A Lírica de Gregório de Matos

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A LÍRICA DE GREGÓRIO DE MATOS 1-CONSIDERAÇÕES GERAIS: O Barroco é a denominação dada à arte do século dezessete , que se estende no Brasil até meados do século seguinte . A signifcação do termo BARROCO é bastante diversa , onde resolveu se o!tar !or uma que d" uma dimensão mais abrangentedas caracter#sticas da re$erida escola % a IRREGULARIDADE . &ara se entender tal ace!ção , o!touse !or $azer um !aralelo com o !er#odo antecedente , o Renascimento 'Classicismo( . )o Renascimento, *ouve uma $orteo!osiçãoao !er#odo medieval, denominadoo erroneamente de +&er#ododas revas-. A arte do século dezesseis buscava uma retomada do !er#ododa réciaantiga, en$atizando dentre outros elementos a racionalidade e a mitologia grecoromana . A /uro!a vive o a!ogeu da Re$orma Religiosa , onde a 0gre1a Cat2lica , além de questionada, !erde !arte de sua in3u4ncia . A religiosidade é um !ouco relegada !ara se valorizar o ANTROPOCENTRISMO . )a segunda metade do século 560 , a 0gre1a Cat2lica reage a tal movimento iniciando a ContraRe$orma 'que tem o seu "!ice no século seguinte( . 7" um +re3u8o- no car"ter racional do 7omem , onde mais uma vez a religiosidade é !osta em evid4ncia . 9 nesse século '5600( que se situa a arte barroca , tentando conciliar a religiosidade cat2lica de seu tem!o com o legado racionalista que o Renascimentodei8ou . odavia , tal conciliação não !assa do !lano da tentativa , !ois estamos lidando com elementos antag:nicos % a e a razão % como $ormas de com!reensão do mundo . ;a# o car"ter con3itivo , irregular do Barroco . /sse car"ter é realçado no te8to !ela utilização abundante de ANTÍTESES e PARADOXOS . &artindo dessa assertiva , as demais caracter#sticas do !er#odo liter"rioem questão são conseq<4ncias diretas ou indiretas desse o!"#$o %&'#r#$(a) . A =nsia !or querer a'ro*%#$ar o +o+%!$o 'Car!e diem ( se $az latente . A vida é com!reendida como !assageira. A +con$usão- se $az na maneira como isso é $eito, !ois o 7omem barroco fca dividido entre a es!iritualidade e o materialismo. Além desses, destacase seu car"ter interrogativo 'denotando uma conotação flos2fca sobre o mundo e o estar no mundo(, a $ugacidade da vida e a $ragilidade da vida *umana. >uanto à linguagem,o te8to barroco vai !rimar !ela sofsticação e detal*ismo. /ssas duas caracter#sticas $oram e8!loradas não s2 na literatura desse !er#odo, mas também na arquitetura , !intura e escultura . 0sso 1ustifca o as!ecto visual de v"rios te8tos barrocos , que são desenvolvidos !elo uso da MET, ORA . ?ão s#mbolos usuais a "gua , a $umaça , a neve , o $ogo , a cinza , enfm, subst=ncias que não t4m $ormas defnidas . orna se comum aqui as invers@es sint"ticas dos !er#odos , um vocabul"riode certa $orma elevado e a utilização constante de fguras de linguagem '!rinci!almente a a!$.$%&%, o 'ara/o0o , a +%$ fora e a a! fora ( . 7" dois estilos seguidos!elos escritores o Cultismo e o Conce!tismo . Atentase !ara o $ato que nen*um escritor seguiu um s2 estilo . A mistura de ambos não fca restrita à obra de um escritor, mas se evidencia também em um mesmo te8to . eito tal esclarecimento sobre a utilização

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Literatura Brasielira

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A LRICA DE GREGRIO DE MATOS

1-CONSIDERAES GERAIS: O Barroco a denominao dada arte do sculo dezessete , que se estende no Brasil at meados do sculo seguinte . A significao do termo BARROCO bastante diversa , onde resolveu-se optar por uma que d uma dimenso mais abrangente das caractersticas da referida escola a IRREGULARIDADE . Para se entender tal acepo , optou-se por fazer um paralelo com o perodo antecedente , o Renascimento (Classicismo) . No Renascimento , houve uma forte oposio ao perodo medieval, denominado-o erroneamente de Perodo das Trevas . A arte do sculo dezesseis buscava uma retomada do perodo da Grcia antiga , enfatizando dentre outros elementos a racionalidade e a mitologia greco-romana . A Europa vive o apogeu da Reforma Religiosa , onde a Igreja Catlica , alm de questionada, perde parte de sua influncia . A religiosidade um pouco relegada para se valorizar o ANTROPOCENTRISMO . Na segunda metade do sculo XVI , a Igreja Catlica reage a tal movimento iniciando a Contra-Reforma (que tem o seu pice no sculo seguinte) . H um refluxo no carter racional do Homem , onde mais uma vez a religiosidade posta em evidncia . nesse sculo (XVII) que se situa a arte barroca , tentando conciliar a religiosidade catlica de seu tempo com o legado racionalista que o Renascimento deixou . Todavia , tal conciliao no passa do plano da tentativa , pois estamos lidando com elementos antagnicos a f e a razo como formas de compreenso do mundo . Da o carter conflitivo , irregular do Barroco . Esse carter realado no texto pela utilizao abundante de ANTTESES e PARADOXOS . Partindo dessa assertiva , as demais caractersticas do perodo literrio em questo so conseqncias diretas ou indiretas desse conflito espiritual . A nsia por querer aproveitar o momento (Carpe diem ) se faz latente . A vida compreendida como passageira. A confuso se faz na maneira como isso feito, pois o Homem barroco fica dividido entre a espiritualidade e o materialismo. Alm desses, destaca-se seu carter interrogativo (denotando uma conotao filosfica sobre o mundo e o estar no mundo), a fugacidade da vida e a fragilidade da vida humana. Quanto linguagem, o texto barroco vai primar pela sofisticao e detalhismo. Essas duas caractersticas foram exploradas no s na literatura desse perodo, mas tambm na arquitetura , pintura e escultura . Isso justifica o aspecto visual de vrios textos barrocos , que so desenvolvidos pelo uso da METFORA . So smbolos usuais a gua , a fumaa , a neve , o fogo , a cinza , enfim, substncias que no tm formas definidas . Torna-se comum aqui as inverses sintticas dos perodos , um vocabulrio de certa forma elevado e a utilizao constante de figuras de linguagem (principalmente a anttese , o paradoxo , a metfora e a anfora) . H dois estilos seguidos pelos escritores : o Cultismo e o Conceptismo . Atenta-se para o fato que nenhum escritor seguiu um s estilo . A mistura de ambos no fica restrita obra de um escritor, mas se evidencia tambm em um mesmo texto . Feito tal esclarecimento sobre a utilizao desses estilos , parte-se agora para as suas definies : O Cultismo um requinte formal que consiste em elaborar um intrincado jogo de palavras, explorando efeitos sensoriais como forma , volume , cor , alm de um forte carter imagtico . A valorizao da imagem formulada com base na metfora , pormenorizando seus detalhes . Como exemplo desse jogo de palavras , tem-se esse fragmento de Gregrio de Matos :

O todo sem a parte no todo, A parte sem o todo no parte; Mas se a parte fez todo, sendo parte, No se diga que parte, sendo todo.

J o Conceptismo consiste em um jogo apurado de raciocnio lgico , onde o escritor barroco tenta mostrar a veracidade de seu ponto de vista . No fragmento destacado abaixo do mesmo poeta , o autor tenta convencer a Deus (ou a si) que merece ser salvo quando morrer . Para tanto , faz uma analogia com a parbola bblica do pastor e das ovelhas , onde o pastor abandona suas noventa e nove ovelhas para ir atrs de uma desgarrada . Nesse sistema de analogias , as ovelhas seriam os fiis ;o pastor , Deus ; e a desgarrada o pecador (o prprio poeta) , merecendo portanto ser salvo : Pequei, Senhor; mas no porque hei pecado, Da vossa alta clemncia me despido, Porque quanto mais tenho delinqido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. ................................................................... Se uma ovelha perdida e j cobrada Glria tal e prazer to repentino Vos deu, como afirmais na sacra histria: Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e no queirais, pastor divino, Perder na vossa ovelha a vossa glria.

2-Gregrio de Matos Guerra Ao evocar-se a figura de Gregrio de Matos , mais vulgarmente conhecido como Boca do Inferno , tem-se o aspecto mais sublime e o mais mordaz da poesia barroca brasileira . O poeta baiano , alm de desenvolver uma potica em sintonia com as tendncias europias, deu tons locais em sua obra , relatando os costumes e a organizao social brasileira . Esse aspecto de sua poesia evidenciado por Segismundo Spina ao colocar que ele Foi , sem dvida , o primeiro prelo e o primeiro jornal que circulou na Colnia. Levando em considerao os temas desenvolvidos pelo autor , pode ser feita a seguinte diviso de sua obra : lrica amorosa , fescenina , satrica , religiosa , filosfica e encomistica .

A LRICA AMOROSA A produo amorosa de Gregrio de Matos recebe uma forte influncia de Petrarca e Cames . H tons idealizantes no que diz respeito concepo feminina , ressaltando o seu aspecto angelical. O platonismo evidenciado como predominante , destinando o poeta um sentimento puro , sublime . Todavia , o sofrimento amoroso se torna latente no autor , visto uma no concretizao amorosa , exacerbando os seus sentimentos em conotaes contraditrias , tipicamente barroca , como se evidencia no soneto abaixo :

Quis o poeta embarcar-se para a cidade e viu antecipando a notcia sua senhora, lhe viu umas derradeiras mostras de sentimento em verdadeiras lgrimas de amor .

Ardor em firme corao nascido; Pranto por belos olhos derramado; Incndio em mares de gua disfarado; Rio de neve em fogo convertido: Tu, que um peito abrasas escondido; Tu, que em um rosto corres desatado; Quando fogo, em cristais aprisionado; Quando cristal, em chamas derretido. Se s fogo, como passas brandamente, Se s neve, como queimas com porfia? Mas ai, que andou Amor em ti prudente! Pois para temperar a tirania, Como quis que aqui fosse a neve ardente, Permitiu parecesse a chama fria.

COMENTRIOS : Na primeira estrofe , o poeta caracteriza seus sentimentos para com a sua musa . O sofrimento nitidamente evidenciado ao colocar como sinnimo de amor ardor e pranto . O exagero sentimental nesses dois primeiros versos se faz com a utilizao da hiprbole . Nos dois versos seguintes , o conflito amoroso no autor se torna claro com o uso de paradoxos Incndio em mares , neve convertida em fogo .

Na estrofe seguinte , ele escreve sobre esse sentimento que o consome . Para desenvolver tal conotao, foi necessrio que o poeta comeasse a atribuir toda uma simbologia na estrofe anterior , onde neve significaria tranqilidade e fogo a inquietude do amor . com base nessa simbologia , ele coloca que seu peito est abrasado , que esse fogo (amor) aprisionado em cristal (peito do poeta ) o est consumindo . As contradies oriundas do amor so questionadas com interrogaes no primeiro terceto para que se chegasse concluso que enquanto ele fosse a neve ardente , ela seria a chama fria . Perceba que essas definies esto calcadas no paradoxo para ressaltar as contrariedades do amor (que no correspondido pela parte feminina) . Estilisticamente , h a predominncia de versos decasslabos , as rimas intercaladas , os perodos invertidos sintaticamente , alm do tipo de composio escolhida : o soneto . A LRICA FESCENINA Nessa parte da obra do poeta baiano , o amor ganha uma conotao puramente ertica, deixando-se levar pelos impulsos carnais . Todavia , o alvo de Gregrio de Matos bem distinto de sua poesia amorosa apreciada a pouco . Enquanto que a primeira destinada mulher branca de elevada classe social e apta ao casamento , a poesia fescenina destinada mulher de cor . Para explicar essa aparente contrariedade na poesia do vate baiano , utiliza-se aqui as palavras de Gilberto Freyre em sua obra Casa-Grande & Senzala . Ao tecer consideraes sobre a formao racial brasileira , o socilogo pernambucano afirma a pouca disponibilidade de mulheres brancas para o casamento no Brasil do sculo XVI . Dessa forma , os seguimentos sociais brasileiros estariam calcados na miscigenao . O autor ainda destaca a forte influncia dos mouros no povo portugus , onde O longo contato com os sarracenos deixara entre os portugueses a figura da moura-encantada , tipo delicioso de mulher morena de olhos pretos , envolta de um misticismo sexual (...) que os colonizadores vieram encontrar parecido , quase igual , entre as ndias nuas e de cabelos soltos no Brasil. De acordo com o mesmo autor , por isso que Nesta vazou-se porventura o cime ou a inveja sexual da mulher loura contra a de cor. (...) dio que resultaria mais tarde em toda a Europa na idealizao do tipo louro , identificado como personagens anglicas e divinas em detrimento do moreno (...). (...) A moda da mulher loura , limitada alis s classes altas , ter sido antes a repercusso de influncias exteriores do que a expresso de genuno gosto nacional . Com relao ao Brasil , que diga o ditado: Branca para casar , mulata para f...., negra para trabalhar. As idias aqui expostas por Gilberto Freyre so perfeitamente aplicveis potica de Gregrio . dispensado por ele um tratamento refinado mulher branca , em tom respeitoso , enquanto que para a mulher de cor , alm do amor carnal , o deboche , a vulgaridade e a ironia com que ele se dirige a tal tipo de figura revela um certo tom preconceituoso , bem ressaltado pelo crtico Alfredo Bosi ao colocar : Aqui o preconceito , (...) desce ao subterrneo de uma prtica ertica onde se geram , ntima e simultaneamente , a atrao fsica ,a repulsa e o sadismo. A LRICA SATRICA a produo satrica a mais destacada por alguns na poesia de Gregrio de Matos . Dir-se-ia aqui que ela representa a que deu uma maior tnica pessoal ao poeta . Gregrio parece figurar como uma espcie de metralhadora giratria , no poupando crticas a nenhum seguimento social da Bahia . Governantes , clero , mulatos , comerciantes , a nobreza Caramuru , mestios , enfim , todos . Um exemplo dessa indistino se percebe no poema Milagres do Brasil So , satirizando a figura do Vigrio de Pass , Loureno Ribeiro, pelo fato de ser um homem de cor , chamando-o de Co revestido em Padre :

Imaginais que o insensato Do canzarro fala tanto Porque saba tanto , ou quanto ? No , seno porque mulato ; Ter sangue de carrapato , Ter estoraque de congo , Cheirar-lhe a roupa a mondongo cifrar de perfeio : Milagres do Brasil so .

ou ento no clebre poema do Pica-Flor , que seria uma resposta malcriada a uma freira que lhe compara ao beija-flor :

A uma freira que, satirizando a delgada fisionomia do poeta, chamou-lhe pica-flor. Se pica-flor me chamais, Pica-flor aceito ser, Mas resta agora saber, se no nome, que me dais, meteis a flor, que guardais no passarinho melhor! se me dais este favor, sendo s de mim o pica, e o mais vosso, claro fica, que fico ento pica-flor.

Ironia , deboche , humor e irreverncia eis as marcas na stira de Gregrio de Matos que lhe renderam o degredo a Angola em 1694 . No exemplo abaixo , pode-se perceber , alm dos predicados aludidos no pargrafo anterior , um tom de ressentimento e vingana por parte do autor : Pondo os olhos primeiramente na sua cidade conhece que os mercadores so o primeiro mvel da runa , em que arde pelas mercadorias inteis , e enganosas.

Triste Bahia! oh quo dessemelhante Ests e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado. Rica te vi eu j, tu a mim abundante.A ti tocou-te a mquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando e tem trocado Tanto negcio e tanto negociante. Deste em dar tanto acar excelente Pelas drogas inteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh, se quisera Deus que, de repente, Um dia amanheceras to sisuda Que fora de algodo o teu capote! COMENTRIOS : Nesse poema , tem-se um painel das transformaes sociais e econmicas sofridas pela Bahia ao final do sculo XVII . Na primeira estrofe , o poeta evoca um passado (antigo estado) dele e da Bahia , colocando estarem to diferentes (quo dessemelhante ) . Dois tempos so evocados aqui : o presente e o passado de ambos . Atualmente , sua terra natal se v empobrecida , enquanto ele (pertencente nobreza Caramuru) no est gozando do status e das facilidades que levara at ento . A mquina mercante que tem entrado na larga barra baiana uma aluso atividade mercantilista que se processa nesse perodo , principalmente pelos franceses , holandeses e britnicos . Tudo isso tem alterado (trocado) no somente o perfil baiano como do prprio autor . As atividades comerciais comeam a ter sua ascenso enquanto as agrrias (cana-de-acar) em que o poeta se v inserido esto em declnio . esse declnio econmico que Gregrio de Matos faz referncia no incio do texto . A imprudncia dos baianos condenada nos dois ltimos tercetos . O autor se utiliza de uma personificao para a Bahia , colocando-a como personagem . O carter de metidada senhora Bahia ressaltado pelo termo abelhuda , que troca seu acar (ouro branco) por artigos de luxo (drogas inteis) trazidas pelos comerciantes (que esto aqui designados por Broichote , perjorativo de British comerciante ingls ) . tal imprudncia que faz com que a senhora Bahia decline . Por isso , o poeta evoca a divindade (Deus) para que lhe d um castigo amanhecendo sisuda com uma capa (capote) simplria (de algodo) , o que representaria a perda total do status da Bahia .

A LRICA RELIGIOSA Essa a produo gregoriana mais tipicamente barroca , pois aqui v-se inserido o conflito espiritual desse perodo . A dialtica PECADO x PERDO bem evidenciada . O poeta assume a sua condio de pecador diante da divindade , no extraindo de si a sua culpabilidade . Todavia , nessa mesma culpabilidade que ele espera ser salvo , como ilustra bem o poema no incio desse captulo ao ser exemplificado o CONCEPTISMO . Nos seus textos religiosos , o estilo predominante o conceptismo . Aqui , o autor tentar convencer a Deus que , embora tenha pecado (e como) ele merece (e precisa) ser salvo . O materialismo e a espiritualidade se chocam continuamente dentro desse tipo de produo potica . Todos esses aspectos esto bem evidenciados no poema abaixo :

A Cristo S. N. crucificado estando o poeta na ltima hora de sua vida . Meu Deus, que estais pendente em um madeiro , Em cuja lei protesto de viver , Em cuja santa lei hei de morrer Animoso , constante , firme , e inteiro . Nesse lance , por ser o derradeiro , Pois vejo a minha vida anoitecer , , meu Jesus , a hora de se ver A brandura de um Pai manso Cordeiro . Mui grande vosso amor , e meu delito , Porm pode ter fim todo o pecar , E no o vosso amor , que infinito . Esta razo me obriga a confiar , Que por mais que pequei , neste conflito Espero em vosso amor de me salvar . COMENTRIOS :

O poeta inicia o texto se dirigindo divindade em tom de splica. Reafirma aqui sua condio de pecador (v.02) e, embora tenha renegado as leis divinas, tem conscincia de que ir ser julgado por elas quando morrer. Na segunda estrofe, tenta uma ltima chance de ser salvo, pois percebe estar prximo morte minha vida anoitecer. A chantagem emocional que o eu lrico faz com Deus comea a ganhar corpo. nesse momento que ele afirma ser a hora de se ver o carter misericordioso do Pai celeste.Na estrofe seguinte, dado incio ao jogo conceptista. O poeta comea a articular sua teia argumentativa afirmando ser grande o amor de Deus e o seu pecar. Todavia, este amor infinito, contrapondo-se com seus pecados, finitos. Fecha-se o jogo conceptista na ltima estrofe. De acordo com o autor baiano, ele espera se salvar em virtude da imensido do amor divino, j que Deus misericordioso (20 estrofe).

A LRICA FILOSFICA A influncia de Cames muito evidenciada nesse tipo de composio. Aqui, Gregrio fica no campo das especulaes, tentando obter respostas sobre dvidas que dilaceram o eu lrico. Tais dvidas, em grande parte, so oriundas do conflito espiritual vivenciado pelo autor. Embora exista uma busca constante por respostas, o que se percebe um eu potico perdido em suas indagaes, transitando entre seus conflitos em busca de valores, como no soneto abaixo:

Defendendo o Bem Perdido O bem que no chegou a ser possudo, Perdido causa tanto sentimento, Que, faltando-lhe a causa do tormento, Faz ser maior tormento o padecido. Sentir o bem logrado, e j perdido, Mgoa ser do prprio entendimento; Porm, o bem que perde um pensamento No deixa a outro bem restitudo. Se o lgro satisfaz a mesma vida E, depois de logrado, fica engano A falta que o bem faz em qualquer sorte. Infalvel ser ser homicida O bem que sem ser mal, motiva o dano; O mal que sem ser bem, apressa a morte.

COMENTRIOS: Aqui, Gregrio de Matos questiona-se sobre o seguinte ponto: O que mais significativo- o bem que se perde na posse ou antes de possudo ? Ao incio, o autor pondera o sentimento causado pelo que foi perdido antes da posse. Tal sentimento aumenta quando ele no sabe o que fez para a perda do que ansiava. Na estrofe seguinte, o autor reflete sobre o sofrimento que lhe ficou diante da perda para, nos tercetos, concluir que perder algo antes de possudo causa-lhe maior angstia. Para chegar a tal concluso, temos o desenvolvimento de todo um pensamento conceptista, ponderando entre bem possudo, mas perdido e bem que no chegou a ser possudo; sentimento com causa de tormento e sentimento sem causa de tormento ; entendimento e pensamento , refletindo bem o carter antittico do Barroco. . 3-POEMAS PARA ANLISE A) Sacros: A CRISTO S.N. CRUSCIFICADO ESTANDO O POETA NA LTIMA HORA DE SUA VIDA

Meu Deus, que estais pendente em um madeiro, Em cuja lei protesto de viver, Em cuja santa lei hei de morrer, Animoso, constante, firme, inteiro. Neste lance por ser o derradeiro, Pois vejo a minha vida anoitecer, , meu Jesus, a hora de se ver A brandura de um Pai manso Cordeiro. Mui grande vosso amor e meu delito, Porm pode ter fim todo o pecar, E no o vosso amor que infinito. Esta razo me obriga a confiar, Que por mais que pequei, neste conflito Espero em vosso amor de me salvar.

A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR

Pequei, Senhor; mas no porque hei pecado, Da vossa alta clemncia me despido; Porque quanto mais tenho delinqido, Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um s gemido: Que a mesma culpa, que vos h ofendido, Vos tem para o perdo lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e j cobrada Glria tal e prazer to repentino Vos deu, como afirmais na sacra histria,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e no queirais, pastor divino, perder na vossa ovelha a vossa glria.

A N. S. JESUS CRISTO COM ATOS DE CONTRIO E SUSPIROS DE AMOR

Ofendi-vos, meu Deus, bem verdade, verdade, meu Deus, que hei deliqido, Deliqido vos tenho, e ofendido, ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha vaidade, Vaidade, que todo me h vencido; Vencido quero ver-me, e arrependido, Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de corao, De corao vos busco, da-me os braos, Abraos, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro, me mostra a salvao, A salvao pretendo em tais abraos, Misericrdia, Amor, Jesus, Jesus.

B) Filosficos:

MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTNCIA DOS BENS DO MUNDO

Nasce o Sol, e no dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contnuas tristezas a alegria.

Porm se acaba o Sol, por que nascia? Se formosa a Luz , por que no dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura no se d constncia, E na alegria sinta-se tristeza.

Comea o mundo enfim pela ignorncia, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstncia.

C) Satricos:

Que falta nesta cidade?................Verdade Que mais por sua desonra?...........Honra Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a ps neste socrcio?..........Negcio Quem causa tal perdio?.............Ambio E o maior desta loucura?...............Usura.

Notvel desventura de um povo nscio, e sandeu, que no sabe, que o perdeu Negcio, Ambio, Usura.

Quais so os seus doces objetos?....Pretos Tem outros bens mais macios?.....Mestios Quais destes lhe so mais gratos?...Mulatos.

Dou ao demo os insensatos, dou ao demo a gente asnal, que estima por cabedal Pretos, Mestios, Mulatos.

Quem faz os crios mesquinhos?...Meirinhos Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos. Os crios l vm aos centos, e a terra fica esfaimando, porque os vo atravessando Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justia a resguarda?.............Bastarda grtis distribuda?......................Vendida Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa, o que El-Rei nos d de graa, que anda a justia na praa Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia?..................Simonia E pelos membros da Igreja?..........InvejaCuidei, que mais se lhe punha?.....Unha.

Sazonada caramunha! enfim que na Santa S o que se pratica, Simonia, Inveja, Unha.

E nos frades h manqueiras?.........Freiras Em que ocupam os seres?............Sermes No se ocupam em disputas?.........Putas.

Com palavras dissolutas me conclus na verdade, que as lidas todas de um Frade so Freiras, Sermes, e Putas.

D) Lrica Amorosa: MARIA DOS POVOS, MINHA FUTURA ESPOSA

Discreta e formosssima Maria, Enquanto estamos vendo claramente, Na vossa ardente vista o sol ardente, E na rosada face a aurora fria:

Enquanto pois produz, enquanto cria Essa esfera gentil, mina excelente No cabelo o metal mais reluzente, E na boca a mais fina pedraria:

Gozai, gozai da flor da formosura, Antes que o frio da madura idade Tronco deixe despido, o que verdura.

Que passado o znite da mocidade, Sem a noite encontrar da sepultura, cada dia ocaso da beldade.