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A METODOLOGIA NA OBRA DE CARLOS GINZBURG ANTONIO MARCOS CLODOMIRO * Coxim 2016 * Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campos Coxim.

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A METODOLOGIA NA OBRA DE CARLOS GINZBURG

ANTONIO MARCOS CLODOMIRO*

Coxim

2016

* Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campos Coxim.

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O presente trabalho tem por Objeto: a metodologia utilizada por Carlo Ginzburg em sua Obra

intitulada: "História noturna: decifrando o sabá" e por objetivo: - descrever, analisar e

compreender a Micro-História enquanto Método e o Paradigma indiciário (Descrição densa)

enquanto forma de pensar, ambos empregados na Obra: História Noturna; - definir e

compreender os conceitos de: Anacrônico, Sincrônico e Diacrônico, com a finalidade de

descobrir como o autor se utilizou destes em sua Obra. O presente trabalho é relevante e inédito

por não ter a pretensão de comprovar ou refutar as teses defendidas pelo autor em sua obra, mas

tão somente, compreender o modo, pelo qual o mesmo conseguiu extrair as informações a partir

das Séries documentais da inquisição. Assim descobriremos por exemplo, como Ginzburg

conseguiu extrair "o significado que as crenças na feitiçaria tinham não para as vítimas dos

malefícios, para os acusadores e para os juízes, mas para os acusados" (Ginzburg, 2012, p. 15);

de que forma Ginzburg entende a fala dos oprimidos por meio da fala dos opressores, que em

um primeiro momento eram os nobres das localidades aonde se davam os julgamentos e que

em um segundo momento era o próprio Tribunal da Santa Inquisição. Utilizaremos para isso de

uma pesquisa bibliográfica, incluindo nesta, a trilogia de sua Obra: “Andarilhos do bem”; “O

queijo e os vermes”; e "História noturna” como Livros-textos. Inicialmente iremos

contextualizar esta obra na Série documental da inquisição, da qual faz parte: “Os andarilhos

do bem: feitiçaria e cultos agrários nos Séculos XVI e XVII”, que foi o primeiro livro de

Ginzburg, publicado na Itália em 1966 e no Brasil em 1981. As fontes utilizadas foram

processos da inquisição, que revelaram as crenças de integrantes de uma sociedade acusada de

bruxaria. Ginzburg escreve à edição de 1972 um pós-escrito criticando a sua própria abordagem

que contrapõe os conceitos: “mentalidade coletiva” e “atitudes individuais”. Na sequência ele

produz "O queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela

inquisição". E finalmente seu terceiro livro da Série de registros inquisitórios, Ginzburg publica

"História noturna: decifrando o sabá" publicado na Itália em 1989 e no Brasil em 1991. Um

livro a respeito da cultura popular, que busca descobrir as raízes folclóricas do sabá. O autor

estudou, mais uma vez, feitiçaria e cultos agrários, contudo o objeto foi expandido para muito

além das fronteiras do Friul, a região. O livro contém na sua primeira parte um levantamento

histórico muito minucioso; na segunda parte a pesquisa se delineia através de uma série

documental morfologicamente homogênea, mas heterogênea nos âmbitos geográfico, cultural

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e cronológico; a terceira parte faz um levantamento de estruturas simbólicas, através de análises

morfológicas, que representam elementos xamânicos dispersos por toda Eurásia; na conclusão,

uma análise histórica mais ou menos linear revela os principais acontecimentos para a

cristalização do Sabá, lugares e condições que o Sabá não se consolidou e uma discussão sobre

alucinógenos e êxtases religiosos. Tudo isso para explicar o núcleo folclórico do estereótipo do

Sabá, que se cristalizou entre os séculos XIV e XV. A série documental levantada na obra

apresenta uma homogeneidade impressionante, a partir da correlação morfológica de

fenômenos Ginzburg delineia uma série de elementos que se encontram presentes em cultos

extáticos. Os âmbitos geográfico, cultural e cronológico foram momentaneamente deixados de

lado por Ginzburg, na busca das raízes dos antiquíssimos substratos culturais que

posteriormente se cristalizaram no estereótipo do Sabá. Desta forma, o contexto cultural dos

antigos celtas é transpassado ao investigar as raízes dos cultos extáticos às deusas noturnas.

Esses cultos presentes em toda região mediterrânea: nos povos gregos, nos romanos,

germânicos e em Creta (sem falar nos já mencionados celtas, que povoavam grande parte da

Europa). As deusas noturnas se revelam presentes em uma categoria muito mais ampla:

“senhores dos animais”, uma divindade ora feminina, ora masculina que ressuscita e gera

animais presente no contexto geográfico-cultural eurasiático. Por exemplo: As deusas noturnas,

Horagalles, Thor, São Germano d’Auxerre, entre outros. Deste modo, os exemplos se estendem

temporalmente até a pré-história e geograficamente pela faixa subártica – da China pré-

histórica, ao Japão e a Lapônia – em ritos praticados por comunidades de caçadores. O capítulo

“Combater em êxtase” aumenta os horizontes da pesquisa ao mapear as batalhas noturnas como

estrutura em mitos e ritos distribuídos pelo mesmo contexto geográfico-cultural. Essa estrutura

extrapola os mitos e ritos no âmbito cultural e linguístico indo-ariano rumo ao urálico, âmbito

dos povos dos famosos xamãs siberianos, dos ossetas e dos circassianos. Vários elementos

simbolizam o êxtase segundo Ginzburg: o espírito sair do corpo (pela boca na forma de

pequenos animais ou moscas); voos noturnos; cavalgadas noturnas, em animais (voadores ou

não), ou objetos voadores (como vassouras, bancos, carcaças de animais mortos, seres

mitológicos etc.); metamorfoses animalescas (em lobos, asnos, cavalos etc.); ou sob a forma de

passeios, caçadas ou batalhas noturnas guiadas por uma divindade ou figura lendária (que pode

remeter, ou não, à separação do corpo e do espírito ). O êxtase é sempre uma morte simbólica,

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representa e pode ser representado por e como um rito de iniciação. A travessia de um grande

rio, o mar ou o rio do mundo dos mortos pode se relacionar no âmbito das representações a

morte simbólica. Em suma, esses elementos podem estar presentes em mitos, ritos e nas

experiências extáticas, de modo intercambiável. Não é à toa que Ginzburg se utiliza de muitos

aspectos teóricos e metodológicos de Lévi-Strauss, neste caso a análise estrutural de mitemas

que se encontram em mitos e ritos (em festas ou cerimônias periódicas). Nesse mesmo sentido

vai a análise de Ogawa. A Micro-História foi defendida inicialmente por Giovani Levi e pelo

próprio Carlo Ginzburg, dois historiadores italianos. É um modelo teórico que destaca um

determinado recorte de observação em escala mínima, de eventos, cujo recorte temático e

cronológico é de curta duração, no sentido período de tempo de Fernando Brodel, é o caso de

“O Queijo e os Vermes”, entretanto não é um recorte superficial, ao contrário, pois o uso do

paradigma indiciário para realizar os estudos, permite aos historiadores realizarem uma

abordagem extremamente erudita, extremamente precisa desses momentos. É uma auxiliar da

História Geral, de longa duração, que por estabelecerem um período de tempo imenso, perdem

de vista a singularidade, assim a Micro-História muda o paradigma de uma História

despersonalizada, de uma História que se dedica a estudar grandes estruturas ou que trabalha

com categorias muito específicas como burguesia, proletariado, que perdem de vista a

singularidade e traz de volta ao cenário do debate, aquilo que torna o ser humano singular dentro

do seu vir a ser histórico, ela mostrar aspectos da sociedade que quando a análise são maiores

poderiam ser perdidos de vista e que quando são perdidos empobrecem as análises, Giovani

Levi chama de dá um Zoom nesse Período da História Geral, da “Histórias das mentalidades” ,

desta forma a Micro-História vem para preencher essa lacuna existente, ou seja os períodos

imensos da Histórias que seriam estudados de maneira generalista, perdendo de vista não apenas

sua singularidade, mas a sua própria identidade. Paradigma indiciário: Existem vários

instrumentos que o historiador se utiliza para interrogar a evidência, a evidência documental, a

evidência narrativa e a evidência física. Há formas de narrar a História, existe o Método

Dialético, o Método Cartesiano, o Método Dialético Marxista, e existe também o Paradigma

Indiciário, que serve não só à História, mas à Antropologia com Cliford Geertz, na

Criminalística, na Medicina, pois é através deste que o médico consegue fechar seu diagnóstico

com o Conceito de Descrição densa, e Carlo Ginzburg analisa o Paradigma indiciário a partir

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de seu surgimento, de uma forma de pensar a partir de um indício e coloca a raiz disso no século

XIX, mostrando três casos específicos em seu livro chamado Mitos, emblemas e sinais, no qual,

através de três ensaios, nos mostra três formas de investigar: o primeiro é o de Freud que se

utiliza em suas análises, anotando cada informação de seu paciente, o segundo é o de Moreli,

um Crítico de arte ,que cria um método de verificar a verdade ou falsidade de uma obra de arte

a partir de detalhes na forma da composição da pintura e outro é o do Escritor Sr. Conam Doyle

e seu personagem Sherlock Holmes, todos eram médicos, daí se aproximar tanto este modo de

raciocinar do Diagnóstico médico pois o médico pergunta ao paciente sobre o histórico familiar,

anota tudo, faz exames no paciente, solicita exames complementares e cruza todos esses dados,

as respostas do paciente com o histórico familiar, com o exame clínico, etc. a fim de fechar um

diagnóstico. Este modo de pensar é mais primitivo, mais antigo do que pensamos, pois este

modo de observar faz parte da constituição histórica do homem. Como Carlo Ginzburg se utiliza

o Paradigma indiciário em suas Obras: “Os andarilhos do bem” “O queijo e os vermes”

“História noturna”? Citarei o caso do “queijo e os vermes”, Ginzburg verifica todos os livros

que Menochio Escanzela, o moleiro, menciona em seu depoimento, o lê e em seguida os

compara com o seu discurso traduz ido em seu depoimento, levando em conta que nenhum

documento é neutro, mas sim um produto de uma ideologia, de uma transformação humana.

Menóqui não produziu seu depoimento, mas respondeu perguntas, que por sua vez foram

escritas em linguagem notarial por um escrivão que as escrevia de forma adequada ao saber do

Inquisidor entendesse e não ao saber do Menóquio, assim existe o saber de cultura popular e o

saber do Inquisidor, aquele que tem e exerce o poder e quando estas falas se encontram,

normalmente prevalece a de quem está no poder, portanto o que os documentos judiciais

revelam é como o interrogador entendeu a partir de seu ponto de vista e não a linguagem do

sujeito histórico que respondeu às suas perguntas. Há assim dois grandes méritos de Guinzburg:

mostrar ao Historiador que é fácil cometer anacronismos e atribuir nossos significados a

personagens que viveram a 400 anos, quando isso é impossível. Guinzburg também aplica o

Paradigma indiciário, quando valoriza as lacunas deixadas por seus predecessores, quando da

realização de estudos cujas fontes eram comuns aos trabalhos de ambos, mudando portanto

apenas a abordagem ao tema, como foi o caso de: “Religião e o declínio da magia”,(1971), de

K. Thomas, no qual faz uma análise sob três aspectos:

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“(...) a) psicológico (´explicação [...] dos motivos dos participantes no drama das

acusações da feitiçaria´); b) sociológico (´análise [...] da situação em que as acusações

costumavam ser feitas´); c) intelectual (´explicação [...] das concepções que as

tornavam plausíveis´) (...)” (THOMAS, APUD GUINZBUG, 2012, p. 13).

Mas é o próprio Ginzburg que nos ressalta o vácuo existente no trabalho de Thomas: “(...) Como

se vê, falta nessa lista um exame do significado que as crenças na feitiçaria tinham (...) para os

acusados. (...)” (GUINZBUG, 2012, p 13). Ginzburg percebe que por trás da fala dessas

pessoas, de suas crenças, se poderia extrair seus valores morais e continua:

“(...) A mitologia da feitiçaria – o voo noturno, a escuridão, a metamorfose em

animais, a sexualidade feminina – nos diz algo sobre os critérios de valor das

sociedades que nela acreditavam, os limites que pretendiam manter, o comportamento

dos instintos que imaginavam dever reprimir [...]` ” (THOMAS, APUD GINZBURG,

2012, p.16).

“(...) Sem dúvida, o sabá é revelador – mas revelador de um estrato cultural ´menos

inacessível`: o da sociedade circunstante. Por intermédio do simbolismo do sabá, essa

sociedade formulava em negativo os próprios valores. A escuridão que envolvia es

encontros da bruxas e feiticeiros exprimia ema exaltação da luz; a explosão da

sexualidade feminina nas orgias diabólicas, uma exortação à castidade; as

metamorfoses animalescas, uma fronteira claramente traçada entre o animal e o

humano.” (GINZBURG, 2012, p. 16).

Diferentemente de Thomas, R. Kieckhefer nota que existe um entrelaçamento das camadas das

populações, que chama de estratos culturais (cultos e populares) nos testemunhos sobre bruxaria

europeia e tenta distingui-los analiticamente uns dos outros, classificando a documentação

anterior a 1500, segundo o que chamou de taxa de poluição culta:

“(...) máxima nos tratados de demonologia e nos processos inquisitoriais; mínima nos

processos dirigidos por juízes laicos, sobretudo na Inglaterra, onde a coerção era

menos forte; enfim, quase nula nos testemunhos dos acusadores e nos processos por

difamação movidos por pessoas que se consideravam injustamente acusadas de

feitiçaria. (...)” (KIECKHEFER APUD GINZBURG, 2012, p. 17).

Entretanto R. Kieckhefer erra ao concluir que o sabá não tem origem na cultura popular, e é o

próprio Ginzbug que afirma isso:

“(...) Porém, ignorou a documentação posterior a 1500, afirmando que nela os

elementos cultos e os populares já estariam confundidos de forma inextricável. Tudo

isso o levou a concluir que, ao contrário do malefício e da invocação do demônio, o

sabá (diabolism) não tinham raízes na cultura popular.23” (GINZBURG, 2012, p. 17)).

Guinzbug refuta a conclusão de R. Kieckhefer:

“Essa conclusão é refutada pela difusão, no âmbito folclórico, de crenças que depois

confluiriam parcialmente no sabá. Existe, por exemplo, uma rica série de testemunhos

sobre voos noturnos, voos de que algumas mulheres afirmavam participar em êxtase,

na companhia de uma misteriosa divindade feminina, chamada de diversos nomes,

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dependendo da região (Diana, Perchta, Holda, Abundia, e assim por diante) (...)”

(GINZBURG, 2012, p. 17)

R. Kieckhefer rebate Ginzburg afirmando:

“(...) tais testemunhos, quando registrados pelos autos penitenciais da Alta Idade

Média ou pelas coleções canônicas, devem ser considerados estranhos à bruxaria, a

menos que se entenda esta última na acepção ´insolitamente ampla`; quando contidos

em textos literários, tornam-se irrelevantes, pois não dão indicações a cerca da difusão

real das crenças mencionadas; quando transmitidas pela tradição folclórica,

constituem mera sobrevivências, que não permitem reconstruir situações anteriores.24

(...)” (KIECKHEFER APUD GINZBURG, 2012, p. 17)

Entretanto, Ginzburg argumenta:

“(...), Kieckhefer depara com um documento como as sentenças proferidas no final do

século XIV contra duas mulheres de Milão que haviam confessado encontros

periódicos com uma ´senhora` misteriosa: ´madona Horiente`. Aqui não se trata de

tradições folclóricas tardias, nem de texto literário, nem de crenças consideradas

estranhas à feitiçaria (as duas mulheres foram condenadas exatamente por bruxaria).

Kieckhefer escapa pela tangente ao afirmar, com evidente embaraço, que os dois

casos não cabem na categoria do malefício nem na do sabá propriamente dito (typical

disbolism): num acesso passageiro de ´murrayismo`, ele interpreta como descrições

de ritos ou festas populares os encontros de ´madona Horiente`, sem captar o evidente

parentesco, percebido de imediato pelos inquisidores, entre essa figura e a

multiforme divindade feminina (Diana, Holda, Pechta...) que povoa as visões das

mulheres mencionadas pela tradição canonista.25

(GINZBURG, 2012, p. 18)”

Descrição densa: este termo ficou conhecido por Clifford Geertz (1926-2006), antropólogo,

que escreveu um texto chamado: “Uma Descrição Densa: por uma Teoria interpretativa da

cultura”, que se encontra publicado em seu Livro intitulado: “A interpretação das Culturas”

(1973), ele afirma que retirou o conceito dos escritos do filósofo Gilbert Ryle (1900–1976),

principalmente em "What is le Penseur Doing?" (1971). Nele elabora princípios metodológicos

para a etnografia, o registro qualitativo, visual, sonoro e escrito, da cultura. Geertz esclarece,

através de uma importante definição prática, como entender a cultura como texto:

“O que a briga de galos diz que diz, em um vocabulário de sentimentos - é a emoção

do risco, o desespero da perda, o prazer do triunfo. Assim, o que diz não é apenas que

o risco é excitante, a perda deprimente, ou o triunfo gratificantes, tautologias banais

de afeto, mas que é destas emoções, assim exemplificadas, que a sociedade é

construída e indivíduos são colocados juntos. Ir às brigas de galos e participar delas

é, para o balinês, uma espécie de educação sentimental.” (GEERTZ, 2008, p. 210)

Para Geertz, o antropólogo deve interpretar os fenômenos da teia de significados, tentando

apreender o que eles significam para a comunidade em questão:

“O conceito de cultura que eu defendo (...) é essencialmente semiótico. Acreditando,

como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teia de significados que ele

mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não

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como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência

interpretativa à procura do significado” (GEERTZ, 2008, p. 4)

“O que o etnógrafo enfrenta, de fato (...) é uma multiplicidade de estruturas

conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que

são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de

alguma forma, primeiro apreender depois apresentar. (...) Fazer etnografia é como

tentar ler (no sentido de "construir uma leitura de") um manuscrito estranho,

desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários

tendenciosos, escrito não como os sinais convencionais do som, mas com exemplos

transitórios de comportamento modelado.” (GEERTZ, 2008, p. 7)

Assim Clifford Guertz acreditava que para descrever um comportamento, para entender o outro

em sua singularidade na hora de estudar era necessário descer às minúcias das minúcias na

descrição de cada aspecto da Cultura estudada. Mas como Guizburg se utiliza desse conceito,

desta técnica em sua “História Noturna: decifrando o sabá”? Em especial no seu Capítulo 1 da

Parte 1, intitulado: “Leprosos, Judeus, Muçulmanos”, aplicando na estória de um possível

complô existente entre estes personagens, com a finalidade de destruir os cristãos e se

apropriarem de seus pertences, ele transpõe para o Paradigma indiciário e para a Micro-História,

pois na hora em que se examina um documento se deve utilizar todos os filtros possíveis e

imagináveis para desconstruir esse documento, para analisar cada uma de suas minúcias com

a finalidade (tentativa) de apreender melhor a essência do que o documento significa, no que

ele está refletindo sobre sua época, sobre quem o fez e sobre a sua destinação social, assim o

documento em si acaba sendo um sujeito histórico, um sujeito diferenciado, o seu discurso é

analisado à exaustão, daí o fato de Ginzburg utilizar-se em sua pesquisa de documentos

judiciários, porque o judiciário fornece esse auto de testemunho, autos de apreensão, que

permite um tipo de análise minuciosa, não só no judiciário formal, ligado à estrutura do poder

mas os tribunais religiosos, também produziram vasta documentação que pode ser examinada.

Deste modo o grande mérito de Carlo Guinsburg é perceber como o Inquisidor ao realizar seus

autos de perguntas e interrogar os réus entra em uma contato com uma cultura que é diferente

da sua e que por isso precisa ser decodificada e “traduzida” para formas e categorias pré-

definidas pelo tribunal, comportando-se à maneira do Antropólogo, que examina uma cultura

diferente. Isso pode ser demonstrado e verificado mais nitidamente em seu segundo livro da

Série de registros inquisitórios: “O queijo e os Vermes”, ele ciente desse fato, lê os livros pelos

quais o moleiro Menóquio faz referência em seu depoimento e os compara com a fala traduzida

pelo inquisidor em seus registros, para assim apreender a sua essência. A Micro-História se

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aproxima mais da literatura do que com a narrativa Histórica cientificista do Século XIX para

o XX, por sua influência da Antropologia. Anacronia, Sincronia e Diacronia: Anacronia vem

do grego: ana é contra ou fora, cronia é tempo, assim Anacronia quer dizer fora do tempo, o

Anacronismo acontece quando uma coisa, pessoa, conceito, análise é colocada fora de seu

tempo, contextualmente deslocado do ponto de vista temporal. Os anacronismos podem ser

inseridos com intenção para fazer humor, quando alguém coloca numa pintura, por exemplo,

um quadro de Monalisa tocando guitarra, que não existia em sua época, mas pode também ser

utilizada por ignorância, no sentido de desconhecimento mesmo, como é o caso de uma pintura

que mostra uma batalha travada, em que o pintor utilizou armas, por não ter conhecimento de

armamento, de uma época que ainda não existia no tempo que se deu a batalha. Mas o

Anacronismo, é mais grave, quando usado nas ciências humanas, em especial na História, em

que o historiador faz uma análise utilizando um conceito Anacrônico, como por exemplo o

Conceito de Nação fora de seu tempo, Nação como se conhece hoje, Estados Nacionais só foi

criado no fim do Século XVIII, o que nós conhecemos hoje como Brasil, não é o mesmo

Conceito de Brasil do Período Colonial. Outro exemplo de Anacronismo cometido é analisar

uma documentação do Estado da Baviera, antes da Alemanha se unificar e se tornar o que

conhecemos hoje como Alemanha e chegar à conclusão que os Alemães eram assim, está se

cometendo um anacronismo, pois naquele momento não existiam alemães, pois os habitantes

da Baviera não representam a totalidade da Nação Alemã, mas apenas uma parte dela. Outro

exemplo é utilizar o Conceito de Esquerda e Direita a momentos da História em que não se

aplicava ou por pessoas que definem a esquerda por mais ou menos está interferindo na

economia, não pode ser levado a sério porque ele ignora vários elementos: sociais, culturais e

ideológicos, colocando tudo no lixo. Sincronia e Diacronia, Sincronia quer dizer ao mesmo

tempo e Diacronia é através do tempo, estes temas foram muito bem trabalhados por Ferdnand

Soussure, mas é também muito aplicado na análise Histórica por Edward P. Thompson, para

alguns historiadores a análise histórica deve necessariamente ser Sincrônica e Diacrônica.

Análise sincrônica significa pegar seu objeto de estudo e analisá-lo dentro de seu tempo, ou

seja buscar quais elementos de seu tempo dialogam e se conecta com ele, por exemplo o Estado

Islâmico, uma análise Sincrônica do Estado Islâmico irá levar em conta o passado recente que

levou ao surgimento desse grupo ou seja às intervenções que sofreu, tal como a Guerra do

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Iraque ou outras mais recentes no oriente médio, que culminaram no seu surgimento, levará

você a pensar quem financia este Estado Islâmico, quem compra petróleo deles, quem ajuda

com lavagem de dinheiro, quem fornece armas, ou o que quer que seja. Já na análise Diacrônica,

ou seja através do tempo, irá buscar um contexto mais longo o surgimento de grupos extremistas

desse tipo, pode-se pegar as sementes do extremismo no Oriente Médio desde o fim do Século

XIX e começo do Século XX, com as intervenções europeias lá, ou seja entende o contexto,

análise Sincrônica, e o processo, análise Diacrônica, o que diz respeito ao objeto e todos os

processos históricos que culminaram nesse objeto e no seu contexto. Um erro muito comum na

análise é focar nos resultados, nas consequências e esquecer o contexto e o processo: dizer por

exemplo que todos os autoritarismos são a mesma coisa, não é verdade, o resultado, o governo

autoritário são muito semelhantes, mas os contextos e processos que levam a isso, o governo

autoritário, são totalmente distintos e precisam ser entendidos em suas particularidades, se não

fizer isso, não se está fazendo História, estará atendendo apenas a interesses políticos e

ideológicos. Falar que dois governos de matrizes política e econômica totalmente diferentes

entre si são semelhantes, porque mataram muitas pessoas está errado, pois o resultado é

semelhante, mas o contexto e o processo são diferentes e isso é importante, porque são governos

de matrizes político-ideológicos diferentes que levam a cometer assassinato, portanto conhecer

os mecanismos internos de cada uma delas para entender quais são as justificativas de cada

caso, isso é importante para a análise de outros governos de matrizes político-ideológico iguais,

analisando os exemplos históricos que precedem, mas não se engane a História não se repete,

analisar casos semelhantes em momentos diferentes, como o momento político atual do

Governo Temer e a Revolução de 64, alguns fatos se podem fazer analogia, mas em outros é

forçar a mão, é atender a fins político-ideológicos. Conclusão: O grande mérito de Ginzburg,

foi: 1) perceber ineditamente uma oportunidade de investigação, aonde todos os seus

precedentes ignoraram; 2) por meio da investigação do credo da “sociedade circunstante”, ou

seja do simbolismo do sabá, identificar os valores e comportamentos de homens e mulheres

(GINZBURG, 2012, p.16).

BIBLIOGRAFIA

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