A Jurisprudência Do Supremo Tribunal Federal Em Matéria Ambiental

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    EEEEconomic AAAAnalysis of LLLLaw RRRReview

    A Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal em Matria AmbientalSupreme Courts Environmental Case Law

    Rmulo Silveira da Rocha Sampaio1

    FGV Direito Rio

    Patrcia Regina Pinheiro Sampaio2FGV Direito Rio

    Catarina Freitas3

    FGV Direito Rio

    RESUMO

    O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa quanti-

    tativa e qualitativa acerca das decises do Supremo Tribu-

    nal Federal em matria ambiental, de forma a identificar

    os temas ambientais mais controvertidos em sede consti-

    tucional. Aps a apresentao da metodologia de seleo e

    classificao dos casos, cada deciso analisada para, ao

    final, se identificar os principais posicionamentos do STF

    em matria ambiental. Os resultados sugerem que o Su-

    premo no se limita a uma interpretao formalista da

    Constituio. O Tribunal tentar manter um balano entre

    atribuir efetividade s normas constitucionais de proteo

    ambiental e resguarda a separao dos Poderes, o princpio

    federativo e os direitos individuais, como o direito de

    propriedade.

    ABSTRACT

    This paper presents the results of a quantitative and quali-

    tative survey of Brazilian Supreme Court environmental

    case law in order to identify the main controversial envi-

    ronmental constitutional issues. After presenting the

    methodology for selecting and classifying and the cases,

    each decision is analyzed to present STFs main decisions

    in environmental issues. The results indicate that the

    Supreme Court is not limited to a literal interpretation of

    the Constitution. It tries to strike a balance between pro-

    vide effectiveness to constitutional environmental norms

    and protecting the Separation of Powers, the Federative

    Pact and civil rights, like property.

    Palavras-chave: Direito Ambiental; Constituio; Su-premo Tribunal Federal; Jurisprudncia.

    Keywords: Environmental Law; Constitution; FederalSupreme Court; Case Law.

    JEL: K32 R: 26/4/12 A: 20/6/13 P: 30/10/13

    1E-mail: [email protected]: [email protected]: [email protected].

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    1.

    Introduo

    direito ambiental no Brasil, aps um longo perodo de calorosos embates acadmicossobre sua efetiva autonomia, consolidou-se enquanto ramo do direito com princpios e

    regras prprias, essenciais garantia de um dito Estado de Direito Socioambiental(Sarlet e Fernsteifer, 2011, pp. 42 e 43). O instrumento normativo pioneiro e sistemati-zador deste novo direito foi a Lei da Poltica Nacional do Meio Ambiente (Lei n.

    6.938/81).No entanto, a fora motora e inspiradora para a efetiva consolidao do direito ambiental brasilei-ro foi o Captulo VI, do Ttulo VIII, da Constituio Federal, que tratou do Meio Ambienteenquanto parte integrante da Ordem Social (Silva, 2009, p. 47).

    O artigo 225 da Carta Constitucional inaugurou uma nova fase de aprendizado, adapta-o e reorientao do ordenamento jurdico brasileiro. Juntamente com outros importantes dispo-sitivos constitucionais, como o desenvolvimento sustentvel, inserido no artigo 170, inciso VI, e a

    funo socioambiental da propriedade, constante dos artigos 182 e 183, todos da ConstituioFederal, restou consolidado, de forma definitiva, o desejo social de respeito dignidade da pessoahumana, da livre iniciativa, e, tambm, do respeito vida, em todas as suas formas, atravs daproteo ao meio ambiente.

    Como uma carta de princpios com funes normativas, o captulo que disciplina a te-mtica ambiental na Constituio Federal aglutinador de normas abertas, das quais emanam aorientao de todas as leis e regulamentos supervenientes. As dcadas subsequentes sua promul-gao foram muito ricas em atividades legislativas e regulamentares em matria ambiental.4Comotodo novo ramo do Direito, os embates acadmicos e jurisprudenciais foram intensos e necess-rios consolidao e ao prprio entendimento sobre como garantir a efetividade das normas

    emanadas da Constituio Federal.Nas dcadas que se seguiram promulgao da Carta Magna de 1988, coube ao Supre-

    mo Tribunal Federal, como guardio mximo da ordem constitucional, dar a ltima palavra eindicar os caminhos interpretativos para o recorrente conflito entre o desejo social de preservaoambiental, a promoo das garantias sociais e os imperativos do crescimento econmico. Damesma forma, coube Corte Suprema resolver conflitos referentes s esferas de atuao legislativae de gesto inerentes interpretao das competncias constitucionais em matria ambiental.

    Pouco mais de duas dcadas desde a Constituio Federal de 1988 ainda prematuronutrir expectativas de se extrair a pacificao de entendimentos sobre os parmetros interpretati-vos de princpios de uma nova rea do direito, ainda em formao e em processo de consolidao.Mormente em uma seara na qual o assunto tambm deveras politizado.

    4So alguns exemplos: Lei n. 8.723/93 (emisso de poluentes por veculos automotores); Lei n. 9.055/95 (utilizaodo asbesto/amianto); Lei n. 9.433/97 (Poltica Nacional de Recursos Hdricos); Lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Am-bientais); Lei n. 9.985/00 (Sistema Nacional de Unidades de Conservao); Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade);Lei n. 10.650 (acesso pblico aos dados e informaes do SISNAMA); Lei n. 11.105 (biossegurana); Lei n.11.284/06 (Servio Florestal Brasileiro e Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal); Lei n. 11.428/06 (utiliza-o e proteo da vegetao nativa do Bioma Mata Atlntica); Lei n. 11.516/07 (Instituto Chico Mendes), Lei n.12.114/09 (Fundo Nacional sobre Mudana do Clima); Lei n. 12.187/09 (Poltica Nacional sobre Mudana do

    Clima); e Lei n. 12.305/10 (Poltica Nacional de Resduos Slidos); dentre outras.

    O

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    Em todo caso, tendo em vista a natureza constitucional do direito ambiental e, por con-seguinte, a importncia das decises do Supremo Tribunal Federal para a garantia de maior segu-rana jurdica para a potencialmente contenciosa relao entre o desejo de preservao do ambien-te, os direitos sociais e os imperativos do desenvolvimento, o estudo proposto no presente traba-

    lho se prope a investigar de forma detalhada a jurisprudncia da Suprema Corte brasileira. Oartigo almeja, assim, apresentar, em bases quantitativas e qualitativas, os principais assuntos quetm sido veiculados em matria ambiental na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal.5Ametodologia empregada a anlise de casos.

    Para esse fim, o artigo encontra-se dividido em quatro partes. A primeira parte descreve ametodologia utilizada para a pesquisa, esclarecendo como foi feita a seleo e classificao dosacrdos analisados no presente estudo. Em um segundo momento, so apresentados os resulta-dos quantitativos, ou seja, classificam-se os julgados por espcies de aes, matrias veiculadas eEstado de origem. O terceiro captulo apresenta breves comentrios sobre as decises levantadas, apartir da classificao por objeto anteriormente sugerida: questes envolvendo competncia legis-

    lativa e administrativa, licenciamento, exerccio de poder de polcia, crueldade contra os animais ecompensao ambiental. Por fim, procura-se traar um panorama indicativo da postura que oSTF vem assentando sobre as questes ambientais, com o objetivo de identificar correntes inter-pretativas que possam sugerir tendncias criteriosas para soluo de conflitos ambientais e, destaforma, contribuir para uma efetiva consolidao do direito do ambiente, atravs da garantia deum maior grau de segurana jurdica.

    2. Metodologia

    A pesquisa tomou como base o banco de dados disponibilizado pelo Supremo TribunalFederal em seu stio na internet: www.stf.jus.br/jurisprudencia, at junho de 2013. A partir dessafonte, foram testadas as seguintes chaves de busca para fins de levantamento das decises em ma-tria ambiental: meio adj ambiente;6meio adj ambiente e licenciamento; meio adj ambien-te e competncia; meio adj ambiente e IBAMA; meio adj ambiente e CONAMA; meioadj ambiente e fiscalizao; meio adj ambiente e multa; meio adj ambiente e sano.Posteriormente, para certificar que nenhuma deciso ambiental relevante deixou de ser observada,as chaves ambiental; ambiental e licenciamento; ambiental e competncia; ambientale IBAMA; ambiental e CONAMA; ambiental e fiscalizao; ambiental e multa;ambiental e sano foram tambm empregadas. Os resultados obtidos esto elencados a se-

    guir:

    5Excluiu-se da presente anlise temas de natureza penal, pelas suas especificidades.6A mais genrica das chaves de busca e, por isso mesmo, a menos precisa. Em diversos casos, o aparecimento dalocuo meio ambiente na ementa da deciso mostrava-se meramente circunstancial. Para exemplificar, algunscasos se referiam ao meio ambiente do trabalho que, apesar de tema altamente relevante, fugia do escopo da nossapesquisa. Dessa forma, buscou-se introduzir outros filtros capazes de permitir resultados mais efetivos. Alm disso,

    foram excludas as decises proferidas anteriormente promulgao da Constituio de 1988.

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    Tabela 1 Resultados por Pesquisa Realizada

    A primeira linha da Tabela 1 apresenta a relao de resultados encontrados a partir daspalavras-chave em destaque. Aps a realizao da pesquisa com as chaves de busca acima, fez-senecessrio filtrar os resultados mediante a leitura das ementas e, por vezes, do inteiro teor dosacrdos, com a finalidade de excluir aqueles que, apesar de possurem o termo meio ambienteou ambiental, em realidade no traziam em seu mrito, questes relacionadas ao tema, mas an-tes matrias de natureza processual7, relacionadas remunerao de servidores de rgos ambien-tais, dentre outras. Tambm foram excludos os casos de no conhecimento de recursos, a menosnas hipteses em que, apesar de formalmente o tema no ter sido decidido, haver sido objeto deprofundo debate, permitindo que o acrdo espelhasse uma clara orientao do Tribunal. Foramigualmente excludas decises de carter penal.

    A escolha das variveis que compem a tabela deveu-se, basicamente, sua relevncia nocontexto de decises jurdicas envolvendo meio ambiente. A diviso de competncias legislativas eadministrativas em matria ambiental talvez seja hoje um dos temas de maior envergadura consti-tucional, tendo em vista as discusses sobre diviso de competncias entre Unio Federal, Estadose Municpios (Guerra & Guerra, 2012, p. 30). Igualmente, o tema do licenciamento ambientalencontra-se na ordem do dia, tanto por questes relacionadas atribuio de competncias (que

    foram agrupadas na coluna anterior), como no que tange a vcios e exigncias no processo de li-cenciamento, tais como a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental e de realizao de audin-cia pblica (Beltro, 2008, p. 27-82).

    A chave de busca relacionada ao CONAMA teve por objetivo indagar se haveria discus-ses envolvendo a constitucionalidade do poder normativo exercido pelo Conselho Nacional deMeio Ambiente (Machado, 2011, pp. 168-170). Afinal, sabido que, no passado, a doutrinaquestionava a constitucionalidade de alguns artigos da Resoluo CONAMA 237/97 em matria

    7 Inclusive, por exemplo, vrias decises de no conhecimento, sob o argumento de que o caso tratava apenas de

    matria infraconstitucional, ou, ainda, de conflitos de competncia entre Tribunais.

    Termosmeio adjambiente

    meio adjambiente e

    competncia

    meio adjambiente e

    licenciamento

    meio adjambientee IBAMA

    meio adjambiente eCONAMA

    meio adjambiente efiscalizao

    meio adjambientee sano

    meio adjambientee multa

    Encontrados 239 70 5 103 11 43 8 33Relevantes 58 15 3 31 7 19 1 1

    Decorrentesde Cruzamen-to de Dados

    6 1 1 2 1 2 0 0

    Totalrelevante

    64 16 4 33 8 21 1 1

    Termosambiental

    ambiental ecompetncia

    ambiental elicenciamento

    ambientale IBAMA

    ambientale

    CONAMA

    ambientale

    fiscalizao

    ambientale sano

    ambientale multa

    Encontrados 298 83 13 49 12 51 7 39Relevantes 47 16 5 21 6 23 1 2

    Decorrentes de

    Cruzamento deDados 1 1 0 0 0 0 0

    Total relevante 8 17 5 21 6 23 1 2

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    de licenciamento, tema esse que deve ter sua relevncia reduzida em decorrncia da promulgaoda Lei Complementar 140/2011, que dispe sobre competncias federativas em matria de licen-ciamento (Machado, 2008, pp. 115 e 116). Em todo caso, no foram encontradas decises espec-ficas sobre o tema, a partir dessa chave de busca, tendo-se preferido alocar as decises encontradas

    em outras subdivises, cuja pertinncia temtica se mostrou mais adequada.As chaves IBAMA e fiscalizao procuraram vislumbrar que divises poderiam ha-ver, em sede constitucional, envolvendo o exerccio do poder de polcia fiscalizatrio em matriaambiental (Antunes, 2006, p. 115). Os resultados apresentam discusses acerca da constituciona-lidade do poder de polcia dessa autarquia, principalmente sobre a taxa cobrada em decorrncia dafiscalizao (Justen Filho, 2009, p. 498). Tentando-se vislumbrar se haveria discusses especifi-camente sobre as sanes impostas pelas autoridades ambientais, realizou-se a pesquisa meio adjambiente + multa, meio adj ambiente + sano, ambiental + multa e ambiental + sano;porm, nada foi encontrado.

    A linha da Tabela 1 intitulada cruzamento de dados apresenta o nmero de acrdos

    que no apareceram diretamente nas buscas realizadas, mas to-somente a partir de referncias(cruzadas) a precedentes realizadas em julgados do prprio Tribunal. Foram includos nos dadosquantitativos finais porque igualmente apresentaram decises de mrito sobre questes ambien-tais.8

    Por fim, merece ser considerado que algumas das decises extradas da pesquisa no seencaixavam na classificao inicial (licenciamento, competncia, CONAMA, IBAMA, fiscaliza-o/multa). Por conseguinte, foram criadas trs classificaes adicionais, para fins de melhor or-ganizar as informaes neste artigo: crueldade contra animais, compensao ambiental e cri-ao de rea protegida e direito a indenizao.

    Uma vez que as chaves CONAMA e multa no apresentaram resultados significativos

    para a pesquisa, os dois tpicos foram excludos. Sendo assim, os tpicos finais para a classificaodas decises do STF ficaram restritos a: competncia em matria ambiental (legislativa e admi-nistrativa), licenciamento, tributao e meio ambiente, crueldade contra os animais, com-pensao ambiental e criao de reas ambientalmente protegidas e direito a indenizao. 9

    A quantidade de acrdos totais relevantes constantes da primeira coluna (meio adjambiente e ambiental) inferior soma dos totais relevantes das colunas subsequentes ten-do em vista que os acrdos encontrados se repetem em mais de uma das chaves de busca especfi-cas. Desse modo, ao final das filtragens efetuadas, o total de acrdos relevantes para a pesquisafoi 68, conforme Tabelas 2, 3 e 4.

    8O reconhecimento de que algumas decises somente foram obtidas a partir de referncias cruzadas, e no direta-mente pelos resultados da chave de busca, demonstra que se faz necessria alguma relativizao dos resultados cons-tantes da tabela, pois que, dadas as limitaes do site de busca jurisprudencial, no h como se afirmar categorica-mente que os dados encontrados correspondam totalidade dos julgados existentes em matria ambiental, embora seacredite que confiram umaproxyconfivel das matrias mais debatidas pelo STF relativamente a questes ambientais.9Foram expressamente excludas do estudo as decises relativas a crimes ambientais, inclusive as que discutem com-

    petncia para processar e julgar aes penais em matria ambiental, em razo das especificidades do direito penal.

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    3.

    Resultados Quantitativos

    A Tabela 2 a seguir relaciona os tipos de aes julgadas no Supremo Tribunal Federal e aquantidade de acrdos encontrados para cada espcie de ao. Esto aqui includas as aes men-

    cionadas na linha cruzamento de dados da Tabela 1. Apesar de a Tabela 1 apresentar umaquantidade total de acrdos maior do que a Tabela 2, muitos deles repetiam-se em outra chavede busca. Assim, no quadro abaixo foram contabilizados os acrdos singularmente, isto , umanica vez, desconsiderando-se a quantidade de vezes em que se repetiam. A seguir, na Tabela 3,classificaram-se as aes movidas pelos Estados da Federao de sua origem e, na Tabela 4, apre-senta-se a ordenao dos acrdos encontrados na classificao final para o presente artigo, queservir de base para a anlise qualitativa a seguir realizada.

    Tabela 2 Tipos de Ao

    Tipos de Aes N de AcrdosAo Direta de

    Inconstitucionalidade22

    Reclamao 1Outros (MS, RE, Agravos e

    ACO)45

    Total 68

    Tabela 3 Aes por Estado de Origem

    Estados N de Aes JulgadasRio de Janeiro 4

    So Paulo 9

    Esprito Santo 2

    Minas Gerais 6

    Rio Grande do Sul 8

    Santa Catarina 7

    Paran 5

    Mato Grosso do Sul 2

    Distrito Federal 17

    Par 1

    Rondnia 1

    Cear 1

    Bahia 1

    Alagoas 1

    Amap 1

    Pernambuco 1

    Unio 1

    Total 68

    Tabela 4 Casos por Assunto

    Classificaes Acrdos

    Competncia Legislativa 16

    Competncia Administrativa(poder regulamentar e fiscalizao)

    16

    Licenciamento 6

    Tributao e Meio Ambiente 22

    Crueldade contra os Animais 4

    Compensao Ambiental 1

    Criao de rea ambientalmente

    protegida e direito de indenizao

    3

    Total 68

    Assim, aps esse exerccio, comentamos abaixo as principais decises do STF em matriaambiental, agora organizadas nas novas classificaes.

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    4.

    Anlise das Decises

    Aps mencionarmos o universo de decises que foram encontradas em nossa pesquisa,passamos a comentar, a seguir, as matrias que foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal,

    lembrando que nossa pesquisa limitou-se aos casos julgados aps a promulgao da Constituiode 1988.

    4.1.

    Competncia em Matria Ambiental

    A pesquisa realizada demonstrou que o STF j decidiu, em algumas ocasies, importan-tes questes sobre competncias legislativas e executivas em sede ambiental, apresentamos na se-o seguinte. Alm dos casos a seguir, informamos ainda a existncia da ADI 1516, relatada peloMinistro Sydney Sanches, a qual foi ajuizada em face da Medida Provisria 1.511/1996, que deunova redao ao art. 44 do Cdigo Florestal e disps sobre a proibio do incremento da conver-

    so de reas florestais em reas agrcolas na regio Norte e na parte norte da regio Centro-Oeste.O impetrante sustentou que a Medida era inconstitucional por violar o art. 62 da CF/88, nopreenchendo os requisitos de relevncia e urgncia, e tambm por alterar o Cdigo Florestal, oque s poderia ser feito por lei complementar. O STF considerou que da competncia do Presi-dente da Repblica e do Congresso Nacional a avaliao subjetiva da urgncia na edio de Me-dida Provisria. Entendeu a Corte que o artigo 225, 4 da CF/88 no exige lei complementarpara alteraes no Cdigo Florestal, ao menos concernentes Floresta Amaznica, mas sim leiordinria, cuja matria pode ser tratada em Medida Provisria, como dispe o art. 62 da Consti-tuio. Por fim, o Tribunal concluiu que o perigo maior estaria no deferimento da cautelar, poispoderia tornar irreparveis os danos que a Medida Provisria visou a evitar. Por isso, indeferiu acautelar em ao direta de inconstitucionalidade. No entanto, tendo em vista que no se trata decaso que discuta diviso federativa de competncias nem poder regulamentar e exerccio de com-petncia administrativa, esta deciso est sendo aqui mencionada em separado.

    4.1.1. Competncia Legislativa em Matria Ambiental

    De acordo com o artigo 24 da Constituio Federal, a competncia legislativa em mat-ria ambiental concorrente, cabendo Unio Federal dispor sobre normas gerais e aos estados eao Distrito Federal, complementar essas normas. Dessa forma, podem os entes federativos legislar

    concorrentemente sobre: florestas, caa, pesca, fauna, conservao da natureza, defesa do solo edos recursos naturais, proteo do meio ambiente e controle da poluio (inciso VI); proteoao patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico (inciso VII); e responsabilida-de por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artstico, esttico, hist-rico, turstico e paisagstico (inciso VIII) (Granziera, 2009, p. 81).

    O 3odo artigo 24 da CF/88, autoriza o Estado-membro a exercer plenamente a com-petncia legislativa quando no houver norma federal tratando do assunto, mas informa que asupervenincia de lei federal sobre normas gerais suspende a eficcia da lei estadual no que lhe forcontrrio (4). Paulo Affonso Leme Machado (2008) esclarece que essa competncia plena sofrelimitao qualitativa e temporal, pois a norma estadual no pode exorbitar da peculiaridade ou

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    do interesse prprio do Estado e ter que se ajustar ao disposto em norma federal superveniente(p. 111).

    Apesar de no estar expressamente previsto na Constituio Federal, a doutrina admiteque os municpios possam legislar sobre meio ambiente, tendo em vista que o artigo 30, I e II da

    Carta Magna conferiu-lhes competncia sobre assuntos de interesse local e para suplementar alegislao federal e a estadual no que couber (Milar, 2007, p. 182).10Assim, percebe-se que a Unio Federal exerce um papel preponderante no que tange

    elaborao das diretrizes gerais de legislao ambiental face ao poder normativo de estados e mu-nicpios, o que poder acarretar questes relevantes quando ela for omissa em seu dever de legislar(Antunes, 2007, pp. 104 e 105), permitindo que os estados e municpios legislem primeiramentesobre um determinado assunto, ou seja, ocupem o espao deixado pela ausncia de normal geral.O problema de eventual falta de coordenao surgir, posteriormente, quando a Unio Federalresolver normatizar determinada matria.

    Haver, ento, que se fazer um juzo de adequao entre as normas estaduais e munici-

    pais com a federal, de acordo com o que dispem os artigo 24, 4, e 30 da CF/88.Um exemplo dessa complexidade reside na normatizao sobre resduos slidos. A au-sncia de uma norma geral por dcadas fez com que os estados e at mesmo alguns municpioslegislassem sobre essa matria. Posteriormente, a edio da lei que aprovou a Poltica Nacional deResduos Slidos (Lei n. 12.305/10), vem a exigir adequao dos dispositivos para proporcionarsegurana jurdica aos afetados pela coexistncia de normas em diferentes esferas da federao.Trata-se, portanto, de um assunto que certamente requerer pronunciamentos do STF sobre di-versos conflitos j vislumbrados na prtica e que no se resolvem pela teoria geral.11

    Passamos, ento, a comentar os julgados que discutiram o tema da competncia legislati-va em matria ambiental.

    4.1.1.1.

    Legislao Ambiental e Autonomia dos Municpios

    Caloroso debate acerca da diviso constitucional de competncias em matria legislativaambiental foi travado no julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade ADI 2.142-7,

    10No mesmo sentido, o posicionamento de Antnio Beltro (2008): Apesar de no existir previso de competncialegislativa concorrente para o municpio, tem-se admitido que houvesse competncia suplementar caso esteja caracte-rizado o interesse local. De fato, a tutela ao ambiente encontra-se inevitavelmente inserida na competncia constitu-

    cional atribuda aos municpios de promoo do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e contro-le do uso, parcelamento e ocupao do solo urbano (art. 30, VIII), bem como para a elaborao da Poltica de Desen-volvimento Urbano e do Plano Diretor (art. 182). (p. 70).11Um exemplo de potencial conflito sobre a matria pode ser observado na seguinte situao: a Lei Municipal n.13.316 de 2008, da cidade de So Paulo, que dispe sobre a coleta, destinao final e reutilizao de embalagens,garrafas plsticas e pneus, determina que as empresas devem recolher 50% de suas embalagens no perodo de um anoaps a publicao da lei; 75%, em dois anos; e 90% em trs anos. Em contrapartida, a PNRS no determina prazos eprev que as metas sejam fixadas em acordo setorial por todos os envolvidos. Deve ento a empresa cumprir com asporcentagens e prazos estabelecidos pela lei paulista ou aguardar a fixao das metas no mbito federal? a lei paulistamais restritiva? Ser possvel um juzo desta natureza sem antes conhecer as porcentagens e prazos fixados pela regu-lamentao federal? Enquanto aguarda-se a deliberao federal, fica suspensa a exigibilidade do comando normativo

    estadual?

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    ajuizada pelo Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PMDB, da qual foi relator o Mi-nistro Moreira Alves.

    O autor arguia, no caso, a inconstitucionalidade do artigo 264 da Constituio do Esta-do do Cear, cujo caputdispe que qualquer obra ou atividade pblica ou privada, para as quais

    a Superintendncia Estadual do Meio Ambiente SEMACE exigir Estudo de Impacto Ambien-tal, dever ter o parecer tcnico apreciado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente COEMA,com a publicao da resoluo, aprovada ou no, publicada no Dirio Oficial do Estado. 12Sus-tentou-se violao autonomia do municpio de Fortaleza em legislar sobre meio ambiente, cons-titucionalmente protegida pelos artigos 24, inciso VI, e 30, inciso I, ambos da CF/88, dentre ou-tras violaes prpria Constituio do estado do Cear. A insurgncia especfica do requerenteera a de ter que submeter obras e atividades de impacto local e, portanto, de competncia do mu-nicpio, apreciao do Conselho Estadual do Meio Ambiente.

    A Suprema Corte no acolheu o argumento, tendo decidido que essa competncia espe-cfica do municpio para legislar sobre assuntos de interesse local no afastava a competncia legis-

    lativa concorrente do estado-membro, e a proteo ao meio ambiente transcenderia o interessepuramente local.13O julgado reconheceu que a norma da Constituio cearense estava em con-formidade com a Constituio Federal, tendo sido utilizado como argumento o prprio artigo 24,inciso VI, da Magna Carta.

    4.1.1.2.

    Dispensa de EIA por Dispositivo de Constituio Estadual

    Na ADI 1.086-7 de 07/06/2001, proposta pelo Procurador-Geral da Repblica e de re-latoria do Ministro Ilmar Galvo, observou-se uma discusso interessante acerca da competnciasupletiva dos estados-membros para legislar sobre proteo do meio ambiente, tendo como pontode partida o questionamento quanto constitucionalidade do artigo 182, 3, da Constituio doestado de Santa Catarina, que dispensava o Estudo de Impacto Ambiental EIA para reas flo-restadas ou objeto de reflorestamento.14 O acrdo deferiu o pedido de medida cautelar parasuspender, at a deciso final da ao, a eficcia do referido dispositivo.

    12Julgado em 09.11.2000. O art. 264 da Constituio cearense possui ainda dois pargrafos, com a seguinte redao:1 - A lei estabelecer os tipos de obra ou atividades que podem ser potencialmente causadoras de significante de-gradao do meio ambiente e/ou que comportem risco vida e qualidade de vida, e dispor sobre o Conselho Esta-dual do Meio Ambiente, rgo subordinado diretamente ao Governador do Estado, em que garantida a participa-

    o da comunidade atravs das entidades representativas de classe de profissionais de nvel superior das reas de enge-nharia, arquitetura, agronomia, biologia, medicina e direito. 2 - S ser licitada, aprovada ou executada a obra ouatividade, cujo relatrio conclusivo de estudo prvio de que trata o caput deste artigo, apreciado pelo Conselho Esta-dual do Meio Ambiente, for favorvel licitao, aprovao ou execuo.13Nessa deciso foi abordada ainda a diviso de competncias em matria ambiental entre os Poderes Legislativo eExecutivo. Cabe, assim, ao Legislativo Estadual estabelecer a norma abstrata, sobre quais so as atividades que podemcausar dano ao meio ambiente, para que os rgos do Executivo Estadual possam apreciar os casos especficos.14Art. 182 - Incumbe ao Estado, na forma da lei: V - exigir, para instalao de obra ou atividade potencialmentecausadora de significativa degradao do meio ambiente, estudos prvios de impacto ambiental, a que se dar publi-cidade; 3 - O disposto no inciso V no se aplica s reas florestadas ou objetos de reflorestamento para fins empresa-riais, devendo ser inseridas normas disciplinando sua explorao, no plano de manejo sustentado, visando manuten-

    o da qualidade ambiental.

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    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    O embate travado dizia respeito obrigao contida no artigo 225, 1, inciso IV, daCF/88, dirigida ao Poder Pblico, de exigir estudo prvio de impacto ambiental para obras e ati-vidades que tenham o potencial de causar significativo impacto ambiental. O artigo 182, inciso V,da Constituio do estado de Santa Catarina repetia a exigncia constitucional, mas excetuava em

    seu 3 as reas florestadas ou objeto de reflorestamento para fins empresariais. O requerido sus-tentou que o estado agia dentro dos limites do artigo 24, inciso VI, da CF/88. O requerente, porsua vez, alegou que o Estado extrapolava os limites da competncia concorrente contida no mes-mo artigo 24, mas no 2, da CF/88. Era, pois, segundo o requerente, hiptese de contrariedadee no de suplementaridade. Portanto, inconstitucional.

    Na anlise do caso, o acrdo acolheu o pedido do requerente para declarar a inconstitu-cionalidade. Foram 3 (trs) as razes do julgado: 1) no poderia a Constituio do estado de SantaCatarina afastar de plano uma atividade que pode ser potencialmente causadora de significativadegradao ambiental, como a de reflorestamento, sem uma anlise do rgo ambiental compe-tente; 2) pelo fato de as regras acerca do reflorestamento versarem sobre conservao da natureza e

    proteo da natureza, essas seriam normas de contedo geral e, assim, de competncia exclusiva daUnio, conforme consta do artigo 24, 1, da CF/88; e 3) pela natureza da matria e como coro-lrio do segundo argumento, no seria matria de peculiaridade local a justificar a aplicao dacompetncia concorrente plena prevista pelo artigo 24, 3, da CF/88.15

    O Ministro Seplveda Pertence, durante o julgamento, sustentou que o estado-membro,dentro de sua competncia legislativa concorrente, poderia criar formas mais rgidas de controle,mas no mais flexveis.16Essa orientao parece ser destacada como a capaz de produzir um crit-rio lgico-racional para interpretao do significado da suplementaridade prevista no artigo 24, 2, da CF/88. Corroborando a premissa destacada pelo Ministro Seplveda Pertence, de que su-plementar seria tornar mais restrito, o mesmo raciocnio foi articulado pelo Ministro Carlos Vel-

    loso, relator do AgR no recurso extraordinrio 396.541-7 de 14/06/2005, quando declarou que acompetncia conferida ao municpio para legislar sobre meio ambiente s seria legtima se, noexerccio dessa prerrogativa, estabelecesse normas capazes de aperfeioar a proteo ecologia, masno para flexibiliz-la.

    15Art. 225, 1 [...] incumbe ao poder pblico: IV- exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a quese dar publicidade.16Merece meno ainda que a competncia e autonomia dos Estados-membros para legislar sobre matria ambientalforam tambm preservadas no julgamento da ADI 2303, em que o STF decidiu que seria inconstitucional a subordi-nao, por lei estadual, do Estado-membro lei federal especfica em matria ambiental. A ementa do julgado teve aseguinte redao: ALIMENTOS TRANSGNICOS. COMPETNCIA CONCORRENTE DO ESTADO-MEMBRO. LEI ESTADUAL QUE MANDA OBSERVAR A LEGISLAO FEDERAL. 1. Entendimento venci-do do Relator de que o diploma legal impugnado no afasta a competncia concorrente do Estado-membro paralegislar sobre produtos transgnicos, inclusive, ao estabelecer, malgrado superfetao, acerca da obrigatoriedade daobservncia da legislao federal. 2. Prevalncia do voto da maioria que entendeu ser a norma atentatria autonomiado Estado quando submete, indevidamente, competncia da Unio, matria de que pode dispor. Cautelar deferida(ADI 2303 MC, j. em 23/11/2000). O Supremo tambm ressaltou que a competncia concorrente dos estados emunicpios supletiva da Unio, de forma que lhes vedado editar norma menos protetiva ao meio ambiente, na

    deciso RE 474.922 AgR, j. em 27/11/2012.

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    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    4.1.1.3.

    Competncia Legislativa Estadual sobre Fabricao e Comer-cializao de Produtos

    Ainda sobre a mesma matria, no julgamento da ADI 2.396-9 de 26/09/2001, ajuizada

    pelo governador do estado de Gois e relatada pela Ministra Ellen Gracie, discutiu-se a constitu-cionalidade da Lei n. 2.210/2001 do estado do Mato Grosso do Sul, que veda a fabricao, in-gresso, comercializao e estocagem de amianto ou de produtos base de amianto. Em razo dodisposto na Lei Federal n. 9.055/1995, que permite a utilizao e comercializao do asbestobranco e probe a do asbesto marrom e amianto azul, insurgiu-se o requerente, maior produtornacional de amianto, contra proibio extensiva promovida pela lei estadual sul mato-grossense.

    A insurgncia do requerente, contudo, apesar de no estar fundamentada no artigo 24,da CF/88, foi confirmada pelo STF com base nesse mesmo dispositivo. Entendeu a Relatora quesendo possvel a este Supremo Tribunal, pelos fatos narrados na inicial, verificar a ocorrncia deagresso a outros dispositivos constitucionais que no os indicados na inicial, encontro inconsis-

    tncia do texto da legislao estadual com a Constituio ao analis-lo sob a ptica da repartiodas competncias legislativas, tal como definida nos artigos 22 e 24 da Carta Maior. 17Ainda quepor violao constitucional diversa da alegada, o STF confirmou a inconstitucionalidade da lei doMato Grosso do Sul.

    O Tribunal concluiu que referida lei feria o artigo 24 da Constituio da Repblica,tendo o estado excedido sua competncia concorrente para legislar sobre proteo do meio ambi-ente e controle da poluio. A Corte entendeu que o estado tem competncia para legislar nosvazios da lei federal18e, no caso, j existia lei federal que fixava os princpios gerais para a produ-o e comercializao de amianto (9.055/199519). Desse modo, a lei impugnada fugia da finalida-de atribuda pela Constituio Federal ao poder legislativo concorrente dos estados em matriaambiental, pois no haveria lacuna a ser preenchida pela legislao estadual. 20Importante destacarque, no presente caso, no se tratou de tornar mais rgido comando federal, mas de ser confrontocom autorizao normativa expressa contida em lei federal. Talvez o resultado tivesse sido outro sea lei federal proibisse o asbesto marrom e o amianto azul e nada mencionasse a respeito do asbestobranco.

    Em outra ocasio, a Confederao Nacional da Indstria CNI e a Confederao Naci-onal da Agricultura CNA21questionaram a constitucionalidade de lei estadual que proibira oplantio de eucalipto com fins de produo de celulose (ADI n. 2.623-2). Ao julgarem a lei esta-dual inconstitucional, entenderam os Ministros que se tratava de regra discriminatria, pois ende-

    reada a uma nica empresa (Aracruz Celulose) e que, portanto, afrontava a razoabilidade e a

    17ADI 2.396/MS, STF, Pleno, j. 08/mai./2003, D.J. 1/ago./2003, p. 7224.18Nesse mesmo sentido decidiu a Segunda Turma, quando afirmou que o Estado de Minas Gerais poderia promul-gar lei fixando infraes administrativas no previstas em lei federal, pois estaria exercendo sua competncia concor-rente supletiva, na deciso AI 856.768 AgR, j. em 16/10/2012.19Lei 9055/95. Disciplina a extrao, industrializao, utilizao, comercializao e transporte do asbesto/amianto edos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais, de qualquer origem, utilizadas para omesmo fim e d outras providncias.20A Corte decidiu de maneira similar no julgamento da ADI 2656, em 08.05.2003.21Confederao Nacional da Indstria CNI e Confederao Nacional da Agricultura CNA v. Assembleia Legisla-

    tiva do Estado do Esprito Santo ADI n. 2.623-2/ES, STF, Pleno, j. 06/jun./2002, D.J. 14/nov./2003.

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    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    proporcionalidade ao legislar de forma discriminatria sobre direito de propriedade. Decidiram,ainda, tratar-se de tema de direito civil, de competncia privativa da Unio, de modo que noseria o caso de aceitar a competncia concorrente suplementar em matria de meio ambiente.Trata-se de outro caso em que, ao invs de restringir, a lei estadual, na prtica, impedia o desem-

    penho de certa atividade econmica, o que o STF no tem permitido, na linha do citado prece-dente acerca do asbesto branco acima apresentado.

    4.1.1.4. Exigncia de Cadastramento de Produtos por Lei Estadual

    No caso Associao Brasileira das Indstrias de Produtos de Limpeza e Afins ABIPLAv. Fundao Estadual de Proteo Ambiental FEPAM, a Ministra-Relatora do Recurso Extraor-dinrio n. 286.789-6, de 08/mar./2005, Ellen Gracie, confirmou a constitucionalidade da Leiestadual n. 7.747/1982 do Rio Grande do Sul. A ABIPLA insurgia-se contra exigncia de cadastrode produtos saneantes e domissanitrios em rgo estadual, estipulada por lei estadual. Sustentou,

    entre outras violaes constitucionais, a transgresso ao artigo 24, da CF/88, sob o argumento deque a legislao federal j havia disposto sobre vigilncia sanitria e sobre a produo e comerciali-zao de agrotxicos, seus componentes e afins. O estado estaria, portanto, impedido de legislarsobre a matria (artigo 24, 1, da CF/88). O acrdo decidiu pela constitucionalidade da leiestadual.

    Nas razes do voto, entendeu a Ministra-relatora que a Constituio atual reforou aparticipao dos estados na fiscalizao ambiental, no caso, no que concerne ao uso de agrotxi-cos, biocidas e produtos saneantes domissanitrios. A Ministra citou a Lei Federal n.7.802/198922, na qual esto dispostas as normas que delegam aos Estados, Municpios e DistritoFederal o poder de legislar sobre a matria e fiscalizar o uso deste tipo de produto. Constou do

    acrdo que [a] lei em comento [...] foi editada no exerccio da competncia supletiva conferidano pargrafo nico do artigo 8 da CF/69 para os Estados legislarem sobre proteo sade. Estaatribuio, por fora do inciso XII do art. 24 da CF/88, permanece dividida entre Estados, Distri-to Federal e Unio Federal, cabendo a esta estabelecer normas gerais. 23A norma teria sido exara-da, portanto, dentro dos limites da competncia estadual, pois apenas estabelecia cadastro prpriopara facilitar a fiscalizao destes produtos, no invadindo, assim, a competncia federal.24Est,ento, de acordo com a orientao que vem sendo extrada dos acrdos supramencionados, nosentido de interpretar a suplementao da lei estadual como abertura para conferncia de maiorrigidez nos parmetros de proteo legal ao meio ambiente.

    22A lei 7802/99 dispe sobre a pesquisa, a experimentao, a produo, a embalagem e rotulagem, o transporte, oarmazenamento, a comercializao, a propaganda comercial, a utilizao, a importao, a exportao, o destino finaldos resduos e embalagens, o registro, a classificao, o controle, a inspeo e a fiscalizao de agrotxicos, seus com-ponentes e afins, e d outras providncias.23Associao Brasileira das Indstrias de Produtos de Limpeza - ABIPLA v. Fundao Estadual de Proteo Ambien-tal - FEPAM, RE n. 286.789-6//RS, STF, 2 Turma, j. 08/mar./2005, D.J. 08/abr./2005, p. 451.24O Tribunal ainda entendeu que a Lei Estadual que exigia o prvio cadastramento de produto agrotxico ou biocidano Departamento do Meio Ambiente da Secretaria de Sade do Rio Grande do Sul, pois isso possibilita o exercciodo poder de polcia do Estado (Sandoz S/A v. Estado do Rio Grande do Sul, AI 158.479 AgR/RS, STF, 2 Turma, j.

    13/02/1996, D.J. 26/04/1996.

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    4.1.1.5.

    Criao de Programa de Inspeo Veicular por Lei Distrital

    Na Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 3.338-7, proposta pelo Procurador-Geral daRepblica, o principal debate consistiu em averiguar se a lei impugnada (de n. 3.460/2004 do

    Distrito Federal), que criara o Programa de Inspeo e Manuteno de Veculos em Uso no Dis-trito Federal, versaria sobre matria de trnsito ou de meio ambiente.25Alegava o requerente se tratar de matria de trnsito e, assim, de competncia privativa

    da Unio, a teor do que dispe o artigo 22, inciso XI, da CF/88. O governador do DF, por outrolado, aduzia ser matria relativa competncia de gesto para proteo do meio ambiente e, por-tanto, de competncia comum, prevista no artigo 23, inciso VI, da CF/88. A Cmara Legislativado DF alegou se tratar de matria de educao para a segurana do trnsito e, assim, tambm decompetncia comum, a teor do que dispe o artigo 23, inciso XII, da CF/88.

    Embora as partes tenham levado a controvrsia para o campo da competncia adminis-trativa prevista no artigo 23, da CF/88, ao final, o Tribunal terminou por apreciar a questo sob o

    prisma da competncia legislativa concorrente sobre meio ambiente, contida no artigo 24, incisoIV, da CF/88. Entendeu-se, por maioria, que a lei disciplinava o tema do meio ambiente, pois seuobjetivo seria atuar na rea do controle da poluio, no plano da emisso de gases e rudos, demodo que se apresentava constitucional, nos termos do art. 24, inciso, VI, e 2, da CF/88. Em-bora no tenha havido manifestao expressa sobre o critrio da suplementaridade como lei maisrestrita, conforme houve em casos anteriores e citados acima, a orientao implcita contida nadeciso deste caso justamente esta. Aceitou-se que o Distrito Federal legislasse de forma maisrestritiva sobre o exerccio do poder de polcia ambiental em matria de inspeo veicular paracontrole de emisso de gases poluentes.

    4.1.1.6.

    Vedao de Cultivo e Comercializao de Organismos Gene-ticamente Modificados por Lei Estadual

    Outro tema de relevncia para o esclarecimento da competncia legislativa concorrenteem matria ambiental debatido no Supremo Tribunal Federal consistiu em controvrsia envol-vendo organismos geneticamente modificados.

    25Lei 3.460/2004- DF: Art. 1- Fica institudo o Programa de Inspeo e Manuteno de Veculos em Uso no Dis-trito Federal, em cumprimento do disposto nos artigos 24, 25, 104 e 131 do Cdigo de Trnsito Brasileiro [...] e dasResolues do CONAMA [...] Art. 2- A inspeo e a certificao de veculos da frota licenciada no Distrito Federalsero obrigatrias e devem ser feitas anualmente, num perodo anterior mximo de noventa dias da data limite para olicenciamento anual de veculos. Pargrafo nico- A definio da frota-alvo a ser inspecionada ser feita pelo Plano deControle e Poluio de Veculos em Uso, mencionado no art. 1 desta Lei. Art. 3. O rgo ambiental do DistritoFederal poder fixar a cobrana de percentual de at 15% das tarifas cobradas pelo concessionrio, a ser destinada afundos ou a despesas para a preservao e proteo ao meio-ambiente e/ou para cobertura dos custos decorrentes daimplementao do Programa institudo por esta lei. Art. 4 Compete aos agentes ambientais e de trnsito do DistritoFederal exercer a fiscalizao e proceder a autuao dos veculos que estejam em desacordo com as exigncias do Pro-

    grama definido nesta Lei. [...].

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    Na ADI 303526, ajuizada pelo Partido da Frente Liberal, o requerente pretendia que fos-se declarada a inconstitucionalidade da lei estadual paranaense n. 14.162/2003 que vedava o cul-tivo, a manipulao, a importao, a industrializao e a comercializao de organismos genetica-mente modificados. Dentre os dispositivos supostamente violados estaria, segundo o requerente, o

    artigo 24, incisos V, VI e XII, da CF/88, pois o estado do Paran estaria violando a competncialegislativa concorrente em matria ambiental, editando norma contrria (e no suplementar) legislao federal, qual seja, a Medida Provisria 131/2003 e a Lei n. 8.974/95. A Corte julgouprocedente a ao para declarar a lei estadual inconstitucional.

    Nas razes da deciso, sustentou o Ministro Relator que j existia Lei Federal, de n.8.974/1995 (revogada), a qual estabelecia normas de segurana e mecanismos de fiscalizao nouso das tcnicas de engenharia gentica na construo, cultivo, manipulao, transporte, comerci-alizao, consumo, liberao e descarte de OGMs, visando proteger a vida e a sade dos sereshumanos, animais e plantas, bem como o meio ambiente. A Corte observou que a lei federal apre-senta condies restritivas, mas no uma vedao absoluta, como pretendia a lei estadual. Portan-

    to, no seria o caso do exerccio de competncia concorrente suplementar prevista no artigo 24, 2, da CF/88, mas sim de contrariedade ao disposto em norma geral. A ao normativa do estadodo Paran seria contrria ao disposto no mesmo artigo 24, 1, da CF/88.

    A orientao dada neste julgado foi similar ao caso do amianto anteriormente mencio-nado. No se tratava de lei mais restrita, mas de lei contrria ao que estava estabelecido em normafederal.

    4.1.1.7.

    Legislao Estadual em Matria Nuclear

    Neste julgado discutiu-se a competncia federal frente estadual para legislar sobre ati-

    vidades do setor nuclear. O governador do estado de So Paulo ajuizou Ao Direta de Inconsti-tucionalidade27em face da Lei Estadual paulista n. 6.263/1988, que estabelecia medidas de polciasanitria para o setor de energia nuclear no territrio do estado, a serem realizadas por um Conse-lho Estadual. O requerente alegou violao competncia privativa da Unio Federal para legislarsobre matria nuclear, conforme os artigos constitucionais 21, XXIII, alneas a, be c; 22, XII e

    XXVI e seu pargrafo nico; 49, XI; 177, V e 2; e 225, 6.A Assembleia Legislativa de So Paulo, por sua vez, defendeu a constitucionalidade da

    lei, sustentando ser competncia de todos os entes federativos legislar sobre (art. 24, XII) e cuidarda (art.23, II) sade pblica, proteger o meio ambiente (art. 23, VI) e acompanhar e fiscalizar asconcesses de direitos de pesquisa e explorao de recursos minerais em seus territrios (art. 23,

    XI). A Advocacia-Geral da Unio alegou que a lei obedecia a princpios constitucionais gerais,como a sade, o bem-estar e a proteo do meio ambiente.

    O voto do Ministro Relator Joaquim Barbosa ressaltou que a lei tem carter de proteo populao e ao meio ambiente e, ainda, demonstraria o intuito de impedir eventual exerccioirregular ou perigoso de atividades nucleares. No obstante, o relator reconheceu a inconstitucio-

    26Partido da Frente Liberal PFL v. Governador do Estado do Paran e Assembleia Legislativa do Estado do Paran,

    ADI n. 3.035-3/PR, STF, Pleno, j. 06/abr./2005, D.J. 14/out./2005.27Governador do Estado de So Paulo v. Assembleia Legislativa do Estado de So Paulo ADI n. 1.575/SP, STF, Ple-

    no, j. 07/04/2010, D.J. 10/06/2010.

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    nalidade da norma, entendendo que a norma estadual invadiu a competncia privativa da Uniopara legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza e sobre a sua fiscalizao.

    O Ministro Marco Aurlio pediu vnia para votar no sentido de admitir a autonomianormativa do estado, sob a justificativa de que a norma impugnada versaria sobre sade, preserva-

    o do meio ambiente e segurana da populao, matrias de competncia legislativa concorrenteda Unio e dos estados. Discordou do Ministro-Relator de que a norma impugnada versaria sobrea pesquisa e explorao de energia nuclear. Votaram no mesmo sentido os Ministros Carlos AyresBritto e Marco Aurlio.

    Por outro lado, acompanharam o voto do relator os Ministros Cezar Peluso, RicardoLewandowski e Crmen Lcia. A Ministra Crmen Lcia trouxe ao julgamento o Decreto2.210/1997, que estabelece caber Unio, no campo da proteo ao programa nuclear, legislarsobre segurana, sade e proteo ao meio ambiente. O Ministro Lewandowski argumentou que aquesto nuclear poltica de estado, que repercute na estratgia militar e na poltica do exterior.

    Assim, por maioria de votos nos termos do voto do Relator, ficou entendido neste acr-

    do que a ao direta era procedente e a Lei Estadual, portanto, inconstitucional.

    4.1.2.Competncia Administrativa e Poder Regulamentar em MatriaAmbiental

    Em matria ambiental, a competncia administrativa dos entes federados comum, a te-or do artigo 23, da CF/88. Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado (2008) observa que refe-rido dispositivo constitucional deve ser aplicado observando-se tambm o art. 18 da Carta Mag-na28, que estabelece a autonomia dos entes federativos. O autor esclarece ainda que essa autono-mia deve ensejar que o municpio tenha ou possa ter sistemas de atuao administrativa no se-melhantes ou desiguais aos vigentes nos estados. Os estados, por sua vez, podero ter tambm suaorganizao administrativa ambiental diferente do Governo Federal (p. 114). Desse modo, cadaesfera da federao organizar administrativamente seus rgos pblicos para atuar nas matriasambientais, com o grau de autonomia conferido pelo artigo 23 c/c artigo 18, ambos da CF/88.

    Assim, a Unio Federal, os estados e os municpios devem, no exerccio dessa competn-cia administrativa comum, implementar diretrizes, polticas e preceitos em relao ao meio ambi-ente. Frise-se que as Administraes Pblicas federal, estadual e municipal ambiental esto nomesmo plano hierrquico (Antunes, 2007, p. 103).

    A maior parte dos casos discutidos no mbito do STF, todavia, volta-se menos a discus-

    ses relacionadas a eventuais conflitos de competncia no exerccio de competncia fiscalizatria,mas antes abordam o tema da extenso e limites do poder regulamentar da Administrao Pbli-ca, nas trs esferas, em matria ambiental.

    28CF/88 Art. 18. A organizao poltico-administrativa da Repblica Federativa do Brasil compreende a Unio, os

    Estados, o Distrito Federal e os Municpios, todos autnomos nos termos desta Constituio.

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    4.1.2.1.

    Proibio de Explorao de Floresta Nativa da Mata Atlnticapor Decreto

    Na ADI/MC 487-5, ajuizada pela CNI e relatada pelo Ministro Octavio Gallotti, insur-

    giu-se a requerente contra a proibio, por tempo indeterminado, do corte da explorao da vege-tao nativa da Mata Atlntica. Referida proibio fora instituda por meio do Decreto n.99.597/90, que visava regulamentar o artigo 225, 4, da CF/88. O dispositivo constitucionalem comento declarou como sendo patrimnio nacional a rea abrangida pela Mata Atlntica.

    A questo jurdica posta perante o STF consistia em se a referida regulamentao poderiaser realizada por meio de decreto ou se, pelo contrrio, exigiria lei em sentido formal diante dotexto do artigo 225, 4, da CF/88, que admite a utilizao do patrimnio nacional, na formada lei e dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente. 29

    Por se tratar de medida cautelar, o Tribunal foi instado a se manifestar sobre se haveria,no caso, periculum in mora a justificar a pretenso da suspenso liminar da eficcia do artigo 1

    do decreto regulamentador (99.547/90). A questo, apesar de aparentemente simples, suscitoudebate acalorado entre os Ministros, que, ao final, entenderam no estar presente o perigo da de-mora que justificasse a suspenso liminar do poder regulamentador exercido pela Unio por meiode decreto.30Em 09/ago./1997, a ao perdeu o objeto em razo da entrada em vigor do Decreton. 750/93 (atualmente j superado pela Lei n. 11.428/2006), que disps sobre o corte, a explora-o e a supresso de vegetao primria ou nos estgios avanado e mdio de regenerao da Mata

    Atlntica. Todavia, pelo teor da fundamentao dos votos na deciso da Medida Cautelar, o jul-gado em questo constituiu importante precedente sobre o poder regulamentar do Poder Executi-vo em matria ambiental. provvel, pelos fundamentos expostos no acrdo da Medida Caute-lar, que a proibio do corte de vegetao nativa de Mata Atlntica por meio do artigo 1, do De-creto n. 99.547/90, fosse derrubada no mrito. Afinal, consta, de fato, do artigo 225, 4, daCF/88, a exigncia de lei em sentido formal como instrumento para normatizao da utilizaodas reas compreendidas como patrimnio nacional. E essa premissa constou da racionalidade dosvotos examinados.

    4.1.2.2. Limitaes a Atividade de Garimpo em Serra Pelada por Atodo Presidente da Repblica

    No julgamento do Mandado de Segurana n. 21.401, Cooperativa de Minerao dos

    Garimpeiros de Serra Pelada COOMIGASP v. presidente da Repblica, relatado pelo Ministro

    29 CF/88. Art. 225, 4. A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condiesque assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.30Os votos vencedores seguiram uma racionalidade que ficou explicada por trecho do voto do Ministro Clio Borja,no seguinte sentido: [o]bservo, tambm, que no ficam essas reas totalmente desprotegidas, primeiro, porque existeuma autoridade administrativa capaz de por cobro ao abuso, com o poder de polcia que, a meu ver, est bastanteelastecido pelo que diz o 4 da Constituio, e pelo que diz o art. 25 em todas as suas proposies. ConfederaoNacional da Indstria - CNI v. Presidente da Repblica, ADI (Medida Cautelar) n. 487-5/DF, STF, Pleno, j.

    09/mai./1991, D.J. 11/abr./1997, p. 78.

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    Nri da Silveira, o STF foi instado a se manifestar sobre a possibilidade de regulamentao daatividade minerria em Serra Pelada. O impetrante alegava ter direito lquido e certo ao exerccioda atividade de minerao na regio sem limitaes, restries ou prazos. O impetrado, por suavez, alegava que o direito ao exerccio da atividade de minerao era suscetvel de restries regu-

    lamentares para adequao a preceitos constitucionais de proteo ambiental, dentre outros.Para evitar impactos sociais drsticos que poderiam ocorrer em face de uma proibiosbita das atividades de minerao em Serra Pelada, o governo federal vinha, por sucessivos decre-tos, prorrogando o prazo permitido para a atividade de garimpo na rea. Mesmo diante da escas-sez de ouro em Serra Pelada, resultado de anos de intensiva explorao minerria, muitos indiv-duos ainda mantinham e dependiam da atividade de garimpo na regio, ainda que em condiesambientais e de sade bastante precrias.

    Visando amenizar os impactos ambientais da extino da atividade garimpeira, sucessi-vos decretos vinham prorrogando o prazo para o encerramento das atividades aps o advento daConstituio Federal de 1988, Lei n. 7.805/89, Decreto n. 99.385/90 e Decreto de 12/06/1991.

    Esses diplomas legais condicionaram a atividade de minerao proteo do meio ambiente. Osdecretos, especificamente, limitaram a garimpagem em Serra Pelada aos rejeitos da cava principaldo garimpo e ao adequado atendimento das normas ambientais.

    Entre a alegao de direito lquido, certo e irrestrito suscitado pela impetrante e o daconstitucionalidade do poder regulamentar do Poder Executivo luz dos preceitos constitucionaisde preservao ambiental, o acrdo decidiu por este ltimo. A racionalidade da deciso fica bemilustrada pela seguinte passagem do voto do Ministro Celso de Mello: [e]xigncias de ordemconstitucional, vinculadas ao dever indeclinvel do Poder Pblico de velar pela intangibilidade domeio ambiente [...] justificam o ato presidencial impugnado e descaracterizam qualquer situaoreveladora de direito subjetivo titularizvel pela impetrante.31A exemplo, pois, do julgado anali-

    sado acima, o caso parece reafirmar uma orientao do STF, ainda que implcita, no sentido deprivilegiar o poder regulamentar restritivo do Poder Executivo quando se tratar de potencial con-fronto entre exerccio de atividade econmica e proteo ambiental.

    4.1.2.3. Criao de Parque Nacional por Poder Regulamentar

    No caso Adelaide Accia Leite Vieira e outros v. presidente da Repblica, MS n. 23.800,o STF, no que tange ao cumprimento de requisitos formais para a criao de Parque Nacional,reiterou o poder regulamentar da Unio Federal para criao de restries ambientais em detri-

    mento, inclusive, de eventual direito adquirido de proprietrios privados. A impetrante alegouque a criao do parque no havia atentado para os requisitos do artigo 22, 2, da Lei n.9.985/00, quais sejam: consulta pblica e estudo tcnico.

    Analisando os fatos, o acrdo constatou que houve audincia pblica e que o estudotcnico havia sido conduzido pelo Ministrio do Meio Ambiente, atravs do parecer n.019/2000/DAP/SBF/MMM. Constatando a adequao ftica aos requisitos legais, o STF afastou

    31Cooperativa de Minerao dos Garimpeiros de Serra Pelada - COOMIGASP v. Presidente da Repblica, MS n.

    21.401/PA, STF, Pleno, j. 04/jun./1992, D.J. 22/abr./1994, p. 309.

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    a possibilidade de direito adquirido e reiterou, mais uma vez, o poder regulamentar do PoderExecutivo em prol do meio ambiente.32

    J no caso estado de So Paulo v. Paulo Ferreira Ramos e cnjuge (RE n. 134.297-8/SP), o STF decidiu acerca de eventual direito indenizao decorrente de criao de estao

    ecolgica.O estado de So Paulo havia criado Estao Ecolgica abrangendo a propriedade privadados recorridos. Quando esses pleitearam autorizao para explorao econmica da propriedade, oestado negou-a, justificando o indeferimento na incompatibilidade com a natureza da rea. Oestado negou qualquer direito indenizao decorrente do esvaziamento econmico da proprie-dade dos recorridos. Alegou que o artigo 225, 4, da CF/88, ao declarar a rea de Mata Atlnti-ca como patrimnio nacional, teria criado um regime diferenciado que no contemplaria direito indenizao por restrio regulamentar em defesa do meio ambiente da regio.

    Ao decidir a questo, o STF determinou que restries individuais ao direito de proprie-dade, em prol da preservao do meio ambiente, geram para o prejudicado direito indenizao.

    Apesar de talvez aparentar alguma contradio com o julgado analisado acima, que teriaprivilegiado a criao de um parque nacional diante da observncia dos requisitos formais para suainstituio, o caso ora analisado nos parece caminhar na mesma direo. A questo jurdica aquise apresenta diversa. Neste caso, trata-se de averiguar se o exerccio do poder regulamentar restri-tivo, ainda que em detrimento do direito fundamental propriedade, enseja direito indenizaoao proprietrio. No est em discusso se o poder pblico pode ou no restringir o direito de pro-priedade. Apelando para o desejo social de proteo ambiental consagrado por diversas passagensdo texto constitucional, o acrdo faz constar explicitamente que h um dever constitucional defazer respeitar a integridade do patrimnio ambiental, mesmo quando diante da necessidade deinterveno administrativa na esfera dominial privada.33Portanto, o poder regulamentar restri-

    tivo foi assegurado em matria ambiental, ainda que o seu exerccio implique na interveno nodireito fundamental propriedade.

    Esta constatao, entretanto, no exime o Poder Pblico de proceder devida indeniza-o. Ou seja, h um dever de indenizao, consoante consagrado no artigo 5, inciso XXIV, daCF/88. Isso porque, conforme anotou o Ministro Relator, sendo de ndole comum o direito preservao da integridade ambiental, no se pode impor apenas aos proprietrios de reas locali-zadas na Serra do Mar que venham a sofrer as consequncias derivadas das limitaes adminis-trativas incidentes sobre os seus imveis os nus concernentes concretizao, pelo Estado, deseu dever jurdico-social de velar pela conservao, em benefcio de todos, de um meio ambienteecologicamente equilibrado.34O argumento dito de passagem refletido por este trecho tem tam-bm um componente econmico que est ligado prpria efetividade do direito do meio ambien-te. A distribuio desequilibrada do nus que recai sobre o regulado e dos benefcios usufrudos

    32O Tribunal proferiu deciso similar em Selva- Servios Rurais Ltda. e Outros v. Presidente da Repblica, MS n.24.665-1/DF, STF, Pleno, j. 01/12/2004, D.J.06/10/2006. Tambm decidiu no mesmo entendimento no MS n.24.184-5/DF, STF, Pleno, j. 13/08/2003, D.J. 27/02/2004; MS 25.347/DF, j. 17/02/2010; MS 26.067/DF, j.06/10/2011.33Estado de So Paulo v. Paulo Ferreira Ramos e Cnjuge, RE n. 134.297-8/SP, STF, 1 Turma, j. 13/jun./1995,D.J. 22/set./1995, p. 689.34Estado de So Paulo v. Paulo Ferreira Ramos e Cnjuge, RE n. 134.297-8/SP, STF, 1 Turma, j. 13/jun./1995,

    D.J. 22/set./1995, p. 692.

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    pela coletividade gera um desincentivo ao cumprimento da norma. A correo deste desequilbriopassa ou pelo aumento dos mecanismos de controle ou, de forma mais eficiente, pelo reconheci-mento do dever de indenizar os proprietrios afetados por normas que beneficiam toda a coletivi-dade.

    A concluso acima deve ser ponderada, no entanto, com a deciso proferida no AgravoRegimental na Suspenso de Tutela Antecipada n. 112-7, NKR Agropecuria Comercial Ltda.v. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA.

    Deciso do Tribunal Regional Federal da 4 Regio havia permitido ao agravante utilizaros imveis rurais de sua propriedade, situados nos limites do Parque Nacional de Ilha Grande, ato recebimento da quantia pleiteada na ao indenizatria. Em decorrncia desta determinao, oTRF obrigou ainda Unio que se abstivesse de proceder a qualquer autuao ou embargo ati-vidade do agravante.

    O instrumento processual no permitiu que os Ministros travassem debate similar ao docaso analisado anteriormente acerca do dever de indenizar particulares por restrio ambiental ao

    direito de propriedade. Em que pese o Ministro Marco Aurlio, em voto vencido, tenha manifes-tado preocupao quanto restrio propriedade do agravante no caso de se negar provimentoao recurso de agravo, prevaleceu a orientao da Ministra Relatora. Temia-se que, na hiptese deprovimento do agravo, a Administrao ficasse impedida de exercer poder de polcia. Como con-sequncia, o voto vencedor anotou que tal restrio poderia resultar em srio risco aos atributosambientais do parque, tendo prevalecido a orientao de privilegiar o poder regulamentar limita-dor da propriedade privada.

    4.1.2.4.

    Criao de Reserva Extrativista por Decreto

    No caso Davi Resende Soares e outro v. presidente da Repblica, os impetrantes domandado de segurana questionaram a constitucionalidade do decreto presidencial que havia cri-ado a Reserva Extrativista Verde para Sempre. Alegavam, em suma, vcio formal na constituioda unidade de conservao, ausncia de estudo tcnico e no realizao de audincia pblica (arti-go 22, 2, da Lei n. 9.985/00).

    No entanto, mais importante do que o resultado final do julgamento da segurana foi aracionalidade do argumento do Ministro Relator. Ao se referir norma constitucional que impeao poder pblico o dever de identificar e criar reas que devam ser especialmente protegidas paragarantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput e 1, inciso

    III, da CF/88), o voto esclareceu: [o]bservem, de incio, que a previso constitucional, voltada aocoletivo, ao bem comum, no distingue reas a serem protegidas. Vale dizer que o ditame maioralcana terras devolutas e tambm a propriedade privada. Outra interpretao no pode ser confe-rida ao mencionado preceito, sob pena de esvaziar-se o objetivo com ele previsto a preservaoda Me Terra. E concluiu logo adiante: [e]m sntese, a propriedade, de ntido carter individu-al, no um direito absoluto. Est condicionada a valor maior presente o interesse coletivo.35

    Por se tratar de um julgado mais recente em relao aos demais analisados nesta seo, asrazes lanadas no voto do Relator no apenas corroboram a orientao extrada dos acrdos

    35Davi Resende Soares e Outro(a/s) v. Presidente da Repblica, MS n. 25.284/DF, STF, Plenrio, j. 17/jun./2010,

    D.J. 13/ago./2008, p. 308.

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    anteriores, como tambm demonstram uma penetrao maior e mais explcita da teoria do Direi-to Ambiental como forte justificativa para limitao do clssico direito propriedade.36

    4.1.2.5.

    Supresso de rea de APP por Ato Administrativo

    O poder regulamentar da Administrao Pblica em matria ambiental foi novamentequestionado, tendo em considerao o disposto no artigo 225, 1, inciso III, da CF/88.37

    O Procurador-Geral da Repblica sustentou que o referido dispositivo constitucionalexigiria lei em sentido formal para supresso de rea protegida. Dessa forma, o artigo 4 do jrevogado Cdigo Florestal de 1965, com as alteraes promovidas pela Medida Provisria n.2.166-67, seria inconstitucional, pois delegava competncia ao rgo ambiental estadual, median-te processo administrativo prprio para decidir sobre supresso de rea de preservao permanente(APP). Esta autorizao regulamentar para decidir acerca da supresso de rea protegida violaria oreferido dispositivo constitucional diante do princpio da reserva de lei nele estampado.

    Em resposta, foi alegado principalmente que o artigo 225, 1, inciso III, da CF/88 tra-tava do regime jurdico e no do uso da rea protegida. Argumentou-se tambm que a prpria leique criara a rea protegida (Cdigo Florestal), disciplinara o seu uso. Estaria, pois, cumprida aexigncia da reserva de lei. O STF, por maioria de votos, acolheu essa tese, tendo mantido a efic-cia e a aplicabilidade do Cdigo Florestal no particular.

    Alm de ter representado importante precedente para a consolidao doutrinria e juris-prudencial sobre esta questo envolvendo a possibilidade de interveno em APP via procedimen-to administrativo prprio, a grande contribuio deste acrdo est nas razes expressadas tantono voto vencedor como nos votos vencidos.

    Houve reconhecimento expresso de que h um princpio constitucional de promoo do

    desenvolvimento sustentvel e que, como decorrncia, dele se extrai contedo normativo que pre-coniza que [a] incolumidade do meio ambiente no pode ser comprometida por interesses em-presariais nem ficar dependente de motivaes de ndole meramente econmica, ainda mais se setiver presente que a atividade econmica, considerada a disciplina constitucional que a rege, estsubordinada, dentre outros princpios gerais, quele que privilegia a defesa do meio ambiente(CF, art. 170, VI). A importncia prtica do reconhecimento explcito em um julgado do STFda existncia do princpio do desenvolvimento sustentvel na CF/88 e dos seus desdobramentospode ser ilustrada pela influncia em pelo menos mais um caso relevante enfrentado pela mais altaCorte: em Tal Remoldagem de Pneus Ltda. v. Unio, o Pleno do STF manteve deciso que sus-pendia antecipao de tutela do TRF-2 Regio que autorizava a importao de pneus usados pararemoldagem.38

    36Alis, este posicionamento foi reafirmado tambm em Companhia Florestal Guapiara v. Presidente da Repblica.Em voto da lavra do Min. Eros Grau, relator do Mandado de Segurana, em anlise do artigo 225, 1, inciso III, daCF/88, foi ressaltado que [a] alegao de que a Administrao Pblica no poderia impor restrio a direito de pro-priedade mediante simples decreto no procede. MS n. 26.064, STF, Tribunal Pleno, j. 17/jun./2010, D.J.5/ago./2010, p. 550.37ADI 3540-1 MC/DF, STF, Pleno, j. 01/09/2005, D.J. 03/02/2006.38A Min. Relatora anotou em seu voto que o exerccio da atividade empresarial, tendo o lucro como sua finalidadelegtima e amparada pelo ordenamento jurdico, deve ser compatvel com os demais princpios constitucionais, nota-

    damente com os fundamentos inscritos no art. 170 da Constituio Federal, com especial nfase para a proteo

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    4.2.Licenciamento Ambiental

    O licenciamento ambiental consiste em um dos mais importantes instrumentos de pol-

    tica de meio ambiente, tendo previso legal no artigo 9, inciso IV, da Lei n. 6.938/81. Junta-mente com o zoneamento ecolgico-econmico, com a estipulao de padres de qualidade ecom a avaliao de impacto ambiental, constitui a espinha dorsal de uma eficiente poltica de ges-to do ambiente.

    Pela sua natureza jurdica, o licenciamento em matria ambiental instrumentaliza o po-der de polcia da Administrao Pblica, correspondendo a ato de consentimento que deve serobtido por todos os empreendimentos e atividades que utilizem recursos ambientais ou que te-nham potencial poluidor ou de causar degradao ambiental, consoante dispe o artigo 10 daLPNMA.

    O licenciamento ambiental um procedimento complexo, pois deve sempre em aten-

    o aos princpios da precauo e da preveno considerar a complicada tarefa de definir comclareza e preciso os impactos ambientais, sociais e econmicos, diretos e indiretos, de determina-da atividade ou empreendimento. Para que o procedimento seja bem sucedido e sirva realmentepara garantir a livre iniciativa com respeito aos imperativos de proteo do meio ambiente, encon-tra-se intrinsecamente relacionado avaliao de impacto ambiental. Embora esteja listada comoinstrumento autnomo de poltica ambiental, a avaliao de impacto ambiental parte integrantedo procedimento de licenciamento. Diante disso, ao se debruar sobre a anlise de decises doSTF em matria de licenciamento ambiental, o presente tpico incluiu tambm questes que tra-tam de estudo prvio de impacto ambiental e seu respectivo relatrio de impacto no meio ambi-ente (EIA/RIMA), por ser a espcie de avaliao de impacto ambiental prevista no artigo 225, 1, inciso IV, da CF/88.

    Uma das mais relevantes questes em matria de licenciamento ambiental consiste nadefinio de competncia do rgo licenciador. O artigo 23, inciso VI, da CF/88 define comosendo comum a atuao da Administrao Pblica na gesto ambiental. 39Em seu pargrafo ni-

    sade e ao meio ambiente. Tal Remoldagem de Pneus Ltda v. Unio. Ag. Reg. na Suspenso de Tutela Antecipadan. 118-6, STF, Tribunal Pleno, j. 12/dez./2007, D.J. 28/fev./2008, p. 10. A deciso foi de teor similar no STA 171-2

    AgR de 12/12/2007, de relatoria da Ministra Ellen Gracie. Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSO DETUTELA ANTECIPADA. IMPORTAO DE PNEUMTICOS USADOS. MANIFESTO INTERESSE P-BLICO. GRAVE LESO ORDEM E SADE PBLICAS. 1. Lei 8.437/92, art. 4.. Suspenso de liminar que

    deferiu a antecipao dos efeitos da tutela recursal. Critrios legais. 2. Importao de pneumticos usados. Manifestointeresse pblico. Dano Ambiental. Demonstrao de grave leso ordem pblica, considerada em termos de ordemadministrativa, tendo em conta a proibio geral de no importao de bens de consumo ou matria-prima usada.Precedentes. 3. Ponderao entre as exigncias para preservao da sade e do meio ambiente e o livre exerccio daatividade econmica (art. 170 da Constituio Federal). 4. Grave leso ordem pblica, diante do manifesto e inafas-tvel interesse pblico sade e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituio Federal).Precedentes. 5. Questo de mrito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e decomrcio exterior) que probem a importao de pneumticos usados. Pedido suspensivo de antecipao de tutelarecursal. Limites impostos no art. 4. da Lei n. 8.437/92. Impossibilidade de discusso na presente medida de con-tracautela. 6. Agravo regimental improvido.39H discusso na doutrina acerca de eventual inconstitucionalidade do art. 10 da Lei 6.938/81, por haver invadido a

    competncia do rgo municipal de licenciar atividade de impacto ambiental local. Entretanto, Gustavo Binenbojm

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    co, estabelece o referido dispositivo constitucional que lei complementar o instrumento quedeve fixar regras de cooperao. At dezembro de 2011 no havia instrumento normativo destanatureza disciplinando a matria. Regras de cooperao eram encontradas apenas no artigo 10 daLPNMA e na Resoluo CONAMA n. 237/97. Os critrios se resumiam basicamente a dois: 1)

    extenso dos impactos diretos da atividade; e 2) gesto dominial do bem afetado. Na ausncia dalei complementar, a diviso de competncias administrativas entre os entes federativos no eraclara e, assim, uma situao de conflito seria verificada quando a Unio, estado e municpio exi-gissem simultaneamente licenas ambientais para um mesmo empreendimento.

    Finalmente, em 8 de dezembro de 2011, foi publicada a Lei Complementar n.140/2011. A norma divide as competncias administrativas da Unio, estados e municpios acercade licenciamento ambiental, manejo florestal, zoneamento ambiental e Plano Diretor.

    Passamos a apresentar, a seguir, as decises do STF que trataram de temas envolvendo li-cenciamento ambiental. Esclarecemos que o presente tpico no traz eventuais decises que discu-tam temas atinentes competncia constitucional comum de gesto prevista no artigo 23, inciso

    VI, da CF/88, as quais j foram analisadas em tpico antecedente.

    4.2.1.

    Exigncia de Aprovao de EIA pelo Poder Legislativo

    A CNI ingressou com a ADI 1.505-2/ES, requerendo a declarao de inconstitucionali-dade de dispositivo da Constituio do estado do Esprito Santo que submetia o relatrio de im-pacto ambiental a uma Comisso da Assembleia Legislativa do estado. A CNI alegou que, sendo oEIA/RIMA parte integrante do procedimento de licenciamento ambiental, encontra-se na esferade competncia do Poder Executivo. Submeter o estudo avaliao do Legislativo atentaria con-tra a independncia e harmonia entre os Poderes (artigo 2, da CF/88). 40A Assembleia Legislati-

    va, embora intimada para prestar esclarecimentos, no se manifestou.O voto do Ministro Eros Grau, relator do processo, frisou que o estudo de impacto

    ambiental integra o processo de licenciamento ambiental, de modo que [a]s autorizaes soatividades tpicas do Poder Executivo. Por isso, continuou o Relator, [c]onferir AssembleiaLegislativa atribuio de carter nitidamente administrativo ato administrativo e no ato norma-tivo importa invaso de competncia do Poder Executivo.41Com esse entendimento, o acr-do declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do dispositivo da Constituio do estadodo Esprito Santo que previa a necessidade de submisso do relatrio de impacto ambiental apreciao da Assembleia Legislativa.

    (2008) explica que o art. 10 da Lei deve ser submetido a uma interpretao conforme Constituio de 1988, parase entender que o mesmo s confere competncia para licenciamento ambiental aos Estados naquilo que interferircom interesses regionais intermunicipais (p. 709).40Caso parecido foi decidido no STF, relativo Lei estadual n. 1.315/2004, que exigia autorizao prvia da Assem-bleia Legislativa de Rondnia para o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradasefetivas e potencialmente poluidoras. O STF entendeu que essa previso afrontaria o princpio da separao dos po-deres (ADI 3.252-6 MC/RO, STF, Pleno, j. 06/04/2005, D.J. 23/10/2008).41

    ADI n. 1.505-2/ES, STF, Tribunal Pleno, j. 24/nov./2004, D.J. 4/mar./2004, pp. 74-5.

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    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    4.2.2.

    Licenciamento Ambiental e Audincia pblica no Projeto de Inte-grao do Rio So Francisco

    O processo de licenciamento do Projeto de Integrao do Rio So Francisco com as Ba-

    cias Hidrogrficas do Nordeste Setentrional foi objeto da Reclamao n. 3.074, de relatoria doMinistro Seplveda Pertence.

    Tratava-se de Reclamao da Unio, com pedido de medida liminar, contra ato do JuizFederal da 12 Vara da Seo Judiciria de Minas Gerais. Em sua deciso, o magistrado de pri-meiro grau havia deferido medida liminar para suspender a audincia pblica que discutiria oEIA/RIMA do projeto. Sustentara o Juiz que os rgos ambientais do Estado de Minas Geraishaviam apontado srias falhas no EIA/RIMA que o IBAMA pretendia apresentar em audinciapblica marcada para o dia 25/ jan./2005. E que, por isso, havia necessidade de prorrogao doprazo antes da realizao da audincia pblica, de modo que houvesse tempo hbil para que asfalhas fossem detalhadas e apresentadas aos interessados.

    A racionalidade do argumento da primeira instncia, transcrito inclusive no acrdo doSTF, residia na discusso quanto a real funo dos instrumentos de participao pblica em pro-cessos de licenciamento ambiental. Ressaltou o magistrado que a audincia pblica deve servircomo efetivo processo de informao e consulta. No cumpriria ela este papel se populao fossenegado acesso a informaes que apontassem falhas no projeto. Em suma, no poderia servir co-mo mero instrumento de divulgao do projeto.

    Neste caso, a deciso do STF representou duro revs para o instituto da audincia pbli-ca. O debate focou na competncia ou no do STF para julgar a reclamao e, no mrito, dimi-nuiu a controvrsia, caracterizando-a como uma mera querela local.42Corrobora essa concluso oargumento que constou da deciso do Ministro Nelson Jobim ao conceder a liminar que cassou oato reclamado. Segundo o Ministro, o meio ambiente, bem que se pretende preservar na aocivil pblica, no parece sofrer ameaa, diante da simples realizao de audincia pblica marcadaexatamente para discusso do Relatrio do Impacto Ambiental RIMA relativo ao Projeto deIntegrao do Rio So Francisco com Bacias Hidrogrficas do Nordeste Setentrional.43

    Uma crtica que se poderia levantar sobre esta deciso residia em que a audincia pblicaconsiste em um procedimento essencial para legitimar e equilibrar o procedimento de deciso nolicenciamento ambiental. A sua realizao, se no for qualificada e com acesso amplo a todas asinformaes disponveis, ser imprestvel para cumprir sua funo primordial de reduo de assi-metria informacional. Por isso, a realizao de audincia pblica, se no observada a sua real fun-

    o e os requisitos necessrios a sua preparao, pode em tese colocar em risco o equilbrio ambi-ental.O processo de licenciamento do mesmo Projeto foi novamente questionado na ACO

    876 MC-AgR, de relatoria do Ministro Menezes Direito.Os agravantes se insurgiram contra o indeferimento de liminar na medida cautelar na

    ao cvel originria n. 876-0, que pretendia suspender o procedimento de licenciamento da obra

    42Neste sentido, ver trecho extrado do voto do Min. Relator: [E]st em causa um imenso projeto governamental,que no deve ficar sujeito, em cada unidade da Federao, a querelas locais. Reclamao n. 3.074-1/MG, STF, Tri-bunal Pleno, j. 04/ago./2005, D.J. 30/set./2005, p. 110.43

    Reclamao n. 3.074-1/MG, STF, Tribunal Pleno, j. 04/ago./2005, D.J. 30/set./2005, p. 96.

  • 7/23/2019 A Jurisprudncia Do Supremo Tribunal Federal Em Matria Ambiental

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    A Jurisprudncia do Supremo Tribunal...

    204 EALR, V. 4, n 1, p. 181-220, Jan-Jun, 2013

    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    de transposio do rio So Francisco. O Ministrio Pblico alegara que a licena prvia fora con-cedida sem que houvessem sido considerados os riscos ao meio ambiente. O IBAMA, por outrolado, atestara que a concesso da licena havia observado as cautelas necessrias. poca, enten-deu o ento relator, Ministro Seplveda Pertence, que na fase de licena prvia no se vislumbrava

    o risco que justificasse a concesso da liminar para paralisao do processo de licenciamento.Os autores agravaram e, entre a deciso que indeferiu a liminar e o julgamento do agra-vo, o IBAMA concedeu a licena de instalao. Os agravantes ento alegaram que vrias das con-dicionantes no haviam sido atendidas; constavam apenas como parcialmente atendidas. E que,a despeito de no terem sido cumpridas, o IBAMA concedera a licena de instalao.

    Uma das falhas apontadas pelos agravantes consistiu na ausncia de realizao de audin-cia pblica. O IBAMA, por sua vez, alegou no ter havido necessidade da realizao de audincia,tampouco determinao judicial para tanto. Embora no atendidas na totalidade, o rgo estavaacompanhando e monitorando o cumprimento das condicionantes e que, por isso, podia ser con-cedida a licena de instalao. No julgamento da ao, o STF, por maioria apertada de votos,

    confirmou a deciso liminar e negou provimento ao agravo regimental.A extenso do acrdo (mais de 70 laudas) indicativa da riqueza dos debates travados.Basicamente, para efeito da anlise aqui desenvolvida, separamos dois pontos: 1) necessidade depronunciamento especfico do Congresso Nacional para obras de grande envergadura; e 2) defe-rncia do Poder Judicirio deciso do rgo ambiental licenciador, aplicao da precauo econflito de princpios. Como a deciso foi por maioria apertada de votos, no possvel extrairuma racionalidade sobre os tpicos listados que possa ser atribuvel ao STF. No entanto, servecomo evidncia para instruir outras decises da Corte Suprema e demais tribunais sobre temasque ensejam grande controvrsia terica, com reflexos na prtica dos procedimentos de licencia-mento.

    No tocante ao primeiro tema, o voto vencido do Ministro Carlos Britto chamou atenopara o disposto no artigo 48, inciso IV, c/c artigo 58, 2, inciso VI e artigo 165, 4, todos daCF/88, que exigiria que obra de envergadura se submetesse ao crivo do Congresso Nacional.

    Alm disso, e no mesmo sentido, foram levantados indcios de que haveria necessidade de capta-o de recursos hdricos em terras indgenas. Se fosse este o caso, segundo os artigos 49, inciso

    XVI, e 231, 3, todos da CF/88, o projeto teria tambm que passar pelo crivo do CongressoNacional.

    Os votos vencedores rechaaram tal exigncia. Na primeira, por constar o projeto doplano plurianual. Como o plano compe o oramento que, por sua vez, passa pelo crivo do Con-gresso Nacional, estaria suprida a exigncia constitucional. Quanto segunda, porque no haveriacaptao de recursos hdricos em reserva indgena. O projeto previa apenas a construo de umcanal passando por reas indgenas. Portanto, tambm no se enquadraria na hiptese constituci-onal de necessria avaliao do Congresso Nacional.

    No que se refere segunda questo de direito analisada pelo acrdo, quanto a eventualdeferncia do Poder Judicirio deciso do rgo ambiental, essa constitui questo de extremaimportncia para a formao da teoria e da prtica dos vrios projetos licenciados em todo o Brasilenvolvendo a aplicao do princpio da precauo e o exame do conflito de princpios.

    A questo enfrentada logo no incio do acrdo pelo voto do Ministro relator; todavia, apenas no final da extensa deciso que ela aparece de forma mais clara. Nas palavras do Ministro

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    Catarina Dacosta Freitas et al

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    Universidade Catlica de Braslia UCB Braslia-DF

    Gilmar Mendes, compete ao julgador responder seguinte indagao: qual o direito de inter-veno do Judicirio?44Como a questo ambiental apresenta-se revestida de carter poltico sin-gular, que no escapa da construo do prprio Direito do Ambiente, esta parece ser uma questode crucial importncia para garantia de maior segurana jurdica na execuo do princpio do

    desenvolvimento sustentvel. Se a resposta a esta pergunta for afirmativa incondicionalmente,todo e qualquer processo de licenciamento ficar sujeito a duplo, triplo ou at qudruplo grau dereviso por diferentes rgos da Administrao Pblica, Ministrio Pblico e vrias instncias etribunais. Se, ao contrrio, o Judicirio for cuidadoso e criterioso na desconstituio de uma deci-so tcnica, devidamente motivada, o cenrio tende a ser de uma maior segurana jurdica e, co-mo consequncia, de incentivo direto consolidao e capacitao dos rgos de meio ambiente.

    Na prtica, o que se observa uma desconfiana institucional sistmica, algo que preju-dica o desenvolvimento e a proteo ambiental. Se a deciso do rgo ambiental for facilmentedesconstituda por deciso judicial, corre-se o risco de se criar uma poltica de desincentivo aofortalecimento do rgo ambiental. Pode se passar ao rgo ambiental a sensao de que ele no

    precisa ser criterioso, pois o Judicirio consertar eventual equvoco. Por outro lado, sob ameaaconstante de processo judicial, a atuao do rgo ambiental poderia ser de alguma forma influ-enciada negativamente, gerando ineficincias no procedimento de materializao do princpio dodesenvolvimento sustentvel.

    Esta breve reflexo nos parece relevante para examinar o contedo da deciso do STF nocaso concreto. Ainda que louvvel a argumentao dos votos vencidos, demonstrando uma preo-cupao mpar com o desejo social de preservao e conservao ambiental estampado no artigo225, da CF/88, tendo por foco a consequncia de uma deciso que desprivilegiasse a anlise dorgo responsvel pela conduo do licenciamento, o efeito poderia ser justamente o contrrio. Seo voto desconstitusse a anlise tcnica do IBAMA ao conceder a licena de instalao em sede de

    medida liminar, sob o argumento da incidncia do princpio da precauo, poderia contribuirpara enfraquecer as anlises efetuadas pelos demais rgos ambientais no pas.

    Em suas razes de decidir, colhe-se do voto do Relator uma ilao quanto a certo deverde deferncia do Judicirio s decises tomadas pelo