB umas redes para esconder a raiz preta que vai aparecer.” Além dos adereços para a cabeça, a mala de Tatiana está carregada de “biquínis, óculos de sol e roupas de calor”.
(bbb.globo.com/BBB5/)
[18] No Dia do Trabalhador, uma divagação oportuna.
Fadiga é um senhor engraçado, de sorriso amarelo. É o típico fumante falso que, ao invés de realmente fumar e se deleitar com a fumaça esparsa e dançante, deposita no cigarro toda a vontade de pôr fim ao fardo que carrega. Tem a pele morena, os olhos verdes e aparenta ter 60 anos, mas acaba de completar 40 no hospital.
(site desativado)
Em [17], a acepção de ‘loura falsa’ é ativada como não-loura logo no título da
notícia - ‘Loura falsa vai esconder raiz do cabelo’. Dessa forma, a interpretação para
desvio de caráter em ‘falsa’ é descartada de início. Em [18], a acepção para
‘fumante falso’ ganha um aspecto mais especificador: fumante que não fuma por
prazer, mas para dar fim à vida. Nesse aspecto, a negação não se relaciona ao ato
de fumar, mas ao prazer de fumar.
Outro ponto interessante quanto às affordances relaciona-se à posição do
adjetivo nas construções; há casos em que a anteposição ou posposição não
alteram a negação da affordance:
129
[19] FAMÍLIA DO BLOGUEIRO JOHN LENNON FOI VITIMA DO FALSO
SEQUESTRO
John Lennon de imediato chamou o irmão de Bernadete também primo do blogueiro que reside no Rio de Janeiro/RJ e que também está visitando Mipibu. Ao se aproximar ele tomou o telefone, foi muito seguro disse para o falso sequestrador, que era um trote. O Sequestrador falso disse que ligaria em cinco minutos e se a familia não fizesse o deposito do valor exigido para o resgate Ana Paula seria assassinada.
Todos ficaram muito preocupados. O blogueiro John junto com os demais familiares que residem aqui em Mipibu, tentou comunicação com a prima Ana Paula que encontra-se no Rio de Janeiro, mais o telefone estava desligado. Minutos depois conseguimos contato e a prima do Blogueiro Ana Paula estava dando expediente no hospital em que trabalha.
(boletimmipibu.com.br)
No exemplo, o uso de ‘falso sequestrador’ é alternado com o de ‘sequestrador
falso’, mantendo a affordance negada. Nesse caso, a mudança na posição do
adjetivo não alterou o sentido do modificador nem a affordance alterada no escopo.
c) POSTIÇO/POSTIÇA
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE NEGADA FRAME
CONSTRUÍDO
PO
ST
IÇO
/ P
OS
TIÇ
A
eu postiço ego Relação interpessoal
unhas postiças orgânica Estética
mãe postiça genética Relação familiar
cílios postiços orgânica Estética
cabelo postiço orgânica Estética
dente postiço orgânica Saúde odontológica
roscas postiças localização fixa Conserto mecânico
franja postiça orgânica Estética
aresta postiça uniformidade Metalúrgico
torcida postiça incentivo Eleição 2014
identidade postiça Identidade política Eleição 2014
manga postiça composição da roupa Cultura
avó postiça genética Relação familiar
gola postiça composição da roupa Moda
sobrancelhas postiças orgânica Estética
130
dentadura postiça orgânica Estética/saúde
campanha postiça veracidade dos fatos Eleição 2014
irmã postiça genética Relação familiar
pinta postiça marca Celebridade
moral postiça traços de caráter Economia
mão postiça orgânica Acessório
barriga postiça orgânica Novela
estabilidade postiça equilíbrio Política
felicidade postiça sentimento Assalto
justiça postiça cumprimento da sentença Mensalão
casa postiça funcionamento política
titia postiça genética Relação familiar
barba postiça orgânica Programa de TV
mulher postiça gênero Carnaval
prima postiça genética Relação familiar
pai postiço genética Relação familiar
filho postiço genética Relação familiar
cabelo postiço orgânica Estética
dedo postiço orgânica Acessório
riso postiço alegria Relação interpessoal
coração postiço localização no corpo Nascimento
bigode postiço orgânica Programa de TV
nariz postiço orgânica Saúde
ar postiço autenticidade Empresarial
irmão postiço genética Crime
Estado postiço governo Eleição palestina
líder de governo postiço liderança Política
olho postiço orgânica Zoológico
pais postiços genética Relação familiar
governo postiço liderança Política internacional
nome postiço nomenclatura Jogos
avô postiço genética Relação familiar
conselheiro postiço função Política
braço postiço orgânica Futebol
sogro postiço parentesco Empreendedorismo
131
homem postiço paternidade Família
pênis postiço orgânica Show
O item ‘postiço’ tem sido caracterizado como operador de coerção
metonímica (cf. COULSON, 2001), especificamente coerção metonímica do type
com refutação (metonymic type coercion with rebuttal), por exercer uma alteração no
escopo que restringe algumas de suas propriedades, negando-as parcialmente.
Vejamos o seguinte exemplo:
[19] Esta Casa é uma Casa postiça. Eu digo: esta Casa não vai dar um passo
avançado na reforma política”
Newton Cardoso Deputado federal e integrante da comissão que analisa a reforma política
Por que a reforma política é necessária neste momento? Esta Casa é uma Casa postiça. Na realidade, os deputados que estão aqui não representam o povo. Alguns representam, outros não. Eu digo: esta Casa não vai dar um passo avançado na reforma política. Eu tentei aqui começar o debate. Não consegui, porque ninguém quer. Há uma malandragem excessiva dos partidos menores, os que vendem legenda para continuar esse processo, que é imoral.
(http://www.otempo.com.br/capa/)
Ao observarmos a construção ‘Casa postiça’, podemos atestar o seguinte: a)
‘postiça’ atua de forma coercitiva sobre ‘Casa’, dando a esse escopo um status
duvidoso de credibilidade; b) ao mesmo tempo, ‘Casa’ é uma forma metonímica para
se referir ao grupo de deputados que compõem o Congresso Nacional, além de
apresentar uma raiz metafórica no sentido de ser uma palavra do domínio familiar
que é transferida para o domínio político/legislativo.
d) POSSÍVEL
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE
QUESTIONADA
FRAME
CONSTRUÍDO
PO
SS
ÍVE
L
possível volta retorno ao time Futebol
possível ensaio nu trabalho fotográfico Celebridade
possível contratação transação Contrato de futebol
possível logo marca Novela
possível substituto substituição Tecnologia
utopia possível idealização Sermão religioso
132
cenário possível enquadramento Crise hídrica
possível impeachment processo político Política
possível novo recordista capacidade do carro Automóveis
possível evento ocorrência Fenômeno da natureza
possível sucessor sucessão Futebol
possível corrupção presença de vírus Informática
possível rebaixamento valor Economia
possível fraude adulteração Eleição
possível tomada de reféns sequestro Imigração
possível supernova nova estrela Astronomia
possível filiação envolvimento Política
possível variação alteração Impressão digital
possível alta aumento Economia
resposta possível solução Terrorismo
possível renovação transação Contrato de futebol
possível spoiler antecipação de script Programa de TV
resposta possível solução Economia
possível acordo concordância Política internacional
Nos dados analisados, observamos que a ocorrência de posposição é ínfima;
o uso mais comum é do adjetivo anteposto. Tal preferência pode servir para
reforçar o caráter de questionamento da affordance, uma vez que a posposição
demonstra um enfraquecimento desse questionamento: ‘possível renovação’ -
uma transação que pode ou não ocorrer; ‘resposta possível’ - uma ação que
certamente se concretizará / uma solução que futuramente aparecerá. Nos
textos seguintes, de onde foram retiradas tais expressões, podemos observar o
contexto discursivo para confirmarmos essas informações:
[20] Modesto Roma Jr comenta possível renovação de Ricardo Oliveira
O presidente do Santos, Modesto Roma Jr., admitiu na última terça-feira a intenção de renovar com o atacante Ricardo Oliveira, vindo dos Emirados Árabes e acordado com o clube até o fim do Campeonato Paulista. Por ter um contrato de curta duração, o jogador aceitou receber um salário abaixo de seu padrão com objetivo de se valorizar no mercado. Agora, de acordo com o dirigente, o valor pedido pelo atleta na possível renovação ultrapassa o teto salarial do clube,
133
estimado em 200 mil reais. No Estadual, o próximo compromisso do Peixe será na quarta-feira, diante da Ponte Preta em Campinas.
(http://www.msn.com/pt-br/esportes/futebol/)
[21] Sony, Charlie e a resposta possível Ricardo Costa |
18:00 Quinta feira, 8 de janeiro de 2015
Comparar um tenebroso ataque terrorista a um ataque cibernético é sempre desproporcionado. Um tem vítimas identificadas, com rostos, nomes, famílias, amigos e um lastro de sofrimento. O outro tem normalmente vítimas mais difusas, listas enormes de afetados, mas nunca da forma brutal e definitiva como os de um ataque terrorista. Mas há um ponto que une dois tipos de ataques tão diferentes e é isso que se verifica quando recuamos para ver o que se passou ontem e há algumas semanas no ataque aos servidores da Sony. O que une os hackers da Coreia do Norte aos fanáticos islamistas de Paris é o mesmo combate à liberdade de expressão. E é a defesa desses valores que tem de nos unir a nós, mesmo quando não achamos muita piada a "The Interview" ou possamos achar que um ou outro cartoon do "Charlie Hebdo" pode ser muito radical.
(http://expresso.sapo.pt/sony-charlie-e-a-resposta-possivel)
A diferença presente na negação parcial da affordance também
se concretizará na análise de ‘provável’.
e) PROVÁVEL
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE
QUESTIONADA
FRAME
CONSTRUÍDO
PR
OV
ÁV
EL
provável personagem participação Filme
provável causa influência Acidente
data provável tempo Gravidez
provável destino destinação Contrato no futebol
provável saída movimento Futebol
provável visita atividade política Política
provável novo navegador uso Informática
provável equipe composição do time Futebol
tempo provável exatidão Religião
provável oceano água Astronomia
quadro provável doença Saúde
provável ‘ataque terrorista’ motivação Terrorismo
correlação provável ligação Política
134
provável titular posição Futebol
provável visual aparência Telefonia
provável novo maestro titular posição Música
provável racionamento economia Crise hídrica
provável aumento aumento Economia
provável desafiante luta Esporte de luta
provável premier cargo Política
provável candidato candidatura Eleição
caso provável doença rara Saúde
provável elenco composição Filme
provável favorita preferência Hipismo
roteiro provável história Política chinesa
Além da negação parcial, temos também, relacionada à identificação da
affordance questionada, a presença do contexto discursivo como elemento
determinante para essa negação.
[22] Hospital diz que Youssef apresenta quadro provável de angina instável
O doleiro foi hospitalizado neste sábado (25) após passar mal na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba
26/10/2014 08h27 Da Redação, com agências
O hospital em que está internado o doleiro Alberto Youssef, em Curitiba, divulgou nota para informar que o paciente tem um quadro provável de angina instável, condição grave na qual o coração não é irrigado corretamente com sangue e que pode levar ao infarto.
A nota não faz referência a qualquer agente externo que tenha levado à crise. Nas redes sociais, há uma intensa boataria de que Youssef fora envenenado na carceragem. Em nota, a Polícia Federal negou a suposição de envenenamento e lembrou que o doleiro tem histórico de doença cardíaca e que esta foi a terceira vez que ele teve um atendimento médico de urgência desde que foi preso.
Na quinta-feira, a revista "Veja" trouxe reportagem afirmando que o doleiro teria
citado em depoimento que Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva sabiam do
esquema de corrupção na Petrobras.
Youssef e o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa são os delatores do esquema e negociaram uma delação premiada com a Justiça, a fim de reduzir suas eventuais penas ao fim do processo. Costa já saiu da cadeia e está em prisão domiciliar, e Youssef ainda está sendo ouvido.
135
A Polícia Federal já havia divulgado nota sobre o atendimento de Youssef. O doleiro tem um histórico de doença cardíaca. Na nota do Hospital Santa Cruz, está relatado que ele teve dor torácica e um desmaio, mas que manteve os sinais vitais estáveis.
Em nota, a Polícia Federal afirmou nesta manhã (26) que Youssef passou bem a noite e deve permanecer internado por pelo menos 48 horas, sob escolta de policiais federais.
(http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/)
Nesse texto, observamos que a compreensão da construção ‘quadro
provável’ como item isolado seria prejudicada, uma vez que o termo ‘quadro’ tem
sentido bem abrangente/genérico, o que tornaria a identificação da affordance
questionada difícil. Assim, a presença do contexto discursivo é fundamental para a
noção de que ‘quadro’ refere-se a um estado de saúde.
f) SUPOSTO/SUPOSTA
CONSTRUÇÃO AFFORDANCE
QUESTIONADA
FRAME
CONSTRUÍDO
SU
PO
ST
O / S
UP
OS
TA
suposto assassino culpa Crime
suposta mãe maternidade Relação consanguínea
suposto amigo vínculo de amizade Amizade
suposta filha vínculo filial Filiação
suposta namorada vínculo amoroso Namoro
suposto homicídio ato criminoso Crime
suposto estupro ato criminoso Crime
suposto primo parentesco Judicial
parto suposto genitoria Judicial
suposto pai genética Judicial
suposto ataque de tubarão mordida Ataque
suposto envolvimento participação Escândalo político
suposto colega vínculo de amizade Crime
suposto estuprador autoria Crime
suposto OVNI aparição Sobrenatural
suposto pivô traição Celebridade
suposto assalto ato criminoso Crime
136
suposto novo namorado vínculo afetivo Programa de TV
suposto desvio de dinheiro furto Celebridade
suposto ladrão roubo Terrorismo
suposto inimigo inimizade Novela
suposto vídeo íntimo filmagem Celebridade
suposto alien origem extraterrestre
Sobrenatural
suposto usuário de drogas vício Crime
suposto filho genética Disputa judicial
suposto ex-affair namoro Celebridade
suposto autor autoria Crime
suposto chefe do tráfico chefia Prisão
suposta mãe genética Celebridade
suposta namorada vínculo afetivo Celebridade
suposta filha genética Celebridade
suposta ida ao cinema movimento Desaparecimento
suposta traição traição Agressão
suposta ‘boca de fumo’ local Tiroteio
suposta injúria racial ofensa Preconceito
suposta namorada vínculo afetivo Crime
suposta mandante liderança Crime
suposta fraude adulteração Crime
suposta mudança de sexo alteração Homossexualidade
suposta música autoria Música
suposta ‘pegadinha’ fraude Multa
suposta namorada vínculo afetivo Política
suposta ligação relacionamento Prisão
suposta ofensa ofensa Política
suposta overdose de droga uso abusivo Morte
suposta adulteração alteração Caso policial
suposta homicida ato criminoso Prisão
suposta vítima vitimismo Assalto
suposta amante relacionamento Traição
suposta aliciadora coerção Exploração sexual
suposta doente mental estado mental Assassinato
suposta cantada elogio Processo judicial
137
‘suposta conta’ existência Escândalo político
Os itens ‘suposto/suposta’ exercem um tipo de coerção sobre o escopo,
denominado por Coulson (2001) de coerção metonímica do type com redução
(metonymic type coercion with undercutting). Como em ‘possível’ e ‘provável’, a
anteposição reforça a negação parcial (ou questionamento) do escopo, enquanto
a posposição apresenta uma tendência mais afirmativa; porém, no uso de tal
adjetivo, não encontramos um número relevante de contruções pospostas - temos
somente o caso de ‘parto suposto’, expressão jurídica:
[23] DOS SUPOSTOS CRIMES PRATICADOS
Segundo a imprensa, houve uma denúncia que imputou à mulher dois delitos, quais sejam: sequestro [40] e parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido. [41] Ocorre que, pode ter ocorrido prescrição, que é uma causa extintiva da punibilidade, em face do tempo, eis que os dois delitos tem penas com prazo prescricional de 12 anos. [42]
Quanto ao crime de parto suposto, não resta qualquer dúvida, é um crime instantâneo, ou seja, sua consumação se deu com o ato do registro. No entanto, o prazo da prescrição, de acordo com o art. 111, inciso IV, do Código Penal, se iniciou no dia em que o fato se tornou ostensivamente conhecido.
(http://jus.com.br/artigos/3645/)
No exemplo, a construção ‘parto suposto’ está vinculada a um tipo de crime,
enfocado no artigo 242 do Código Penal Brasileiro, considerado como o registro
de filho de outrem, dando ao parto alheio caráter próprio, como se o filho fosse
do requerente. Parece-nos que tal expressão possui caráter cristalizado, uma vez
que na busca rápida por textos jurídicos na internet não encontramos essa
construção anteposta.
3.5.2 Tipo de mesclagem conceptual
Como já dito, Coulson (2001), ancorada nos estudos de Franks (1995), afirma
que os adjetivos privativos estabelecem um tipo de combinação conceptual diferente
da realizada entre um nome e outra classe de adjetivo. Por esse motivo, a autora
138
dedica boa parte do capítulo em que trata da mesclagem conceptual em sintagmas
nominais modificados para discorrer sobre essa especificidade.
Uma vez que a autora abre mão da análise pelo modelo de geração de
sentidos, há o enfoque no mecanismo de integração conceptual para explicar a
modificação adjetival privativa. Para ela, a mesclagem dá conta de apresentar a
acomodação dos traços inerentes ao referente discursivo nos diferentes domínios
onde ocorrem. Assume-se que o papel do ajuste focal é fundamental para a
interpretação da perspectiva apresentada na construção modificadora, uma vez que
esse mecanismo perfila um status que não está explícito nos elementos isolados da
construção. Assim, no caso de ‘revólver falso’, o sentido emergente da construção é
o de um objeto que não atira, mas é utilizado em um assalto como um simulacro; há
o perfilamento para o formato do objeto, enquanto a função ‘atirar’ é apagada.
Em ‘revólver falso’, se estivéssemos em um contexto de assalto, alguns
elementos centrais seriam negados (como função de atirar/matar, gatilho, lugar
para munição, material metálico), enquanto outros seriam mantidos (cano,
cabo e tamanho). No modelo de geração de sentidos, estaríamos diante de um
tipo de coerção metonímica do type, uma vez que o objeto referido (revólver
falso) é um simulacro do real, ‘substitui’, na cena de assalto, um revólver
verdadeiro, gerando nas vítimas a crença de que seja mesmo uma arma. Na
mesclagem conceptual, teríamos como inputs o espaço das crenças das vítimas
(em que o revólver é real, verdadeiro) e o espaço das crenças do assaltante (em
que o revólver é falso, de plástico ou outro material, é um simulacro), além de
considerar os elementos citados acima.
Nos dados coletados, percebemos que a noção de frame torna-se
fundamental para elucidar os elementos que farão parte da integração conceptual
pelo processo de mesclagem.
Veremos a seguir como tais construções se comportam na análise da
mesclagem conceptual inerente a elas. Para isso, agrupamos as construções nos
padrões de mesclagem conceptual apurados após a testagem dos textos
139
selecionados. Temos, assim, três agrupamentos que representam os
desdobramentos do processo de mescla nos textos39.
3.5.2.1 Antigo/antiga
Sabemos que o termo ‘antigo’ abarca algumas leituras: uma ligada à
propriedade de desgaste (casa antiga), portanto mais estativa; outras relacionadas a
tempo, mais dinâmica quando implica duração/continuidade (fumante antigo) e mais
estática quando se refere à anterioridade (antigo fumante). Como privativo, tal
termo sempre se apresenta na leitura de anterioridade. Para
compreendermos as conexões ocorridas nas projeções dos espaços mentais
envolvendo temporalidade, reportamo-nos aos esquemas apresentados por
Fauconnier (1997), mas criados por Cutrer (1994). Cutrer criou tais esquemas de
projeção para demonstrar a ocorrência do tempo e do modo em narrativas,
utilizando os primitivos cognitivos como suporte (base, foco e ponto de vista). Tais
primitivos são definidos a seguir:
a) Base - espaço mental que representa o ponto inicial de um estágio
discursivo particular (como o início de uma conversa). O espaço Base
serve para ativar o discurso e também pode ser retomado em qualquer
momento do discurso.
b) Foco - espaço mental em que um conteúdo é adicionado ao evento de
fala.
c) Ponto de vista - o espaço mental pelo qual o discurso está sendo visto e
a a partir do qual outros espaços mentais entrelaçados são construídos.
Fauconnier apresenta o seguinte enunciado para explicar o atrelamento da
temporalidade no discurso e sua representação cognitiva:
Max is 23. He has lived abroad. In 1990, he lived in Rome. In 1991 he would
move to Venice. He would then have lived a year in Rome. (Max tem 23 anos. Ele
39 Temos a consciência de que uma representação genérica do processo de integração conceptual não abarca as especificidades desejáveis nesse tipo de esquema, mas a padronização serve-nos para depreendermos como as construções privativas se comportam nessa gama de textos.
140
tem vivido no exterior. Em 1990, morou em Roma. Em 1991 ele se mudou para
Veneza. Ele teria vivido, então, um ano em Roma.)
Os processos decorrentes de tal enunciado são os seguintes:
a) Inicialmente, temos um espaço simples, que é a Base, e um Ponto de
Vista e Foco iniciais. A informação que estrutura esse espaço é a de que Max tem
23 anos.
b) Mantendo esse espaço no Foco, adicionamos a informação presente
(Max has lived abroad - Max tem vivido no exterior). Tal informação ocorre através
de um espaço de evento passado (Max live abroad - viver no exterior).
c) Na sentença seguinte, ‘em 1990’ é um construtor de espaço. Ele ativa um
novo espaço de Foco, no qual construímos o conteúdo ‘Max live in Rome’ (Max
viver em Roma). Também há um espaço novo de Evento, quando consideramos o
evento/estado de Max viver em Roma.
d) Esse espaço Foco torna-se um ponto de vista a partir do qual
consideramos o próximo passo de Max. Quando dizemos ‘em 1991’, há um
movimento para o futuro, em relação a 1990. Então o espaço de 1990 acaba sendo
esse ponto de vista para a criação do próximo Foco (e Evento) - Max move to
Venice (Max mudou-se para Veneza).
e) A última frase - He would then have lived a year in Rome (Ele teria vivido,
então, um ano em Roma.) - mantém 1990 como Ponto de Vista e 1991 como
Foco, na acepção do espaço para eventos (‘viver um ano em Roma’) que é passado
em relação ao foco 1991.
As representações a partir dos espaços mentais mostram esses
desdobramentos:
141
Esquema 16. Desdobramento dos espaços mentais na temporalidade
Acerca desse desdobramento, para sua melhor compreensão, cabe-
nos apresentar as caracterizações efetuadas por Cutrer dos tempos verbais em
língua inglesa:
o PASSADO requerido no espaço N indica que:
- N está no Foco
- o ‘pai’ de N é o Ponto de Vista
- o tempo de N é anterior ao Ponto de Vista
- eventos ou propriedades representadas em N são FATOS (em relação ao
espaço-pai de Ponto de Vista)
142
o PRESENTE requerido no espaço N indica que:
- N está no Foco
- N ou o ‘pai’ de N são o Ponto de Vista
- o frame de tempo representado em N não é anterior ao Ponto de Vista/Base
- eventos ou propriedades em N são FATOS (em relação ao Ponto de Vista)
o FUTURO requerido no espaço N indica que:
- K está no Foco
- o ‘pai’ de K é o Ponto de Vista
- o frame de tempo de K é posterior ao Ponto de Vista
- eventos ou propriedades em K são PREDIÇÔES (vindas do Ponto de Vista)
143
Tais noções são importantes para nós no que concerne à esquematização do
processo de mesclagem conceptual para construções com ‘antigo/antiga’. O que
pressupomos é que haja um padrão de mesclagem conceptual para essas
construções, resguardadas as especificidades do contexto discursivo onde ocorrem.
Algumas descrições desse processo mostram-nos que há uma padronização:
a) ‘antigo dono’ - temos um espaço mental voltado para ‘posse passada’ e
outro para ‘posse presente’; há também outros elementos nesses inputs,
como ‘Ary Marcos Borges da Silva’ (input 1) e ‘ONG/Criadouro São
Francisco de Assis’ (input 2). A estrutura emergente é a de ex-
proprietário, em um espaço de negação.
b) ‘antiga Mulher-Maravilha’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de
passado (‘Lynda Carter’, ‘guerreira amazona’, ‘atriz’, ‘década de 70’) e
presente (‘atriz’, ‘Lynda Carter’, ‘século XXI’), gerando uma estrutura
emergente para ex-Mulher Maravilha (espaço-mescla de negação).
c) ‘antigo homem mais rico da Rússia’ - temos as contrapartes nos espaços
mentais de passado (‘Mikhail’, ‘executivo’, ‘riqueza’, ‘2003’) e presente
(‘Mikhail’, ‘presidiário’, ‘pobreza’, ‘2013’), gerando uma estrutura
emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-magnata’).
d)‘antigo amante’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de passado
(‘Rupert Sanders’, ‘diretor de cinema’, ‘paixão’) e presente (‘Rupert
Sanders’, ‘diretor de cinema’, ‘separação’), gerando uma
estrutura emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-amante’).
e) ‘antigo fumante’ - temos as contrapartes nos espaços mentais de passado
(elementos ‘juiz/Mário dos Santos Paulo’, ‘viciado’) e presente ( elementos
‘juiz/Mário dos Santos Paulo’, ‘não-viciado’), gerando uma estrutura
emergente em um espaço-mescla de negação (‘ex-fumante’). Salienta-se
que o marcador ’há 38 anos’ estabelece a distância temporal entre um
espaço mental e outro.
A representação possível para esse tipo de mesclagem está ancorada na
temporalidade discutida por Fauconnier e, em nível genérico, pode ser assim
demonstrada:
144
Es
qu
em
a 1
7. M
esc
lag
em
pa
ra ‘an
tig
o’
145
Interpretação: Os elementos relativos à anterioridade encontram-se no input
1; também há os elementos papel-valor e indivíduo/objeto X como parte desse input.
No input 2 temos o presente, marcado pelo momento da enunciação, com os
elementos papel-valor e indivíduo/objeto X. No espaço-mescla, há a junção de
alguns desses elementos e a ‘convivência’ dos elementos ‘anterioridade’ e
‘presente’; a negação pela contrafactualidade ocorre na compressão de tempo
(anterioridade x presente), gerando desanalogia.
3.5.2.2 Falso/falsa e postiço/postiça
As construções desse grupo apresentam características sintáticas bem
diversificadas, mas quanto ao processo de mesclagem conceptual mostram algumas
semelhanças. O conceito de falsidade opõe-se claramente à noção de verdade,
criando, então, uma contrafactualidade nesse aspecto; ser postiço é uma
propriedade do que não é original, verdadeiro, mas a escolha lexical desse adjetivo
não tende para os mesmos padrões de ‘falso’: podemos falar em ‘cabelo falso’ em
vez de ‘cabelo postiço’, mas não podemos nos referir a ‘revólver postiço’ e
‘estudante postiço’ em vez de ‘revólver falso’ e ‘falso estudante’.
Em ‘cílios postiços’, ‘cabelo postiço’, ‘unhas postiças’ e ‘dente postiço’, os
inputs relacionam o que é humano com o que não é, gerando uma
contrafactualidade na mescla de espaços mentais; após, os elementos dos inputs se
relacionam para gerar uma estrutura emergente que corresponda ao objeto:
a) ‘cílios postiços’ - partes do corpo/orgânico/visão e material
sintético/artificialidade/cola: acessório. Frame de estética.
b) ‘cabelo postiço’ - orgânico/fio/raiz e artificialidade/cola: aplique. Frame de
estética
c)‘unhas postiças’ - orgânico/cutícula/queratina e artificialidade/material
sintético/cola: acessório. Frame de estética
d)‘dente postiço’ - orgânico/raiz/esmalte e
artificialidade/porcelana/parafuso: prótese. Frame de saúde odontológica.
Em ‘mãe postiça’ e ‘eu postiço’, temos frames de relacionamento, em que o
primeiro é familiar e o segundo é interpessoal. No esquema da mesclagem, temos
146
para ‘eu postiço’ um espaço mental voltado para o ‘eu’ em contraposição a outro
para ‘pessoas’, em que elementos de alteridade também aparecem vinculados à
mescla, gerando o sentido de ‘o outro’. No caso de ‘mãe postiça’, os inputs se
contrapõem da seguinte forma: mãe - afeto/genitora/filho e madrasta/enteado/não-
genitora, que resultam em uma função afetiva exercida pela madrasta.
Nas construções ‘falso estudante’, ‘Popozuda falsa’, ‘loura falsa’ e ‘falsas
magras’, a negação contrafactual é evidenciada na projeção dos espaços:
a)‘falso estudante’ - temos as contrapartes jovem/Rafael da Silva Borges,
pedagogo (espaço de crenças do ingênuo) e jovem/Rafael da Silva Borges,
cabeleireiro (espaço da realidade). A estrutura emergente do espaço-mescla de
engano é ‘não-estudante’.
b) ‘Popozuda falsa’ - temos as contrapartes Popozuda/Valesca, funkeira,
glúteo natural (espaço da realidade) e Popozuda/Valesca, funkeira, silicone,
cirurgia plástica (espaço de crença do falante). A estrutura emergente do
espaço-mescla de crença é ‘Popozuda falsa, com bumbum de silicone’. Temos
aqui um espaço de crença porque se trata de um juízo de valor do falante e não de
uma situação comprovada.
c) ‘loura falsa’ - temos as contrapartes ‘loura’ (espaço do presente) e
‘morena’ (espaço do passado), alpm de ‘falsa’ no espaço atual, formando uma
estrutura emergente no espaço-mescla de negação (não-loura).
d) ‘falsas magras’ - temos as contrapartes magreza/corpo esguio (espaço das
crenças do observador) e gordura/corpo com curvas (espaço da realidade),
formando uma estrutura emergente no espaço-mescla de negação (não-magra).
A representação genérica para tais processos seria a seguinte:
147
Es
qu
em
a 1
8. M
esc
lag
em
pa
ra ‘fa
lso
’ e
‘p
os
tiç
o’
148
Interpretação: Os elementos do input 1 incluem dados de conhecimento sobre
uma determinada propriedade, baseados nos MCIs; o input 2 possui elementos
ligados ao espaço de crenças, na acepção do escopo. Há relações de engano/
substituição/simulacro na desanalogia, uma vez que os elementos do input 2 não
corresponde à realidade do espaço de conhecimento. Nessa relação, ocorre a
contrafactualidade.
3.5.2.3 Suposto/suposta, possível e provável
Como esses itens são categorizados como modalizadores, entendemos que
haja uma única representação para o seu processo de mesclagem conceptual. Há a
projeção em um espaço mental parecido com o exemplo dado por Sweetser (1999,
p. 152), em que no espaço mental do falante temos um desmembramento para um
espaço de cenário e outro da realidade dentro do espaço do falante e há outro
espaço em que temos o frame de eleição política, o papel-valor e o indivíduo; no
espaço-mescla, temos a junção entre alguns elementos dos inputs (papel do
candidato/indivíduo com o cenário e a realidade), criando a limiaridade entre o
verdadeiro e o falso. Então, levando-se em conta que os elementos do input 1
(cenário x realidade) serão os mesmos para esses itens (‘suposto/suposta’,
‘possível’ e ‘provável’), identificamos os elementos do input 2:
a) ‘suposto assassino’ - os elementos envolvidos são ‘Ronaldo da Silva’,
‘assassino’ e ‘provas do crime’.
b) ‘suposta mãe’ - os elementos envolvidos são ‘Carolina Bianchi’, ‘mãe’ e
‘exame de gravidez’.
c) ‘suposto amigo’ - os elementos envolvidos são ‘rapaz’, ‘amigo’ e
‘desconhecido’.
d) ‘suposta namorada’ - os elementos envolvidos são ‘Camila Espinosa’,
‘moelo’, ‘empresária’.
e) ‘suposta filha’ - os elementos envolvidos são ‘filha de 9 anos’, ‘exame de
DNA’.
f) ‘possível impeachment’ - os elementos envolvidos são ‘Dilma Roussef’,
‘ano de 2015’ e ‘Câmara de Deputados’.
149
g) ‘possível substituto’ - os elementos envolvidos são ‘silício’, ‘telureto de
mercúrio’ e ‘Santo Graal dos materiais’.
h) ‘provável destino’ - os elementos envolvidos são ‘Chelsea’ e ‘time inglês’.
i) ‘provável desafiante’ - os elementos envolvidos são ‘Bethe Correia’,
‘lutadora peso-galo do UFC’ e ‘Pitbull’.
A representação genérica para tais processos seria a seguinte:
150
Es
qu
em
a 1
9. M
esc
lag
em
pa
ra ‘su
po
sto
’, ‘p
rov
áv
el’ e
‘p
os
sív
el’
151
Interpretação: Os elementos do input 1 (cenário e realidade) são contidos no
espaço do falante, com uma interrogação entre eles, pois não há a certeza; os
elementos do input 2 referem-se ao papel-valor e ao indivíduo/objeto X. Tais
elementos são projetados para os espaços de cenário e de realidade, tendo suas
affordances questionadas nessa mescla. Há desanalogia gerada na dúvida,
assim como analogia gerada na certeza.
152
CAPÍTULO III - CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DAS
CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS
Até o momento, buscamos analisar as construções privativas e apresentar
resultados que apontassem para um padrão comportamental presente nelas.
Neste tópico, apresentamos as considerações mais relevantes acerca do que foi
analisado até aqui. Esclarecemos que não temos a pretensão de esgotar as
possibilidades de análise desse tipo de adjetivo, tendo consciência de que nossa
pesquisa apresenta resultados não exaustivos acerca do tema.
1 O PADRÃO DAS CONSTRUÇÕES ADJETIVAS PRIVATIVAS
Nosso objetivo, ao falarmos a respeito de padrão, não é apresentar regras e
posturas fechadas que demonstrem o funcionamento do adjetivo privativo em língua
portuguesa, mas mostrar como essa categoria de adjetivo está presente no uso e
pode ser delimitada nos estudos de LC.
Estamos comprometidos com a atestação, através da análise de dados,
de elementos que nos conduzam a uma descrição esclarecida da modificação
adjetival privativa em língua portuguesa, baseando-nos em critérios formais e
cognitivistas. A seguir, elencamos as informações decorrentes dessas análises.
1.1 Construções com ‘antigo/antiga’
• Como privativo, ocorre em anteposição; a posposição cria o sentido de
continuidade/duração, enquanto a anteposição apresenta o sentido de
anterioridade, gerando negação quando relacionado ao momento da
enunciação (presente): antigo professor - não é professor agora / professor
antigo - leciona há muito tempo.
• No corpus, houve caso de ‘amor antigo’ e ‘caso antigo’, no contexto de
negação, o que não é comum. Nesse caso, o contexto discursivo ancorou a
negação do escopo. Ex.: “ex é sempre ex, você foi caso antigo / eu não troco
atual pra voltar pra ex marido” ( ‘caso antigo’ está ancorado em ‘ex’ / ‘ex-
153
marido’) / ‘Reencontro com um amor antigo’ (‘amor antigo’ se ancora em
‘reencontro’).
• A negação ocorre na affordance temporal - antigo professor de Anderson
Silva = negação da affordance ‘função de professor de Anderson Silva no
presente’, no frame de esporte de luta.
1.2 Construções com ‘falso/falsa’
• Possui ordem livre como privativo, podendo aparecer tanto posposto
quanto anteposto. Porém a negação é mais aparente na forma marcada
(anteposta) - falsa esposa.
• Em alguns escopos, por conta de suas propriedades, a posição não
interfere no sentido - falso amigo = amigo falso. Porém, a posposição
pode apontar para um valor atributivo: pessoa falsa - pessoa com desvio
de caráter, nunca uma não-pessoa
• Na categorização das construções privativas, pode ser considerado
o privativo prototípico, pois apresenta um grau máximo de negação.
1.3 Construções com ‘postiço/postiça’
• Ordem fixa (posposição); não admite outra função além da privativa. Atua
de forma coerciva sobre o escopo, a partir de processo metonímico -
cílio postiço, mãe postiça.
• A affordance negada aponta para um processo de coerção metonímica do
escopo, uma vez que há uma ‘força coercitiva’ agindo sobre o sentido
do escopo, fazendo com que haja uma negação parcial: cílios
postiços - negação da affordance orgânica, mas preservação da aparência
ciliar.
154
1.4 Construções com ‘suposto/suposta’
• Na relação com o escopo, gera uma negação ambígua, pois 'suposto
criminoso’ pode ou não ser um criminoso. Quando há a posposição
(criminoso suposto), que não é usual em PB, há a afirmação do escopo -
ele realmente é um criminoso.
• A única construção posposta encontrada no corpus - parto suposto -
aponta para o âmbito jurídico. É uma expressão jurídica comum para se
referir a um tipo de crime em que a mulher assume a maternidade de um
filho que não é seu, de forma criminosa.
• O uso de ‘suposto’ também se associa ao processo de coerção
metonímica, no sentido de ação coercitiva do adjetivo sobre o escopo.
1.5 Construções com ‘possível’ e ‘provável’
• Em anteposição, tem caráter privativo, mas não nega totalmente as
propriedades do escopo; na posposição, apresenta ideia de possibilidade,
afirmação: provável titular - pode ou não ser titular / titular provável -
certamente será titular
• A probabilidade gerada pelo adjetivo aponta para um caráter futuro. Na
maioria dos casos, o contexto apresenta um verbo futuro ou a noção de
algo que irá ocorrer: “Fundo de investimento fecha com Kenedy, e
Chelsea é provável destino” / “Dilma vê provável visita aos EUA ainda
este ano”. Na posposição, essa probabilidade de futuro é acompanhada
pela ideia de algo que possa ser provado: “Hospital diz que Youssef
apresenta quadro provável de angina instável” / “Após exame positivo
em aves, Piauí tem o 1ž caso provável de febre do Nilo”.
155
2 QUESTÕES POLISSÊMICAS ENVOLVENDO AS CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS
As questões acerca da polissemia tornam-se relevantes nesta pesquisa
quando nos deparamos com as construções com ‘falso/falsa’ e ‘antigo/antiga’.
Nesses casos, temos acepções dicionarizadas diferentes para os
itens. A despeito das idiossincrasias semânticas desses itens, existe uma
dependência do contexto discursivo para a construção de seus sentidos.
Para tratarmos dessa questão, trazemos as acepções dicionarizadas dos
itens45 e comentários sobre seu uso nos corpora analisados.
a) Antigo
n adjetivo
1 que existe há muito tempo 2 que existiu outrora Ex.: a a. Roma
3 que se conserva desde muito tempo Ex.: lembrou-lhe a a. amizade
4 que precedeu o atual detentor de um cargo, de uma posição Ex.: o a. gerente
5 Rubrica: história. relativo à Antiguidade
A acepção interpretada nas construções antepostas analisadas nesta
pesquisa relaciona-se ao item 4 (que precedeu o atual detentor de um cargo, de
uma posição), pelo aspecto de anterioridade presente nos contextos discursivos.
Nas construções pospostas, vemos que a interpretação mais usual poderia
resvalar para os itens 1 (que existe há muito tempo) e 2 (que se conserva
desde muito tempo), denotando duração e continuidade; pela natureza de
nosso trabalho, selecionamos apenas os contextos em que se manteve a acepção
do item 4, mesmo na posposição.
b) Falso
n adjetivo
1 contrário à realidade ou à verdade; inexato, sem
fundamento Ex.: ideias f. 2 em que há mentira, fingimento, dolo Ex.: f. testemunho
3 que não é verdadeiro; fictício, enganoso
156
Ex.: nome f.
4 feito à semelhança ou imitação do verdadeiro; falsificado Ex.: dinheiro f.
5 aparente, enganoso Ex.: fundo f.
n substantivo masculino
6 aquilo que é falso Ex.: às vezes é difícil distinguir o f. do verdadeiro
7 Uso: informal. mentira, calúnia, falsidade 8 indivíduo desleal
n advérbio
9 com falsidade, falsamente
A partir dessa análise, levando-se em conta que etimologicamente não há
duas entradas lexicais para o item ‘falso’, buscaremos apresentar esse adjetivo
dentro dos grupos de acepções dicionarizadas desse item linguístico:
Na representação acima, levamos em conta a questão do nível de
abstratização (característica presente em processos metafóricos e metonímicos)
na extrema direita e o sentido mais prototípico encontra-se à esquerda, pois tem
um maior caráter de concretude. Em decorrência dessa instabilidade semântica, o
item ‘falso’ pode manter-se em tensão homonímica, pois seu significado é puxado
ora para cima (no sentido mais abstrato do termo, ligado à ficção, à não-realidade,
ao fingimento), ora para baixo (no sentido do simulacro, do que é feito à
semelhança, mais concreto).
157
Nos corpora analisados, a acepção mais significativa é a associada ao item 4
(feito à semelhança ou imitação do verdadeiro; falsificado); tal sentido fica mais
evidenciado nas formas antepostas e nas pospostas são construídos com auxílio do
contexto.
Pela natureza transcategorial de ‘falso’, tal adjetivo torna-se um provável
candidato para os processos heterossêmicos40, uma vez que a manifestação de
um item em categorias distintas com sentidos diferenciados é um dos pressupostos
para a heterossemia (LITCHENBERK, 1991). Não discutiremos tal questão
neste trabalho, por considerarmos que demandaria um estudo aprofundado de
natureza diacrônica.
c) Postiço
n adjetivo
1 acrescentado depois de pronta a obra 2 que se pode pôr e tirar 3 que se coloca para substituir o natural, que já não existe, ou para mudar a aparência; artificial, falso Exs.:cabelos, dentes, seios p. nariz p.cabeleira p.
4Derivação: por extensão de sentido.
sem naturalidade; afetado, fingido Ex.: sorriso p. 5 que foi adotado; adotivo Ex.: tio p.
n substantivo masculino
6 Regionalismo: Portugal (reg.). aquilo que é postiço, artificial
7 Regionalismo: Portugal (reg).
criança abandonada, desamparada; enjeitado
8 Rubrica: tipografia.
40 A visão tradicional para a extensão de sentido aponta para o fenômeno de polissemia .
Porém, há estudos que apresentam essa extensão como um fenômeno heterossêmico. Para Lichtenberk, a heterossemia é um fenômeno em que dois ou mais significados ou funções são historicamente relacionados, no sentido de derivação de uma mesma fonte; esses sentidos são gerados pelo reflexo de um elemento-fonte comum que pertença a diferentes categorias morfossintáticas. De forma simplificada, o autor sustenta que palavras podem ser aplicadas em novas experiências, para expressar relações percebidas recentemente no fenômeno e então formam novas categorias ou alteram a ‘maquiagem’ de categorias existentes, relacionando cada fenômeno nos diferentes domínios cognitivos. Exemplificando, no caso do verbo ‘ir’ em línguas oceknicas, a heterossemia é o resultado da cadeia sequencial de extensões funcionais : verbal > persistivo > sequanciação > temporal > condicional. Uma definição mais atualizada da heterossemia é apresentada por Booij (2010, p. 63 apud ALMEIDA E GONÇALVES, 2014, p. 168): “[...] interpretação específica de itens lexicais polissêmicos que estão presos em construções particulares, tanto morfológicas quanto sintáticas.” (BOOIJ, 2010, p.63)
158
tipo com algum sinal que se coloca sobre a letra, como acentos etc. ª postiços n substantivo masculino plural Rubrica: cinema, teatro. 9 acessórios para maquiagem e caracterização
Observa-se também uma natureza transcategorial para o item ‘postiço’ no
português europeu (acepção 6 - aquilo que é postiço, artificial , como substantivo
masculino), mas no português brasileiro não há esse uso. É interessante perceber
que há uma extensão de sentido, apontando para a polissemia, no item 3 (que se
coloca para substituir o natural, que já não existe, ou para mudar a
aparência; artificial, falso) - sem naturalidade, afetado, fingido. Tal extensão deve-se
à natureza do escopo: em ‘dente postiço’ temos uma substituição concreta,
enquanto em ‘identidade postiça’ há uma substituição abstrata.
A acepção para o item 9 (acessórios para maquiagem e caracterização)
também é ocorrente no corpus, pois apresentou um índice significativo (51 dos 55
contextos na análise panorâmica e 09 das 12 ocorrências nos 262 textos na
análise específica).
Ao observarmos essas variações, buscamos o sentido-fonte para o item,
em que temos a seguinte etimologia: “esp. postizo, lat. vulg. appositicus, próprio
para ser acrescentado”. Nos corpora analisados, percebemos o uso da acepção
mais concreta, voltada para objeto (‘cabelo postiço’, ‘cílios postiços’, ‘unha postiça’,
etc) e alguns casos com essa extensão de sentido mais abstrata (‘Casa postiça’,
‘mãe postiça’).
A respeito da coerção exercida pelo adjetivo sobre o substantivo e seu efeito
no processo polissêmico, Silva (2010, p. 359) afirma o seguinte:
São as operações de coerção que permitem que um único sentido de uma palavra possa adquirir diferentes leituras em diferentes contextos. A coerção de tipo permite a um predicado alterar o tipo do seu complemento sempre que necessário. Por exemplo, as expressões ler um livro, escrever um livro, comprar um livro, imprimir um livro activam uma componente semântica diferente e, por coerção, conduzem a uma interpretação particular do nome livro. Ler um livro coage o papel télico inerente a um livro; escrever um livro coage o papel agentivo; queimar o livro activa o papel constitutivo; e deixar cair o livro activa o papel formal.
159
Nessa perspectiva, podemos afirmar que cada construção com ‘postiço’
também apresentará uma faceta semântica diferenciada, apontando para uma
polissemia que se manifesta a partir da construção de sentido pelo
contexto discursivo.
d) Possível e provável
Possível n adjetivo de dois gêneros
1 que preenche as condições necessárias para ser, existir ou realizar-se 2 que pode ser verdadeiro; que talvez exista ou vá existir; admissível, concebível
Ex.: uma gama de p. soluções para o problema
n substantivo masculino
3 aquilo que está ao alcance de ser feito Ex.: fez o p. para salvar o casamento
Provável n adjetivo de dois gêneros
1 que se pode provar; comprovável Exs.: um fato perfeitamente p. por haver dele testemunhas oculares uma hipótese que não é facilmente p. 2 que pode ser seguido e praticado sem ofensa da lei, embora não seja bom nem
seguro Ex.: doutrina p. 3 possível por sua inaceitabilidade não ter sido cabalmente estabelecida
Ex.: teriam dado às costas do Piauí, em priscas eras, p. viajantes fenícios 4 que, segundo indícios, pode ocorrer ou ser Exs.: é p. que chova
anunciou um p. aumento de salário ele é um p. candidato à presidência o p. assassino do empresário
5 quase certo, com grande chance de ocorrer Exs.: preparar-se para uma p. carreira de médico o p. vencedor do concurso
As acepções concebíveis para esses itens nos corpora se ligam ao item 2
(que pode ser verdadeiro; que talvez exista ou vá existir; admissível, concebível)
para ‘possível’ e para ‘provável’ aos itens 3 (possível por sua inaceitabilidade não ter
sido cabalmente estabelecida) e 5 (quase certo, com grande chance de ocorrer); no
caso de ‘provável’ a acepção 3 é mais privativa/particularizadora que a de número 5,
pois tende a um maior nível de negação no questionamento.
160
3 OS MULTISSISTEMAS ENVOLVIDOS NO FUNCIONAMENTO DAS
CONSTRUÇÕES PRIVATIVAS
Quando apresentamos a abordagem teórica dos multissistemas da língua,
tivemos como intuito demonstrar nossa postura em relação ao fenômeno
da modificação adjetival privativa/particularizadora: tal fenômeno ocorre porque há
uma conjuntura de fatores semânticos, sintáticos/gramaticais, discursivos e
lexicais propiciando sua manifestação.
Os princípios de ativação, desativação e reativação podem ser percebidos
nos sistemas, em maior ou menor escala, a depender da construção analisada e
do contexto discursivo em que se insere. De modo geral, as ativações
para a privatividade nas construções consequentemente geraram as
desativações de sentido predicativo.
A ativação da função privativa/particularizadora e a desativação (ou não
ocorrência) da função predicativa nos gêneros do domínio discursivo jornalístico
podem ser explicadas por intermédio do seguinte raciocínio: os gêneros
que compõem esse domínio discursivo, como a notícia, não privilegiam os
temas relacionados às avaliações subjetivas que são feitas em relação a
determinados fatos ou em relação a outras pessoas, como é o caso de um
comentário de blog ou rede social, em que alguém pode ser julgado falso.
As práticas sociais que organizam a forma de comunicação por intermédio do
gênero notícia jornalística levam os locutores a privilegiarem temas que, de
alguma forma, afetam a organização da sociedade como um todo e cujos fatos
podem ser percebidos e, até mesmo, comprovados, como é o caso de um falso
médico, que exerce a função sem as credenciais necessárias.
O estudo elaborado aqui, ao considerar uma abordagem transdisciplinar de
análise linguística, permitiu corroborar a ideia de que os quatro sistemas que
compõem a língua são simultâneos e dinâmicos. Conforme se percebeu, não há
entre eles uma hierarquia, mas um dispositivo sociocognitivo que os coordena,
por intermédio dos princípios de ativação, reativação e desativação.
161
CAPÍTULO IV - PALAVRAS FINAIS
Ao iniciarmos esta pesquisa, tínhamos como objetivo analisar o
comportamento de construções adjetivas privativas, a partir dos seguintes
questionamentos:
a) Existe um princípio geral que norteia a modificação adjetival privativa?
b) Quais os recursos linguísticos colocados à disposição de tal fenômeno, no
que diz respeito aos aspectos lexicais, discursivos, semânticos e
gramaticais?
c) Os recursos linguísticos aparentes na modificação adjetival privativa
apresentam um mesmo comportamento nas construções?
d) Qual o papel das affordances na análise da modificação adjetival
privativa?
e) Que tipo de mesclagem conceptual é formada a partir das construções
modificadas privativas?
f) Em que medida o processo de coerção metonímica é essencial na
modificação adjetival privativa?
Para responder a tais questionamentos, comprometemo-nos a fazer uma
análise dividida em dois eixos: um de ordem panorâmica, para visualizarmos o
fenômeno da privatividade de forma genérica; outro de ordem específica, para
tratarmos das questões concernentes ao fenômeno da privatividade adjetiva, a
partir de textos.
Ao final dessa análise, resta-nos empreender algumas observações, que
não têm o objetivo de serem a única resposta para tais questionamentos, mas o
que até agora conseguimos, com base nos dados analisados, apresentar como
possível encaminhamento para essas questões.
Assim, vamos às observações finais:
162
a) Há um princípio norteador para a modificação adjetival
privativa/particularizadora: particularização do sentido do escopo a partir da
negação ou questionamento de affordances. Em todas as construções,
houve essa particularização/privatividade manifestada por uma negação ou
dúvida de propriedades/affordances do escopo.
b) Os recursos linguísticos operacionalizados nesse fenômeno são
acionados por um dispositivo sociocognitivo, abarcando aspectos lexicais,
discursivos, semânticos e sintático/gramaticais muitas vezes em uma
mesma construção. Por exemplo, em ‘sobrinho falso’, temos a forma não
marcada de posposição (aspectos gramatical e lexical) com sentido
particularizador (aspecto semântico) em um texto noticioso (aspecto
discursivo).
c) Quanto ao aspecto gramatical, foi observado que a ocorrência de
posposição (forma não marcada) apresentou distinção percentual pequena
relacionada à anteposição (forma marcada) - na análise panorâmica,
obtivemos 59,3% de anteposição contra 40,7% de posposição, enquanto na
análise específica ficamos com 63,7% de anteposição contra 36,3% de
posposição. Então, temos comportamentos sintáticos diferentes para o
mesmo fenômeno, apoiados em distinções lexicais entre as construções.
Quanto à semântica, também observamos que a construção de negação de
sentidos, apoiada no contexto discursivo, apresentou gradiências,
permitindo-nos estabelecer um contínuo das construções, indo do item com
carga maior de negação até o menos negativo.
d) As affordances exercem papel primordial na análise desse tipo de
modificação adjetival, resolvendo, por um lado, os problemas decorrentes de
uma análise meramente por traços. Como as affordances são
propriedades invariantes do objeto/coisa e percebidas conforme o
conhecimento da situação discursiva em que se encontra dada
construção, podem apresentar facetas diferenciadas desse objeto/coisa,
participando diretamente das relações envolvidas no ajuste focal. Assim,
‘Popozuda falsa’ pode inferir tanto a negação de uma parte do corpo como a
identidade de uma pessoa, como já foi mostrado. Pelo reconhecimento da
163
affordance negada ou questionada em um escopo podemos ter noção dos
elementos que estarão presentes no processo de mesclagem
conceptual e do tipo de relação vital decorrente dessa compressão.
e) Os tipos de mesclagem conceptual apresentados nas construções foram
elencados em três agrupamentos, de acordo com os elementos envolvidos na
mescla. O primeiro tipo refere-se às construções com ‘antigo/antiga’,
apresentando propriedades de anterioridade e tempo presente, além dos
elementos de papel-valor e de indivíduo/objeto. O segundo tipo abarca as
construções com ‘falso/falsa’ e ‘postiço/postiça’, apresentando elementos
ligados ao espaço de conhecimento e espaço de crenças. O terceiro tipo
envolve construções com ‘suposto/suposta’, ‘possível’ e ‘provável’,
apresentando elementos de dúvida entre o espaço-cenário e espaço-
realidade. Em todos os esquemas observamos a projeção contrafactual, pois
há uma incoerência gerada pela combinação conceptual.
f) O processo de coerção metonímica ou coerção de tipo (SILVA, 2010) tem
papel significativo nas construções com 'postiço/postiça', 'suposto;suposta',
'provável' e 'possível, pois é através dele que o sentido do escopo nessas
construções é alterado, criando uma certa ambiguidade quanto ao status de
'ser verdadeiro'.
Os estudos a respeito dos adjetivos privativos/particularizadores não se
esgotam nas construções analisadas neste trabalho e muito menos nas já estudadas
por representantes da LC, como Fauconnier e Coulson (1999), Coulson (2001) e
Fauconnier e Turner (2002). Em pesquisa feita a partir de construções derivativas
recentes, com formação em -less e -free, como cordless (‘sem fio’ para telefone) e
sugar-free (sem açúcar), Górska (2004) demonstra como tais formativos são
produtivos e de que forma eles se constituem como privativos na perspectiva da
Gramática Cognitiva.
164
REFERÊNCIAS
ABDULLAH, N.; FROST, R.A. Adjectives: A uniform semantic approach. Lecture
Notes in Computer Science - Advances in Artificial Intelligence, Volume 3501,
pp 330-341, 2005.
ALBUQUERQUE, D.B. A ecologia da mudança lexical no português falado em
Timor-Leste. Anais do IV Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa,
Universidade Federal de Goiás, p. 400-407, 2013.
ATTARDO, S. The Role of Affordances at the Semantics/Pragmatics Boundary. In:
BARA, G. B., BARSALOU, L.; BUCCIARELLI, M. (eds.) Proceedings of the CogSci
2005. XXVII Annual Conference of the Cognitive Science Society. Mahwah, NJ:
Lawrence Erlbaum, 2005. 169-174.
AUGUSTINI,C.;ALFERES, S. Aspectos semânticos das nominalizações: língua,
sujeito, paráfrase. Matraga. Rio de Janeiro, v.17 n.26, jan./jun. 2010.
BASILIO, M. Substantivação plena e substantivação precária: um estudo de classes
de palavras em português. In: Gonçalves, C. A.; Almeida, M. L. L. de. (orgs.)
Diadorim. Rio de Janeiro, Ed. 4, páginas 11-24, 1982, 2008.
BATORÉO, H. J. Linguística cultural e o estudo do léxico da língua portuguesa (PE e
PB): a linguagem-em-uso, os sentidos múltiplos e as operações de perspectivação
conceptual. In: SIMÕES, D.; OSÓRIO, P.; MOLLICA, M. C. (Orgs.). Contribuição à
Linguística no Brasil: um projeto de vida. Miscelânea em homenagem à Claudia
Roncarati. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2015.
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Moderna, 2004.
BORBA, F. Propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas do léxico. Revista
(Con)textos Lingüísticos, nº 1. Vitória : PPGEL, 2007.
BORGES NETO, J. O adjetivo e a construção do sintagma nominal: alguns
problemas. Letras, UFPR – Curitiba (34), p.28-38, 1985.
CALLOU, D.; NASCIMENTO, M.F.B.; SERRA, C.; BARRETO, F.; AMARO, R.;
PEREIRA, A.S.; MENDES, A.; VELOSO, R. A posição do adjetivo no sintagma
nominal: duas perspectivas de análise. In: BRANDÃO, S.F.; MOTA, M.A. Análise
contrastiva de variedades do português: primeiros estudos. In-Fólio: Rio de
Janeiro, 2003.
CÂMARA JR. M. Estrutura da língua portuguesa. São Paulo: Vozes, 1997.
165
CARVALHO, J. Aristóteles e os tipos de homonímia. Revista Eletrônica de Ética e
Filosofia. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, Volume:2005/2.
CASTILHO, A. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto,
2010.
______________. Representações das categorias cognitivas e sua diacronia
Interface Linguística cognitiva – Linguística histórica. Filologia e Línguística
Portuguesa, n. 13(1), p. 63-87, 2011.
CORRÊA, R.S. A negação como uma operação formal. O que nos faz pensar?,
nº23, junho de 2008.
CHIERCHIA, G. Semântica. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 2003.
_____________.; MCCONNELL-GINET, S. Meaning and grammar. Cambridge:
The MIT Press, 1990.
COULSON, S. Semantic leaps: frame-shifting and conceptual blending in
meaning construction. Cambridge University Press, 2001.
____________; FAUCONNIER, G. Fake guns and stone lions: conceptual blending
and privative adjectives. In: B. Fox, D. Jurafsky, & L. Michaelis (Eds.) Cognition and
Function in Language. Palo Alto, CA: CSLI, 1999.
CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS. 2009
DUQUE, P.H. A integração entre affordances e restrições gramaticais no processo
de compreensão de sentenças. Estudos Linguísticos, São Paulo, 42 (1): p. 470-
485, jan-abr 2013
EVANS, V. A glossary of Cognitive Linguistics. Edinburgh University Press, 2007.
FAUCONNIER, G. Mental spaces: aspects of meaning construction in natural
language. Cambridge University Press, 1985.
______________________. Conceptual integration networks (Mental spaces). In:
GEERAERTS, D. (ed.) Cognitive Linguistics: Basic Readings. Berlin: Mouton de
Gruyter, 2006.
____________________. Mappings in thought and language. Cambridge University
Press, 1997.
____________; TURNER, M. The way we think: conceptual blending and the
mind's hidden complexities. New York: Basic Books, 2002.
FERRARI, L. Introdução à Linguística Cognitiva. São Paulo: Contexto, 2011.
166
__________; PINHEIRO, D. Ponto de vista, mesclagem e contrafactualidade.
IDIOMA, Rio de Janeiro, nº. 27, p. 27-38, 2º. Sem. 2014. 148
FILLMORE, C.J. Frame semantics. In: Linguistics in the Morning Calm, Seoul,
Hanshin Publishing Co., 111-137, 1982.
FRANKS, B. Sense generation: a “quasi-classical” approach to concepts and
concept combination. Cognitive Science, 19, p. 441-505, 1995.
GARCIA, A.S. Deslocamento de adjetivos no sintagma nominal do português.
SOLETRAS, Ano X, nº 20, jul./dez.2010 - Suplemento. São Gonçalo: UERJ, 2010
GIBSON, J.J. The ecological approach to visual perception. Hillsdale: Lawrence
Erlbaum Associates, 1986 [1979].
GONÇALVES, C.A.V.; ALMEIDA, M.L.L. Morfologia Construcional: principais ideias,
aplicação ao português e extensões necessárias. Alfa, São Paulo, 58 (1): 165-193,
2014.
GORNIAK, P.J. The affordance-based concept. Tese de doutorado em Filosofia,
Massasuchetts Institute of Technology, setembro de 2005.
GRICE, H.P. Logic and Conversation. In COLE, P.; MORGAN, J.L. (eds). Sintax and
Semantics. vol 3. New York: Academic Press, 1975.
HERSCOVITZ, H.G. Características dos portais brasileiros de notícia. SBPJor /
Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo, v.5, n.1, 2009.
HUBACK, A.P. A interferência da frequência em fenômenos linguísticos. DELTA
[online]. 2013, vol.29, n.1, pp. 79-94.
ILARI, R. Alguns problemas semânticos na análise dos adjetivos. Caderno de
Estudos Linguísticos, Campinas (24): 41-45, jan/jun 1993.
JESUS, D.A. A flutuação referencial do SN ‘nós’ indeterminado em textos
jornalísticos de opinião. Dissertação (mestrado). UFRJ / FL / Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2009.
KATO, M.A.. A sequência Adj + N em português e o princípio da harmonia
transcategorial. Letras & letras, 4(1-2):205-213, 1988.
KAMP, J.A.W. Two theories about adjectives. In: Keenan, E. L. Formal semantics
of natural language. Cambridge: Cambridge University Press, 1975.
KENNEDY, C. Adjectives. In Russell, G. and D. Graff Fara (eds.). Routledge
Companion to Philosophy of Language. Routledge, 2012.
LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about
the mind. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1987.
167
__________; JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: Mercado de
Letras/Educ, 2002.
LANGACKER, R. W. Foundations of Cognitive Grammar, V. 1. Stanford
UniversityPress, 2008.
LEMLE, M. Análise sintática: teoria geral e descrição do português. São Paulo:
Ática, 1984.
LICHTENBERK, F. Semantic change and heterosemy in grammaticalization.
Language, v. 67, nº 3, pg. 475-509, 1991.
LONGO, B.N.O.; HOFLING, C.; SAAD, J.C. Os nomes em função adjetiva não
predicativa: contrastes. Alfa, São Paulo, 41:91-107, 1997.
MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.;
MACHADO, A. R.; BEZERRA, M.A. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2005.
MAIA, M.; FINGER, I. Processamento da linguagem. Série Investigações em
PsicolingüísticaGT de Psicolingüística da ANPOLL. Pelotas: EDUCAT, 2005.
MENUZZI, S.M. Sobre a modificação adjetival do português. Dissertação de
Mestrado (Linguística), Campinas, UNICAMP, 1992.
MORATO, E. M. A noção de frame no contexto neurolinguístico: o que ela é capaz
de explicar? Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição, nº 41, p.
93-113, 2010.
NEVES, M.H.M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP,
2000.
____________. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2007.
NORMAN. D. The design of everyday things. New York: Basic Books, 2002.
PARTEE, B. Are there privative adjectives? Conference on the philosophy or
Terry Parsons, Notre Dame, 2003.
PERINI, M. Sofrendo a Gramática. Ed. Ática, São Paulo, 1997.
PINHEIRO, D. Homonímia, polissemia, vagueza: um estudo de caso em semântica
lexical cognitiva. Revista Linguística, v. 6, n. 2, dezembro de 2010.
PRIA, A. Uma proposta de descrição formal de adjetivos intersectivos, subsectivos e
não-predicativos no inglês e no português. Ícone – Revista de Letras, São Luís de
Montes Belos, v.2, p.16-30, jul. 2008.
QUIRK, R.; GREENBAUM, S.; LEECH, G.; Svartvik, J. A comprehensive grammar
of the english language. Longman, 1985.
168
RIO-TORTO, G. Para uma gramática do adjectivo. Alfa, São Paulo, 50 (2): 103-129,
2006. 150
ROCHA LIMA, C.H. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora José Olympio, 2008.
SAID ALI, M. Grammatica secundária da língua portugueza. São Paulo:
Companhia Melhoramentos, 1964.
SANDERS, J.T. An ontology of affordances. Ecological Psichology, 9(1), 97-112.
Lawrence Erlbaum Associates, 1997.
SCHERER, S.; SOUZA, A.P.R. Types e tokens na aquisição típica de linguagem por
sujeitos de 18 a 32 meses falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC [online].
2011, vol.13, n.5, pp. 838-846. Epub June 24, 2011.
SILVA, A. A ordem dos adjetivos em grupos nominais: uma questão sintático-
semântica e discursiva. Calidoscópio, v.6, p.134-141, set/dez 2008.
SILVA, A.C. Dicionário latino-português. Rio de Janeiro: Ingráfica Editorial, 2007.
SILVA, A.S. O mundo dos sentidos. Editora Almedina, 2006.
_________. Palavras, significados e conceitos o significado lexical na mente, na
cultura e na sociedade. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição, nº
41, p. 27-53, 2010.
_________. Polissemia e contexto: o problema duro da diferenciação de sentidos.
Estudos Linguísticos/Linguistic Studies, 5, Edições Colibri/CLUNL, Lisboa, 2010,
pp. 353-367.
__________; BATORÉO, H.J. Gramática Cognitiva: estruturação conceptual,
arquitectura e aplicações. In: BRITO, A.M. (org.) Gramática : História, Teorias,
Aplicações. Universidade do Porto, 2010.
SILVA, A.; PRIA, A. D. . A modificação adjetival em grupos nominais que possuem
dois adjetivos e um substantivo. Estudos Lingüísticos (São Paulo), v. 32, p. 1,
2003.
SIMÕES, J. A anteposição dos adjetivos predicativos no português culto falado no
Brasil. Filologia 7, 2007, pg. 145-189.
SWEETSER, E. Compositionality and blending: semantic composition in a cognitively
realistic framework. In Cognitive Linguistics: Foundations, Scope and
Methodology, eds. Gisela Redeker and Theo Janssen. Berlin: Mouton de Gruyter.
pp. 129-162, 1999.
TURAZZA, J.S. Léxico e criatividade. São Paulo: Annablume, 2005.
169
VAN LIER, L. Effects of physical connectivity on the representational unity of multi-
part configurations. Cognition 69 (1998), B1–B9.
_________. From input to affordance: Social-interactive learning from an ecological
perspective. In: LANTOLF, J.P. Sociocultural Theory and Second Language
Learning, 2000, pg. 245-259.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1968.
ZAGO, G.B.; BASTOS, M.T. Visibilidade de notícias no twitter e no facebook: Análise
comparativa das notícias mais repercutidas na Europa e nas Américas. Brazilian
Journalism Research – Volume 9 – Número 1 – 2013.