A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO LEANDRO DA NÓBREGA PINHEIRO A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2018

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

LEANDRO DA NÓBREGA PINHEIRO

A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-

HABILIDOSOS E A PRODUÇÃO DO FRACASSO

ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E

SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2018

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LEANDRO DA NÓBREGA PINHEIRO

A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-

HABILIDOSOS E A PRODUÇÃO DO FRACASSO

ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E

SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Metodista de São Paulo

como requisito parcial para obtenção do Título de

Doutor emEducação.

Orientador: Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri

Demartini

Co-Orientador:Profa. Dra. Adriana Barroso de

Azevedo

Área de Concentração: Formação de Professores.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2018

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FICHA CATALOGRÁFICA

P655i Pinheiro, Leandro da Nóbrega

A (in)visibilidade dos estudantes alto-habilidosos e a

produção do fracasso escolar: faces da escola capitalista e

seus impactos na educação brasileira / Leandro da Nóbrega

Pinheiro. 2018.

512 p.

Tese (Doutorado em Educação) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2018.

Orientação de: Zeila de Brito Fabri Demartini.

Coorientação de: Adriana Barroso de Azevedo.

1. Superdotados (Educação) 2. Sucesso escolar 3.

Fracasso escolar 4. Professores - Formação profissional 5.

Educação - Brasil I. Título.

CDD 374.012

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A tese de doutorado intitulada A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO-HABILIDOSOS

E A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR: FACES DA ESCOLA CAPITALISTA E SEUS

IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, elaborada por Leandro da Nóbrega Pinheiro, foi

defendida e aprovada em 14 de junho de 2018, perante banca examinadora composta por Profa. Dra.

Adriana Barroso de Azevedo(Presidente/UMESP), Profa. Dra. Maria Helena Rocha Antuniassi

(UNESP/USP), Prof. Dr. Marcelo Furlin (UMESP), Prof.Dra. France Fainha Martins (UFPA),

Prof.Dra. Elisabete Ferreira Esteves Campos (UMESP).

Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Furlin

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação

Programa: Pós-Graduação em Educação

Área de Concentração: Formação de Professores

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Dedico este trabalho a minha mãe, Maria Solange, aos meus irmãos, Janaina e Kauê,

ao Meu amor Cintia, a minha querida Clara e a todos os alunos que inspiraram

esta pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, pelo financiamento e apoio a esta pesquisa, a minha esposa Cintia Bellini, pelas

contribuições metodológicas, acompanhamento de cada passo da pesquisa e paciência com as

muitas horas de estudo e trabalho na produção desta tese; a minha amiga e corretora/revisora,

Luciana Avelino Ramos, pela ajuda e incentivo para iniciar o doutorado, leitura atenta às múltiplas

versões da pesquisa, apoio ao desenvolvimento do trabalho e, especialmente, ensinamentos na

prática diária como professora; aos professores do PPGE-UMESP, especialmente, aos professores:

Décio, Roger, Adriana, Roseli e Zeila pelos ensinamentos ao longo da pesquisa; a minha

orientadora pela dedicação, apoio e paciência; aos colegas de classe do PPGE-UMESP; a todos os

professores que participaram da pesquisa e nos ensinam com sua prática educativa, em especial,

para a Fabíola, Cássia e todos os profissionais das UMEs “Estado doAmapá” e “Mário de Oliveira

Moreira”; aos funcionários da Hemeroteca de Santos; ao Instituto Rogerio Steinberg; ao CEDET-

Lavras; à APAHSD, aos professores Decio, Marcelo, France e Maria Helena pela contribuição e

participação na banca de defesa da pesquisa e ensinamentos e, com carinho, aos alunos que fizeram

parte desta pesquisa: Elienai, Julia, Julio Cesar, Matheus e Daniel, pela inspiração e ensinamentos

diários.

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Contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. Antônio Gramsci

RESUMO

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Este trabalho tem por objetivo analisar a situação de invisibilidade dos alunos com altas

habilidades/superdotação, visando compreender como funciona a imperceptibilidade destes

estudantes, e quais são as razões que justificariam tal situação, pois, ainda que tenham o direito

ao atendimento educacional especializado reconhecido em lei, estes educandos acabam sendo

esquecidos por escolas, redes de ensino e docentes. Investigamos como o tema tem sido tratado,

na grande imprensa na ultima década e nos documentos oficiais dos governos e como estes têm

contribuído para o incremento/superação da invisibilidade. A pesquisa de campo foi realizada

com profissionais da educação, de redes de ensino da Baixada Santista e Grande ABC. Tendo

como referencial teórico o materialismo histórico dialético e tratando-se de uma pesquisa

qualitativa, a metodologia da pesquisa de campo contou com a realização de entrevistas com

professores e alunos; atividades de formação dos docentes sobre o tema; questionários aplicados

aos educadores, de redes públicas de ensino, tratando da superdotação/altas habilidades,

observando de que forma os trabalhadores da educação compreendem a invisibilidade destes

estudantes. Ao longo dos estudos, tentamos verificar a pertinência de três teses da bibliografia

especializada, sobre a invisibilidade dos indivíduos com altas habilidades/superdotação, sendo

estas: noção de que a falta de consenso sobre a terminologia adequada, para nos referirmos aos

superdotados, seja o motivo da invisibilidade; a ideia de que a invisibilidade seja o resultado da

ausência de formação docente específica; a concepção de que a disseminação de um conjunto

de mitos sobre superdotados e alto-habilidosos explique o fenômeno da invisibilidade.

Procuramos, ao longo da pesquisa, verificar como a dinâmica do sistema escolar, na sociedade

capitalista, fortemente baseada na perspectiva de produção do fracasso escolar, sobretudo, das

classes trabalhadoras, envolve os profissionais da educação e sistemas escolares, contribuindo

com a invisibilidade dos estudantes, com Altas Habilidades/Superdotação.

Palavras-Chave: Superdotação/Altas Habilidades. Talento. Sucesso Escolar. Fracasso Escolar.

Invisibilidade.

ABSTRACT

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This work aims to analyze the invisibility situation of students with high abilities / giftedness, aiming

to understand how the imperceptibility of these students works, and what are the reasons that would

justify such a situation, since, even though they have the right to specialized educational service

recognized In law, these students end up being forgotten by schools, teaching networks and teachers.

We investigate how the issue has been addressed in the mainstream press and in official government

documents and how they have contributed to the increase / overcoming of invisibility. The field

research was carried out with education professionals, teaching networks of Baixada Santista and

Grande ABC. Having as theoretical reference the dialectical historical materialism and being a

qualitative research, the methodology of the field research counted on the accomplishment of

interviews with teachers and students; Teacher training activities on the subject; And questionnaires

applied to educators, public education networks, dealing with giftedness / high skills, observing how

education workers understand the invisibility of these students. Throughout the studies, we tried to

verify the pertinence of three theses, from the specialized bibliography, on the invisibility of the

individuals, with high abilities / giftedness, being these: the notion that the lack of consensus on the

proper terminology, to refer to the gifted , Is the reason for invisibility; The idea that invisibility is

the result of the absence of specific teacher training; The conception that the spread of a set of myths

about gifted and high-skilled explain the phenomenon of invisibility. Throughout the research, we

seek to verify how the dynamics of the school system, in capitalist society, strongly based on the

perspective of production of school failure, especially of the working classes, involves education

professionals and school systems, contributing to the invisibility of Students to succeed.

Keywords: Gifted / High Abilities. Talent. School Success. School Failure. Invisibility.

RESUMEN

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Este trabajo tiene por objetivo analizar la situación de invisibilidad de los alumnos con altas

habilidades/superdotación, buscando comprender cómo funciona la imperceptibilidad de estos

estudiantes, y cuáles son las razones, que justificaría tal situación, pues, aunque tengan el derecho a

la atención educativa especializada reconocida En la ley, estos educandos acaban siendo olvidados

por escuelas, redes de enseñanza y docentes. Hemos investigado cómo el tema ha sido tratado, en la

gran prensa y en los documentos oficiales de los gobiernos y cómo éstos han contribuido al

incremento / superación de la invisibilidad. La investigación de campo fue realizada con profesionales

de la educación, de redes de enseñanza de la Baixada Santista y Gran ABC. Con el referencial teórico

el materialismo histórico dialéctico y tratándose de una investigación cualitativa, la metodología de

la investigación de campo contó con la realización de entrevistas con profesores y alumnos;

Actividades de formación de los docentes sobre el tema; Y cuestionarios aplicados a los educadores,

de redes públicas de enseñanza, tratando de la superdotación/altas habilidades, observando de qué

forma los trabajadores de la educación comprenden la invisibilidad de estos estudiantes. A lo largo

de los estudios, intentamos verificar la pertinencia de tres tesis, de la bibliografía especializada, sobre

la invisibilidad de los individuos, con altas habilidades/superdotación, siendo estas: la noción de que

la falta de consenso sobre la terminología adecuada, para referirnos a los superdotados Sea el motivo

de la invisibilidad; La idea de que la invisibilidad sea el resultado de la ausencia de formación docente

específica; La concepción de que la diseminación de un conjunto de mitos sobre superdotados y alto-

habilidosos explique el fenómeno de la invisibilidad. En la investigación, comprobamos que la

dinámica del sistema escolar, en la sociedad capitalista, fuertemente, basada en la perspectiva de

producción del fracaso escolar, sobre todo de las clases trabajadoras, involucra a los profesionales de

la educación y sistemas escolares, contribuyendo con la invisibilidad Estudiantes que obtengan éxito.

Palabras clave: Superdotación/Altas Habilidades. Talento. Éxito Escolar. Fracaso Escolar.

Invisibilidad.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

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ABPEE- Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial.

ABSD – Associação Brasileira para Superdotados

AH/SD – Altas Habilidades/Superdotação.

APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais.

APAHSD – Associação Paulista para Altas Habilidades e Superdotação

ASPAT – Associação de Pais e Amigos para Apoio ao Talento.

AEE – Atendimento educacional especializado

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

CAPFC – Centro de apoio pedagógica e formação continuada da SEDUC Cubatão.

CEDET – Centro para Desenvolvimento do Potencial e Talento de Lavras.

CNE/CEB – Conselho Nacional De Educação/Câmara de Educação Básica.

ConBraSD – Conselho Brasileiro de Superdotação.

DMGT – Differentiated Model of Giftedness and Talent.

EJA – Educação de Jovens e Adultos.

EUA – Estados Unidos da América.

IRS – Instituto Rogerio Steinberg.

HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.

GPESP/UFSM- Grupo de Pesquisa em Educação Especial: Interação e Inclusão Social,

da Universidade Federal de Santa Maria.

IES- Instituições de Ensino Superior.

IFSP- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.

LDB- Lei de Diretrizes e Bases.

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

MEC – Ministério da Educação e Cultura.

NAAH/S – Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação.

NEAG -Center For Gifted Education And Talent Development.

OMS – Organização Mundial da Saúde.

PAAT- Projeto de atendimento ao aluno talentoso.

PAH/SD – Pessoa com Altas Habilidades/Superdotação.

PIDET- Projeto de identificação e desenvolvimento de estudantes talentosos.

PIT- Programa de Incentivo ao Talento.

PSI- Inventário de Sucesso Parental.

PUC-RS- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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PUC-SP- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

QI – Quociente de Inteligência.

RBEE- Revista Brasileira de Educação Especial.

REE -Revista de Educação Especial.

SEDF- Secretaria da Educação do Distrito Federal.

SEDUC – Secretaria de Educação de Cubatão.

SEESP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulol.

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo.

UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos.

UFPR - Universidade Federal do Paraná.

UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro.

UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo.

UME – Unidade Municipal de Ensino.

UMESP - Universidade Metodista de São Paulo.

UNB - Universidade de Brasília.

UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.

UNESP – Universidade Estadual Paulista.

UNICAMP – Universidade de Campinas.

UCB - Universidade Católica de Brasília.

UFSM - Universidade Federal de Santa Maria.

UFAM - Universidade Federal do Amazonas.

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais.

USP - Universidade de São Paulo.

WISC – Escala Wechsler de Inteligência.

LISTA DE FIGURAS

Pag.

Figura 01- Diagrama da Teoria dos Três Anéis de Renzulli, (Virgolim, 2007, p.36). 53

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Figura 02- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 03/03/2015 204

Figura 03- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 06/04/2015 205

Figura 04- Reportagem publicada em “A Tribuna de Santos” 28/01/2013 206

Figura 05- Matéria publicada na “Folha de São Paulo”, 23/01/2012. Repercutida

pela UDEMO

207

Figura06- Matéria publicada na “Folha de São Paulo”, 25/12/2014. 208

Figura 07- Número de superdotados no Brasil, “Folha de São Paulo” 18/10/2015 209

Figura 08- Matriculas de alunos talentosos em São Paulo - 1996-2005, SEE-SP,

“Folha de São Paulo” 18/10/2015

209

Figura 09- Matéria publicada naFolha de São Paulo, 12/07/2015. 218

Figura 10- Matéria publicada naFolha de São Paulo, 12/07/2015 218

Figura 11- Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo 1996-2005 222

Figura 12- Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo 2006-2011 222

Figura 13- Revista Época, 19/02/2016. 225

Figura 14- Site Revista Época, 07/10/2016. 225

Figura 15- Documento da Câmara dos Deputados sobre pessoas com AH/SD-2004. 234

Figura 16- Atuação com alto-habilidosos na carreira 273

Figura 17- Atuação com alto-habilidosos na carreira. 274

Figura 18- Formação e invisibilidade 275

Figura 19- Professores conforme formação/Experiência com AH/SD 275

Figura 20- Professores conforme formação e atuação com alto-habilidosos 277

Figura 21- A influência do Dom 278

Figura 22- AH/SD e ideologia das aptidões naturais. 279

Figura 23- Mito dos pais condutores 280

Figura 24- O papel do ambiente social 281

Figura 25- Mito da identificação. 282

Figura 26- O mito da crença no futuro de sucesso 283

Figura 27- O mito da não necessidade de atendimento em AEE. 283

Figura 28- Os participantes segregados por perfil 284

Figura 29- Disciplina/área de formação dos participantes 286

Figura 30- Distribuição dos gestores participantes por cargo/função 288

Figura 31- Formação acadêmica dos participantes 288

Figura 32- Experiência dos participantes 289

Figura 33- Rede de ensino 289

Figura 34- Modalidade de ensino 290

Figura 35- Local de atuação dos participantes conforme região da cidade 290

Figura 36- Jornada de Trabalho dos participantes 290

Figura 37- Média de alunos atendidos pelos participantes 291

Figura 38- Você já teve algum aluno com AH/SD na carreira no magistério? 291

Figura 39- Já teve algum aluno com AH/SD ao longo da carreira? 292

Figura 40- Tem neste ano de 2015 algum alunos identificado como AH/S? 294

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Figura 41- Você poderia descrever algum caso de aluno de AH/SD que se lembre? 294

Figura 42- Características dos estudantes alto-habilidosos segundo os docentes 295

Figura 43- Participantes com alunos alto-habilidosos em 2015 297

Figura 44- Alguma vez já encaminhou um aluno para avaliação por suspeita de

AH/SD?

298

Figura 45- Indicação para avaliação entre profissionais da rede 299

Figura 46- Você já lecionou para algum aluno que não sendo identificado

oficialmente como AH/SDvocê tenha desconfiado se tratar de caso de

criança/jovem superdotado?

300

Figura 47- Durante a graduação, teve alguma disciplina, aula ou curso sobre alunos

superdotados/altas habilidades?

300

Figura 48- Na rede de ensino em que trabalha, já teve alguma formação sobre

superdotação/altas habilidades?

302

Figura 49- Altas habilidades/superdotaçãosão sinônimos? 302

Figura 50- GRUPO DE CONTROLE: Altas habilidades/superdotação são

sinônimos?

304

Figura 51- Entre aqueles que tem alunos AH/SD em 2015, consideram altas

habilidades e superdotação como sinônimos.

304

Figura 52- Características dos alunos com AH/SD segundo trabalhadores da

educação:

305

Figura 53- Características das AH/SD agrupadas por categorias 308

Figura 54- Em sua opinião o que explicaria a existência de alunos com AH/SD? 311

Figura 55- Explicação das AH/SD por categorias 314

Figura 56- Entre quem defende a origem INATA das AH/SD, quantos já

encaminharam alunos para avaliação para identificação

315

Figura 57- Entre quem considera a origem GENÉTICA das AH/SD, quantos já

encaminharam alunos para avaliação para identificação

316

Figura 58- Entre quem defende a origem das AH/SD, baseadas nas CONDIÇÕES

AMBIENTAIS, quantos já encaminharam alunos para avaliação para

identificação:

317

Figura 59- Entre quem defende a origem das AH/SD, como resultado da interação

BIOLÓGICA/SOCIAL/HISTÓRICA, quantos já encaminharam alunos

para avaliação para identificação

317

Figura 60- TALENTO com origem GENÉTICA. Atualmente existe algum aluno que

você tenha contato que possa ser AH/SD?

318

Figura 61- TALENTO com origem BIOLÓGICO/SOCIAL/HISTÓRICO:

Atualmente existe algum aluno que tenha contato que possa ser AHSD?

318

Figura 62- Já teve algum aluno com AH/SD ao longo da carreira? 318

Figura 63- Você tem filho, ou algum parente que seja superdotado/altas habilidades,

ou que você suspeite ser?

319

Figura 64- Você tem algum amigo, ou conhecido superdotado/altas habilidades, ou

que tenha filhos e/ou parentes superdotados/altas habilidades

319

Figura 65- Seus pais e colegas de classe achavam-no superdotado/altas habilidades,

ou acima da média?

320

Figura 66- Você considera que seja superdotado/altas habilidades? 320

ra 67- Nos seus tempos de aluno, você estudou com alguém superdotado/altas

habilidades?

321

Figura 68- Você acha que alunos superdotados/altas habilidades precisam de atenção

especial?

321

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Figura 69- Você acha que os alunos identificados como superdotados/altas

habilidades, bem como seus pais, deveriam ser informados da

superdotação?

323

Figura 70- Qual a relação entre NOTAS e superdotação/altas habilidades? 324

Figura 71- Qual a relação entre disciplina e superdotação/altas habilidades? 326

Figura 72- Qual a relação entre inteligência e superdotação/altas habilidades? 327

Figura 73- Qual a relação entre facilidade de aprendizado e superdotação/altas

habilidades?

328

Figura 74- Qual o papel de um dom, na superdotação/altas habilidades? 329

Figura 75- Qual o papel da genética na superdotação/altas habilidades? 329

Figura 76- Qual a relação entre Q.I e superdotação/altas habilidades? 330

Figura 77- Qual é o papel da família na superdotação/altas habilidades de uma

criança, adolescente?

330

Figura 78- Qual a importância da formação dos pais na superdotação/altas

habilidades de um aluno?

331

Figura 79- A classe social é determinante, ou influencia a superdotação/altas

habilidades?

332

Figura 80- Qual a importância da escola no surgimento e desenvolvimento da

superdotação/altas habilidades?

333

Figura 81- Qual a importância dos professores, ou de um professor em especial, na

superdotação/altas habilidades dos alunos?

334

Figura 82- Você considera que consegue dar a devida atenção aos seus melhores

alunos?

335

Figura 83- Os motivos da pouca atenção às AH/SD 336

Figura 84- Caso as turmas fossem menores, teríamos mais alunos superdotados/altas

habilidades e melhores condições de atendê-los?

337

Figura 85- No Brasil, poucos alunos são identificados como superdotados/altas

habilidades, na rede pública de ensino. Marque as 5(cinco) principais

razões para que isto ocorra, segundo sua avaliação

338

Figura 86- Para você, quais seriam os motivos de termos tão poucos alunos

superdotados/altas habilidades em nossas escolas?

341

Figura 87- Os motivos da sub-identificação das mulheres 344

Figura 88- Você considera que as escolas particulares tem melhores condições de

atender aos alunos superdotados/ altas habilidades? Por quê?

348

Figura 89- Como avalia a oferta de bolsas de estudo, aos alunos que se saem bem em

provas de seleção e obtêm descontos na mensalidade?

349

Figura 90- Como os docentes avaliam as formação sobre AH/SD 354

Figura 91- Número de prêmios Nobel distribuídos por área/país. 462

Figura 92- Quadro de medalhas distribuídos por modalidade/país 463

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................18

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16

I- O ESTUDO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO ..................................28

1.1 AS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E HERANÇA GENÉTICA................33

1.2 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO E REPRODUÇÃO SOCIAL....................36

1.3 ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO E O PAPEL DE PAIS DEDICADO.......37

1.4 A NEGAÇÃO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO.................................42

1.5 ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO, DEFINIÇÃO E CONCEITOS................44

1.5.1 As teorias das altas habilidades/superdotação...............................................................48

1.5.2 A teoria dos Três Anéis de Joseph Renzulli e outras teorias das AH/SD.....................52

II-INVISIBILIDADE: QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS...........................59

2.1 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL.....................................................64

2.2 A PESQUISA DE CAMPO, O RETORNO À SINGULARIDADE..................................68

2.3 A UNIDADE DE ANÁLISE .............................................................................................73

2.4 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NA COMPREENSÃO DA INVISIBILIDADE ......................75

2.4.1 As hipóteses para a invisibilidade das AH/SD..............................................................77

2.4.2 As AH/SDentre determinismo, genética e hereditariedade..........................................80

2.4.3 O embate mérito x dom nas concepções docentes sobre as AH/SD.............................81

2.4.4 As concepções de escolarização das elites e a invisibilidade das AH/SD....................83

2.4.5 Quem seriam, então, os interessados nas AH/SD?.......................................................87

2.4.6 As AH/SD como fenômeno social multifacetado.........................................................88

2.4.7 O fenômeno a partir do conceito de Capital Cultural...................................................89

2.4.8 O Habitus Docente e a identificação de indivíduos com AH/SD.................................93

2.4.9 A invisibilidade das AH/SD e a escola reprodutora.....................................................96

2.4.10 O fracasso escolar e as altas habilidades/superdotação................................................98

2.4.11 Ideologia das aptidões naturais e AH/SD...................................................................100

2.4.12 O quadro das AH/SD, na Sociedade Brasileira..........................................................101

2.4.13 Uma situação contraditória: “a invisibilidade de algo muito visível”........................103

III- A HISTÓRIA NA INVISIBILIDADE DOS ALTO-HABILIDOSOS .....................105

3.1 O TALENTO HUMANO, AO LONGO DA HISTÓRIA................................................105

3.2 AS IDEIAS DE MONTAIGNE E LOCKE E AS AH/SD...............................................108

3.3 UMA CONCEPÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DAS AH/SD.....................................113

3.4 A HISTÓRIA DO BRASIL E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD.................................114

3.5 A INVISIBILIDADE E A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA......................117

3.5.1 O Brasil Republicano..................................................................................................120

3.5.2.1 As ideias de Francis Galton e a invisibilidade das AH/SD, no Brasil........................122

3.5.2 A rede de ensino brasileira, no século XX e a invisibilidade das AH/SD...................126

IV- A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AH/SD.........................................................141

4.1 ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE AH/SD, NO BRASIL.......................141

4.1.1 As AH/SD e seus estudos na educação brasileira.......................................................147

4.1.2 Como “nomear” e atender o indivíduo que se destaca?..............................................148

4.1.3 As AH/SD como problema de pesquisa e a produção da invisibilidade.....................154

4.1.4 A produção paulista sobre AH/SD..............................................................................159

4.1.5 A produção acadêmica sobre AH/SD no restante do Brasil......................................163

4.1.5.1 Gênero e a produção brasileira sobre AH/SD.............................................................164

4.2 OS FOCOS DE INTERESSE DOS ESTUDOS EM AH/SD...........................................166

4.3 OS MITOS SOBRE AS AH/SD E O FENÔMENO DA INVISIBILIDADE..................167

4.4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E AS AH/SD..........................................................174

4.5 METODOLOGIAS DE IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS COM AH/SD...................179

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4.6 O PESO DAS EXPLICAÇÕES BASEADAS NA GENÉTICA .....................................182

4.7 A RESISTÊNCIA DOCENTE EM IDENTIFICAR ESTUDANTES COM AH/SD.......186

4.8 OS ALTO-HABILIDOSOS EM SANTA MARIA E NO D.F.........................................190

4.8.1 Os trabalhos do PIT em Santa Maria.............................................................................190

4.8.2 O Distrito Federal e a pesquisa e atendimento aos alto-habilidosos..............................192

4.9 A PRODUÇÃO ACADÊMICA E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD..........................199

V- A IMPRENSA E O ESTADO NA ABORDAGEM DAS AH/SD...............................201

5.1 A CONSTRUÇÃO DO MITO DA GENIALIDADE E DE “DOM ................................215

5.2 AS AH/SD NO PORTAL OFICIAL DA SEE-SP............................................................221

5.3 AS AH/SD GANHAM AS PRIMEIRAS PÁGINAS.......................................................225

5.4 MATÉRIA DE CAPA......................................................................................................227

5.5 O TRATAMENTO DA IMPRENSA E A INVISIBILIDADE DAS AH/SD..................231

5.6 O ESTADO BRASILEIRO E OS INDIVÍDUOS COM AH/SD.....................................234

5.6.1 As AH/SD por meio dos documentos oficiais brasileiros...........................................249

5.7 AS AH/SD NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.............................................................258

5.8 A UNIÃO EUROPEIA.....................................................................................................264

VI A INVISIBILIDADE SEGUNDO OS TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO.......268

6.1 O QUESTIONÁRIO APLICADO DURANTE AS FORMAÇÕES................................271

6.2 O QUESTIONÁRIO VIRTUAL DA PESQUISA............................................................284

6.2.1 As análises das respostas ao questionário virtual........................................................285

6.3 CURSOS E FORMAÇÕES..............................................................................................357

6.3.1 Os resultados das formações.......................................................................................361

6.3.2 A “UME Antônio de Almeida Macedo”: um ponto fora da curva.............................367

6.4 AS ENTREVISTAS..........................................................................................................373

6.4.1 Análise das entrevistas................................................................................................380

6.4.1.1 Os hábitos de estudo dos indivíduos com suspeitas de AH/SD..................................386

6.4.1.2 A experiência escolar dos alunos com AH/SD...........................................................388

6.4.1.3 A relação com os docentes e os alunos com AH/SD..................................................393

6.4.2 As entrevistas com os profissionais da educação........................................................395

6.5 AS INSTITUIÇÕES QUE ATENDEM ALTO-HABILIDOSOS..............................424

6.5.1 O Instituto Rogério Steinberg – IRS...........................................................................425

6.5.2 O CEDET- Lavras.......................................................................................................428

6.5.3 A visita ao NAAH/S de Vitória, no Espírito Santo.....................................................435

6.5.4 As instituições paulistas de atendimento às AH/SD...................................................437

ALGUMAS CONCLUSÕES E POSSIBILIDADES.............................................................444

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................465

GLOSSÁRIO..........................................................................................................................477

INTRODUÇÃO

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[...] Quando Parmênides indaga a Sócrates, para embaraçá-lo, se ele admite a

existência de “formas” de coisas “que poderiam parecer até mesmo insignificantes,

como um fio de cabelo, a lama, a sujeira, ou qualquer outro objeto sem importância

nem valor”, Sócrates confessa que não pode decidir-se a fazer isso, pois tem medo de

resvalar para um “abismo de besteiras”. Isso, diz Parmênides, é porque ele é jovem e

novo em filosofia e preocupa-se ainda com a opinião dos homens. A filosofia vai

apoderar-se dele um dia e lhe fará ver a inutilidade destas arrogâncias das quais a

lógica não participa. (Parmênides, 130) . (BOURDIEU, 2013, p. 37)

A presente pesquisa tem por objetivo esclarecer uma realidade, ainda pouco conhecida

e estudada, na educação brasileira: os motivos da situação de invisibilidade vivenciado pelos

alunos com características de altas habilidades/superdotação, nas redes de ensino, no país.

A qualidade de pesquisas, na área da educação no Brasil, é reconhecida de longa data e

conta com pesquisadores brasileiros renomados, inclusive no exterior. São bastante conhecidas

as pesquisas brasileiras, no campo da violência escolar, fracasso escolar,

Psicologia, História e Sociologia da Educação que recebem elogios, internacionalmente,

e a cada ano, contam com mais pesquisadores brasileiros em congressos internacionais.

Porém, a área que pesquisa aqueles, que tenham históricos e características de pessoas

com altas habilidades/superdotação, ainda é pouco estudada e conhecida no Brasil.

A produção acadêmica brasileira sobre as altas habilidades/superdotação, apesar de ter

uma longa história e contar com pesquisadores, mundialmente, reconhecidos, é ainda incipiente

e engatinha, para se consolidar como área de pesquisa. Podemos contar nos dedos, os programas

de pós-graduação que desenvolvem trabalhos, na área e a produção acadêmica não chegou,

ainda, a duas centenas de teses e dissertações.

Na formação inicial dos professores brasileiros, o assunto, quando não é totalmente

ignorado, é apresentado de forma superficial.

No estado de São Paulo, o mais rico e com a maior rede de ensino público, do Brasil,

tínhamos no ano de 2015, cerca de 1.0411 alunos identificados como alto-habilidosos, em uma

rede com quase 4 milhões de estudantes e mais de 5000 escolas.

1http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/professores-de-sao-paulo-terao-curso-para-

identificar-alunos-superdotados/?cHash=d7ff7d62ff54093648bf60416270d543, Consultado em 12/08/2016 às

13h. Umas das grandes dificuldades relativas ao tema é obter informações oficiais atualizadas sobre o atendimento

a alunos com AH/SD, fazendo com que sejamos exageradamente dependentes das informações da impressa sobre

o assunto como forma de obter dados sobre o assunto.

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No país, segundo dados do Ministério da Educação, são aproximadamente 13.3082

alunos identificados com altas habilidades/superdotação. Segundo o Censo Escolar de 2014,

número 17 (dezessete) vezes maior que o registrado em 2000. Ainda assim, infinitamente

inferior aos, aproximadamente, 2,5 milhões de potenciais superdotados que existiriam no país,

segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). A maior parte das redes de ensino

brasileiras, mesmo após anos de ações na área, ainda não tem tradição de, sequer, informar estes

estudantes, no Censo Escolar3.

A maioria das cidades brasileiras não possui um único aluno identificado e registrado,

no censo escolar, como estudante com altas habilidades/superdotação, indicando o tamanho da

invisibilidade deste público e desta temática para a realidade educacional brasileira.

Na rede de ensino da cidade, onde desenvolvemos nossa pesquisa, localizada no litoral

do Estado de São Paulo, a situação não é diferente. Com cerca de 130.000 (cento e trinta mil)

habitantes e mais de 15.000 (vinte mil) alunos, em sua rede de ensino, não existia, até o ano de

2016, um único estudante oficialmente identificado, com altas habilidades/superdotação.

É neste contexto de fracasso escolar, em uma cidade marcada pela pobreza da

população, mas com uma das maiores arrecadações municipais do país, que não conta com

nenhum caso de estudante, com indicação de AH/SD, que pretendemos pesquisar os motivos

que levam os indivíduos com AH/SD a tornarem-se invisíveis na realidade educacional.

Pesquisar as altas habilidades/superdotação, no Brasil, significa enfrentar três desafios

iniciais: primeiro, lidar com a aparência “prosaica” de desenvolver um doutorado, com

indivíduos “bem sucedidos”, diante da realidade de fracasso, em massa, dos estudantes

brasileiros; segundo, pesquisar um tema pouco estudado e tratado como “menor”, nas pesquisas

acadêmicas sobre educação e, finalmente, estudar indivíduos que são, praticamente, ausentes

2http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/10/1695504-numero-de-superdotados-cresce-17-vezes-em-14-

anos-nas-escolas-do-pais.shtml, Consultado em 26/02/2017 às 13h. Cabe destacar a grande dificuldade em

conseguirmos informações dos órgãos oficiais brasileiros sobre os números de alunos alto-habilidosos de forma

atualizada. 3Analisando o Censo de 2008 da Educação Especial, no “Quadro do número de matriculas de alunos, com altas

habilidades/superdotacão, na Educação Especial por regiões, estados e municípios em 2008”, verificamos que

cidades que já possuem atendimento educacional especializado, em salas de recursos, ou centros especializados e

que atendem centenas de crianças, como, por exemplo, Brasília (DF); Vitória (ES); Lavras (MG); Palmas (TO);

São José dos Campos (SP); Curitiba e outras cidades (PR); Porto Alegre, Santa Maria e outras cidades (RS) e Rio

de Janeiro (RJ), não apresentam nenhum aluno declarado, no referido Censo. Também, no ensino médio, na

Educação de Jovens e Adultos (EJA) e na Educação Profissional, não existem, igualmente, alunos com altas

habilidades/superdotação matriculados. Assim, como não existem dados de alunos, com estas características, no

Ensino Superior. Vale salientar que, desde 2005, foram implantados com o apoio do MEC, na maioria das capitais

brasileiras e no Distrito Federal, os Núcleos de Atividades das Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), com

os objetivos de identificar e apoiar alunos com AH/SD, suas famílias, assim como seus professores. Destes

Núcleos, em atividade já há cinco anos, apenas 9 declararam um total de 35 alunos. (FONSECA, 2011, P.3).

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das realidades educacionais dos professores brasileiros. Deste modo, é preciso, antes de tudo,

coragem para se arriscar por um daqueles caminhos indicados por Bourdieu, que figuram para

o mundo acadêmico entre aqueles considerados indignos ou insignificantes.

A realidade educacional brasileira é conhecida pela constante exposição de suas mazelas

e fracassos. A realidade educacional da cidade que pesquisamos segue a mesma tônica, gestores

e docentes afogados em debates relativos à indisciplina, dificuldades de aprendizado, ausência

de infraestrutura e fracasso escolar.

Neste contexto, sobra pouco, quase nenhum tempo e energia, para pensar naqueles

alunos que se destacam e obtêm bons resultados nos estudos.

Nas salas de professores, reuniões de HTPC e mesmo, em conversas informais entre

profissionais da educação, é raro que surjam assuntos relativos aos alunos que se destacam e

possam levantar suspeitas de altas habilidades/superdotação. A percepção é a de que estes são

estudantes esquecidos na difícil realidade, repleta de problemas e desafios, que enfrentam os

profissionais da educação brasileira.

Entretanto, as crianças e jovens com altas habilidades possuem direitos reconhecidos

pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996, que lhes garante o atendimento educacional

especializado; aceleração de estudos; direito à atividades diversificadas em sala de aula regular,

para enriquecimento do seu currículo, evitando assim, que estes alunos desmotivem-se de seus

estudos. Estas são crianças que precisam ser reconhecidas e acompanhadas por seus docentes,

tendo suas necessidades acolhidas e orientadas.

Contradizendo a lei, são raros os casos de atendimento a estes alunos, no Brasil, gerando

um quadro de invisibilidade, no qual tais educandos têm seus direitos negados, onde muitos,

sequer, conseguem saber o motivo de serem diferentes, situação que, além de dificultar o

desenvolvimento dos talentos destes indivíduos, pode causar sofrimento, ansiedade, medo e

necessidade de camuflar seus potenciais, para parecerem “normais”.

Em relação aos docentes e gestores, a situação é tão, ou mais difícil e complexa, pois é

sabido, por quase todos, as dificuldades que professores, no Brasil, encaram, sejam de escolas

públicas ou privadas. Baixos salários, indisciplina, salas superlotadas, deficiências no processo

formativo, ataque de todos os lados, culpando os professores pela situação da educação

brasileira.

Mas, diante de todos os dilemas, frente a uma estrutura que existe para não deixar a

educação fluir, um dos problemas que mais desanima e entristece professores e gestores é a

sensação de que as crianças não aprendem, é a impressão de que todo o esforço é insuficiente

e que as crianças nada conseguem assimilar.

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Neste quadro, professores e gestores saem todos os dias do trabalho, com a sensação de

que nada do que fazem surte efeito, de que ninguém aprende com seu trabalho ou se interessa

por suas aulas, que por mais que tentem, não conseguem vencer tantas dificuldades de

aprendizado e a falta de interesse pelos estudos. Assim, os docentes e os gestores adoecem e

desanimam, com a impressão de que estão “enxugando gelo”. Será que estão?

Diante desta situação, não notar, não identificar e nem trabalhar com os alunos que se

destaquem e, por ventura, venham ser crianças com altas habilidades/superdotação é, no

mínimo, uma atitude preocupante, afinal, estes estudantes poderiam ajudar a combater este

olhar de que ninguém aprende, nem se interessa pelas aulas.

Ainda, como parte da introdução da pesquisa, analisamos a forma de encaminhamento

ao interesse do tema em questão e apresentamos à banca as motivações pessoais que nos

levaram a decidir por um assunto pouco usual, nas pesquisas em educação, no Brasil. Deste

modo, faremos uso do método biográfico, para analisar e compor nosso texto. Basear-nos-emos

nos trabalhos de (DEMARTINI, 1988) para fundamentar o trabalho.

Consideramos que o método biográfico, por nos obrigar a questionar a ilusão da

neutralidade objetiva dos métodos quantitativos e nos fazer lidar com a subjetividade, no

desenvolver de nossas pesquisas conforme (QUEIROZ, 2008), ajude-nos a compreender como

nossos temas de pesquisa chegam em nossas vidas profissionais e intelectuais e, aos poucos,

encaminha-nos ao trabalho científico.

Esta não é uma pesquisa neutra, salientamos desde o início, assumimos o compromisso

com a necessidade de pensar sobre o impacto da invisibilidade dos alunos talentosos, na

dinâmica de funcionamento da instituição escolar, sobretudo, da invisibilidade do talento entre

os filhos das classes trabalhadoras.

Pensar no que me leva a ter interesse em um tema, como as altas habilidades na educação

pública brasileira, um tema, normalmente, abordado como menos urgente, em nossa realidade

educacional tão permeada por problemas ligados ao fracasso, falta de estrutura, precarização

do trabalho docente, é algo que entendemos como necessário.

Realizar uma pesquisa sobre, supostamente, “sucesso escolar” tem sido um importante

exercício de reflexão, quanto a pertinência e real importância sobre a temática. Por vezes, até

nós ficamos em dúvida sobre o assunto da pesquisa.

Iniciamos, informando que a mesma não se debruça sobre o sucesso escolar e não está

à margem oposta a toda a tradição de pesquisas, brasileiras, sobre o fracasso escolar. Esta é uma

pesquisa que se liga aos estudos sobre o fracasso escolar, sobretudo, ao fracasso escolar da

escola capitalista e sua função reprodutivista da sociedade. O ângulo escolhido é diferente

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daqueles, tradicionalmente, discutidos, como por exemplo, no clássico estudo de (PATTO,

2000), ao escolhermos estudar os indivíduos ditos superdotados, mas o referencial teórico e a

perspectiva são os mesmos: como e porque a escola capitalista produz o fracasso.

Olhando, retrospectivamente, para nossa história de vida, considero que as inquietações

que me levaram ao meu atual problema de investigação: a condição de invisibilidade das

crianças, com características de altas habilidades/superdotação, nas escolas públicas brasileiras,

estão presentes em minhas observações, desde a mais tenra idade.

Quando olho para trás, noto que o caminho das pesquisas científicas corresponde à

tentativa de responder a dúvida, que sempre se apresentou nos meus tempos de estudante: o

porquê tantas crianças, tão inteligentes, não conseguem desenvolver todo o seu potencial e nem

serem notadas pelos seus professores.

Saí da universidade curioso por entender que processo era este, onde escolas, sistemas,

professores desperdiçam seus alunos mais talentosos e, pior, sequer têm conhecimento da

existência destes e continuam desconhecendo-os, mesmo quando obtêm sucesso profissional.

Tornei-me professor de História, da rede pública estadual de São Paulo e, em pouco

tempo, tais dúvidas voltaram a se apresentar, pois com todas as dificuldades e problemas que

encontramos em escolas públicas, havia um grupo de estudantes muito inteligente, dedicado, e

que conseguia ótimos resultados, nos estudos e, que ainda assim, seguiam invisíveis aos olhos

dos docentes e da escola. As reuniões de HTPC e conversas informais da escola, sempre

tratavam dos mesmos temas: violência, evasão, reprovações, indisciplina, falta de estímulo aos

estudos, infraestrutura deficiente e, especialmente, notas baixas e dificuldades de aprendizado;

e a existência deste grupo de alunos, que se dedicava muito ou que tinha grande potencial,

sequer, surgia como preocupação de professores e gestores, o que os tornava crianças e

adolescentes invisíveis.

Assim, segui por uma década, observando ano, após ano, muitos estudantes, com

potencial, desestimulados, nas escolas e, sequer, notados, cercados de docentes angustiados,

queixando-se do fato de não terem mais “bons alunos", ignorando a presença de crianças e

jovens, imensamente inteligentes, em suas salas de aula.

A angústia levou-me atuar em cursinhos pré-vestibulares, comunitários, para jovens

carentes, interessados em seguir com os estudos, em cursos técnicos e faculdades, constatando

que nos chegam alunos excelentes, incrivelmente, inteligentes e que, na maioria das vezes,

desconhecem seus potenciais.

Outra maneira para tentar resolver tais angústias e dúvidas foi a realização de uma

pesquisa de mestrado, que buscava entender qual era a representação social dos docentes, da

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escola em que atuava, sobre o que seria um bom aluno, uma vez que, era frequente a reclamação

dos professores de que estes não existiam mais, na escola pública. Dois anos de pesquisa e a

conclusão: o que menos pesa na definição do conceito é a capacidade intelectual dos alunos;

importam a disciplina, o capricho nos cadernos, a família com melhor ou pior condição

socioeconômica e capital cultural, a configuração familiar adequada aos modelos tidos como

ideais pelos professores. Compreendemos assim, que o fracasso escolar é produzido, nas duas

pontas, quando não conseguimos ensinar a imensa maioria dos alunos, acusando-os de terem

dificuldades, bem como, ignorando e, também, não ensinando às crianças, que, teoricamente,

seriam mais talentosas.

A sequência de nossas atividades profissionais ocorreu, por meio da atuação como

gestor, em uma escola pública de educação infantil e ensino fundamental I e, novamente, o

dilema partilhado, em outros níveis de ensino, surge dividido com poucos professores; o fato

de todos os anos, inúmeras crianças com potencial, notadamente, acima da média, deixarem de

ser identificadas e/ou notadas, denotando que não importa a idade do estudante ou formação e

nível de atuação dos professores, o mesmo problema segue: a não identificação dos estudantes,

com potencial de destaque escolar.

Tentando respostas para tal situação, iniciamos os trabalhos em nível de doutorado, com

o objetivo de analisar as razões que levam à invisibilidade das crianças, com características de

altas habilidades/superdotação.

Diante do exposto, o problema de pesquisa que o trabalho buscará responder é a

compreensão das causas da invisibilidade dos estudantes com altas habilidades/superdotação, e

suas relações com a produção do fracasso escolar.

Os objetivos do trabalho são: levantar as principais teorias que explicam as altas

habilidades/superdotação; analisar o estado da arte das pesquisas na área e suas relações com o

quadro de invisibilidade; desenvolver levantamento quanto às ações do Estado, no sentido de

atender o público alto-habilidoso; avaliar como o desenvolvimento histórico do sistema

educacional brasileiro relaciona-se com a situação de invisibilidade das altas

habilidades/superdotação; realizar levantamento e análise do modo como os veículos de

comunicação: “O Estado de São Paulo”, “Folha de São Paulo” e “A Tribuna de Santos”

tratavam do tema das altas habilidades/superdotação, ao longo dos últimos 10 anos e seu

impacto na produção da invisibilidade; desenvolver pesquisa de campo junto aos docentes e

gestores educacionais de uma rede de ensino da Baixada Santista, relacionada à temática das

altas habilidades/superdotação e os motivos da invisibilidade; finalmente, levantar junto às

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instituições especializadas no atendimento ao público alto-habilidoso da região Sudeste, quanto

aos motivos da invisibilidade.

Como metodologia de pesquisa, realizamos levantamento bibliográfico e documental

sobre o tema e suas relações com o problema por nós pesquisado, na parte do trabalho que

denominamos pesquisa teórico-documental. Na sequência, desenvolvemos pesquisa de campo

junto aos educadores da rede pública de ensino sobre a temática, por intermédio dos

questionários, entrevistas, formações com os docentes e posterior registro das observações in-

loco; finalmente, realizamos visitas às instituições de atendimento especializado em AH/SD,

em cada um dos estados da região Sudeste, de modo que as análises teóricas e de campo

pudessem ser integradas, na confirmação das hipóteses, quanto aos motivos da invisibilidade.

Utilizamos, na pesquisa, os estudos de Renzulli sobre a concepção de altas

habilidades/superdotação, bem como, a produção acadêmica de Freitas, Pérez, Alencar, Fleith

e Guenther, como base para nossas análises sobre o atendimento aos indivíduos com altas

habilidades/superdotação, quanto as principais hipóteses para compreensão das AH/SD.

Em relação as concepções teóricas da pesquisa, buscamos uma abordagem que utilizasse

o materialismo histórico dialético como referencial e, para tanto, as obras de Marx e Oliveira

serviram de referência ao encaminhamento teórico da pesquisa. Ainda, em relação as

concepções teóricas sobre o sistema educacional, as obras de Bourdieu, Nogueira, Bisseret e

Patto contribuíram para as reflexões, que envolvem a unidade de análise “INVISIBILIDADE”,

e suas relações com o sistema escolar, na sociedade capitalista.

Quanto a pesquisa de campo, utilizamos como referenciais teóricos os trabalhos de

Queiroz, Lang, Bueno e Demartini, para a organização das etapas da pesquisa, estruturação e

condução dos questionários e entrevistas, fichamentos dos registros de formação com os

docentes, transcrição das entrevistas realizadas, durante os trabalhos, visitas às instituições que

desenvolvem atendimento com público alto-habilidoso e, finalmente, análises dos dados

obtidos pelas ferramentas de pesquisa e elaboração do texto da tese.

No que diz respeito à estruturação do texto da tese, seguimos uma percurso que buscou

analisar nosso problema de pesquisa, por intermédio de variados ângulos, com o objetivo de

confirmar ou refutar nossas hipóteses, de modo que a unidade de análise fosse observada,

inicialmente, naquilo que se referia às suas relações com a universalidade da questão. Em

seguida, desenvolvemos ampla análise do problema da pesquisa, a partir de suas relações com

a particularidade de se constituir em um dado contexto histórico e sociedade. Por fim, chegamos

ao trabalho de campo, quando tivemos oportunidade de nos debruçar em nossa unidade de

análise, em suas relações com as singularidades dos indivíduos para, assim, podermos ter um

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panorama amplo do problema de pesquisa e retornarmos à universalidade, buscando a síntese

de pesquisa em nossas conclusões.

Deste modo, o trabalho foi organizado da seguinte forma, no que se refere a distribuição

dos capítulos da tese.

No capítulo 01, apresentamos o problema de pesquisa ao leitor, bem como, suas

implicações na realidade educacional brasileira; descrevemos como a condição de

invisibilidade dos alto-habilidosos é confirmada pela bibliografia especializada, em contextos

educacionais diversos e desenvolvemos análise das principais concepções teóricas sobre a

definição de altas habilidades/superdotação e seu surgimento. Desenvolvemos, também, a

apresentação das hipóteses predominantes, no cenário acadêmico, quanto aos motivos da

invisibilidade, bem como, refletimos sobre as relações entre concepções teóricas e a produção

da invisibilidade das AH/SD.

No capítulo 02, desenvolvemos a fundamentação teórica da pesquisa, apresentando

como procedemos a análise de nosso problema de estudo: A invisibilidade dos sujeitos com

altas habilidades/superdotação, na realidade educacional brasileira e, mais especificamente, na

rede de ensino, que serviu de base para nossas constatações. Indicamos qual perspectiva teórica

entendemos que seja adequada para uma efetiva compreensão de nossa unidade de análise e,

desta forma, indicamos a importância dos trabalho de Beth Oliveira, com a dialética do singular-

particular-universal, para o desenvolvimento da pesquisa. Pensamos sobre impacto da ausência

de reflexões fundamentadas nas contribuições da sociologia da educação, para a compreensão

das altas habilidades/superdotação, na produção da invisibilidade dos estudantes alto-

habilidosos, na realidade educacional.

No capítulo 03, foi realizada análise da questão das altas habilidades/superdotação, ao

longo da História, em especial, ao longo da História educacional brasileira, objetivando

primeiro refletir sobre o problema, em uma perspectiva histórica, onde verificamos que o debate

sobre a explicação e aproveitamento dos indivíduos mais talentosos é questão bastante antiga,

que percorre boa parte da História da humanidade preocupando as mais variadas sociedades.

Desta forma, o problema de pesquisa é apresentado como questão histórica e, por isso, com

amplo fundamento teórico conceitual, de modo que fosse identificado como problema de

pesquisa relevante pela tradição acadêmica-científica, rompendo com a fragilidade que,

tradicionalmente, a temática costuma encontrar para se fundamentar no debate acadêmico.

Além disso, foi desenvolvido estudo historiográfico, possibilitando a constatação das profundas

relações entre sociedade capitalista e forma como são compreendidos os talentos humanos,

mais especificamente, as relações profundas existentes entre o trajeto do sistema educacional

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brasileiro, sobretudo, no que tange ao acesso dos pobres aos bancos escolares e a condição de

invisibilidade dos sujeitos com altas habilidades/superdotação.

No capítulo 04, desenvolvemos a análise da produção científica brasileira sobre as altas

habilidades/superdotação, acompanhando o caminho histórico da produção científica brasileira,

na área, aventando os principais problemas de pesquisa abordados na produção nacional.

Refletimos sobre a invisibilidade vivenciada pelas próprias pesquisas e pesquisadores da área

das AH/SD, bem como, as hipóteses mais importantes para a compreensão do que sejam as

altas habilidades e explicações para o quadro de invisibilidade. Finalmente, refletimos quanto

às relações entre a forma como se organiza e fundamenta-se o campo das pesquisas sobre altas

habilidades/superdotação, no Brasil e o quadro de invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos,

na realidade educacional brasileira, indicando que, segundo nossas observações, a própria

forma como a produção científica se organiza e elege a abordagem teórica, para analisar o

problema, guarda relação com a invisibilidade.

No capítulo 05, realizamos um levantamento quanto a forma que os dois mais

importantes jornais do Estado de São Paulo, a “Folha de São Paulo” e o “Estado de São Paulo”,

bem como, o maior jornal da Baixada Santista: “A Tribuna de Santos” acompanharam a

temática das altas habilidades, no período compreendido entre 2006 a 2016, buscando analisar

o papel dos meios de comunicação, na formação do imaginário popular e docente sobre os

indivíduos alto-habilidosos e sua consequente invisibilidade. Ainda, no capítulo 05, como

forma de complementar a análise sobre o modo como o aparelho ideológico do estado,

Imprensa, trata do tema da pesquisa, desenvolvemos estudo quanto às medidas estatais para

atendimento das altas habilidades, nos últimos 50 anos, buscando explicações para a aparente

contradição entre termos, diversas medidas e discursos governamentais em defesa do público

alto-habilidoso e a carência de ações que busquem combater a invisibilidade, de modo efetivo.

No capítulo 6, apresentamos os resultados da pesquisa de campo realizada junto aos

educadores, de uma rede de ensino do litoral paulista, sobre o tema das altas

habilidades/superdotação e suas explicações para o problema de pesquisa: os motivos da

invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, na escola. Neste sentido, apresentamos os dados

obtidos, durante mais de 3 anos de pesquisa de campo, com os profissionais da referida rede,

a partir de variadas ferramentas de coleta de informações, como: questionários, entrevistas,

registros de visitas as escolas, registros de cursos e formações sobre o tema que desenvolvemos

com os educadores, de modo que pudéssemos reunir a maior quantidade possível de

informações e perspectivas sobre o tema, em quantidade e profundidade, que nos possibilitasse

análise e reflexão sobre o problema da pesquisa, de modo articulado com nosso trajeto teórico.

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Finalmente, neste capítulo, apresentamos os resultados das visitas a 04 instituições de

atendimento especializado em altas habilidades/superdotação e suas explicações para a

invisibilidade.

Encerramos o texto da pesquisa com a apresentação das conclusões, de modo que

pudéssemos buscar a síntese de nossos estudos, apontando os diversos ângulos sob a qual nossa

unidade de análise foi avaliada e, assim, desenvolvermos um retorno ao problema inicial da

pesquisa: o quadro de invisibilidade dos alto-habilidosos, relacionando-o com a sociedade

capitalista e com o contexto educacional, de modo mais amplo, a fim de que as concepções

baseadas nas ideologias das aptidões naturais fossem superadas, a partir da constatação de suas

relações com a produção da invisibilidade e os próprios indivíduos alto-habilidosos passassem

a ser compreendidos, inseridos no debate educacional mais amplo, na realidade escolar, como

um todo, para que as relações entre suas condições de invisíveis fossem consideradas como

uma face da moeda do fracasso escolar.

CAPÍTULO I

O ESTUDO DAS ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO4

A hierarquia dos domínios e dos objetos orienta os investimentos intelectuais pela

mediação da estrutura das oportunidades de lucro material e simbólico, que ela

contribui para definir. O pesquisador participa sempre da importância e do valor, que

são comumente atribuídos ao seu objeto e é pouco provável que não leve em conta,

4Segundo o World Council for Gifted and Talented Children, considera-se sobredotada a pessoa com elevado

desempenho, ou elevada potencialidade, emqualquer dos seguintes aspectos isolados, ou combinados: capacidade

intelectual geral,aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo, talento especial paraas artes

visuais, dramáticas e musicais, capacidade motora e capacidade de liderança. (POCINHO, 2009)

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consciente, ou inconscientemente, na alocação de seus interesses intelectuais, o fato

de que os trabalhos (cientificamente) mais importantes sobre os objetos mais

“insignificantes” têm poucas oportunidades de ter, aos olhos daqueles que

interiorizaram o sistema de classificação em vigor, tanto valor quanto os trabalhos

mais insignificantes (cientificamente) sobre os objetos mais “importantes” [...]

(BOURDIEU, 2013, p.38)

Nossa pesquisa busca compreender quais as razões que levam os estudantes, com

características de AH/SD, a não receberem a devida atenção e atendimento, nas escolas públicas

brasileiras. Buscamos os motivos, que levam alunos talentosos a viverem uma espécie de

invisibilidade, bem como, as implicações e consequências desta postura para os indivíduos

invisíveis, seus professores e escolas. Finalmente, analisamos como o fracasso escolar

relaciona-se com a invisibilidade dos alto-habilidosos.

O trabalho com a bibliografia, na área das altas habilidades/superdotação, indicou que

a invisibilidade dos alto-habilidosos não é algo restrito à cidade, onde concentramos nossas

pesquisas. Trabalhos nacionais e internacionais confirmam a condição de invisibilidade deste

grupo de estudantes. É grande o número de trabalhos brasileiros, que denunciam a invisibilidade

dos indivíduos com altas habilidades/superdotação, destacamos, por exemplo, o trabalho de

Pérez (2011, p.109), que diz: “A invisibilidade dos alunos com AH/SD está estreitamente

vinculada à desinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta

de formação acadêmica e docente e à representação cultural das pessoas com Altas

Habilidades/Superdotação (PAH/SD)”

A bibliografia especializada utiliza-se do termo invisibilidade para se referir ao reduzido

número de estudantes, com altas habilidades/superdotação, identificados e atendidos, nas

escolas brasileiras, Pérez e Freitas, (2011, p.112), afirmam: “Talvez mais estigmatizados que

os alunos com deficiência, os alunos com AH/SD não conseguem sair de sua invisibilidade

sistêmica, que se reflete nos censos escolares, que não recebem informações adequadas [...] e,

apresentam números insignificantes dentro das matrículas”.

Perez e Freitas não são as únicas a utilizar o termo invisibilidade, para descrever a

situação dos alto-habilidosos, esta, também, é denunciada por Negrini (2008, pp.275- 282),

como podemos verificar:

Direciona-se a discussão à educação de alunos com altas habilidades/superdotação, os

quais frequentemente estão presentes no contexto escolar, porém, como bem expõe

Pérez (2004), são alunos “fantasminhas”, uma vez que muitas vezes não são

identificados, nem mesmo reconhecidos pelos professores. [...] Com estas pesquisas,

percebe-se que os alunos com altas habilidades/superdotação estão presentes em

grande número nas escolas e que muitas vezes passam despercebidos pelo olhar do

professor e dos familiares.

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A denúncia da invisibilidade já é realizada pela produção acadêmica, na área e, desta

forma, seguimos a tradição das pesquisas, ao denunciar a grave situação destes estudantes, que

não têm seus direitos atendidos, em suas experiências escolares. Assim, filiamo-nos ao uso da

ideia de invisibilidade para descrever a condição de não identificação e atendimento e

utilizamos o conceito de invisibilidade como unidade de análise, que norteará nossa pesquisa.

Entretanto, a maioria das pesquisas brasileiras, quando se questiona sobre os motivos

da invisibilidade, relaciona esta situação com a falta de informação da população, em geral e

de formação, específica, dos docentes brasileiros. Pérez e Freitas (2011,p.122), defendem que

a razão da invisibilidade seria: “Certamente, a informação da sociedade como um todo e a

formação dos docentes é um dos principais elementos que poderão apagar o nefasto prefixo

dessa palavra.(Superdotado)”.

É evidente que, informações adequadas para o grande público e formação docente,

específica, ajudariam na questão. Da mesma forma, a existência de um imaginário5, repleto de

mitos sobre o tema colabora para que seja constituída a situação, que vivenciamos com os

estudantes alto-habilidosos. No entanto, trabalhamos com a hipótese de que estas explicações

são insuficientes para a compreensão da invisibilidade e terminam por não colaborar com sua

superação, por não considerar fenômenos complexos da realidade educacional.

Ter as altas habilidades/superdotação como objeto de pesquisa, está longe de ser uma

tarefa fácil ao pesquisador, em educação. Ponto central de uma antiga polêmica das disciplinas,

que buscam entender a relação entre cognição-aprendizado-inteligência humana, as altas

habilidades colocam-nos diante de antigas perguntas e das consequências de suas respostas: Os

humanos nascem todos iguais? Teríamos, enquanto espécie, os mesmos potenciais intelectivos?

Para respostas negativas, temos uma nova questão: De onde surgem, então, tais diferenças?

Para respostas positivas, a favor da igualdade no nascimento, também temos outra pergunta:

Como explicar o talento e os diferentes níveis de desempenho verificados, empiricamente, entre

os indivíduos? De um lado, temos o empirismo, que reconhece as diferenças humanas, mas não

lhes explica as origens. Do outro, o idealismo que defende a igualdade, justificando-a

teoricamente, mas que, não consegue explicar os casos empíricos de talento que se apresentam,

na realidade.

Beethoven já nasceu “BEETHOVEN” e assim, destinado pelos “astros, deuses, ou

genes” às artes musicais, ou se tornou Beethoven, ao longo de sua vida e experiência humana?

5Utilizamos o conceito de imaginário apresentado por Baczko (1991).

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Podemos produzir mais Beethovens, Bachs e Mozarts? Havia um grupo de genes

“musicais” circulando na mesma sociedade, fruto do acaso, ou havia algo no contexto social e

histórico de Viena, dos séculos XVIII e XIX, que tornou possível o surgimento de tantos gênios

da música?

Existem pessoas mais ou menos inteligentes que outras, quando comparadas entre si?

Como definir isto? Seria a inteligência algo como altura e peso, com gradações diferentes nas

qualificações: alto/baixo; gordo/magro? Ou as diferenças intelectuais (e talvez mesmo altura e

peso em certa medida) são fruto de processos sociais e históricos?

A noção de que todos nós, humanos, nascemos iguais e que vamos nos diferenciando,

conforme o tempo e as interações sociais, foi uma ideia que ganhou força no século XVIII e

tendo como base as ideias iluministas, serviu de questionamento ao papel da nobreza e ao

próprio antigo regime. Deste modo, pensadores como Rousseau tornaram-se grandes

influências entre os pensadores e idealizadores, da sociedade contemporânea e do projeto de

escolarização de massas.

Entretanto, logo após as revoluções burguesas e com a chegada definitiva desta classe

social ao poder, surge a necessidade de explicar uma situação contraditória: ainda que nasçam

iguais, os humanos nunca vivem a mesma vida e acabam tendo condições de vida, que nada

têm de igualitárias. Se somos inicialmente iguais, por que estamos divididos em classes

distintas? Por que alguns são dominados e explorados e outros, dominadores e exploradores?

Para tais perguntas as ideias de “mérito” e “dom” terão profunda relação com a escola e os

debates sobre os indivíduos e suas potencialidades acadêmicas, artísticas, atléticas, etc.

Neste sentido, ganha força, a explicação para os postos de comando serem ocupados por

uma elite dirigente composta tanto por membros da burguesia, como por membros das nobrezas

destituídas pelas revoluções, temos a sociedade sendo distribuída entre alguns, que lideram as

atividades econômicas, comerciais, bem como, os cargos da burocracia, que administram o

Estado, seguidos da imensa maioria da massa de trabalhadores, a qual vivia em condições de

profunda exploração e extrema miséria. Tomemos como base a noção iluminista de que todos

nascendo iguais, tais diferenças seriam o resultado do acesso ou não à escola, também, da

combinação de esforço e mérito individual de cada sujeito e suas famílias, no desenvolvimento

dos indivíduos e respectivas trajetórias, que explicariam os caminhos de “sucesso” ou

“fracasso” dos sujeitos.

Segundo tais concepções, seria a escola a instituição capaz de equalizar as diferenças

sociais e garantir que cada um ocupasse postos, conforme suas capacidades e esforços. Neste

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percurso, a escola nasce, profundamente marcada pela ideologia da meritocracia e quase todas

as suas crenças e justificativas são pautadas nesta ideia.

Porém, a noção de igualitarismo é prontamente questionada, a partir da observação

empírica de que determinados sujeitos obtêm resultados, nos seus campos de atuação, muito

superiores à média das pessoas e, nos estabelecimentos escolares, os professores são obrigados

a buscar explicações que justifiquem o fato de um determinado grupo de estudantes existentes,

praticamente, em todas as turmas e escolas, terem resultados muito elevados, em relação aos

demais.

A busca por conciliar a ideia de mérito e igualitarismo, acabou fortalecendo explicações

para os talentos humanos, que terminaram por solidificar as noções de “dom” e “carisma”,

segundo as quais alguns sujeitos, pelo toque do “acaso”, ou “divino”, nasceriam dotados de

capacidades intelectuais, criativas, artísticas, atléticas, muito além da média humanidade e,

assim, seriam explicados os grandes feitos das Ciências, Artes, indústria,etc.

Ligadas às noções elitistas de sociedade e positivistas da Ciência, tais ideias refletiam

concepções iluministas, afirmando que os postos ocupados, por cada um, deveriam representar

exatamente o seu mérito e capacidade pessoal. Teríamos, assim, uma sociedade justa e

vocacionada ao progresso, com a escola desempenhando vultoso papel, nesta tarefa.

Parte fundamental, na construção desta sociedade “científica, justa e ideal”, seria o

acesso à escola única, capaz de oportunizar a todos os mesmos conhecimentos, de modo que

cada indivíduo desenvolvesse os seus “dons”, para que, posteriormente, que a escola garantisse,

por sistemas progressivos de barreiras e nivelamento, o acesso aos níveis mais elevados de

ensino, este ocorrendo conforme o talento e mérito individual.

Assim, chegamos ao tema das altas habilidades/superdotação, parte de um importante e

antigo debate acerca das influências genética/hereditária versus a influência dos aspectos

culturais/ambientais, na constituição das capacidades/habilidades humanas.

Durante longo período, a hegemonia das correntes inatistas e de cunho

genético/hereditário para a explicação das AH/SD foi, praticamente, única. Por muito tempo,

a tradição oriunda de explicações biológicas para o talento teve domínio neste campo.

Entretanto, ao longo do século XX, as críticas a tal concepção foram avolumando-se e,

pouco a pouco, comprovando-se que a inteligência humana, as capacidades, o rendimento e o

sucesso escolar eram influenciados por fatores que transpunham o potencial “genético”.

Trabalhos como o de Bisseret (1978), Lahire (1997), Bourdieu e Passeron (1992), foram

desnudando os aspectos ideológicos, que camuflavam tais teorias, as quais, pretensamente,

explicavam o sucesso escolar; apresentando o quanto de ideologia as ideias de dom e aptidão

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natural continham ao buscar uma justificativa biológica, para as desigualdades sociais.

Bourdieu e Passeron, ao apresentarem o perfil da escola reprodutivista, trouxeram à tona o

caráter social e cultural do funcionamento da escola e apontaram como as condições estruturais

da sociedade giravam em torno da posse do capital econômico e cultural, que eram travestidos

em dons, talentos inatos ou, no extremo, herança genética, quando se buscava

“entender/justificar” o sucesso escolar.

Mas a predominância da explicação biológica para os talentos gerou problemas que, por

si próprios, denotam parte da invisibilidade para o tema.

Ao longo da história, as “explicações” biológicas para o talento surgiram substituindo a

noção de dom, associada ao toque divino; a ideia seria conferir um tom de ciência à questão e,

ainda que, atualmente, poucos sejam os pesquisadores que recorram a ideia de “dons”, para

fundamentar suas explicações, verificamos (ao longo da pesquisa), no imaginário do senso

comum docente ou da imprensa, o uso das ideias de dom, como explicação para as AH/SD. Não

é raro, ver atletas em entrevistas citarem ter recebido um “dom de Deus” para executarem seus

ofícios; mesmo as palavras dotado ou gifted fazem referência à noção de dote, dom ou presente

recebido e, durante muito tempo, a questão foi explicar quem havia dado o referido presente.

A noção de AH/SD associada a dote divino talvez seja uma das responsáveis pela

tradição escolar de conferir pouca atenção a estes alunos, pois, diante de tantas crianças com

dificuldades, em situação de fracasso escolar, não faria muito sentido conferir mais atenção a

um grupo seleto, que recebeu a inteligência, como presente da providência. Menos sentido

ainda, segundo o entendimento do senso comum, faria a noção que associa os “dotados” aos

alunos com necessidades especiais.

Verificamos durante os levantamentos iniciais da pesquisa, basicamente quatro posições

sobre altas habilidades/superdotação, presentes no senso comum estas são: 1- o primeiro grupo,

que defende que as mesmas existem e que são explicadas como capacidades inatas, herdadas

geneticamente; 2 - o segundo grupo concebe a existência de AH/SD, porém, afirma que estas

seriam produtos unicamente de interações com o ambiente; 3- a terceira corrente propõe que

haja interação entre heranças inatas e fatores ambientais, sendo que, atualmente, tal posição é a

mais aceita; por fim, 4- temos teóricos que argumentam que os diferentes potenciais são o

resultado de posse de capital cultural e econômico, portanto, as AH/SD não existiriam.

1.1- As Altas Habilidades/Superdotação como Herança Genética/Hereditária

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As teorias biológicas para o talento tiveram história variada, ao longo de sua trajetória

e seria um equívoco tratá-las de maneira uniforme. Temos desde as mais abertamente ligadas à

noção de hereditariedade, até as que tentam explicar o talento, a partir de complexas

combinações genéticas.

Diversos estudiosos do campo da Biologia entendem que mais de 50% (cinquenta por

cento) da inteligência tenha origem hereditária6. Ainda assim, pensamos que não valha a pena

um longo debate sobre o quanto as habilidades de um sujeito e seu sucesso, em uma dada área

da produção humana, sejam frutos de determinações históricas e sociais, como: acesso aos

mediadores culturais, livros, viagens etc, uma vez que, temos trabalhos suficientes, para nos

mostrar o impacto destes fatores, no desenvolvimento humano7.

A questão é, avaliar o peso que teorias, que atribuem a capacidade intelectual à herança

genética, têm na realidade educacional.

Durante nossas pesquisas, foram inúmeros os relatos de professores, relacionando as

altas habilidades/superdotação com a genética e tal opção teórica tem (segundo nossas

hipóteses) grande impacto, na invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação.

Em um contexto, como o que temos, com escolas marcadas pelo fracasso escolar, com

professores, constantemente, queixando-se da qualidade dos estudantes e de seu fraco nível

intelectual, onde ainda tem força discursos saudosistas sobre uma escola do passado, de “boa

qualidade”, como supor que os docentes que acreditem em herança genética, busquem,

identifiquem e aprimorem os saberes de crianças oriundas das parcelas mais pobres da

população? A sua maioria composta por negros e afrodescendentes, em muitos casos,

descendentes de migrantes que fugindo da pobreza, encontram a miséria nas periferias dos

centros urbanos?

Atendendo alunos, com pais que tiveram pouca experiência escolar, muitos deles com

largo histórico de fracasso escolar, tendo famílias que, ainda, contam com pais e avós

analfabetos, surge a questão: como docentes e gestores, que acreditam na inteligência como

produto único da hereditariedade e da genética, avaliam o potencial intelectual os educandos

filhos da classe trabalhadora, que não lhes fornecem o esperado “capital cultural”?

Poderiam estes professores acreditar que tenham alunos com AH/SD, em suas turmas

de escolas públicas, repletas de jovens pobres? Assim, iniciamos nossa pesquisa sobre os

6http://veja.abril.com.br/ciencia/estudo-atribui-ate-50-da-inteligencia-a-heranca-genetica/Consultado em

10/03/2017 às 9h. 7http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/2015/12/1721356-genes-e-inteligencia-merito-e-

talento.shtml?cmpid=topicos Consultado em 10/03/2017 às 9h.

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motivos que levam alunos inteligentes, estudiosos, dedicados, brilhantes a não figurarem nas

falas e preocupações de professores e gestores escolares, no cotidiano das escolas.

Durante a nossa pesquisa, verificamos que a invisibilidade, no contexto educacional,

está associada ao impacto que as teorias, que explicam as altas habilidades/superdotação

causam, ao criarem maior ou menor disposição das escolas em notar e atender estes alunos.

Podemos resumir este problema, em uma questão: se acreditamos, enquanto educadores e

instituições escolares, que herdamos a inteligência e habilidades de nossos pais, o que os

professores devem esperar de alunos, que habitam bairros pobres e com famílias com pouca ou

nenhuma experiência escolar e, onde a maioria dos estudantes fracassa?

Se as nossas capacidades e talentos são biologicamente herdados, basta aos educadores

um olhar mecânico para a realidade social onde atua, para que, no limite, infira o potencial de

seus educandos e as aptidões naturais do seu público. Tais concepções, ainda que sem esta

intenção imediata, terminam por naturalizar a miséria, justificar as desigualdades e invisibilizar

as altas habilidades/superdotação, nos meios populares.

Entre aqueles que defendem a hereditariedade, para a explicação das altas

habilidades/superdotação, temos diversas linhas teóricas e uma tradição antiga, que remonta

aos trabalhos de Francis Galton, no século XIX.

Estudos que indicavam a forte relação entre renda e acesso à titulação acadêmica, bem

como, sucesso profissional e origem familiar, como os de Bourdieu e Passeron (1992), Bisseret

(1978), colocavam as teorias, puramente hereditárias, em posição de difícil sustentação. Em

paralelo, tais pesquisadores passaram a admitir o que já era inegável, ou seja, a relação entre

origem familiar, classe social, etnia, gênero e sucesso, no campo intelectual.

Estas foram posições que trataram de “amenizar” o peso da hereditariedade, na

constituição das capacidades intelectuais; movimento estratégico, que visava garantir a

sobrevivência da teoria. Assim, ainda que de um modo mais brando e cuidadoso, muitos

pesquisadores seguiram defendendo a noção de que inteligência é algo que herdamos de nossas

famílias.

Dentre os que defendem que a inteligência ou as capacidades tenham explicações nos

genes, mas que não apologizam as teorias de hereditariedade da inteligência, existe uma

concepção de que a condição seja fruto do acaso ou, em última estância, golpe de sorte do

destino. Para estes, o dom de Deus seria substituído pelo dom dos genes e as desigualdades

humanas das aptidões, que antes era explicada pela eleição divina, passa a ser justificada fruto

da eleição biológica.

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Mas, mesmo os mais ingênuos, defensores de tais ideias, logo se dão conta de que nossa

sociedade não se organiza a partir dos princípios genéticos e não são os mais “inteligentes e

capazes” que governam a sociedade. Para tais estudiosos, daí decorrem a injustiça e as mazelas

sociais; por isto defendem o ensino que possibilite o pleno desenvolvimento dos “mais

capazes”, de modo que tenhamos, em um momento ideal, uma sociedade organizada por sua

elite intelectual.

Esta corrente teórica foi, historicamente, defensora do atendimento especial para as

crianças com altas habilidades; foram os grandes defensores da destinação de recursos aos

projetos que atendem ao público com altas habilidades/superdotação. Porém, a fragilidade em

da teoria, colocou a questão em posição defensiva, tanto dos professoresque envoltos em

desafios nas situações de fracasso enxergam o tema como elitista, como da elite dirigente, que

sabedora da inconsistência da questão, mostrou-se reticente em defender propostas, que

pareciam gerar um gasto desnecessário de recursos, sem grandes resultados objetivos.

1.2 Altas Habilidades/Superdotação e Noção de Reprodução Social

Se no senso comum de professores, existe um domínio das teorias biologizantes das

altas habilidades8, não podemos dizer que o mesmo ocorra na academia, em especial, nas áreas

ligadas à educação.

As razões para esta “distorção” são variadas, desde a tradição meritocrática da educação

de massas, como um dos pilares da sociedade capitalista, que possui dificuldades em aceitar

e/ou defender que os sujeitos nasçam com seu potencial para o sucesso já pronto e acabado, até

concepções pautadas em visões críticas das ideias, que baseiam suas explicações para as

diferenças individuais na Biologia e, ao criticar a genética e a hereditariedade, como

explicações para a inteligência dos indivíduos, praticamente, negaram a existência de AH/SD,

deixando os docentes divididos entre negar, totalmente, que os indivíduos superdotados existam

ou buscar uma explicação para o fato empírico, de que alguns de seus estudantes apresentam

rendimento e potencial acima da média. Neste caso, quase sempre a única explicação que

achavam eram as teorias defensoras da genética e, em ambas situações, o resultado quase

8Durante as pesquisas de campo, com professores e gestores, verificou-se amplo domínio de explicações ligadas à

noção de genética e condições congênitas, para explicar as altas habilidades/superdotação; nos próximos capítulos

tais dados serão apresentados.

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sempre era a invisibilidade, seja pela sua não existência teórica, ou sua inexistência, com base

na herança genética de seus alunos, que a empiria fazia supor.

Enquanto os defensores da meritocracia, fazem a crítica à associação de altas

habilidades/superdotação e genética, a partir de uma concepção conservadora; a segunda

corrente, partindo de uma posição progressista, iniciou a crítica a conceitos como: quociente

intelectual, hereditariedade das habilidades humanas e aptidão natural e tais críticas seguiram

o caminho de comprovação empírica, da relação entre a classe social e sucesso escolar.

O resultado da combinação destas duas posições descritas foi o tema das altas

habilidades/superdotação ser relegado para uma posição secundária, quase inexistente, tanto

nas pesquisas em educação, como nos cursos de formação docente. Deste modo, falar em

AH/SD tornou-se um tabu, na realidade das pesquisas educacionais brasileiras e estas se

concentraram, basicamente, nas áreas ligadas à psicologia e ciências biológicas.

Tal situação influenciou como os professores, na maioria dos casos, entendem o

fenômeno superdotação, altas habilidades, altas capacidades, dotação ou talento. Devido ao

forte traço elitista das pesquisas sobre esta temática, bem como, a sua aproximação com teorias

que flertavam com autores como Galton (1865), que fundamentou a base de teorias como a

eugenia, a ideia das AH/SD foi fortemente rechaçada, no contexto da educação, em especial,

quando falávamos de contextos progressistas.

Somado este fato à luta de parcelas alijadas da oportunidade de estudar e a posterior

ligação com os estudos sobre o fracasso escolar e a escola reprodutivista, criou-se a ideia de

que observar, analisar alunos, que por ventura, obtivessem sucesso, em suas trajetórias

escolares, seria optar por um tema elitista.

A opção teórica adotada, na maioria dos casos, foi o silêncio, surgindo um dos primeiros

desafios aos pesquisadores das AH/SD, no Brasil: como estudar as AH/SD, a partir de uma

perspectiva crítica e progressista de sociedade? Seria possível tal empreitada?

Deste modo, não se fala do tema, nas universidades e congressos de educação, como

pudemos verificar nos vários encontros, simpósios que participamos. Como nos explica

Bourdieu: este é um daqueles temas definidos como “menos importantes”9.

O silêncio acadêmico espraiou-se pelos docentes, nas escolas e, hoje, raramente, um

professor se arriscaria, de forma espontânea, a falar de alunos com AH/SD, sem correr o risco

de ser tachado conservador ou contrário à meritocracia.

9(BOURDIEU, 2013)

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Mas, este silêncio não fez com que os professores deixassem de verificar a existência

de alunos, com rendimentos de destaque e buscassem explicações. Como nossa pesquisa

demonstrou, o conceito de superdotação sempre esteve presente, no imaginário docente, apenas

silenciado ao debate público.

Entre os pesquisadores da área de AH/SD, o resultado foi o distanciamento das ciências

humanas e o domínio, quase completo, da Psicologia, no estudo do tema, chegando ao ponto,

de pesquisas na área, serem produzidas sem uma única referência, ou citação bibliográfica

relacionadas aos cânones da pesquisa educacional nacional e internacional, como se não

tratássemos de um tema ligado à educação.

1.3 Altas Habilidades/ Superdotação e o Papel de Pais Dedicados

Entre aqueles que se opõem ao peso atribuído à genética, na explicação dos talentos

individuais, temos os que defendem que as crianças, que apresentam rendimentos superiores,

são fruto do trabalho dedicado de suas famílias e grupos sociais, sobretudo, de seus pais.

Estes indicam que o produto que os defensores das visões biologizantes entendem por

herança genética e, por vezes, fruto da hereditariedade, são, na verdade, o resultado de muito

investimento dos pais, em ações e atividades, que estimulam seus filhos a desenvolver suas

capacidades, tais como: o uso de jogos, a apreciação de músicas, o trabalho para o

desenvolvimento da linguagem oral, manter livros ao alcance das crianças, a escolha de escolas

de qualidade, o estímulo à autoconfiança e a correr riscos, o acompanhamento dedicado à vida

escolar, os elogios ao potencial da criança e, sobretudo, o apoio, com pronto investimento de

tempo e dinheiro, ao surgir alguma potencialidade, que seja valorizada socialmente e/ou pelos

pais, produzindo assim, alunos com capacidades superiores10.

Os estudos sobre o papel das famílias, no desenvolvimento das AH/SD, têm contribuído

para desmistificar o peso excessivo atribuído à genética e à biologia, para a compreensão do

potencial humano, Silva (2008), indica-nos a importância, fundamental, da família no processo

de desenvolvimento das habilidades humanas:

Diversos estudos apontam a importância da família para a manifestação,

desenvolvimento e reconhecimento da superdotação de um indivíduo. Por exemplo,

10

“As pesquisas que investigam aspectos familiares relacionados à superdotação têm indicado que os fatores que

mais contribuem para o desenvolvimento de habilidades superiores são o ambiente familiar enriquecido e

organizado, de modo a atender as demandas e interesses do superdotado, a posição especial na família e os valores

e as expectativas parentais relacionados à educação e ao desempenho acadêmico.” (CHAGAS, 2009)

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Alencar (1997), Bloom (1985) e Moraes, Rabelo e Salmela (2004) relatam pesquisas

que mostram a influência da família e de professores, no desenvolvimento de

habilidades na ciência, música e esporte. Hellstedt (1987) enfatiza esta influência ao

afirmar que a família constitui o ambiente social primário, em que o jovem pode

desenvolver a sua identidade, autoestima e motivação para o sucesso. A literatura

também destaca a existência de uma relação de influência mútua entre a criança

superdotada e sua família (Aspesi, 2003; Silverman, 1993; Winner, 1998). A família

pode influenciar de diversas formas o desenvolvimento do talento.

Temos inúmeras pesquisas, que apontam no sentido de reconhecer o papel dos núcleos

familiares como fundamentais, no desenvolvimento/surgimento das AH/SD. De certo modo,

tais concepções corroboram com estudos clássicos da área da educação, em que se destacam o

papel dos grupos sociais, no resultados escolares das crianças, com inúmeros estudos

desenvolvidos nesta área, nos Estados Unidos, a partir do Relatório Coleman publicado em

196611, que entre outras afirmações, confirma o peso das interferências sociais e econômicas,

no rendimento dos estudantes (SOARES, 2008, p. 15):

O que Coleman mostrou, com muito mais clareza, confirmando alguns estudos

anteriores, é que as diferenças socioeconômicas entre os alunos são as responsáveis

pelas diferenças no seu desempenho e que, portanto, a esperança de combater a

desigualdade racial, mediante melhor distribuição dos investimentos em educação,

seria uma quimera.

A confirmação do papel fundamental dos investimentos familiares, nos resultados

escolares dos estudantes e em seu eventual desenvolvimento de habilidades superiores,

dialogam com as pesquisas, já clássicas, sobre o papel reprodutivista da instituição escolar e o

peso que o capital cultural e econômico transmitidos pelas famílias, tem no sucesso, ou fracasso

dos estudantes. Os estudos com famílias de crianças superdotadas e suas características

desenvolvidas por Silva (2008), confirmam as proposições das obras clássicas sobre o papel

das condições socioeconômicas, no desenvolvimento dos estudantes:

Na área musical, Davidson e Cols. (1996) realizaram um estudo com crianças que

estavam aprendendo a tocar instrumentos musicais e seus respectivos pais. O

estudoindicou que os pais exercem um papel central em relação ao início e ao

prosseguimento dos filhos, no treinamento musical, durante o extenso período

necessário ao desenvolvimento de um desempenho notável. Além disso, foi sugerido

que as crenças dos pais em relação aos talentos de seus filhos, influenciam o

comportamento deles, sendo determinantes para um maior incentivo ao empenho dos

jovens. Na área acadêmica, Robinson, Weinberg, Redden,Ramey e Ramey (citado em

Aspesi, 2003) realizaram um estudo comparando famílias de crianças superdotadas e

famílias de crianças não superdotadas. Os resultados mostraram que as famílias de

11 Relatório apresentado em resposta à Seção 402, da Lei de Direitos Civis de 1964, ao congresso dos Estados

Unidos da América, elaborado por COLEMAN, James : “Seção 402: O comissário deve produzir um Survey, e

produzir um relatório para o Presidente e para o Congresso, dentro do período de dois anos da promulgação desta

lei, sobre a falta de disponibilidade de oportunidades educacionais iguais para indivíduos, por razão de raça, cor,

religião ou naturalidade, em instituições educacionais públicas, em todos os níveis, nos Estados Unidos, seus

territórios e possessões e o Distrito de Columbia.”

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crianças superdotadas possuem: (a) mais recursos financeiros e maior educação

formal; (b) mais flexibilidade entre os integrantes da família; (c) maior participação

dos pais na vida acadêmica de seus filhos, segundo a percepção dos professores;

(d)menor vivência de situações de estresse na rotina familiar;(e) maior comunicação

dos pais acerca das altas expectativas em relação ao desempenho dos filhos.(SILVA

P. V., 2008, p. 340)

Entretanto, apesar das pesquisas indicarem, de modo cabal, o papel dos núcleos

familiares e condicionantes sociais, no desenvolvimento dos sujeitos, na realidade escolar, o

que ocorreu foi, aparentemente, o oposto. De um lado, as teorias que atribuem à genética os

talentos humanos não perderam força e, junto a estas desenvolveram-se ideias de que a

constatação de que fatores sociais implicam nos resultados dos estudantes, de modo decisivo,

trouxe para o ambiente escolar explicações para o fracasso dos estudantes baseadas nas

perspectivas preconceituosas, que já existiam sobre as populações pobres e seus filhos.

Estudos como o de Patto (2000), indicam a percepção, profundamente, arraigada nos

meios educacionais, em atribuir o fracasso escolar dos estudantes às características e condições

sociais, das famílias trabalhadoras, das áreas pobres, das cidades brasileiras. Esta concepção,

que se apropriou da produção científica de modo mecânico e apressado, por si só já teria um

papel decisivo na constituição da invisibilidade das AH/SD, nas escolas públicas. Ideias como

a teoria da carência cultural tem papel de destaque no ato de não supor e, consequentemente,

não reconhecer os talentos dos estudantes da classe trabalhadora, mas o problema destas ideias

não termina por aqui.

Da deturpação das ideias, que estabelecem correlação entre condições sociais e

interferência das famílias, no desenvolvimento dos estudantes, surge uma concepção, segundo

a qual os indivíduos alto-habilidosos seriam o simples resultado do empenho e dedicação de

pais interessados na criação, treinamento e formação de superdotados. Tal ideia, associada às

concepções biologizantes da capacidade humana, apontava duas hipóteses: haveria aqueles que

“verdadeiramente nasciam superdotados” e “aqueles, que não tendo qualquer talento especial,

eram apenas crianças moldadas/estimuladas por suas famílias a apresentarem resultados

superiores”. Na prática, os primeiros eram pouco notados e os segundos rechaçados, quando

um familiar incauto sugeria um possível AH/SD.

Em geral, a concepção acima relatada insere-se no contexto de educadores que tentam

proteger as crianças da “pressão e violência”, que pais, normalmente, da classe média, exercem

sobre as crianças, roubando-lhes a infância.

Não raro, encontramos famílias de classe média, que têm planos e projetos para crianças

pequenas, que vislumbrem sucesso, reconhecimento financeiro e profissional. Como resultado,

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temos crianças escravas de agendas, que em meio a tantas atividades e tarefas, como: estudar,

realizar as atividades escolares, cursos de piano, inglês, aulas de natação etc, são alijadas de seu

direito de brincar, de ter o ócio garantido, de serem crianças, com a justificativa de que são

superdotados e precisam desta rotina para se aprimorar. Não são poucos pais, que realmente

chegam à escola, desejando tratamento especial às suas crianças, sob alegação de que seus filhos

são gênios12.

Muitas vezes, tal expectativa das famílias concretiza-se na exigência de que a criança

avance nos estudos e tenha direito à famigerada aceleração de série/ano, um tema polêmico e

fruto de embates vigorosos entre pais e educadores, que no fundo, explicitam duas concepções

complementares, da escola capitalista: o apego à seriação, por parte dos docentes e a ideia de

competitividade pelos pais, vislumbrando este “saltar” séries como vantagem para ingressar

mais cedo, nas universidades, consequentemente, no mercado de trabalho.

Mas o grande problema desta interpretação está no fato de que, na busca por

“explicações sociais” e não biológicas dos talentos humanos, reforçamos a noção de

meritocracia, neste caso, não dos sujeitos, mas de suas famílias.

Ao defender comportamentos típicos da elite e classe média e não acessível às camadas

empobrecidas da população, reforçamos que a ideia de que os culpados pelo fracasso escolar

dos pobres são os familiares. E como estes comportamentos não são típicos dos pais de escolas

públicas, de periferia, não faz sentido buscar crianças superdotadas, nestes grupos sociais. Cabe

destacar, que pesquisas, na área das AH/SD, indicam que se é verdade que comportamentos

típicos da classe média são parte fundamental para a constituição das altas habilidades,

verificamos que famílias pobres, imbuídas por fatores diversos, são capazes, em determinadas

circunstâncias, de emular os comportamentos da classe média, na criação e desenvolvimento

dos talentos de seus filhos, como destaca Fleith (2009, p.156-166):

Podemos concluir, com base em nossos resultados, que as famíliascom e sem

superdotados diferem entre si, principalmente, com relação às práticasparentais em

termos de (a) atenção centrada nos interesses e na vida acadêmicados filhos, (b) maior

interatividade entre os membros da família, em termos dacomunicação de

expectativas e tempo despendido em bate-papos e (c)envolvimento em atividades

conjuntas. Apesar das famílias investigadas viveremem ambiente socioeconômico

desfavorecido e terem genitores, com baixo nível deescolaridade, as famílias com

superdotados apresentaram característicassemelhantes às famílias de classe média, no

que diz respeito à prioridade atribuídaà educação dos filhos. [...] Os resultados desses

estudos demonstraram que as famílias, com superdotados, costumam ser mais

flexíveis [...] Estastambém possuem mais livros, pinturas e trabalhos de arte, em casa

e investemmais recursos financeiros, na estimulação e promoção da inteligência dos

12 Durante a pesquisa de campo, são inúmeros os relatos de professores e gestores que abordam tensão e desgaste

com familiares, pelo fato de famílias e escolas terem opiniões contrárias, quanto a confirmação ou não, de

superdotação, em determinado estudante.

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filhos.Sobre as práticas parentais, os mesmos autores indicaram que os pais

desuperdotados: (a) geralmente são mais envolvidos no programa escolar de

seusfilhos, comunicando-lhes o alto valor que atribuem ao desempenho acadêmico;(b)

educam os filhos com base em sua própria experiência acadêmica; (c)apresentam

interação cognitiva significativamente diferente, em termos de tópicosdiscutidos e da

qualidade da linguagem empregada em casa; (d) expõem os filhosa novas

experiências, incentivando a autonomia e independência; e (e) são maisassertivos,

independentes e liberais.

Os defensores da genética, obviamente, opõem-se a esta teoria, pelo fato de tal

concepção expor o impacto social, nos resultados dos indivíduos e, assim, desmascarar as

ideologias que travestem o capital cultural e econômico em herança genética.

Porém, ao negar a herança genética substituindo-a por trabalho e dedicação de pais e

mães, no fundo, o que ocorre, novamente, é a camuflagem do capital cultural e econômico em

esforço, atenção e dedicação paternos.

Os apologistas da genética recusam tal teoria, apegando-se às exceções, seja de filhos

brilhantes, com pais poucos dedicados ou pelo fracasso de algumas crianças, com pais muito

dedicados. Na perspectiva dos que criticam os pais, “produtores de talento”, tal prática constitui

uma violência contra a infância.

O resultado é que privados da herança genética, que indicasse uma chance de um talento

estar entre os seus e, barrados em suas tentativas de estimular seus filhos, acusados de roubar a

infância das crianças, a classe trabalhadora não tem oportunidade de desenvolver os talentos de

seus filhos e, mesmo quando consegue tal feito, vê-los negados pelas instituições escolares.

As escolas públicas, pela “aridez genética de talentos” ou em nome da “defesa infância”,

também, não aborda o assunto, contribuindo para a manutenção da invisibilidade, que impede

que se desenvolvam os futuros e potenciais intelectuais orgânicos da classe trabalhadora;

enquanto isto, elite e classe média seguem legando capital cultural e econômico aos seus filhos

superdotados ou não.

1.4- A Negação das Altas Habilidades/Superdotação

Esta perspectiva gerou a compreensão, de forma majoritária, de que pessoas

superdotadas inexistem e os talentos apresentados seriam simples resultados de experiência

sociais. Assim, tanto esta teoria, como as anteriores, têm a virtude de responder, em

considerável parcela, as questões sobre os alto-habilidosos e, especialmente, em relativizar as

teorias biologizantes do talento humano. Mas tais ideias, novamente, esbarram em não dar conta

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de explicar todos os casos, em especial, aqueles que “aparentemente” fogem à regra, ainda que

sejam, “estatisticamente”, insignificantes.

É inegável que em um sociedade de classes, como a capitalista, as oportunidades de

desenvolvimento das capacidades estejam distribuídas, conforme as características sociais e

econômicas de cada grupo. E que tais capacidades desenvolver-se-iam ao longo dos processos

históricos e seriam determinadas, a partir do modo como ocorre a luta de classes, no interior de

uma dada sociedade e de um dado contexto.

Obviamente, partindo deste princípio, com o qual concordamos, se estivéssemos em

uma sociedade, onde todos pudessem desenvolver, plenamente, suas potencialidades e tivessem

igual acesso ao capital cultural e econômico, igualitariamente, bem como, o conhecimento fosse

garantido a todos, talvez, não ocorressem as altas habilidades, pois todos poderiam desenvolver

seus talentos ao máximo.

Porém, não vivemos nesta sociedade, ao contrário, a sociedade capitalista é

extremamente desigual, impondo aos indivíduos experiências de socialização e acesso aos

mediadores culturais e ao conhecimento totalmente diversos, que variam conforme a posição

dos sujeitos, na divisão internacional do trabalho. O resultado é que, com trajetórias distintas e

acesso a recursos distintos, terminamos por ter (alguns) indivíduos que desenvolvem mais

facilmente suas habilidades e potencialidades, dominando conhecimentos de modo mais rápido

e profundo, se comparados a outras pessoas.

Logo, a simples negação das AH/SD não dá conta de responder os problemas que,

diariamente, colocam-se aos professores e alunos, pois os docentes seguem tendo, em suas

turmas, educandos que se destacam muito em relação aos seus colegas, tendo níveis e ritmos

de aprendizado muito distintos dos demais alunos. Assim, a teoria pode afirmar a inexistência

dos alto-habilidosos, pode justificar as AH/SD, a partir da posse de capital cultural e econômico,

mas os professores continuam sem saber como explicar e o que fazer com estes alunos, que por

razões desconhecidas, aprendem rápido e, constantemente, cobram-lhes outras intervenções,

em sala de aula.

Se a falta de um olhar sociológico, por parte dos teóricos das AH/SD, acaba por lhes

conduzir, apressadamente, para as teorias de influências genéticas, biologizando o que é social;

o olhar sociológico mecanicista e afoito cria teorias pautadas em determinismos sociais, que

excluem a possibilidade de ocorrerem casos de AH/SD, em grupos socialmente pobres,

principalmente, ao relacionar a formação acadêmica e classe social dos pais, aos resultados

escolares dos filhos.

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Atribuir o sucesso acadêmico e o desenvolvimento de talentos escolares, apenas, à faixa

de renda e capital cultural dos pais, implica, primeiro, que o capital cultural fosse,

automaticamente, passado entre as gerações e, segundo, cria nos docentes uma perspectiva de

não haver pessoas AH/SD, nas classes populares.

Imersos em um determinismo social, onde se imagina ser improvável encontrar alunos

superdotados, em escolas públicas, devido a origem social dos educandos, os docentes,

simplesmente, não procuram estes alunos e como não buscam, acabam não os encontrando,

fechando o círculo da invisibilidade.

A partir destas posições, casos como os de Carl Friedrich Gauss, Michael Faraday e o

próprio Pierre Bourdieu, todos gênios em suas áreas de atuação, mas oriundos de famílias

pobres, sem recursos econômicos e culturais, que pudessem justificar seus talentos, passam a

ser entendidos pela expressão, que o próprio Bourdieu adotava para si mesmo, são miraculados.

Aos docentes a explicação para os miraculados remete a uma teoria consolidada na explicação

das desigualdades sociais, as teorias do dom e das aptidões naturais.

Deste modo, entendemos que a ausência de uma teoria, que explique as altas

habilidades/superdotação, superando as visões biologizantes e, também, visões deterministas

e/ou meritocráticas, colabora para invisibilidade destes alunos. Longe de pretendermos

solucionar a questão, pensamos que os trabalhos de Setton (2016), Lahire (1997), Elias (1995),

podem nos proporcionar importantes chaves de compreensão da questão, bem como, a

experiência de russos, chineses, norte-americanos, cubanos, jamaicanos e quenianos, países

com tradição no desenvolvimento e incentivo aos talentos, podem indicar caminhos práticos,

no tratamento da temática.

Neste sentido, iniciamos a pesquisa, com algumas constatações importantes: em

primeiro lugar, a própria dificuldade em situar as altas habilidades/superdotação, como

problema de pesquisa científica, gera obstáculos, no enfrentamento e produção de

conhecimento sobre o tema, que terminam por contribuir com a invisibilidade.

As teorias predominantes, ao longo da História e, mesmo na atualidade, para explicar o

fenômeno, também colaboram para que os estudantes que, eventualmente, pudessem vir a

manifestar altas habilidades, terminem por se tornar invisíveis, na realidade educacional.

Por fim, destacamos a constatação de que a invisibilidade das altas habilidades não se

trata de algo restrito à cidade, onde trabalhamos, como professor e gestor, mas se expande,

muito além, da realidade local, com inúmeras produções científicas afirmando e denunciando a

invisibilidade, em realidades outras e, assim, a metodologia da pesquisa precisou ser

organizada, de modo a considerar esta constatação. Portanto, sem abrir mão do trabalho de

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campo, na cidade escolhida para a pesquisa, vimo-nos obrigados a abarcar contextos e variáveis,

que estavam além de nossa realidade local. Em suma, não estávamos diante de um fenômeno

circunscrito em nossa cidade e realidade, tratava-se de problema mais amplo e que, para tanto,

necessariamente, levar-nos-ia a caminhos metodológicos e teóricos, que ultrapassavam os

limites municipais.

1.5 - Altas habilidades/Superdotação, Definição e Conceitos

O jovem Einstein custou tanto a aprender a falar que seus pais temeram que pudesse

ter algum retardo mental. [...]Ao contrario da lenda, Einstein foi bom aluno na escola,

mas somente nas áreas que lhe interessavam, como matemática e ciências. [...]Estava

longe de ser o aluno perfeito, aborrecendo-se sob um sistema sufocante e autoritário

que esmagava a criatividade e a imaginação, substituindo-as por rotinas embotadoras

da mente. Quando seu pai indagou ao diretor qual profissão o jovem Albert deveria

seguir, ele respondeu: “Não faz diferença; ele nunca terá sucesso em nada”. [...]Seus

colegas de turma costumavam zombar dele apelidando-o de Biedermeier, que

corresponde mais ou menos ao atual Nerd. (KAKU, 2004,p.25)

Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), algo entre 3.5% e 5%13 da

população mundial possui alguma forma de talento, capacidade ou habilidade acima da média.

Outros autores como Renzulli (1992), e Pérez (2004), indicam que este número pode variar

entre 7,78% e até 15%1415, das pessoas. Deste modo, no Brasil, existiria uma grande quantidade

de pessoas, com talentos acima da média, podendo variar de 7 milhões até 30 milhões, o que

estaria longe de ser um número desprezível, comparando-se, assim, a uma população igual a da

grande São Paulo, de pessoas, incrivelmente, talentosas.

13Segundo informação publicada na Associação Paulista para Superdotação/Altas Habilidades publicada em seu

site oficial: “Quantitativamente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) coloca a porcentagem dos Alto

Habilidosos em 5% por cento de qualquer população. In: http://apahsd.org.br/fatos-relevantes-para-pessoas-com-

altas-habilidades/ , Visualizado em 21/07/2018 as 21h.

14 Segundo a definição de Benito (1999), e de Gardner (1995), que consideram que a superdotação pode se dar em

áreas diferentes, sem associá-las ao teste de inteligência, os índices de frequência podem chegar a 10-15%.

15

Segundo Renzulli (1986), (apud Gagné, 2009), deveríamos ter, aproximadamente, 20% de nossa amostra

composta por crianças com Altas Habilidades/Superdotação. Para Gagné (2009) esse número poderia ser até maior.

Ao analisar os dados obtidos, observa-se que o número de crianças com indicadores ultrapassa essa porcentagem

(38%), confirma-se a informação oferecida por Virgolim (2007), ao se ampliar os critérios para identificação de

indicadores a porcentagem de pessoas com indicadores de Altas Habilidades/Superdotação fica muito maior que

os 3,5% a 5% previstos pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Marques (2010).

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Na população em idade escolar, apenas na rede pública de educação básica, segundo

dados do censo escolar 201516, o Brasil conta quase 38 milhões de alunos, sendo que destes,

pouco mais de 700.000 são estudantes da Educação Especial.

Se utilizarmos estes dados como referência, para calcular nosso público com altas

habilidades/superdotação, teríamos um número entre 1,3 milhões e 5,7 milhões de estudantes,

uma quantidade, por exemplo, quase dez vezes maior que a atendida pela Educação Especial

brasileira, ou maior, que a rede pública estadual do Estado de São Paulo, a mais expressiva,

numericamente, rede de ensino do país.

No entanto, em 2016, o Brasil identificou segundo dados do INEP, apenas, 13.00017

alto-habilidosos matriculados nas escolas brasileiras, ou seja, menos de 1% da demanda

sugerida pela bibliografia especializada.

Os estudos científicos, sobre os indivíduos “mais capazes” que a média dos humanos,

tiveram origem no século XIX, com os trabalhos de Francis Galton18. Entretanto, foi com as

pesquisas de Lewis M. Terman, nas primeiras décadas do século XX, que a área despontou

como foco do interesse acadêmico. Seu trabalho que acompanhou, por mais de três décadas,

um grupo de superdotados, serviu como referência para, praticamente, todos os estudos

posteriores na área. Sua escala produzida, a partir de reformulações das escalas de Binet,

indicando que eram considerados indivíduos superdotados aqueles que obtivessem resultados

superiores a 135, no teste de inteligência Stanford-Binet19, foi paradigma durante longo tempo

e, ainda, exerce influência entre pesquisadores da área, psicólogos e professores.

16Segundo os dados preliminares, incluindo escolas estaduais e municipais de áreas urbanas e rurais estão

matriculadas na creche 1.933.445 de crianças; na pré-escola, 3.636.703; no ensino fundamental, 22.720.900;

no médio, 6.770.271 e 2.765.246, na educação presencial de jovens e adultos. Um total de 37.826.565 alunos

matriculados, no Brasil. Já na educação especial são 718.164 matrículas. A assessoria do Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informa que os números são parciais e tendem a

crescer. In:http://www.ebc.com.br/educacao/2015/10/mec-divulga-resultados-preliminares-do-censo-

escolar-2015, consultado em 07/10/2016. 17 Cabe destacar que as ações com estudantes alto-habilidosos no Brasil são tão precários que precisamos em

nossas pesquisas recorrer e aceitar números e informações sobre o referido publico, obtidos em na imprensa e

creditados ao INEP e MEC, pois nos sites ou documentos oficiais dos referidos órgãos tais dados não estão

sequer disponíveis para consulta e verificação. 18O primeiro estudo científico registrado sobre superdotados remontam aos relatórios de (Galton, 1869), versando

sobre pesquisas genéticas. Ele tentou demonstrar que as aptidões naturais das pessoas derivavam da

hereditariedade, exatamente da mesma forma que as características como estatura e outros atributos físicos,

conforme (Telford e Sawrey,1988). In: (CAPELLINI, 2005)

19 O teste Stanford-Binet foi durante muito tempo a mais popular e importante ferramenta de medição da

capacidade intelectual dos indivíduos, a famosa curva de Q.I (quociente intelectual) foi base para a formulação de

políticas publicas e base para a ação de gestores e docentes na organização escolar. Tendo sido fundamental para

a definição de quem seriam os sujeitos considerados superdotados.

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Em relação a forma, como os talentos estão distribuídos na sociedade, Capellini (2005,

p. 2), afirma:

As pesquisas mais respeitadas e mais recentes da área têm chegado à conclusão de

que existem pessoas superdotadas em todas as sociedades, independente de classe

social, condição socioeconômica, credo, cor, etnia e nível de escolaridade

(FREEMAN e GUENTHER, 2000; HALLAHAN e KAUFFMAN, 2003; ROBERTS,

2003).

Assim, os talentos humanos estariam, igualmente, distribuídos entre os indivíduos da

sociedade, independente de diferenças econômicas, culturais, de gênero, étnicas etc. Entretanto,

o que verificamos, na realidade, é que estes indivíduos, não aparecem nas estatísticas

educacionais e debates sobre as escolas públicas e privadas no Brasil.

Não existe, ainda hoje, consenso sobre como explicar os indivíduos com altas

habilidades/superdotação20 e nem sobre a terminologia adequada a utilizar, para nos referir a

estas pessoas21. Renzulli, o mais importante pesquisador na área, atualmente, utiliza o termo

Gifted, traduzido ainda que de modo controverso para o português como Superdotado.

São variadas as possibilidades de ações, para o atendimento aos alunos com AH/SD. No

Brasil, segundo a LDB, estes devem ser atendidos em escolas comuns, conforme Capellini

(2005), dentre as possibilidades de atendimento, as mais aceitas são:

Enriquecimento curricular: consiste no desenvolvimento de atividades, utilizando

técnicas diversificadas de trabalho, com o objetivo de aumentar e aprofundar os

conhecimentos do aluno, na área de seu interesse. Pode ser realizado na própria sala

de aula, com programas curriculares enriquecidos; em grupos, com conteúdo paralelo

ao currículo comum e em grupos especiais, com atividades diferenciadas, em alguns

aspectos da programação normal. É, atualmente, o modelo mais popular e aceito entre

os educadores e pesquisadores da área, porém recebe críticas, devido a nem sempre,

segundo especialistas, ter resultados adequados ao potencial dos alunos.

Aceleração: envolve a transferência de um estudante à frente de seus pares, de mesma

idade, em uma, ou mais áreas, do currículo. Tem sido usado, principalmente, com

estudantes que são extremamente precoces, intelectualmente, permitindo o melhor

aproveitamento do seu tempo livre, em atividades enriquecedoras. É também, um dos

mais polêmicos modelos, envolvendo grande debate entre os pesquisadores e, por

vezes, gerando verdadeiras batalhas judiciais entre famílias e redes de ensino.

20 “Não se sabe ainda a origem da superdotação, mas o pensamento dominante é que seja uma combinação de

causas endógenas (genéticas, congênitas e hereditárias) e fatores ambientais” (HALLAHAN e KAUFFMAN,

2003; ROBERTS, 2003).(CAPELLINI, 2005, p. 3)

21O conceito superdotado tem sofrido modificações, de acordo com a época e o contexto sócio cultural. Por muitos

anos, cientistas definiram crianças superdotadas baseando-se na relação entre habilidades superior e capacidade

intelectual. Em 1958, Abraham (apud TELFORD e SAWREY, 1988) relataram que um de seus estudantes

descobriu 113 definições diferentes dos superdotados, ao preparar uma monografia de final de curso.(CAPELLINI,

2005, p. 3)

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Segregação: Consiste na separação dos alunos, com altas habilidades/superdotação,

dos demais colegas da turma ou da escola, para que recebam formação especial e

diferenciada, de modo a atender e aproveitar seus potenciais, é o modelo menos aceito

no Brasil, devido seu caráter, amplamente, excludente e elitista. Segundo Renzulli, tal

concepção foi responsável pela dificuldade da área, de altas habilidades/superdotação,

ser aceita durante muitos anos, exatamente por propor um modelo diferenciado e

elitista e que discriminasse os demais estudantes; ainda assim, foi amplamente

utilizado em países como: EUA, URSS e CHINA e se pensarmos nos colégios

públicos brasileiros, que se utilizam de provas de seleção para ingresso, como: os

colégios militares e a rede federal de ensino, por exemplo, talvez devêssemos pensar

na real resistência ao modelo.

Quando pensamos nas condições de trabalho dos professores brasileiros como: número

de alunos por turma, jornada de trabalho, situações de indisciplina, disponibilidade de recursos,

fica evidente que estes são modelos que mesmo o professor, com a melhor das formações e

intenções, teria dificuldade em desenvolver, na rede pública de ensino, colocando-nos diante

de um dilema importante: com as atuais condições de trabalho e organização, dificilmente, um

aluno com AH/SD será identificado e atendido em suas potencialidades; assim como,

dificilmente, os alunos, que encontrem dificuldades de aprendizado, receberão atenção efetiva,

ou seja, ou a escola muda e melhora para todos ou os alto-habilidosos terão poucas chances.

1.5.1 - As Teorias das Altas Habilidades/Superdotação

São muitas as definições para altas habilidades/superdotação, todas estas estão e

estiveram ligadas aos vários conceitos de inteligência existentes ao longo da História. De um

modo geral, o senso comum entende o termo “superdotado” como “mais inteligente” do que

seria normal, ou esperado.

Mesmo que a inteligência venha sendo discutida há muito tempo, temos pouco consenso

sobre o que seria, e um dos grandes desafios, na área, ainda é conceituá-la, Gottefredson (1997),

(apud SILVA, 2005, p.12) apresenta uma descrição aceita, por parte dos estudiosos, da

inteligência:

Inteligência é uma capacidade mental muito geral que, entre outras coisas, envolve a

habilidade para raciocinar, planejar, solucionar problemas, pensar abstratamente,

compreender ideias complexas, aprender rapidamente e aprender da experiência. Ela

não é meramente erudição, ou uma estrita habilidade acadêmica, ou uma habilidade

para fazer testes. Mais do que isso, ela reflete uma mais ampla e mais profunda

capacidade para compreender o ambiente, que nos rodeia - atualizar-se, dar sentido às

coisas ou planejar o que fazer.

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Gregory (1994), explica que no trabalho de definir a inteligência humana, deparamo-

nos com alguns paradoxos. Um exemplo, interessante, é a relação entre memória e a capacidade

de resolver problemas, como o caso de um aluno inteligente, em uma situação de resolução de

um problema, que pode agir de duas formas: recuperar informação, por meio de sua memória,

para solucionar um problema ou criar uma nova solução, que não existia. Neste caso, temos

formas de ação diferentes, mas, igualmente, consideradas inteligentes. Aquele aluno que

consegue armazenar e utilizar informação e o outro, que mesmo sem informação, soluciona

problemas. Assim, o autor oferece a ideia de dois tipos diferentes de inteligência: a inteligência

“potencial” (com base no armazenamento de informação) e a inteligência “cinética” (com base

em boa capacidade de resolução de problemas).

Os conceitos do que seriam as AH/SDvariam, conforme a compreensão vigente do que

viria a ser a inteligência. Smith (2001), indica vários autores que utilizam modelos teóricos

sobre superdotação, os quais levam em conta diferentes capacidades cognitivas, habilidades ou

inteligências, como: Gardner (1983), Sternberg (1985), Feldhusen (1992), e Gagné (1995).

Temos, também, os pesquisadores que defendem a existência do chamado fator “G”,

para estes, a inteligência é uma capacidade, geneticamente, programada e que está além das

diferentes descrições de habilidades possíveis, na cultura humana. Deste ponto de vista, a

inteligência é um conceito único, unidimensional e que pode ser medida pelos “Testes de

Inteligência” Freitas e Negrini (2008). “O fator “G” é uma habilidade comum, que permeia

todos os tipos de entendimento humano e solução de problemas, é como uma energia mental

essencialmente biológica” Almeida (2002), e Silva (2005).Estas concepções de inteligência

foram hegemônicas, por boa parte do século XX e responsáveis pela maior parte das ideias

sobre AH/SD, que tivemos na educação brasileira e ocidental.

Na segunda metade do século XX, temos o surgimento da noção, hoje, dominante, de

que os humanos possuiriam diferentes inteligências, ainda que estes autores não neguem,

exatamente, o fator “G”. Entre estes pesquisadores, o mais conhecido é Howard Gardner, que

tem grande influência na forma como compreendemos a inteligência, atualmente e peso

significativo, na definição dos conceitos de AH/SD, Gardner (1994, p.7), defende que:

Parece-me, porém, estar cada vez mais difícil negar a convicção de que há pelo menos

algumas inteligências, que estas são relativamente independentes umas das outras e

que podem ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas

por indivíduos e culturas.

Este debate não se esgotou e confunde-se com as explicações para a origem do

fenômeno AH/SD e suas relações com fatores genéticos ou ambientais.

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Inúmeros pesquisadores buscaram a confirmação da inteligência, como algo herdado

geneticamente e, atualmente, há uma certa compreensão quanto ao fato de evidências indicarem

uma relação entre genética e a ocorrência de AH/SDWinner (1998).

Consideramos esta polêmica importante, pois a depender da compreensão sobre a

inteligência humana, teremos posições diversas em relação aos estudantes, por parte de escolas

e professores e acreditamos que a explicação da inteligência humana, a partir da dicotomia

genética/cultura, seja uma das grandes responsáveis pelo quadro de invisibilidade dos talentos

humanos, que vivenciamos em nossas escolas.

Acreditando que a inteligência e capacidade cognitiva humana sejam fruto de herança

genética, os docentes deparam-se, diariamente, com levas de crianças com dificuldades, em

aprender os conteúdos escolares; alunos que fracassam nas avaliações e percursos escolares, e

que, muitas vezes, terminam por se evadir, da escola. Diante do dilema de notar que muitos

destes alunos, com “dificuldade” em aprender, são crianças espertas, falantes, bem relacionadas

em seus meios sociais e que, frequentemente, trabalham e ajudam a manter suas casas, somadas

as frustradas tentativas de obtenção de laudos médicos, sobre suas dificuldades, os educadores

criam a ideia de que estes alunos “não nasceram para estudar”, ou seja, não possuem

capacidades intelectuais e personalidades adequadas ao ambiente escolar.

Esta ideia fundamenta-se na perspectiva de que os pais destes alunos, grande parte

pessoas que, também, viveram situação de fracasso escolar, não lhes teriam legado capacidades

intelectuais adequadas para os estudos. Quando um aluno, com dificuldades, possui um irmão

na mesma escola, também, com dificuldade escolar, a explicação da genética confirma-se. A

incapacidade de aprender seria herdada, geneticamente, segundo tais ideias. Estas concepções

não costumam ser ventiladas, abertamente, mas diante da dificuldade, em explicar os porquês

que um aluno não aprende, a mesma sempre surge.

Por uma questão de lógica, estas concepções docentes, profundamente, enraizadas no

senso comum e como vimos, com amparo da ciência, funcionam, também, para explicar as

AH/SD. Se herdamos incapacidades, herdamos, também, potencial superior. Deste modo, não

é raro um aluno prodígio ser apresentado por professores ou jornalistas, como fruto de uma

carga genética ótima.

A partir destas concepções, as escolas passam a se eximir da tarefa de refletir sobre

como ensinar a quem encontra dificuldade ou facilidade, traçando seu objetivo entre a massa

considerada mediana.

E assim, atuando em escolas, com grande número de alunos fracassando nos estudos,

em meio a populações pobres, com familiares mais velhos analfabetos e os mais jovens

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experimentando o chamado analfabetismo funcional; os educadores centrados na concepção

genético/inatista de inteligência,passam a acreditar que a herança genética daquele grupo social

não é adequada à procura de alunos com altas habilidades.

A outra ponta da dicotomia é a de que a inteligência, seria o resultado das influências

ambientais sobre os indivíduos, pura e simplesmente. Nesta concepção, sujeitos expostos a

ambientes culturalmente estimulantes e escolares, desenvolveriam capacidades intelectuais

superiores aos dos que vivem uma vida privada destes estímulos culturais e cognitivos.

Os defensores da ideia que a inteligência não seja herdada geneticamente, encontram

nesta teoria uma boa defesa, que se confirma em estatísticas dos institutos de pesquisa, as quais

mostram, a correlação entre pobreza e fracasso escolar, bem como, entre capital cultural,

econômico e sucesso acadêmico. Os pobres fracassam, inevitavelmente e estatisticamente, mais

que os ricos, tal concepção explicaria o fracasso escolar, e se constituiu em ideia importante,

no campo educacional, a teoria da carência cultural. Segundo esta teoria, os pobres vivenciam

experiências culturais pobres e até degenerantes, desde o nascer e, assim, quando vão às escolas,

seu potencial acadêmico já está prejudicado, cabendo à instituição escolar compensar tal

carência, o quanto possível.

A partir desta ideia, os alunos, filhos da classe trabalhadora, teriam um destino que os

encaminharia ao fracasso e, que apenas com muito esforço e luta, por parte dos educadores, tal

destino poderia ser evitado. Temos aqui uma perspectiva determinista, que torna insensata a

ideia de buscar pessoas com AH/SD, em escolas repletas de pobres.

Portanto, a dicotomia nature x nurture, na compreensão da inteligência, é parte

importante, na produção da invisibilidade das AH/SD e, consequentemente, da produção do

fracasso escolar.

Mas, a partir da década de 1970, alguns pesquisadores da inteligência e das AH/SD

iniciam um movimento de busca por explicações, para as capacidades humanas, que tentasse

romper a dicotomia genética x ambiente. Gagné (2009), por exemplo, coloca, de forma clara,

uma visão de interação entrefatores genéticos e ambientais. Segundo o autor: “as habilidades

de uma pessoa não são inatas, nem irão surgir “de repente”, durante o desenvolvimento da

pessoa, mas o desenvolvimento de talentos requer atividades de treinamento e aprendizagem

estruturados”.

Assim, as explicações baseadas em fatoresinatos ou fatores ambientais isolados, pouco

a pouco, vão sendo consideradas insuficientes para a compreensão do fenômeno pela maior

parte dos teóricos da área. A partir desta nova demanda, as linhas teóricas de autores como:

Sternberg (1985), Renzulli (2004), e Gagné (2009), apontam a conclusão de que não é

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possívelseparar fatores envolvidos, na manifestação de altas habilidades/superdotação, em dois

polos: BIOLÓGICO X AMBIENTE.

A diversidade de concepções de altas habilidades segue vasta, segundo Anjos (2011),

são muitos os modelos explicativos para as AH/SD, dentre estes destacam-se:

Temos diferentes modelos explicativos de superdotação, destacando as teorias e seus

respectivos autores: Teoria Triárquica da Inteligência, de Sternberg; o Modelo

Diferenciado de Sobredotação e Talento de Gagné; a Teoria das Inteligências

Múltiplas de Gardner, a Concepção de Sobredotação dos Três Anéis de Renzulli e o

Modelo Multifatorial da Sobredotação de Mönks.

O perfil da pessoa com AH/SD é, também, bastante diverso e contempla uma variedade

grande de características, habilidades, competências e comportamentos; suas áreas de interesse

e excelência variam por todo o espectro da produção humana, neste sentido Marques (2011, p.

55), corrobora este quadro:

Os alunos com Altas Habilidades/Superdotação não compõem um grupo homogêneo,

vários autores defendem essa ideia (WINNER, 1998; ALMEIDA & CAPELLINI,

2005; SABATELLA, 2005; GUENTHER, 2006; ALENCAR & FLEITH, 2007;

VIRGOLIM, 2007; CUPERTINO, 2008), alguns, diretamente, ao afirmá-la e outros

apresentando diferentes tipos de pessoas, que podem ser caracterizadas como pessoas

com altas habilidades/superdotação, apesar de suas diferenças.

A primeira característica deste público é o fato de se destacar, de alguma forma, em

relação a seus pares da mesma idade, por apresentar capacidade superior. Hallahan e Kauffman

(2005) (apud GUENTHER, 2006).

Segundo Marques (2011, p. 56), a maioria dos alunos com AH/SD apresenta habilidades

superiores em, apenas, uma ou em algumas áreas específicas: matemática ou música, por

exemplo. Entretanto, é comum que gestores edocentes imaginem os indivíduos com AH/SD, a

partir do que Winner (1998), denomina de alunos globalmente superdotados, ou seja, aqueles

que se destacam em todas as áreas do conhecimento.

O problema gerado por essa concepção, baseada em senso comum, é que os alunos

globalmente superdotados são minoria, dentro do universo de pessoas com altas

habilidades/superdotação e tal concepção contribui, de forma significativa, para a não indicação

de um estudante à avaliação sobre AH/SD.

Muitos docentes, em nossa pesquisa, relataram não considerar que o caso de algum

estudante talentoso se tratasse de AH/SD, exatamente, pelo fato da criança ou adolescente não

apresentar rendimento, igualmente superior, em todas as áreas do conhecimento.

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Mas quando levados a refletir sobre as probabilidades de que alguém se torne,

igualmente, competente em música, esportes, poesias e matemática, os docentes, rapidamente,

percebem o equívoco e passam a indicar nomes de potenciais alto-habilidosos, alegando que a

dinâmica escolar, em que um aluno precisa estudar e mostrar resultado, simultaneamente, em

muitas áreas, acaba contribuindo para este quadro.

1.5.2 A Teoria dos Três Anéis de Joseph Renzulli e Outras Teorias das AH/SD

Desta forma, Renzulli acredita que o termo “superdotado” é inapropriado e

contraprodutivo para fins de identificação e propõe que a ênfase deva ser retirada

doser/não ser portador de altas habilidades, para “desenvolver comportamentos” de

superdotação, naqueles jovens que têm o maior potencial para se beneficiar de

serviços de educação especial.(VIRGOLIM, 1993, p. 13)

A mais importante e aceita teoria para explicar as altas habilidades/superdotação,

inclusive, seguida pela maioria dos pesquisadores e órgãos oficiais brasileiros, é a Teoria dos

Três Anéis, de Joseph Renzulli.

Renzulli (2004), defende que existam, basicamente, dois tipos de superdotação: a

escolar-acadêmica e a criativa-produtiva. O superdotado acadêmico é aquele que consegue

grande destaque, em sua trajetória escolar, em geral, chama a atenção dos professores pelo seu

rendimento, envolvimento e rapidez com que executa as tarefas; ele apresenta as capacidades

acima da média, exatamente, nos quesitos avaliados pelos testes tradicionais e, normalmente,

tem facilidade em obter notas altas, vencendo o material curricular, com desenvoltura.

O superdotado produtivo criativo nem sempre é o aluno que se destaca nos estudos, por

obter os melhores resultados, não são reconhecidos nas técnicas tradicionais de avaliação de

Q.I., caracterizam-se pelo seu envolvimento e interesse voltados para um problema real.

Segundo Renzulli, a pessoa superdotada é aquela que se encontra na confluência de três

anéis, os quais representam características humanas: habilidade acima da média, criatividade e

envolvimento com a tarefa, Almeida e Capellini (2005), Como podemos ver figura:

Figura 01: Representação gráfica da Teoria dos Três Aneis, presente em (Virgolim, 2007).

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Segundo Anjos (2011), a definição para cada uma destas características seria:

1-Habilidade Superior à Média (geral): “consiste em elevados níveis de abstração,

adaptações para novas situações e rápida recuperação da informação; Habilidade

Superior à Média (específica): refere-se à aplicação de habilidades gerais, em

especificas áreas do conhecimento, capacidade de [...]adquirir e usar conhecimento

avançado, enquanto resolve um problema.”

2-Compromisso na Tarefa: “envolve a capacidade para elevados níveis de interesse e

entusiasmo, trabalho persistente e determinação, em uma área em particular,

confiança e direção para obter resultados[...]”

3-Criatividade: “consiste na fluência, flexibilidade, originalidade de pensamento,

abertura para novas experiências e ideias, curiosidade[...]”

A definição de Renzulli (2004), foi aceita, por boa parte dos pesquisadores e

profissionais da educação especial, por romper com a rigidez das seleções, via testes de Q.I. e

permitir que novas formas de identificação e perfis de estudantes fossem avaliados como

pessoas com AH/SD.

Seus trabalhos tiveram considerável impacto, na área da Educação Especial, pois além

da identificação, ocorreu garantia de novas formas de atendimento aos alto-habilidosos,

enfocando uma amplitude das diferentes áreas gerais de desempenho, permitindo acolher como

crianças com altas habilidades/superdotação, aquelas que apresentam habilidades acima de

média, envolvimento com a tarefa e criatividade, em qualquer das diferentes áreas, Matemática

, Filosofia, Religião, Ciências da Vida, Artes Visuais, Ciências Sociais, Linguagem, Ciências

Físicas, Direito, Música, Artes Performáticas etc. como nos mostra Virgolim (2007, p.36).

Entretanto, acreditamos que exista, ainda, o problema de considerar que as

característicasque indicariam a possibilidade de uma pessoa ter altas habilidades/superdotação,

sejam tratadas, ingenuamente, como inatas e desconsiderem que habilidade acima da média,

envolvimento com a tarefa ou mesmo criatividade têm grande relação com determinantes

culturais. Por exemplo, não considerar o papel do capital cultural, na habilidade acima da média

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de um indivíduo, pode nos conduzir a equívocos importantes; bem como, não avaliar o peso de

fatores biográficos e mesmo de um certo ethos familiar ou de grupo, para entender o maior

envolvimento com a tarefa de alguns indivíduos, pode nos impedir de conhecer, melhor, este

universo dos estudantes, altamente envolvidos com seus afazeres escolaresou com alguma área,

que decida se envolver. Afinal, muitas coisas podem fazer alguém decidir ou precisar se

envolver com uma dada tarefa, em intensidade acima da média, como: pressão familiar,

exemplo de irmãos bem-sucedidos; ética religiosa, estas são apenas algumas das variáveis a

serem consideradas.

Sobre a habilidade acima da média e a importância de um olhar mais atento e

abrangente, Freitas e Pérez (2010, p.16), indicam-nos:

A habilidade acima da média pode ser detectada tendo como referência um grupo

homogêneo de pessoas (por exemplo, os alunos de uma mesma turma escolar), da

mesma faixa etária e, aproximadamente, da mesma origem socioeconômica (já que as

oportunidades de expressão das AH/SD estão estreitamente vinculadas ao contexto).

Mesmo a criatividade, aparentemente, o fator mais associado a caracteres individuais,

deve ser analisada com um pouco mais de cuidado, pois existe pouca probabilidade de

conhecermos sujeitos criativos, sem que, antes, dominem, consistentemente, uma determinada

área do conhecimento humano

Sobre o impacto de fatores culturais, no desenvolvimento da criatividade e, assim,

trabalhando no sentido de superar a noção de criatividade, como fruto da inspiração ou dom,

temos autores que chamam a atenção para fenômenos importantes, como:

Muitos são os fatores que afetam a expressão da criatividade. Alguns destes fatores

dizem respeito ao indivíduo, outros ao ambiente de trabalho e ainda outros à dimensão

histórica e cultural da sociedade. Observa-se que as primeiras pesquisas na área se

restringiram sobremaneira à dimensão psicodinâmica da criatividade. Estas

apontavam para características do indivíduo, estilos de pensamento, abordagens para

resolução de problemas, traços de personalidade e motivação, deixando de lado as

implicações do contexto sócio-histórico mais amplo. Uma exceção foi a contribuição

de Vygotsky, no início da década dos 30, na União Soviética, que levou em conta o

papel do social na criatividade, a partir de sua concepção sobre o desenvolvimento

histórico-cultural das funções psíquicas superiores (Vygotsky, 1931/1980, 1932/1990,

1931/1991). Suas concepções gerais em relação à criatividade tiveram interessantes

desdobramentos, em diversos autores soviéticos, entre os quais se destacam Pushkin

(1980) e Ponomariov (1973, 1976, 1987). Em anos recentes, o papel vital das forças

sociais para a criatividade passaram a receber maior atenção, a partir da contribuição

de alguns teóricos, como Amabile (1983, 1990) e Csikszentmihalyi (1988a, 1988b),

nos Estados Unidos. (MARTINEZ, 1998, P.1)

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Destacamos que alguns autores nacionais arriscam-se por teóricos menos conhecidos,

no Brasil, mas, igualmente importantes, nos debates internacionais sobre as altas

habilidades/superdotação, especialmente, ao proporem novas abordagens para as concepção de

criatividade, dentre estes citamos: Martinez (1998), que nos apresenta as obras de

Csikszentmihalyi (1988), Arieti (1976), e Schwartz (1992). Segundo estes, as ideias sobre

criatividade devem mudar, no sentido de considerarem o universo cultural, onde os indivíduos

estão inseridos, como podemos verificar em Martinez (1998, p.1):

Csikszentmihalyi (1988), contribuiu de forma decisiva para a mudança de enfoque,

na concepção da criatividade e na ampliação dos fatores considerados relevantes, para

a sua compreensão. Lembra ele (Csikszentmihalyi, 1988a, p. 18), por exemplo, que

"estudar a criatividade, focalizando apenas o indivíduo, é como tentar compreender

como uma macieira produz frutos, olhando apenas a árvore e ignorando o sol e o solo,

que possibilitam a vida". Csikszentmihalyi (1988b) sugere a necessidade de uma

mudança de foco no seu estudo, destacando que "nós necessitamos abandonar a visão

ptolomaica da criatividade, na qual a pessoa é o centro de tudo, para um modelo mais

copernicano, no qual a pessoa é parte de um sistema de influências e informações

mútuas" (p. 336), tendo proposto uma teoria sistêmica, que inclui forças sociais,

culturais e da pessoa para explicar o fenômeno da criatividade.

Arieti (1976) e Schwartz (1992), destacam que a criatividade não ocorre ao acaso,

sendo antes, profundamente, influenciada por fatores ambientais, considerando os

momentos de criação como resultantesde complexas circunstâncias sociais. Schwartz

lembra, por exemplo, que a criação da maneira comoé idealizada por muitos,

atualmente, é uma ilusão, por concebê-la apenas como um fenômenointrapsíquico,

focalizando apenas a dimensão do indivíduo e deixando de lado forças políticas

esociais. Por outro lado, Arieti ressalta o papel vital da sociedade, chamando a atenção

para osfatores sociais e ambientais, que influenciam e inspiram a criatividade. De

forma especial, apontaArieti para algumas culturas e alguns momentos da História,

que têm promovido a criatividade maisdo que outras, detendo-se na identificação de

características específicas dessas sociedades, quepromovem condições propícias à

produção criativa.(Martinez, 1998, p. 1)

Estes teóricos indicam que devemos seguir caminhos distintos da tendência, de atribuir

preponderância à genética, na constituição das altas habilidades/superdotação, quando, na

verdade, temos uma rede complexa de relações e interações, que atuam na formação das

subjetividades humanas e, consequentemente, em suas capacidades/habilidades, citando os

referidos teóricos Martinez (1998), e Fleith (2003), respectivamente, alertam-nos:

Arieti (1976), ilustra o primeiro fator – disponibilidade de meios culturais e mesmo

físicos, lembrando, por exemplo, que Beethovenjamais poderia ter surgido na África,

do século XVIII, dada a inexistência de condições propícias ao estudo da música

erudita, naquele continente. Arieti vai além, apontando para o fato de que, mesmo na

Inglaterra, país próximo à Alemanha onde Beethoven nasceu, este compositor teria

apenas uma chance mínima de se transformar no grande gênio da música clássica que

foi, uma vez que a Inglaterra não dispunha do patrimônio cultural suficiente para o

desenvolvimento musical, embora se destacasse em outras áreas, como Filosofia,

Ciências e Literatura. Além do patrimônio cultural, também indispensáveis são os

meios físicos, que variam de área para área, como acesso a equipamentos científicos,

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revistas especializadas, mármore, madeira, tinta, partituras, instrumentos musicais

etc.(MARTINEZ, 1998, p. 1).

Csikszentmihalyi (1988b) defende a idéia de que o foco dos estudos em criatividade

deve ser nos sistemas sociais e não apenas no indivíduo. Para ele, o fenômeno

criatividade é construído por meio da interação entre o criador e a sua audiência.

Conforme explica Csikszentmihalyi (1996), “criatividade não ocorre dentro dos

indivíduos, mas é resultado da interação entre os pensamentos do indivíduo e o

contexto sociocultural. Criatividade deve ser compreendida não como um fenômeno

individual, mas como um processo sistêmico”(p. 23). Neste sentido, mais importante

do que definir criatividade é investigar onde ela se encontra, ou seja, em que medida

o ambiente social, cultural e histórico reconhece, ou não, uma produção criativa.

Portanto, criatividade não é resultante do produto individual, mas de sistemas sociais

que julgam esse produto (Csikszentmihalyi, 1999).(FLEITH, 2003, p. 6)

Renzulli (2004), não foi o único a questionar o modelo de inteligência baseado nos

escores de Q.I. , por não acreditar que os testes de Q.I. fossem suficientes para medir os tipos

de inteligência. Sternberg (1996a, 1996b, 1996c) apud Virgolim (2007), desenvolveu a Teoria

Triádica da Inteligência, sendo que para o autor há três formas de inteligência e,

consequentemente, uma pessoa demonstra altas habilidades/superdotação ao se destacar em

uma ou mais delas: Inteligência Analítica, Inteligência Criativa, Inteligência Prática.

Outro modelo teórico importante e influente, nas AH/SD, é o desenvolvido por

Feldhusen (1982). Para este autor, há fatores que são fundamentais, no desenvolvimento do

talento: capacidade intelectual geral acima da média; autoconceito positivo (percepção da

própria capacidade e eficiência); motivação quanto ao aprendizado; talento pessoal, na área

acadêmico-intelectual e artístico-criativa.

Finalmente, temos a teoria para as altas habilidades/superdotação desenvolvida por

Gagné (2009), o Modelo Diferenciado da superdotação e Talento, o qual parte da distinção

entre os conceitos de dotação e talento, como sugere o próprio nome.

Conhecido pela siga DMGT – Differentiated Model of Giftedness and TalentGagné

(2009), trabalha com as seguintes definições para dotação e talento:

Dotação designa destacar-se na posse e no uso de habilidades naturais, chamadas

aptidões, em pelo menos um dos domínios descritos no modelo. O grau de destaque

deve posicionar o indivíduo entre os 10% superiores, em relação aos seus pares, de

mesma idade.

Talento designa o domínio destacado de habilidades desenvolvidas,

sistematicamente, chamadas competências (conhecimento e habilidades), em pelo

menos um dos campos de atividade humana descritos no modelo. Este domínio deve

atingir um grau tal, que posicione o indivíduo entre os10% superiores, em relação aos

seus pares, de mesma idade, que estão, ou estiveram ativos, naquele campo específico.

Ou seja, para Gagné (2009), o conceito de AH/SD parte da ideia de que seria possível

separar, no desenvolvimento humano, as habilidades e capacidades que teriam origem cultural,

daquelas de origem biológica. A teoria deste autor é importante, pois é a base dos trabalhos de

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Guenther (2010), sendo aplicada naquele que, talvez, seja o maisestruturado e destacado centro

de atendimento às pessoas com AH/SD, no Brasil: o CEDET-Lavras. O fato de seguir as teorias

de Gagné, enquanto, a maioria dos pesquisadores trabalha com o referencial teórico de Renzulli

(2004), é responsável por parte das polêmicas e disputas na área, entre Guenther e os

pesquisadores brasileiros.

Assim, apesar de ainda termos teóricos que defendem a biologia como explicação para os

talentos humanos, a partir dos anos de 1990, começam a ganhar força pesquisas, que se

concentram na análise da interação de fatores biológicos e culturais para entender as AH/SD,

em especial, aqueles relacionados ao contexto social e emocional dos sujeitos alto-habilidosos,

como nos destacaAnjos (2011, p. 20):

[...] há investigações que destacam o desenvolvimento sócio emocional destes alunos

e os padrões de interação sociais, que têm caracterizado a cultura e o clima relacional

favorável ao desenvolvimento da criatividade, da motivação e das habilidades gerais

e específicas dos alunos, seja em casa, na escola ou nas organizações (BLOOM, 1985;

STERNBERG, 1988, 1999; AMABILE, 1989; CSIKSZENTMIHALYI,

RATHUNDE & WHALEN, 1993; SIMONTON, 1994, 2002; MARTINEZ, 1995;

GUENTHER, 2000; ALENCAR, 2001; ALENCAR&FLEITH, 2001; MENCHÉN,

2001; ROMO, 2001; TORRES, 2001; NEIHART, REIS, ROBINSON & MOON,

2002). Este [...] grupo de investigações...que enfatiza o papel das forças relacionais e

sócioculturais, parece ter ganhado mais campo a partir da década de 90. Nota-se,

portanto, um crescente interesse em se compreender mais o que ocorre entre o

indivíduo e seu contexto, ao invés de investigar o indivíduo isolado de suas relações.

Sobre o desenvolvimento de estudos e teorias que levam em questão os fatores sociais,

no desenvolvimento do talento, a autora nos alerta:

Atualmente, as questões contextuais que mais têm recebido a atenção dos autores, na

área da criatividade e da superdotação são: as experiências de socialização da criança,

no contexto familiar e escolar; estilos parentais; os climas familiares, educacionais e

organizacionais; forças do contexto sociocultural e as oportunidades sinalizadas em

um tempo histórico, que atuam como cenário, em que os participantes ativos da trama

investigada se constroem como indivíduos talentosos (BLOOM, 1985;STERNBERG,

1988, 1999; AMABILE, 1989; CSIKSZENTMIHALYI, RATHUNDE & WHALEN,

1993; SIMONTON, 1994, 2002; MARTINEZ, 1995; GUENTHER, 2000; ROMO,

2001; TORRES, 2001; MENCHÉN, 2001; ALENCAR, 2001; ALENCAR &

FLEITH, 2001; NEIHART, REIS, ROBINSON & MOON, 2002). Esses

determinantes sócio-histórico-culturais têm sido considerados como fundamentais na

busca de uma compreensão mais holística e sistêmica dos fenômenos ligados à

superdotação.(ANJOS,2011, p. 20)

Portanto, existe, atualmente, certo consenso teórico em entender as AH/SD como o

resultado das interações entre fatores biológicos e ambientais. A maior parte das definições

propostas, nas últimas décadas, de acordo com Alencar e Fleith (2001), têm enfatizado que a

superdotação não seria um atributo do indivíduo e, sim, resultado da interação do indivíduo

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com o seu ambiente (GARDNER, 2000; RENZULLI, 1986; RENZULLI e REIS, 1997;

STERNBERG, 1991; VAN TASSEL-BASKA, 1998 apud ALENCAR e FLEITH, 2001).

Desta forma, a partir destas concepções teóricas sobre as altas habilidades/superdotação,

e conscientes de que o fenômeno da invisibilidade não é restrito apenas à rede de ensino

estudada durante o trabalho, é que propomos uma metodologia de pesquisa que integre

abordagens metodológicas e teóricas que seja capaz de tratar dialeticamente os condicionantes

da invisibilidade ligados aos sujeitos docentes, as suas redes de ensino e finalmente a própria

estrutura da sociedade capitalista.

CAPÍTULO II

INVISIBILIDADE: QUESTÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Por sua vez, a abordagem crítico-dialética reconhece a ciência como produto da

historia, da ação do próprio homem, que esta inserido no movimento das formações

sociais. Neste sentido, encara a ciência como uma construção decorrente da relação

dialética entre o pesquisador e o objeto envolvidos em determinada realidade

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histórica. O processo de construção do conhecimento vai do todo para as partes e

depois das partes para o todo realizando círculos de síntese conforme o contexto, com

necessidade de aproximação e, às vezes, de afastamento do pesquisador em relação

ao objeto. (CUNHA, SOUSA; SILVA, 2014, p.2)

Durante o levantamento inicial sobre o problema de nossa pesquisa, verificamos que o

quadro de invisibilidade dos alunos, com AH/SD, não era uma questão circunscrita, apenas, à

cidade pesquisada. Inúmeros trabalhos científicos denunciam o quadro de descaso e

invisibilidade da população de alunos alto-habilidosos, no Brasil.

São muitos os casos descritos de cidades, que possuem um número reduzido e, por

vezes, inexistente de crianças identificadas e/ou atendidas como pessoas com AH/SD. A

denúncia da subnotificação deste público, na rede educacional brasileira, é objetivo de denúncia

de, praticamente, todas as pesquisas na área realizadas no país. Não se começa um único

trabalho, com esta temática no Brasil e quiçá, no exterior, sem a apresentação do quadro

desolador de identificações e atendimentos de alunos com tal perfil.

Nosso problema de pesquisa: “A situação de invisibilidade das crianças superdotadas

na cidade onde atuamos”, precisaria ser respondida de modo integrado, com um problema mais

amplo: “Explicar o fato de alunos com altas habilidades/superdotados serem ignorados em,

praticamente, todas as realidades educacionais brasileiras”.

Conforme, avançávamos na pesquisa, verificávamos que a situação de invisibilidade,

apresentavam-se, também, em outros países, destacamos aqui os casos de países: latino-

americanos, europeus e os Estados Unidos da América, onde as denúncias de invisibilidade

ocorrem, praticamente, da mesma forma que no Brasil.

O professor da Universidade do Minho, em Portugal, Leandro Almeida é um dos muitos

pesquisadores que notifica o não atendimento aos superdotados, em seu país e afirma-nos:

“Uma clientela escolar específica, que não tem sido, sistematicamente, atendida pela escola, é

formada pelos alunos superdotados”. (ALMEIDA, 1994, p. 5).

Na Espanha, a situação, também, não é diferente; Alonso (2006), descreve um quadro,

onde mais da metade dos estudantes, alto-habilidosos, não são identificados.

No caso dos Estados Unidos, são muitos os exemplos de autores que denunciam o fato

dos estudantes com AH/SD, não serem identificados e atendidos no país e, dentre estes,

destacamos a publicação do periódico, organizado por Colangelo (2004): “Uma Nação

Enganada: de que formas as escolas reprimem os estudantes mais brilhantes dos Estados

Unidos da América”, em que, com apoio do Conselho Nacional para Superdotação, daquele

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país, as autoras discorrem sobre a tradição das escolas estadunidenses em não reconhecer e

identificar seus alunos com AH/SD. Nas primeiras páginas, Colangelo (2004, p.3) afirma:

Quem olha os estudantes mais brilhantes nos Estados Unidos? Anualmente, em toda

a nação, reprimem-se estudantes, que deveriam avançar em seu ritmo natural. A

milhares de estudantes se diz que reduzam as suas expectativas e que coloquem seus

sonhos em espera. Qualquer coisa que desejem fazer, segundo seus mestres, pode

esperar.

Estes são apenas alguns, dos muitos estudos internacionais, que apontam a grande

quantidade de estudantes, com AH/SD, que não são identificados e atendidos, confirmando,

portanto, o quadro de invisibilidade já descrito pelos pesquisadores brasileiros.

Constatada a invisibilidade dos estudantes com AH/SD, tanto na cidade pesquisada,

como nos cenários nacional e internacional. Entendemos que precisaríamos construir nosso

percurso de pesquisa, buscando integrar a questão localizada, na cidade pesquisada, ao cenário

nacional de atendimento aos alto-habilidosos. Se o problema era generalizado pelas escolas,

das mais diversas realidades educacionais, mantendo-se em estados e municípios diferentes e

até, em países diversos, seria necessária uma abordagem teórico-metodológica que superasse a

visão local. O resultado foi uma abordagem de pesquisa, que sem negar ou negligenciar o papel

das informações locais, colhidas nas escolas com os profissionais da educação, buscou articulá-

las com contextos e cenários mais abrangentes.

Buscando informações, que possibilitassem confirmar ou negar as principais hipóteses

sobre as causas da invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação, precisamos

apurar o olhar sobre as informações, que os envolvidos com educação de alunos alto-

habilidosos traziam-nos, de modo que, pudéssemos compreender este curioso e poderoso

processo, que torna os alunos, supostamente, mais visíveis, em invisíveis.

Como entender que alunos com boas notas, intervenções inteligentes, potencial e

desempenho superiores à média, não fossem notados, ou chamassem a atenção em sala de aula?

Partimos dos ensinamentos de Queiroz (1988, p.14), que nos alertam para a necessidade

de superar a dicotomia qualitativa/quantitativa, nas pesquisas em humanidades e da crença de

que exista pesquisa que seja, puramente, quantitativa. Assim, necessitamos de uma

metodologia que combinasse métodos ditos empíricos e quantitativos, com análises teóricas da

questão e qualitativas, desta forma, seguimos a trajetória, que descrita a seguir.

Buscamos, durante a pesquisa, articular a realidade educacional da rede de ensino

pesquisada e seus motivos para a invisibilidade, com as questões relativas às AH/SD, que

estivessem atreladas aos cenários mais vastos. Acreditamos, que nem todos os motivos da

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invisibilidade, que verificaríamos, seriam os mesmos que os encontrados em contextos

diferentes, uma vez que, não negamos que as questões locais interferem no problema, mas,

partimos da prerrogativa de que seria fundamental a analogia local-geral, se pretendíamos

buscar respostas, que tivessem suporte teórico.

Neste sentido, o texto de Oliveira (2001): “A dialética do Singular-Particular-

Universal”, serviu de suporte para a constituição teórico/metodológica de nosso trabalho e

orientação de nossas análises. Deste modo, o desafio da pesquisa foi articular análises e

metodologias, que tornem possível entender de modo dialético as relações entre indivíduos e

sociedades na forma como interferem nos olhares e posicionamentos dos sujeitos, em suas

singularidades, sejam estes gestores, professores ou alunos sobre o problema de pesquisa.

Teremos assim, o fenômeno das AH/SD analisado, nas expressões da singularidade dos

indivíduos, seja a própria habilidade/capacidade/talento, seja a disposição do professor ou

gestor em entender as desigualdades das capacidades humanas e seu atendimento.

Analisamos o problema, a partir da perspectiva de que as capacidades humanas

formam-se em determinadas particularidades e contextos, ou seja, a partir de uma base material

e histórica, que tanto permite a manifestação e desenvolvimento de habilidades superiores e/ou

inferiores, como influência a disposição menor ou maior das escolas e seus profissionais em

notá-las e atendê-las, bem como, na forma como explicações para a situação são formuladas,

disseminadas e defendidas sobre as AH/SD.

Finalmente, consideramos que há um traço de universalidade, no talento e capacidade

humana e, pensar nas crianças e jovens alto-habilidosos, encaminha-nos para a reflexão acerca

do quanto a particularidade vivida pelos sujeitos, têm impedido os indivíduos, de desenvolver,

e expressar seu potencial. Podemos verificar, de modo mais elaborado, a relação dialética que

buscamos, na abordagem do problema de pesquisa e constituição de nossa metodologia, nas

palavras de Oliveira (2001, p. 1):

Considerando-se a concepção histórico-social de homem, cuja matriz principal é a

obramarxiana, [...] fundamenta-se, necessariamente, na compreensão de como a

singularidade se constrói na universalidade e, ao mesmo tempo e do mesmo modo,

como a universalidade se concretiza na singularidade, tendo a particularidade como

mediação. E por quê? Para essa concepção de homem, o homem singular (que aqui

será chamado de indivíduo) não é um ser que traria já, dentro de si mesmo, ao nascer,

essa essência delimitada e que, por isso, esse homem poderia existir isoladamente,

sendo a sociedade somente o ambiente, através do qual essa sua essência se

desenvolveria. De modo algum! Segundo a mencionada concepção histórico-social, o

homem singular é um ser social, uma "síntese de múltiplas determinações" (Marx,

1983a). Em outras palavras: é uma síntese complexa em que a universalidade se

concretiza histórica e socialmente, através da atividade humana, que é uma atividade

social - o trabalho -, nas diversas singularidades, formando aquela essência. Sendo

assim, tal essência humana é um produto histórico-social e, portanto, não biológico e

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que, por isso, precisa ser apropriada e objetivada por cada homem singular, ao longo

de sua vida em sociedade. E, portanto, nesse vir-a-ser social e histórico que é criado

o humano no homem singular. Como se pode depreender daí, a relação dialética

singular-particular-universal e fundamental e, enquanto tal, indispensável para que se

possa compreender essa complexidade da universalidade, que se concretiza na

singularidade, numa dinâmica multifacetada, através das mediações sociais - a

particularidade.

A partir da abordagem da autora, verificamos como é fundamental a articulação entre

as diferentes esferas de um dado problema, para que possamos evitar leituras equivocadas. A

partir das ideias de Engels em “A Dialética da Natureza”(1979, p. 182-183), a autora mostra-

nos como a construção de conceitos pode partir do singular para chegar ao universal e, como

a partir de informações do universal, podemos passar a conhecer o singular, sempre

determinados pelo particular (a sociedade em que dado conceito ou fenômeno é estudado). A

autora demonstra, como partir de perspectivas que fiquem, apenas, na observação das

singularidades, sem relacioná-las com o que haja de universal e sem levar em conta os efeitos

da particularidade, em sua constituição/formação, pode levar ao erro, que nos mantém escravos

da simples observação, do que seja aparente e superficial.

Durante nossa pesquisa, ao falar sobre as altas habilidades, muitas vezes, vimo-nos

questionados sobre os sujeitos com baixas habilidades, pois inúmeros debates ocorrem a partir

da ideia de se combater os preconceitos que o termo superdotação gera, ao indicar que alguns

sujeitos tenham capacidades ou habilidades superiores aos demais.

Sem uma abordagem, que não perca de vista a universalidade do gênero humano,

realmente, não é possível a superação do problema acima citado, o máximo que conseguiríamos

seria a construção de eufemismos linguísticos e malabarismos conceituais, os quais pudessem

reduzir a carga negativa presente na ideia de que, por alguma razão, certos sujeitos

desenvolvem-se mais que a maioria.

A abordagem apressada, que não supera a superfície da singularidade e olha cada

indivíduo, como uma realidade em si mesmo, não tem como escapar das ideias de inatismo e,

assim, genética, dom, hereditariedade surgem como formas de explicar a situação, contribuindo

para a invisibilidade.

Ao retirar da questão o que ela tenha de universal, perdemos de vista o mais interessante,

que é a possibilidade de avaliar, por meio dos indivíduos alto-habilidosos, o tamanho da

potencialidade do gênero humano.

Olhar os indivíduos com AH/SD, nas salas de aulas, não deve ser entendido como forma

de segregar, mas, como horizonte onde todos podemos chegar, enquanto gênero universal e,

verificar sua invisibilidade, fracasso escolar e situação de pobreza, deve nos indicar o poderoso

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circuito limitador que é a sociedade, em que vivemos. Oliveira (2001, p.4), indica-nos alguns

caminhos a seguir, na abordagem teórico-metodológica da questão:

Na concepção histórico-social de homem, essa relação só pode ser compreendida

enquanto uma relação inerente a uma outra mais ampla, a qual tem essa primeira

relação citada como sua mediação com o polo denominado "singular". Trata-se da

relação indivíduo-genericidade, isto é, a relação do homem com o gênero humano, o

que inclui, necessariamente, a relação de cada indivíduo singular com as objetivações

humanas, quais sejam, as objetivações concretizadas, historicamente, pelos homens

através das gerações,ao longo de toda a história da humanidade. [...]é preciso

considerar que todo esse processo entre o indivíduo (o singular) e o gênero humano

(o universal) se concretiza na relação, que o indivíduo tem com a sociedade (o

particular).

A referida obra indica-nos caminhos para a compreensão das AH/SD, de modo a superar

as dicotomias natureza/cultura, indivíduos/sociedade, que norteiam parte das pesquisas. Sobre

os modos como podem se constituir as capacidades humanas, citamos Oliveira (2001, p. 5):

A história tem mostrado que essa "objetivação plena" do indivíduo só se dá para

aquele indivíduo que, por determinados motivos e circunstâncias, consegue superar

os limites determinados pela estrutura social em que vive, quer dizer, quando esse

indivíduo consegue concretizar em sua vida, as possibilidades já existentes

apresentadas pelo desenvolvimento do gênero humano, as quais lhe estão sendo

cerceadas, ou mesmo negadas pela estrutura social na qual está inserido. [...] O que

ocorre é que o desenvolvimento do gênero humano tem se efetivado de forma cada

vez maior e mais rápido. Mas, como esclarece Marx (1983c, p. 549), com o

capitalismo, isso tem se dado, contraditoriamente, isto é, as custas da maioria dos

indivíduos. Em outras palavras: o gênero humano tem se tornado cada vez mais livre

e universal, mas essa liberdade e universalidade não se têm verificado na vida da

grande maioria dos homens singulares. Quer dizer, hoje já existem objetivações

genéricas (objetivações do gênero humano), que resolveriam grandes problemas da

humanidade, mas, a estrutura da sociedade em que vivemos não permite que a grande

maioria dos indivíduos tenha acesso a elas. Nesse sentido, esses indivíduos estão

alienados frente a esses produtos da atividade humana.

É neste sentido que podemos iniciar o trajeto rumo à compreensão das AH/SD e sua

formação, começando nossa investigação quanto às causas da invisibilidade. Apenas a dialética,

que relacione indivíduo-sociedade-gênero humano e, assim, singular-particular-universal, pode

levar a teoria, que possibilite a superação das dicotomias sobre o tema.

É nesta concepção, que entenderemos, ao longo de nossa pesquisa, a instituição escolar

e seu papel na educação, o fenômeno da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, as

ideias de altas habilidades/capacidades, Oliveira (2001), ensina-nos sobre o pensamento de

Marx:

Para Marx, no entanto, do ponto de vista ontológico, não há antagonismo entre homem

e sociedade, pois, na realidade, são polos complementares de um mesmo processo.

Marx expressa-se, veementemente, contra a concepção de que a sociedade é uma

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entidade autônoma, que existe acima dos indivíduos. Ele adverte que não há sociedade

independente dos indivíduos. Por outro lado, esclarece que o indivíduo se torna

indivíduo, na sua vida em sociedade e somente nela pode isolar-se.

Deste modo, procuramos, em nosso caminho metodológico, articular análises e

metodologias que possibilitassem, partindo do problema concreto da invisibilidade, transitar

percursos que analisassem o indivíduo com AH/SD e suas relações com a realidade mais

imediata (seu professor, colegas, sua sala de aula, os gestores de sua escola) e fenômenos mais

gerais e característicos da sociedade, em que desenvolvemos nossas pesquisas.

2.1. - A pesquisa bibliográfica e documental

A vida social demanda um suporte material necessário – os homens têm que: comer,

vestir, reproduzir a si mesmos e a sua prole -, mas muito mais que isso, pois os homens

ampliam as suas necessidades. Entretanto, o ponto de partida para essa compreensão

é o entendimento da produção da base material sobre a qual os homens se reproduzem.

(CUNHA, SOUSA; SILVA, 2014, p.55)

Durante nosso trabalho de pesquisa, realizamos um levantamento das obras produzidas,

no Brasil e no exterior, sobre AH/SD, bem como, fizemos o levantamento dos principais

conceitos, problemas, hipóteses e teorias para explicar as AH/SD, de modo a traçarmos um

adequado estado da arte sobre a situação, na realidade brasileira e suas principais características

e desafios, de modo a inserimo-nos no contexto das pesquisas.

Seguimos as ideias de Marx sobre a produção científica e explicitadas por Oliveira

(2001, p. 9), objetivando incorporar as pesquisas sobre o tema, dando-lhes o devido valor, mas,

sem nos restringir às suas conclusões e apontando seus limites e problemas; neste sentido a

autora nos diz:

[...] A questão da relação dialética entre a singularidade, particularidade e

universalidade, na perspectiva marxiana, está, necessariamente, ligada à uma questão

ética-política - a de como se pode conhecer a realidade humana, para transformá-la.

Em um lance de imediatismo de pensamento esse "como se pode conhecer a

realidade" poderia ser considerado dentro de uma perspectiva, meramente, lógica-

epistemológica. No entanto, se ultrapassar esse primeiro momento de imediatismo do

pensamento, é possível notar-se que, para conhecer essa realidade, não basta estar

nela, como uma garantia de já a conhecer, pois se estaria permanecendo no mero nível

da obviedade, já que a realidade não se limita ao imediatamente dado, pensado ou

sentido. Como foi dito anteriormente, essa obviedade impede qualquer pensamento,

mais elaborado, necessário para uma reflexão crítica sobre essa realidade, a fim de

conhecê-la desde suas raízes até suas manifestações, o que, por sua vez, impede uma

efetiva atuação sobre essa realidade, no sentido de transformá-la. É preciso se

considerar, sim, as manifestações fenomênicas, mais imediatas, dos fatos da realidade

em que se pretende atuar, mas, considerá-las como ponto de partida e de chegada da

investigação. É preciso, portanto, ultrapassar os limites dessas manifestações, mais

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imediatas, para conhecer quais são suas raízes processuais, não imediatamente

perceptíveis, que formam a totalidade, onde tais manifestações são produzidas.

Dizendo de outra forma: é preciso compreender o processo ontológico da realidade

humana e de como esse processo tem se efetivado, historicamente, dentro das relações

sociais de produção.

Apenas o olhar dialético poderá nos levar a compreender como, no exercício de estudar,

pesquisar, atender alunos com altas habilidades e fazermos a denúncia de suas situações de

invisibilidade, acabamos contribuindo para que estes sigam invisíveis e pouco notados, na

realidade educacional brasileira. Neste trabalho, entendemos pesquisadores, professores e

gestores, a partir de um ponto de vista, que os possibilitasse ser agentes da ruptura com a

invisibilidade e, também, seus produtores.

A mesma perspectiva permeia nossas ideias sobre a instituição escolar e seus

trabalhadores. Não nos restringiremos as noções de redentora versus reprodutora da sociedade,

mas, analisaremos a escola como instituição fundamental da sociedade capitalista, essencial na

disseminação da ideologia burguesa e ponto decisivo na reprodução da sociedade de classes,

mas, também, instituição repleta de contradições e passível de ser campo de disputa, que a partir

da crítica, abre-se às possibilidades da manifestação da luta de classes.

A análise da bibliografia do tema é realizada, como forma de obter conhecimentos sobre

as AH/SD, mas, também, tratamos os trabalhos acadêmicos, como fontes documentais da

pesquisa. Este momento que é, tradicionalmente, entendido como parte teórica da pesquisa,

precisará ser ressignificado, pois, ao tratarmos as pesquisas na área, como fontes documentais,

tínhamos, textos, que fariam parte, também, da parte prática da pesquisa.

Estudamos a forma como a produção nacional sobre o tema organiza-se, com destaque

para: o CEDET-Lavras; a produção carioca, por intermédio da UERJ e PUC-RJ; a produção

teórica paulista através dos grupos da UFSCAR e UNESP e, finalmente, as escolas teóricas de

Brasília e Rio Grande do Sul, com a forte influência dos grupos de pesquisas da UFSM , UNB

e UCB.

Neste trajeto de compreender como se organiza o campo de pesquisa ligado a nossa

temática, analisamos um universo que compreende cerca de 300 trabalhos científicos sobre altas

habilidades/superdotação produzidos ao longo do século XX e até o ano de 2016, envolvendo:

teses, dissertações, livros e trabalhos apresentados em congressos, produzidos no Brasil, bem

como, as principais produções desenvolvidas nos EUA, América Latina e Península Ibérica.

Entendemos que tanto o fenômeno das altas habilidades, como a sua invisibilidade

devam ser compreendidos, a partir de uma reflexão sobre a trajetória histórica da temática e

suas relações com o contexto histórico e social, em que se desenrola, no caso, a sociedade

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capitalista brasileira. Neste ponto, filiamo-nos as ideias de Oliveira (2001), que cita Marx para

refletir sobre a relação história-sociedade e a compreensão da realidade:

É preciso identificar e caracterizar, na própria realidade, as condições histórico-

sociais, que determinam seu modo de ser e suas transformações histórico-sociais para

formular determinada lei e respectiva categoria que represente a singularidade, a

particularidade e a universalidade de determinado processo. Marx utiliza-se dessa

relação dialética, continuamente, em toda sua obra para explicar as múltiplas relações,

que determinam o capitalismo em sua concentricidade.

Como metodologia de análise, partimos da perspectiva de que não podemos

compreender o fato dos “melhores” alunos das escolas serem, sistematicamente, ignorados por

professores, gestores e redes de ensino, sem que analisemos o fenômeno, a partir de uma

abordagem que contemple a História da Educação no Brasil; o papel ocupado pela escola, no

contexto da sociedade capitalista.

Constatamos que as contribuições da sociologia e da educação para o debate sobre o

desenvolvimento das capacidades humanas, estejam distantes da maior parte da produção

acadêmica brasileira sobre o tema e tal concepção contribui, sobremaneira, para alimentar o

quadro de invisibilidade.

Assim, realizamos a análise da invisibilidade das altas habilidades, a partir de categorias

clássicas da sociologia, como: gênero e classe, incluindo conceitos importantes, do campo

sociológico, como: aptidões naturais, reprodução e fracasso escolar.

Faz-se necessário pensar a relação entre três importantes instituições da sociedade

capitalista, para a compreensão de nosso objeto de pesquisa. Por isto, propomos capítulos, onde

analisamos a forma como as AH/SD são apresentadas na: imprensa, na academia e, finalmente,

nos documentos oficiais do Estado, apontando as suas relações com a invisibilidade e como tais

discursos influenciam o cotidiano de gestores e docentes.

Consideramos que seja possível conhecer a realidade particular, onde estão situados os

indivíduos singulares e, onde se realiza ou não a universalidade do gênero humano, como nos

diz Oliveira (2001):

A importância da particularidade (na relação singular-particular-universal), na análise

de um determinado fenômeno, está no fato de que ela se constitui em mediações, que

explicam os mecanismos que interferem, decisivamente, no modo de ser da

singularidade, à medida em que é através delas que a universalidade se concretiza na

singularidade.

Desta maneira, realizamos levantamento da forma como a produção jornalística

brasileira, nos últimos dez anos, abordou o tema das AH/SD e como sua postura contribuiu,

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contraditoriamente, para a denúncia e, também, para reforçar o quadro de invisibilidade dos

alunos superdotados, em especial nas escolas públicas brasileiras. A análise foi feita, a partir

do levantamento das publicações de dois jornais, de circulação nacional: a “Folha de São Paulo”

e o “Estado de São Paulo”, por meio de pesquisas, no site de buscas Google, dos termos

(Talento, Superdotado, Altas Habilidades).

Como atuamos no litoral paulista e temos um jornal regional tradicional, poderoso

formador de opinião na região, vinculado a um dos grandes grupos de comunicação do Estado

de São Paulo, realizamos pesquisa no Site do Google dos mesmos termos, relacionados ao

jornal “A Tribuna de Santos”, bem como, efetuamos pesquisa de campo, na Hemeroteca

Municipal de Santos, de publicações do referido jornal sobre o tema, tanto nos últimos cinco

anos, como também, foi feita a busca de artigos jornalísticos publicados em “A Tribuna de

Santos”, no período de 1960 a 1965, a fim de verificar como era tratada a questão, no início dos

anos 1960, época em que ocorriam as discussões sobre a lei de diretrizes e bases da educação

e, primeiro momento, em que o governo brasileiro mostrou-se, oficialmente, interessado, na

questão das altas habilidades/superdotação.

Desta forma, se pretendíamos verificar porque a escola, que segundo Althusser, é o mais

poderoso aparelho ideológico do Estado, “optou”, sistematicamente, por não reconhecer, os

elementos da sociedade, supostamente, mais capazes, seria importante, entender como se daria

a formação do imaginário social sobre a temática. E compreendemos que a imprensa teve neste,

como em tantos outros assuntos, papel de destaque, por isso, consideramos fundamental uma

análise cuidadosa deste segmento.

Por que a escola teria “escolhido” fazer invisíveis os seus “melhores” alunos? Por que

aceitar a existência dos superdotados e, em seguida, os fazer invisíveis? Quais os problemas na

convivência da escola reprodutivista e meritocrática com a noção de AH/SD, sobretudo, na

classe trabalhadora?

Neste ponto, chegamos ao outro item, fundamental, para compreensão do fenômeno

analisado na pesquisa: Qual o papel do Estado, ao longo da História, quanto aos alunos

superdotados?

Para responder a estas questões, analisamos a produção governamental brasileira sobre

as altas habilidades e seguimos a linha histórica da legislação do nosso país relacionada à

temática e as diferenças entre o que foi publicado, como letra da lei e o que acabou ocorrendo,

na realidade das escolas brasileiras.

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Deste modo, pensamos que não seja possível compreender a situação de invisibilidade,

dos alunos com altas habilidades, a partir de uma perspectiva que não contemple os pilares

representados por: Estado-Imprensa-Academia, na constituição da questão.

Trilhado o caminho Estado-Imprensa-Academia, para a compreensão do fenômeno da

invisibilidade, dos estudantes, seguimos para o trabalho de campo.

2.2 - A Pesquisa de Campo, o Retorno à Singularidade

É preciso identificar e caracterizar, na própria realidade, as condições histórico-

sociais, que determinam seu modo de ser e suas transformações histórico-sociais, para

formular determinada lei e respectiva categoria, que represente a singularidade, a

particularidade e a universalidade de determinado processo. Marx utiliza-se dessa

relação dialética, continuamente, em toda sua obra, para explicar as múltiplas relações

que determinam o capitalismo [...]”.(OLIVEIRA B. , 2001, p. 12)

Partindo do fenômeno concreto e objetivo, que é a invisibilidade dos estudantes com

AH/SD, verificada em nossa realidade profissional diária, seja no fato de, jamais, um aluno ter

sido identificado com tais características, na escola onde atuamos, por 10 anos seguidos, seja

no fato de, atualmente, no município onde a pesquisa foi realizada, não existir nenhum aluno

cadastrado no senso escolar, como criança com AH/SD e inexistir programa de

atendimento/identificação na cidade, realizamos a pesquisa de campo.

As análises da produção científica, da História da Educação, dos materiais da imprensa

e Estado sobre o tema, foram realizadas, a todo tempo, como parte constitutiva da prática e

foram submetidas à análise, como fonte documental, de onde obtínhamos dados e informações,

que nos orientaram no trabalho de campo e na análise dos dados obtidos.

Assim, chegamos à Escola, local onde se efetivava o fenômeno analisado, mas, que não

poderia ser compreendida, sem uma análise mais detalhada e minuciosa da sociedade, em que

está inserida.

Ao chegar neste poderoso aparelho ideológico do Estado, nas sociedades capitalistas,

buscamos verificar, na “prática”, as relações sociais, que fundamentavam a existência do

problema da pesquisa, bem como, os percursos que tornavam possíveis que as hipóteses

verificadas, a partir da “análise teórica”, se concretizassem na “prática de sala de aula”.

Nossa pesquisa de campo articulou-se de modo a buscar informações, a partir de

variadas estratégias de coletas de dados, com o intento de que pudéssemos observar o objeto de

pesquisa de variados ângulos e de modo a articular buscas quantitativas e qualitativas,

integradamente.

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Desta forma, trabalhamos com a aplicação de dois questionários sobre o tema, com os

professores da rede pública de ensino pesquisada. O primeiro, junto a um grupo de 73 (Setenta

e Três) professores, desta rede municipal, que atuam, especificamente, com os alunos da

educação especial, sendo professores especialistas na área e que responderam ao questionário,

após realização de curso de formação sobre: Altas Habilidades/Superdotação, que ministramos,

por intermédio do convite da Secretaria de Educação do município. Os questionários contendo

10 (dez) questões, foram respondidos e entregues no mesmo dia, em que aconteceu o curso, 25

de fevereiro de 2015.

O segundo questionário foi desenvolvido na plataforma Google.docs e aplicado aos

professores e gestores, por meio da rede mundial de computadores. Neste caso, trata-se de um

questionário, com aproximadamente 50 (cinquenta) questões, que tinham por objetivo verificar

a percepção do tema, pelos docentes, em uma perspectiva, mais aprofundada.

Os questionários foram encaminhados, virtualmente, para os professores e gestores, da

rede municipal de ensino, mas, também, encaminhamos questionários para professores de

outras redes de ensino, como forma de termos condições de comparar as respostas dos

profissionais da rede pesquisada, com as respostas de professores de outras redes e modalidades

de ensino. Encaminhamos questionários, para cerca de 300 (trezentas) pessoas, entre

professores e gestores escolares, contemplando profissionais da educação infantil, ensino

fundamental I, ensino fundamental II, ensino médio e ensino superior e obtivemos a resposta

de um total de 118 (cento e dezoito) questionários. As respostas dos questionários ocorreram

de forma virtual, sendo que, o período de encaminhamento e fechamento das respostas ocorreu

entre os dias: 20 de novembro de 2015 e 30 de janeiro de 2016.

Por entendermos, que muitas vezes, os questionários de pesquisa deixam escapar

percepções e avaliações importantes dos envolvidos com as respostas e, como uma parte das

hipóteses, da produção bibliográfica para a invisibilidade residia na falta de formação docente,

decidimos realizar cursos de formação, junto aos professores da rede municipal de ensino, sobre

as AH/SD. Durante essas oportunidades, fizemos a observação in-loco das concepções,

posições dos docentes e gestores, de modo a verificar os motivos da invisibilidade, a partir do

contato direto com os atores envolvidos.

Neste sentido, apresentamos, nas palestras, a questão da invisibilidade, as principais

questões teóricas sobre as AH/SD, a legislação que garante o direito ao atendimento

educacional especializado a este público e os modelos de atendimento e identificação.

Os cursos foram desenvolvidos junto aos professores de Educação Especial, da rede

municipal de ensino, por iniciativa da Secretaria Municipal de Educação e, também, com

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professores, de três escolas da rede, sendo que, estes últimos ocorreram a partir do convite dos

gestores, das unidades escolares, variando entre 1h30 de duração até 4h. Vale ressaltar, que os

registros de nossas observações foram realizados, logo após, o término das formações.

Como forma de entender o universo das AH/SD, realizamos visitas às instituições

especializadas, na identificação e atendimento aos alunos superdotados, de modo que,

pudéssemos compreender as AH/SDe suas principais dificuldades.

Deste modo, no período entre outubro de 2014 e abril de 2016, realizamos visitas as

instituições públicas e privadas, especializadas em AH/SD, nos estados da região Sudeste, como

forma de conhecer o modo de atendimento aos alunos, a organização das instituições e seus

desafios e, finalmente, suas hipóteses para explicar a situação de invisibilidade.

Entendendo que seria importante ouvir, em profundidade, os educadores da rede

municipal de ensino, em relação ao tema, desenvolvemos entrevistas semiestruturadas com

gestores e professores, como forma de buscar dados qualitativos, que nos possibilitassem

melhor compreensão da situação das AH/SD e sua invisibilidade, na cidade.

Finalmente, concluímos que era o momento de protagonizar a voz dos maiores

interessados na pesquisa: os estudantes alto-habilidosos e, com o objetivo de conhecer a forma

como estes compreendiam a questão, desenvolvemos entrevistas com 05 (cinco) estudantes,

com traços de altas habilidades, que acompanhamos ao longo de todo o ano, de 2016.

Deste modo, organizamos a pesquisa de forma que entre cursos de formação, entrevistas

com trabalhadores da educação e alunos e questionários, pudéssemos abarcar um total de 200

(duzentos) envolvidos, distribuídos entre: gestores, professores e estudantes, contemplando

todas as modalidades de ensino, bem como, participantes das redes municipal, estadual, federal

e rede de ensino do Centro Paula Souza.

Realizamos a elaboração e aplicação dos questionários, visitas e entrevistas de pesquisa,

a partir das reflexões de Brandão (2007), e Queiroz (1988), relativas às pesquisas em ciências

humanas e seu caráter sempre qualitativo e nunca isento. Buscamos, nas escolas citadas, os

caminhos para a melhor aproximação do grupo social que vínhamos pesquisando, bem como,

a construção da ferramenta de pesquisa, a partir de determinadas categorias, que nos

permitissem refletir sobre o problema de pesquisa.

Assim, categorias como classe social, gênero, etnia, que são clássicos das ciências

sociais fizeram-se presentes, durante toda a pesquisa e foram utilizadas tanto nos momentos de

“práticos” como “teóricos” da pesquisa. Estas categorias foram acompanhadas de outras, que

se faziam necessárias para a pesquisa, especificamente, como: concepção de superdotação,

percepções sobre o fracasso escolar e causas da invisibilidade.

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As opções teóricas, em que nos baseamos, para a realização da pesquisa, análise dos

trabalhos científicos e dos dados da pesquisa de campo, foram articuladas de modo a possibilitar

um olhar que atentasse às três esferas: as altas habilidades/superdotação; as concepções de

escola; a análise da sociedade.

Adotamos a opção teórica que compreende a escola como importante instrumento de

reprodução da sociedade capitalista e, portanto, analisaremos o problema de pesquisa, tomando

a escola não como neutra ou despreparada, na construção da invisibilidade das altas habilidades,

mas, como influente instituição, que decide e determina aqueles que seriam reconhecidos como

“dotados”, e especialmente, controla o fluxo de “presenteados” que seriam aceitos, de modo a

não perturbar a hierarquia social.

A escola, então, será compreendida, a partir das teorias da reprodução e como

importante aparelho ideológico do Estado capitalista, portanto, as ideias de: Bourdieu (1992),

Saes (2005), Nogueira (2004), Setton (2016), e Lahire (1997), serão de grande importância, em

nosso percurso de pesquisa.

O fracasso escolar e sua produção é uma das estruturas fundamentais, para que a escola

cumpra seu papel reprodutor, com a garantia de que aqueles que não chegam à escola possuindo

capital cultural e econômico irão fracassar em suas trajetórias educacionais, assegurando que

os indivíduos trilhem os caminhos sociais, que sua condição de classe determine,

antecipadamente, e que as pessoas possam ver, no fracasso de suas experiências estudantis, a

explicação para sua pobreza e exploração. Neste sentido, os trabalhos de Patto terão destaques

importantes, em nossas concepções e análises.

Adiantamos o fato de que é uma pesquisa que entende a sociedade capitalista não como

um dado da natureza, fruto inevitável do destino ou “fim da História”, mas a sociedade

capitalista é analisada como resultado do desenvolvimento histórico, como fruto do

desenvolvimento das estruturas econômicas, sociais e resultado da luta de classes. É esta

sociedade dividida entre exploradores e explorados, que permite a ideia de que a sociedade se

organiza, conforme os talentos humanos e não conforme a posse do capital. É esta sociedade

baseada na supremacia de uma classe social, a burguesia, que tem na posse de dotes intelectuais

convertidos em sucesso escolar e reconhecidos em diplomas e certificados, a principal

explicação para as hierarquias sociais. No capitalismo, a inteligência passou a ser mercadoria e

objeto de fetiche, comercializado no enorme balcão de mercadorias.

Portanto, não compreendemos a inteligência e seu maior ou menor desenvolvimento,

nos indivíduos, como algo natural ou fruto de acasos genéticos. Sem deixar de reconhecer o

papel da Biologia e das teorias genéticas, entendemos que os humanos se fazem no seu processo

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de vida, no contato com os mediadores culturais a que têm acesso e, especialmente, ocupam os

postos na hierarquia social, não de acordo com seu quociente intelectual, mas, de acordo

determinantes históricos complexos, sendo que, alguns destes colocados, mesmo antes, do

nascimento dos sujeitos.

Nossa perspectiva é o materialismo histórico dialético, que entende que a concepção de

talento, dotação, altas habilidades e superdotação variaram ao longo da História e conforme as

correlações de força na luta de classes de cada sociedade, adotando características específicas

na sociedade capitalista.

Segundo nossa perspectiva, não conseguiremos compreender nem as AH/SD, nem a sua

invisibilidade, sem um olhar detido sobre a sociedade de classes, sem analisar o papel do

imaginário sobre a inteligência, no contexto de acirramento da exploração da classe

trabalhadora e, sobretudo, sem um método, que não se contentasse, simplesmente, em descrever

a realidade.

Em Marx e Engels, baseamos a metodologia na busca de compreender os fenômenos,

não a partir da descrição das aparências, mas, aprofundando-se nas causas dos problemas,

desconfiando de ideias apresentadas como naturais e apropriando-nos dos conceitos de luta de

classes e ideologia, para a análise das explicações sobre as diferentes capacidades dos

indivíduos, o papel ideológico que a inteligência tem na organização e explicação da sociedade

capitalista e os motivos e interesses envolvidos, em sua invisibilidade.

Em Saviani (1998), e Patto (2000), buscamos a compreensão do papel que as teorias

pedagógicas tiveram e, ainda têm, na forma como escolas e professores entendem o fenômeno

da superdotação, sobretudo, entre alunos das classes trabalhadoras. Neste sentido, procuramos

verificar como as ideias da pedagogia tradicional, da escola construtivista e das teorias da

reprodução contribuem para o fortalecimento da invisibilidade. Não é possível entender o

atendimento/identificação de alunos talentosos, sem levar em conta, que uma das principais

características da escola pública brasileira, ao longo de todo o século XX, foi seu caráter

excludente e, fortemente, marcado pelo fracasso escolar.

Com Althusser (1987), Baudelot e Establet (1971), utilizamos um olhar para a escola,

como estrutura fundamental para a manutenção da sociedade capitalista, ponto central na

difusão das ideologias do Estado e decisiva na manutenção do “status quo”. Disfarçando a luta

de classes, a noção de alunos com altas habilidades choca-se com algumas das ideologias mais

poderosas da escola capitalista, como por exemplo, a noção de que a sociedade contemporânea

é regida por critérios meritocráticos, que garantiam que os sujeitos tivessem as suas funções,

conforme seus próprios esforços.

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Finalmente, as contribuições de Noëlle Bisseret (1978), são importantes para a

constituição da pesquisa. Bisseret, por refletir a respeito de como a ideia de “aptidões naturais”

construiu-se na sociedade capitalista, sendo um importante fator de distinção entre os sujeitos,

explicando a hierarquia de classes, para pensarmos nas ideias construídas ao longo da história

e, às vezes, presentes nos dias atuais, que tentam explicar as altas habilidades, como resultado

de potencialidades, puramente, inatas nos sujeitos.

2.3 - A Unidade de Análise

Durante a pesquisa, intentamos compreender o fenômeno da invisibilidade das AH/SD,

na realidade escolar, a partir de um olhar que buscou relacionar os alunos talentosos e a

realidade educacional, o tempo todo. Assim, foi por meio do movimento indivíduo com AH/SD,

sua relação com o professor, em sala de aula, sua vivência com a comunidade escolar e a

realidade educacional e social brasileira, que pretendemos entender as AH/SD e sua

invisibilidade.

Neste caminho, avançamos por perspectivas e possibilidades de compreensão do

problema, a partir da unidade de análise “INVISIBILIDADE”, procurando verificar como esta

se constrói e justifica-se na História Brasileira e da Educação. Propomos a análise dos talentos

humanos como antigo tema de reflexão humana e, por isso, defendemos que a

visibilidade/invisibilidade constrói-se, conforme determinantes históricos e sociais.

A cada volta que dávamos, no novelo da invisibilidade, o problema apresentava-se com

sua essência alterada e, desta maneira, buscamos a reflexão a respeito das formas como a

inteligência e talentos humanos foram explicados, ao longo do tempo, e como determinadas

concepções contribuíram para aumentar/reduzir a invisibilidade.

Seguimos nos questionando a respeito de como as pesquisas científicas entendem os

talentos humanos e explicam sua invisibilidade, assim, avaliamos como a ciência fundamenta

concepções que podem nos ajudar a compreender nossa unidade de análise, de modo que

desaguamos na relação biologia X sociedade, percebendo que características específicas da

produção científica da área podem contribuir e sustentar a invisibilidade das AH/SD.

Neste trajeto, a ausência de referências e leituras sociológicas e históricas, na forma

como os pesquisadores e educadores entendem a questão, é de grande importância. Este

percurso trouxe-nos a perspectiva de que nossa unidade de análise deveria ser avaliada, a partir

de obras que tenham se debruçado sobre o papel da escola, na sociedade capitalista, sobretudo,

seu papel na reprodução social.

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As AH/SD precisam ser analisadas, na relação com as ideias de dom, meritocracia e

conceitos como: capital cultural, capital econômico, fracasso e sucesso escolar, nos meios

populares; alertando-nos para a importância de categorias, como: classe, etnia e gênero, para a

compreensão do tema.

Por fim, chegamos à realidade daqueles que trabalham, diretamente, com os estudantes

alto-habilidosos e, assim, desenvolvemos pesquisas junto às instituições e profissionais

especializados em AH/SD, objetivando verificar como entendiam a invisibilidade.

Com o objetivo de compreender o fenômeno, sem que este ficasse isolado ao grupo

considerado alto-habilidoso, seus familiares e professores, realizamos levantamentos,

entrevistas e formações com professores e gestores, de uma rede municipal de ensino, visando

conhecer como as categorias levantadas, durante a pesquisa, consubstanciavam-se na formação

da invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional.

Assim, chegamos aos trabalhadores da educação que foram convidados a participar da

pesquisa, a partir de uma percepção da unidade de análise, que já não era mais aquela da pura

constatação empírica da invisibilidade, mas da reflexão e estudo dos múltiplos condicionantes

que criam/alimentam o fenômeno.

A pergunta não era mais, apenas, sobre os motivos dos estudantes mais talentosos serem

invisíveis, mas qual o peso desta invisibilidade, na realidade escolar como um todo, na produção

do fracasso escolar, na constituição da escola reprodutivista e, no limite, na prevalência das

ideologias do dom e do mérito, na sociedade capitalista.

2.4– As Ciências Sociais na Compreensão da Invisibilidade

Durante o levantamento do estado da arte das pesquisas brasileiras e internacionais

sobre AH/SD, pudemos verificar o predomínio das análises baseadas em conceitos ligados à

Biologia e Psicologia.

A hegemonia da Psicologia, nas análises sobre o tema, pode ser constatada no fato de

que parte dos pesquisadores brasileiros, mais renomados na área, terem formação em

Psicologia, como: Eunice Soriano Alencar e Zenita Guenther.

Somados a estes importantes nomes, vale lembrar, que um dos mais importantes centros

de pesquisa e militância junto às autoridades do Estado, ocorre no Instituto de Psicologia da

UNB, que além de possuir inúmeras pesquisas relevantes na área, conta com pesquisadores

renomados, mundialmente, como a professora Denise Fleith.

Se por um lado, é enorme a importância e contribuição da Psicologia, para a

compreensão das AH/SD e luta pela garantia dos direitos dos alunos, por outro ângulo, devemos

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buscar compreender o fenômeno da invisibilidade, no sistema educacional, e a explicação da

constituição das AH/SD, a partir de perspectivas científicas de outras áreas, para entender

melhor e colaborar para a mudança no cenário de negação de atendimento aos indivíduos alto

habilidosos.

A Psicologia nos garante chaves importantes, no entendimento das AH/SD, por

exemplo, com os estudos sobre a explicação/constituição da inteligência, ao longo do século

XX. Entretanto, os mistérios da inteligência humana ainda são muitos, principalmente, quando

falamos da capacidade de alguns indivíduos em aprender mais/menos e de forma mais

rápida/lenta, em relação à maioria das pessoas. Temos neste campo, duas escolas que buscam

entender as AH/SD e que explicitam a grande batalha, na explicação da cognição humana. Tal

batalha gira em torno da avaliação do peso da natureza ou da sociedade, na constituição da

inteligência e das habilidades humanas.

Pensamos que as análises das AH/SD devam ser aprofundadas, a partir de concepções

da Psicologia, que olhem a formação do psiquismo humano para além do fenômeno puramente

individual; abordando a questão em suas facetas sociais e históricas, dentre as quais, destacamos

a Psicologia Histórico-Cultural. Além da Psicologia Histórico-Cultural, defendemos que a

História, a Sociologia e a Pedagogia têm muito a contribuir sobre o fenômeno das AH/SD.

Portanto, em nosso caminho teórico metodológico concentraremo-nos em avaliar as

contribuições que as ciências sociais podem trazer ao tema das AH/SD e, em especial, para a

compreensão da invisibilidade.

Geralmente, as pesquisas na área trabalham como se os sujeitos, com tais características,

existissem em um plano neutro, como se a manifestação das AH/SD ocorressem de modo

universal e sem ligação com a realidade social.

Para que possamos compreender as razões que explicam a invisibilidade das AH/SD,

no sistema educacional brasileiro, é fundamental considerar a estrutura da nossa sociedade.

Desta forma, as contribuições de Marx e Bourdieu são fundamentais, para que possamos situar

os sujeitos com AH/SD, em seus contextos, dando concretude a sujeitos e fenômeno.

Assim, em nossa pesquisa, os conceitos de contradição, lutas de classes, escola

reprodutivista, capital cultural, habitus docente, fracasso escolar, bem como, as categorias

gênero e etnia são aportes teóricos, em que baseamos nossas reflexões.

Muitos são os trabalhos da Sociologia, que podem contribuir para o entendimento da

invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional brasileira. Dentre estes destacamos as

produções de Baudelot e Establet (1971), sobre escola capitalista e, em especial, a noção sobre

o mito de escola única. Outro autor importante é Lahire (1997), e seus estudos com a Sociologia

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do Sucesso Escolar, englobando reflexões sobre o modo como o capital cultural é transmitido

aos indivíduos e mobilizado por estes, também, as estratégias de famílias de trabalhadores,

para que seus filhos obtenham sucesso escolar.

Os trabalhos de Nogueira (2004), e Setton (2016), nos fornecem importantes

informações sobre as estratégias de escolarização das elites para os seus filhos, bem como, os

processos de socialização e individualização dos sujeitos, na construção de suas biografias,

incluindo suas trajetórias de sucesso escolar. Tais trabalhos permitem entender o tema das

AH/SD, a partir da perspectiva da elite e sua constituição, por meio de perspectivas que vão

além das explicações baseadas na genética.

Pensamos não ser possível entender as AH/SD, na sociedade capitalista, sem algumas

reflexões e conceitos de Marx e Vygotsky, como a análise das habilidades humanas e formação

de seu psiquismo, baseando-se no materialismo histórico dialético. Da mesma forma, não é

possível compreender a invisibilidade das AH/SD e mesmo sua constituição, na escola

capitalista, sem as ideias de Bourdieu e a vasta lista de seguidores e críticos de suas reflexões.

2.4.1 – As Hipóteses para a Invisibilidade das AH/SD.

Geralmente, o debate sobre AH/SD ocorre de uma perspectiva individual, esta é,

também, uma tendência, quando analisamos os debates, no interior das escolas, sobre os

estudantes com dificuldades de aprendizado. Tal perspectiva reflete uma posição teórica, que

concentra as explicações sobre o desempenho humano, a partir dos próprios sujeitos e relega,

para segundo plano, o impacto de fatores sociais e culturais no processo de desenvolvimento.

Curiosamente ou nem tanto, as explicações para o talento seguem o mesmo caminho em que,

normalmente, baseiam-se as explicações para o fracasso escolar, como nos indicam Asbahr e

Lopes (2006, p.55):

A Psicologia tradicional, desde então, vem corroborando com a pedagogia da

exclusão, ao classificar e rotular as pessoas, selando seus destinos e servindo para

justificar as desigualdades sociais. Comum à essas diversas tendências da Psicologia

e da Pedagogia, é a ideia de que a responsabilidade pelo fracasso escolar e social

encontra-se no indivíduo, em sua família ou em sua raça. [...] Críticas contundentes

têm sido realizadas, há algumas décadas, a essa concepção de fracasso que parte de

uma visão preconceituosa dos pobres e negros e fala a favor das classes dominantes.

No entanto, essa ideia continua fortemente presente no dia-a-dia das escolas, na mente

de professores, pais e dos próprios alunos.

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Neste contexto, parte dos pesquisadores que se dedicam a estudar as AH/SD, quando

constata a invisibilidade das crianças com AH/SD, limita-se a denunciar a situação22, mais em

forma de ação militante e não menos justa, do que em de constatação científica. A invisibilidade

dos estudantes com AH/SD é quase parte obrigatória de todos os trabalhos na área, destacamos,

por exemplo, a referência de Virgolim (2012, p.95): “Fala-se muito das necessidades dos alunos

com deficiência, mas constantemente o aluno com altas habilidades é esquecido nos discursos

político-pedagógicos, seja dentro da escola, seja fora dela[...]”.

São poucos os pesquisadores que se arriscam a refletir sobre quais seriam as explicações

para tal situação. Alguns costumam compreender a invisibilidade, a partir da tese de que exista

um conjunto de mitos sobre AH/SD disseminado entres os docentes, que geraria o quadro de

invisibilidade.

Há também estudiosos que entendem que a falta de consenso em relação ao melhor

termo para definir as AH/SD, bem como, uma nomenclatura que seja, cientificamente, precisa,

somado a não existência de um método e protocolo unificado para a identificação destes

indivíduos, seja a razão da invisibilidade.

Finalmente, temos a hipótese de que a invisibilidade dos alto-habilidosos seja devido à

falta de formação docente sobre o tema das AH/SD, graças a tradição dos cursos de formação

inicial de docentes, nas licenciaturas, em ignorar o tema.

Vale destacar, que os diferentes grupos apegam-se em explicações diversas e não,

necessariamente, excludentes, podendo alguns pesquisadores aderir a uma ou a soma das

hipóteses, conforme suas filiações teóricas.

Defendemos que tais hipóteses são insuficientes para a compreensão do problema e da

forma como são expostas, de modo naturalizado, pouco colaboram para entendermos e

superarmos a situação de invisibilidade.

Neste sentido, propomos a inversão da forma como o problema está colocado,

geralmente, parte-se da pergunta: porque “determinados” professores não conseguem

identificar “determinados” estudantes com AH/SD? Se invertermos a lógica e pensarmos: Qual

o motivo, de 5 milhões de pessoas, uma população, maior que a cidade de Belo Horizonte, não

ser notada, identificada e atendida, no interior das escolas brasileiras? Outra questão importante

para a reflexão é refletir sobre as razões para que os mais de dois milhões de docentes

brasileiros, com as mais diversas formações e concepções teóricas e metodológicas, teriam para

manter uma postura, quase homogênea, de não identificar seus alunos com AH/SD? Pensamos

22 Muitos dos trabalhos citados no capítulo 4, quando analisamos o estado da arte das pesquisas sobre AH/SD,

denunciam o quadro de invisibilidade, mas, geralmente, as reflexões não vão além da denúncia.

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ser este, um caminho promissor, na busca para a compreensão da questão, deixar as perspectivas

individuais/individualizantes e pensar na questão como produto coletivo elaborado pela

realidade educacional brasileira.

Podemos ir além e nos questionar se existe alguma relação entre os alto-habilidosos e

os outros 95% dos alunos da educação brasileira e pensarmos se teríamos algo a aprender com

as AH/SD, que pudesse atingir a escola como um todo. Seguindo tal linha de pensamento,

haveria algo que os estudiosos das AH/SD pudessem aprender com as reflexões sobre a escola

dos outros 95%? Nos levando a questionar se a divisão fracasso/sucesso, não passaria de

perspectiva ideológica, que nos atrapalha na compreensão de ambos os fenômenos.

Não é recente que se recorra a frágil formação docente, para explicar as mazelas da

educação brasileira, sendo que, em boa parte, há justiça na afirmação, pois é conhecida e

amplamente denunciada as lacunas formativas dos professores brasileiros.

É realmente raro que o tema das AH/SD seja tratado nos cursos de Pedagogia e

licenciaturas, responsáveis pela formação de professores. Observando a grade curricular dos

cursos de licenciatura, percebemos, de forma evidente, a ausência do tema das AH/SD.

Porém, um olhar mais atento, mostra-nos que é vasta a lista de ausências, nas grades dos

cursos de formação docente: como alfabetizar; ensinar matemática; fundamentos da sociologia

da educação; questões étnico-raciais e de gênero; educação inclusiva e tantas outras áreas que

são pouco tratadas, na formação dos professores.

Tal colocação refere-se ao enfoque, nos cursos de Pedagogia, pois, aos alunos das

demais licenciaturas, falta, praticamente, tudo, no que tange a formação pedagógica. Portanto,

sem uma profunda mudança, na formação docente, pouco será alterado nos destinos de crianças

com ou sem AH/SD, e tal constatação é tão urgente, quanto antiga no Brasil.

Mas, quando falamos na invisibilidade das AH/SD, resta uma dúvida, quanto a como

explicar uma postura docente tão coesa. Docentes sem formação universitária ou formados em

IES marcadas pela precariedade, tendo posturas semelhantes aos professores formados em

grandes e renomados cursos do país, como PUC, UFMG, UFRGS, USP, UNICAMP, UNESP,

UERJ. Esta posição coesa talvez só seja verificada, na realidade educacional brasileira,

curiosamente, quando falamos da produção do fracasso escolar, polo “inverso” das altas

habilidades/superdotação.

Não basta concluir que os cursos negligenciam o tema das AH/SD, cabe questionarmos

quais os motivos desta ausência nos cursos dedicados à formação docente.

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Alguns especialistas defendem que há preconceito com o tema, pelo mesmo ser tratado

como elitista. A quem interessa a invisibilidade das pessoas com AH/SD, nas escolas

brasileiras, em especial, as da rede pública?

A hipótese que apresenta os mitos sobre AH/SD deve, também, ser questionada.

Cabendo o questionamento sobre o que os mitos nos dizem sobre a forma como a sociedade,

que os criou, entende as AH/SD.

A perspectiva de que a falta de um método e protocolo, para a identificação das altas

habilidades/superdotação, seja a responsável pela invisibilidade, a despeito de existir muitas

dúvidas sobre como reconhecer estes alunos, também, contém lacunas em sua busca por

explicar a invisibilidade, pois não é correta a afirmação de que não contamos com métodos de

avaliação e identificação. Atualmente, existem diversos modelos de identificação de alto-

habilidosos reconhecidos nacional e internacionalmente, como exemplo de metodologias para

a identificação de AH/SD, destacamos as listas de indicadores das professoras: Zenita Guenther,

Cristina Delou e Soraia Napoleão, materiais bem estruturados, de simples utilização e,

facilmente, acessíveis.

Há ainda, a perspectiva que explica a invisibilidade, por meio de uma hipótese que se

relaciona ao uso de terminologias equivocadas para os sujeitos com AH/SD, de modo que

atrapalham na identificação.

De nossa parte, acreditamos que a questão está colocada de modo equivocado e

propomos a inversão da situação, afinal, não é o uso do termo que gera o fato social e sim, a

existência do fato concreto e objetivo na realidade, que torna possível o uso da expressão. O

conflito em relação ao melhor termo para nos referir aos alunos que, de alguma maneira, se

destaquem é real e pode ser verificado no título do livro de Moreira (2012): “Altas

Habilidades/SUPERDOTAÇÃO, Talento, Dotação e EDUCAÇÃO”. Nesta obra, que reúne

artigos dos mais importantes pesquisadores sobre o tema, no Brasil, a opção por usar tantos

termos para se referir aos alunos alto-habilidosos, na escolha do título da publicação, apresenta

o debate em torno da melhor forma de se referir aos estudantes com AH/SD.

Deste modo, temos a seguinte situação, empiricamente, todos os dias, alguns milhões

de alunos, pelo Brasil, destacam-se de seus colegas, por apresentarem rendimentos ou

potenciais superiores aos seus pares etários e de classe.

É preciso saber bem pouco de educação, para acreditar que os professores não percebam

tais crianças e jovens. Os professores notam estes educandos, seja por suas falas perspicazes,

durante as aulas, por notas destacadas em avaliações e qualidades dos seus trabalhos, pelo

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interesse demonstrado nas explicações ou porque são os únicos que aprendem, de forma

adequada, o que se ensina.

Tais fatos tornam impossível que estes alunos não sejam notados, independentemente,

do termo que será utilizado: talento, dotado, superdotado, altas capacidades ou habilidades, ou

finalmente apenas “bons alunos”. A indagação que fica, é como compreender que docentes,

diante de ótimos resultados, tratem tais alunos como “NORMAIS”, levando-os à invisibilidade?

2.4.2 – As AH/SD entre Determinismo, Genética e Hereditariedade

Um equívoco, quando se analisam as causas que explicariam as AH/SD e sua

invisibilidade, é não considerar os contextos sociais e históricos, em que as mesmas ocorrem.

Se tratarmos a questão das AH/SD, como se fossem ilhas isoladas, aproximar-nos-íamos

do grande debate sobre a constituição dos talentos humanos: a velha questão Nature X

Nurture23, e consideramos que boa parte desta oposição seja artificial.

Podemos imaginar o que nos diria Marx, se fosse convidado a refletir sobre AH/SD.

Dentre as muitas lições que nos daria, justamente, ele, com sua capacidade muito acima da

média, em relação aos homens de sua época, dir-nos-ia que antes de fazermos análises

precipitadas, seria preciso deixar claro, que não falamos de AH/SD, em qualquer tempo

histórico ou qualquer sociedade; não falamos de quaisquer sujeitos, abstratamente, universais e

muito menos de professores, como entidades ideais e transcendentais; falamos de sujeitos reais

e concretos, de professores de carne, osso e sangue, moldados e moldantes da realidade social.

Falamos de AH/SD, na época contemporânea da História Ocidental, sociedade com uma

determinada divisão de trabalho, marcada por crenças religiosas específicas e por ideias

científicas particulares.

Em suma, analisamos as AH/SD, na sociedade capitalista e precisamos levar em conta

os modos de funcionamento desta sociedade, caso pretendamos compreender sua constituição

e razões da maior ou menor visibilidade destes sujeitos.

As diferenças intelectuais foram, desde sempre, o verniz ideológico que objetivava

justificar a exploração e dissimular as contradições inerentes às sociedades de classes. O verniz

dos talentos diferentes escondeu o fato de que as condições objetivas, ao contrário das

23(SHENK, D. 2010), Deabate longamente o poder que a questao Natureza versus ambiente social, teve durante

boa parte do desenvolvimento cientifico acerca dos talentos humanos, concluindo que visões que abordam a

questao a partir desta dicotomia e especialmente como frutos exclusivos apenas da genética, são atualmente

amplamente refutadas e consideradas posições ultrapassadas.

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intelectuais, são legadas hereditariamente. Com a noção de diferenças naturais ocultou-se que

a estrutura social era dada pelas relações sociais e se, contra a natureza, desígnios divinos e

determinações genéticas, não havia nada a ser feito, as relações sociais estariam sujeitas às

mudanças produzidas, conforme a vontade e ação humana.

Ponto importante na reflexão é a avaliação quando ao papel que a inteligência e das

AH/SD, assumem, nas explicações sobre a constituição e funcionamento da sociedade

capitalista. Quando situamos o fenômeno das AH/SD, na sociedade capitalista, em especial, em

países da periferia do capitalismo e em escolas que atendem, em sua maioria, filhos da classe

trabalhadora, conseguimos caminhar alguns passos, na compreensão do fenômeno das AH/SD

e sua invisibilidade.

2.4.3 – O Embate Mérito x Dom, nas Concepções Docentes sobre as AH/SD

Com a queda do Antigo Regime, na Europa e a chegada da burguesia ao poder, ocorreu

uma forte alteração nas concepções políticas, filosóficas e culturais das sociedades europeias e,

consequentemente, das americanas. A partir do lema da Revolução Francesa: “Igualdade,

Liberdade e Fraternidade”, a noção de que todos deveriam ocupar postos na sociedade,

conforme seu merecimento individual, ganhou força.

Se as diferenças, no antigo regime, originavam-se na linhagem familiar, na sociedade

capitalista, estas passavam a ser estabelecidas pela posse dos meios de produção. Mas esta não

seria uma explicação possível de ser dada (Ao menos a todos). Logo, ganhava força à noção de

que os postos da sociedade seriam ocupados, conforme o talento intelectual de cada um, somado

aos esforços pessoais pautados na meritocracia, tínhamos a ideologia do trabalho descrita por

Weber (1989), em “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.

Na teoria da meritocracia, os sujeitos vencem ou fracassam, conforme seus próprios

potenciais e esforços, o mérito funciona, eficazmente, quando todos são iguais e tem as mesmas

oportunidades. O problema, obviamente, é que nem sempre a teoria funciona, pois é fácil

encontrar indivíduos, altamente, merecedores e esforçados, que pereciam e figuras que,

aparentemente, sem grandes esforços ou merecimento, obtinham notoriedade.

A solução foi seguir com uma antiga explicação, que se baseava na ideologia do Dom,

onde determinados (raros) indivíduos seriam dotados por habilidades, que lhes faziam

diferentes e, portanto, capazes de feitos notáveis. Deste modo, o sucesso era explicado tanto

para burgueses como para proletários, a partir das noções da meritocracia ou dom.

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Neste contexto, a inteligência ganha importância, pois ser possuidor de maior intelecto

seria fator fundamental e base para a divisão social. Surge, na sociedade capitalista, um

verdadeiro “fetiche” da inteligência, em especial, a capacidade de obter sucesso em atividades

acadêmicas e intelectuais, que não envolvessem trabalhos braçais e, não por acaso, estas

atividades eram exercidas pela burguesia, no gerenciamento de seus negócios.

O “problema” ocorria, quando alguém dotado de grande intelecto, por falta de

oportunidade, precisava viver em serviços braçais.

A solução para este “problema” seria a escola única, gratuita, obrigatória, mantida pelo

Estado e acessível a todos, onde cada indivíduo, conforme os seus méritos, pudesse ocupar

postos que lhes seriam de “direito”.

Neste percurso, a escola vai se constituindo, profundamente, meritocrática, onde a

crença no esforço e merecimento seriam chaves para o sucesso escolar e social.

Entretanto, os professores se vêem em uma situação paradoxal, se por um lado têm uma

sensação, que o saber empírico lhes oferece, de que alguns indivíduos teriam dons naturais;

como afirmar isto, sem enfraquecer a ideologia do mérito, que incentiva o esforço dos

estudantes, sendo fundamental para a própria existência da escola e da docência24?

A partir desta contradição, encontramos uma pista para a compreensão da invisibilidade

das AH/SD, pois o professor, talvez, não indique o aluno com AH/SD, não porque este passe

despercebido, mas, porque segundo seus valores, tenha dificuldade em fazê-lo, sem que

enfraqueça a ideologia do mérito.

Ainda que a Ciência afirme que as AH/SD são distribuídas, igualmente, no conjunto da

população, em uma sociedade de classes, os talentos não são, identificados de forma equitativa.

Assim, justificar uma sociedade baseada nas diferenças de potenciais individuais, como régua

que nivelaria os indivíduos, quando os professores constatam que sucessivas levas de

superdotados, das classes trabalhadoras, não vão além de trabalhos braçais degradantes se torna

difícil. Explicar que pessoas com AH/SD, estejam de balcões, servindo aos menos dotados de

intelecto, mas bem dotados de recursos econômicos, é constrangedor. Constatar que jovens,

com AH/SD, não consigam acesso ao ensino superior, expõe contradições duras de observar.

Talvez, seja melhor evitar questionamentos, sob risco de vermos a ideologia da escola

equalizadora e redentora da sociedade ruir, uma vez que, nem os alunos alto-habilidosos

conseguem a ascensão social que se costuma defender e propagandear.

24 A luta dos docentes entre as ideologias do mérito e do dom, no exercício de suas atividades, são, profundamente,

descritas por Bourdieu e Passeron em: (BOURDIEU,P; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma

teoria do sistema de ensino. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992b).

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2.4.4 – As Concepções de Escolarização das Elites e a Invisibilidade das AH/SD

A quem interessa as ideias de AH/SD ou sua invisibilidade? Seguindo os preceitos de

Saes (2005), à elite burguesa pouco se importa com as teorias da meritocracia, e sua relação

com a escolarização de seus filhos, ocorre de modo menos desesperado que o verificado na

classe média, pois, no fundo, sabem que o destino destes não depende (apenas) de sucesso

escolar ou intelecto, mas de habilidades gerenciais e de comando para lidar com a herança que

irão receber. Logo, o debate sobre as AH/SD tem pouca influência na elite e lhe gera pouco

interesse. Tal situação é verificada, também, nas escolas frequentadas por este grupo, por

exemplo, por intermédio do número elevado de alunos oriundos deste estrato social que

fracassa, em suas experiências escolares, como demonstram os trabalhos de Nogueira (2004),

sobre a escolarização de filhos de empresários industriais:

O desempenho escolar dos jovens oriundos das frações economicamente dominantes

da amostra (os filhos de empresários), quando comparado ao das frações mais

intelectualizadas (elites científicas e artísticas), se mostrou bem inferior. [...] o índice

de insucesso escolar, entre essas categorias sociais, é bem mais elevado do que se

poderia supor, atingindo, por exemplo, quase a metade dos filhos de empresários da

indústria. (NOGUEIRA, 2004, p.134)

Nogueira apresenta-nos, por exemplo, o fato de que ao escolherem as escolas dos filhos,

a elite industrial não tem grandes preocupações com a garantia de resultados, extremamente,

elevados, que garantam o acesso de seus filhos as melhores, mais disputadas e renomadas

universidades do país, preocupações, muitas vezes, a serem descritas por aqueles que estudam

e atuam com famílias de alunos, com características de AH/SD.

Além disso, há também o fato de que a escolha da instituição de ensino superior recai

sobre instituições privadas que se caracterizam por praticarem exames vestibulares

menos seletivos e, na maior parte, pouco exigentes. [...] Na verdade, dentre os 25

sujeitos focalizados pela pesquisa, apenas um cursava a UFMG, à qual teve acesso,

no entanto, não pela via do vestibular, mas sim por meio de transferência a partir de

uma faculdade privada [...]. (NOGUEIRA, 2004, p.138)

Deste modo, não temos entre os membros da elite um interesse tão intenso na temática

das AH/SD, o interesse decai, especialmente, quando pensamos na questão das AH/SD, no

universo escolar. Questões como a garantia de identificação, atendimento especializado,

aceleração de estudos e enriquecimento curricular, premissas candentes entre aqueles que lidam

com a temática, não estão entre as principais preocupações deste seguimento. A elite entende a

escola e as habilidades acadêmicas, a partir de uma posição utilitária. Suas preocupações com

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o talento dos filhos é sanada em atividades garantidas pela própria família e pela experiência

cotidiana, em atividades gerenciais e de liderança nas empresas da família. O que pode indicar

um dos primeiros motivos para que as AH/SD sejam invisíveis, afinal, o setor economicamente

decisivo, na sociedade capitalista, a burguesia, não entende o tema como parte de suas

preocupações. Podemos constatar esta posição em relação à escola, nos dizeres de Nogueira

(2004):

As entrevistas com os jovens revelaram uma relação com a escola e com o saber

predominantemente instrumental, no sentido de Charlot (2000), em que as finalidades

perseguidas são, em sua maior parte, exteriores ao conhecimento em si mesmo e

marcadas pelo utilitarismo, como, por exemplo, a obtenção da nota ou do diploma.

Um relativo desapreço pelo universo escolar, ao qual corresponde um interesse quase

apaixonado pelo mundo empresarial [...], caracteriza esses estudantes. (NOGUEIRA,

2004, p.141)

A escola é secundária e insuficiente para os anseios e projetos, desta parcela da

população, seja qual for o potencial intelectual dos sujeitos filhos da elite. Desta forma, faz

pouco sentido a luta pelo atendimento e reconhecimento escolar do potencial dos seus filhos,

em relação a terem AH/SD. Temos a evidência com Nogueira (2004), de que assim como não

apostam todas as fichas na escola, as famílias da elite possuem suas próprias estratégias de

desenvolvimento de habilidades e enriquecimento cultural/curricular para seus membros, sendo

a escola uma parte apenas deste processo. Desta forma, a identificação e atendimento aos jovens

alto-habilidosos deixa de ser tão urgente, uma vez que, a transmissão do capital cultural familiar

ocorrerá por estratégias variadas, independentemente, deste ter ou não AH/SD.

Quanto às estratégias familiares, a melhor forma que encontro para caracterizar a

relação que as famílias de empresários mantêm com o universo escolar é emprestada

da linguagem ordinária: esses pais “não apostam todas as suas fichas na escola”,

investindo – à semelhança dos filhos – moderadamente (sempre em termos relativos)

no setor. Na verdade, os pais do meio empresarial se servem também (ou até mais) de

outros tipos de estratégia para salvaguardar ou elevar a posição do grupo familiar no

espaço social. (NOGUEIRA, 2004, p.142)

Outro trabalho importante, para entendermos a posição das elites em relação as AH/SD,

é o trabalho de Brandão (2003), sobre as estratégias de escolarização das famílias pertencentes

às elites acadêmica e intelectual, para a escolha das escolas e processos de escolarização de seus

filhos e netos.

A autora pesquisou as opções quanto a escolarização de crianças entre famílias com alto

capital cultural, crianças cujos pais, mães e avós possuíam carreiras universitárias, haviam

concluído doutorados, no exterior, quando precisavam buscar a escola dos filhos.

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A primeira surpresa foi descobrir que estes não procuram, necessariamente, as

“melhores”, “mais renomadas” e “tradicionais” escolas, quando precisam matricular seus

filhos. E escolas tidas como as melhores sendo preteridas em nome de outras instituições menos

famosas. Vejamos o que Brandão (2003) nos diz:

Um outro resultado, também, surpreendente se encontra em alguns indicadores a

respeito das relações desses pais com as escolas de seus filhos. Eles parecem não

guardar grandes expectativas a respeito do trabalho das escolas – o que de certa forma

estaria indicado no fato de não procurarem as chamadas “melhores escolas”[...]). Seu

capital pedagógico parece dotá-los de bastante confiança em seus “trunfos” para a

escolarização dos filhos, o que se expressa de certa forma pelos dados obtidos pelo

survey: os professores investigados evidenciaram pouco interesse em conhecer as

equipes técnico-pedagógicas das escolas, e só vão à escola quando convocados.

Avaliam negativamente as reuniões de pais promovidas pela escola e acompanham o

desempenho dos filhos, principalmente, por meio dos boletins escolares e das

informações dos estudantes. (BRANDÃO. 2003, p.519)

Brandão (2003), demonstra que este seguimento, altamente, escolarizado, com vastos

recursos culturais e conhecimentos sobre o sistema escolar, recorre a inúmeras estratégias de

enriquecimento curricular de seus filhos, como: cursos, viagens, visitas a museus, horários para

leituras, esportes, aulas de idiomas, ou seja, todos estes recursos mobilizados garantem aos

seus membros tanto a transmissão do capital cultural, como o desenvolvimento e atendimento

de suas habilidades intelectivas.

Temos novamente, outro setor da “elite”, que não dependendo da escola para

desenvolver as habilidades de seus membros, obviamente, tendem a ter interesse restrito no

tema das AH/SD, ou ao menos na capacidade da escola atender seus filhos nesta área.

Os filhos desenvolvem uma série de atividades extraescolares – esportes, línguas

estrangeiras, artes... Todos os entrevistados sem exceção afirmaram que pagam cursos

fora do horário escolar, mesmo para os filhos que estudam em escolas de tempo

integral ou de jornada mais extensa como são as escolas bilíngues, caso de quatro

entrevistados. Se, à primeira vista, essas atividades podem estar representando uma

estratégia educativa de valorização da cultura livre de que fala Bourdieu, e certamente

estão, expressam também um poderoso instrumento de conhecimento –

reconhecimento – distinção. (BRANDÃO. 2003, p.520)

Portanto, se as elites entendem que as escolas, em tese, não teriam condições de garantir

a formação necessária a suas crianças, sejam estes alto-habilidosos ou não e, se precisam

mobilizar uma série de recursos culturais e econômicos, a fim de “bem formar” seus filhos,

não faria sentido que se interessassem pelas AH/SD. O discurso que lhes interessa é o oposto:

a defesa da meritocracia, de modo que o capital cultural e econômico mobilizado, na formação

destes alunos, seja dissimulado em mérito.

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As camadas populares, na luta pela sobrevivência e acesso às escolas para seus filhos,

sabem que não são as capacidades intelectuais que lhes garantirão melhores condições de vida.

Assim, movidos pelo utilitarismo, buscam para seus filhos trajetórias escolares que lhes

garantam colocação profissional, como os cursos técnicos do sistema “S” de ensino.

A posição das camadas populares, em relação a trajetória de estudos dos filhos, pautada

no paradoxo de precisar buscar uma escola aos filhos, sem a qual não teriam qualquer chance

no mundo do trabalho, sabendo que seus filhos terão poucas chances de galgar os níveis mais

elevados no sistema educacional, compele os trabalhadores a fazer escolhas pragmáticas e

pautadas em seu pouco conhecimento do sistema educacional:

Os “disconnected choosers”: [...] Quase sem exceção, esse grupo é composto por pais

da classe operária (“working class”), geralmente com baixo nível de instrução. Sua

denominação advém do fato de que eles se revelaram muito fracamente ligados ao

mercado escolar, pouco inclinados a escolher e a participar da escolha como

consumidores de educação. Sua característica principal é que eles operam na

“estrutura superficial da escolha” e com base em um “programa de percepção” que

repousa numa limitada experiência do mundo escolar. (NOGUEIRA, 1998, p.41)

Neste sentido, a classe trabalhadora, ávida por garantir aos filhos, ao menos o direito a

estudar, sem muitos conhecimentos sobre o sistema educacional, às vezes, com histórias de

fracasso escolar, desejosa de oportunizar a suas crianças um formação profissional, que lhe

possa colocar em melhores condições no mundo do trabalho, não chega a se interessar pelo

tema das AH/SD, pois não supõem que suas crianças possam ser, profundamente, talentosas,

mesmo quando verificam o potencial elevado da criança, não dispõem de recursos para garantir

o enriquecimento curricular fora da escola ou evitam atritos e problemas com os trabalhadores

das escolas dos filhos, em virtude de algum questionamento.

2.4.5 – Quem Seriam, então, os Interessados nas AH/SD?

Dubet refere-se aqui ao fato de que, num contexto de massificação escolar, as famílias

reivindicarão “legitimamente” para seus filhos o tipo formação, o estabelecimento de

ensino e, às vezes, até mesmo a sala de aula julgados os mais eficazes. [...] Se Dubet

chama a atenção para o fato de que em todos os grupos sociais o investimento em

educação aumenta, outros autores irão se ocupar, em particular, de seu impacto sobre

as classes médias, evidenciando que elas vêm intensificando e refinando ainda mais

suas estratégias educativas para tirar proveito dos recursos (culturais e econômicos)

que possuem em prol da escolaridade dos filhos. [...] A resposta das classes médias

ao aumento da insegurança e do risco envolvidos em suas estratégias de reprodução

foi uma intensificação da competição pela posição (Ball, 2003, p. 18-20). O que ecoa

a constatação mais antiga de Dubet & Martuccelli (1996, p.119) de que “é nas classes

médias, mais ainda do que nas classes superiores, que a escola está fortemente

integrada numa estratégia de reprodução social”.(NOGUEIRA, 2010, P.219)

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O segmento social, que surge como interessado no tema, será o mesmo setor que mais,

intensamente, apostou suas fichas na escola como forma de ascensão social. O talento e o

sucesso escolar foi tema fundamental para as classes médias25 e urbanas, em sua trajetória de

luta pela escolarização da sociedade.

Mas mesmo a classe média, que poderia atuar em defesa da causa das AH/SD, sofre

com o dilema de ser defensora da meritocracia e se ver diante de crianças, “naturalmente”,

talentosas. Suspeitamos que a solução para este dilema tenha sido o silêncio e a invisibilidade.

Os docentes, conforme Masson (2007), enxergam-se como pertencentes à classe média

e são fortemente marcados pela mesma ideologia da meritocracia, desta forma, resistiriam em

indicar crianças com AH/SD, devido à percepção de que estas se relacionem com as ideias de

dom e inatismo.

Não podemos deixar de notar que ocorre um grande interesse, das redes de escolas

particulares, em relação à invisibilidade das AH/SD. Pois, enquanto as escolas públicas não

notam estes educandos, a rede privada os conhece bem e seleciona-os em exames acadêmicos,

concursos de bolsas e torneios esportivos, de modo que sejam atraídos por estas escolas e lá

chegando, usufruam de bolsas de estudos26.Deste modo, não sendo tratados com alunos com

AH/SD, tem seus resultados como: aprovação em exames vestibulares, medalhas em

olimpíadas de Matemática ou vitórias em torneios esportivos, apresentados como fruto do

trabalho (exclusivo) das escolas. Tornando resultados positivos, em conquistas das instituições

e mérito da “alta qualidade” das escolas, de modo que justifique as exorbitantes mensalidades

e construindo os nomes dos colégios preferidos pela classe média.

2.4.6 - As AH/SD como Fenômeno Social Multifacetado

É importante saber, se como ocorre com o fracasso escolar, as taxas de analfabetismo,

e o acesso ao ensino superior, a renda é um fator com impacto, nas trajetórias escolares dos

alunos com AH/SD, bem como, conhecer se no que se refere à identificação, atendimento e

aceleração, haja correlação entre renda e reconhecimento da situação de alto-habilidoso.

25 Trabalhamos com a definição de classe média apresentada por Nogueira (2010). 26 Durante nosso trabalho com a formação dos professores sobre o tema das AH/SD, inúmeros professores que se

dividem entre as redes pública e privada, relataram casos de alunos talentosos da rede pública, que estavam sendo

atraídos através de bolsas de estudo para as escolas particulares. Outro exemplo é a conhecida tradição das escolas

privadas, da Baixada Santista, em oferecer bolsas de estudo para alunos que se destaquem, nas copas TV Tribuna

de Esportes, que são, anualmente, realizadas e que atraem grande atenção da mídia e do público.

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Pesquisas estadunidenses, brasileiras e espanholas afirmam que, do ponto de vista das

questões de gênero e etnia, existem entre os invisíveis grupos que são ainda mais invisíveis.

Estudos brasileiros já demonstraram que o número de crianças identificadas com AH/SD é

muito maior no gênero masculino27, mostrando que as relações de gênero limitam os

investimentos dos docentes, nas alunas, como um todo e, também, nas com AH/SD.

Trabalhos norte-americanos indicam que semelhante ao ocorrido com as meninas

brasileiras, os alunos negros, também, representam uma minoria indicada para os programas de

AH/SD, somados aos latinos, constituindo um número muito inferior em relação às indicações

de alunos caucasianos e asiáticos.

Diante da falta de dados sobre renda e etnia, dos alunos identificados com AH/SD e

conhecedores dos dados do IBGE, de que o fator étnico é decisivo em prejuízo aos negros, com

relação a anos de escolaridade, índices de reprovação, e acesso à universidade; pensamos ser

razoável supor que o número de negros indicados com AH/SD seja inferior ao de alunos

brancos, o que nos ajuda a entender parte da invisibilidade.

Deste modo, cabe indagar o que ocorre no pensamento do professor, quando este foi

formado por uma escola marcada pela seletividade, ele próprio, ideologicamente, filiado à

classe média e seus discursos de meritocracia, calejado por uma estrutura que impede um

trabalho de qualidade, ao encontrar uma criança com talentos acima da média. Seu olhar

“viciado” em encontrar fracasso, ainda, é capaz de enxergar sucesso?

2.4.7 - O Fenômeno a Partir do Conceito de Capital Cultural

Consideramos que na busca pela compreensão dos motivos que levam escolas, redes de

ensino e professores a, sistematicamente, ignorar os alunos com AH/SD, os conceitos

desenvolvidos por Bourdieu e Passeron (1992), sejam fundamentais. Entre estes, destacamos:

capital cultural, habitus docente e escola reprodutivista.

Acreditamos que seja necessário um trabalho de análise da produção teórica sobre a

Sociologia da Educação, de um modo mais amplo, para que possamos compreender como

ocorre e funciona o fenômeno da invisibilidade dos alunos com AH/SD.

Bourdieu e Passeron (1992), na obra: “A Reprodução”, apresentam-nos como o mito da

escola redentora da sociedade não se sustenta, quando analisada, empiricamente. Segundo

Bourdieu, a ideia de que através do acesso a “escola única” e igual a todos, seria possível

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garantir ascensão social. conforme o mérito de cada indivíduo, não passa de discurso

ideológico.

Outra ideia de Bourdieu é a critica à noção de que a escola contribuiria para a redução

e quiçá a superação das desigualdades sociais. Para o autor, a escola, no final das contas, acaba

reproduzindo as desigualdades sociais e legitimando-as, ao disfarçá-las em diferenças

resultantes dos variados níveis de talento e dedicação dos sujeitos.

A partir da leitura de Bourdieu, verifica-se que o sucesso, na escola, tem relação direta

coma posse de capital cultural, bem como, na habilidade e disposição das famílias em mobilizar

o capital cultural e econômico, na construção de trajetórias escolares bem-sucedidas.

Segundo o autor, o fracasso, também, tem endereço certo, quando analisamos dados

empíricos sobre a trajetória escolar dos estudantes. Em geral, aqueles que fracassam são os

alunos privados do capital cultural exigido pela escola.

Desta forma, segundo Bourdieu, no final das contas, são bem-sucedidos aqueles que, no

início de sua jornada escolar, já estavam destinados ao sucesso pela sua origem social e o

mesmo raciocínio serve para o fracasso.

Conforme o autor, o sucesso das crianças, na escola, dar-se-ia, em grande parte, não

apenas pelas suas capacidades, esforço e estudo e, sim, por um conjunto de conhecimentos

cobrados pelos docentes de forma sutil e quase sempre não intencional, como: a frequência a

museus, o gosto pelas artes, o prazer pela leitura, o comportamento escolarizado ou o uso da

linguagem escrita ou oral.

O conceito de capital cultural, é de suma importância para a compreensão da

invisibilidade das crianças com AH/SD, pois, quando os professores tem em seu imaginário o

ideal de aluno baseado no capital cultural típico de seu grupo social (classe média), acaba

usando critérios, ainda mais seletivos, para pensar nas crianças com AH/SD.

Neste sentido, crianças, profundamente, talentosas, mas desprovidas do capital cultural

típico da classe média, dificilmente, serão notadas.

Quando não percebem o papel do capital cultural para a manifestação de talentos, o

professor acaba por impedir que as crianças mais pobres, exatamente, que mais precisariam da

escola para desenvolver suas habilidades e talentos, tenham seu pleno desenvolvimento.

O desconhecimento dos professores e escolas sobre a importância que o capital cultural

exerce, no sucesso de um estudante, bem como, a crença, nas ideologias que contribuem para

travestir capital cultural e econômico em potencial intelectual natural, majora a tendência à

invisibilidade das AH/SD, entre alunos oriundos da classe trabalhadora.

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Com a noção de que os alunos da rede pública, com formação pouco erudita, com

famílias pouco escolarizadas, com poucos recursos para acessar bens culturais, teriam pouca

condição de apresentar AH/SD de forma natural/inata, os filhos da classe trabalhadora,

dificilmente, chamam a atenção dos professores pelo seu potencial e, assim, reforça-se e

justifica-se a invisibilidade das AH/SD nos meios populares.

O conceito de capital cultural constitui ideia fundamental para a compreensão das

AH/SD, bem como, da invisibilidade. A teoria mais aceita, atualmente, para explicar as AH/SD

propostas por Renzulli, “Teoria dos Três Anéis”, tem pelo menos dois dos fatores considerados

características de AH/SD, fortemente, marcados pelo capital cultural: a habilidade acima da

média e o envolvimento com a tarefa, ainda que sejam, normalmente, considerados apenas sob

a perspectiva biológica.

Comumente, olhamos para estas características de forma naturalizadas, como se

surgissem espontaneamente, relegando a importância que a história social dos sujeitos pode ter

na expressão, formação e desenvolvimento de tais “talentos”.

O que pretendemos, sem cair nos equívocos do determinismo social, é demonstrar que

ter pais atletas, músicos ou extremamente interessados em música, permite um trânsito de

informações privilegiado, nestes campos, às crianças, que pode ter um papel decisivo no

desenvolvimento, do que definimos como “habilidades acima da média”.

Outro componente fundamental para o entendimento de AH/SD, que é a noção de

envolvimento com a tarefa, também, compreendida com um olhar histórico e social e, desta

forma, tratado como parte do capital cultural que grupos sociais e familiares acabam legando

às suas crianças.

Acreditar que a capacidade humana de se envolver em uma tarefa seja algo natural,

individual e determinado por fatores biológicos apenas, constitui um dos fatores colaboradores

da invisibilidade dos alunos AH/SD.

Entendemos que o grau de envolvimento com uma tarefa seja algo com fortes contornos

individuais, mas que não pode ser, totalmente, concebido sem uma análise histórica e social,

isto porque, a quantidade de esforço, tempo e dedicação de um indivíduo a certo tipo de

atividade representa uma somatória de fatores, como: valorização social da atividade, o sucesso

obtido que estimula maior investimento, a percepção de que sucessos agradam os familiares

etc.

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Defendemos que o envolvimento com a tarefa é algo ensinado e desenvolvido, em

especial, com as tarefas escolares, pois são, em grande parte, produtos dos ethos28familiares e

sociais. A capacidade de ler por horas, ouvir longas exposições docentes, envolver-se com

pesquisas, ser questionador, são posturas ensinadas e transmitidas socialmente.

Por vezes, desconhecendo o papel que o capital cultural exerce, na constituição desta

capacidade ou da importância da atuação dos docentes, na formação destes comportamentos,

professores terminam por não identificar o potencial intelectual de alunos alto-habilidosos, das

camadas populares e residentes nas periferias de grandes cidades ou em áreas rurais, por estes

não apresentarem o envolvimento com as tarefas escolares, que é considerado natural e

adequando pelo docente, contribuindo desta forma para o fortalecimento da invisibilidade.

Por outro lado, quando colocados diante do “improvável” fato de encontrar grande

envolvimento com as tarefas acadêmicas, em crianças com familiares pouco escolarizados, há

a tendência a valorizar as explicações centradas nos indivíduos, como: a genética ou o dom,

para explicar estes casos considerados raros. Neste sentido, a invisibilidade é reforçada em dois

polos, seja considerando que o envolvimento com as tarefas acadêmicas é natural,

desprezando-se a oportunidade de ensiná-lo às crianças da classe trabalhadora, seja ao buscar

explicações nos próprios indivíduos, que por serem exceção à regra, contribuem para o

fortalecimento da ideia de que as altas habilidades são, necessariamente, fenômeno raro e

restrito a um grupo pequeno e seleto.

Tais posturas decorrem de olhares superficiais das histórias destes sujeitos e de noções

estereotipadas das classes populares.Não atentam que o discurso da ascensão social, por meio

da escola, pode ser a marca de um determinado grupo social; para o peso de uma mãe exigente,

diante dos comportamentos escolares (ainda que ela própria não tenha frequentado a escola e,

às vezes, exatamente por isso) seja decisiva; a ética religiosa do estímulo ao estudo; a vivência

de relatos de sofrimento dos pais pela pouca frequência à escola; uma “madrinha” que estimule

os estudos; o encontro com um professor que estimule e acolha; a família que, mesmo carente

economicamente, investe o pouco que tem em livros, computadores e acabam criando o

sentimento de dívida com os pais e, por fim. Todos estes são modos de desenvolver o chamado

“envolvimento com a tarefa”.

28 Em “A Ética Protestante e o espírito do Capitalismo,” Weber apresenta como determinados Ethos familiares são

transmitidos por grupos e gerações, desenvolvendo comportamentos característicos de uma determinada

orientação religiosa, política, nacionalidade. Neste sentido, determinados grupos familiares podem se

tornarcapazes de, a partir de éticas particulares de uma dada família ou grupo, transmitir valores profundamente

escolares a suas crianças, como: a capacidade de envolvimento com a tarefa e, para citar um exemplo, podemos

destacar os rendimentos de crianças filhas de imigrantes, normalmente, muito dedicadas às tarefas escolares, por

virem nesta uma das poucas oportunidades de ascensão e reconhecimento social. (WEBER,1989)

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Neste sentido, a análise de obras de Lahire (1997), e Setton (2016), que avaliam a

constituição dos sujeitos e suas potencialidades, em seus processos de individualização,

produzindo sucesso, em contextos improváveis e por vias que o determinismo, sequer, poderia

supor, tornam-se fundamentais para a compreensão da formação das AH/SD.

O desconhecimento destes caminhos “sinuosos”, nos processos de socialização e

individuação dos sujeitos, pode ser responsável pela não percepção de seres, profundamente,

talentosos.

Autor fundamental para a compreensão das AH/SD, que escape da armadilha da

dicotomia nature X nurture, é Sartre (1979), e a análise das histórias individuais de constituição

e manifestação dos talentos, a partir do método progressivo regressivo descrito em, Sartre

(1979), ou através de sua biografia de Gustave Flaubert (O Idiota da Família), onde utiliza o

método progressivo regressivo, como forma de analisar a constituição da biografia e dos

talentos de uma pessoa, trabalhando com a ideia de que ninguém é, em nenhuma circunstância,

completamente individual, nem, totalmente, a reprodução das determinações sociais de uma

determinada sociedade e contexto, sendo, exatamente, esta dialética entre individual e universal

que deva ser analisada, Sartre (2014).

2.4.8 - O Habitus Docente e a Identificação de Indivíduos com AH/SD

Bourdieu formula o conceito de habitus e o apresenta como uma importante

ferramenta interpretativa da realidade, no contexto de uma sociologia interessada em

dissolver as fronteiras entre indivíduo e sociedade (Wacquant, 2006 apud ARAÚJO,

2014, p. 218)

Outro importante conceito construído por Bourdieu, para analisar o fenômeno da

reprodução social operada pela escola, é o de habitus docente. O conceito de habitus surge na

obra de Bourdieu, no contexto de sua reflexão crítica sobre o papel da escola, na reprodução

social.

Buscando compreender as relações entre base material e individualidade, Bourdieu

formula o conceito de habitus, como nos indica Araújo e Oliveira (2014):

Do interesse em compreender a relação entre as condições materiais de existência

(capital econômico), a estrutura sócio institucional e a individualidade, Bourdieu

(2001) é levado ao conceito de habitus. O habitus configura-se como um sistema

ímpar de disposições para a ação, desenvolvido por cada um, em virtude da posição

que ocupa na estrutura social. Nas palavras de Bourdieu (2007), o habitus é um

“sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas

estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto

das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (p. 191).

(ARAÚJO e OLIVEIRA, 2014, p. 217)

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Nas palavras de Araújo e Oliveira (2014)29, ohabitus inclui tanto as representações sobre

si e sobre a realidade, como, também, o sistema de práticas em que a pessoa se inclui, os valores

e crenças que veicula, suas aspirações, identificações etc. O habitus opera na incorporação de

disposições, que levam o indivíduo a agir de forma harmoniosa com o histórico de sua classe

ou grupo social e, essas disposições incorporadas refletem-se nas práticas objetivadas do

sujeito. O habitus pode ser visto como uma síntese dos estilos de vida e dos gostos pelos quais

apreciamos o mundo e nos comportamos nele Bourdieu (2013).

O habitus seria, então, o elo entre três elementos: a estrutura das posições objetivas, a

subjetividade dos indivíduos e as situações concretas de ação Nogueira (2004) , e Setton (2016).

Com a função de estabelecer coerência tácita entre a ação individual e as expectativas

de classe, o habitus, segundo Araújo e Oliveira (2014, p.219), faz o indivíduo dar mais crédito

às oportunidades e práticas sociais habituais comuns ao seu grupo, do que àquelas incomuns,

diferentes ou inusitadas. Por essa razão, certas trajetórias de desenvolvimento pessoal podem

ser desprezadas, simplesmente, porque o indivíduo acredita que aquilo não é para ele, porque,

em suas próprias experiências anteriores e nas de seu grupo, ele não consegue encontrar

elementos empíricos, que justifiquem o investimento em oportunidades.

Em muitos casos, as pessoas projetam sua vida à luz da estrutura e das experiências que

constituem o histórico do seu grupo social. Nesse sentido, resume:

A ideia básica da noção de habitus estabelece que a incorporação progressiva das

práticas faz com que as ações percam a condição de práticas estruturadas e comecem

a parecer práticas naturais, constituindo-se ‘estruturas estruturadas estruturantes’ que

viabilizam a própria vida social. (ANDRADE, 2007, p.105-106):

A partir destas concepções de Habitus, que Bourdieu e alguns dos especialistas em sua

obra nos apresentam, consideramos que a noção de AH/SD não pode ser compreendida, sem

levar em conta que o termo em si, já traz uma carga de sentidos que o sujeito que o utiliza

mobiliza, quando precisa pensar no tema das AH/SD.

O conceito de Habitus pode colaborar para a compreensão da invisibilidade e nos ajudar

a entender como a experiência, da maioria dos docentes, em um ambiente escolar

profundamente baseado no discurso da meritocracia e da seletividade, relaciona-se com as

29

Araújo, C. M. & Oliveira, M. C. S. L. Contribuições de Bourdieu ao tema do desenvolvimento adolescente em

contexto institucional socioeducativo, Pesquisas e Práticas Psicossociais – PPP - 8(2), São João Del-Rei,

julho/dezembro/2014

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ideias que fazem das AH/SD; levando-nos, talvez, a entender porque os alto-habilidosos são

invisíveis aos professores.

Segundo Masson (2007,p.6): “O professor da rede pública faz parte de uma classe

média, que no Brasil, se desenvolveu sobre tudo a partir de 1930, com a industrialização.”,

precisamos, então, entender como a concepção de AH/SD se desenvolveu e se fortaleceu, no

interior da classe média brasileira, ao longo de sua história, caso desejemos compreender como

o imaginário sobre AH/SD, se desenvolveu e difundiu. Sobre a definição da classe média,

citamos, também, (MASSON, 2007, p.6):

Essa classe social precisou convencer a classe dominante do seu valor, fazendo-a

avaliar de forma diferenciada o trabalhador intelectual e o trabalhador manual. A

classe média passou a invocar o prestígio social do “trabalho intelectual” para firmar

uma situação econômica social superior à das classes trabalhadoras manuais. Assim,

à medida que a classe média se desenvolveu, ela passou a se preocupar com a

educação e a reivindicar a intervenção do Estado no ensino, perseguindo um ideal de

escola – uma Escola Única.

Como sabemos, uma das características da classe média é a defesa de suas posições

distintas do restante dos trabalhadores manuais, a partir da noção de que possuiriam maior

mérito, devido à natureza intelectual de suas atividades profissionais e, seus méritos pessoais,

comprovar-se-iam, sobretudo, por intermédio do sucesso escolar.

Como conciliar o que Bourdieu definiu como ideologia do mérito com a noção de

AH/SD? Como a classe média poderia convencer as elites a lhe valorizar (exclusivamente) os

méritos intelectuais, diante do grande número de pessoas AH/SD, que estariam distribuídas

pela sociedade e invisíveis? Haveria dificuldade em justiçar e garantir o monopólio de seus

“lugares sociais”, caso tivéssemos um imenso número de alunos de escolas públicas

identificados como superdotados e que, com poucos estímulos intelectuais, pudessem galgar

os postos de trabalho que, tradicionalmente, a classe média costuma compreender como sua

reserva social de direito. A defesa da ideologia da mobilidade social, por meio do mérito, seria

atingida, quando ficasse evidenciado, que pessoas superdotadas, oriundas dos extratos sociais

mais pobres, seguem uma vida de miséria e pobreza, apesar de sua inteligência.

Ainda sobre a disputa entre mérito e dom, Saes (2005), nos diz:

[...] a ideologia do mérito individual circula, devidamente comandada e vigiada pela

ideologia orgânica da classe média [....] e a ideologia do dom, embora se configure

como arma preferencial da burguesia, na desvalorização econômica e social do

trabalho em geral, pode funcionar como arma de reserva da classe média, a ser

acionada na explicação de situações excepcionais, onde se evidencia, mais que nas

situações normais, a importância da posse de recursos culturais prévios para uma

trajetória pessoal bem sucedida. Quando na prática ideológica da classe média, a

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ideologia do mérito individual é colocada em perigo, a ideologia do dom deve

provisoriamente tomar o seu lugar. (SAES, 2005, p. 108 e 110).

Caberia nos perguntar como a classe social que, normalmente, se considera fruto

de dom ou mérito, possa trabalhar com a noção de que as AH/SD. Aqui, encontramos a ideia

de Habitus docente e sua relação com a invisibilidade dos alunos com AH/SD, afinal, propomos

uma reflexão que considere as experiências docentes como grupo e classe social e sua relação

com a disposição em identificar ou não alunos de classes populares como pessoas com

talentosas.

Nossa questão é pensar até que ponto o fato destes professores, que na sua maior parte,

foram estudantes em escolas, profundamente, seletivas e excludentes, marcadas por elevados

índices de evasão e reprovação, tem seus Habitus formados, de modo tão seletivo, que lhes seja

impossível conceber e identificar alunos, com elevado potencial intelectual, em suas turmas

atuais, repletas de crianças pobres, afrodescendentes e com pais pouco escolarizados.

Poderíamos supor que a estrutura social brasileira, fortemente racista, acabaria por

“cegar” os professores, quanto aos seus alunos mais talentosos, caso sejam estes

afrodescendentes.

Outra reflexão importante é pensar sobre o papel das questões de gênero, na opção por

identificar ou não alunos com AH/SD, conforme Pérez e Freitas (2012, p.7): “65% das

adolescentes superdotadas escondem suas habilidades e (…), três de cada quatro mulheres

superdotadas não acreditam na sua inteligência superior. Essa ocultação das habilidades,

continua ao longo da vida, já que as mulheres são socialmente desencorajadas a demonstrar

habilidades excepcionais”.

Estas considerações são importantes, para que atentemos ao fato de que explicações

genéricas e generalizantes sobre os motivos da invisibilidade devem ser consideradas, com

cuidado, uma vez que, a identificação dos sujeitos alto-habilidosos pelos docentes, suas escolas

e mesmo sua própria autoidentificação ocorre permeada por fatores, marcadamente, arraigados

na sociedade brasileira, como: racismo e machismo. Como tentaremos mostrar, os fatores que

dificultam a identificação e atendimento dos alunos talentosos, ligam-se à própria estrutura

social brasileira, e a características profundas de nosso sistema escolar.

2.4.9 - A Invisibilidade das AH/SD e a Escola Reprodutora

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Um ponto que não podemos deixar de considerar, caso desejemos compreender os

motivos que fazem com que tão poucas crianças brasileiras sejam identificadas como pessoas

com AH/SD, é a questão da produção do fracasso escolar.

Durante, praticamente, todo o século XX, a História da Educação Brasileira foi marcada

por uma concepção de escola pública, que teria a missão redentora da sociedade. Nos debates

sobre a implantação da educação pública brasileira, na Velha República, no governo Vargas,

em todo o Regime Militar, na redemocratização e, mesmo atualmente, em projetos como

“Todos pela Educação”, sempre esteve presente, no Brasil, a percepção da escola como a

instituição que seria capaz de redimir o Brasil de suas mazelas, em especial, sua desigualdade

e miséria.

Mas, trabalhos como os de Bourdieu e Passeron (1992), Patto (2000), Baudelot e

Establet (1971), há muito demonstraram que a educação está longe de ter tais poderes e

proporcionar justiça social e solução para as desigualdades. Isso, quando não acaba por fazer,

exatamente, o oposto, reforçando as desigualdades, sob a chancela de legitimidade conferida

pelos títulos escolares.

A partir das constatações de Bourdieu e Passeron, de que o sistema escolar, ao contrário

de proporcionar igualdade e justiça social, termina por garantir e legitimar a reprodução das

desigualdades já existentes na sociedade, nos propomos a pensar na questão das AH/SD.

Em linhas gerais, teríamos dois problemas objetivos para analisar as AH/SD, a partir de

uma teoria reprodutivista. Em primeiro lugar, em uma análise da escola que a considera

reprodutivista, restariam poucas oportunidades dos talentos dos alunos oriundos das classes

trabalhadoras manifestarem-se, já que privados de capital cultural e econômico, não teriam (ou

teriam muito pouco) condições de obter sucesso, nas suas experiências escolares. Em segundo

lugar, em uma teoria que se apresentasse, totalmente, reprodutivista, talvez, nem fosse possível

falar em AH/SD acadêmicas para filhos da classe trabalhadora, excluindo, apenas, “os

miraculados”, como o próprio Bourdieu se autodefinia.

Sendo assim, a teoria da escola reprodutivista indica-nos que a própria função da escola

de reproduzir a sociedade, seria responsável pela invisibilidade dos alunos com AH/SD, pela

mesma razão que os alunos mais pobres e com menor capital cultural fracassariam na escola,

também, eles não seriam notados como crianças com AH/SD.

Porém Lahire (1997), analisando casos de crianças com sucesso escolar oriundas de

meios populares, apontou-nos que os caminhos da transmissão do capital cultural e

compreensão dos rendimentos escolares são mais complexos, que a simples reprodução

mecânica dos títulos dos pais. Motivações pessoais e/ou familiares poderiam indicar caminhos

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para a transmissão de capital cultural tão complexos, quanto capazes de produzir histórias de

sucesso escolar. Mostrando que apesar de improvável, haveria mais “miraculados” que a teoria

poderia fazer supor e, assim, contra todos os prognósticos, temos um grupo razoável de crianças

que obtêm sucesso, em suas experiências escolares.

Pensamos que a sistemática posição em silenciar e tornar invisíveis tais alunos, indica-

nos que as ferramentas de reprodução são mais poderosas e efetivas do que supomos, atuando

não apenas na produção de fracasso, mas, também, tornando invisíveis potenciais casos de

sucesso, mesmo improváveis, até serem convertidos no fracasso previsto e provável.

Deste modo, a noção de escola reprodutivista se cruza com o tema das AH/SD de duas

formas: a partir da própria prática escolar de reproduzir a sociedade, bem como, a partir da

visão de um grupo de professores que entende a escola como elemento de reprodução da

sociedade, que não deixa espaços para contradições, na trajetória escolar dos filhos da classe

trabalhadora.

No primeiro caso, a invisibilidade dos alunos com AH/SD, no interior das escolas

públicas, ocorreria não porque, conscientemente, decida excluir as crianças de classes

trabalhadoras, nem deliberadamente resolva prejudicar algum aluno, mas, porque, crendo nos

poderes redentores da escola e desconhecendo a faceta reprodutora desta instituição, os

professores acabariam apostando no futuro para a confirmação/negação de talentos. Assim, os

alunos que apresentem rendimento e potenciais elevados não precisariam ser identificados, pois

o próprio sucesso escolar seria capaz de conduzi-los a postos de destaque, conforme seus dons

e méritos.

A segunda hipótese ocorreria com os professores que entendem a escola, a partir de uma

perspectiva crítica e deste modo, compreendem a escola em suas funções reprodutoras. A

depender do modo como estes professores entendem o papel do capital cultural familiar, na

reprodução, o professor pode partir de ideias que flertam com uma espécie de determinismo, o

que acabaria impedindo o educador de supor a possibilidade da presença de crianças

superdotadas, em escolas públicas, pois estas seriam desprovidas do capital cultural necessário

para o sucesso na escola.

2.4.10 - O Fracasso Escolar e as Altas Habilidades/Superdotação

Neste tópico, propomos a reflexão sobre o papel que o fracasso escolar tem, na produção

da invisibilidade das crianças com AH/SD. A partir do clássico de Maria Helena Souza Patto,

“A produção do fracasso escolar” (Patto, 2000), temos a oportunidade de observar a realidade

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educacional brasileira, por intermédio de uma análise, que se utiliza das teorias sobre o

cotidiano de Agnes Heller, para compreender como ocorre o processo de produção, em massa,

do fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras.

De modo preciso, a autora demonstra as muitas teorias que tentaram, ao longo do século

XX, explicar os motivos de um grande contingente de estudantes, sobretudo, crianças da classe

trabalhadora, sistematicamente, fracassarem em suas experiências escolares.

Este trabalho nos ajuda transpor as explicações baseadas, na formação deficiente dos

docentes sobre as AH/SD e mitos sobre o tema, como causas da invisibilidade. Leva-nos por

caminhos mais profundos da dinâmica escolar. Pensamos que não seja possível compreender o

quadro de invisibilidade das AH/SD, sem uma análise que integre o tema à realidade

educacional, considerando problemas, como: o fracasso escolar e indisciplina.

Quando nos questionam sobre o tema de nossas pesquisas, as reações, geralmente,

dividem-se. Informados que procuro pesquisar as AH/SD, os trabalhadores respondem com

amplo interesse ou com certo desdém.

Em nossa trajetória de pesquisa, pensamos que ambas as posturas apresentadas,

interesse imediato ou desprezo, refletem-se nas posturas sobre dois conceitos, que surgem na

realidade escolar, em geral, tratados como pólos opostos: o fracasso escolar e as AH/SD.

Propomos uma abordagem a respeito da escola capitalista, onde o fracasso escolar e a

situação dos alunos com AH/SD, não sejam entendidos como partes isoladas de mundos

distantes, mas, como faces da mesma moeda, ligadas pelo fenômeno da invisibilidade de

crianças com AH/SD ou dificuldade de aprendizado.

Os pesquisadores das AH/SD, em geral, tratam seus objetos de pesquisa de modo

isolado, como se as crianças talentosas não estudassem em escolas, onde a maioria dos

estudantes fracassa. Por vezes, as escolas destes alunos são acusadas de educar para a

mediocridade e para os medianos30. No fundo, educam para o fracasso e para a reprodução da

sociedade de classes, logo, faz pouco ou nenhum sentido, falar em AH/SD para educadores,

que atuam em escolas marcadas pelo fracasso.

Uma das razões apontadas pelos docentes, durante as formações nas escolas, para não

indicarem alunos como suspeitos de altas habilidades/superdotação, sustenta-se na normalidade

30 Durante palestra realizada no CBEE2014 na UFSCAR, proferida pela professora Zenita Guenther, a profissional,

diversas vezes, destacou a pouca atenção recebida pelos alunos alto-habilidosos ou dotados, para utilizarmos a

terminologia preferida pela pesquisadora. Em sua avaliação, a pouca atenção dedicada às AH/SD dar-se-ia pela

prioridade das escolas e redes de ensino em educar as massas de alunos medianos, em detrimento do talento.

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destes alunos que se destacam, apenas, devido à maioria dos estudantes terem resultados

insatisfatórios.

Tal atitude, além de negar as altas habilidades, empurra jovens para invisibilidade e

fracasso, pois ao definir um aluno com AH/SD como média a ser atingida, tornamos

praticamente impossível que a maioria dos alunos fuja do fracasso escolar, marcando-os com

rótulos de anormalidades patológicas ou juízos morais negativos.

Neste ponto, nosso trabalho com crianças com AH/SD interliga-se aos trabalhos sobre

produção do fracasso escolar, não sendo possível a compreensão da invisibilidade, sem analisar

o fracasso escolar, afinal, ambos constituem faces da escola reprodutivista.

2.4.11 - Ideologia das Aptidões Naturais e AH/SD

Para que possamos compreender os fenômenos que levam o Estado a,

contraditoriamente, ter tão pouco interesse nas crianças com AH/SD, precisamos levar em conta

que na sociedade capitalista, em especial no século XX, será a escola a instituição encarregada

de justificar as desigualdades sociais.

A chave da compreensão seria entender os motivos que levam tantos a fracassar e

mesmo os poucos, que obtêm sucesso, não serem percebidos por professores e escolas.

Como nos mostra Bisseret (1978), a teoria que explica os diferentes rendimentos

escolares dos indivíduos, a partir da noção de aptidão e vocação natural, teve muita força nas

teorias educacionais, e a escola teve papel fundamental, na disseminação entre as diferentes

classes sociais de concepções, que naturalizam o fracasso e o sucesso, a partir da ideologia das

aptidões naturais. Tal ideologia explicaria e seria, inclusive, capaz de prever o destino escolar

de cada seguimento social, a partir da ideia de vocação ou aptidão natural.

Nesta perspectiva, a primeira destas ideologias que deve ser analisada, é o que ficou

conhecido por “ideologia do Dom”. Acreditamos que a noção de dom deva ser profundamente

analisada, primeiro, porque uma parte dos professores, sinalizaram durante a pesquisa de campo

que entendem as AH/SD, a partir da noção de dom, dote, dotação e tais posições, ao

desconsiderarem os aspectos sociais, na manifestação e desenvolvimento das habilidades, pode

explicar porque professores e escolas acabam optando por não identificar estudantes alto-

habilidosos e preferem esperar que a “profecia” do dom desenvolva-se e realize seus feitos por

si mesma, gerando invisibilidade.

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Ainda hoje, parte das teorias, que buscam explicar as AH/SD, mesmo que por caminhos

distintos das ideias apresentadas por Bisseret (1978), como “ideologia das aptidões naturais”,

partem da ideia de que as habilidades individuais acompanham os sujeitos, desde o nascimento,

sendo fruto da natureza (genética, hereditariedade), confirmando as observações de Bisseret

(1978), (ainda que dissimuladas em discurso científico), de que a ideologia das aptidões

naturais era poderosa arma na manutenção e justificação das desigualdades sociais.

A ideologia das aptidões naturais relaciona-se com a invisibilidade das AH/SD, em

especial, nas classes trabalhadoras, pois não acostumados a verificar aptidões naturais entre

proletários; os docentes, simplesmente, não as reconhecem, deixando de desenvolvê-los,

justamente, entre aqueles que mais dependem da escola para a aquisição do necessário capital

cultural, a fim de que obtenham sucesso, em suas experiências acadêmicas.

Na sociedade capitalista, a ideia de que os indivíduos trariam, de modo inato, as suas

aptidões naturais, tem grande força. Segundo este pensamento, as pessoas, ao nascer, já trariam

os dons que lhes dariam facilidades, na realização de determinadas atividades.

Há décadas, pesquisadores como Bisseret (1978), e Bourdieu (2002), denunciam tais

ideias como equívocos. Os autores demonstraram, em estudos clássicos, como estas ideologias

são, na verdade, justificativas para as desigualdades sociais e estratificação da sociedade, sendo

baseadas em concepções, que não se sustentam cientificamente.

Quando observamos, detidamente, as biografias dos sujeitos talentosos, dificilmente,

não surgem explicações, nas próprias histórias dos indivíduos, para suas altas habilidades e

talento, mas, leituras apressadas preferem considerar tais feitos, fruto dos dons inatos.

Os trabalhos de Bourdieu (1992), e Bisseret (1978), não deixam espaço para a ideia da

escola redentora e muito menos, aos partidários do talento inato, comprovam, empiricamente,

que o dom não passa da legitimação de privilégios econômicos e sociais, por meio da conversão

de capital cultural e econômico em títulos acadêmicos.

Mas a ideologia das aptidões naturais ainda tem força entre educadores brasileiros e

recebe endosso de alguns teóricos das AH/SD, colaborando para reforçar a ideia de que o talento

individual manifesta-se de modo espontâneo e quase mágico. E assim, o docente não vê sentido

em identificar uma criança com altas AH/SD.

2.4.12 - O Quadro das AH/SD, na Sociedade Brasileira

Nos últimos doze anos, deu-se o que podemos chamar de uma explosão de ações sobre

o tema. Neste período, o número de pesquisas e pesquisadores, na área, cresceu de maneira

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acelerada e a produção acadêmica passou de menos de uma dezena de teses até 2002, para algo

próximo a uma centena de trabalhos, em 2015, conforme pesquisas realizadas, por intermédio

de ferramentas de busca na internet.

Como resultado do crescimento do número de pesquisas na área, o que se observou foi

um aumento no número de seminários, congressos e simpósios, no período, tornando a temática

mais presente nos debates acadêmicos e nacionais.

Paralelamente, o período conheceu um aumento da pressão de mães e familiares, de

crianças com AH/SD, por atendimento especializado, gerando disputas judiciais, envolvendo a

aceleração nos estudos (saltando séries) e admissão de adolescentes em cursos universitários.

Como fruto deste movimento, por atenção das autoridades escolares e aumento de

pesquisas engajadas com a identificação e atendimento às crianças com AH/SD, tivemos a

criação de inúmeras associações de pais de alunos com AH/SD, como as de Brasília, Londrina,

Rio Grande do Sul e de São Paulo. Tivemos, em 2006, a criação do CONBRASD (Congresso

Brasileiro de Altas Habilidades/ Superdotação) entidade nacional, que atua na defesa dos

direitos das pessoas com AH/SD, também, na divulgação de pesquisas e informações na área.

O resultado da pressão dos pais e divulgação de pesquisas na área resultou na criação

dos Núcleos de Altas Habilidades/Superdotação os (NAAH/S), destinados ao atendimento de

alto-habilidosos, criados pelo MEC, em cada unidade da federação, com o objetivo de colaborar

na identificação, atendimento de alunos e formação de professores.

Fruto deste incremento de pesquisas, pressão das famílias e ações do poder público e

iniciativa privada, foi o crescimento no número de alunos atendidos e identificados com altas

habilidades/superdotação, no sistema educacional brasileiro.

Diante deste quadro, podemos falar em invisibilidade das AH/SD, na educação

brasileira? Não teríamos uma situação contraditória, ao pesquisar a invisibilidade das AH/SD,

no contexto que acabamos de descrever?

A trajetória de crescimento da atenção, para os alunos e a consequente expansão, no

número de identificações, têm relações com os fatos descritos na realidade nacional, mas,

pensamos que, também, relacione-se com o contexto mais amplo da sociedade contemporânea

e guarde fortes vínculos com o crescimento da competitividade econômica entre países e

empresas, bem como, mudanças na divisão social do trabalho, que passou a buscar, com maior

agressividade, indivíduos talentosos, para um quadro de diminuição das economias industriais

e forte apelo à tecnologia, informática, telecomunicações e obtenções de patentes.

Esta afirmação decorre do fato de muitas das ações, nas áreas das AH/SD, em países

periféricos, terem ocorrido na última década do século XX e na primeira década, do século

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atual. E uma análise sobre o tema, mostra-nos que a organização de trabalhos e ações em países,

como: França, Áustria, Portugal, Espanha, Argentina, Colômbia, México e Brasil indicam uma

semelhança na trajetória de atendimento aos estudantes “mais talentosos”, no que diz respeito

ao período, em que as primeiras ações, um pouco mais estruturadas, do ponto de vista de

políticas de Estado, ocorreram.

Os raros casos que fogem a este modelo são: os Estados Unidos, Rússia e China, nações,

que de longa data, selecionam talentos científicos e esportivos, para que garantam sua

hegemonia, como superpotências. Cuba e Israel surgem neste cenário como exceções.

Quando pesquisamos a bibliografia da área, encontramos muitas polêmicas e posições

divergentes, mas existe consenso, quando o assunto é a invisibilidade das pessoas com AH/SD,

em nossa sociedade, em especial, a invisibilidade experimentada por estes alunos, altamente,

habilidosos, no interior do sistema educacional.

Tal consenso baseia-se no hiato existente entre o número de pessoas, que segundo os

dados científicos teriam AH/SD e o número de pessoas, efetivamente identificadas, com talento

acima da média. Se as escolas brasileiras conseguissem identificar e atender ao menos 10% dos

alto-habilidosos, em potencial, teríamos em torno de 275 mil e 550 mil alunos com AH/SD, no

Brasil. Mas a realidade demonstra-nos, que apesar do grande crescimento, os atuais 13.000

estudantes, com altas habilidades/superdotação, representam 0,5% dos alunos, se usarmos o

menor dos índices, que corresponde a 5% da população.

Esta situação nos aponta que saímos de um quadro de inexistência da área, em 2000,

para um quadro atual de existência invisível, em 2015. Hoje, estas pessoas existem aos olhos

da Ciência e do Estado, mas são invisíveis, do ponto de vista concreto, para os governos, redes

escolares, escolas, docentes, população e mesmo para a academia.

Cabe destacar, que mesmo com esforços sobre-humanos de instituições e pesquisadores

para avanço na área e atendimento aos alto-habilidosos, temos uma concentração de alunos, em

um número de cidades e instituições, que não chegam a uma dezena. Sendo assim, as cidades

de: Brasília, Rio de Janeiro, Lavras, Vitória, Londrina, Marília e Santa Maria concentram mais

de 50% de todos os casos de AH/SD, no Brasil, levando-nos a constatar que, inevitavelmente,

em muitos municípios (Como o que nos serviu de base para a pesquisa), o quadro de AH/SD é

ainda de completa inexistência.

2.4.13 - Uma Situação Contraditória: “A Invisibilidade de Algo Muito Visível”

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Diante do quadro de invisibilidade das AH/SD, com percentuais mínimos de

atendimentos e identificações, pode surgir a ideia de que isto ocorra por se tratar de um tema,

com pouca ressonância, na sociedade e restrito aos círculos acadêmicos.

Porém, ocorre um fenômeno diferente. Ainda que em número reduzido, não se pode

dizer que falte bibliografia na área. Com a ajuda da internet, podemos acessar, com facilidade,

um número razoável de trabalhos com a temática de nossa pesquisa.

As AH/SD contam, também, com uma rede de militantes bastante atuantes e

organizados, que envolvem pais, pessoas com AH/SD, psicólogos, advogados, professores

especializados, pesquisadores, mundialmente, renomados e mesmo parlamentares sensíveis à

causa. Tal organização garante a existência de associações estaduais e nacionais, apoio junto a

empresários e a publicação de valiosos materiais sobre AH/SD, que culmina com a realização

de grandes eventos, como os congressos do CONBRASD.

Outra característica do campo das AH/SD é que este tema está distante de ser

desconhecido ou não chamar a atenção da população, em geral. Pelo seu caráter exótico e

misterioso, é grande a curiosidade das pessoas, o que contribui, por exemplo, para que exista

uma vasta produção cinematográfica sobre AH/SD, destacamos, filmes como: “Uma Mente

Brilhante”; “O Talentoso Ripley”; “O Gênio Indomável”; “A Teoria de Tudo”; todos

hollywoodianos e com grandes bilheterias, que abordaram de algum modo a temática.

Mesmo com vários equívocos e estereótipos, que outra área da educação contaria com

uma série mundialmente famosa como, “The Big Bang Theory”, ou mesmo movimentos

culturais como Geeks e Nerds, e até mesmo, ídolos e ícones da cultura Pop associados a área.

Vale ressaltar que, atualmente, as AH/SD encontram um terreno, ainda mais fértil, para

a sua disseminação. Por meio dos programas de televisão, que apresentam crianças com talentos

acima da média, nas áreas de música e culinária em programas como “The Voice Kids” e

“MasterChef Júnior”.

Assim, surge a questão: apesar de ser um tema, que desperta curiosidade e tem apelo

junto à população, por que temos números tão reduzidos de estudantes identificados e

encaminhados, no Brasil, quando se trata de AH/SD?

Em nosso percurso teórico metodológico, verificamos que em nossa sociedade, não são

as AH/SD que são invisíveis. Invisíveis são os sujeitos concretos com AH/SD, em especial, as

crianças de escolas públicas, sobretudo as pobres, negras, mulheres, habitantes de cidades

interioranas e com pais, que tenham pouca escolarização.

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Com estas reflexões, encerramos o capítulo com a constatação de que a invisibilidade é

fruto de inúmeras determinações sociais relativas à sociedade capitalista, ao funcionamento das

instituições escolares e, a educação brasileira.

A ausência de análises sobre as AH/SD, que não consideram tanto sua constituição,

como sua invisibilidade, levando em conta as contribuições das ciências sociais, termina por

colaborar com o agravamento da situação de invisibilidade.

Desta forma cabe avaliar o problema das AH/SD ao longo da história, de modo a

verificar como o desenvolvimento da sociedade brasileira e do sistema educacional nacional,

tem relações com a produção do fracasso escolar e invisibilidade das altas

habilidades/superdotação.

CAPÍTULO III

A HISTÓRIA NA INVISIBILIDADE DOS ALTO-HABILIDOSOS

3.1 O Talento Humano ao longo da História

[...] uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem

organizar-se (em sentido lato); e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem

organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática

se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração

conceitual e filosófica. Mas esse processo de criação dos intelectuais é longo, difícil,

cheio de contradições, de avanços e de recuos [...]. (Gramsci, 2002, C 11, p. 1386/v.

1, p. 104)

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O tema dos talentos humanos e a forma como estes se apresentam, de modos e

intensidades diferentes, nos indivíduos, chama a atenção das mais distintas sociedades, desde

os tempos mais remotos.

Quase tão antiga como a História Humana, é a indagação sobre quais fatores explicariam

rendimentos, tão diferentes, entre os seres humanos; porque um determinado individuo é mais

veloz, que todos os demais membros de seu grupo social/etário? Como surgem os talentos

humanos e, especialmente, como alguns indivíduos desenvolvem-se, aparentemente, mais que

os outros, de sua sociedade e contexto histórico? Assim, o talento humano foi motivo de atenção

e curiosidade entre as sociedades, desde a Antiguidade.

Gregos, romanos, astecas, guaranis, chineses, hindus, árabes, persas, aborígenes,

egípcios, quenianos, não há povo que não tenha o seu panteão de grandes nomes e que são

imortalizados, nas mais diferentes culturas, por meio de livros, crônicas e histórias.

Desta tradição, de imortalizar os feitos dos grandes homens e mulheres, como parte do

panteão de nomes de cada povo e período histórico, devido a contribuição destes, nos mais

diversos campos da produção humana, é que temos nomes como: Confúcio, Tlacaelel, Olympe

de Gouges, Cunhambebe, Rosa Luxemburgo, TupácAmaru, Marie Curie, Arquimedes, Cícero,

Haile Gebrselassie, Al-Mahani, sendo imortalizados na História da Humanidade e, em especial,

na dos seus respectivos povos.

A eternização dos gênios e seus feitos mostra à humanidade, desde há muito, interessada

por humanos capazes de resultados, que estão além daqueles que eram produzidos pela maioria

dos homens e mulheres de cada país, povo ou período histórico.

Desta tradição, em reconhecer e valorizar os gênios de cada época, destacamos que a

bibliografia especializada em AH/SD, comprova que, assim como os gênios, as crianças

talentosas mereceram atenção, desde os tempos mais longínquos.

Segundo Alencar e Fleith(2001), e Davis e Rimm (1994), existem relatos de ações para

a educação de crianças consideradas prodígios, já na China antiga. Tais relatos dão conta de

nos mostrar os cuidados e atenção, que as crianças consideradas “superdotadas” recebiam em

passado distante, garantindo que as mesmas pudessem desenvolver, totalmente, suas

potencialidades. Tais preocupações, também, podem ser verificadas, segundo os autores, nas

sociedades turcas do século XV e japonesa, no período 1608-1868.

Crianças sendo separadas das demais, para receberem educação especial, caso fossem

constatadas altas habilidades/capacidades, não chega a ser novidade. Quando analisamos as

sociedades do passado, seja na educação dos meninos espartanos, que eram separados das suas

famílias e educados para se tornarem soldados do exército, ou na educação dos mandarins

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chineses e todos os seus rituais de etiqueta, recitação de poesias, percebemos práticas que

indicam a atenção e interesse pelos indivíduos talentosos.

Alencar (2001), afirma que, na Grécia antiga, Platão já defendia a seleção dos indivíduos

que demonstrassem inteligência superior, de modo que recebessem formação específica,para

lhes cultivar o talento e as habilidades, treinando-os para a liderança, e proporcionando

benefícios ao Estado.

Partindo da ideia, de que povos no passado já demonstravam interesse pelos indivíduos,

com habilidades, talentos, capacidades acima da média, podemos concluir que nossa pesquisa

trabalha com uma questão que tem referenciais históricos distantes.

Se mesmo civilizações antigas apresentaram profundo interesse pelos indivíduos, mais

capazes, como explicar o fato, de que em pleno século XXI, as escolas públicas brasileiras não

demonstrem interesse por seus alunos habilidosos e nem mesmo os conheçam? Qual seria o

motivo desta contradição que se verifica, no desconhecimento e invisibilidade, que marca os

alunos com altas habilidades?

Na Idade Média, para ficarmos na civilização europeia, a que mais conhecemos, devido

a nossa tradição cultural eurocêntrica, os relatos referentes às pessoas, consideravelmente, mais

talentosas que outras, também surgem. Nesse caso, temos nomes, como: Tomás de Aquino,

Nicolau de Cusa, Robert de Grosseteste ou Roger Bacon, todos grandes nomes das Ciências,

Filosofia, ou Teologia Medieval. Tomás de Aquino e Robert de Grosseteste são dois exemplos

de nomes medievais, que têm seus legados presentes até os dias atuais, seja nos campos dos

estudos teológicos e filosóficos, como Tomás de Aquino ou na influência da Universidade de

Oxford, fortemente ligada à história de Robert Grosseteste.

Realizando uma breve pesquisa na internet, sobre as pessoas consideradas gênios da

Idade Média, a relação de nomes que nos é fornecida, indica-nos que a genialidade e,

consequentemente, as altas habilidades não podem ser compreendidas, sem uma visão

historicizada do fenômeno. No caso dos gênios medievais, que obtivemos com a consulta dos

sites fornecidos pelo buscador Google31, o resultado não nos surpreendeu, pois apontam como

grandes nomes da Ciência Medieval, homens ligados à Igreja Católica Apostólica Romana, com

a maioria ocupando postos na alta hierarquia do clero.

Ou seja, quando questionamos as sociedades medievais, conhecidas por serem marcadas

pela hegemonia da igreja católica e predominância do pensamento religioso e misógino, com

31http://gloriadaidademedia.blogspot.com.br/2010/07/alguns-grandes-nomes-da-ciencia_11.html, Consultado em

12/01/2016.

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os estudos basicamente restritos aos membros do clero, torna-se evidente considerar, apenas,

homens e membros do clero como gênios e detentores de AH/SD.

Cada sociedade define e reconhece a genialidade e as AH/SD, de acordo com seus

valores, crenças, idiossincrasias e estrutura social. Portanto, podemos considerar que ao

determinar aqueles que serão reconhecidos, identificados e valorizados como gênios, cada

sociedade e época histórica estabelece, também, aqueles indivíduos e talentos que não serão

reconhecidos e que, talvez, sejam até desestimulados e destinados à invisibilidade.

Sobre as AH/SD, na Idade Média, não nos surpreende que dentre os talentos, não

tenhamos nomes pertencentes a classe dos servos, pois a estes o estudo, a leitura, as reflexões

filosóficas eram negados e, assim, sua condição de pessoas, com talentos valorizados e

reconhecidos, era negada pela própria estrutura medieval.

O mesmo ocorre com as mulheres, obrigadas a viver em uma sociedade marcada por

um pensamento religioso, fortemente, misógino. Neste sentido, não chega a causar estranheza,

que poucas mulheres medievais sejam reconhecidas pelos seus feitos e contribuições à

humanidade, nos campos das Ciências, Artes ou Teologia. Mesmo àquelas raras mulheres, que

conseguiam romper com as barreiras sociais, estava reservado, além, das dificuldades impostas

a livre expressão de seus talentos, o esquecimento pela História.

Como no caso do exemplo de HildegardvonBingen32 (1098 -1179),

uma monja beneditina, teóloga, compositora, naturalista, poetisa, dramaturga, alemã e mestra

do Mosteiro de Rupertsberg, na Alemanha. Santa e doutora da Igreja Católica,

Hildegard,mesmo sendo mulher e enfrentando todas as dificuldades, que possamos imaginar,

por seus talentos pessoais, conseguiu vencer a resistência da estrutura do clero alemão e galgar

postos na igreja. Porém, após sua morte, foi esquecida por muito tempo e mesmo com muitos

membros do clero defendendo seu processo de canonização, este foi parado em 1584, sendo

concluído, apenas, no ano 2007, ou seja,mais de 400(quatrocentos) anos, até que fosse

reconhecida pelo Vaticano. Este é o preço que uma mulher talentosa medieval pagaria. E, apesar

de brilhante, Hildegard, conseguiu seu reconhecimento e aceitação na sociedade medieval, pois

era membro da nobreza local e atuou, firmemente, nas fileiras da igreja, sendo canonizada em

2007, por Bento XVI, não por coincidência, alemão, como Hildegard.

Confirmamos assim, como as condições sociais e históricas são determinantesno

reconhecimento ou esquecimento daquelesque apresentem algum talento. E que não se pode

32https://pt.wikipedia.org/wiki/Hildegarda_de_Bingen , consultado em 12/01/2016.

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analisar o fenômeno das altas habilidades, como algo congelado no tempo, que independe da

sociedade, que esteja sendo estudada.

Portanto, não é possível que o fenômeno AH/SD, seja compreendido isolado dos

condicionantes sociais e históricos, pois que tal postura colabora com o fortalecimento da

invisibilidade.

Tomando como base a reflexão histórica, defendemos que a própria história do

desenvolvimento das sociedades ocidentais, é responsável pela produção da invisibilidade de

pessoas com AH/SD, e para que mais e mais pessoas acabem esquecidas e sem atendimento.

3.2- As ideias de Montaigne e Locke e as AH/SD

Entre as muitas mudanças, que despontaram com o Período Renascentista, temos uma

marcante: a substituição de concepções teocêntricas para o antropocentrismo. É deste período

algumas das concepções, que hoje vigoram, em nossa sociedade, sobre as de altas habilidades

e figuras como, Leonardo da Vince representam e o seu modelo ideal.

Se durante a Idade Média, mesmo a mais sublime criação artística encontraria

explicação, na inspiração divina, com os Renascentistas, Deus começa a ceder espaço para o

gênio e talento humano e, como não poderia deixar de ser, tais homens passam a se questionar

a respeito das explicações de alguns humanos apresentarem talentos ou capacidades superiores

a outros. Os motivos para tamanha diferença passam a ser temática de questionamento de

muitos pensadores da época, dentre os quais, destacamos Michel de Montaigne, por sua

importância para os estudos, na educação. Vejamos o que o próprio Montaigne diz sobre a

inteligência humana:

Disse algures Plutarco que a diferença entre um animal e outro é menor do que a que

vai de um a outro homem. Referia-se à alma e às qualidades intelectuais. Por mim,

acho que há uma tal desproporção entre Epaminondas, tal como o imagino e certa

pessoa, muito conhecida minha, que não hesitaria em ser mais peremptório, dizendo

que tal diferença entre tal e tal homem é maior do que entre tal homem e tal bicho.

“Ah, como pode um homem ser superior a outro!” O espírito humano comporta tantos

graus quantas braças vão daqui ao céu.(Terencio, in:MONTAIGNE, 2000, p.155)

Podemos pela análise deste trecho, verificar que Montaigne para pensar nas suas

indicações sobre a educação, começa pela reflexão de que entre os homens existem muitos

graus de diferenças, a respeito do potencial intelectual, mostrando que esta era uma

preocupação da sua época e Montaigne vai além, em suas reflexões, quando diz:

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É necessário julgar o homem em si e não pelos adornos. É sábio e sabe dominar-se?

É capaz de resistir às paixões e desprezar as honrarias? Fechado por inteiro dentro de

si mesmo, semelhante a uma bola perfeita, que nenhuma aspereza impede de rodar, é

influenciado pela fortuna? Um tal homem está a quinhentas braças acima dos reinos

e ducados; é ele próprio o seu império. “O sábio é o artesão de sua própria felicidade!”

[...] Quando consideramos um camponês e um rei, um nobre e um plebeu, um

magistrado e um simples particular, um rico e um pobre, uma enorme diferença nos

salta aos olhos, mas essa diferença não consiste, por assim dizer, senão na diversidade

de calçado que usam uns e outros. (Horacio, In:MONTAIGNE, 2000, p.155.)

Como podemos verificar, Montaigne estando de acordo com as ideias que surgem no

Renascimento, começa um tipo de reflexão que seria impensável, em um tempo antecedente. O

pensador afirma que os homens deveriam deixar de ser avaliados por suas condições de

nascimento e origem, sendo qualificados por sua capacidade intelectual e virtudes.

Pensar que um nobre pudesse ser comparado a um camponês e que, apenas, a

inteligência destes indivíduos fosse utilizada para comparar suas capacidades, era algo bastante

inovador, na sociedade em que Montaigne viveu. Tais ideias começaram a abrir caminho para

os estudos sobre a inteligência, sendo que Montaigne está, entre os primeiros, a destacar que a

capacidade humana não dependia da origem e classe social dos indivíduos.

Sobre a inteligência humana, Montaigne (2000), afirma que a mesma é possível ser

cultivada e para tanto sugere:

Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça, por simples

autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles ou epicuristas, seja seu

princípio. Apresentem-se todos em sua diversidade e que ela escolha, se puder. E se

não puder, fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta, em sua opinião[...]

Isto é, para forjar a sua inteligência. Educação, trabalho e estudo não visam senão a

formá-la[...] É a inteligência dizia Epicarmo, que vê e ouve, é a inteligência que tudo

aproveitam tudo dispõe, age, domina e reina. Tudo o mais é cego, surdo e sem

alma.(MONTAIGNE, 2000, p.155)

Montaigne defende que deveríamos educar e desenvolver a inteligência humana e que

esta seria, fundamentalmente, a capacidade mais importante para o desenvolvimento humano.

Com tal ideia, oferece a noção de que poderíamos desenvolver as capacidades humanas, por

meio das interações sociais e formação educacional.

Segundo Montaigne, a educação teria como finalidade última desenvolver a

inteligência; o que, nos dias atuais, parece algo interessante, pois, aparentemente, a escola

comporta-se como se nada tivesse a ver com a inteligência humana e seu desenvolvimento.

Mas, a história de Montaigne é muito esclarecedora pela sua vida pessoal e não apenas

pelos seus escritos, observemos como os pais de Montaigne, burgueses enriquecidos da época,

pensaram e conduziram a educação do filho:

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A preocupação com os símbolos exteriores da aristocracia, explica o empenho dado à

educação do filho Michel, nascido no castelo de Montaigne, em 28 de fevereiro de

1553. O menino era acordado, todas as manhãs, ao som da espineta, para que seus

ouvidos se tornassem refinados e até os seis anos de idade, os familiares e serviçais

da casa estavam proibidos de falar outra língua, que não o latim, a fim de facilitar seu

aprendizado da língua culta da época. Além disso, um preceptor alemão, incapaz de

falar, vulgarmente, em Francês, encarregou-se de lhe ensinar as primeiras letras, no

idioma de Cícero. Enfim, cercado de todos os cuidados, o menino Michel teve uma

infância “isenta de sujeição rigorosa, sem pancadas, nem lágrimas”, como ele mesmo

descreverá mais tarde.(MONTAIGNE, 2000, p.6)

A partir do relato da vida de Montaigne¸ podemos constatar que a própria família

dedicou-se a planejar, intencionalmente, como seria a formação do menino Michel e de como

os esforços, dos pais burgueses, estavam orientados a fornecer formação clássica e desenvolver

os sentidos e inteligência, de modo a torná-los refinados.

O simples olhar para a forma, como uma família de burgueses preparou e executou um

plano de formação de seu filho, de modo que, a falta do título de nobreza pudesse ser

compensadapelo desenvolvimento de suas virtudes intelectivas e formação clássica, aponta, de

maneira efetiva, como as condições sócio-históricas teriam papel fundamental, no

desenvolvimento da inteligência e das altas habilidades.

Observemos agora outro pensador, que viveu, aproximadamente, no mesmo período que

Montaigne, para verificar como os debates, a respeito da inteligência humana, eram presentes

nas preocupações intelectuais do Renascimento.

Locke, como Montaigne, também filho de burgueses, nascido na conturbada Inglaterra

do Século XVII, está entre os grandes, quando pensamos em homens que ajudaram a construir

os fundamentos da filosofia, política e ciência de nossa sociedade. Locke, por meio de suas

reflexões sobre governo e epistemologia, é considerado um dos pilares do pensamento moderno

e daquilo que compreendemos como Estado e Ciência.

Considerado um dos gênios da modernidade, é razoável ponderar que o filósofo,

também, fosse uma pessoa com altas habilidades. Um olhar para a sua história e produção é

essencial para a nossa proposta de admitir as altas habilidades como fenômeno, que deve ser

compreendido, a partir de reflexão situada no tempo e no espaço.

Filho de burgueses e com uma família que esteve, fortemente, ligada às lutas contra a

nobreza, na Inglaterra do século XVII, com seu pai tendo lutado como soldado ao lado do

exército do parlamento, Locke teve uma vida repleta de idas e vindas, viveu momentos de glória

e poder, como por exemplo, na elaboração da constituição da Carolina, então, colônia britânica,

na América do Norte. Mas, também, conheceu crises e quedas, como durante o exílio, na

Holanda, devido a perda do poder pelo grupo político a que estava ligado.

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Sua história esteve entrelaçada aos destinos da classe burguesa, na Inglaterra, e a

trajetória deste pensador e sua ligação com o debate sobre as altas habilidades, inicia-se com a

opção de seus pais, por uma educação, que poderíamos denominar clássica e, meticulosamente,

planejada. Locke conhecido pela amplitude de temas, que lhe despertaram o interesse, tendo

estudos em: medicina, filosofia e política, vivenciou uma educação em instituições

consideradas clássicas, no ensino inglês. Começou a vida escolar na Westminster School e

concluiu os estudos no ChristChurch College de Oxford, instituição, a qual esteve ligado por

toda a sua vida, como aluno e professor.

Locke, além de ter estudado em Oxford e ter sua família, diretamente, ligada às lutas

burguesas contra a nobreza inglesa, viu-se, pessoalmente envolvido, seja nas disputas

acadêmicas da Inglaterra do século XVII, como também esteve ligado a, praticamente, todas as

lutas políticas de seu país, logo, seria difícil supor que suas obras intelectuais não tenham sido

influenciadas pelo contexto histórico e social, em que estava envolvido.

O contexto histórico e social estiveram ligados aos seus temas de interesse e estudos e,

parte de suas preocupações estavam relacionadas à crítica à noção de ideias inatas, uma forma,

segundo o próprio Locke, de lutar contra os privilégios da nobreza em seu tempo, sobre a

questão, Monteiro e Martins (1999,p.8.), afirmam:

Durante toda a sua vida, Locke participou das lutas da burguesia, classe a que

pertencia, na época. Isso significava lutar contra a teocracia anglicana e suas

legitimadoras: a de que o poder do rei seria absoluto e a de que esse poder diria

respeito tanto ao plano espiritual, quanto ao temporal, o soberano tendo direito de

impor à nação determinada crença e determinada forma de culto. [...] Locke insurgia-

se contra essas teses políticas. [...]O autor atribui papel fundamental, no seu Ensaio

sobre o entendimento humano, a análise crítica da doutrina das ideias inatas. O livro

I do Ensaio de Locke é dedicado à crítica do inatismo, defendido por Cudworth. Locke

procura demonstrar que o inatismo é uma doutrina do preconceito, levando

diretamente ao dogmatismo individual.

Como podemos ver na descrição dos autores, que fazem a apresentação da obra de

Locke à edição brasileira, da editora Nova Cultural, sua vida e obra estiveram sempre ligadas à

sua luta burguesa pelo poder político, na Inglaterra. Deste posicionamento, decorriam sua

crítica e combate as ideias inatas, como forma de abalar as noções em voga, de que os membros

da nobreza e clero teriam revelações divinas e ideias advindas de sua origem social.

O que Locke pretende, utilizando o método empírico e sólida reflexão filosófica, é

demonstrar como o inatismo não se sustenta, a não ser com base em misticismo religioso e,

desta forma, podemos verificar, mais uma vez, a noção de inteligência, genialidade e,

consequentemente, de altas habilidades sendo alteradas, conforme a evolução histórica das

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sociedades e revelando-nos, que ao contrário do que muitas pesquisas sobre as altas habilidades

apontam, a inteligência humana , as capacidades pessoais e as habilidades altas ou baixas não

são algo congelado no tempo e, foram alteradas, conforme a história.

Com isso, afirma-se o óbvio, de que ter altas habilidades, no tempo em que pensou

Locke, não ocorre da mesma forma que na Grécia, de Aristóteles ou no Brasil, onde esta

pesquisa é desenvolvida.Mas, vejamos o que o próprio Locke (1999, p.37.) diz sobre as ideias

inatas:

A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de

que não é inato. Consiste numa opinião estabelecida entre alguns homens, que o

entendimento humano comporta certos princípios inatos, certas noções primárias,

caracteres, os quais estariam estampados na mente do homem, cuja alma os recebera

em seu ser primordial e os transportara consigo no mundo. Seria suficiente para

convencer os leitores, sem preconceito, da falsidade desta hipótese, se pudesse apenas

mostrar como os homens, simplesmente, pelo uso de suas faculdades naturais, podem

adquirir todo conhecimento, que possuem, sem a ajuda de impressões inatas e podem

alcançar a certeza, sem nenhuma destas noções, ou princípios originais.

Como podemos ver, a base das ideias de Locke é a noção de que a compreensão humana

não pode ocorrer, a partir de ideias inatas.

Locke para se contrapor aos privilégios de classe que a nobreza e o clero gozavam,

formula uma teoria sobre o conhecimento humano, que confere a todos a capacidade de

aprender e desenvolver sua inteligência.

Este longo caminho foi traçado com o objetivo de refletirmos a respeito de como a

invisibilidade dos alunos, com altas habilidades, deve ser entendida de uma perspectiva

histórica, antes de qualquer coisa.

3.3- Uma Concepção Histórico-Cultural das AH/SD

Uma questão que devemos ter em mente, quando trabalhamos com as altas habilidades,

em outros períodos, como: na Antiguidade Clássica, ou mesmo na Idade Média, é que,é

completamente, diferente analisar o fenômeno, em sociedades capitalistas, pois até o advento

do modo de produção capitalista, as sociedades, por serem estamentais, não estavam baseadas

notalento individual como explicação para a estrutura social.

Desta perspectiva, Joana d’Arc não foi menos camponesa, por ter liderado os exércitos

franceses; Tomás de Aquino não teve sua condição social determinada pela profundidade de

seu método escolástico e, sim, pelo posto que ocupava no clero medieval. Desta forma, nenhum

feito destes notáveis alterava as condições sociais, o talento poderia até ser reconhecido e a

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História mostra-nos que, muitas vezes, eram reconhecidos e valorizados, sem grandes

problemas, quando surgiam, mas,em muito pouco, modificava os destinos sociais.

Além disso, até o surgimento do capitalismo, era comum que a classe social

determinasse a natureza das atividades que cada indivíduo executaria na sociedade. Sujeitos já

nasciam “condenados” a determinadas atividades, devido à sua origem e classe, deste modo, o

valor conferido ao talento ou a inteligência não era o mesmo que na nossa sociedade.

Com o advento do capitalismo, as coisas alteram-se e temos a supremacia da ideia de

individualismo, onde ganha força a noção de que os méritos e dons da cada um, seriam os

determinantes de seu destino social. Nesse contexto, as teorias meritocráticas passam a explicar

a sociedade e, especialmente, as desigualdades sociais.

A partir de então, parte das diferenças sociais passam a ser compreendidas por meio da

ideologia, de que os responsáveis pela sua riqueza ou pobreza, seriam os próprios indivíduos,

isoladamente, prevalecendo os méritos de cada ume seus dons.

Conjuntamente a esta noção, a escola surge, pela primeira vez, para “supostamente”

garantir a igualdade de oportunidades a todos, os indivíduos passam a “crer” na libertação da

condenação à uma tarefa/classe social, no ato do nascimento, para acreditarem que pelos seus

esforços, talentos e, especialmente, dons e inteligência poderiam decidir seus destinos.

Com a escola garantindo a igualdade de oportunidades a todos, cada um dependeria

apenas de seus próprios esforços e sempre que a ideologia do mérito individual não desse conta

de explicar a destinação social, de determinados indivíduos, teríamos a justificativa da falta de

acesso à escola, explicando os fracassos sociais, em massa, expressos na vasta população de

miseráveis, típica dos países em fase de industrialização. Teríamos, também, as ideologias dos

dons e das aptidões naturais, para elucidar os casos de sucesso que a escolarização e a

meritocracia não dessem conta de esclarecer.

Assim, nas sociedades capitalistas industrializadas e urbanas, é que surge a noção das

altas habilidades, não, coincidentemente, será no século XIX, durante a expansão da

industrialização, consolidação da classe burguesa, no comando político e econômicodas

sociedades europeias, que surgem os primeiros estudos e pesquisas sobre as altas habilidades.

Deste modo, a concepção de talento que foi se construindo, ao longo dos séculos, sofrerá

uma profunda alteração, com o advento da sociedade capitalista e só poderá ser compreendida,

se relacionada com o conceito de “a escola”. Somente desta maneira, podemos entender os

motivos da invisibilidade que motivam nossa pesquisa, a partir da relação dialética:

superdotação-escola.

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Chegamos assim, ao debate sobre como a História Brasileira, sobretudo de seu sistema

educacional, é parte da explicação para a invisibilidade dos alunos superdotados.

3.4- A História do Brasil e a Invisibilidade das AH/SD

Como temos destacado o conceito de inteligência humana não pode ser entendido, sem

uma perspectiva histórica, que considere a maneira como cada sociedade, em cada período

histórico, entendeu a inteligência e, consequentemente, encarou os indivíduos com AH/SD.

Assim, toda sociedade em sua história e organização, trazia em potencial os elementos

determinantes, que destinariam alguns indivíduos ao esquecimento e a invisibilidade de seus

talentos, independentemente, de quais fossem e em que intensidade se manifestassem. Mais que

isso, cada sociedade definiria qual classe social teria inviabilizado a possibilidade de

desenvolvimento das suas habilidades, em especial, aquelas habilidades intelectivas, que não

fossem consideradas adequadas aosdestinados a opressão.

Podemos concluir, que a estrutura social e a forma como a luta de classes constituiu-se,

nas diferentes sociedades, colaboraram para definir quem seriam os considerados inteligentes,

talentosos, possuidores de dons e aqueles que seriam considerados incapazes, subdotados,

deficientes. Normalmente, a definição de talento partia dos ditames da classe dominante e visou

manter os oprimidos, na mesma situação. Deste modo, a concepção de AH/SD e a

invisibilidade, deve ser compreendida como algo mais complexo, que simples resultados em

testes de inteligência, sendo, em realidade, parte fundamental da luta de classes.

Propomos então, uma reflexão a respeito de como a História do Brasil cumpriu um

importante papel, na definição de quem teria oportunidades de desenvolver suas capacidades e

ter reconhecidas suas habilidades e, aqueles, que teriam poucas condições de desenvolver suas

capacidades, ou ainda, que as tivessem muito desenvolvidas, não seriam reconhecidos e

estariam, portanto, “destinados” à invisibilidade.

Pensar na História do Brasil é, necessariamente, pensar na imposição da dominação

brutal, a grandes contingentes humanos. Esta é uma História conhecida entre nós e que nos

remete à desmedida colonização, que a metrópole portuguesa desenvolveu, com um complexo

sistema de relações, conhecido através do conceito cunhado por Novaes (1989), como Antigo

Sistema Colonial, que objetivava a exploração colonial, garantindo a acumulação primitiva de

capital pelos europeus.

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Na sociedade colonial brasileira, duas características foram fundamentais, para a

consolidação da empresa colonial: a conquista do território dos nativos e a escravização de

povos nativos ou africanos, usados como mão de obra.

A metrópole portuguesa desenvolveu uma sociedade, que emulava as características

sociais de Portugal, mas que tinha características próprias e, que, em boa parte, baseavam-se na

distinção entre brancos portugueses e negros africanos e os indígenas, nativos do Brasil.

Consideradas as devidas nuances de cada região e momento histórico, a escravidão

indígena e africana sustentavam-se na ideia que estes seriam povos bárbaros, incultos,

selvagens, discutindo-se, até mesmo, suas condições de humanos.

Tal estrutura social trazia, em germe, a quem estariam destinados os investimentos

metropolitanos, no sentido de garantir e, principalmente, reconhecer, os talentos pessoais;

evidentemente, à elite dirigente, que tinha alguma possibilidade de acessar à educação escolar,

por meio do trabalho dos jesuítas, destinados aos filhos dos senhores de escravos e altos

funcionários da metrópole. A estes, ainda que incomum e difícil, havia oportunidades de

realizar estudos na Europa e, principalmente, ter acesso aos cargos de comando, na estrutura

econômica colonial, na condição de senhores de escravos, administradores de latifúndios, minas

de ouro e pedras preciosas, empresas comerciais, ou mesmo junto às empresas ligadas ao tráfico

de escravos, ou ocupando, postos na burocracia de Estado, como funcionários da metrópole,

cargos políticos e militares, ou Igreja, na administração colonial.

A tais indivíduos, existia a oportunidade de desenvolverem suas capacidades

intelectuais, bem como, terem seus talentos estimulados, reconhecidos, remunerados,

valorizados. A mesma sociedade que definia aqueles que teriam seus talentos reconhecidos,

também estipulava, de antemão, aqueles que seriam relegados à invisibilidade e ao

esquecimento. Nos referimos, ao contingente de nativos indígenas, africanos e mestiços, da

sociedade colonial brasileira.

Portanto, a análise do desenvolvimento histórico do Brasil, indica que ao longo de todo

o período colonial, havia pouca ou nenhuma possibilidade, de que indígenas e negros tivessem

seus talentos estimulados ou reconhecidos. Desta forma, nomes como: Zumbi dos Palmares,

Ganga Zumba, Cunhambebe ou Felipe Camarão, líderes políticos do período colonial, jamais

têm suas biografias associadas ao talento intelectual de destaque, ou são considerados

possuidores de capacidades intelectivas elevadas.

Ao analisarmos as razões que determinariam a situação de invisibilidade, a princípio

contraditória, legada aos alunos com altas habilidades, no interior das escolas públicas

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brasileiras, torna-se evidente as ligações com a nossa História, iniciando com indígenas e negros

condenados a ter suas capacidades intelectuais menosprezadas e até sabotadas.

Junto a negros e indígenas, nas sociedades determinadas pelo patriarcado, como a do

Brasil Colonial, o reconhecimento, valorização, desenvolvimento dos talentos foram negados

sistematicamente às mulheres brasileiras, fossem brancas, mestiças e, especialmente, se fossem

negras ou indígenas33.

Assim, nomes como: Madalena Caramuru, Inês de Souza, Ingaí, Isabel de Moura,

Catarina Rosa Pereira de Jesus – Catarina da Mina, Dandara, Luísa Mahin, Tereza de Benguela,

Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, todas mulheres ilustres, durante o período colonial

brasileiro, foram praticamente esquecidas, pela História Oficial do Brasil e quase nunca

lembradas pelos seus feitos e façanhas, a partir da perspectiva, de que seriam mulheres com

capacidades intelectuais diferenciadas e, assim, com altas habilidades. A invisibilidade a que

as mulheres estavam destinadas, com relação às suas capacidades e talentos, variava de acordo

com sua classe social e etnia/raça, com raras possibilidades às mulheres brancas das Casas

Grandes e, praticamente, nenhuma, se fossem negras, índias ou mestiças.

Assim, as mulheres foram, desde sempre, o maior contingente de pessoas destinadas à

invisibilidade, quando tratamos do reconhecimento das altas habilidades, seguidas por homens

negros, indígenas, mestiços e brancos pertencentes à classe trabalhadora. Reiteramos assim, a

nossa hipótese de que a situação de invisibilidade das altas habilidades, hoje,verificadas na

realidade educacional brasileira, não pode ser compreendida sem levarmos em conta o

desenvolvimento histórico da sociedade brasileira.

3.5 – A Invisibilidade e a História da Educação brasileira

Inicialmente, os padres jesuítas dedicaram-se à catequização e à conversão do gentio

à fé católica, mas com o passar dos anos, começaram a se dedicar, também, ao ensino

dos filhos dos colonos e demais membros da Colônia, atingindo num último estágio

até a formação da burguesia urbana, constituída, principalmente, pelos filhos dos

donos de engenho. Esses jovens, que após o término de seus estudos no Brasil, partem

para estudar na Universidade de Coimbra[...](SHIGUNOV NETO & MACIEL,

2008).

33A história da Educação das mulheres no Brasil é bastante singular. Rara, excepcional e inusitada. Seu percurso

entrelaça-se ao caminho bizarro da própria história da colonização brasileira. Inicia-se na convivência

econvergência de [...] portuguesas, indígenas libertas e ainda a mulhernegra e na condição de escrava.IN:

https://maniadehistoria.wordpress.com/mulheres-e-educacao-no-brasil-colonia/ACESSO EM 16/01/2016.

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Pensar na História da Educação, no Brasil é, necessariamente, se reportar ao fato de que

a maioria da população brasileira esteve, completamente, impedida de acessar os bancos

escolares na maior parte da historia brasileira. Por quase todo o período colonial, negros,

indígenas, mulheres, mestiços e mesmo brancos pobres, tiveram raras oportunidades de estudar

ou ser alfabetizados.

Boa parte do esforço educativo jesuíta, ainda que não se possa deixar de reconhecer a

importância destes, na História da Educação brasileira, era, simplesmente, favorecer a conquista

e dominação destas populações e suas terras.

Com um sistema colonial, que além de manter as mulheres como parte da vida privada,

destinava grandes contingentes populacionais à escravidão, o acesso à escolarização formal,

não fazia sentido às autoridades metropolitanas.

A estrutura educacional brasileira, no período colonial, se é que podemos falar em

estrutura educacional, era precária e marcada pelo reduzido número de professores habilitados

a lecionar. Poucas escolas e salas de aulas, turmas que reuniam alunos das mais variadas idades,

com alguns casos, em que jovens do sexo masculino, com idades entre 7 e 20 anos, estudavam

juntos. Marcílio (2005), nos apresenta um quadro de carência e fragilidade de uma estratégia

educacional para a colônia, e onde, mesmo os senhores de engenho encontravam dificuldades,

na escolarização dos seus filhos.

Ponto importante, é o fato de que a Coroa Portuguesa, inviabilizou a fundação e

funcionamento de instituições de ensino superior, na América Portuguesa; ao contrário do que

foi feito nas colônias inglesas, holandesas e espanholas, onde as instituições universitárias

chegaram, praticamente, juntas com as ações colonizadoras.

No Brasil Colonial, os estudos em nível superior deviam ser realizados, na Europa e

assim, inviável, para qualquer setor social, que não aqueles de funcionários da Coroa

Portuguesa, senhores de engenho, donos de minas de ouro, traficantes de escravos e grandes

comerciantes. Portanto, ainda que existissem talentos individuais, não haviam oportunidades

de aprofundar os conhecimentos, que levariam às AH/SD a níveis mais elevados.

Segundo Marcílio (2005), a educação brasileira que já era praticamente inexistente, ao

longo de todo o período colonial e, totalmente, dependente dos esforços da Companhia de Jesus

ou de professores régios, piorou, quando ocorreu a expulsão dos jesuítas, na segunda metade

do século XVIII, pelo Marquês de Pombal.

Esta situação, praticamente, ficou inalterada até a chegada da família real portuguesa,

em terras brasileiras, em 1808, quando começamos a ter algumas mudanças, na situação de total

abandono e início de um longo percurso da implantação da escola pública, no Brasil.

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Durante todo o século XIX, o quadro educacional brasileiro conheceu algumas

alterações de cunho estratégico, como: a implantação das primeiras escolas de ensino superior,

institutos de educação de crianças cegas, como o instituto Benjamin Constant e criação de

algumas experiências educacionais, em especial, escolas destinadas ao ensino primário e

algumas medidas de cunho estatal, no sentido de buscar o aumento do número de escolas e

criação de um sistema educacional nacional. Entretanto, ainda que desde 1808 e seguindo por

todo o período do Império, tivéssemos a disseminação da noção de que era preciso a instalação

de novas escolas, formação de professores e garantia de educação à população, de um modo

geral, ao longo de todo o século XIX, o que tivemos de modo concreto, foi uma implantação

muito lenta e tímida, de escolas no Brasil.

Desta monta, podemos dizer que eram reduzidas as oportunidades educacionais aos

brasileiros e estas raras oportunidades estavam, na maioria das vezes, restritas a setores da elite,

destinadas aos filhos de grandes fazendeiros, comerciantes e, como novidade, começamos a ver

filhos da classe média urbana que surgia, lentamente, nas cidades brasileiras, realizando os seus

estudos nas escolas primárias. Ainda assim, podemos dizer que a escola era negada,

praticamente, a totalidade das mulheres, negros e indígenas.

Esta é uma permanência importante, que devemos nos ater para entender a história das

altas habilidades, no Brasil, pois quando a ideia de que a escola passaria a ter um papel de

destaque, na constituição das nações e progresso dos países, ganhava força, a exemplo do que

ocorria na Europa e EUA, o Brasil ainda seguia como uma sociedade escravista.

Mais um fator que merece destaque para pensar na trajetória educacional brasileira e

suas relações com as altas habilidades, é o fato de que, durante boa parte do século XIX, a maior

parte das oportunidades educacionais concentravam-se nos centros urbanos, sendo que a

maioria das escolas, alunos e professores encontravam-se em cidades como: Recife, Salvador,

São Paulo e, em especial, na cidade do Rio de Janeiro. Nestas localidades, as chances de um

jovem conseguir iniciar e prosseguir os estudos eram maiores.

Portanto, a História da Educação Brasileira, além de estar fortemente concentrada na

escolarização dos homens das elites, e excluir a maioria da população.Havia um fator que não

se pode desconsiderar, que era a grande desproporção de oportunidades de escolarização,

quando analisadas a distribuição regional de escolas.

Precisamos, ao refletir sobre as razões que levam a pouca atenção aos alunos, com

AH/SD, nas escolas públicas brasileiras, ter em mente que as oportunidades de escolarização

não ocorreram, de modo igual, para populações da zona rural e nas grandes cidades no país.

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Tal situação acaba por inverter a lógica de compreensão, da implantação do sistema

educacional brasileiro. As ações voltadas a garantir escola à população, ocorriam onde as

condições econômicas e sociais já estivessem, suficientemente, desenvolvidas, para que se

justificassem gastos públicos ou investimentos privados, bem como, apenas onde existisse uma

classe média numerosa e influente economicamente e politicamente, cobrando que fosse

ofertado aos seus filhos trajetórias escolares longas, como definem Baudelot e Establet(1971).

Assim, apenas onde existissem determinadas condições objetivas, como estrutura de

estado e desenvolvimento econômico, teríamos a implantação de escolas e, consequentemente,

onde tais condições tivessem criado um contingente populacional escolarizado capaz de exercer

pressão e condições econômicas capazes de incorporar novas ocupações, é que surgiram as

Universidades e oportunidades de cursar o ensino superior.

Porém, a compreensão do senso comum sobre este processo ocorreu por meio de um

discurso ideológico da questão, que se dava de modo invertido. Defendia-se que a vontade e

valores intelectuais e morais, de um dado grupo social, lhe compelia na busca pela escola e

acesso aos níveis mais elevados da educação. Deste modo, observamos como a ideologia tratou

de encobrir as desigualdades regionais, no tocante as oportunidades de escolarização.

Nos raros casos, em que indivíduos negros, indígenas, mestiços, oriundos de classes

populares, mulheres, pela força de seu intelecto e trabalho árduo de suas famílias e grupos

sociais, conseguissem se alfabetizar e frequentar os anos iniciais da escola, demonstrando

talento e potencial acima da média, ainda havia a grande e, talvez, maior barreira, para o

prosseguimento dos estudos e desenvolvimento de suas capacidades elevadas, que era a

concentração regional das oportunidades educacionais brasileiras em poucas cidades.

O resultado deste quadro é que passamos a acreditar numa falsa ideia, de que as

populações urbanas fossem, naturalmente, propensas à escolarização e tivessem capacidades

intelectuais maiores que a população rural. Para tal confirmação, basta analisar a forma como

o sertanejo ou o sitiante é representado nas obras de Monteiro Lobato, por exemplo.

Destacamos tal ponto, por considerar importante analisar um fator atual, no cenário dos

estudos e atendimento de crianças com AH/SD: O fato de que após quase um século em que,

praticamente, nada de concreto foi feito pelo sistema educacional público brasileiro, para a

compreensão e atendimento aos alunos com AH/SD, quando as primeiras medidas foram

adotadas, para a garantia dos direitos destes alunos, com a implantação pelo governo federal,

no ano de 2005, dos Núcleos de Altas Habilidades e Superdotação, que visavam atender aos

alunos talentosos e garantir formação aos pais e docentes, tais ações restringiram-se a

implantação dos NAAH/S, apenas, nas capitais dos estados brasileiros.

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Assim, no momento de criar estruturas, ainda que frágeis, para o atendimento das

AH/SD e combater a invisibilidade, as decisões foram marcadas pela concentração regional das

medidas e investimentos, com a implantação de, apenas, um núcleo em cada estado brasileiro

e quase todos concentrados, nas capitais, seguindo a tradição de concentração regional das

oportunidades de desenvolvimento.

3.5.1- O Brasil Republicano

Com a inauguração do período republicano, a proposta de levar educação ao povo ganha alguma

força. Sobre a questão, Almeida (2005, p.93)afirma que:

Com a República, urgia dar continuidade ao projeto civilizador da Nação, com a meta

de estender a educação para todos, nos moldes de uma ação democrática, que visava

fortalecer o país, o que poderia ser alcançado através da escola.

Apenas com o início do período republicano, podemos dizer que começou a se desenhar

no Brasil, o surgimento de um projeto de escolarização de massa, que no princípio teve forte

presença dos setores militares ligados às ideias positivistas de Auguste Comte34.Ganhou força

no país, a ideia de que por meio do processo de escolarização das massas teríamos o

fortalecimento dos ideais republicanos e o progresso da nação.

Neste contexto, três grandes ideias são muito importantes, para pensarmos na expansão

da rede de ensino e, consequentemente, nas reflexões acerca do rendimento diferente dos

alunos: a ideia de meritocracia; a noção de que a escola seria capaz de equalizar as

desigualdades sociais, e, por fim,a noção de que a frequência à escola e o sucesso escolar seria

o grande definidor das oportunidades de mobilidade, na sociedade capitalista e sua máxima

tradução dar-se-ia pela oferta de oportunidades aos sujeitos, na proporção dos títulos e diplomas

escolares que este possuísse, cabendo ao Estado definir o ritmo como se dariam as chances de

ascensão.Esta perspectiva da educação, verifica-se em Almeida:

O ideal plantado pelo liberalismo de ver a escola como via de ascensão social se

solidificou. [...] incorporando a concepção de educação como instrumento de

transformação social e nivelador das desigualdades sociais.(ALMEIDA, 2005,

p.95,97)

34

O positivismo também se oporia à influência da igreja católica e ao ensino religioso, propondo uma escola laica,

pública e obrigatória, proposta essa aceita com entusiasmo pela intelectualidade e pela classe média que passaria a

ver a escola como um meio de ascensão social, o que possibilitaria a esse segmento social concorrer com a classe

dominante.(ALMEIDA, 2005, p.94)

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Tais ideias não são criações nacionais e em muito se relacionam com as que eram

veiculadas na Europa, no século XIX. As noções de meritocracia, a ideia de progresso contínuo

das sociedades e dos indivíduos, a percepção de uma nova sociedade justa, porque

meritocrática, em oposição às sociedades aristocráticas, do antigo regime, eram noções muito

fortes na Europa e Estados Unidos, do século XIX.

Entretanto, haviam contradições postas à este ideário de progresso, tão difundidos no

período das grandes revoluções europeias. Não se podia negar que as condições de vida, da

maioria da população, pareciam manter-se inalteradas e, por vezes, até piores; não era possível

fugir à percepção das condições de miséria, doenças e exploração, as quais estavam submetidas

as massas de trabalhadores, das grandes cidades industriais do século XIX.

Não era razoável negar que, enquanto isso, a antiga nobreza seguia ocupando postos de

destaque, na burocracia estatal. Estas contradições eram verificadas nas constantes rebeliões e

revoluções populares, que ocorriam ao longo de toda a Europa do XIX, em que os movimentos

de 1830, 1848 e 1871, em Paris, talvez sejam os exemplos mais esplêndidos.

A escola surge, então, como principal explicação das desigualdades sociais e o acesso a

ela torna-se decisivo de garantia da redenção social, que seria obtida por meio da ascensão

proporcionada pelos títulos e diplomas.

A escola torna-se o grande bastião redentor da sociedade capitalista, e a construção de

uma sociedade justa passaria, pela expansão das redes de ensino nacionais, de modo que fossem

públicas, laicas, gratuitas, únicas e obrigatórias. Com este ideal, boa parte dos partidos

republicanos travariam lutas ferrenhas pela implantação de escolas de primeiras letras, centros

de formação de professores e instituições de ensino secundário e superior, que garantissem

oportunidades de estudos aos indivíduos, os quais apresentassem sucesso escolar e mérito.

No Brasil, tais ideias são bem acolhidas por setores da classe média urbana, mas cabe a

lembrança de que somos uma República, que se inicia pelas mãos de militares ligados às ideias

positivistas e, assim, a noção de meritocracia ganha ainda mais força. Ao mesmo tempo em que

temos uma incipiente classe média e grupos militares lutando pela implantação da escola,

temos, também, uma elite que se mantém encastelada no poder, por intermédio da completa

posse dos meios de produção e que conseguia converter todo seu poder econômico em domínio

político e, para este grupo, a expansão da rede escolar pública e a defesa da meritocracia não se

mostrava como uma urgência.

A população trabalhadora segue em condições de pobreza, sofrendo com as ações de

extermínio, como ocorriam com sertanejos obrigados a lutar contra as tropas federais em

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Canudos. Os grupos de imigrantes, recém-chegados, eram vistos como mão de obra barata,

apenas, e encontravam grandes dificuldades para frequentar à escola. E o maior contingente

populacional brasileiro, que era composto por negros e mestiços, vivia tanto nas áreas rurais

como nos centros urbanos, com imensas dificuldades para serem integrados na nova divisão

internacional do trabalho, que o capitalismo industrial trazia.

3.5.1.1 - As Ideias de Francis Galton e a Invisibilidade das AH/SD, no Brasil

Nascido em 1822 perto de Birmingham, Inglaterra, era o mais novo de nove filhos.

Seu pai era um próspero banqueiro cuja família rica e socialmente proeminente incluía

pessoas importantes, nas principais esferas de influência: o governo, a Igreja e a

corporação militar. Desde cedo, Galton tinha familiaridade com pessoas influentes

devido às ligações de sua família. Aos dezesseis anos, por insistência do pai, Galton

começou a estudar medicina como aluno tutelado do Hospital Geral de Birmingham.

Foi aprendiz dos médicos, receitou pílulas, estudou compêndios de medicina, gessou

fraturas, amputou dedos, extraiu dentes, vacinou crianças e ainda conseguiu se divertir

lendo os clássicos, principalmente [...](LOPES, 2008)

Como destacamos anteriormente, o interesse pelas diferenças individuais é antigo e

acompanha a história humana, desde seus primórdios. Ao longo do século XIX, as perguntas

sobre as diferenças individuais seguiram intrigando parte dos educadores e cientistas.

Com a ampliação da escolarização a contingentes cada vez maiores da população, não

tardou para que alguns problemas das ideias redentoras das escolas, se apresentassem aos

observadores atentos. Como explicar a existência dos gênios?

Vai ficando evidente que a explicação da meritocracia e da escola redentora não

funcionaria, pelo menos, para todos os casos e as teorias ligadas à ideia de dom continuaram

influentes. A noção de que cada sujeito nasceria já com um determinado potencial, e que,

especialmente, os gênios fossem tocados pelo dom, nas suas capacidades artísticas, políticas,

científicas, seguiu forte no ambiente escolar.

Porém, tais ideias soavam pouco científicas, para uma sociedade que avançava a largos

passos, no campo das ciências. Por outro lado, a ideologia do Dom não poderia ser aceita pela

burguesia, sem alguns incômodos relacionados com a proximidade das ideias, que justificavam

e legitimavam a sociedade do antigo regime, a qual definia as posições sociais, conforme

caracteres de nascimento.

Neste sentido, as ideias que buscavam medir a quantidade de inteligência de cada

indivíduo,questionamentos relativos ao papel da inteligência no sucesso ou fracasso dos

indivíduos, bem como, sobre o que seria exatamente a inteligência, como se desenvolveria nos

indivíduos e qual seu papel na divisão internacional do trabalho, ganham força.

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Seria possível tornar alguém mais, ou menos inteligente? À escola caberia desenvolver

a inteligência ou apenas, lapidar o potencial intelectual dos indivíduos, conforme suas

capacidades inatas? De onde vem a inteligência? Provém de dom divino, é fruto do inatismo

ou do resultado do desenvolvimento, conforme as experiências dos indivíduos?

Na tentativa de responder tais perguntas, surgem as ideias de um dos primeiros e mais

importantes teóricos das capacidades intelectuais individuais, Francis Galton, influente

pesquisador inglês, de família aristocrática e primo de Charles Darwin, considerado um dos

fundadores da psicometria, pesquisador ligado à muitas áreas das ciências e conhecido pelas

suas pesquisas em antropologia, que fundamentaram os primórdios dos conceitos de eugenia35,

Galton ligado à medicina e fervoroso defensor das ideias de Darwin e de sua validade para

pensarmos nos seres humanos e nas sociedades, foi um dos percussores do desenvolvimento da

linha teórica/ideológica, que ficou conhecida como darwinismo social.

Galton acreditava que seria possível, pela ação intencional dos homens, especialmente,

pela atuação de governantes embasados em teorias científicas, melhorar a espécie humana. Tal

melhora seria obtida evitando que os considerados inaptos se reproduzissem e, em

contrapartida, selecionando e reproduzindo aqueles indivíduos considerados virtuosos e

notáveis, de modo a reduzir indivíduos tidos por incapazes e indesejáveis. Para tal objetivo,

seria fundamental construir instrumentos e teorias científicas capazes de “explicar” as razões,

para a superioridade intelectual de determinados indivíduos, determinados grupos sociais e, por

fim, determinadas etnias e nações.

Galton trabalhou no desenvolvimento da psicometria e da testagem para as capacidades

intelectuais. Medir a inteligência seria algo fundamental nos seus projetos e em sua obra “O

gênio hereditário”, Galton faz um trabalho minucioso de pesquisa com histórias familiares de

sujeitos considerados notáveis, em sua época, incluindo a sua própria família. O autor analisa a

linhagem genealógica destes indivíduos e conclui que, praticamente, todos estes grandes

homens possuem ancestrais de destaque, no campo intelectual.

35 O termo EUGENIA foi cunhado por Francis Galton, em 1883, para designar uma “ciência do melhoramento

biológico do tipo humano” (CASTAÑEDA, 2003). No entanto, a eugenia em seu formato científico, mas ainda

sem esse nome, já está no livro Hereditary Genius publicado por Galton, em 1869, no qual faz uma análise de

cerca de quatrocentas famílias aristocráticas e conclui que as vocações e talentos são hereditários (BIZZO, 1995,

p.40). A teoria galtoniana buscava se apoiar em estudos estatísticos, dos fenômenos hereditários e sustentava que

o tamanho do corpo, cor dos olhos, força dos músculos, inteligência e até moralidade eram herdados. Galton

procurava encontrar relações mensuráveis entre características físicas e o caráter e agrupava as pessoas segundo

características gerais, o que permitiria a intervenção na hora do controle da reprodução ao suprimir os considerados

tipos “ruins” e aumentar a natalidade daqueles “bem-dotados” (MARQUES, 1994). SCHNEIDER, EUGENIA NO

BRASIL: QUANDO UM MOVIMENTO IDEOLÓGICO SE JUSTIFICA POR UM DISCURSO

BIOLÓGICO,Visualizado em 12/02/2016 http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1448-2.pdf

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Galton é, talvez, o primeiro a contestar a ideia de dom, como algo divino, sua crítica, de

certa forma, também se dirige a noção da escola, como redentora das desigualdades sociais.

Segundo o autor, a inteligência seria transmitida de uma geração para outra e, assim, seria

herdada, conforme a história familiar e linhagem.

Suas ideias estavam alinhadas com as teorias e preocupações européias da época:

O primeiro livro de Galton, que teve importância para a psicologia foi “Hereditary

Genius” (Gênio Hereditário), publicado em 1869. Nele, Galton procurou demonstrar

que a grandeza individual, ou gênio ocorria com uma frequência grande, no interior

de famílias para ser explicada por influências ambientais. Sua tese é, em resumo, que

homens eminentes têm filhos eminentes. Em sua maior parte, os estudos biográficos

relatados no livro eram pesquisas sobre a ancestralidade de pessoas importantes, como

cientistas e médicos. Seus dados revelaram que toda pessoa famosa herdava não

apenas o gênio, como uma forma específica de genialidade. Por exemplo, um grande

cientista nascia numa família que alcançara proeminência na ciência.O objetivo

último de Galton era encorajar o nascimento de indivíduos mais eminentes, ou capazes

e desencorajar o nascimento dos incapazes.(LOPES, 2008)

Em sintonia com as teorias biológicas e o cenário social, que emergia na Europa, no

último quartel do século XIX, o cientista britânico Francis Galton empregou a palavra

eugenia, em 1883, para definir a ciência da hereditariedade humana. Suas ideias sobre

o aperfeiçoamento das características raciais associaram-se, intimamente, às

discussões sobre evolução e degeneração, progresso e civilização, conceitos

fundamentais, na formulação de concepções científicas e sociais, na passagem do

século XIX para o XX.(SOUZA, 2012)

As ideias de Galton tiveram grande importância no quadro científico, de sua época e nos

debates sobre inteligência e, consequentemente, nas ideias sobre AH/SD, como podemos

verificar em Pèrez (2008):

A ideia de que as altas habilidades/superdotação devem-se, exclusivamente, a fatores

biológicos é defendida pelas chamadas teorias geneticistas, ou inatistas, lideradas,

principalmente, pelos seguidores de Galton que, em 1869, analisou personalidades

destacadas da época, nas mais diversas camadas sociais e, verificando que seus filhos

também tinham sido eminentes, chegou à conclusão de que a inteligência era herdada.

As ideias de Galton e sua influênciasão fundamentais para a reflexão sobre a

invisibilidade das AH/SD, nas camadas populares, afinal, as ideias eugênicas foram influentes

na intelectualidade e ideias sobre educação, no Brasil:

No Brasil o movimento eugênico foi muito difundido, no início do século XX. Um

dos meios de divulgação da eugenia entre a comunidade científica e a sociedade foi o

Boletim de Eugenia, o qual se trata de um periódico elaborado por iniciativa individual

do médico eugenista Renato Kehl, impresso no Rio de Janeiro, com uma tiragem

mensal de 1000 exemplares (MAI e BOARINI, 2002). O movimento eugênico

influenciou diversas práticas sociais, interferindo, inclusive, nas propostas

educacionais da época.Com influência do movimento eugênico, na constituição do

sistema organizado de educação pública do Brasil, na década de 1930, tendo vista,

que muitos autores que lideraram os movimentos em prol da educação, eram autores

do Boletim de Eugenia e, portanto, defensores do movimento, como por exemplo:

Anísio Teixeira, Roquette Pinto e Fernando de Azevedo.(SCHNEIDER, 2012)

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Como destaca a autora, entre as preocupações dos intelectuais ligados à eugenia, a

educação ocupou papel de destaque e podemos refletir sobre o peso de tais ideias, no

pensamento educacional brasileiro, na formação de professores, a autora relata que:

Analisando a influência do movimento eugênico, na constituição do sistema

organizado de educação pública do Brasil, na década de 1930, percebe-se que tanto

na constituição de 1934, quanto na de 1937, foram incluídas propostas em relação aos

ideais eugênicos para a educação. Por exemplo, constava na constituição de 1934,

estimular a educação eugênica e [...] promover a higiene social;[..]. (SCHNEIDER,

2012)

No início do século XX, em virtude do grande número de negros,recém libertos da

escravidão, da grande parcela de mestiços e indígenas, do clima tropical, e situação de pobreza,

o povo brasileiro era visto como um imenso contingente de incapazes e degenerados. Para

muitos intelectuais estrangeiros e brasileiros, e parte considerável da elite nacional, o Brasil

apresentava-se como uma nação marcada pela inferioridade racial, pelo atraso econômico e

político e pela falta de civilidade do seu povo,Skidmore(1989).

Deste modo, consideramos razoável entender que em uma realidade, onde a educação

era, fortemente marcada pela ideia de que parte da população brasileira tinha uma origem

marcada pela degeneração, as discussões sobre superdotação que começavam a ocorrer no

mundo, fossem vistas como desnecessárias.

3.5.2 -A Rede de Ensino Brasileira, no Século XX e a Invisibilidade das AH/SD

Ao longo do século XX, a experiência escolar passou a fazer parte da vida de parcelas,

cada vez maiores, da população brasileira, porém, o ritmo de expansão da rede de ensino foi

marcado pela lentidão e exclusão de parcelas significativas da população. Neste longo trajeto,

a escola foi encarada, na maioria das vezes, como privilégio e mesmo quando ocorria o acesso

aos grupos, tradicionalmente, excluídos, esta era quase sempre marcada por garantir acesso

apenasao ensino primário e primeiras letras.

Tal modelo educacional objetivava civilizar a população, com noções de nacionalismo,

higiene, rudimentos da língua escrita e da matemática, de modo a garantir integração aos novos

ditames da divisão internacional do trabalho.

A escolarização, com vistas ao prosseguimento dos estudos aos níveis mais elevados,

como o ensino superior, era e continua sendo, um sonho distante para a maioria da população.

Desta forma, a escola de massas, no Brasil, poucas vezes teve sua imagem descolada da

ideia de que era preciso civilizar o povo, garantindo o mínimo de civilidade, pois os saberes

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teóricos e eruditos não estavam ao alcance das possibilidades intelectuais da população. O

professor era, sobretudo, um agente civilizador, que traria com sua atuação a chance de leitura

de textos elementares, a chance de realizar cálculos básicos, o abnegado profissional que,

religiosamente, levaria civilidade, cultura, rudimentos da higiene e medicina, o “herói”, que

faria o trabalho de ensinar ao povo os benefícios de se optar pelos valores da ciência, em

detrimento da “ignorância da cultura popular”, por fim, o professor era o “soldado” do Estado,

capaz de construir na inculta população o amor à pátria e à nação.

Portanto, em uma escola assentada na perspectiva de que teria como missão salvar o

povo de sua ignorância, seria pouco provável que fizesse, parte das preocupações de docentes

e gestores escolares, a reflexão sobre a identificação e atendimento de alunos com AH/SD.

Consideramos fundamental, que a História da Educação Brasileira seja levada em conta,

para entendermos o porquê de alunos considerados alto-habilidosos viverem em situação de

esquecimento e invisibilidade.Neste sentido, Bourdieu(1996, p.15),alerta-nos:

[...] Em cada um de nós, em proporções variáveis, há o homem de ontem; é o mesmo

homem de ontem que, pela força das coisas, está predominantemente em nós, posto

que o presente não é senão pouca coisa comparada a esse longo passado no curso

do qual nos formamos e de onde resultamos.

Em sua trajetória civilizadora, os alunos considerados ideais pelas escolas, eram aqueles

que, além de disciplinados, segundo os valores religiosos e eurocêntricos da sociedade

brasileira, conseguissem se despir de seu passado africano-ameríndio.

Aqueles que trouxessem as insígnias associadas à “barbárie”, como: etnia, sotaque rural,

pobreza, etc e, sobretudo, recusassem as rígidas normas impostas, no cotidiano escolar, ficariam

condenados ao fracasso escolar e, portanto, distantes de qualquer ideia, que lhes conferisse

capacidades intelectivas de destaque.

Os considerados “alunos prontos” para ter contato com a erudição, com o conhecimento

científico, conferidos pela oportunidade de acesso ao ensino secundário, deveriam ser, de

preferência, filhos da elite dirigente ou, no máximo, membros da classe média urbana nascente,

defensora da escola como forma de ascensão pela via da meritocracia. Raramente, os filhos da

classe trabalhadora, ainda que bem-sucedidos na escola primária, teriam acesso ao ensino

secundário. O caráter elitista, da educação secundária no Brasil, pode ser verificado em:

Nosso intuito, no entanto, ao citar a existência desses colégios, é apenas sinalizar que

todas essas iniciativas são representativas de uma forma escolar, com um objetivo bem

definido: a educação da elite. Essa concepção permaneceu no país, mesmo com a

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república, até a promulgação da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, em 1961. (NUNES, 2000, p.40)

O histórico da implantação do sistema educacional brasileiro,é importante, pois

entendemos que a devida compreensão dos processos sociais, que envolveram o surgimento da

escola pública, no Brasil, seja fundamental para que possamos ter melhor compreensão dos

fatores, os quais colaboraram com a formação do imaginário brasileiro, a respeito dos alunos

com AH/SD e contribuem para a compreensão da invisibilidade.

O ensino secundário brasileiro se estabeleceu com uma estrutura humanista e com

algumas grades de estudos científicos, que seriam marcadas por um caráter enciclopédico.

Assim, podemos imaginar quem eram os alunos que se pretendia formar, em colégios

secundários tradicionais, como o D.Pedro II, no Rio de Janeiro. Jovens de famílias abastadas,

futuros dirigentes nacionais, filhos da classe média, composta por profissionais liberais,

marcados por uma erudição enciclopédica. Os melhores, dentre estes, seriam chamados “bons

alunos” e alguns, por vezes, poderiam ter suas capacidades consideradas acima da média36.

Os problemas das AH/SD, no Brasil, iniciam-se com a definição dos estudantes

considerados normais. No sistema educacional brasileiro, a média era definida a partir dos

resultados dos estudantes oriundos das elites, frequentadoras dos grandes colégios nacionais. Tal

situação, praticamente, tornava impossível que algum estudante, oriundo da classe trabalhadora,

fosse identificado com AH/SD.

Pensar na História da educação brasileira, ao longo do século XX, é um exercício que,

sem dúvida, leva-nos a passar por duas grandes questões: a universalização da escola para todos

e o fracasso escolar.

Marcílio (2005, p.95), demonstra que o crescimento acelerado da população, em cidades

como São Paulo, colocou, desde sempre, a questão de que por praticamente todo o século XX,

a Escola não seria lugar garantido a todos. E neste contexto, a garantia de acesso à escola para

todos foi um desafio de grandes proporções, mas, lentamente, encarado pelas autoridades

brasileiras.

Durante o século XX, em que se iniciam os debates sobre AH/SD, a maior parte da

população, sequer, frequentava a escola ou o fazia, na maior parte das vezes, em escolas

precárias, com poucas chances de seguir adiante, nos estágios mais avançados da escolarização,

ficando restrita ao primário. Neste quadro, como esperar que existisse debate sobre AH/SD, em

36NUNES, Clarice. O “Velho” e “Bom” ensino secundário: Momentos decisivos. Revista Brasileira de Educação,

2000, nº 14, mai/jun/jul/ago, Dossiê – 500 anos de educação escolar. Editora Autores Associados.

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128

um modelo educacional, com tais características? Sendo assim, este será um tema considerado,

com até certa justiça, luxo, em um país, onde nem o básico estava garantido, ficando esquecido

até o fim dos anos 1990, quando, pela primeira vez, teríamos a maior parte das crianças e jovens,

ainda que de modo precário, matriculados na escola.

Deste modo, cabe colocarmo-nos no lugar dos professores brasileiros, durante o século

XX e perguntarmo-nos qual seria o sentido de pensar em AH/SD, em um cenário, onde em

2010, ainda tínhamos metade, 49,25% das pessoas, com mais de 25 anos, sem ter concluído o

ensino médio? Ou seja, metade das pessoas, que iniciaram os estudos, antes de 1988, ano da

promulgação de nossa última constituição, sequer, conseguiram terminar os estudos em nível

médio, com o quadro agravando-se para 79% de não concluintes, do ensino médio, nas áreas

rurais37. Como enxergar cientistas, literatos, médicos, em uma população que, apenas com

muita sorte, concluiria o ensino médio?

Mesmo uma obra, abertamente, defensora dos governos neoliberais, dos anos 1990,

como o livro de Marcílio (2005), indica-nos que no início do século XXI, mais da metade da

maior cidade do Brasil, cerca de 5,5 milhões de pessoas viviam em condições precárias, como

favelas e cortiços e, que no ano de 1992, às portas do novo milênio, 64% dos adolescentes

estavam fora da escola. Diante de um cenário como este, conseguimos ao menos imaginar que

professores tenham dificuldade em considerar possibilidade de existência de AH/SD entre seus

alunos.

Em 1907, no começo do período republicano, quando se iniciam os esforços pela

expansão da rede escolar, em São Paulo, temos um quadro em que as populações negras,ainda,

encontram sérias resistências a sua integração à classe operária, por exemplo, apenas 10% da

classe operária paulistana era composta por negros, Marcílio (2005, p. 108). Deste modo, se aos

pobres era difícil o acesso à escola, aos negros este era um caminho, praticamente, impossível.

Diante deste quadro e a partir de concepções teóricas, que olhavam a população brasileira

mestiça, como degenerada e que precisava ser civilizada, somada às concepções de inteligência,

como herança hereditária, tornou-se lugar comum a perspectivade que nas classes

trabalhadoras, especialmente nas populações negras e pobres, a inteligência não seria algo que

se deveria supor, quando muito, lutar-se-ia contra o fracasso, e AH/SD não passariam de

devaneios, nestes casos.

37

Quase metade da população brasileira (49,25%) com 25 anos, ou mais, não tem o ensino fundamental completo,

segundo dados do Censo 2010, divulgados nesta quarta-feira (19), pelo IBGE.

In:https://educacao.uol.com.br/noticias/2012/12/19/ibge-quase-metade-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-nao-

tem-o-fundamental-completo.htm?cmpid=copiaecola: Consultado em 20/03/2017 as 23h.

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O questionamento sobre os alunos com AH/SD, sequer, fazia sentido em um país, onde

em pleno início do século XX, mais de 80% da população era analfabeta.

Em uma realidade, em que segundo Marcílio (2005, p. 117): “muitos passaram a sentir

que a promoção da educação popular seria uma campanha tão santa quanto a da abolição da

escravidão, porque é a abolição da ignorância e da incapacidade nacional para o

desenvolvimento e a grandeza da pátria”, não havia sentido pensar no tema dos superdotados,

como se principiava a fazer nos EUA e Europa.

As condições de vida da população negra excluídas da mínima cidadania, associadas a

um passado escravista, produziram efeitos deletérios e duradouros, em nossa sociedade e não

seria difícil supor que os estigmas racistas e preconceituosos, se efetivassem nos meios

educacionais e tivessem papel importante, na definição de quem seriam os “mais inteligentes”,

em uma sociedade que conforme relata Fernandes (1965, p.12):

Diante do negro e do mulato abre-se duas escolhas irremediáveis e sem alternativas.

Vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-

lhe aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento, ou

abater-se, penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem

sistemática, ou na criminalidade fortuita, meios para salvar as aparências e a dignidade

de homem livre

O precário ensino secundário, apesar, de todas as suas limitações, era, ainda,

monopolizado pelos alunos, que tinham condições de pagá-lo. E, assim, sem qualquer chance

de frequentar os bancos escolares, para além de um rudimentar ensino primário,aos pobres foi

sendo negada qualquer perspectiva de desenvolvimento de suas capacidades intelectuais.

Deste modo, quando os especialistas, em superdotação, tratam da percepção de que o

ensino aos estudantes alto-habilidosos seria uma modalidade elitista e supérflua, deixam de

levar em conta a história educacional brasileira, que durante muito tempo,não conseguia

garantir sequer a frequência ao ensino primário, como afirma Marcílio (2005, p. 141):

Tendo em conta condições limitadas de recursos públicos e das condições gerais da

época, que não permitiam dar educação primaria a todos, o Estado, segundo Sampaio

Dória, deveria atacar primeiro o pior, ou seja, o analfabetismo, mesmo que para tanto

fosse preciso criar um tipo de escola aligeirada e simples. Resultou daí um ensino

primário obrigatório de dois anos, apenas.

Este modelo de ensino primário que previa aos pobres, apenas, a alfabetização, era um

modelo escolar da contingência, da superação do que fosse grave e urgente, no caso a

alfabetização. Não caberia neste modelo, pensar em temas considerados supérfluos, como a

capacidade intelectual dos pobres, negros, mulheres e da população rural.

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A proposta educacional de Sampaio Dória de 1920, evidencia o corte geográfico do

acesso à escola, conforme o desenvolvimento econômico das localidades, amparando as

perspectivas sobre as populações rurais baseadas em estereótipos pejorativos e impactando na

atenção dedicada às altas habilidades, mesmo em dias atuais, em que a maioria dos poucos

núcleos existentes para atender este público, concentram-se todos nas capitais dos estados.

O governo do povo, pelo povo e para o povo, tem sua legitimidade na educação

mesma do povo. Primeiro, a educação elementar a todos; depois, a educação primária

integral, aos dos centros populosos e, por fim, a educação secundária e superior aos

das cidades de vida mais intensa.(ANTUNHA, 1995,148)

A análise dos indicadores educacionais paulistas, no período 1900-2000, conforme

Marcílio (2005), indica-nos que fatores históricos e sociais, muito mais que mitos e/ou

preconceitos, foram os verdadeiros responsáveis pela dificuldade em se falar sobre AH/SD, nas

escolas públicas brasileiras.

Para termos uma ideia, apenas no ano de 2000, a maior cidade brasileira conseguiu que

98% das crianças, de 7 a 14 anos, estivessem na escola. Se compararmos tal situação com os

EUA, pioneiros nos estudos e ações voltadas paras as AH/SD, em 1920, temos 93% das crianças

estadunidenses já na escola38.

Desta maneira, com a população na escola e alfabetizada, faria todo o sentido que

debates sobre como lidar com aqueles que se destacassem surgissem, ainda que baseados em

preconceitos de classe, gênero e raça, como no caso de Terman. Já no Brasil, quando as

primeiras preocupações de Antipoff (1929), Pernanbucano (1924) e Kassef (1931), em relação

aos superdotados,surgiram, foram, paulatinamente, ignoradas pelo estado e pelos educadores,

em nome da solução de problemas mais urgentes, sendo tratadas como exotismo intelectual.

Assim, como fruto do próprio desenvolvimento social e histórico do país, as concepções

sobre as AH/SD, nos meios populares, vão desenvolvendo-se rumo à invisibilidade e a

constatação de que seria difícil encontrá-la entre pobres e iletrados. As concepções

deterministas da influência genética e ambiental, apenas, viriam corroborar aquilo que já estava

disseminado entre os educadores. Teríamos sempre o caso de um ou outro miraculado a

confirmar as possibilidades de ascensão permitidas pelo capitalismo, mas, estatisticamente,

eram tão raros estes casos, que não mereceriam atenção.

Os padres Salesianos ao criarem o “Liceu Sagrado Coração”, apresentaram tal visão ao

definirem o motivo da criação do colégio: “Arrancar o vício e a vagabundagem de meninos

38(MARCILIO, 2005, p. 161)

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pobres e desamparados, ministrando-lhe a par da instrução literária, moral e religiosa, ensino

adequado a sua condição social”39.

No ano de 1929, quase 40 anos após o estabelecimento da República, a capital paulista

continuava possuindo, apenas, um único Ginásio Público e neste, de um total de 555

(quinhentos e cinquenta e cinco) alunos, 486 (quatrocentos e oitenta e seis) eram do sexo

masculino, somente 69 (sessenta e nove) do sexo feminino, tendo se graduado em bacharel,

neste ano, apenas35 (trinta e cinco) alunos.

Deste modo, sem ginásios a receber mesmo aqueles poucos, que tivessem concluído o

primário e sem professores, no ensino secundário, a tradição brasileira em educação foi se

dedicar a dar conta dos problemas, mais urgentes e as AH/SD foram, pouco a pouco, relegadas

à condição de exotismo improvável, situação que contribui para a invisibilidade.

Quando chegamos a chamada “Era Vargas”, a escola, ainda, era um sonho distante para

a maioria das mulheres e a quase totalidade da classe trabalhadora, sendo mais grave, no caso

das populações negras.

Os vencedores de 1930 preocuparam-se, desde cedo, com o problema da educação.

Seu objetivo principal era o de formar uma elite mais ampla, intelectualmente mais

bem preparada. As tentativas de reforma do ensino vinham desde a década de 1920.

[...]Um marco inicial deste propósito foi a criação do ministério da educação e

saúde, em novembro de 1930. [...] na esfera do ensino secundário, tratava-se de

começar a implantá-lo. [...] A complexidade do currículo, a duração dos estudos,

abrangendo o ciclo fundamental, de cinco anos e outro complementar, de dois anos,

vincularam o ensino secundário ao objetivo de preparar novas elites.(FAUSTO,

1998, p. 338)

O ministério de Gustavo Capanema implementou profundas reformas na educação

brasileira, em especial, no ensino secundário, sem abandonar o caráter disciplinador. Assim, o

ensino secundário passou por transformações, a partir dos anos de 1930. O modelo elitista, que

garantia acesso às parcelas reduzidas da população ao ensino secundário, apesar da expansão

da rede, foi mantido, por meio da obrigatoriedade de exames de admissão, para ingresso em

todos os níveis,como nos apresenta Schwartzman (1984, p.187):

A educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades, de

acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes sociais, ou categorias

sociais. Teríamos assim, a educação superior, a educação secundária, a educação

primária, a educação profissional e a educação feminina: uma educação destinada à

elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra para os jovens, que

comporiam o grande “exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza

potencial da nação” e outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes

de tudo, a serviço da nação[...] (SCHWARTZMAN, 1984, p.189)

39(MARCILIO, 2005, p. 202)

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Entre os legados do período Capanema teremos a expansão, que ocorreu na área

educacional no país, por exemplo, saltamos de 417 (quatrocentos e dezessete) cursos, que

atendiam a 66.420 (sessenta e seis mil e quatrocentos e vinte) alunos, no ano de 1933, para

1.282 (mil duzentos e oitenta e dois) cursos, que atendiam a 256.664 (duzentos e cinquenta e

seis mil e seiscentos e sessenta e quatro) alunos, no ano de 1945, ou seja, em 12 (doze) anos

vimos o número de cursos secundários, praticamente, triplicarem e o número de estudantes

atendidos crescer, quatro vezes, no período40.

Tivemos mudanças em quase todos os setores educacionais, em especial, no ensino

secundário com a criação dos ginásios, como podemos verificar:

A reforma de 1942 consagra a divisão entre o ginásio, agora de quatro anos e um

segundo ciclo, de três anos, com a opção entre o clássico e o científico. Ao fim de

cada ciclo haveria um “exame de licença”, [...]A principal marca da reforma do ensino

secundário foi a ênfase posta no ensino humanístico de tipo clássico, em detrimento

da formação mais técnica. [...]A reforma do ensino secundário, de 1942, ficava em

síntese caracterizada pela intenção de consolidar a escola secundária como principal

instituição e, Através dela, também, esperava-se produzir uma nova elite para o país.

Uma elite católica, masculina, de formação clássica e disciplina militar. A ela caberia

a condução das massas e a ela estaria reservado o acesso ao ápice da pirâmide

educacional. (SCHWARTZMAN, 1984, p.192, 193, 194,202)

As propostas de educação nacional ecoavam os interesses de alguns grupos distintos da

sociedade: como liberais e católicos, por isso, adotar medidas, às vezes, contraditórias no campo

educacional, mas que convergiam para o ponto central, que era a ideia de divisão do acesso ao

currículos longos ou curtos da educação, conforme a classe social, gênero, etnia, bem como, a

partir da primazia da urbanização em detrimento do campo.

Desta forma, é nítida a visão de que aos estudantes pobres, o máximo que se projetava

era uma atuação como profissional do mercado de trabalho. Sendo assim, era irrelevante o

acesso à educação, que lhes aproximasse da ciência e dos saberes humanistas ligados às artes e

a cultura erudita, pois na concepção dos governantes tais saberes não lhes seriam úteis.

No período compreendido entre os anos de 1946 e 1964, muitas ações na área da

educação, especialmente, ligadas à expansão do ensino público, foram implementadas.

Neste momento histórico, no qual o Brasil começava a consolidar sua nova condição de

país, majoritariamente urbano, já podemos notar a tendência popular de ver na educação a

possibilidade de ascensão social, elevação cultural e, por isso, teremos, diversas vezes,

movimentos populares exigindo atendimento escolar às suas crianças.

40 Tabela de dados do IBGE, Anuário estatístico de 1949, p.480. in (SCHWARTZMAN, 1984, p.189).

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O crescimento da rede de escolas preparatórias de professores é apresentado por

Almeida (2005, p.100): “Em 1954 existiam 258 estabelecimentos de ensino normal, em 122

diferentes cidades do Estado de São Paulo, sendo que na capital funcionavam 60 escolas

normais, 9 delas estaduais e 51 particulares, não havendo participação do município na

formação de professores”.

Mesmo com o aumento no número de vagas, no ensino primário e incremento na

quantidade de instituições voltadas à formação de docentes, o ensino secundário que servia

como via de acesso ao ensino médio, possibilitando ingressar em um curso de graduação, era,

praticamente, monopolizado pela elite e classe média, sendo que, ao povo não restavam muitas

opções e vagas, que permitissem ir, além, do ensino primário.

Podemos concluir desta forma, que a educação brasileira, ao longo de boa parte de sua

história, foi tão seletiva e excludente, que não fazia sentido pensar em AH/SD. De certa forma,

as escolas selecionavam aqueles alunos, com melhores condições socioeconômicas e, por

vezes, algumas crianças com altas habilidades, por meio de seus concorridos e temidos

concursos de ingresso, no ensino secundário, médio e superior. Não é que as escolas tenham

ignorado os alunos com altas habilidades, das classes populares. Na verdade, talvez, apenas

estes tenham tido chance e condições de frequentar escolas de nível secundário, na maior parte

da história educacional brasileira.

No início da década de 1960, o contexto político continuava repleto de debates e

propostas. Muitos conflitos foram gerados pela criação da LDBEN, no ano de 1961. É neste

momento histórico que temos os primeiros debates sobre a educação dos superdotados.

No período conhecido como “anos de chumbo”, o clima político, cultural e, também,

educacional modifica-se. Os generais dominam os rumos do país, em todas as áreas, incluindo

a educação. A perseguição a diversos pensadores, que se atreviam a divergir do governo, no

âmbito educacional, tornou-se regra.

A teoria pedagógica oficial era o tecnicismo, como afirma Saviani (1998, p. 39), mas

esta foi obrigada a conviver com críticas e, com o passar do tempo, sofreu duros ataques de

diferentes formas de pensar a educação. Entre as principais teorias que conviveram, ainda, que

de forma tensa, muitas vezes ilegal, com o tecnicismo dos militares, vale destacar: a Escola

Nova, as teorias não diretivas com Skiner e Rogers; a Escola Nova popular, de Paulo Freire e

Frenet; as teorias da Reprodução de Bourdieu e Passeron, e Baudelot e Establet.

Um dos fatores fundamentais a serem levados em conta, quando pensamos nas

condições históricas, que colaboraram para a formação do imaginário escolar sobre o ideal de

aluno, foi o exame de admissão, verdadeira maratona de provas, que os estudantes viam-se

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obrigados a enfrentar, caso desejassem ingressar no ensino secundário, como nos mostra

Sposito(1984, pp. 64,65):

O exame de Admissão foi, por algumas décadas, a linha divisória decisiva entre a

escola primária e a escola secundária. Funcionou como um rito de passagem cercado

de significados e simbolismos, carregado de conflitos para os adolescentes ainda

incapazes de lidar com fracassos. Não menos importante que o exame de admissão,

era o curso preparatório ao exame [...] Obter a aprovação nestas provas tinha uma

importância equivalente a aprovação nos exames vestibulares,ao ensino superior. Era uma espécie de senha para a ascensão social.[...]

Entendido como algo justo e natural, o exame de admissão fazia com que apenas um grupo

seleto de alunos, normalmente, oriundos de famílias com melhores condições financeiras,

sonhassem o sonho do ensino secundário.

Além da seleção econômica, os exames indicavam os “ditos mais inteligentes”, por

haverem passado nas provas. A dura peneira realizada pelo exame admissional, pode ter

contribuído para que os docentes do ensino secundário, passassem a considerar “normais”

alunos, duramente, selecionados e, assim, as exigências, para que alguém fosse considerado

com AH/SD, eram tão elevadas, que a raridade não valeria a busca. Tal situação criou um

imaginário sobre o secundário e os estudantes deste nível, tão elevado e elitista, que quando a

massa de crianças proletárias começou a chegar nesta modalidade de ensino, com o fim dos

exames de admissão, fez com que os professores tivessem dificuldades em considerar a

possibilidade de existirem alto-habilidosos, nas escolas públicas.

Outro ponto deste movimento de resistência à ampliação do ensino é que, se imprensa e

governos reagiram, vorazmente, à ideia de filhos das classes trabalhadoras botarem seus pés, nas

escolas secundárias, que antes deveriam formar, apenas, as elites dirigentes; as escolas, também,

tiveram seu papel nesta resistência, por meio da produção de um desastre social causado pelo

número de reprovações e alunos evadidos, da escola primária, chegando-se ao ponto, de termos

a maioria dos estudantes brasileiros matriculados, na primeira série do ensino primário, como

podemos verificar em Patto (2000), o que servia para manter a classe trabalhadora, longe do

ensino secundário.

Um dos argumentos usados, para garantir a exclusão nas escolas, era o de que esta se

destinava a “selecionar” os melhores e, assim, podemos pensar nas altas

habilidades/superdotação, como destacavam os jornais da época:

As escolas elementares servem a todos, indistintamente, até mesmo aos anormais,[...]

Ao contrário, a escola média é destinada aos que possuem capacidade para estudos

mais elevados e os diversos tipos de estabelecimentos, que a constituem, devem

atender à diretriz fundamental, que separa as unidades escolares entre as que

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preparam para a universidade e aquelas que qualificam indivíduos para as

profissões,[...] Finalmente, as universidades existem para os que são superiormente

dotados. O ensino é, eminentemente, um trabalho de seleção dos melhores. (O Estado

de São Paulo, 30-6-1950)

Tais concepções marcadas, profundamente, por uma forma de ver o mundo que, antes de

tudo, pretendia excluir, formou o imaginário de escolas sobre o aluno ideal. Com este

imaginário, não é de estranhar que, atualmente, pouco se fale de jovens alto-habilidosos, no

interior de uma escola pública, o que corrobora com a ideia de que repletas de “alunos fracos”,

não resta às escolas outro destino, senão o fracasso.

A dureza dos exames de admissão, as elevadas taxas deevasão e reprovação, o

autoritarismo e produção do fracasso escolar foram algumas das formas de resistência do

sistema escolar ao movimento de “democratização” que estava ocorrendo. Neste processo de

conflito, a resistência das escolas em receber os estudantes proletários, em seu interior, era

verificada, na perspectiva dos profissionais de ensino sobre o potencial intelectual dos “novos”

alunos. Assim, a invisibilidade das AH/SD seria uma ocorrência, muito provável:

A Lei 5.892, de 1971, reformularia o ensino de primeiro e segundo graus no país.

[...]O primeiro ciclo do ensino secundário seria, definitivamente, incorporado ao

ensino de primeiro grau que, dessa forma, ampliava a obrigatoriedade escolar para 8

anos, na faixa etária dos 7 aos 14 anos. Estavam abolidos os exames de admissão.

(NUNES, 2000. p.58)

Portanto, apenas a partir de 1960, as barreiras seletivas foram sendo empurradas paraos

degraus mais elevados: do primário para o ginasial e deste para os cursos do médio e, após, o

ensino superior. Desta maneira, quando chegamos a década de 1970, uma das metas

educacionais do governo brasileiro, ainda, era universalizar a educação primária.

Não por acaso, será exatamente neste período, apenas, que se iniciam as primeiras

medidas estatais, no campo das AH/SD, afinal, não havia qualquer sentido debater, de maneira

ampla, o tema, antes que a população pudesse, ainda que apenas, formalmente, ter acesso ao

ensino secundário, indicando, conforme a nossa argumentação e hipótese, que a invisibilidade

dos alunos com AH/SD, na educação brasileira, não é fruto de mitos, mas, de realidades

bastante concretas e construídas, historicamente, que foram, ao longo do tempo, cristalizando-

se no imaginário docente, nas prioridades dos cursos de formação de educadores, nas

preocupações das redes e gestores escolares e, contribuindo para a formação de representações

sociais sobre os pobres, que faziam da superdotação ser um tema, distante.

Para termos uma ideia do quadro da educação brasileira, durante a elaboração do II

Plano Nacional de Educação de 1962, as metas para o ensino secundário e colegial eram a de

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matricular 30%, apenas, da população em idade adequada a estes níveis de ensino; contar com

apenas 20% de professores diplomados, em curso superior. Entretanto, segundo Marcílio

(2005), os resultados gerais deste plano foram pífios. Mostrando que diante deste quadro, os

alunos superdotados tinham pouca, ou nenhuma chance de serem notados, seja pelo próprio

funcionamento das escolas e suas demandas, seja pela falta de professores, qualificados para

lecionar, ou, por fim, pela constatação de que alunos com destaque, se pobres, teriam chances

mínimas de uma trajetória escolar longa, como diriam Baudelot e Establet.

Quando o termo superdotação, pela primeira vez, aparece na LDB/1971, garantindo o

atendimento especial a este público e o princípio de um trabalho,com AH/SD; temos a criação

da Escola Média Profissionalizante, que segundo Marcílio (2005), foi desastrosa. E o seu caráter

simplificador veio encerrar qualquer chance de uma educação, com currículo enriquecido e

erudito aos filhos da classe trabalhadora, fossem estes superdotados, ou não.

No início da década de 1980, os índices de evasão, repetência e fracasso eram ainda

assustadores e mais de 50% dos estudantes não concluíam o ensino primário. Com uma escola

tão excludente e com tamanha seletividade, apenas, os estudantes com algum capital econômico

e cultural conseguiam superar o vigoroso funil educacional brasileiro rumo ao ensino médio e

mesmo assim, precisavam ser estudiosos.

Com professores do ensino secundário e, especialmente, do ensino médio, habituados

a receber alunos triados, por uma imensa máquina produtora de evasão e fracasso, capaz de

selecionar, brutalmente, uma pequena parcela de estudantes; apenas, para termos ideia do poder

do gargalo do exame de admissão, em 1966, segundo estudo de Joly Gouveia, foi constatado

que em um ginásio, da periferia da capital, haviam 60 (sessenta) vagas para o ensino secundário,

as quais submeteram-se 280 (duzentos e oitenta) candidatos, tendo sido aprovados, apenas,

18(dezoito) alunos. Com este padrão de seletividade, o conceito de alunos normais era tão

elevado, que não era necessário um trabalho, específico, para AH/SD.

Diante de tamanha seletividade, os professores, deste nível de ensino, passam a

acreditar, em primeiro lugar, na incapacidade congênita dos pobres em obter sucesso, nos

estudos. Concepção, em parte fortalecida pelas teorias baseadas na carência cultural, ou no

potencial genético da inteligência. Em segundo lugar, acreditam que estes alunos, severamente,

selecionados e classificados seriam o exemplo de normalidade dentre os estudantes. Ou

seja,normal seria aquele, que obteve sucesso neste imenso círculo de exclusão. A partir desta

concepção de normalidade, pensar em alunos com AH/SD, significava trabalhar com as ideias

de genialidade tão presentes nas respostas dos docentes durante o trabalho de campo.

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Para termos uma ideia do quadro em 1960, as matrículas no ensino médio

representavam, apenas, 1,7% da população estudantil brasileira. Em 1980, este número era de

2,2%, chegando a 4,2% da população de estudantes, no ano de 1996. Às portas do século XXI,

no ano da promulgação da LDB 9394/96, menos de 5% das matrículas de estudantes eram de

alunos do ensino médio. Tal situação diz muito sobre mitos, terminologias e considerações

docentes sobre a capacidade intelectual dos estudantes e, consequentemente, dos alunos com

AH/SD.

No ensino primário, ao longo das décadas de 1960, 1970, 1980,apesar da instituição da

obrigatoriedade e expansão da rede de ensino, as tônicas do atendimento, nas periferias, eram:

a falta de vagas, escolas precárias, turmas com professores sem formação e funcionando em

horário reduzido, que poderia chegar a jornadas de 2horas por dia, apenas e, sobretudo, classes

marcadas pela evasão, reprovação e superlotação, como por exemplo, na década de 1980, com

mais de 38 alunos, por sala, em uma turma do primário, ou nos extremos, como em São Miguel

Paulista, com 58 alunos, na década de 195041. Com estas condições, a educação dos estudantes

talentosos não seria sequer considerada.

No final da década de 1990, quando podemos dizer que se inicia um trabalho, mais

sistemático, voltado ao público superdotado, apenas, 1,6% dos jovens brasileiros chegavam à

universidade42, número inferior, mesmo a países pobres e vizinhos, como: Chile e Argentina.

Diante deste quadro, seria adequado pensar que, ao encontrar um aluno talentoso e pobre, um

professor se questionasse sobre o que fazer, efetivamente, já que as chances de desenvolver

suas habilidades,eram, praticamente, nulas.

Marcílio (2005) apresenta-nos, em seu livro, um cenário desolador da situação da

educação brasileira. Cabe destacar que a autora, longe da crítica aos governos brasileiros, é

próxima ao grupo, que administrou o Brasil, na década de 1990 e, por mais de 2 (duas) décadas,

determina os rumos da educação paulista:

É preciso ver o fracasso escolar e a exclusão social, na escola fundamental, como

produtos históricos de sucessivas omissões, negligências, incompetências e

descontinuidades de políticas do poder público em relação à educação, que ainda

esperam por solução razoável. [...] Os resultados do SAEB, de 1997 e 1999,

mostraram que o concluinte, da 8ª série, domina os conteúdos esperados de um aluno

da 4ª série e este mal sabe decodificar as palavras que lê, ambos são incapazes de

compreender uma notícia de jornal. Consequentemente, a maioria dos concluintes do

ensino fundamental não possui condições acadêmicas para cursar escolas de ensino

médio, com proveito(MARCILIO, 2005, p. 359)

A população pré-letrada, ou de baixa escolaridade, lê pouco, ou não lê. Pesquisa feita,

em escolas de todo o país (2001), aponta que a maioria dos alunos de escolas públicas

41(MARCILIO, 2005, p. 260) 42(MARCILIO, 2005, p. 341)

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provêm de lares pré-letrados, que possuem poucos, ou nenhum livro e precários

hábitos de leitura. Mais de 60% dos pais de alunos, de escolas públicas, concluíram,

apenas, algumas séries do ensino fundamental. Na casa dos alunos, o hábito de ler

revistas e jornais, por rede de ensino, mostra que 57,2%, no ensino municipal e 49%,

no ensino estadual nunca, ou raramente lêem, enquanto os pais de alunos da rede

particular, ao contrário, 72,5% têm habito de ler semanalmente, ou diariamente.

(MARCILIO, 2005, p. 362)

Em relação a formação dos professores e os mitos sobre as altas

habilidades/superdotação, Marcílio (2005, p. 419) afirma que:

Na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2001, 18,4% dos professores

de Física e 19,9% dos de Química tinham formação mínima obrigatória, para lecionar

estas disciplinas. Em 1998, o Estado de São Paulo fez concurso para 1.376 vagas de

Física e, 1.887 professores prestaram os exames, destes, apenas, 394 foram aprovados

e, somente, 366 assumiram seus postos. Fato similar ocorreu no concurso para

professor de Química.

Quando nem os professores têm formação adequada, para ministrar as aulas das

disciplinas, que lhes são atribuídas, ou condições de serem aprovados, em exames de concursos

sobre suas áreas de formação específica, como nos apresenta Marcílio (2005), como supor que

estes docentes possam atentar para um aluno talentoso, em uma determinada disciplina, e tenha

condições de lhe ofertar um currículo enriquecido? Isto mostra que, a sem uma reflexão ampla

sobre a escola, seu funcionamento e a formação docente ocorra, são poucas as chances de alunos

talentosos terem oportunidades condizente com seu perfil.

Neste capítulo, procuramos demonstrar como não é possível o tratamento das questões

das AH/SD, sem uma perspectiva histórica, no sentido de situar ao longo do processo de

constituição da sociedade brasileira, suas características e particularidades.

Na mesma medida, pensar na forma como a inteligência é reconhecida pelos professores

brasileiros, sem levar em conta a história da oferta de oportunidades escolares, para a massa da

população, parece-nos um claro equívoco.

Desta forma, buscamos evidenciar como o tratamento das AH/SD, excessivamente

biológico, e que por isto, deixe de levar em conta os processos históricos e sociais, que ao longo

do tempo contribuem para formar uma dada sociedade, acabam obtendo uma perspectiva

incompleta, de como se configura a invisibilidade, de pessoas talentosas.

Pudemos perceber que, ao longo da História e conforme a configuração social de uma

determinada sociedade, vão sendo determinados aqueles que serão definidos, como destinados

ao sucesso e aqueles, que serão marcados com o selo do fracasso e, assim, criando-se uma

situação, que torna crianças, extremamente, talentosas em pessoas invisíveis.

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A busca da compreensão das AH/SD embasada, apenas, em teorias, que buscam explicar

a questão, a partir da herança genética e/ou hereditária, ou esteja fundamentada, em baterias de

testes, como os exames de quociente intelectual, significa abrir mão de refletir sobre como a

inteligência distribui-se e se apresenta em uma sociedade assolada, por quatro séculos de

escravidão, que tem negado, sistematicamente, o acesso às experiências escolares para maior

parte de sua população.

Aceitar que a invisibilidade dos alunos com AH/SD, somente, devido à falta de

disciplinas, nas universidades sobre o tema ou a um conjunto de mitos, que povoam o

imaginário docente sobre a questão, é recusar-se a refletir sobre como se formam estes mitos e

imaginários, quais as razões que justificam a ausência deste tema, nos cursos de licenciatura e

qual o impacto, de apenas, a menos de 25 anos, a educação ter sido universalizada, aos alunos

do ensino fundamental. Ainda assim, em escolas com péssima qualidade e com imensa falta de

vagas, na educação infantil e menos de 70% dos estudantes concluindo o ensino médio.

Negar um olhar histórico e social para o fenômeno das altas habilidades, significa não

perceber, que antes de um aluno ser submetido a esta, ou aquela bateria de testes para a

identificação das AH/SD, outros filtros, muito mais poderosos e sutis, entram em jogo, na forma

como um aluno é avaliado, definindo quem será e quem não será indicado, para um exame de

identificação das altas habilidades. Tais filtros determinam aqueles passíveis, de despertar

alguma suspeita e aqueles, que jamais serão vistos, a menos que se problematize a questão, de

modo mais consistente.

Optar por abordagens, para compreender as altas habilidades, a partir de questões

inatistas, é escamotear o fato de que vivemos em uma sociedade, em que os direitos humanos

como acesso à educação, saúde, habitação, cultura, transporte e alimentação foram e, continuam

sendo, sistematicamente, negados a maior parte da população.

Falar em habilidades inatas para a música clássica, em uma sociedade que nega,

sistematicamente, o acesso da sua população às salas de concerto e aos instrumentos musicais,

parece algo apressado, do mesmo modo que defender habilidades inatas para as ciências, em

um país onde existe um déficit de milhares de professores, de Física e Química, para lecionar

nas escolas públicas e onde as crianças precisam aprender, sem laboratórios e bibliotecas

adequados, não parece algo acertado. Vivemos em um país, onde vale a máxima que preconiza

que em “terra de cego, quem tenha apenas um olho será rei” e, ainda, buscamos explicar a

existência deste único olho, com base em preceitos biológicos/inatistas.

Portanto, talvez o estudo dos imensos contingentes de alunos brasileiros que conhecem

o fracasso escolar, não seja algo tão distante daquele pesquisador, que deseja conhecer os

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motivos para que um considerável número de alunos, com AH/SD, oriundos de classes

populares sejam esquecidos e tornados invisíveis.

Acreditamos que fracasso escolar e invisibilidade do sucesso sejam faces distintas de

uma mesma moeda, na realidade educacional brasileira, àquela que produz fracasso, nega

acesso aos conhecimentos, sucateia escolas e professores e impede que o sucesso seja, sequer,

notado. Negando e tornando invisível o sucesso, a escola reforça o fracasso, mesmo onde este

não exista.

Neste sentido, devemos seguir nossa busca das causas da invisibilidade avaliando o

estado da arte da produção científica brasileira sobre as altas habilidades/superdotação, suas

filiações teóricas e contribuições para a compreensão do problema de pesquisa.

CAPÍTULO IV

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AH/SD

A produção científica relativa à área de Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)

ainda é bastante incipiente no contexto brasileiro, embora os precursores da área

tenham pesquisado e divulgado seus trabalhos, a partir da década de 1920-1930. [...]

Desta forma, embora no exterior o tema já seja pesquisado, desde finais do século

XIX e, no Brasil, já tenham se passado mais de 75 anos, desde sua primeira abordagem

pelos pesquisadores, as investigações neste campo ainda são bastante escassas.

(PÉREZ S. G., 2003, pp. p. 45-59)

Neste capítulo abordaremos a produção acadêmica brasileira e internacional sobre o

tema das AH/SD e seu estado da arte. Pretendemos, além de percorrer o necessário retorno às

contribuições teóricas, daqueles que se debruçaram sobre o tema, entender como ocorre a

produção científica, em uma área que se destaca no contexto educacional pela invisibilidade.

Analisaremos eventuais relações entre o modo como se organizam as pesquisas, no

campo das AH/SD, tendo, na produção bibliográfica, sua materialização e a situação de

invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos.

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A principal tese do capítulo é a de que a produção acadêmica sobre AH/SD, no Brasil,

ao mesmo tempo, que desvenda e ensina sobre o tema, em alguma medida, reforça (ainda que

sem este objetivo), por vezes o quadro de invisibilidade, na realidade social e escolar.

4.1-Estado da Arte das Pesquisas sobre AH/SD, no Brasil

No Brasil, na área acadêmica, há tudo por se fazer. As universidades que, com

raríssimas exceções, nem mesmo contam com disciplinas nessa área, precisam abrir

espaço para o estudo da inteligência e das habilidades superiores. Precisa-se de

pesquisadores, que iniciem o trabalho que há décadas se desenvolve nos Estados

Unidos e Europa.(VIRGOLIM A. M., 1993, p. 15)

Em relação ao estado da arte das pesquisas sobre AH/SD, PEDRO(2016) desenvolveu

levantamento junto ao banco de teses da CAPES, localizando 100 (cem) dissertações e 16

(dezesseis) teses, no período de 1987-2014, indicando que em um intervalo, de mais de 25

(vinte e cinco) anos, temos menos de uma tese, por ano, sobre a temática e pouco menos de 4

(quatro) dissertações, anuais, realizadas em todo o Brasil. Confirmando a situação de

invisibilidade, das AH/SD, como objeto de pesquisas acadêmicas.

Em seu estudo PEDRO (2016) categorizou os temas das pesquisas desenvolvidas, no

Brasil, a maior parte dos trabalhos analisa os modelos de atendimento e identificação das

pessoas com AH/SD, apontando uma representatividade, bem menor, às investigações que se

dedicam sobre os fatores sociais e educacionais, que envolvem a temática e sua invisibilidade,

confirmando a tendência de que a própria produção acadêmica dedique-se pouco à questão do

reduzido número de identificações e atendimentos, na realidade brasileira.

A produção brasileira sobre AH/SD, ainda, é pequena. Aquele que esteja interessado no

tema, terá dificuldade em encontrar livros e trabalhos científicos, em grande quantidade43. Os

livros sobre as AH/SD têm pequena circulação e, sua aquisição depende de uma rede, que

funciona em círculos específicos, como congressos e instituições especializadas.

A pesquisa e a produção científica, nas universidades brasileiras, corroboram o

crescimento da área, mas, também, revelam escassez de oferta de linhas de pesquisa

e de cursos na área, com uma concentração marcada, em poucos estados brasileiros.

Conclui-se que após a leitura de um dos artigos, que aborda o tema, os alunos com

AH/SD tornam-se transparentes aos olhos dos professores de sala de aula e dos demais

educadores, que com eles trabalham, porque a educação continuada, que deveria

43

Sobre a pequena produção acadêmica na áreaAnjos (2011) nos confirma: “Nesse contexto e na busca de dar

continuidade às pesquisas na área de educação inclusiva, a área de altas habilidades/superdotação chamou-me

especial atenção pelo fato de ser um tema pouco pesquisado, fato que pode ser exemplificado por meio do

Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEES) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),

cujo programa já possui trinta e um anos de existência e que possui somente uma dissertação (2010) na área e

nenhuma tese”

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garantir o conhecimento e proporcionar-lhes ferramentas de trabalho, ainda, é um

desafio.(FERNANDES E. M., 2012, p. 19)

Porém, apesar de reduzida, a produção científica, de um modo geral, confirma a situação

de invisibilidade, dos alunos com características de AH/SD, Fernandes, Redig e Alcântara

(2009), por exemplo, publicaram estudo desenvolvido entre os anos de 2003-2004, sobre o

estado da arte, da Educação Especial, noRio de Janeiro, foram pesquisados 41 (quarenta e um)

municípios, do referido estado, em relação aos alunos, com AH/SD. O estudo constatou que

nenhuma cidade investigada identificou a existência de alunos alto-habilidosos, em suas redes

de ensino, o que confirma a condição de “invisíveis”, deste público.

A invisibilidade dos alunos, de modo geral, também se verifica/estende à produção

científica brasileira sobre a temática44. Os autores acima citados realizaram, ainda, um

levantamento de 17 (dezessete) volumes, da Revista Brasileira de Educação Especial

(RBEE),no período de 1992-2011 e, dentre os 118 (cento e dezoito) artigos publicados, pela

revista científica brasileira, de maior importância, na área de Educação Especial, apenas 4

(quatro) artigos tinham como seu tema as altas habilidades/superdotação45.

A produção acadêmica sobre as AH/SD tem crescido, no Brasil, a partir dos anos 2.000,

de forma consistente, mas, ainda, está longe de constituir uma produção volumosa. Com uma

produção intelectual que conta com pesquisadores importantes como: Eunice S. Alencar,

Denise de S. Fleith, ZenitaGuenther, Maria Helena Novaes, Suzana Graciela Pérez e Soraia

Napoleão de Freitas, pesquisadoras reconhecidas, internacionalmente, e algumas destas

ocupando, ou tendo ocupado postos de destaque, nas mais importantes instituições dedicadas

ao tema, em caráter internacional. Contraditoriamente, a quantidade de artigos e trabalhos,

praticamente, some, no volume da produção intelectual brasileira, nas áreas da educação e

psicologia, onde se concentram a maior parte dos estudos sobre AH/SD.

Podemos dizer, que durante o século XX, a invisibilidade dos alunos com altas

habilidades, que chegou ao ano 2.000, com menos de 1.000 (mil) estudantes identificados,

ocorreu também, na produção acadêmica sobre o tema.

44

A invisibilidade dos sujeitos com altas habilidades/superdotação, nas pesquisas brasileiras, pode ser verificada

em trabalhos como o de Machado (2007).quando confirma a situação das AH/SD em Manaus: “[...]pela

curiosidade de esclarecer o porquê de, em dez anos de atuação, na Educação Especial, no município de Manaus,

não constar nas estatísticas de atendimento, nenhum aluno identificado com características de altas habilidades,

como também, de não haver nenhum atendimento educacional organizado e em funcionamento para atender esse

alunado até o ano de 2007.” 45Segundo trabalho de Fernandes, Orrico, Redig e Alcântara (2009)

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O crescimento do número de alunos, nos primeiros quinze anos, do século XXI, que

saltou de cerca de 1.000 identificações, no ano 2.000, para pouco mais de 13.000, em 2016, foi

verificado, também, na produção acadêmica sobre o tema, que apresentou um crescimento

considerável e, hoje, temos grupos de pesquisa e programas de pós-graduação46 dedicados às

AH/SD, em universidades como: UNB, UFSCAR, UEL, UFPR e UFSM, além de

pesquisadores espalhados, praticamente, por todas as regiões brasileiras, com destaque para a

evolução dos números, a partir de 2.010.

Cabe destaque, para o fato deste crescimento ter ocorrido em um período, com algumas

movimentações do governo federal na área, como a criação de legislação sobre a temática e

criação de centros de atendimento às AH/SD, nos estados: NAAHS. Outro fato, que merece

destaque e que parece ter dado impulso, na produção acadêmica, foi a criação, em 2.003, do

Conbrasd (Conselho Brasileiro para Superdotação), entidade brasileira especializada na área e

responsável por organizar a sociedade civil e promover publicações e congressos sobre a

temática.

Após a análise, dos quatro artigos sobre AH/SD, publicados na RBEE, verificamos que

os trabalhos se distribuem entre os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito

Federal e Paraná, analisando as seguintes questões, respectivamente: A necessidade de

programas, que visem ao desenvolvimento das pessoas com altas habilidades e, também, com

sintomas obsessivo-compulsivo; Investigação sobre se os mitos que envolvem os alunos, com

altas habilidades, prevalecem na concepção dos docentes, do ensino fundamental, de uma

escola da rede pública estadual do Rio Grande do Sul em Santa Maria/RS; Comparação das

características de famílias, em situação socioeconômica desfavorecida relacionada ao

desenvolvimento de comportamento de superdotação; O atendimento realizado em salas de

recursos, para alunos com altas habilidades/superdotação, no Paraná.

Durante as pesquisas, constatamos que a existência de estrutura de atendimento aos

alunos alto-habilidosos, no Brasil, é, ainda, fortemente ligada à existência de pesquisadores de

AH/SD, nas regiões onde estes estão localizados. Assim, onde temos grupos de pesquisa e

pesquisadores sobre o tema, geralmente, temos instituições e centros de atendimento aos alunos

com altas habilidades e, por consequência, temos maior número de identificações.

46Se considerarmos que o Brasil possui 183 Programas de Pós-Graduação, em Educação, devidamente

reconhecidos (CAPES, 2012) e, que destes, somente 19 desenvolveram pesquisas sobre ah/sd, constatamos o

quanto ainda é pequeno o interesse por essa temática.(CHACON, 2014, p. 6)

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Portanto, a invisibilidade dos alunos está, diretamente, ligada à invisibilidade

acadêmica, que o tema venha a ter. Onde, praticamente, inexiste, como no caso de São Paulo,

consequentemente, não temos identificações de casos de AH/SD.

Sobre a produção acadêmica na área Anjos (2011) nos traz importante trabalho, em que

analisa a produção acadêmica brasileira, sobre AH/SD, em suas abordagens metodológicas,

epistemológicas, gnosiológicas e teóricas, indicando-nos que a maioria das pesquisas segue

uma abordagem teórico/metodológica, de caráter fenomenológico-hermenêutico e afirma:

De um modo geral, as pesquisas apresentaram, em comum, propostas baseadas na

avaliação de programas, ou projetos, que prestavam atendimento às pessoas com altas

habilidades/superdotação [...] Por meio da análise, das pesquisas classificadas como

fenomenológicas/hermenêuticaspodemos verificar que as mesmas caracterizam-se

por descrever eclassificar o fenômeno, no intuito de apreender as essências absolutas

das coisas, interpretando o sentido das palavras, das leis e dos textos. Portanto,

percebemos,naspesquisas analisadas, que não há uma análise, aprofundada, para

compreender osfenômenos e os documentos legais são bastante presentes nos estudos,

muitas vezesservindo de aporte teórico.(ANJOS, 2011)

Segundo Anjos (2011), parte considerável das pesquisas, na área, trabalham com a

análise de projetos e programas voltados, ao atendimento de pessoas com AH/SD; ou, com o

desenvolvimento de modelos de identificação e descrição/análise de casos, particulares, de

sujeitos alto-habilidosos.

Em relação as concepções teóricas, das pesquisas analisadas por Anjos (2011), o único

consenso é a presença de Renzulli, em todos os trabalhos, devido a sua proposta de atendimento,

via enriquecimento curricular.

Sua “Teoria dos Três Anéis”é a mais aceita, quando falamos em AH/SD. JosephRenzulli

é pesquisador das AH/SD, desde a década de 1970, e professor da Universidade de Connecticut,

junto a, também, pesquisadora da área, a professora Sally Reis.Ambos dirigem o NEAG, núcleo

especializado na formação de professores e pesquisadores, e que, também, desenvolve materiais

didáticos e modelos de atendimento, para enriquecimento curricular47 aos alunos alto-

habilidosos.

Segundo Renzulli (2004), a “ Teoria dos Três Anéis” explica e compreende as altas

habilidades, como o conjunto das seguintes características: habilidade acima da média, em

alguma área do conhecimento; comprometimento com a tarefa e criatividade. Tais

características não precisam, necessariamente, ocorrer nos indivíduos com simultaneidade e na

47Em relação aos enriquecimentos, método utilizado pelo PAPAHS, diversos autores indicam características e

maneiras de organização. No Brasil, o referencial teórico utilizado pela maioria dos pesquisadores é o de Renzulli

(2004), o autor aponta a necessidade de modificações de processos e de produtos para alunos com AH/SD.

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mesma proporção, mostrando que o autor tem atenção para fenômenos sociais, que, muitas

vezes, são negligenciados em outras pesquisas.

Tais características, quando apresentadas por um indivíduo, deveriam chamar a atenção

dos educadores, para possíveis casos de AH/SD, Fernandes (2012, p. 5), mostra-nos que para

Renzulli, AH/SDéum comportamento desenvolvido, em algumas pessoas, conforme

determinadas circunstâncias, e em determinadas situações. Ou seja, as AH/SD são muito mais

complexas que a simples condição natural de nascimento, com um talento inato, como podemos

ver:

Renzulli analisa a superdotação como um comportamento, que pode ser desenvolvido

em algumas pessoas (naquelas que apresentam alguma habilidade superior à média da

população), em certas ocasiões e sob certas circunstâncias (e não em todas as

circunstâncias da vida de uma pessoa). Segundo a teoria deste autor, ao considerar a

superdotação como um comportamento a ser desenvolvido, é possível que crianças

desenvolvam e apresentem comportamentos de superdotação, ao receberem estímulos

pedagógicos diversos, que potencializem suas habilidades.(FERNANDES E. M.,

2012, p. 5)

Cabe destacar, que o principal teórico da área, atualmente, indica que as influências do

meio e os estímulos são decisivos, no desenvolvimento dos talentos, mesmo daqueles

indivíduos mais capazes, para Renzulli (2014, p. 75): “a maré alta é boa para todos”, isto é, toda

vez que o ensino pauta-se no desenvolvimento e aprimoramento das capacidades e

potencialidades do ser humano, todos se beneficiam”.Indicando que, quando temos programas

de enriquecimento curricular, para alunos com AH/SD, todos os demais estudantes acabam

beneficiando-se.

Segundo Pérez (2009, p. 4), entre os anos de 1971 e 2008, foram realizados 55

(cinquenta e cinco) eventos técnico-científicos, da área de altas habilidades/superdotação, no

Brasil; a grande maioria tendo sido resultado, quase que exclusivamente, do esforço das

associações representativas, que buscam parcerias com órgãos educacionais do país e

instituições de ensino superior e da iniciativa privada, para sua realização.

Desta forma, a sociedade civil organizada, por meio de pesquisadores e familiares, teve

papel decisivo, no desenvolvimento da área, devido a pouca iniciativa/interesse dos órgãos

governamentais, no tema. Assim, em um período de 37 (trinta e sete) anos, verificamos que

tivemos menos de 2 (dois) eventos, por ano, para todo o Brasil, indicando as dificuldades da

área, em romper com a invisibilidade, mesmo do ponto de vista acadêmico.

Fato indicativo de que o campo das AH/SD encontrou grande dificuldade em se

consolidar, enquanto área de pesquisas e foco de interesse da educação brasileira. Trazendo de,

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antemão, um dos fatores, que pode nos ajudar a entender o motivo da invisibilidade dos alunos

AH/SD, por muito tempo e mesmo na atualidade, o tema foi invisível na academia.

A característica notável, que indica este isolamento da área em relação às pesquisas, em

educação, pode ser verificada, após a leitura de centenas de trabalhos, de diversos estados, e

constatar o pequeno número de trabalhos, que trazem citações, referências, ou estabelecem

debates com obras de pesquisadores, da área da educação, que não as específicas sobre AH/SD.

Quando muito, algumas referências protocolares a estudos da Educação Especial e, assim,

textos sem qualquer vínculo com as outras realidades sobre a escola, como: aprendizado,

indisciplina, currículo, vão sendo produzidos como se não se relacionassem com a instituição

escolar e, em nossa opinião, talvez, este seja um dos grandes motivos para a invisibilidade

constituir-se como algo tão poderoso. Ainda, que alguns dos maiores teóricos da área alertem

sobre a situação, como o faz Guenther(2006, p. 40):

A primeira frente de batalha para os educadores está na barreira cultural erguida pela

“homogeneização e massificação”. Receio que a escola inclusiva não possa

sobreviver, se as raízes profundas, que asseguram o modo de viver na cultura

ocidental, não forem desocupadas, como diria Paulo Freire; e abaladas pela prática

efetiva da educação inclusiva. A revisão de paradigmas tem que ir além do alcance

da sala de aula e da instituição escola, abrangendo gradual, mas, irreversivelmente, a

comunidade e toda a sociedade. (GUENTHER, 2006,p.40).

4.1.1- As AH/SDe seus Estudos, na Educação Brasileira

Os estudos sobre as AH/SD, no Brasil, têm uma história relativamente longa, já que no ano

de 2014, completou 90 anos, do primeiro trabalho, brasileiro, sobre o assunto.

Em 1924, o psiquiatra e pedagogo, Ulisses Pernambucano, publicou relatório indicando

a seleção e separação dos alunos “bem-dotados” e, ao longo da década de 1920, alunos do

Instituto de Psicologia de Recife, desenvolveram estudos, com a aplicação de testes, para a

identificação de alto-habilidosos entre os estudantes do Ginásio de Pernambuco, da Escola

Normal de Pernambuco e da Escola Normal Pinto Júnior.

Os estudos de Ulisses Pernambucano somados aos de Helena Antipoff, pesquisadora

russa, que chegou ao Brasil, em 1929, após convite do governo mineiro, como nos mostra

Martins (2013, p.19)são considerados os pioneiros na área, em terras nacionais; demonstrando

uma história considerável de trabalho e pesquisa sobre o tema.

Mas tal história não chegou a ser acompanhada pela curiosidade acadêmica, nem pelo

interesse governamental, este último adotaria as primeiras medidas sobre as AH/SD, quase, 40

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(quarenta) anos depois, mostrando que o primeiro grande dilema da temática foi a superação da

invisibilidade, enquanto problema teórico-científico, e como foco de interesse, do Estado.

Em Novaes (1979), temos a informação de que do ponto de vista das publicações,Kaseff

e Pinto são os responsáveis pelas primeiras obras, na área. Em 1931,

Kaseffpublicou:“Educação dos Supernormais”48, conjuntamente, com uma conferência sobre

o tema: “Seleção e Educação dos Supernormais”, proferida no II Congresso Nacional de

Educação, realizado em São Paulo. Enquanto Pinto editou: “O dever do Estado na assistência

aos mais capazes”, em 1932e “O Problema da Educação dos Bem-Dotados, em 1933”.

Antipoff, desde sua chegada ao Brasil, iniciou seus trabalhos com crianças

superdotadas, tendo introduzido o termo excepcionais para se referir a aqueles, que tinham

alguma necessidade diferente de aprendizagem, fossem: deficiências físicas, sensoriais,

transtornos de desenvolvimento ou superdotação, como nos demonstra Rangni (2012).

Ainda, segundo Rangni (2012), Helena Antipoff desconfiou da pertinência dos estudos

de Lewis Treman, que indicava que as pessoas superdotadas teriam origem, nas classes média

e alta. Deste modo, Antipoff procurou viabilizar atendimento aos alunos, com AH/SD, nas

camadas populares, sobretudo, oriundos do meio rural e, em 1945, reúne alunos na Sociedade

Pestalozzi, para estudos aprofundados em música, artes e literatura e, em 1962, começou o

trabalho com estudantes superdotados do meio rural, na Fazenda do Rosário, no município do

Ibirité, em Minas Gerais49.

4.1.2- Como “Nomear” e Atender o Indivíduo que se Destaca?

Um olhar sobre estas primeiras publicações, já nos indica alguns dos desafios, que

acompanhariam a área de pesquisa, ao longo de sua História, a dificuldade com a variedade de

conceitos utilizados, como: “bem-dotados”; “supernormais”; “mais capazes” e “excepcionais”,

48

Sobre os supernormais Kassef indica como a escola de massas tem dificuldades em atender a este público: “Os

supernormais quase nada aproveitam nas escolas ordinárias, pois,atravessam as várias classes, sem penetrar no

âmago da escola. Mal deslizam sobre os bancos, tão fáceis lhes são os movimentos de reação para o mais completo

êxito de notas e de prêmios. A escola comum, para essas crianças, é um rolo compressor. Impossível se torna a

expansão de suas aptidões, sufocam ansiando por horizontes claros, estiolam por fim” Novaes (1979, p. 78).

Posição que verificamos nas falas de alguns teóricos e mesmo em centros de atendimento a alunos com altas

habilidades/superdotação, que deixam claro como estes estudantes “perderiam tempo”, em suas experiências

escolares. 49Alencar e Fleith (2001), apresentam os primórdios da educação de superdotados na fazenda do Rosário realizados

por Helena Antipoff

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aponta uma dificuldade com os termos e seus significados, que seguiriam os pesquisadores

desde o passado, até os dias atuais50.

No debate sobre os motivos de termos um número tão reduzido de alunos alto-

habilidosos, identificados no Brasil, a professora ZenitaGuenther, pesquisadora da área e

presidente do CEDET-Lavras, é uma voz destoante, em relação às concepções baseadas nos

mitos sobre AH/SD e na falta de formação docente. Sua análise baseia-se na hipótese de que a

invisibilidade ocorre no Brasil, mas também, em outros países, devido à tradição de utilizarmos

uma miríade de termos e expressões para nos referirmos ao público com AH/SD, que em geral,

baseiam-se em concepções equivocadas e terminam por gerar confusão e insegurança entre os

docentes.

A posição de Guenther, destoa da explicação aceita, pela maioria dos especialistas na

área, gerando polêmica e disputa entre os grupos de pesquisa sobre o tema, onde congressos,

livros, artigos, palestras e toda uma sorte de atividades científicas sãomarcadas pelo debate

sobre qual seria a terminologia adequada, para os alunos com AH/SD.

Para Guenther, o uso de termos, demasiadamente amplos, como: superdotação, altas

habilidades e talento não partem de concepções científicas, mas, sim, de arranjos para se

adequar às concepções do senso comum. Estes são seguidos por terminologias criadas,

especificamente, no Brasil, como a expressão altas habilidades/superdotação. Estas definições

e conceitos utilizados, em trabalhos científicos e, em textos governamentais, como publicações

do MEC e na própria legislação, são incorporados pela mídia e difundidos para o senso comum,

contribuindo para a criação de ainda mais dúvidas e incertezas, fazendo com que, o docente não

identifique os estudantes, com perfil de AH/SD.

A pesquisadora do CEDET trabalha, a partir de uma concepção teórica de altas

habilidades distinta da aceita pelo MEC e, pela maioria dos pesquisadores. Na verdade, o debate

sobre qual a melhor terminologia a ser usada, oculta um debate teórico feroz a respeito da

explicação do fenômeno.

Enquanto a maioria dos pesquisadores, atualmente, prefira uma explicação que combine

genética e causas ambientais, para entender o fenômeno e evitar a disputa entre geneticistas x

50A dificuldade em se utilizar uma terminologia única para o fenômeno, também se verifica, internacionalmente,

como destacam Fleith e Alencar (2001): ‘habilidades especiais’ e ‘alunos mais capazes’ (Austrália), ‘supernormal’

(China), ‘crianças excepcionais’(Indonésia), ‘mais capazes ou altamente capazes’ (Inglaterra),‘sobredotados’

(Portugal), ‘dotado’ traduzido do gifted(EUA). As referidas autoras chamam a atenção para a confusão, de muitos

especialistas, entre os termos superdotado e talentoso.

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ambientalistas, Guenther, ainda que reconheça o papel das influencias ambientais, é categórica

na apologia da genética, no processo de constituição das capacidades humanas.

Discípula das teorias de FrancoysGagné, para o tema da superdotação, ZenitaGuenther

é crítica da concepção teórica de Joseph Renzulli e, assim, contesta a teoria mais utilizada e

aceita por pesquisadores brasileiros, fazendo com que esta seja, praticamente, um outsider, no

campo das pesquisas em superdotação.

Segundo Guenther, a preferência de pesquisadores e governos pelas teorias de Renzulli

e, especialmente, por determinadas terminologias, que evitam reconhecer a preponderância da

genética, são baseadas em posicionamentos ideológicos Guenther e Rondini (2012, p. 3) e não

científicos, sobre a questão do talento humano.

Baseada em estudos de Plomin (1983),Howe, Davidson e Sloboda (1998) e Gagné(

1999), Guenther, em suas pesquisas, trabalha com a ideia de distinção entre aptidão e talento,

defendendo que: “Pelos estudos revistos e analisados por esses pesquisadores, estabeleceu-se

que aptidão indica capacidade natural, própria do indivíduo, enquanto desempenho refere-se

às competências adquiridas por aprendizagem intencional, ensino e treino.”.

A distinção entre dotação e talento, busca a diferenciação entre o que seria de origem

inata e o que poderíamos moldar, a partir de treino e ensino, levaria a constituição de uma

perspectiva oposta a utilizada, por grande parte dos pesquisadores, na área e, consequentemente,

ao uso de termos distintos, ainda sobre a questãoGuenther e Rondini(2012, p. 5) nos esclarece:

Howe, Davidson e Sloboda (1998), que põem em dúvida a existência de dotes ou dons

naturais, propondo o que chamam talento inato, com cinco características: (1)

Originado em estruturas geneticamente constituídas; (2) Efeitos completos podem não

se evidenciar ao início da vida; (3) Indicações de talento na infância podem dar base

para previsão de excelência futura; (4) Existe somente em uma minoria da população;

(5) É relativamente específico a determinado domínio.

Nesta concepção, dotação estaria ligada ao termo dom, ou dote, das expressões em

inglês Gift51 e Gifted, com direta relação à noção de algo inato, natural, com que os indivíduos

nasceriam e que, aprimorariam, ao longo da vida. Talento, nesta perspectiva, seria algo ligado

à aprendizagem, treinamento e, por isto, com ligação à cultura e as interações sociais dos

indivíduos, demonstrando-se no desempenho.

Guenther, rejeita os termos superdotação e altas habilidades, apresentando argumentos,

que vão desde a crítica a erros de tradução, das expressões, Gifted e High Ability,traduzidos,

51Em português, giftsignifica “presente”, “dádiva”; no sentido usado em inglês, uma tradução literal seria “dom”.

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no Brasil, por superdotados e altas habilidades52, que segundo ela, é um equívoco.Enfatizando

também, questões teóricas como a noção de habilidade contestada pelo argumento de que

habilidades são produzidas historicamente e socialmente e, assim, deixando de lado a

participação da genética, utilizando, desta forma, a expressão altas capacidades. Segundo

Guenther (2012), esta dificuldade em definir o termo adequado, levaria ao quadro de

invisibilidade, que temos e destaca:

De fato, pode-se observar o cenário geral, relativamente, obscuro, na conceituação de

dotação e talento, dois construtos básicos à educação especial para alunos mais

capazes, de sorte que pode trazer perplexidade, a quem está estudando um assunto,

verificar que a utilização de duas palavras diferentes não significa presença de dois

conceitos diferenciados. Mas, ao que parece, o caos é agravado, no cenário brasileiro,

com instruções oficiais e publicações acadêmicas, que também dificultam clarear os

conceitos, por usar uma terminologia própria, com termos vagos unidos por barras,

sem significação específica, como superdotação/altas habilidades, substituindo ou, no

mínimo, confundindo os construtos estabelecidos pela pesquisa. Guenther e

Rondini(2012, p. 12)

Consideramos ingênua a posição que entende que a invisibilidade, dos alunos

superdotados, deva-se, a uma disputa de termos. O fato de palavras distintas serem usadas, não

faz com que os professores não percebam um aluno, que se destaque, em meio a tantos casos

de dificuldades, de aprendizado. As razões, para que estes alunos não sejam encaminhados e

identificados, são mais profundas, que a utilização de termos adequados.

A disputa terminológica sobre a questão camufla um ponto fundamental, da área das

AH/SD e, da educação, como um todo. Os seres humanos nascem, com seu potencial intelectual

herdado, geneticamente, ou somos fruto, como diria Vygotsky, de interações dialéticas entre

nossa subjetividade e as condições objetivas, conforme a sociedade e posição, em que nascemos

e vivemos?

Em nossa pesquisa, consideramos que seja importante superar questões léxicas e

semânticas, em nome de, efetivamente, refletirmos sobre a situação de tantos alunos, que têm

seu direito ao atendimento educacional especializado, negado, bem como, sobre os

ensinamentos que o trabalho, com os estudantes com AH/SD e a reflexão sobre sua

invisibilidade, poderiam trazer para os ambientes escolares.

52 “Pelo que se pode inferir, a confusão na terminologia brasileira parece ter iniciado pela inserção do prefixo

super, na tradução dos termos americanos giftednesse gifted, que significam, literalmente, dotação (gift:prenda,

presente; ness: essência, natureza) e dotado (tem dotação). O termo superdotação foi mal aceito, nos meios

educacionais. Para amenizar o efeito, buscou-se a expressão inglesa high ability, em português, capacidade

elevada, a qual, mal traduzida para altas habilidades, perdeu a essência do conceito..”Guenther e Rondini(2012, p.

13)

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Deste modo, adotaremos os termos superdotado, altas habilidades, mais capazes,

talento, como sinônimos, para conseguir que um número maior, de professores, sinta-se

incluído, nos debates sobre o tema, baseando-nos, na definição de Sternberg (1981), que

considera o termo altas habilidades, equivalente ao vocábulo superdotação.

Durante muito tempo, os termos superdotação e talento foram utilizados para designar

tipos de habilidades distintas e conviveram de modo conflitante. O talento era usado para

descrever aqueles que possuíssem habilidades, superiores, consideradas artísticas e

superdotado, apenas, para aqueles que apresentassem habilidades notáveis, nas áreas,

tipicamente, escolares, como: matemática ou ciências. Essa situação colaborou para que

existisse maior confusão a respeito da terminologia a ser empregada e, atualmente, é

considerada equivocada, tanto pela legislação, como por especialistas como Guenther(2000).

Conforme Rangni (2011, p.5), o termo superdotado foi o adotado pela legislação

brasileira, por mais de 2 (duas) décadas, no período de 1971-1996, quando surgiu, pela primeira

vez, na LDB, até a publicação da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. Neste período, superdotado

consolidou-se como termo hegemônico, no campo da educação e no senso comum, para nos

referirmos aos alunos com AH/SD.

Apenas em 1996, a legislação incorporou o termo altas habilidades, que vem da

terminologia utilizada na Europa, pelo Conselho Europeu de Superdotação ‘High Abilitity’ que,

em português, traduziu-se por ‘altas habilidades’, como sinônimo de superdotação. Novamente,

gerando polêmicas em torno do uso do termo e de sua tradução, que segundo alguns

pesquisadores, como Guenther(2000)contribui para equívocos.

Este foi um dos primeiros pontos, que questionamos como explicação para a

invisibilidade das AH/SD, no interior das escolas. Parecia-nos estranho, que os professores, na

realidade concreta, deixassem de identificar seus melhores estudantes, porque simplesmente

haveria uma disputa acadêmica, pela melhor terminologia. Tal concepção não fazia sentido e

fomos à pesquisa de campo, para confirmar/refutar tal hipótese.

Em estudo elaborado por Rangni (2011, p.5) são levantados os termos utilizados pelos

pesquisadores da área, no período de 2000 a 2013, para se referirem ao público com AH/SD e,

por meio deste, temos a possibilidade de verificar a variedade de terminologias utilizadas e seus

impactos, na constituição da área como campo de pesquisas.

De um modo geral, os termos variaram, ao longo do período, de “portador de altas

habilidades” utilizado por Freitas e Mettrau (1997), para as expressões, “pessoas com

altas habilidades” e “alunos com altas habilidades”, sem que, nunca, os termos talento,

ou superdotado tenham deixado, completamente, de ser usados. A partir de 2005,

teremos autores como Fleith (2005) usando a expressão “alunos com altas

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habilidades/superdotação”, enquanto Guenther passou a utilizar os termos “dotação e

talento”.

A maioria dos pesquisadores entende os problemas desta variedade de termos e, tem

poucas esperanças, na constituição de uma linguagem única para o assunto, diante da

quantidade variada de perspectivas e posições teóricas sobre a questão. Compreendem que

existem problemas, em termos como superdotação, que leva a equívocos e cria resistências

entre os educadores, mas preferiram manter o termo, por exemplo, quando da fundação do

ConBraSD, pois entendem que o termo superdotação53, com todos os problemas, tem a

vantagem de já fazer parte do linguajar dos educadores brasileiros e da população como um

todo, contribuindo, ao menos, para que se tenha uma aproximação inicial com as pessoas.

Outra contenda, que segue atual da área e que pode ser observada, desde os primórdios

das pesquisas com o tema, é sobre o tipo de atendimento adequado, ao público em questão, com

Pernambucano (1930), Kassef (1931) e Pinto (1932) defendendo, abertamente, a seleção e

separação dos alunos com AH/SD, daqueles considerados normais, propondo assim, a quebra

de um dos princípios organizativos, da educação republicana, o mito da escola única.

Objetivamente, as propostas de segregação nunca ganharam apoio concreto dos

governos, seja pelo reduzido apoio dos educadores, seja por ser medida dispendiosa. Um país,

que apenas, a menos de duas décadas, conseguiu garantir escola, ainda que de péssima

qualidade, a todas as crianças do ensino fundamental, que está longe de universalizar o ensino

médio e infantil, não despenderia recursos para criar escolas diferentes aos alto-habilidosos, ou

pelo menos, não, aos que fossem pobres.

Os intensos debates sobre as teorias da inteligência, somados aos traumas causados pelo

efeito prático das teorias eugenistas, durante as décadas de 1930 e 1940, talvez, sejam parte do

caminho para a compreensão do porquê este não foi um tema, que interessou pesquisadores e

educadores brasileiros. Como muitas teorias, para a explicação das AH/SD, eram, fortemente,

baseadas em concepções, que tinham influência em teóricos da eugenia, poucos pesquisadores

e governos quiseram se associar ao tema; especialmente, quando os próprios pesquisadores da

área defendiam a segregação dos mais capazes.

O próprio caráter seletivo e excludente da escola pública, brasileira, fazia com que

outros problemas considerados, mais urgentes, tomassem as atenções do Estado e da Academia.

53

Sobre os problemas que o termo superdotado traz, Alencar e Fleith (2005) apontam para a inadequação do termo

“superdotado”em função do prefixo “super”, que expressa a idéia de rendimento acadêmico excepcional alto, nas

diversas áreas do conhecimento.

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Assim, a estrutura da sociedade, a capacidade do Estado e a própria forma como se organizavam

as pesquisas científicas, tornaram o tema invisível.

A produção acadêmica sobre AH/SD, conheceu um declínio, ao longo das décadas de

1940, 1950 e 1960, voltando a contar com publicações, apenas, na década de 70, após diversas

ações estatais, da sociedade civil e da comunidade acadêmicas. Ainda assim, na década de 1970,

apenas 3 (três) livros foram publicados: “O aluno bem- dotado”Scheifele (1967); “Psicologia

dos superdotados” Rosenberg (1973) e “Desenvolvimento Psicológico do Superdotado”

Novaes (1979).

Na década de 1980, tivemos apenas quatro livros publicados: “Os superdotados”Salles

(1982); “Psicologia do Superdotado”Alencar (1986); “Uma bibliografia anotada - Artigos dos

Anais dos Seminários da ABSD54”ABSD(1987) e “Superdotados: Quem são? Onde estão?”

Santos (1988), indicando a tradição, de termos poucas obras publicadas sobre a área e a

consolidação da expressão superdotado, como a mais utilizada.

Outro ponto importante, é a consolidação neste período, do termo superdotado (para se

referir aos alto-habilidosos), uma “tradução” do termo em inglês “gifted”, que além de conter

problemas, como os indicados por Guenther(2006), trazem em si a noção de dote, presente,

inatismo, ideias baseadas na ideologia do dom e que foram, contestadas e criticadas pelos

estudiosos da escola reprodutivista e do fracasso escolar, como: Bourdieu, por exemplo, o que

fez com a área encontrasse, ainda, mais dificuldades em se afirmar como campo legítimo, da

produção intelectual e das preocupações educacionais.

Nos anos 1990, tivemos, novamente, quatro livros publicados sobre o tema: “A

educação do bem-dotado”Antipoff(1992); “Superdotados e psicomotricidade: um resgate à

unidade do ser”Prista (1993); “Nos bastidores da inteligência”Mettrau(1997) e “Talento e

Superdotação”Novaes (1995).

A partir do ano 2000, a área conheceu um grande crescimento, na produção científica,

que acompanha o aumento do número de medidas governamentais, sobre temática e a expansão,

no número de alunos identificados, na realidade brasileira55, inaugurando, praticamente, o

54ABSD - Associação Brasileira para superdotados. 55

“São onze livros lançados até 2009: Educando os mais capazes: Ideias e Ações Comprovadas (FREEMAN e

GUENTHER, 2000); Desenvolver capacidades e talentos (GUENTHER, 2000); Inteligência: patrimônio social

(METTRAU, 2000); Criatividade e Educação de Superdotados (ALENCAR, 2001); Superdotados: Determinantes,

educação e ajustamento (ALENCAR e FLEITH, 2001); Talento e Superdotação: Problema ou solução?

(SABATELLA, 2005); Educação e Altas Habilidades/Superdotação: a ousadia de rever conceitos e práticas

(FREITAS- Org.- 2006); Capacidade e Talento: um programa para a escola (GUENTHER, 2006)

Desenvolvimento de Talentos e Altas Habilidades: Orientação aos pais e professores (ALENCAR e FLEITH –

Org.- 2007); AltasHabilidades/Superdotação: encorajando potenciais (VIRGOLIM –Org.- 2007); A construção de

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campo das AH/SD, como a área de pesquisa científica, mais disseminada. Ou seja, até o início

do século XXI, se por um lado, estudantes com AH/SD eram invisíveis, por outro, a produção

científica sobre o tema, praticamente, não existia, com a exceção de uns poucos trabalhos de

desbravadores.

4.1.3 –As AH/SD como Problema de Pesquisa e a Produção da Invisibilidade

As teses dos mitos sobre AH/SD, e da falta de formação docente, como explicação para

a invisibilidade, perde força, quando olhamos a disponibilidade de acervo sobre o tema, nas

bibliotecas brasileiras.

Em levantamento realizado por Pérez (2009, p. 8)56, fica a conclusão da autora, quanto

ao reduzido número, de instituições brasileiras, que possuem obras sobre AH/SD. Grandes

instituições brasileiras, como: UFRJ, UERJ, UNB e PUC-SP não possuem, sequer, 30 (trinta)

exemplares, diferentes, em seus acervos. Ou seja, como falar em falta de formação docente,

quando, sequer,possuíamos produção acadêmica sobre o assunto?

Segundo Pérez (2009, p. 9), a produção científica brasileira, entre (1987 -2007)

registrada no Banco de Teses da Capes, confirma nossa hipótese de invisibilidade, no mundo

acadêmico, que se reflete na realidade das escolas, segundo a autora:

O fato mais notório é que existem apenas 7 teses de Doutorado e 50dissertações de

Mestrado, com foco explícito na área, defendidas no período, em todo o País, o

querepresenta menos de 4%, das 166 teses e menos de 7%, das 786 dissertações já

defendidas sobre Educação Especial. Das sete teses [...] , A primeira foi defendida na

década de 80 e as demais, na primeira década, de 2000. Das dissertações [...], A

primeira foi produzida na década de 80; 10 na década de 90 e as 39 restantes, na 1ª

década de 2000, [...]. (PEREZ S. G., 2009, p. 9)

práticas educacionais para alunos com Altas Habilidades/Superdotados (FLEITH -Org.-, 2007)” (PEREZ S. G.,

2009, p. 7) 56“A escassez de publicações fica evidente, quando se procura material bibliográfico sobre AH/SD, nas bibliotecas

brasileiras”

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A reduzida quantidade de estudos reflete-se, como um todo, no campo de conhecimento

envolvido, indicando reduzidos grupos de pesquisa57, poucos orientadores especialistas no

assunto e, também, recursos escassos para estudos da área58.

A concentração de trabalhos, apenas, a partir do ano 2000 e sua convergência, em

estados, onde temos a presença de pesquisadores renomados, como Napoleão e Perez, no Rio

Grande do Sul; Fleith, Virgolin e Alencar, no Distrito Federal; Delou e Mettrau, no Rio de

Janeiro, mostram-nos uma dependência, da existência de pesquisadores, que concentrem os

esforços de toda uma região. Como nos indica Pérez (2009, p. 11): “A pesquisa e a produção

científica, nas universidades brasileiras, corroboram com crescimento da área, mas também,

revelam escassez de oferta de linhas de pesquisa e de cursos na área, com uma concentração

marcada, em poucos estados brasileiros”

A invisibilidade do tema, na produção acadêmica brasileira, evidencia-se de maneira,

ainda, mais contundente, quando analisamos o número de trabalhos apresentados na ANPED

no GT15, que trata, especificamente, da produção acadêmica sobre Educação Especial, Pérez

(2009), analisou os trabalhos apresentados entre os anos de 1991 e 2008, constatando que de

um total de 264 (duzentos e sessenta e quatro) trabalhos apresentados, em 18 (dezoito) anos,

apenas,4 (quatro), contemplam o tema das AH/SD. Durante nossa participação, na ANPED-

Sudeste de 2014, verificamos que dentre os mais de 900 (novecentos) trabalhos apresentados,

apenas,2 (dois) eram ligados as AH/SD, demonstrando que a invisibilidade, antes de tudo, tem

um aspecto científico.

Em estudo, que realiza um profundo levantamento, na área das AH/SD, no período de

1987-2011, Martins e Chacon (2014), realizaram análise dos trabalhos, a partir de categorias,

que possibilitassem agrupá-los, conforme seus problemas de pesquisa e temas de interesse; este

estudo permite-nos verificar, como a produção teórica, na área, entende o tema e indica-nos

caminhos para reflexão, a respeito da relevância que a produção intelectual tem, na produção

57 “Os grupos de pesquisa que incluem a linha de AH/SD são 7, concentrados em 4 estados (DF, RS, RJ e SP):

Inteligência e criação: práticas educativas para portadores de altas habilidades, formado em 1995 e liderado pela

dra. Christina Cupertino (UNIP); Processos Criativos e Superdotação, formado em 2000 e liderado pelas dras.

Eunice Alencar e Denise Fleith (UCB); Educação Especial: Interação e Inclusão Social, liderado pela dra. Soraia

Freitas (UFSM) e Talento e Capacidade Humana na Sociedade e na Educação, liderado pela dra. Cristina Delou

(UFF), ambos formados em 2002; Educação para a Saúde e Educação Inclusiva, liderado pelo dr.ClausSöbäus

(PUCRRS) e Criatividade e Inovação nas Organizações, liderado pela dra. Maria de Fátima de Faria (UnB),

formados em 2006 e Moral, Inteligência e Altas Habilidades, formado em 2007, e liderado pela dra.MarsylMettrau

(Universo)” . (PEREZ S. G., 2009, p. 10) 58 “Dentre os poucos programas existentes nas Universidades, destacamos o trabalho coordenado por Eunice Maria

Lima Soriano de Alencar sobre criatividade, na UnB e o da professora MarsylMettrau, realizado na Universidade

do Estado do Rio de Janeiro.” (CAPELLINI, 2005, p. 8)

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da invisibilidade dos estudantes, com AH/SD. Em relação às categorias, em que podemos

organizar os trabalhos na área, Martins e Chacon(2014, p. 6) nos dizem:

A fim de identificar os assuntos abordados nas investigações, criamos 14 categorias,

a partir da análise dos títulos e dos resumos. Essas categorias são: identificação ou

caracterização de alunos, com altas habilidades/superdotação;características

desejáveis, formação e concepção de professores; salas de recursos, modelos e

programas de atendimento especializado; práticas pedagógicas, ou metodologias de

ensino; análise documental e pesquisa bibliográfica; inclusão do aluno com altas

habilidades/superdotação, na classe regular; adultos com altas

habilidades/superdotação; percepções e opiniões de pessoas com altas

habilidades/superdotação;altas habilidades/superdotação associadas a outras

necessidades educacionais especiais; o fenômeno bullying; pais e famílias de pessoas

com altas habilidades/superdotação; processos de aprendizagem do aluno, com altas

habilidades/superdotação;precocidade; o brincar [...].

Curiosamente, apesar de atendermos, apenas, 0,1% da demanda das pessoas, que em

potencial, enquadrar-se-iam no público AH/SD, não temos trabalhos, que se proponham a

refletir sobre os motivos, de tamanha invisibilidade.

Capellini é uma das raras pesquisadoras, que se propõe a analisar a situação de

invisibilidade e se questionar, profundamente, sobre os motivos desta situação. Em

Capellini(2005), a autora propõe um levantamento sobre o número de estudantes, do ensino

fundamental, com AH/SD, ou identificados pelos professores, como talentosos, na região de

Bauru. A pesquisadora realizou seu estudo, em 1.408 salas de aula, do 1° ao 8° anos; utilizando

os questionários desenvolvidos por Guenther, no CEDET-Lavras, para a identificação de alunos

talentosos, questionando, também, se estes alunos recebiam qualquer tipo de atendimento

ofertado pela rede pública de ensino, chegando as seguintes conclusões:

Assim, 958 questionários, o equivalente a 68% do total, dos enviados, foram

tabulados. Os dados mostraram que dos questionários respondidos, 59% dos

professores afirmaram não terem alunos considerados talentosos e ao responderem as

questões, indicando os dois alunos (o primeiro e o segundo), que mais se destacavam

entre os demais, 79% fizeram as indicações de cinco e/ou seis alunos, alternando-os.

(CAPELLINI, 2005)

Confirmando a invisibilidade, dos alunos alto-habilidosos, na região de Bauru, de modo

análogo, ao que verificamos na Baixada Santista e, comprovando que os professores possuem

muitas dúvidas, quanto às altas habilidades, ainda, que consigam identificar alunos talentosos

e indicá-los.

Para termos uma ideia do quadro de invisibilidade, apenas 41% dos professores, que

participaram da pesquisa de Capellini(2005), disseram ter alunos talentosos. Não se tratava de

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crianças identificadas, como superdotadas, comprovadamente, bastava dizer se havia em suas

turmas, alunos talentosos e indicar os mais destacados, em cada área e, mesmo assim, 59%

respondeu, negativamente.

A situação fica ainda mais grave, quando consideramos que de um universo, que

abarcava mais de 39.000 (trinta e nove mil) alunos, ter, somente, 370 (trezentos e setenta)

indicados, com, apenas, 6 (seis) recebendo algum tipo de atendimento especializado; sendo que,

destes 370 indicados, 61% eram do sexo masculino, confirmando, que dentre os invisíveis, as

mulheres são, ainda, mais vítimas, deste processo de negação, dos seus talentos.

Outro ponto importante e que nos diz muito, sobre a percepção dos docentes, em relação

aos estudantes, das camadas populares e as AH/SD, é a área em que indicaram haver talentos.

Mais de 20% dos casos, na área de psicomotricidade, como, por exemplo, dança e até mesmo

peão boiadeiro e apenas 7% das indicações, referindo-se aos talentos considerados escolares,

ou intelectuais.

Sobre a situação de invisibilidade, dos alunos com AH/SD, Marques (2011), em estudo

sobre o tema, na região de Jaboticabal, interior de São Paulo, confirma a situação de quase

inexistência de programas de atendimento no Estado de São Paulo:

Para o objetivo de atender aquele público, naquele momento, era importante saber

mais, mas não encontrei nada, qualquer conhecimento produzido, sobre crianças com

Altas Habilidades/Superdotação, no interior do Estado de São Paulo. Com relação ao

Estado de São Paulo, como um todo, não havia informação sobre prevalência, ou

atendimento. (MARQUES C. d., 2011, p. 32)

Em seu estudo, na região de Jaboticabal, Marques (2011, p. 32)comoCapellini,

novamente, encontra situação semelhante a vivenciada, na região da Baixada Santista. Nestas

áreas (Bauru, Jaboticabal, Litoral de São Paulo), do mais rico e populoso estado do Brasil, não

havia relatos de alunos identificados, com AH/SD, nas redes de ensino:

A Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Lazer, SECEL, da Prefeitura de

Jaboticabal e a Diretoria Regional de Ensino, com Sede em Jaboticabal, informaram

ao pesquisador, que nos anos de 2007, 2008 e 2009, os coordenadores e diretores, das

escolas da Rede Pública de Ensino, não relataram a presença de nenhum aluno, com

indicadores de altas habilidades/superdotação, em suas escolas [...] A Secretaria de

Educação e a Diretoria de Ensino ofereceram aos professores material sobre o tema.

Mas, nenhuma criança foi indicada pelos professores, para a SECEL, ou para a

Diretoria Regional de Ensino. (MARQUES C. d., 2011, p. 32)

Durante seu estudo, Marques (2011), solicitou aos professores da região de Jaboticabal,

que não tinham nenhum aluno identificado, com AH/SD, que respondessem ao questionário de

indicadores desenvolvido por Virgolim, e, neste caso, de um total de 2.100 (dois mil e cem)

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alunos avaliados, mais de 800 (oitocentos) foram indicados, pelos educadores, como tendo um,

ou mais, indicadores de AH/SD, mostrando que, quando solicitados, os docentes, prontamente,

apresentam os alunos, que consideram mais talentosos.

Gagné(1994), apud Guenther(2006), demonstra que professores são perfeitamente

capazes de detectar os sinais de talento, nas crianças. Porém, a identificação não deve ser

deixada ao acaso ou à intuição do professor, ela deve ser orientada, guiada, organizada e,

relativamente, estruturada. Demonstrando que, sem iniciativas organizadas por redes de ensino

e gestores educacionais, é pequena a chance de um aluno superdotado deixar a invisibilidade.

Ponto interessante que Marques (2011) e Capellini(2005) demonstram em suas

pesquisas, é a tendência dos docentes a indicar um número superior de alunos, do sexo

masculino, com AH/SD, comparado às estudantes do sexo feminino, ainda que, os mesmos

tenham quantidades equivalentes de alunos, mostrando como fenômenos poderosos, envolvem

as concepções sobre a inteligência5960.

Deste modo, que a forma como o campo das pesquisas sobre a temática organizou-se

no Brasil, produziu um isolamento dos estudiosos e defensores das AH/SD, restringindo-se a

pequenos círculos específicos de intelectuais da superdotação61, até o ponto de quase não mais

dialogarem com outras áreas da educação e psicologia, como se o problema não tivesse relação

alguma com a formação do psiquismo humano, com as demandas da escola pública, com o

problema do fracasso escolar, com os estudos de gênero e raça.

Tal isolamento, somado a própria dinâmica de funcionamento da escola, contribuiu para

que uma espécie de lei da inércia, terminasse por fazer com que o colosso chamado escola,

seguisse seu rumo, em direção ao fracasso e a reprodução, condicionando a ação de gestores e

59

Guenther (2006, p.13), propõe a pergunta: “Onde está o talento feminino que deveria constituir pelo menos a

metade das pessoas produtivas [...]?” A autora chama a atenção para o fato de ser menos aparente as ocorrências

de Altas Habilidades/Superdotação em mulheres, do que em homens. Os números relacionados a gênero

mostraram-se muito parecidos com os obtidos em outros trabalhos de pesquisa. 60

Almeida e Capellini (2005), apresentaram a proporção encontrada, em sua pesquisa, de 36% de alunas indicadas

como possíveis talentosas contra 64% de alunos indicados como possíveis talentosos. Números muito próximos

dos nossos 38% de indicadores observados, em meninas, contra 62% de indicadores observados em meninos. E,

também, são números não tão diferentes dos 44% de meninas observadas com um ou mais indicadores e 56% de

meninos observados com um ou mais indicadores. 61

Como forma verificar este quadro de isolamento, destacamos o relato de Rosimeire Rangni sobre sua trajetória

nas pesquisas sobre altas habilidades/superdotação: “Sem finalizar o mestrado, matriculei-me no Curso de

especialização para Dotados e Talentosos, na Universidade Federal de Lavras (UFLA), em 2005, de caráter

semipresencial, o único em andamento no Brasil. Finalizei-o em 2006, com a certeza de que me dedicaria a essa

categoria de necessidades educacionais especiais. Terminei o mestrado, nosegundo semestre de 2005 e, passei a

apresentar os resultados da escassez de reconhecimento e serviços educacionais aos alunos talentosos, no estado

de São Paulo, em congressos e eventos de Educação e Educação Especial e Inclusiva. Averiguei que, em muitos

eventos, minha fala era solitária, quando muito, em eventos maiores, formávamos pequeninos grupos, que se

perdiam em meio à ênfase que se dava, e ainda se dá, à temática das deficiências.”Rangni(2012, p. 19)

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professores de modo que os alunos talentosos se tornassem uma anomalia estatística,

completamente invisível.

Por outro lado, os pesquisadores do campo, cada vez mais distantes da realidade escolar

e educacional, passaram a funcionar como um grupo fechado, falando para si mesmo e para

famílias de jovens, com suspeitas de algum talento especial, ou no máximo, a professores, bem-

intencionados, mas, que ao voltar para as salas de aula, sem nenhum apoio, são reinseridos na

grande máquina de reprodução e terminam ignorando os altos habilidosos.

4.1.4 - A Produção Paulista sobre AH/SD

O estado mais rico e populoso do país possui pequena produção científica, na área das

AH/SD, nem sua pujante produção, que concentra quase que 50% da produção científica

nacional e conta com uma das mais sólidas agências de pesquisa e financiamento científico

(FAPESP), foi capaz de mudar o quadro que coloca São Paulo como um dos estados com menor

produção científica, menos ações para atendimento de alunos talentosos.

As maiores universidades paulistas têm raros exemplares de livros sobre o tema, em

suas bibliotecas e, praticamente, não possuem grupos de estudo e pesquisa sobre AH/SD, sendo

que a exceção a esta realidade são dois grupos de dedicados pesquisadores sediados no campus

da UNESP de Marília e na Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR.

Temos nas pesquisas de Marques e Rangni, a principal produção intelectual realizada

na UFSCAR, sobre AH/SD. A professora Rosemeire Rangni lidera um importante grupo de

pesquisa na área, sendo que as pesquisas do grupo concentram-se em altas

habilidades/superdotação, em pessoas com dupla deficiência, bem como, às concepções dos

professores sobre as altas habilidades na infância.

Os estudos são aprofundados sobre as diferenças entre precocidade e superdotação;

Marques, por exemplo, tem grande preocupação em que os professores realizem a devida

distinção entre dotação e estímulo externo, pois, segundo esta: “nem sempre crianças precoces

podem ser consideradas com altas habilidades”Marques (2013, p. 4).

Tais estudos nos coloca diante de um dos primeiros desafios perante a invisibilidade,

evitar que pais profundamente engajados no desenvolvimento de talento nos filhos “criem”

artificialmente minigênios o que acaba por roubar a infância das crianças. E romper com a

tendência dos educadores da educação infantil em silenciar diante do talento por não ter certeza

sobre este ser talento efetivo ou fruto de treino e estimulo dos pais, produzindo uma tendência

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ao silêncio neste nível de ensino e faixa etária, que se mostra desastrosa sobretudo aos filhos da

classe trabalhadora.

Afinal, se não estimuladas, e apresentadas ao universo cultural, artístico e científico

produzido pela humanidade, e, especialmente, quando não encorajadas em sua capacidade e

criatividade, as crianças, simplesmente, não se desenvolvem62.

Assim, aguardar que o tempo confirme, ou não, as habilidades superiores de um

estudante, para que não confundamos crianças precoces63 com alto-habilidosos, é uma forma

eficaz de garantir que o tempo ofereça aos filhos da elite e classe média o devido capital cultural,

que lhes colocará como superiores intelectualmente, aos pobres, tudo com uma couraça de

herança biológica.

A defesa da genética como única responsável pelas AH/SD, não é defendida pelos

pesquisadores em questão e, de um modo geral, por, praticamente, nenhum estudioso brasileiro

do tema. Entretanto, muitas vezes de forma não intencional, ao defender posições como herança

cultural versus herança biológica, como ocorre em alguns debates sobre precocidade, acaba-se

contribuindo com a invisibilidade, que se pretendem combater.

Marques (2013, p. 5),entende que: “[...] os professores são capazes de pré-identificar os

alunos com altas habilidades/superdotação, mas a confirmação ou diagnóstico mais detalhado

deveria caber a profissionais especializados [...]”. Este ponto indica-nos um fator central, no

desenvolvimento de um histórico de invisibilidade destes estudantes.

A necessidade dos profissionais especializados em AH/SD, para confirmar a suspeita

que um aluno venha a gerar, recai no fato de que, praticamente, inexistem estes profissionais

especializados e, mesmo os serviços de psicologia que poderiam colaborar, em geral, são

insuficientes diante da demanda que precisam atender.

Os professores sabem da situação de penúria que enfrentam os serviços de psicologia,

na maioria das cidades e estados brasileiros e que, os alunos aguardam meses e até anos, para

62 São muitos autores defendem a identificação, o mais breve possível, das crianças com potencial elevado e altas

habilidades, de modo que suas necessidades, tempos de desenvolvimento e interesses sejam compreendidos e

estimulados, porém, se titubeamos entre a identificação e a dúvida da precocidade, perdemos tempo valioso, no

movimento de desenvolvimento destas crianças e de todas as demais. 63Existem muitos estudos, no sentido de garantir que crianças precoces não sejam confundidas com altos

habilidosos, como as obras de Marques (2013). Porém, aparentemente, existe uma preocupação curiosa sobre a

questão, já que para alguns estudiosos como Pérez (2004) a precocidade pode ser um indicador de AH/SD, mas

que devemos avaliar se não se trata apenas de uma criança superestimulada pelos pais, por outro lado, ressalta-se

que quanto mais cedo a criança for atendida e identificada, melhor será o seu desenvolvimento, colocando o

professor diante de um paradoxo: indicar e correr o risco de se tratar de precocidade, ou aguardar e correr o risco

de atrapalhar o desenvolvimento da criança?

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consultas e diagnósticos de deficiências graves, com estudantes passando por traumas severos,

abuso, maus tratos, doenças psiquiátricas seguindo sem qualquer atendimento.

Neste contexto, os professores sentem-se até envergonhados em encaminhar um aluno

com suspeita de AH/SD, sabendo que, dificilmente, conseguiria se efetivar um processo de

identificação e, ainda que se concretizasse, provavelmente, a criança/jovem não teria garantia

de qualquer atendimento; logo, sem ter o que fazer de concreto, o professor contenta-se com o

bom rendimento escolar dos estudantes e espera que o tempo faça seu serviço.

A bibliografia indica-nos, claramente, a falta de especialistas para a identificação de

AH/SD, bem como, de programas de atendimento, o resultado desta combinação é que mais

que mitos e falta de formação docente, problemas concretos colocam-se diante da identificação

e atendimento, relegando, especialmente, os pobres à invisibilidade.

No campus da UNESP de Marília, com a liderança do professor Miguel Chacon, temos

outro grupo de pesquisa sobre AH/SD, no Estado de São Paulo. Trata-se de grupo bastante ativo

na produção acadêmica e divulgação do tema, onde os pesquisadores da UNESP, por

intermédio do professor Chacon, mantêm, ainda, um centro de atendimento às crianças e

adolescentes com AH/SD, no qual procuram atender professores, estudantes e famílias, com

suas dúvidas e necessidades.

O grupo fundado em 2011 desenvolveu inúmeras pesquisas na área, como: estudos sobre

o “Estado da Arte” sobre as AH/SD, no país; o papel da interação professor-pesquisador na

identificação de crianças talentosas; reflexões sobre a identificação e aceleração de alunos com

AH/SD; análises quanto a percepção de professores sobre a superdotação; o papel das famílias

nos casos de jovens alto-habilidosos; estudos sobre precocidade e AH/SD; apresentações dos

trabalhos desenvolvidos no PAPAHS – Programa de atenção a alunos precoces com indicativos

de altas habilidades/superdotação64.

64

O PAPAH surgiu em 2011, com o intuito inicial de mapear e diagnosticar alunos precoces no desenvolvimento,

bem como, capacitar professores, coordenadores e supervisores de ensino e trabalhar com as famílias dos alunos

identificados ... Por meio do preenchimento desses instrumentos, foram mapeados, na rede municipal de ensino,

82 alunos precoces, dos quais 42 passaram por avaliação no início de 2012. Desta maneira, os alunos participantes

do projeto são, em sua maioria, alunos regularmente matriculados no Ensino Fundamental I, da rede municipal e

no Ensino Fundamental II ,da rede estadual ... Atualmente, o PAPAH utiliza para avaliação psicológica o teste de

inteligência: “Matrizes Progressivas de Raven”, enquanto que, na avaliação pedagógica, utiliza o Instrumento de

Avaliação do Repertório básico para a alfabetização - IAR(LEITE, 1984), para alunos com até 7 anos de idade e

o Teste de Desempenho Escolar - TDE(STEIN, 1994), para alunos a partir de 8 anos de idade. ... O PAPAH conta

hoje com alunos dos 3 aos 12 anos de idade cronológica, esses alunos são agrupados por idade, as atividades são

oferecidas de acordo com o interesse de cada um e, também, com o objetivo de observar a criatividade, o

envolvimento com a tarefa e o desempenho dos mesmos em cada atividade proposta. (PALLUDO, PEDRO e

CHACON, 2013).

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O grupo de pesquisa da UNESP-Marilia é pioneiro em tratar, as relações entre educação

e escola como um todo e a questão das AH/SD. Nos seus trabalhos, estudos de pesquisadores

como Tardiff, entre outros, são incorporados às reflexões sobre AH/SD; pensamos que este seja

um dos caminhos para a ruptura com a situação de invisibilidade.

Destacamos o trabalho de Martins (2013), onde reflete sobre a forma como os cursos de

licenciatura da UNESP abordam o tema das AH/SD, indicando que a temática, praticamente, é

inexistente nos currículos das licenciaturas e, mesmo nas disciplinas, especificamente, voltadas

para a educação inclusiva, há referências bibliográficas relativas ao tema, indicando a

profundidade da invisibilidade do assunto, o que, em nosso entender, faz deste um dos trabalhos

mais importantes para a compreensão da invisibilidade e superação da mesma, mas a questão

essencial e que fica sem resposta é: por que a inteligência, sistematicamente, está ausente dos

cursos de formação docente, no Brasil, mesmo em renomadas instituições como a UNESP?

Como exemplo significativo, das pesquisas do grupo, temos a pesquisa desenvolvida

por Oliveira (2015, p. 56), sobre o papel da família no desenvolvimento de pessoas com AH/SD,

onde a autora apresenta uma tabela, com características de renda e formação escolar, das nove

famílias que fazem parte de sua pesquisa e, segundo a tabela, de um total de 09 (nove) famílias,

com crianças com AH/SD, verificamos que apenas duas necessitavam viver com renda entre 1

e 3 salários mínimos, sendo que a maioria está na faixa que vai de 6 a 7 salários, ou mais. Outro

fator importante, é que entre os familiares, que colaboram com a pesquisa, somente uma mãe

possui, apenas, o ensino fundamental, como nível de formação, pois, todos os outros pais e

mães possuem, no mínimo, o ensino médio e mais de 40% dos analisados possuem ensino

superior. Estes dados indicam clara relação entre AH/SD com perfil sócio econômico e posse

de capital cultural.

Isto não significa dizer que as AH/SDsejam exclusividade dos setores mais

escolarizados e com melhor renda, mas, que sua manifestação, desenvolvimento e percepção,

mantêm relações importantes com estas categorias sociais, e que não podem ser

desconsideradas, quando pensamos no que faz com que professores ignorem alunos talentosos,

de maneira sistemática.

O trabalho de Martins (2013), é muito importante, por ser um dos poucos que propõe

reflexão sobre AH/SD, levando em consideração os contextos sociais e seus determinantes, na

formação das capacidades humanas. A autora trabalha com a perspectiva de Vygotsky sobre

formação das funções psíquicas superiores, para refletir sobre o desenvolvimento de

comportamentos de AH/SD, como: capacidades acima da média; envolvimento com a tarefa;

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criatividade. Este é um caminho valioso, pois está entre os raros que rompem com perspectiva

da dicotomia entre biologia X cultura e propõe uma visão dialética dos alto-habilidosos.

Outro ponto a ressaltar da pesquisa de Martins (2013), é que a autora arrisca-se a refletir

sobre o peso da instituição escolar no acolhimento, desenvolvimento e identificação dos alunos,

com características de AH/SD, sendo a precocidade um elemento bastante relevante. Assim,

realiza reflexão quanto ao papel que determinados perfis escolares, podem ter em silenciar o

talento, a criatividade e a inteligência, indicando, por exemplo, teorias pedagógicas que teriam

maior condição de atender estes alunos. A autora cita as experiências de Waldorf e Vygotsky

como modelos interessantes e apresenta projetos de escola que julga mais interessantes para

alunos alto-habilidosos e para os demais alunos, como: a “Escola da Ponte”, em Portugal e a

“Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima”, em São Paulo. Este

é um item fundamental, pois ao integrar o tema das altas habilidades às teorias do aprendizado

e propostas pedagógicas (fato raro na área), temos um passo essencial rumo à superação da

invisibilidade.

4.1.5- A Produção Acadêmica sobre AH/SD, no Restante do Brasil

Se é verdade que, apenas, recentemente, a produção acadêmica brasileira sobre AH/SD

conheceu um crescimento consistente, não podemos, entretanto, dizer que seja difícil conseguir

bibliografia sobre a temática, atualmente.

Em nossa pesquisa, realizamos entre os anos de 2013 -2017, buscas nos sites virtuais

dos principais periódicos científicos brasileiros e estrangeiros, procurando material sobre a

temática, como forma de nos inserir na área e aprender sobre o assunto.

Nesta empreitada, tivemos acesso a 202 (duzentos e dois) textos brasileiros sobre o

tema, entre: dissertações, teses, artigos científicos e textos oficiais, também, a 109 (cento e

nove) artigos internacionais. Além dos materiais encontrados, são muitos os sites que

disponibilizam informação e indicações bibliográficas sobre o assunto, como por exemplo: os

da APAHSD e do ConBraSD.

Nesta tarefa, de mais de 300 (trezentos) trabalhos lidos e analisados, somamos cerca de

uma dezena de livros produzidos no Brasil, os quais foram adquiridos com mais dificuldade,

pois, não são encontrados nas maiores livrarias do país, sendo obtidos em congressos

específicos; durante visitas às instituições especializadas, ou sendo fotocopiados, em visitas às

bibliotecas da USP e UNESP-Bauru.

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A produção científica nacional, é de boa qualidade, contando com estudos interessantes

e criativos. Entre os trabalhos, que buscam romper a invisibilidade temos o de Ramalho (2011),

que busca refletir sobre a importância das Olimpíadas de Matemática, na identificação e seleção

de alunos talentosos na área, para que possam receber melhor formação. O autor apresentou o

trabalho no III EREM (Encontro Regional de Educação Matemática), realizado em 2011, na

cidade de Pelotas e é dos poucos estudos que se arriscam a tratar das AH/SD, em um evento

mais amplo, que não, apenas, para especialistas na área, bem como, propõe, ainda, que indique

as limitações das seleções via provas, algum modelo que possa ser usado de forma mais massiva

para a população escolar.

4.1.5.1 - Gênero e a Produção Brasileira sobre AH/SD

Hayes (apud Alencar, 2007) evidenciou o importante papel das forças sociais na

expressão do talento, desde o início da vida, especialmente, para as mulheres. Os

resultados de seu estudo, realizado em 1981, apresentaram uma diferença marcante

na produção criativa de homense mulheres. Os homens casados produziam

aproximadamente 30% a mais que as mulheres casadas; além disso, o número de

filhos constituiu uma variável relevante para as mulheres. (PRADO, 2011, p. 2)

Na produção científica brasileira, muitos pesquisadores constataram, empiricamente, a

predominância de indicações de alunos, do sexo masculino, no que se refere às AH/SD. Autores

como Aspesi (2003), Farias (2003) e Maia-Pinto (2002) confirmam a predominância de

meninos atendidos nas salas de recursos multifuncionais.

O dobro do número de alunos do gênero masculino é atendido no programa, quando

comparado ao de alunos do gênero feminino. Dentre estes a maioria foiindicada para

área de talentos, ao passo que a maior parte dos alunos do gêneromasculino foi

indicada para a área de habilidades acadêmicas (MAIA-PINTO, 2002, p. 97).

Tais constatações indicam-nos que fatores muito mais poderosos da organização social,

como o machismo e a reserva das vagas, nas áreas com melhores remunerações, aos homens,

influem na disposição de pais, professores e escolas em estimular ou não os talentos, a depender

do sexo destes. Mostrando que a invisibilidade não é apenas reflexo de falta de formação

docente, a respeito da capacidade acadêmica das mulheres e/ou da pertinência, ou não, de

encaminhar uma menina para uma área, tipicamente, masculina, exercem peso, no momento de

identificar, uma aluna como superdotada, condenando, muitas vezes, jovens talentosas a virem

seus talentos e interesses desperdiçados.

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Deste modo, ainda que de forma tímida, alguns pesquisadores brasileiros começam a se

arriscar pelos caminhos dos impactos sociais, no processo de identificação e invisibilização das

AH/SD. Neste sentido, temos estudos, por exemplo, sobre as AH/SD em famílias

desfavorecidas, e alguns poucos estudos que abordem o tema, a partir da categoria gênero.

Dentre estes estudos, destacamos o trabalho de Reis (2007), sobre a desigualdade de

gênero, em um programa de atendimento aos alunos com Altas Habilidades/Superdotação,

trabalho importante por apontar o peso das questões de gênero, no momento dos professores

indicarem, ou ao menos suspeitarem de que alguma aluna, que possa ter AH/SD. Sobre esta

situação de termos um número de meninas identificadas e atendidas muito menor que o número

de meninos, Reis (2007, p. 10), informa-nos que:

De acordo com Kerr (1990), enquanto essas novas teorias aperfeiçoam o

entendimento de inteligência, torna-se, cada vez mais crítica, a tarefa de identificação

da superdotação feminina, uma vez que essas teorias pouco ou nada dizem sobre os

gêneros. Além disto, as desigualdades de gênero, geradas por questões histórico-

culturais contribuem para construir barreiras internas e externas que, [...], coíbem

meninas talentosas a mostrarem o seu potencial acadêmico.

O que está em questão, quando verificamos que mesmo as meninas mais talentosas não

são identificadas, é o peso das relações machistas e a forma como determinam as relações das

mulheres com o conhecimento, em suas vidas escolares, bem como, o padrão de expectativa e

investimento docente dedicado aos alunos, conforme seu gênero, apontando uma trajetória

esperada/desejada para as mulheres que pode indicar às meninas, ainda muito jovens, que o

talento, a inteligência não são características valorizadas em mulheres.

Em pesquisa realizada com o setor de atendimento aos alto-habilidosos, na rede pública

do DistritoFederal, Reis (2007), observou que no ano de 2006, o sistema atendia cerca de 1.240

(mil duzentos e quarenta) alunos, da educação infantil ao ensino médio, com identificação de

altas habilidades/superdotação, em nove distritos, e que a diferença no número de alunos

identificados e atendidos do sexo masculino e do sexo feminino era imensa. Sua pesquisa

confirmou a bibliografia sobre o tema, ao constatar que os meninos eram a maioria dos

atendidos em salas de recursos, independentemente, de idade, região onde residia, ou tipo de

talento apresentado, com o seguinte quadro:

Figura 0165:Alunos atendidos na rede do D.F. distribuidos por Gênero.

65 Tabela retirada do trabalho de Reis (2007, p. 17), referente ao numero de alunos atendidos, com dados

segregados por sexo, na rede de ensino do Distrito Federal (Maior, mais bem estruturada e antiga rede de ensino

no que tange a atendimento de AH/SD.

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GÊNERO 2003 2004 2005 2006 2007

FEMININO 61 - 14% 201 -22,5% 200 -23% 86 – 21% 82 – 15%

MASCULINO 208 – 86% 698 -77,5% 691 -77% 332 – 79% 471 -85%

TOTAL 269 899 891 418 553

Fonte: Reis (2007, p. 17).

O quadro indica a grave desproporção, no perfil dos alunos atendidos, mesmo em uma

rede de ensino que tem histórico de atenção às AH/SD, há mais de 30 anos e que conta com

duas universidades importantes atuando, na área, com seus especialistas e com o poder público

tentando, oferecer formação aos professores sobre o tema. Ainda assim, temos ao longo, de

quase meia década de pesquisa, um quadro que não se altera, onde mais de ¾ dos alunos

atendidos pertencem ao sexo masculino.

4.2 - Os Focos de Interesse dos Estudos em AH/SD

Osgrupos de estudos brasileiros interessados nas AH/SD variam bastante, conforme seu

foco de atenção e características, e guardam profundas diferenças entre si. Se nos casos de

Brasília e Santa Maria, temos grupos numerosos sob a liderança de intelectuais ligados às

universidades e, também, com profundas relações com a rede básica de ensino, nos demais

estados, temos grupos menores (por vezes com profissionais isolados) e mais direcionados à

produção de conhecimento ligadas as suas pesquisas individuais.

Cabe destaque, aos estudos que vêm sendo desenvolvidos pelos pesquisadores, nas

universidades paranaenses. Tais trabalhos destoam da maioria dos estudos, na área. Em

primeiro lugar, por muitos deles incorporarem as reflexões de Lev Vygotsky e da psicologia

histórico-cultural ao tema das AH/SD. Além disto, temos entre os pesquisadores paranaenses,

os primeiros intelectuais que arriscam olhar as AH/SDrelacionadas ao funcionamento da

sociedade capitalista, questionando a quem servem os talentos identificados ou silenciados.

Destacamos, como exemplo, o trabalho de Stoltz (2013), sobre a preparo dos educadores

para atender alunos alto-habilidosos, em que temos referências a diversos autores da educação,

como: Gadotti, Vygotsky, Luckesi, Hoffmann, Apple, Chartier dentre outros, indicando que

este grupo inicia um caminhar para a compreensão das AH/SD, de maneira mais integrada com

o restante da escola e da sociedade, o que consideramos ponto fundamental para a superação

do quadro de invisibilidade e afirmação das pesquisas sobre a temática, no cenário acadêmico

brasileiro.

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Ponto importante das pesquisas de Stoltz (2013), é o fato de buscar compreender como

ocorre a relação professor-aluno com AH/SD, pois, entendemos que esta pode ser uma questão

importante, na explicação do silêncio sobre o tema entre os educadores.

Não podemos concluir este item, sem destacar o trabalho com o tema, nos Estados do

Rio de Janeiro e Minas Gerais, o primeiro, sob a liderança de Mettrau e Delou, que ligados à

universidades e instituições de atendimento a alto-habilidosos, produzem volumoso material

sobre a área e lideram importantes instituições que atendem a estes alunos. No caso mineiro,

sob a liderança de Guenther, temos tanto a produção científica através das publicações do

CEDET-Lavras, bem como, a experiência de atendimento aos alunos da rede pública de ensino,

também, por meio do CEDET-Lavras.

4.3 - Os Mitos sobre as AH/SD e o Fenômeno da Invisibilidade

Pérez e Freitas (2011), afirmam que a invisibilidade dos alunos com AH/SD porparte

da população (e aí se incluem também os professores) está estreitamente vinculada

àdesinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta

de formaçãoacadêmica e docente e à representação cultural das pessoas com altas

habilidades/superdotação (aqui entendida como as concepções que uma pessoa ou

grupo social tem sobre outra ou outrogrupo social). Em função de concepções

errôneas, muitos mitos que envolvem os alunos com altas habilidades/superdotação

tornam-se mais presentes, prejudicando a educação desses alunos. (BAHIENSE e

ROSSETTI, 2014)

Nesta parte da pesquisa, desenvolvemos análises sobre a ideia mais presente, entre os

pesquisadores, sobre AH/SDpara explicar os motivos da invisibilidade. A teoria de que um

grupo de mitos sobre o tema, difundidos entre os docentes, sejamos responsável pela

invisibilidade.

Dentre os trabalhos no campo das AH/SD, que se propõem a buscar explicações para o

fato dos alunos alto-habilidosos serem, sistematicamente, ignorados, pelos sistemas escolares,

um dos trabalhos mais importantes é a pesquisa de Freitas e Rech(2005):“Uma análise dos mitos

que envolvem alunos com altas habilidades”. Neste trabalho, as autoras laboram com um

conjunto de mitos que existem sobre o tema, propondo um estudo a respeito dos impactos que

tais mitos teriam na invisibilidade dos estudantes talentosos.

São muitos os autores que defendem a existência de um conjunto de mitos sobre o tema

difundidos entre os professores, alunos, pais e gestores, os quais dificultam a identificação dos

alunos com AH/SD, dentre estes: Alencar e Fleith (2001),o próprioMinisterio da Educação-

MEC (BRASIL, 1999a) e, também, pesquisadoresestrangeiros, como: a estadunidense Winner

(1998), e a espanhola Extremiana (2000).

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As autoras fazem um levantamento histórico e semântico da palavra mito. Trabalham

com a perspectiva histórica de mito, remetendo à tradição grega e a qual mito era a forma como

os humanos tentavam compreender fatos ou situações, que eram considerados

incompreensíveis.SegundoRuss (1994, p.187 apudFreitas e Rech2005), os mitos também

podem ser entendidos como uma “representação coletiva muito simplista e muito estereotipada,

comum a um grupo de indivíduos”.Deste modo, os mitos surgem no imaginário popular,

comoformade tentar compreender determinados “mistérios”.

Esta mitologia sobre o tema já foi bastante explorada pelos pesquisadores e, está

organizada em categorias específicas para cada tipo de mito, segundo Pérez (2003):

As categorias dos mitos em questão [...], a saber: Mitos sobre constituição; Mitos

sobre distribuição; Mitos sobreidentificação; Mitos sobre níveis ou graus de

inteligência; Mitos sobre desempenho; Mitos sobre consequências; Mitos sobre

atendimento. (PEREZ, 2003, p. 48-57).

Porem, entendemos, que não basta simplesmente concluir que estes mitos existam e

atrapalhem na identificação, precisamos nos questionar sobre os motivos de sua existência,

como se difundiram e qual a razão de serem tão poderosos.

Segundo Freitas e Rech (2005), os mitos de constituição seriam aqueles que embasariam

as explicações docentes sobre as origens da pessoa com AH/SD. As autoras, em suas pesquisas,

trabalharam com três mitos distintos, neste nível, que são: “as altas habilidades/superdotação

são uma característica exclusivamente genética”; “as altas habilidades/superdotação são uma

característica que depende exclusivamente do estimulo ambiental”; “Mito dos pais

organizadores condutores”.

O primeiro “mito” que associa as AH/SD, exclusivamente, à genética é, ainda hoje, um

dos mais poderosos entre professores e famílias, no Brasil. Segundo esta teoria, as habilidades

dos indivíduos seriam, herdadas dos pais. Nas pesquisas das autoras, muitos professores

entrevistados indicaram pensar nos talentos como capacidades inatas.

Tais concepções, estas são teorias poderosas, por supostamente, se pautar em ideias

científicas, como biologia e genética. Tal ideia foi defendida pela a maioria dos professores e

gestores que participaram de nossa pesquisa de campo.

Segundo as autoras, ainda que os especialistas destaquem o equívoco de atribuir às

AH/SD, simplesmente, a posse deste ou daquele gene, indicando a importância de fatores

ambientais, no desenvolvimento dos sujeitos, não são poucos os que acreditam em uma

constituição, puramente, genética. Tais ideias dificultam a identificação, pois ao considerarem

inatas as AH/SD, os professores não identificam o papel da escola, no processo de atender e

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ensinar tais alunos, fortalecendo a crença de que as AH/SD é algo raro, que se desenvolverá,

independentemente, da influência escolar.

Cabendo o questionamento quanto aos motivos desta ideia ser tão poderosa, no ambiente

escolar, e quais seriam seus impactos na produção dainvisibilidade das AH/SD.

Em nossa perspectiva, temos aqui, um dos pontos chaves para a compreensão do

fenômeno invisibilidade. Não sobre o mito em si, mas quanto ao conjunto de ideias que tal

concepção de talento indica, uma vez que, de ainda que maneira indireta, o que está posto, é a

crença de que herdamos a capacidade intelectual, hereditariamente.

Esta concepção, que já foi defendida por pesquisadores renomados, no início do século

XX e que traz, em seu bojo, uma naturalização da divisão de classes, acabou, “caindo como

uma luva” em uma realidade escolar, fortemente marcada pela ideia de que os alunos não

aprendem, graças a sua pouca capacidade intelectiva devido a sua origem familiar.

Deste modo, a ideia funcionaria nas duas pontas, se herdamos talento geneticamente,

herdaríamos, geneticamente, também, a dificuldade em aprender. Em escolas periféricas,

repletas de crianças pobres que não aprendem e fracassam, podemos imaginar que não faria

muito sentido a procura de jovens, com AH/SD, devido a sua improvável existência.

O segundo mito das origens, seria aquele que acredita que as AH/SD seriam fruto,

exclusivo, das influências ambientais sobre os sujeitos. Nestas perspectivas, poderíamos supor

que professores que utilizassem concepções mecanicistas ou deterministas, pudessem imaginar

que não existiriam pessoas com AH/SD, nas camadas populares, pois, seu contexto

sociocultural não seria propício ao desenvolvimento de habilidades escolares. Assim, teríamos

a concepção, da teoria da carência cultural como uma das hipóteses para a invisibilidade.

Mas um dado interessante da pesquisa de Freitas e Rech (2005) chama-nos a atenção,

em suas pesquisas de campo, sobre os mitos que envolvem as AH/SD, nenhum docente atribuiu

a superdotação, exclusivamente, as influências ambientais, indicando que para os professores

os fatores genéticos são sempre presentes, e que o determinismo social, que poderia contribuir

com o problema, tem menor peso neste caso.

Por fim, o terceiro mito de origem traz a ideia de que as AH/SD sejam fruto, apenas, da

dedicação e empenho de pais dispostos a formar filhos talentosos. Nesta perspectiva, a

superdotação não seria algo natural e sim, o resultado de pais que submeteriam seus filhos a

duros regimes de formação, treino, e práticas de estudos, no sentido de lhes garantir sucesso.

Este comportamento das famílias, encontra dura resistência entre os professores, por conter,

implicitamente, a noção de roubo da infância das crianças, o que poderia explicar a resistência

em identificar e confirmar as AH/SD, fortalecendo assim a invisibilidade.

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Outro grupo de mitos, que as autoras consideram importante, são os chamados mitos de

distribuição, estes seriam ideias disseminadas entre os profissionais da educação, sobre como

estariam distribuídas entre a população as pessoas com AH/SD, a partir de características de

classe social e gênero, por exemplo.

O principal mito analisado pelas autoras, nesta categoria, é o de que apenas pessoas, de

classe econômica privilegiada, seriam agraciadas com as AH/SD. Segundo as autoras, ainda,

que a bibliografia especializada, indique que as pessoas com AH/SD estejam distribuídas,

independentemente, de classe social, gênero, etnia. É comum que professores acreditem que,

apenas, nas classes privilegiadas, encontremos pessoas superdotadas.

Tal concepção foi defendida por 40% dos professores pesquisados pela autora e

tentaremos verificar como ocorreu, em nosso grupo pesquisado.

Verificamos que desconhecendo o caráter reprodutivista da escola e a forma como se

opera o fracasso escolar, os docentes passam a acreditar/constatar na existência de alguma

relação entre condição social e capacidade intelectual.

As autoras identificam, ainda, alguns outros mitos sobre o tema, entre eles os de que a

identificação como pessoa com AH/SD poderia ser negativa aos alunos, o mito de que pessoas

alto-habilidosas são, necessariamente, talentosas em todas as áreas do currículo escolar,

obtendo notas elevadas, e, por fim, a ideia de que pessoas com AH/SD tornar-se-iam adultos

bem-sucedidos, em qualquer circunstância.

Apenas 10% das professoras pesquisadas pelas autoras responderam que consideram

negativo identificar alunos alto-habilidosos, indicando que esta não é uma ideia que tenha força

entre os educadores.

Entretanto, mais de 1/3 dos professores pesquisados pelas autoras acreditam em duas

ideias que analisadas em conjunto, com todos os outros mitos, podem nos indicar caminhos

interessantes. Respectivamente 30% e 40% dos professores creem que alunos alto-habilidosos

obtêm destaque e notas altas, em todas as disciplinas do currículo escolar e acabam por se tornar

pessoas de destaque, em suas áreas de talento.

Tais concepções traduzem muito mais a falta de formação crítica dos docentes sobre o

processo de aprendizagem como um todo, do que sobre as AH/SD. Um olhar atento, indicaria

que, dificilmente, temos “Leonardos da Vincis” que são prodígios, em uma ampla gama de

áreas do conhecimento, em geral, as pessoas acabam destacando-se em uma área específica, em

que sente maior prazer ou facilidade e isto pode, inclusive, ocorrer de modo que ela tenha

dificuldades em outros campos do conhecimento humano.

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Não precisamos ser especialistas em superdotação para saber isto, bastando apenas

olhar, com atenção, aos exemplos que temos na sociedade: artistas, atletas, cientistas, são

poucos aqueles que destacam-se em mais de uma área. Tal concepção pode nos indicar

problemas ainda mais graves,afinal, se o talento para se confirmar deveria ocorrer em todas as

áreas do currículo, uma dificuldade em uma determinada área, como aprender a ler, por

exemplo, poderia levar o docente a supor que a criança tenha dificuldades em todas as áreas do

conhecimento.

Por fim, a crença de que pessoas com AH/SD tornam-se adultos bem-sucedidos

representa o poder que a ideia do sucesso escolar, como chave do sucesso social e comprovação

do talento intelectual, tem entre educadores.

Tal ideia revela uma concepção que, se por um lado, é ingênua em relação à sociedade

capitalista, por outro, indica uma relação dialética entre percepção empírica da sociedade e a

própria teoria educacional e seus efeitos.

Os docentes reconhecem como alto-habilidosos, apenas, as pessoas com destaque na

sociedade, sendo que, em geral, estes obtêm sucesso financeiro e profissional. Então, passam a

acreditar que pessoas com AH/SD são as que se destacam.

Convicto desta verdade, quando um miraculado rompe a barreira do fracasso,

professores e escolas, intuindo que o sucesso profissional, acadêmico e econômico,

dificilmente, concretizar-se-ia, evitam colocar o selo escolar/pedagógico/estatal de superdotado

em alguém que, “provavelmente”, irá fracassar.

Como ficariam os demais alunos ao notar que mesmo os superdotados, quando pobres,

terminam a vida, como simples empregados? Como ficariam os professores verificando que

mesmo os prodígios fracassam, na seleção dos postos mais elevados, na pirâmide da divisão

internacional do trabalho? Assim, indicar ou não, um aluno com AH/SD é uma ação complexa.

Ponto importante é verificar que a ideia dos mitos, como responsáveis pela

invisibilidade, não é consenso absoluto entre os pesquisadores da área, Bahiense(2014), em

pesquisa com professores de Vitória, no Espírito Santo, conclui que não se verificou, entre

estes, a presença dos mitos da oposição Genética X Ambiente, nem da ideia de que alunos com

AH/SD devam se destacar em todas as áreas do currículo escolar, com mais de 75% dos

docentes, em ambos os casos, negando os referidos mitos.

Quanto a necessidade de atendimento educacional especializado aos alto-habilidosos, a

maioria, 90% dos professores indicou a importância e necessidade, fato que se verificou em

pesquisa com professores da rede de Vitória-ES por Bahiense (2014), e que foi constatado,

também, em nossa pesquisa na Baixada Santista, quando apenas 1 (um) professor, de um

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universo de 120 (cento e vinte) participantes, indicou não haver necessidade de AEE aos alunos

com AH/SD.

Sobre a falta de formação dos professores, tivemos entre os participantes de nossa

pesquisa, uma maioria que indicou nunca haver recebido qualquer formação sobre o tema,

seguindo o padrão de respostas que confirma o apresentado por Bahiense (2014), em que 95%

dos professores, da rede municipal de Vitória, no Espírito Santo, informaram que não haviam

tido qualquer informação sobre AH/SD, durante seus cursos de graduação.

Quanto a terem atuado com alunos com AH/SD, a maioria dos professores, que

participaram de nossa pesquisa, cerca de 60%, respondeu que nunca havia atuado com alunos

alto-habilidosos, número que se aproxima da pesquisa de Bahiense (2014), .

Quando avaliamos o mito de que as AH/SDseja exclusividade das camadas,

economicamente, privilegiadas, não verificamos entre os participantes de nossa pesquisa

qualquer difusão deste tipo de ideia, ao menos não foi apresentada tal perspectiva.

Os trabalhos desenvolvidos no Rio de Janeiro, por Mettrau (2010), estão entre os raros

que fazem uso de obras das Ciências Humanas, em especial, da Sociologia e da Educação para

refletir sobre o tema AH/SD. Citamos, por exemplo, seu trabalho de 2010, em que temos a

análise da presença de mitos sobre o tema, nas decisões docentes de indicar, ou não, alunos para

serviços de atendimento, na qual utiliza, dentre suas referências bibliográficas, as obras de

Moscovici sobre representações sociais.

A ideia de que um conjunto de mitos sobre a superdotação é o motivo que impede que

professores e redes de ensino identifiquem seus alunos superdotados, é antiga e acompanha a

história de pesquisa na área, mas o trabalho de Winner (1998), é um marco fundador, na maneira

em como os pesquisadores brasileiros vão compreender o tema. A autora propõe que existem

09 (nove) mitos sobre as AH/SD, que impedem os professores de identificar e atender seus

alunos talentosos, estes seriam:

A referida autora propõe nove mitos sobre superdotação: (1) superdotação global; (2)

talentosos, porém não superdotados; (3)QI excepcional; (4) e (5): biologia versus

ambiente; (6) pai dominador; (7) excessiva saúde psicológica; (8) todas as crianças

são superdotadas e (9) as crianças superdotadas tornam-se adultos eminentes.

(WINNER, 1998),

Diversas pesquisas, desde então, partiram destes 09 (nove) mitos sobre as AH/SD,

buscando confirmá-los ou refutá-los, em suas realidades específicas, como é o caso de Mettrau,

que analisa a influência dos tais mitos, em uma rede de ensino, na região metropolitana do Rio

de Janeiro.

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Mettrau (2010), trabalha com a noção de que os chamados mitos, são, na verdade,

representações sociais e se representações sociais são criadas, divulgadas e legitimadas, em

contextos sociais e históricos determinados, estes devem ser compreendidos para que

entendamos o fenômeno. Neste ponto, como Mettrau, usamos a definição de Moscovici de

representação social, pois entendemos que pode nos levar à compreensão da questão:

Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos, proposições e

explicações originado na vida cotidiana no curso das comunicações interpessoais. Elas

são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades

tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso

comum. (MOSCOVICI, 1981, p.181)

Mettrau (2010), analisa os motivos de após a implantação de um programa de

atendimento às crianças com AH/SD, apenas um pequeno universo de 37 (trinta e sete) escolas,

em um contexto de mais de 100 (cem) escolas, indicarem alunos para identificação e

atendimento, buscando compreender como as representações sociais dos professores impactam

a disposição para indicar ou não alunos para os programas de atendimento.

Mettrau (2010), faz levantamento entre as diferenças de formação dos professores que

indicaram alunos para o programa de AH/SDe os que não indicaram nenhum aluno, constatando

que não havia diferença significativa, sendo que a maioria dos docentes tinham curso de

graduação e pós-graduação e, além disso, todos os professores da rede haviam recebido

formação, na área, quando houve a implantação do atendimento em AH/SD, na rede de ensino,

o que não alterou o quadro de mais de 2/3 (dois terços) das escolas do município não indicarem

um único estudante para o programa.

Podemos verificar o peso de concepções mais amplas de educação, na disposição maior

ou menor dos professores, em dar atenção para as AH/SD,nas respostas de dois professores

Mettrau(2010, p. 10), quando afirmam: “o educador tem livre escolha se pode ou não obedecer

a legislação” ou “o encaminhamento deveria ser opção do aluno/responsável. Diferentemente

do aluno com déficit mental, o aluno com (ah/sd) pensa por si mesmo, tem instrumentos para

refletir sobre suas escolhas”.

Desta forma, constatamos que alguns docentes, de acordo com suas concepções de

educação e sociedade, entendem que sua autoridade, em sala de aula, pode chegar ao ponto

onde nem mesmo a legislação se sobreponha a sua avaliação, caso contrarie sua opinião.

Podemos imaginar o quão abertos à criatividade e à crítica estes perfis docentes estariam para

atender alunos com AH/SD, que entre outras características, costumam os desafiar.

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As respostas citadas mostram, também, as ideias que se fazem dos alunos com

deficiência mental, ou seja, alguém que não pensa, individualmente, que não sabe o que seja

melhor para si. Tal concepção indica uma perspectiva sobre a educação especial que,

dificilmente, faria um professor encaminhar um aluno com AH/SDpara o AEE.

A postura de deixar o “problema” a critério do próprio aluno ou de suas famílias,

eximindo a escola da questão, indica uma posição que, entende que aos talentosos a escola tem

pouco a contribuir e não deve se envolver. Surge então uma das concepções mais poderosas

sobre a escola e as AH/SD, a de que cabem a estas instituições aqueles indivíduos, cuja

capacidade é reduzida ou mediana, sendo que aos “mais capazes” caberiam outras formas de

acompanhamento, se é que necessitam de qualquer acompanhamento; esta posição nos diz

muito sobre educação e invisibilidade.

4.4 - A Teoria das Representações Sociais e as AH/SD

As pesquisas sobre AH/SDcontam com muitos trabalhos de grande importância, dentre

estes destacamos o trabalho de Barreto (2008), quebusca as representações sociais dos

professores do Colégio Pedro II, sobre as AH/SD.

A pesquisa é das poucas que aborda o tema, a partir de referenciais teóricos ligados às

pesquisas, em ciências sociais e desta forma, apresenta as AH/SD, considerando os impactos

socioculturais na constituição dos talentos, bem como, o papel da escola na constituição destes.

Nos detemos neste ponto, por acreditar que seja uma chave importante de compreensão para a

invisibilidade.

Ao longo de nossa pesquisa, buscamos compreender quais eram as representações

sociais sobre as AH/SD, que compunham o imaginário dos profissionais da educação.

Realizamos tentativas de entender como estas representações contribuíam para a maior, ou

menor disposição docente, em identificar os estudantes com AH/SD. Assim, as visitas as

escolas para formações com docentes, os questionários utilizados na pesquisa, bem como, as

entrevistas, buscaram verificar quais as representações sobre tema. Desta forma, o trabalho de

Barreto (2008), é fundamental para nossa pesquisa, ao propor a análise das representações dos

professores de uma escola tradicional, como o Colégio Pedro II, sobre as AH/SD.

Segundo Moscovici (2003, 0.319), as representações sociais “São instituições(as

representações sociais) que partilhamos e que existem antes de termos nascido dentro delas,

nós formamos novas representações a partir das anteriores, ou contra estas. Portanto, pode -se

afirmar que as representações novas e antigas se sobrepõem”.

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Moscovici acredita que possamos conhecer o senso comum, a partir de um sistema de

representações. As representações sociais são um modo de buscar compreender como se

organiza, se forma e se estrutura o senso comum e suas ideias sobre um determinado tema. Em

nossa pesquisa, buscamos compreender quais são as representações dos professores de uma

rede de ensino, na Baixada Santista, sobre as AH/SDe suas relações com o fato de, ao longo da

história da cidade, nenhuma criança ter sido identificada, como pessoa com AH/SD.

As representações sociais sobre um tema não se formam ou se sustentam isoladas das

demais áreas da vida, portanto, as representações sobre educação, sociedade, classes sociais,

gênero, não podem ser deixadas de lado, quando abordamos as concepções sobre as AH/SD.

Um dado interessante da pesquisa realizada por Barreto (2008), é que dentre os

professores, que participaram do estudo, 50% afirmou possuir alunos com AH/SD, entretanto,

quando questionados se faziam o encaminhamento, 63% dos docentes relatavam não fazer,

Durante nossas pesquisas de campo esta situação se repetiu, o numero de professores que indica

ter atuado com alunos alto-habilidosos é bastante superior ao numero daqueles que diz já ter

encaminhado estudantes para avaliação e dentre as explicações para a situação, uma das

hipóteses verificadas foi a inexistência de setor especializado na identificação de AH/SD bem

como precariedade dos serviços de psicologia municipais, somados ao numero de alunos com

dificuldades de aprendizado que monopolizariam suas atenções.

As respostas destes professores, que lecionam em uma escola tradicional, com boa

estrutura física e alunos selecionados em provas concorridas, indicam questões que devem ser

levadas em conta para a análise da invisibilidade. Os professores explicando as razões de não

formalizar encaminhamentos de AH/SD,relatam:

Foi comentado, porém na escola pública, o foco são os alunos que não têm um bom

aproveitamento”; “Comuniquei ao SESOP na época em que trabalhava na Unidade

Centro”; “Comento no SESOP, nos Conselhos de Classe, mas sei que nada

diferenciado pode ser feito dentro da estrutura que temos”; “A gente até fala, mas não

encaminha”; “Quando noto algo, encaminho.(BARRETO, 2008)

As respostas mostram que ainda que existam problemas de formação e um imaginário

sobre o tema permeado de representações sociais, que podem levar a equívocos, os professores,

como indicavam nossas hipóteses iniciais, notam e sabem identificar seus alunos talentosos,

entretanto, a própria dinâmica das escolas, a rotina de trabalho, a burocracia e a percepção da

falta de estrutura adequada para atendimento, acaba levando estes profissionais, muitas vezes,

a adotarem uma política de hospitais de guerra, destinando esforços e atenções, exclusivamente,

aos casos que julguem graves, assim, aqueles sujeitos que estejam fora da faixa mediana, seja

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por aprenderem com facilidade ou terem severas dificuldades, ficam esquecidos; os primeiros,

por serem “casos não urgentes” e os últimos com “poucas chances de sucesso”.

Estes relatos ocorrem, na única escola de educação de ensino fundamental da rede

federal, com professores com remuneração e formação superior à realidade dos professores

brasileiros, em uma instituição renomada e tradicional, em que as famílias sonham ter seus

filhos estudando, podemos, então, imaginar o quão agravado a realidade deva ser, nas escolas

de periferia, como as que pesquisamos em nosso estudo.

Os resultados da pesquisa de Barreto (2008), indicamque, embora o tema AH/SD seja

conhecido pelos professores, este conhecimento é, ainda, bastante superficial. A invisibilidade

e sua gravidade ficam evidentes nos resultados da autora, os quais apontam que dentre os mais

de 3.400 (três mil e quatrocentos) alunos do Colégio Pedro II, todos tendo sido submetidos a

provas concorridas para o ingresso, não havia um único aluno, formalmente, identificado ou

em atendimento, como caso de AH/SD.

Este fenômeno é verificado em outras pesquisas sobre AH/SD, em escolas com provas

rigorosas de ingresso e história de alta qualidade, como nos casos da pesquisa deViana ( 2003),

sobre a identificação de alunos talentosos, no Colégio da Polícia Militar de Fortaleza, instituição

renomada e reconhecida pela concorrência nos exames de seleção. Nesta oportunidade, dentre

143 (cento e quarenta e três) professores, somente 12 (doze) indicaram algum aluno com

AH/SD, tendo sido encaminhados apenas 21(vinte e um) alunos, dentre os mais de 1.000 (mil)

estudantes do colégio.

Outro exemplo é o caso da pesquisa de Bandera(2014) que realizou pesquisa junto ao

Instituto Federal do Estado de São Paulo (Campus São Paulo Capital), outra instituição

educacional de excelência sobre a ocorrência de estudantes talentosos.

Neste estudo, o autor apresenta reflexão sobre a constituição do sucesso escolar, nas

camadas médias da sociedade, a partir das reflexões de Pierre Bourdieu e de Maria Alice

Nogueira, apontando questões relativas à classe social e à posse do capital cultural, que se

refletem nas trajetórias escolares de indivíduos que frequentam uma instituição renomada e

bastante rigorosa como o IFSP.

Durante a pesquisa, o autor, ainda que não utilize o conceito de superdotação, trabalha

com as trajetórias sociais de alunos com históricos de escolarização altamente bem-sucedidos

e apresenta-nos o papel de caracteres sociais, como: profissão dos pais, faixa de renda e

formação acadêmica, sendo que, dos alunos pesquisados, a maioria tem pais com nível superior,

cargos ditos de colarinho branco e renda média intermediária.

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O autor aponta um quadro de constituição social do sucesso e do talento muito mais

complexo e profundo que a simples transposição da herança genética, que veremos em

pesquisas, sobre as AH/SD. Sobre esta questão Bandera(2014, p. 3) nos relata:

Parte-se, neste artigo, da hipótese de que esse alto investimento escolar, marcado por

autosacrifícios e superações, pode ser descrito e explicado, com as devidas mediações,

a partir do grau em que a estabilidade ou a possibilidade de ascensão social das

famílias dependem da escola ou do acúmulo de capital cultural, em função, de a

transmissão de outra espécie de capital ter-se tornado menos rentável e eficaz para

esses grupos.

Quanto ao peso dos títulos universitários e seu papel nos postos de trabalho ocupados

pelos pais, bem como, na expectativa de ascensão social dos filhos pela via escolar, o autor

indica-nos um caminho que pode explicar, por exemplo, a grande quantidade de jovens, com

altas habilidades/superdotação, que têm pais professores, como verificamos nas pesquisas de

Fernandes (2011), que no caso dos estudantes analisados, do IFSP, constatou-se que 27% destes

tinham mães que eram professoras. Neste sentido, o autor no diz: “Porém, é a esse capital

cultural, traduzido em títulos universitários, que seus membros devem a posição que ocupam,

atualmente, na estrutura social, e que constituem também fundamento das expectativas de

elevação social que nutrem em relação aos filhos”. Nogueira (1997).

Em relação a noção de envolvimento com a tarefa, característica atribuída por Renzulli

(1986), como um dos pontos que indicaria indivíduos superdotados e que, muitas vezes, é

entendido por professores de salas de AEE e mesmo pesquisadores como algo natural e até,

geneticamente, herdado, o autor relata-nos como isso ocorre entre estudantes com históricos de

sucesso, em uma escola de excelência:

Os estudantes da Federal sentem, portanto, a obrigação de dar continuidade à trajetória

familiar, tentando ultrapassar seus pais no acúmulo de capital cultural por intermédio

da escola e da herança familiar. Para almejar essa ascensão social provável, os jovens

manejam um repertório simbólico, no qual o ethose a história da família se tornam

alicerces afetivos utilizados para justificar as expectativas de conquista e ascensão

social. Os avós dos estudantes surgem nas entrevistas como “heróis” que conseguiram

vencer, com muito “sacrifício e suor”, as dificuldades para se estabelecer na cidade.

Sem estudo, eles acumularam um pecúlio suficiente para deixar para trás a posição de

operários.(BANDERA, 2014, p. 7)

Trata-se aqui da reprodução moral da família, uma forma de transmitir os valores e as

virtudes inscritas na trajetória individual e coletiva, ou ainda uma espécie de herança

sentimental (Lahire, 2005). A família não lega aos herdeiros apenas os bens, as

propriedades, mas também uma história — de ascensão ou declínio — com nomes,

fotos, experiências de conquistas e de derrotas, que solicita continuidade, mesmo que

seja uma continuidade na transformação (BOURDIEU, 2007 apud BANDERA, 2014,

p. 8)

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A pesquisa de Bandera (2014), indica que fatores sociais como auto-representação,

necessidade de atender as expectativas familiares e pessoais atuam, fortemente, na disposição

dos indivíduos em se dedicar, objetivando terem rendimentos acima da média e níveis de

envolvimento com a tarefa superior a maioria dos estudantes.

Desta forma, não se trata da biologia que gera envolvimento acima da média, mas,

necessidades sociais que acabam mobilizando o corpo, de modoque este possa se submeter aos

duros regimes de estudos. O autor apoiado em Bourdieu apresenta-nos um caminho para melhor

compreensão do fenômeno das altas habilidades/superdotação:

Eles precisam corresponder àquilo que é esperado deles e, principalmente, àquilo que

eles esperam de si mesmos; em suma, eles precisam estar à altura de seu dever. É por

meio dessa conversão da necessidade em virtude, e da transformação das

determinações sociais e econômicas em recursos morais e afetivos, que alguns jovens

da Federal trabalham na produção das disposições para o estudo e o sucesso

escolar.(BANDERA, 2014, p. 10)

O perfil dos alunos aprovados, no rigoroso exame de seleção dos IFSP, indica que se o

talento, não escolhe cor, etnia, sexo ou classe social, o acesso as melhores oportunidades

escolares funcionam conforme categorias sociais que nada têm de aleatórias. No IFSP, 76% dos

alunos são homens, 72% estudaram em escolas particulares e 70% são brancos, mostrando uma

clara tendência ao sucesso, nos exames, dos seguimentos, historicamente, dominantes na

sociedade brasileira.

O autor aborda, a distinção que estabelece-se entre os alunos, entre NERDS e

PRODÍGIOS.Dicotomia que veremos ao longo de nossa pesquisa bibliográfica, em muitos

trabalhos sobre AH/SD, bem como, nas opiniões de professores. Os NERDS seriam os sujeitos

socialmente produzidos, por meio da dedicação, esforço e cobrança. Já os PRODÍGIOS seriam

os alunos que, “naturalmente”, se dão bem nos estudos. Aos primeiros e pouco valorizados cabe

a ideia de treino, aos últimos e muito valorizados cabe a noção de prodígio da natureza, dom.

Bandera (2014) defende que:

Os autodenominados nerdsda Federal possuem uma enorme gana de vencer as

competições escolares. Para eles, não importa apenas o vestibular; trata-se de estar

entre os primeiros sempre, tanto nas provas da escola quanto nas competições

escolares fora dela.(BANDERA, 2014, p. 11)

O prodígio, contudo, não é classificado como um nerd, pois ele não é apenas um aluno

dedicado. A precocidade faz com que seus bons resultados escolares não sejam vistos

como frutos de um trabalho árduo de aquisição de capital cultural que consome todo

o tempo de sua vida; eles são antes vistos como a manifestação da “inteligência” e do

“dom”. (BANDERA, 2014, p. 11)

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A concepção de que os estudantes ditos escolares não seriam considerados alto-

habilidosos, coloca-nos diante de um problema sério que é a exclusão dos estudantes filhos da

classe trabalhadora da condição de prodígios, uma vez que, apenas, aqueles que já tragam o

capital cultural, antes da escola,possam os apresentar, aparentemente, sem esforços, sobre este

ponto Bourdieu (1989), esclarece:

A precocidade é um dos elementos mais valorizados no sistema de ensino, pois revela,

da maneira mais perfeita, a conversão do trabalho escolar e a herança cultural em uma

dádiva da natureza. É dessa forma que a escola desvaloriza o escolar, e o aluno mais

novo, adiantado em relação a seus colegas, pode se dar ao luxo de dispensar a escola,

de pular etapas que são obrigatórias para o restante dos mortais.

4.5 - Metodologias de Identificação dos alunos com AH/SD

Um ponto importante para compreender a invisibilidade, e destacado pelos docentes, ao

longo de nossas pesquisas, é a ausência de um protocolo de identificação das AH/SD, que seja,

majoritariamente, reconhecido e aceito pelos meios educacionais.

Esta falta de “um modo de identificação” é tema de estudos e debates acalorados entre

os especialistas na área e refletem, no fundo, a falta de consenso em relação às teorias

explicativas das AH/SD, criando um problema análogo ao verificado, na questão das

terminologias adequadas, para nos referir aos estudantes.

A depender das concepções sobre inteligência, teremos propostas de modelos de

identificação diversos, desde as perspectivas que validam e atribuem maior valor aos testes de

inteligência como Wisc e o próprio Teste de Q.I., até aqueles que defendem que estes testes

devem ser evitados.

Há linhas teóricas que defendem a indicação pelos colegas, familiares e pela própria

pessoa com altas habilidades/superdotação, pois,muitas vezes, determinados talentos não são

verificáveis no ambiente escolar ou na clínica psicológica. Sobre esta variedade de instrumentos

de identificação Ribeiro (2013, p.22) afirma que:

Quanto aos instrumentos de identificaçãode altas habilidades/superdotação utilizados,

a pesquisa realizada por Ribeiro e Nakano (2010) demonstrou que a Escala de

habilidades, interesses, preferências, características e estilos de aprendizagem e a

Escala para avaliação das características comportamentais de alunos com habilidades

superiores de Renzulli é a mais utilizada de um modo geral.

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Mas de um modo geral, existe um consenso de que, em primeiro lugar, o professor deva

ter papel de destaque neste processo de identificação66, segundo a identificação deva ser algo

processual e que levaria algum tempo até ser concluída, o processo deve ser conduzido por uma

equipe de profissionais, incluindo professores e psicólogos, bem como, deve conter diversos

instrumentos de aferição das habilidades.

Durante as pesquisas junto aos docentes, verificamos grande ansiedade e curiosidade

quanto a serem apresentados a algum modelo de identificação, que os auxiliasse na detecção

dos alunos com AH/SD. A maioria dos professores demonstrou insegurança, em fazer

indicações de alunos, sem o apoio de algum material sistematizado.

Há entre os professores, ceticismo quanto ao modelo de identificação baseado,

primordialmente, na atuação dos serviços de psicologia, não por desmerecerem a importância

dos profissionais desta área, mas, por conhecerem a estrutura precária em que atuam os poucos

psicólogos da rede municipal, que não garante atendimento, sequer, aos casos graves, como:

vítimas de violência. É evidente aos professores, que com a atual estrutura dos serviços de

psicologia, os alunos com AH/SD têm poucas chances de receber qualquer tipo de atendimento,

fato que, contribui para a invisibilidade.

Dentre os modelos de identificação, que se baseiam na indicação inicial do professores,

destacamos os trabalhos de Napoleão, Guenther e Delou, no sentido de desenvolverem fichas

de observação, para auxiliar e direcionar o olhar docente às características a serem verificadas,

nos estudantes, com vistas à detecção e posterior trabalho com as habilidades superiores.

Destacamos o modelo desenvolvido por Delou(Lista Base de Indicadores de

Superdotação, parâmetros para observação de alunos em sala de aula), com o objetivo de

facilitar o trabalho de observação dos professores, em sala de aula.

O primeiro ponto a ser destacado é o fato da lista de indicadores ter sido construída pela

autora, como síntese de debates com especialistas na área de AH/SD, de diversos estados

brasileiros, durante a gestão de Delou como presidente do ConBraSD, sobre quais

características deveriam ser observadas pelos docentes, em sala de aula, garantindo, assim, uma

66 Sobre a polêmica relativa ao papel docente, no processo de identificação, Delou lembra-nos: “A identificação

de alunos de altas habilidades/superdotados, através da observação e julgamento de professores, é um método

bastante controvertido. Embora recomendado como possível, vários autores apontam suas limitações, procurando

demonstrar que não deve ser considerada isoladamente dos demais métodos ou procedimentos. ...Delou (2001)

constatou que nos últimos anos, a observação de professores constituiu-se no método de encaminhamento de

alunos considerados superdotados para sala de recursos voltadas para o atendimento educacional desses alunos.

Segundo Novaes (1979) “as situações de classe são oportunidades ímpares de avaliação escolar”. O professor está

em sala de aula: convive com os alunos, vê o que fazem, como fazem, como se expressam, como se relacionam e,

a partir desta convivência, dinamizam o processo avaliativo.(Delou, 1987).

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maior possibilidade de aceitação por um conjunto mais amplo de pesquisadores, professores e

famílias, em relação a melhor forma de identificação.

A lista de indicadores baseia-se no preenchimento de dois documentos distintos pelos

docentes, em relação as suas turmas: o primeiro de caráter coletivo (Lista Grupal),onde o

professor indica quais alunos teriam maior destaque, em um dado conjunto de características, a

partir de um olhar geral para a turma, depois, uma lista individual (Lista Individual), em que o

professor responde questões sobre um determinado aluno, que tenha suscitado a dúvida, quanto

à possibilidade de se tratar de alguém com AH/SD.

O instrumento desenvolvido por Delou tem o mérito de se pautar em avaliações reais

das condições de trabalho do professor e, assim, procurar ser o mais simples e de fácil execução

possível, pois, instrumentos demasiadamente longos ou complicados, dificilmente, seriam

utilizados pelos professores, diante de sua imensa demanda de trabalho.

A ficha de avaliação em grupo visa garantir ao professor um olhar amplo de suas turmas,

de modo a evitar a posição de que não se tem alunos talentosos entre seus educandos. No

documento de descrição da ferramenta de identificação, Delou estabelece uma relação

interessante entre a invisibilidade das altas habilidades/superdotaçãoe o predomínio do fracasso

escolar, que poderia nos oferecer um norte importante para seguir, quando falamos de

invisibilidade, a autora explica:

A Forma Grupal pode ser utilizada em observações gerais da turma como um todo.

Serve para quebrar o preconceito inicial, expresso em falas como: “ na minha turma

ninguém ésuperdotado”. [...] É comum não conseguirmos ver talento aonde há

fracasso, além disso, não costumamos valorizar os talentos apresentados por alunos

que não sejam destaques acadêmicos em áreas como matemática ou ciências, no

âmbito da escola. (DELOU, 2001)

A lista individual propõe ao professor que analise, detida, sobre aqueles alunos que se

destacaram na indicação grupal, e concentrando a avaliação em características específicas.

A estratégia tem a vantagem de, evitar que o docente precise preencher um documento

individual a cada aluno, o que geraria demanda de trabalho extra e consequente resistência.

Neste modelo, o professor trabalha com as fichas individuais, apenas, para aqueles alunos que

tenham se destacado nas avaliações grupais; outra vantagem do instrumento está em indicar

clara e objetivamente ao professor que características deve observar, levando ao direcionamento

de seu olhar e a percepção de talentos, antes não verificados.

4.6- O Peso das Explicações Baseadas na Genética

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Vejo muito pela experiência da Camila. Porque a Camila e a Joana começaram a se

envolver com altas habilidades. Porque o filho da Joana tinha altas habilidades. Elas

eram mães. Camila também tem um filho com altas habilidades. Aí elas se

encontravam e viam que os filhos eram discriminados na escola, discutiam muito as

preocupações que elas tinham. Começaram a ler os autores que estavam pesquisando

na área. Começaram a encontrar coisas nessa bibliografia e viram que se elas

juntassem uma coisa com a outra reivindicando esse atendimento elas iam conquistar

algum espaço. Hoje o filho da Joana está com 20 anos. Não chegou a receber um

atendimento especializado, mas a mãe dele ajudou a criar isso, então, tem um fruto

assim....é uma conquista [...] Foi em função dessa necessidade que isso passou a ser

uma política pública. Por pressão desses pais que começaram a ser organizar. A Zenita

tem 3 filhos com altas habilidades e ela foi atrás porque, justamente, porque a Joana

já escrevia muita coisa, assim, também, ocorreu com AngelaVirgolim. (Entrevista

professora Lica, Porto Alegre junho de 2010). (FERNANDES G. S., 2011, p. 84)

No Brasil, ainda que a maioria dos pesquisadores afirme seguir as teorias de Renzulli e

Gardner para compreender a inteligência e, particularmente, a superdotação, temos uma curiosa

situação, em que os trabalhos brasileiros, em geral, não incorporam as reflexões dos teóricos

sobre as interações entre fatores biológicos e sociais para a compreensão do fenômeno, salvo

exceções, temos posições que sempre enveredam pela defesa da preponderância biológica (aqui

genética) no fenômeno das AH/SD.

Serão inúmeros os trabalhos que “constatarão” a origem genética, a partir da verificação

de familiares, também, com AH/SD, relação estabelecida, de um modo geral, sempreocupação,

sobre como estas habilidades seriam transmitidas. Outro ponto, geralmente, associado com

sinal de talento genético, através da precocidade, é o domínio da leitura, bastante cedo, sem

reflexão sobre o papel que ambientes letrados, estimulantes, do ponto de vista da leitura, teriam

no desenvolvimento destas habilidades, mostrando que o capital cultural é ignorado pelos

estudos.

Como relatamos, é comum que os pesquisadores, ainda que declarem seguir um dado

referencial teórico, termine por enveredar por caminhos que reafirmam, demasiadamente, o

papel da genética, na constituição das altas habilidades; é comum, inclusive, que o pesquisador

não verifique, na sua própria pesquisa, os elementos que denotam o peso cultural na constituição

das habilidades e talentos humanos, preferindo atribuir à biologia a origem de caracteres sociais

constatada em sua própria pesquisa

Um exemplo importante é o trabalho de Pérez (2008), que realiza um estudo qualitativo

profundo, com 10 indivíduos com AH/SD e, quando descreve as características

socioeconômicas e formativas dos sujeitos, que participam da pesquisa, passa-nos as seguintes

informações:Dentre 10 pessoas, com AH/SD pesquisadas, temos, nada menos, que 50% das

mães destes indivíduos atuando como professoras e, ainda, 20% dos pais, também, atuando

como professores. Cabe destacar, que mesmo aqueles indivíduos, que não têm pais e mães

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ligados à docência, têm familiares com atividades profissionais, fortemente, marcadas por uma

cultura acadêmica letrada profunda, como engenheiros, jornalistas, tradutores, pesquisadores

científicos.

O olhar atento para o conjunto de profissões destes sujeitos indica-nos, de antemão, a

posse de determinado capital cultural que foi transmitido de maneira diferente, diversa, do que

ocorre com a maioria dos estudantes brasileiros. Imaginar que professores não sejam capazes

de imprimir, em seus filhos, de forma consciente ou inconscientemente, uma cultura de

valorização dos estudos, da leitura, da escrita, do conhecimento, bem como, construam, nos

filhos, seja por vias afetivas, seja pela via metodológica, uma busca a excelência profissional e

acadêmica, é negar a realidade.

Para a autora, as profissões dos familiares representam a existência de uma série de

pessoas talentosas, na família, indicando a existência de traço genético das AH/SD.

Vejamos que não se trata de negar o talento dos indivíduos e seus parentes, o que

problematizamos é a forma apressada como a perspectiva genética sobrepõe-se à cultural, não

levando em conta como a transmissão de capital cultural contribui neste processo.

Esta transmissão de capital cultural, na formação dos sujeitos, é verificada, por exemplo,

na informação da pesquisadora quanto a formação acadêmica dos indivíduos pesquisados, entre

dez pesquisados, 90% concluiu ou estava cursando o ensino superior, indicando uma trajetória

escolar longa, ou que suas habilidades encontraram capital cultural e econômico,

suficientemente, organizado para que pudessem constituir seus talentos, em títulos acadêmicos,

mostrando que existe uma forte correlação entre os indivíduos que conseguem perceber seus

talentos e os desenvolver e a posse de suficientes condições socioeconômicas para obter sucesso

escolar.

Quando consideramos que menos de 10% da população brasileira tem formação em

nível superior, podemos perceber como critérios objetivos, como possibilidades reais de chegar

à universidade, influenciam a decisão de professores, alunos e famílias de crianças talentosas,

quanto à atenção e identificação de possíveis casos de AH/SD.

Outro ponto interessante é a faixa de renda dos indivíduos alto-habilidosos que

participam do estudo, 02 destes, por exemplo, ganhavam, na época da pesquisa, entre 10 e 15

salários mínimos, o que os colocava em um grupo social, bastante diverso, da realidade da

maioria dos brasileiros. Como não levar estes fatores em questão, ou o fato de terem mães

professoras e pais advogados?

O pai da única mulher do grupo pesquisado, uma professora de línguas de 58 anos de

idade, que morou ,ao longo da vida, no Brasil, na Argentina e cursou todo o ensino fundamental,

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no interior do Uruguai, onde morou por mais de 10 anos e, atualmente, vivendo na Holanda,

em Amsterdã, era professor e, também, o prefeito da cidade, onde viviam, no interior do Rio

Grande do Sul; novamente, a genética foi escolhida para explicar o fenômeno das AH/SD,

quando a própria pesquisa dava conta de indicar as profundas raízes sociais e históricas da

origem dos talentos.

Quando analisamos sua pesquisa, a partir da categoria gênero, mais uma vez, os fatores

sociais surgem evidentes e contestam as teorias biológicas, ao menos na perspectiva de

reconhecimento e efetivação dos talentos, ou seja, as mulheres encontram imensas dificuldades

em ter reconhecidos seus talentos e até, desenvolvê-los, a autora explica:

Uma constatação que já foi verificada por alguns autores (LANDAU, 2002; ELLIS e

WILLINSKY, 1999; DOMINGUEZ RODRÍGUEZ et al., 2003) é que, geralmente, as

mulheres costumam aparecer em menor número nas populações investigadas. No caso

desta pesquisa, essa desproporção também se constata.(PÉREZ S. G., 2008)

O reconhecimento do peso das questões de gênero, na identificação e constatação das

altas habilidades, entre as mulheres, é um dos indicadores mais claros de que a invisibilidade

dos talentos é, em grande parte,resultado de complexas interações sociais e históricas. Segundo

uma pesquisa de Buescher (etal, 1987), 65% das adolescentes superdotadas escondem suas

habilidades e, segundo Walker, Reis e Leonard (1992 apud REIS 2002), 3 de cada 4 mulheres

superdotadas não acreditam na sua inteligência superior. E neste caminho, a autora confirma o

peso das questões sociais, quanto a identificação ou não dos indivíduos com AH/SD, e afirma:

Desde a primeira edição do Prêmio Nobel, até 2005, dos 776 outorgados, somente 10

mulheres (menos de 1,5%) receberam um prêmio nas áreas de Ciências (2 em

Química, 1 em Física, 1 em Física e Química (Marie-Curie), 6 em Medicina e nenhum

em Economia), sendo que seis delas dividiram o prêmio com homens. [...] Nas áreas

científicas, nenhuma mulher provinha de um país em desenvolvimento; na literatura

existe uma chilena (Gabriela Mistral) e uma sul-africana (Nadine Gordimer).

(PÉREZ, 2006b)

Fato interessante é que, aparentemente, os pesquisadores não conseguem identificar o

peso que as teorias baseadas em causas genéticas e hereditárias, têm, na disposição dos

professores em não identificar os alunos com AH/SD.

Alguns estudos na área seguem a linha antropológica como o de Vieira (2005) e

demonstram o papel da influência e reconhecimento social, no desenvolvimento das AH/SD, a

partir de acompanhamentos sistemáticos, com os indivíduos alto-habilidosos.

Destacamos o caso de Vitoria, uma criança de 4 anos de idade, vivendo na fronteira do

Rio Grande do Sul com o Uruguai. A menina é filha de um médico pediatra, com histórico de

aprovação de destaque, no vestibular em medicina da UFRGS, filha caçula de um pai mais

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velho e filha única de seu segundo casamento, sua mãe é uma advogada que, desde cedo,

demonstra grande envolvimento com a identificação da menina, como pessoa com AH/SD. A

família viaja, mensalmente, mais de 500 km até Porto Alegre, para o processo de identificação:

A criança recebeu forte investimento dos pais, tendo ganhado um pincel aos 8 meses

e fazendo aulas individuais de inglês e piano, desde os 2 anos de idade. Vitoria

demonstrou interesse pelo Tênis, ganhando medalha num torneio; a criança pinta

quadros e os expõe em pequenas mostras artísticas na cidade, o mesmo ocorre com as

apresentações musicais que realiza,relata ter dificuldades com as palmas ,mas gosta

muito de tocar o piano.(VIEIRA, 2005, p. 99)

Conforme relato da pesquisadora:

A criança estuda em uma escola inglesa, no Uruguai, extremamente rígida. A escola

funciona em período integral, o funcionamento pela manhã é com aulas apenas em

inglês e com diretora inglesa, já, a tarde, a menina recebe aulas em espanhol de todo

o currículo escolar e o diretor é um uruguaio; a escola não reconhece os talentos da

menina, e Vitoria, além de muito fechada e tímida, tem grande medo de errar e se

preocupa e se ressente pelo fato de ser negra. (VIEIRA, 2005, p. 100)

Segundo sua professora, a menina: “Menina fechada e com medo imenso do erro, A educadora

entende que estes medos da menina estão associados à elevada expectativa da família em

relação ao sucesso da filha que, por esta razão, não admite o fracasso.” (VIEIRA, 2005)

A história de Vitoria é um caso emblemático da interação biológica e ambiente, de

maneira dialética; não sabemos e, talvez, jamais saibamos como, organicamente, ocorre a

interferência de sua herança genética, mas, verificamos, de maneira intensa, o desejo dos pais

pelo sucesso da menina; o trabalho familiar em expor a criança a um modelo educacional caro

e rígido; os múltiplos investimentos (de capital cultural e econômico), no desenvolvimento do

talento da menina, como: exposições, aulas particulares, apresentações musicais, escola

bilíngue e viagens mensais rumo à identificação.

4.7- A Resistência Docente em Identificar Estudantes com AH/SD

Ao longo de nossas pesquisas de campo, quando nos questionavam sobre o tema

estudado, no doutorado e informávamos que eram estudantes com AH/SD, após elogios, por

pesquisar um grupo de alunos, em geral, esquecido e negligenciado, seguiam a curiosidade e

perguntas sobre o perfil destas pessoas e invariavelmente, éramos questionados quanto aos

motivos dos docentes quase nunca terem alunos com AH/SD entre seus estudantes.

Foram diversas as oportunidades em que nos vimos diante desta questão e relatamos

aqui, a conversa com professora e gestora escolar que, após mais de 30 anos, trabalhando na

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rede pública, sendo uma profissional dedicada, comprometida com a educação e reconhecida,

na rede de ensino, onde atuamos, pela a sua formação e competência, nos questionou sobre os

motivos de jamais ter tido um superdotado entre os milhares de estudantes que ensinou.

Em inúmeras pesquisas brasileiras, esta mesma situação foi verificada, como por

exemplo, no caso de uma escola, em Porto Alegre, em que durante uma pesquisa etnográfica,

com escolas da região da grande Porto Alegre, sobre o atendimento aos alunos com AH/SD,

uma professora responsável pela sala de AEE, que atendia altas habilidades, relata:

Esse aqui é algo! disse-me a professora Joana, ao olhar alguns papéis entre tantos que

folheava, em uma das nossas conversas matutinas, no final de 2010. Apesar da maioria

dos professores da escola de ensino médio, onde estava localizada a sala de recursos,

terem debochado e dito “Aqui não tem”, quando Joana apresentou a discussão sobre

altas habilidades e solicitou o preenchessem dos formulários de identificação, os

papéis tratavamda identificação de um menino, preenchidos por uma professora, a

única que teria se disposto a tal. Não tem?,falou-me Joana rindo. Agora era ela quem

debochava.(FERNANDES1, 2011, p. 14)

O trabalho de Fernandes (2011), é fundamental para conhecermos o cenário das AH/SD,

no Brasil, a partir de uma abordagem que esteja mais próxima da realidade escolar. Neste caso,

devido a sua metodologia etnográfica e por isso, muito próxima da realidade que pesquisava,

temos uma das raras oportunidades de verificar o atendimento aos alunos.

Atuando na rede de Porto Alegre, que em 2007, contava com 7 salas de recursos

multifuncionais, as quais atendiam alunos com AH/SD, incluindo a rede estadual e municipal,

a pesquisadora busca verificar como ocorrem os atendimentos e processo de escolarização dos

estudantes talentosos.

Verificamos um dado importante ao constatar que, mesmo contando com tradição de

pesquisas na área, produzidas na PUC, UFRGS e UFSM desenvolvidas por pesquisadores

renomadose tendo uma das associações de pais de alunos superdotados, mais importantes e

atuantes do país, a AGAAHSD67 (Associação Gaúcha de Apoio às Altas

Habilidades/Superdotação) uma cidade com milhões de habitantes, como a capital gaúcha,

contava com, apenas, sete salas de atendimento e algumas vinham fechando, por falta de alunos,

de acordo com Fernandes (2011, p. 16).

67

O Rio Grande do Sul, tem sido citado nos eventos (Congresso Internacional de Superdotação em 2010 e IV

Seminário para Inclusão das Pessoas com Altas Habilidades/Superdotadas, em 2009) como um pioneiro da

implementação de políticas voltadas ao atendimento das pessoas com altas habilidades/superdotação, por meio da

criação das salas de recursos a partir de 2004 e do Núcleo de Atendimento Às Pessoas Com Altas Habilidades

(NAPPAH/FADERS), como também um centro de pesquisas acadêmicas, desenvolvidas na Universidade Federal

do Rio Grande do Sul(UFRGS), na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e na Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).(FERNANDES1, 2011, p. 47)

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Com o trabalho de Fernandes (2011), podemos confirmar a situação verificada, quando

buscamos as salas dos NAAHS, de São Paulo e Vitória, e não encontramos informações, nem

conseguimos contato com as escolas onde os NAAHS funcionavam. No caso da autora, fica

evidente que a direção, os demais professores, os funcionários e, até mesmo, os alunos não

fazem ideia do que ocorre nas salas de AEE para AH/SD, sendo que, muitas vezes, sequer, o

nome da sala conhecem. Indicando que a invisibilidade segue, mesmo quando, a sala já existe

no interior da escola, fazendo-nos imaginar o que ocorre, em situações como o da rede que

pesquisamos, onde não temos alunos identificados, quem dirá salas de atendimento.

Trabalhos etnográficos como o de Fernandes (2011), são importantes por serem, das

raras chances, de termos dados concretos sobre a realidade das AH/SD, no interior das escolas

públicas brasileiras. Nesta pesquisa, descobrimos que muitas turmas, de AH/SD, foram

formadas pela iniciativa da professora responsável pela sala de AEE.

Pudemos verificar no trabalho citado, que na maioria das escolas que contava com a sala

de AEE, para altas habilidades/superdotação, os docentes dividiam-se entre decorar a escola,

organizar eventos e o trabalho com atendimento aos alunos. Em geral, a frequência à sala era

facultativa aos alunos, diferente, do que ocorre com alunos com outras formas de necessidades

especiais.

Pudemos verificar, a importância da formação de professores sobre o tema, na rede de

Porto Alegre. É, apenas, a partir desta formação inicial, que alguns professores começaram,

ainda que sem qualquer respaldo das secretarias, a formar turmas e identificar alunos, ponto

curioso, também, é conhecer os modelos de indicação realizados pelos docentes, as concepções

dos estudantes sobre o tema e o fato de, em muitos casos, as salas darem oportunidade de outros

alunos não identificados, com AH/SD, frequentarem as turmas. Sobre a importância deste

primeiro curso, que deu início aos trabalhos e salas de atendimento, demonstrando o papel do

poder público, na superação da invisibilidade, a autora coloca:

Tudo começou em 2002 com o curso, quando fui uma das selecionadas para fazer o

curso na UFRGS, parceria da UFRGS com a secretaria de educação”, recordou a

professora Sofia. O curso que mencionou a professora era a “Capacitação em

Educação especial: área de altas habilidades”, realizado entre 2002 e 2003, foi

coordenado pelo Professor Dr. Claudio Baptista do departamento de educação da

UFRGS.(FERNANDES1, 2011, p. 44).

A pesquisa de Fernandes (2011), mostra-nos a importância de um profissional, com

formação, se responsabilizar pelo tema, na escola, realizando momentos de formação e

sensibilização junto aos docentes, tornando os conselhos de classes momentos importantes para

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a observação dos alunos com destaque, solicitando a indicação de colegas talentosos pelos

estudantes, ou seja, mobilizando e formando toda a comunidade escolar para o assunto.

No trabalho de Fernandes (2011), podemos conhecer o indivíduo com AH/SD, para

além das idealizações, assim, encontramos crianças dedicadas, disciplinadas e, muitas vezes

pobres, sendo atendidas na rede de ensino porto-alegrense, como o caso de Juliana, uma menina

negra e extremamente pobre, atendida na sala de recursos, sendo um destaque, como atleta,

recebendo um patrocínio de um comerciante do bairro, o qual custeia o pagamento de contas

de sua família. Conta com a ajuda de uma madrinha, filiada ao Rotary Club, que lhe paga o

transporte de ônibus, para que possa ir aos treinos e atividades no clube, fato corriqueiro e

antigo que é a necessidade de um patrocinador, padrinho, fada madrinha ou mecenas, que possa

contribuir com o aperfeiçoamento dos talentos, indicando a dureza de uma sociedade que priva

as potencialidades humanas de se desenvolver, devido à pobreza.

O trabalho de Fernandes (2011), nos mostra como as ideias ligadas à Biologia são fortes,

mesmo nos profissionais especializados em altas habilidades/superdotação,atuando nas turmas

de atendimento educacional especializada, como podemos ver nas falas da professoras

entrevistadas:

Se é uma criança altamente estimulada e faz um teste de QI, de repente com 6 anos,

pode aparecer um QI bastante elevado. 125, 129 Se ela vai repetir depois na

adolescência pode dar menos, pode dar normal. Inclusive, a gente trabalha com essa

possibilidade, também. A gente observa muito se é só estimulação precoce, porque

quando chega por volta dos 12 e 13 anos, a fase de equilibração, que o Piaget fala,

acontece e aí fica no padrão normal, médio. [...] Quem tem altas habilidades continua

além. (Entrevista Rosita, Porto Alegre, junho de 2010). (FERNANDES, 2011, p. 107)

A perspectiva que entende as relações sociais como mero cenário, onde os talentos,

geneticamente, herdados atuariam, foi verificada por Fernandes (2011, p.108): “Essa habilidade

que continua e que se diferencia do estímulo e da precocidade, de acordo com as professoras,

viria de um forte fator biológico”.

E pode ser vista em falas de professores, como as que se seguem:

Em alguns momentos, tu vai vê que esse talento, esse estimulo vem da família, de

reforço familiar. Mas outros a própria família não percebe. Vê que um tio, um pai, a

avó, tinha destaque na área e nunca percebeu. (Entrevista Ana, Porto Alegre, junho de

2010”).(FERNANDES1, 2011, p. 108)

É genético, disse-me Bia, certa vez, ao me apresentar um menino que desenhava e

cuja mãe era artista plástica. Porque eu estou comprovando isso, entendeu? Quando

aparece alguma indicação, tem mais algum na família? Não é estranho? Eu tenho

várias assim, argumentou-me ela, dias depois, quando, novamente, mencionou a

importância do fator genético da superdotação.(FERNANDES1, 2011, p. 108)

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Esta concepção apresenta uma leitura, tão superficial, das influências ambientais e do

papel da educação, na formação dos indivíduos, que, certamente, contribui para a invisibilidade

destes sujeitos entre docentes que compartilham de tais opiniões, afinal, qual seria o sentido em

identificar alunos talentosos, uma vez que, a natureza faria tudo sozinha?

Talvez o ponto mais importante e interessante do trabalho, com alunos com AH/SD,

seja a descoberta destes, nas escolas públicas, e a reflexão que podem suscitar entre os docentes

e gestores sobre a educação como um todo, sobre os alunos como um todo, tanto sobre o

sucesso, como o fracasso, bem como, o papel de sua postura, crença pedagógica e práticas,

neste contexto. Estas posições podem ser verificadas, nas falas das professoras entrevistas por

Fernandes (2011), quando relatam:

Rosita faz críticas a si mesma, a sua postura como professora anterior ao contato com

as altas habilidades: Minha postura como professora mudou. Eu era muito acadêmica.

Eu achava que o aluno tinha que saber. Exigia muito dele, mas na parte do

pensamento. Vamos dizer assim, que eu era uma professora mais tradicional, né?

Minha formação foi assim. E eu também conduzia dessa forma. Depois que eu entrei

em contato com as altas habilidades, eu comecei a fazer outras atividades. Lá em 2003,

já mudei a minha postura em sala de aula. Eu não levava só exercícios para sala de

aula. Eu já levava enigma. Eu elaborava um problema, uma história matemática

mirabolante. Ia ver quem tinha saído melhor no desafio.Era uma maneira de identificar

quem tinha altas habilidades ou não nessa área. (Entrevista professora Rosita, Porto

Alegre junho de 2010). (FERNANDES1, 2011, p. 131)

Nestes excertos, podemos verificar o quanto a postura dos professores muda, a partir do

momento, em que passam a supor capacidade intelectual nos estudantes. A alteração ocorre,

inclusive, no que diz respeito as ideias sobre o fracasso, como afirma a professora Mercedes:

A crítica aos professores, também, é feita por Mercedes, que problematiza a questão

do fracasso escolar e da dificuldade de aprendizagem: Tinha um menino também com

fracasso escolar que os professores achavam que ele não evoluía e ele lia comigo. E

um dia ele disse “Não, não quero ler isto, porque eu não aprendi essa dificuldade

ainda.” Porque na escola diziam que as coisas eram aprendidas assim, vencendo as

dificuldades. [...]Os professores não querem fazer nada além, acham que o problema

não é deles, quando crianças não aprendem. (Entrevista professora Mercedes,Porto

Alegre julho de 2010). (FERNANDES1, 2011, p. 133)

4.8 - Os Alto-Habilidosos em Santa Maria e no D.F.

Consideramos que não seja possível nos referir especificamente à produção acadêmica

e ao atendimento aos alunos alto-habilidosos, no Brasil, sem nos referir às pesquisas e propostas

de atendimento às AH/SDdesenvolvidos na Cidade de Santa Maria-RS e Brasília.

Nestes grupos liderados pelos mais destacados intelectuais brasileiros, na área, como:

Soraia Napoleão Freitas, professora aposentada na UFSM e Denise de Souza Fleith e Eunice

Soriano Alencar, professoras, respectivamente: na UNB e UCB, temos os mais importantes

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trabalhos sobre o tema, no Brasil, e os mais sólidos programas de atendimento aos alunos

talentosos, desenvolvidos por redes públicas de ensino.

Em nosso entendimento, a produção destes grupos de pesquisa é fundamental para a

devida compreensão da temática, bem como, tais produções, talvez, contenham chaves de

compreensão do tema, que devido a sua abordagem teórica possam oferecer alguns indícios da

superação da invisibilidade.

4.8.1- Os Trabalhos do PIT, em Santa Maria

O primeiro trabalho, que destacamos como fundamental para entendermos as AH/SD, é

produzido pelos pesquisadores da UFSM, reflete sobre a importância da gestão educacional, no

processo de identificação e atendimento aos alunos, descrevendo como a disposição dos

docentes em indicar estudantes para avaliação de AH/SD aumenta, em escolas com gestão

democrática. Por ser baseado na realidade escolar concreta, este é um trabalho que se constitui

como chave para a superação da invisibilidade, Negrini (2011, p.10), indica: “o papel da gestão

[...]é imprescindível para a condução de proposta de enriquecimento para os alunos com

AH/SD, seja na escola ou fora dela”.

Dentre as poucas pesquisas na área de AH/SD que refletem sobre a educação, de um

modo mais amplo, abarcando e pensando na escola, como um todo, destacamos os trabalhos de

Negrini e Freitas (2008, p.5), para as autoras:

Para que se possa refletir sobre a gestão educacional, é importante questionar como a

escola vem sendo percebida atualmente. A escola é vista, em sua historicidade, como

fenômeno humano, que na sua prática social, envolve indivíduos que se relacionam,

que ensinam e aprendem que possuem diferentes objetivos e métodos decorrentes dos

objetivos pretendidos. A escola surgiu com o nascimento da sociedade industrial,

assim como com a constituição do Estado Nacional. Com a consolidação do

capitalismo, reforça-se a convicção de que a educação podia ser mecanismo de

controle social.

Nas pesquisas de Negrini e Freitas verifica-se o pouco conhecimento dos gestores

educacionais sobre o tema da superdotação, bem como, o fato de não incluírem o público, com

AH/SD, entre os estudantes da educação especial, quando elaboram documentos oficiais, como:

projeto político pedagógico e planos de gestão escolar; tal situação acaba contribuindo para o

agravamento do quadro de invisibilidade destes estudantes.

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Entre as ações do grupo da UFSM, destacamos o PIT (Programa de Incentivo ao

Talento68) desenvolvido pelo grupo de pesquisa da professora doutora Soraia Napoleão.

Baseadas nas definições e conceitos de Renzulli, que entendem a escola como um todo

e, assim, contribuindo para a superação da invisibilidade. Destacam que o próprio teórico da

Teoria dos Três Anéis chega a propor soluções para a situação:

Renzulli afirma que a superdotação pode se apresentar em determinadassituações e

em outras não. Para ele, deveria haver uma mudança na concepção de

“sersuperdotado”. Dever-se-ia levar em consideração aqueles indivíduos que

apresentam“comportamentos superdotados”, para então implementar programas de

enriquecimento, queiriam beneficiar um maior grupo de pessoas. Dessa forma, “[...]

a nossa expectativa é que,aplicando bons princípios de aprendizagem para todos os

alunos, diluiremos as críticastradicionais aos programas para superdotados e faremos

das escolas locais onde o ensino, acriatividade e o entusiasmo por aprender sejam

valorizados e respeitados. (DELPRETTO, 2006, p. 7)

Entre os raros trabalhos, que arriscamir além das referências aos especialistas da área de

AH/SD e aos debates específicos do campo, destacamos os trabalhos de Peripolli (2009), e

Costa (2010), desenvolvidos pelo programa de pós-graduação, da UFSM, sob orientação da

professora doutora Soraia Napoleão de Freitas, em que os autores debatem a formação de

professores para atender alunos com AH/SD, empregando uma bibliografia, que contém

trabalhos de autores importantes, do campo da educação. Tais concepções que entendem as

AH/SD de modo integrado a educação como um todo e utiliza os conhecimentos produzidos na

área para ampliar a reflexão é uma das melhores ações para superarmos a invisibilidade da

temática e consequentemente dos estudantes alto-habilidosos.

4.8.2 - O Distrito Federal e a Pesquisa e Atendimento aos Alto-habilidosos

Quando falamos de produção científica, na área das AH/SD, os pesquisadores do

Distrito Federal possuem um peso significativo, local onde ocorrem, boa parte, das mais

importantes pesquisas na área. O grupo de pesquisadores liderados por Denise Fleith e Eunice

Soriano Alencar, produziu teses e dissertações importantes, contando com alguns dos mais

renomados pesquisadores na área, entre ex-alunos dos programas de pós-graduação, da

Universidade de Brasília e da Universidade Católica de Brasília.

68

O PIT é um projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa EducaçãoEspecial: Interação e Inclusão Social

(GPESP), da UniversidadeFederal de Santa Maria (UFSM), que encaminha ao Programa alunoscom características

de altas habilidades, identificados pelo Projeto dePesquisa ‘’Da identificação à orientação de alunos com

características de altas habilidades’’. Este projeto de caráter científico propõe-se aidentificar alunos que

apresentam indicativos de altas habilidades de escolas estaduais, municipais e particulares, das séries iniciais do

EnsinoFundamental, de Santa Maria/RS.(NEGRINI; FREITAS, 2008)

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Alguns destes pesquisadores, como o caso de Fleith, membro da diretoria do conselho

mundial para Altas Habilidades/Superdotação, desenvolveram estudos junto ao NEAG-

Connecticut com o professor Joseph Renzulli e são, diretamente, responsáveis pela apropriação

de duas pesquisas e teorias, no Brasil. Muitos destes pesquisadores têm trânsito e influência

junto ao MEC, sendo assim, responsáveis pela formulação de materiais sobre as AH/SD

direcionadas aos docentes, bem como, a formulação de políticas públicas, na área.

O Distrito Federal tem a rede de ensino, com o programa de atendimento às AH/SD

mais antiga, no Brasil, que data dos anos 1970 e possui mais de dez núcleos de atendimento aos

alto-habilidosos, contando com modelos de identificação e formação docentebastante

estruturados, bem como, um grupo de profissionais da secretaria de educação formado por

professores, gestores e psicólogos (alguns destes desenvolvendo pesquisas em stricto-senso,

na área junto a UNB), o que contribui para o desenvolvimento de ações práticas e teóricas sobre

o tema.

O resultado desta estrutura é que o DF, sozinho, atende mais de 1.200 (mil e duzentos)

alunos identificados com AH/SD, o equivalente, aproximadamente, a 10% de todos os alunos

identificadosno Brasil, possuindo, ainda, mais de 10 (dez) núcleos de atendimento aos alunos

talentosos, por meio de suas salas de recursos multifuncionais. Para termos uma ideia, em todo

o Estado de São Paulo, existe apenas 01 (um) centro de atendimento às AH/SD e, ainda assim,

não conseguimos qualquer espécie de contato com o núcleo paulista.

Deste modo, teremos, no Distrito Federal, uma importante contribuição acadêmica, para

o enfrentamento à invisibilidade nas escolas brasileiras.

A primeira contribuição destes pesquisadores é a apropriação das teorias sobre

inteligência, de uma maneira que nos parece mais aproximada do que defendem os teóricos,

que servem de base para a compreensão da superdotação, no Brasil.Deste modo, a tendência de

se recorrer à genética, como foco de explicação, será menos presente nestes trabalhos, que

tendem a compreender a inteligência e as altas habilidades, como resultado de interações

biológicas e sociais complexas, permeadas pela dialética biologia/ambiente, de modo que, não

se pode desconsiderar o impacto da socialização dos indivíduos, na produção de seus talentos,

para Silva (2008, p. 3):

O fenômeno da superdotação apresenta uma grande complexidade, englobando

sistemas biológicos,psicológicos, intelectuais, emocionais, sociais, históricos e

culturais (Aspesi, 2003). Nesta direção, (Csikszentmihalyi, Rathunde;Whalen, 1993)

também ressaltam a diversidade de fatores que podem influenciar o desenvolvimento

de comportamentos de superdotação

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Esta perspectiva teórica é, diretamente, contrária à concepção defendida por

pesquisadores que priorizam a genética, na formação das capacidades humanas, e que

encontram, em Guenther, sua defensora mais aberta,como no texto a seguir:

A temática envolvendo conceituação de dotação humana, que vinha se arrastando ao

redor do debate hereditariedade vs. ambiente, com argumentos embasados mais em

ideologia do que conhecimento, não resistiu à autoridade do saber construído nas áreas

da genética e neurociência. Por via desses estudos, aprofunda-se a área, abordando-se

diferenças de desempenho que somente podem ser compreendidas com base em

diferenças individuais genéticas, não hereditárias. (GUENTHER Z. C., 2012, p. 3)

As pesquisas desenvolvidas, em Brasília, refletem sobre os aspectos da socialização e

da cultura, na formação das características de altas habilidades/superdotação, portanto, escola,

família, classe social, acesso aos meios culturais, localização da residência e da escola dos

estudantes, serão temas presentes, no conjunto de pesquisas desenvolvidas sobre a

superdotação. Como no exemplo que destacamos:

Conforme mencionado, o ambiente familiar pode contribuir para o processo de

desenvolvimento do talento.Segundo Dessen (2007), a família constitui um contexto

primário de desenvolvimento, mediando o processo deinteração dos indivíduos com

o contexto ambiental. Ela é responsável pela maior parte do processo de socialização

(Côté &Hay, 2002). Os autores definem socialização como um processo contínuo, que

acontece ao longo do curso de vida de um indivíduo, no qual este desenvolve sua

identidade, autoconceito, comportamentos, atitudes e disposições. As interações

sociais são essenciais para que este processo ocorra. (SILVA P. V., 2008, p. 3)

Ao analisar a influência da família, na formação da superdotação, temos um percurso

que busca identificar as influências sociais, na formação dos indivíduos e, consequentemente,

a importância do estímulo e atenção para que jovens e crianças sintam-seencorajadas a buscar

o desenvolvimento de seus talentos, neste sentido:

Diversos estudos apontam a importância da famíliapara a manifestação,

desenvolvimento e reconhecimentoda superdotação de um indivíduo. Por exemplo,

Alencar(1997), Bloom (1985) e Moraes, Rabelo e Salmela (2004)relatam pesquisas

que mostram a influência da família ede professores, no desenvolvimento de

habilidades naciência, música e esporte.(SILVA P. V., 2008, p. 4)

A literatura também destaca a existência de umarelação de influência mútua entre a

criança superdotada esua família (ASPESI, 2003),(SILVERMAN, 1993),(WINNER,

1998).A família pode influenciar de diversas formas odesenvolvimento do talento.

Entretanto, a criançasuperdotada, também, afeta a organização familiar. Afamília

busca promover o desenvolvimento das habilidadesdos filhos e, paralelamente,

modifica-se em virtude dasdemandas deles. (SILVA P. V., 2008, p. 4)

Esta perspectiva, que compreende a influência familiar, como dialética na formação dos

superdotados e alteração das próprias famílias, indica uma direção à compreensão da

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superdotação, interessante, tanto do ponto de vista teórico, como da própria ação prática, pois,

pode nos responder alguns questionamentos referentes à invisibilidade destes alunos.

Superada a noção de que os sujeitos, simplesmente, nasceriam com um dado talento,

temos a perspectiva de que se os talentos são, em boa parte, influenciados e até criados pelo

contexto social. Assim, a escola passaria a ter papel decisivo, não só identificando e acelerando

trajetórias escolares ou enriquecendo currículos, mas, atuando, decisivamente, na formação,

estímulo e acompanhamento dos estudantes talentosos e suas famílias. Apenas, a partir desta

perspectiva, faz sentido identificar os talentos, de outro modo, bastaria aguardar que a natureza

produzisse seus resultados. A respeito do papel fundamental dos professores neste processo:

Csikszentmihalyi e cols. (1993), por exemplo, realizaram um estudo longitudinal com

jovens talentosos de áreas diversas. Os autores identificaram que [...] É fundamental

a relação do jovem com seus professores e sua família, que proporcionarão as

condições adequadas para que este desenvolvimento ocorra.(SILVA P. V., 2008, p.

5)

Refletindo sobre a condição de invisibilidade, Alencar nos traz uma concepção inovadora,

ao indicar fatores ligados ao funcionamento das instituições escolares e concepções do corpo

docente, apontando que a invisibilidade é gerada, muitas vezes, pelas condições da educação

brasileira e resistência de escolas e professores, em relação ao tema:

No Brasil, os superdotados constituem um grupo que é pouco compreendido e

negligenciado. Há poucos programas direcionados para atender suas necessidades e

favorecer o seu desenvolvimento. Observa-se, inclusive, resistência à implementação

de um atendimento diferenciado ao superdotado, fruto de uma série de ideias falsas

sobre o mesmo... Uma dessas ideias é a supervalorização de fatores genéticos,

colocando-se em segundo plano, o papel do ambiente para o desenvolvimento de

habilidades e competências. Tal ideia seria responsável pela consideração do

superdotado como um privilegiado, que apresentaria recursos intelectuais inatos

superiores, considerando-se injusto e antidemocrático oferecer-lhe mais privilégios

sob a forma de participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais

alunos seriam excluídos.(ALENCAR E. S., 2006, p. 2)

Esta perspectiva segue a linha teórica de produções internacionais, como em Davidson

e Cols (1996), que desenvolveram um estudo com crianças, que estavam aprendendo a tocar

instrumentos musicais e seus respectivos pais. O estudo indicou que os pais têm um papel

fundamental, em relação ao início e ao prosseguimento dos filhos, no treinamento musical,

durante o extenso período necessário ao desenvolvimento de um desempenho notável.

Estudos realizados pelos pesquisadores do D.F refletem sobre as características de

famílias com indivíduos superdotados (especialmente, em famílias, economicamente,

desfavorecidas) entre seus membros e suas diferenças em relação as demais famílias (sem

superdotados).

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Estas características fornecem indícios, para que possamos compreender as AH/SD, a

observação de jovens talentosos, nas camadas populares, contribui, para que um novo olhar

sobre a relação da classe trabalhadora com a escolarização de seus filhos, seja produzido, os

autores dizem:

Observa-se uma grande dedicação das famílias aos filhos que apresentam

comportamentos superdotados (BLOOM, 1985; WINNER, 1998, 2000). Nestas

famílias, uma grande quantidade de energia é direcionada a tais crianças. Sacrifícios

– financeiros, sociais, educacionais e profissionais - em nome do filho são feitos, e os

próprios pais estimulam e participam do ensino da criança. Os pais ajudam a organizar

a rotina dos jovens, monitoram suas atividades e ajudam a superar eventuais

dificuldades.(SILVA P. V., 2008, p. 6)

Ainda, sobre as famílias das classes populares e seus impactos, na formação/constituição

de indivíduos talentosos, Fleith e Chagas (2009), indicam que alguns fatores são decisivos,

como o fato dos indivíduos superdotados, geralmente, serem primogênitos ou filhos únicos e,

assim, receberem maior atenção e investimentos dos pais, bem como, algumas características

em relação à educação dos filhos, que os aproxima da classe média, como afirmam as autoras:

Podemos concluir, com base em nossos resultados, que as famílias com e sem

superdotados diferem entre si, principalmente, com relação às práticas parentais em

termos de: (a) atenção centrada nos interesses e na vida acadêmica dos filhos; (b)

maior interatividade entre os membros da família, em termos da comunicação de

expectativas e tempo despendido em bate-papos; (c) envolvimento em atividades

conjuntas. Apesar das famílias investigadas viverem em ambiente socioeconômico

desfavorecido e terem genitores, com baixo nível de escolaridade, as famílias com

superdotados apresentaram características semelhantes às famílias de classe média,

no que diz respeito à prioridade atribuída à educação dos filhos.(FLEITH; CHAGAS,

2009., p. 10)

Como destacamos, um ponto marcante da produção científica dos pesquisadores

sediados, nas universidades do Distrito Federal, é o modo como as concepções teóricas das

AH/SDsão compreendidas e, incorporadas à produção acadêmica, em especial na forma como

a obra de Renzulli é entendida, com destaque para uma atenção, mais detida, sobre os aspectos

culturais ligados aos sujeitos, com AH/SD. Tal diferença na abordagem das teorias de Renzulli,

pode contribuir para a superação da invisibilidade, e se torna evidente no modo como Renzulli

é compreendido na pesquisa de Virgolim (2003, p. 5):

Uma vez superdotada, sempre superdotada. Aqueles que acreditam nesta falácia dão

pouca importância às condições do meio para o desenvolvimento da superdotação.

Muitos acreditam que a criança superdotada sempre terá sucesso na vida,

independentemente, das condições ambientais a que está sujeita”. (Renzulli, 1986,

apud Virgolim 2003, p.5)

Virgolimconfirma a situação, ainda, incipiente da produção acadêmica e de atendimento

aos sujeitos com AH/SD, indicando que tanto a superação da invisibilidade da produção

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intelectual, como a produção de materiais voltados à formação dos professores, da rede básica

de ensino, caminham juntas no processo de superação da invisibilidade, a autora afirma:

No Brasil, publicações que enfocam a educação do superdotado ainda são escassas,

embora a necessidade de aumentar os serviços direcionados a esta população tenha

sido, repetidamente, assinalada. Diversos autores brasileiros (por exemplo, Alencar

&Fleith, 2001; Fleith&Virgolim, 1999; Maia-Pinto &Fleith, 2002) notam a

necessidade de se oferecer mais cursos direcionados para a educação do superdotado,

nas universidades brasileiras, de se aperfeiçoar a qualidade dos serviços oferecidos e

de se desenvolver mais programas, materiais e instrumentação para esta população.

(VIRGOLIM A. M., 2007, p. 1)

Tentando compreender os motivos da invisibilidade dos indivíduos, com AH/SD, em

um dos raros trabalhos nacionais, que se detém sobre o tema, Alencar e Fleith (2008),

questionam os docentes sobre os indicadores, que segundo estes dificultar-lhes-iam o

desenvolvimento de ações e atividades para o desenvolvimento da criatividade, com seus alunos

e, consequentemente, facilitariam a identificação de casos de AH/SD, em suas turmas.

Os principais fatores indicados foram: elevado número de alunos, em sala de aula, citado

por 51,4% dos participantes; seguido, respectivamente, por: alunos com dificuldades de

aprendizagem, em sala de aula, 47,3%; baixo reconhecimento do trabalho do professor, 43,8%;

desinteresse do aluno pelo conteúdo ministrado, 38,5%; escassez de material didático

disponível na escola,38,5%; extensão do programa a ser cumprido, no decorrer do ano letivo,

38,2%; presença de alunos indisciplinados que perturbam o trabalho docente, 35,7%.

As respostas dos professores trazem-nos dados que clarificam, os motivos indicados

pelos professores, para a invisibilidade. E por ultrapassarem as explicações de invisibilidade

baseadas nas hipóteses de: mitos, terminologia, falta de formação docente, contribuem para que

compreendamos que, dificilmente, os alunos com AH/SD serão atendidos, sem que os fatores

apontados pelos docentes sejam solucionados, e que as propostas para este educandos que

desconsiderem a escola como um todo, têm poucas chances de obter sucesso e tendem a ficar

restritas a uma pequena parcela, elitizada, da população.

Segundo Virgolim (1998), para que otalento criativo seja, corretamente,identificado,

estimulado e potencializado, emnossos jovens, é necessário atentarmos para o papel

fundamental da escola. E, finalmente, (CSIKSZENTMIHALYI, 1996, apud VIRGOLIM

1998), afirma que muitas pessoas são introduzidas, nas áreas deinteresse, por professores e que

são eles que, na maioria das vezes, estimulam a curiosidade,reconhecem as habilidades dos

alunos e começam a cultivá-las nas disciplinas.

Portanto, apenas, a partir de uma concepção de inteligência e, consequentemente, de

AH/SD, que reconheça e valorize aspectos sociais, no processo de desenvolvimento humano, é

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que se pode pensar em modelos de identificação, que atribuam ao professor sua real importância

e contribuam para a superação da invisibilidade.

Finalmente, a produção acadêmica do Distrito Federal, ao apresentar reflexões sobre as

AH/SDque levam em conta a escola, e a educação, a partir de uma concepção mais ampla que,

apenas, os estudantes talentosos, traz-nos a abordagem que em nossa concepção contribuiria

(se, devidamente, explorada), decisivamente, para a superação da invisibilidade. Como

podemos verificar:

É necessário rever a estrutura da escola tradicional que tende a ser muito rígida,

exigindo do aluno o estudo de conteúdos idênticos em velocidades e estilos similares.

Observa-se uma enorme resistência em se promover esta mudança, uma vez que ela

exige uma nova postura, em sala de aula, e uma nova visão de ensino e aprendizagem.

E necessário, também, ampliar os objetivos propostos para o ensino. Uma ênfase

exagerada na reprodução e na repetição dos ensinamentos prevalece em muitos

países.(ALENCAR, 1993, p. 1)

Sobre o papel dos professores, na superação da invisibilidade das AH/SD e sua

capacidade de identificar os estudantes alto-habilidosos, ainda, que careçam de formação

inicial, nos cursos de licenciatura e, assim, contestando as teses simplificadoras, no

estabelecimento da relação invisibilidade-falta de formação,outra destacada pesquisadora, de

Brasília, alerta-nos:

Os professores do ensino regular, na percepção dos entrevistados, eram capazes

deidentificar as habilidades acima da média, contudo, não sabiam como atender ao

aluno. Além disso, o encaminhamento desses alunos para a sala de recursos ficou,

muitas vezes,prejudicado ou impedido pelo desconhecimento por parte dos

professores da existência doatendimento, pelos trâmites internos dos documentos, na

escola [...].(CHAGAS, 2008, p. 167)

Os trabalhos de Jane Farias Chagas, chegamos ao fator que é ignorado pela maioria das

pesquisas brasileiras sobre o tema: as desigualdades sociais e seu impacto na produção/detecção

de talentos. Enquanto, a maioria dos pesquisadores parece se contentar em dizer que as AH/SD

são verificadas, em todas as classes sociais, de modo e quantidade idênticos.Chagas

(2008),citando Ambrose (2006), indica-nos a importância de termos atenção para a forma como

se estrutura a sociedade, caso queiramos, efetivamente, combater o fracasso escolar e a

invisibilidade das AH/SD, nas escolas, explica a autora:

Ambrose (2006) chama a atenção para aspectos macrossistêmicos que influenciamna

criação e manutenção de oportunidades sócioculturais que promovem

odesenvolvimento do talento e das aspirações de jovens talentosos. Para o

pesquisador, ocontexto econômico, sócio-político e as ideologias das classes

dominantes exerceminfluência na mídia, na dimensão ética e nos sistemas

interpretativos e de valores de umasociedade. Esses fatores podem prover uma enorme

vantagem para o desenvolvimento dotalento de alguns indivíduos e se transformar em

uma barreira opressiva para outros.Ambrose (2006), também, ressalta que os

indivíduos talentosos oriundos deambientes com privação socioeconômica ou que

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nasceram em comunidades segregadas ouestigmatizadas têm menor condições que

seus pares mais abastados de terem acesso aoportunidades sociais ou culturais. A

desigualdade social pode ser uma séria barreira aodesenvolvimento das aspirações,

talentos e sucesso, principalmente, em um mundoglobalizado altamente

competitivo.(CHAGAS, 2008, p. 169)

Por fim, Eunice Soriano Alencar destaca um fator que parece ignorado pela maior parte

das pesquisas brasileiras, sobre as AH/SD, constituindo-se em desafio complexo a ser superado,

que reside, na tendência dos estudantes em esconder suas habilidades:

Segundo Alencar (2007), a necessidade de ser aceito pelos pares faz com que muitos

alunos com altas habilidades optem por disfarçar o seu potencial intelectual superior

e passem a apresentar um rendimento acadêmico muito aquém de suas possibilidades.

(MARTINS C. S., 2010, p. 8)

Dentre os fatores para a invisibilidade, está o fato de que muitos alunos talentosos,

preferem esconder seu potencial para evitar chamar a atenção de professores e colegas sobre si

e, consequentemente, se expor a chacota ou exigências, uma vez que, sabidamente, no ambiente

escolar, os sujeitos que tendem a se destacar da maioria, seja por talentos ou dificuldades,

costumam ter problemas em sua integração, nos grupos de jovens.

4.9 - A Produção Acadêmica e a Invisibilidade das AH/SD

Como verificamos, ao longo da análise da produção intelectual brasileira, na área das

AH/SD, temos inúmeros trabalhos e pesquisadores que refletem sobre o tema, a partir de

concepções que, se aprofundadas, talvez, indicassem respostas para a invisibilidade.

Entretanto, ainda que ameacem um caminhar pelas perguntas, que responderiam à

questão da tendência em não identificar os talentos, a comunidade especializada, quase sempre

prefere respostas mais simples e segue martelando em teses, que seus próprios trabalhos refutam

e apresentam como insuficientes, como: a noção de mitos sobre as altas

habilidades/superdotação e falta de terminologia adequada, para explicar a invisibilidade.

No debate sobre os motivos da invisibilidade, existem alguns pontos clássicos da

compreensão dos especialistas, como: a falta de informação dos professores sobre o assunto; a

concepção de que há um conjunto de representações sociais sobre as pessoas com AH/SD, que

terminam contribuindo com a sua não identificação e atendimento.

A invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação está estreitamente

vinculada à desinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu

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atendimento, à falta de formação acadêmica e docente e à representação cultural das

Pessoas com Altas Habilidades/Superdotação[...] . (FREITAS; PEREZ, 2011, p. 1)

Os estudantes com AH/SDsão invisíveis, inclusive, nos dados do Censo Escolar, que

tem por objetivo orientar as políticas públicas e distribuição de verbas, entre escolas e sistemas

de educação; neste, verifica-se que um número reduzido de estudantes estão cadastrados como

superdotados, no biênio 2008/2009, segundo Pérez e Freitas (2011), menos de 5.000 (cinco mil)

alunos constavam no Censo Escolar, como alunos com AH/SD.

É fato que os professores brasileiros, praticamente, não recebem formação sobre as

AH/SD, mas, um olhar atento sobre os cursos de pedagogia e licenciatura, irá nos indicar que

o rol de lacunas formativas dos professores é vasto.

Neste quadro, ter docentes que conhecem, ainda que, superficialmente, a Educação

Especial e sua legislação, é luxo raro. Não sendo as AH/SD especialmente prejudicadas no

cenário de tantas lacunas formativas de nossos docentes e gestores, mas ainda assim, parece

que os alunos com AH/SD e especialmente os pobres, sofrem de maior invisibilidade que os

demais temas da educação, os motivos desta situação podem dizer muito sobre nossa educação,

como um todo.

É fato que um conjunto de representações sociais sobre o indivíduo, com AH/SD,

repleto de equívocos está disseminado, na sociedade, e que, dentre estes enganos, a noção de

que estes sejam extremamente raros e pertencentes às classes, economicamente, favorecidas,

sejam alguns dos mais poderosos obstáculos ao atendimento dos estudantes talentosos.

Entretanto, não são os mitos isoladamente que produzem a invisibilidade, mas a própria

constituição e estrutura de nossa sociedade,que nega o pleno desenvolvimento intelectual e das

potencialidades humanas (sobretudo aos pobres), que produz as diferenças de resultados,

alimenta o imaginário social e finalmente constitui a invisibilidade.

As próprias teorias, que pretendem explicar os indivíduos superdotados como fruto do

acaso genético,terminam por contribuir para a ideia de que estes são pessoas (com AH/SD),

extremamente, raras e, agraciadas pelos dons divinos e genéticos. Afinal, não faria sentido a

existência da ideologia dos dons e aptidões naturais se estes não fossem raros.

Deste modo, a invisibilidade dos talentos (especialmente) entre os pobres passa,

obviamente, pela falta de informação e existência de representações equivocadas, mas, este

quadro fundamenta-se em estruturas sociais muito mais profundas.

O que verificamos, durante nossos trabalhos de pesquisa, com a bibliografia

especializada e com os professores da rede de ensino, que pesquisamos, é que os docentes

sabem, com muita clareza, quem são seus alunos mais talentosos,preocupando-se com o

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desenvolvimento dos mesmos, em escolas com pouca estrutura. Também, se questionam sobre

o fato de darem pouca atenção a estes estudantes, mas, não associam estes rendimentos elevados

à casos de AH/SD.

A dúvida que os professores apresentam, com justiça, é: diante de uma escola tão ruim

e cada vez mais apressada e superficial, do ponto de vista do conhecimento, onde tantos alunos

fracassam e demonstram desinteresse pelos estudos, como saber se um aluno, que se destaque,

seja superdotado ou apenas alguém normal que estude? Além disto, confirmada a suspeita de

potencial elevado, o que fazer? Para onde encaminhar o estudante? O que lhe oferecer? Sozinho

e, e por vezes sequer contando como interesse de escolas e redes de ensino na questão. É neste

momento, que o professor, em geral, opta pelo silêncio, e termina por confirmar a invisibilidade

mesmo quando desconfie de algum caso.

Verificando que a própria forma como a produção cientifica sobre o tema convive com

sua própria invisibilidade. Precisamos analisar os locais onde preferencialmente os docentes se

formam e buscam informações sobre um tema.

CAPÍTULO V

A IMPRENSA E O ESTADO NA ABORDAGEM DAS AH/SD

Finalizada a análise dos impactos teóricos estruturais, na produção da invisibilidade, e

comorelacionavam-se com o problema da pesquisa, chegou o momento de analisar,

objetivamente, como a invisibilidade era produzida pelas estruturas objetivas da sociedade e,

neste sentido, dirigimo-nos ao trabalho de análise sobre o papel da imprensa nacional e das

ações do Estado brasileiro, na consolidação da invisibilidade das altas

habilidades/superdotação.

Como parte das hipóteses sobre a invisibilidade concentram-se nas perspectivas dos

indivíduos sobre o tema, seja pela falta de formação ou adesão aos mitos sobre a temática, que

produzem equívocos, entendemos que deveríamos nos ater à questões que deslocassem o foco

de análise dos indivíduos e jogassem luz sobre as estruturas que sustentam e explicam como

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posicionamentos “individuais dos docentes” consolidam-se, ao ponto de tamanha hegemonia,

como no caso da invisibilidade, a qual se generaliza por todo o aparato educacional.

A trajetória, neste sentido, foi buscar as estruturas ideológicas do Estado e entender

como trabalhavam para a constituição da situação verificada.Portanto, entendemos que era

momento de analisar como, em primeiro lugar, a imprensa tratava a temática, contribuindo ou

não para o quadro de invisibilidade. Na sequência, seria a vez de avaliar como o Estado

brasileiro, por meio de sua ação, combatia ou fortalecia o quadro de invisibilidade, por

intermédio de suas políticas públicas, legislação, financiamento etc.

Diante da denúncia pela bibliografia especializada e constatação empírica, por meio da

pesquisa de campo, quanto à falta de formação específica dos docentes sobre o tema das altas

habilidades/superdotação, entendemos como fundamental analisar como o assunto era tratado

pela imprensa. Primeiro, porque se trata de um importante aparelho ideológico do Estado e

segundo, pois na falta de formação específica sobre o tema, seria razoável supor que parte das

concepções de docentes e do senso comum sobre o tema fossem produzidos ou, ao menos,

fortemente, influenciados pelas concepções veiculadas pela grande imprensa.

Neste ponto, destacamos a importância dos trabalhos de Althusser (1987), em que

analisa o papel da imprensa, como aparelho ideológico do Estado, no sentido de entendermos

como o discurso da mídia influencia, a formação do imaginário social, a respeito das pessoas

com altas habilidades. Acreditamos que a imprensa tenha papel decisivo, na forma como

gestores e professores compreendem a temática e, consequentemente, colabora para a

consolidação do quadro de invisibilidade.

Deste modo, no período de junho a dezembro de 2016, realizamos o levantamento de

artigos e reportagens veiculados, na imprensa, escritos sobre o tema das AH/SD, na década que

antecedia a pesquisa, nos dois jornais de maior circulação nacional e no jornal de maior

circulação na Baixada Santista, no período de janeiro de 2006 a fevereiro de 2016.

Cabe destacar que, neste período, tivemos a veiculação de matérias jornalísticas sobre o

tema, nas emissoras de televisão aberta do Brasil, sobretudo, nas redes: Record, Globo e

Bandeirantes e tais matérias dividiram-se em entrevistas, em programas como: “Encontro com

Fátima Bernardes”, da Rede Globo e matérias informativas veiculadas no jornal: “Fala Brasil”,

da Rede Record. Mas, por questões metodológicas, concentramos nossas análises, sobretudo,

na produção da imprensa escrita sobre o tema.

Como forma complementar nossa metodologia de análise, do tratamento da imprensa

sobre as AH/SD, procedemos, ao longo do ano de 2015, o levantamento das publicações do

Jornal “A Tribuna de Santos” sobre o assunto, no período que se estende entre os anos de 1960

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e 1965. O objetivo de tal levantamento era verificar a ocorrência de permanências e alterações,

no tratamento jornalístico da temática, em momentos distintos da História brasileira. O período

escolhido deve-se ao fato de coincidir com o momento dos intensos debates sobre a primeira

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, sendo também, anterior à publicação das

primeiras legislações e documentos oficiais sobre atendimento aos alto-habilidosos.

Objetivamos com esta fase da pesquisa a construção de um quadro geral relativo à forma

como o tema das altas habilidades/superdotação foi tratado pelos veículos analisados, bem

como, sua participação, na formação do imaginário sobre a temática, por meio da produção e

reprodução de ideologias sobre os talentos humanos, consequentemente, contribuindo com a

superação ou fortalecimento da invisibilidade.

Utilizamos como referenciais teóricos os trabalhos de: Capellato; Prado (1980) e Mota;

Capellato (1981) e, finalmente, Tucci; Kossoy (2003), que refletem sobre o uso dos jornais

como documentos históricos ea tradição da imprensa paulista oficial e clandestina, em sua

relação com as elites dominantes, sobretudo, a aristocracia paulista ligada aos barões do Café e

os setores da classe média e urbana paulista, servindo para a divulgação de seus ideais.

Desta forma, as matérias jornalísticas: reportagens, entrevistas e editoriais e os anexos

que ilustram as mesmas: fotos, tabelas, infográficos foram analisados como documentos que

merecem olhar crítico e profunda análise de seu conteúdo, evitando, assim, leituras que os

tratem como produção jornalística isenta e neutra em relação a ideologias, seguimentos sociais,

objetivos definidos e relacionados a contextos determinados.

Objetivamos com a análise da produção jornalística, verificar duas questões específicas:

a forma como o tema das AH/SD é tratado pela imprensa brasileira e como a questão da

invisibilidade é apresentada ao público. Verificamos, ao longo do levantamento, basicamente,

que a temática está ligada a três perspectivas: a denúncia da invisibilidade e “desperdício de

talentos”; materiais sobre o fracasso escolar, sobretudo, das redes públicas de ensino e,

finalmente, vasto material sobre indivíduos notabilizados pela produção de excelência, em tenra

idade, apresentados como prodígios, fortalecendo, a ideia de genialidade.

Tais constatações são verificadas, tanto na produção jornalística dos anos de 1960, no

jornal local analisado, por meio do acervo da Hemeroteca Municipal de Santos, como na

produção referente as primeiras décadas do Século XXI, acessadas por intermédio da rede

mundial de computadores, principalmente, pela ferramenta de buscas Google.

Não chega a ser difícil encontrar artigos e reportagens sobre as AH/SD, na grande

imprensa nacional. Com a hipótese, de que o discurso da mídia sobre o tema seria um poderoso

produtor do imaginário social, sobre as AH/SD, realizamos um levantamento, por meio do site

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de buscas “Google”, do termo “superdotado + nome do veículo de comunicação”. No maior

jornal do litoral paulista, “A Tribuna de Santos”, bem como, nos dois maiores jornais de São

Paulo, ambos com circulação Nacional, os conhecidos: “Folha de São Paulo” e “O Estado de

São Paulo” e, também, nas páginas oficiais do MEC e da SEESP.

Rapidamente, a pesquisa começou a indicar inúmeras reportagens e artigos e chegamos

ao número de 35 (trinta e cinco) matérias, as quais tratavam das AH/SD.

No jornal “A Tribuna de Santos”, encontramos duas matérias de 2015, sobre o tema.

Na primeira, publicada em 03 de março de 2015, o jornal repercute uma matéria, dojornal“O

Estado de São Paulo”, sobre a oferta de um curso para professores, da rede municipal da Cidade

de São Paulo, realizado em parceria com a APAHSD. Na reportagem, consta a informação da

aprovação, em 2014, da lei municipal que visa garantir o atendimento aos alto-habilidosos.

Figura 0269: Fonte: A Tribuna de Santos, 03/03/2015.

Repercutindo matéria publicada no jornal, “O Estado de São Paulo”,“ATribuna de

Santos” não faz nenhum paralelo com a região, com a situação de atendimento destas crianças,

nas cidades da Baixada Santista.

69http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/professores-de-sao-paulo-terao-curso-para-

identificar-alunos-superdotados/?cHash=d7ff7d62ff54093648bf60416270d543, Consulta em 12/08/2016 às 13h.

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A segunda matéria encontrada pelo site de buscas em“A Tribuna de Santos”, intitulada:

“Em São Paulo, há atividades extras para alunos que se destacam”, foi publicada em 06 de abril,

de 2015, praticamente, um mês após a primeira. Novamente, uma repercussão de matéria

publicada, pela “Agência de Notícias do Estadão”. A reportagem funciona como contraponto,

ao fato da matéria anterior ter apontado o atendimento ofertado, pela prefeitura de São Paulo.

Nesta oportunidade, são apresentadas as ações das escolas estaduais, neste sentido. Segundo a

reportagem, haveria uma gama de atividades oferecidas aos alunos, que se destacam e a

oportunidade de aceleração de estudos.Novamente, não há qualquer referência aos alunos da

região da Baixada Santista.

A Secretaria de Educação do Estado apresenta o número de alunos, com altas

habilidades/superdotação, cadastrados em seu sistema. Segundo a SEE-SP, são 1.041 (mil e

quarenta e um) alunos identificados, sendo que a própria matéria, do Estadão, indica que cerca

de 4 milhões de alunos pertencem à rede. Assim, teríamos apenas 0,025% da rede, identificada

com AH/SD, atestando, oficialmente, a invisibilidade.

Segundo a responsável pela área, da SEE-SP, o Estado já teria capacitado cerca de 5.000

(cinco mil) docentes, para a identificação e trabalho com estes alunos. Não bastasse o fato de,

em nossas conversas, com dezenas de professores da rede estadual, nunca termos encontrado

um único, que tenha participado de tal formação, chegamos a situação que, com 5.000 (cinco

mil) professores capacitados e cerca de 5.000 (cinco mil) escolas, na rede pública estadual,

temos 1 (um) aluno identificado, para cada 4 (quatro) professores qualificados e para cada 4

(quatro) escolas da rede, indicando que a invisibilidade é brutal.

Aindanesta reportagem, a SEE-SP, por meio de sua representante, afirma que os alunos

podem contar com aceleração de estudos, caso apresentem laudos comprobatórios de AH/SD,

contrariando a orientação do SECADI/MEC70 que diz, claramente, que não é necessário possuir

laudo, para atendimento e progressão de estudos, bastando avaliação, cuidadosa, dos

educadores, da escola envolvida. Na prática, diante das dificuldades que os pais encontram para

obter o tal “laudo”, a rede pública, sem negar a aceleração garantida em lei, termina por

inviabilizar, a sua existência.

Figura 0371:Fonte: A Tribuna de Santos, 06/04/2015.

70 Conforme orientação do ConBraSD, de 06/09/2013, no Oficio N°25/2013. 71http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/atualidades/em-sao-paulo-ha-atividades-extras-para-

alunos-que-se-destacam/?cHash=8e5e981cd07c12c1f07a7a2671bc0e71, Consulta em 12/08/2016 às 13H.

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É interessante verificar que a “Agência de Notícias Estadão” não possui uma forma

única de se referir aos alunos com altas habilidades/superdotação. Se na matéria de março, o

termo usado foi superdotados, na reportagem de abril, os termos escolhidos foram: altas

habilidades, talento, alunos acima da média, alunos que se destacam, apontando a dificuldade

em se definir o conceito partícipes da pesquisa.

Curiosamente, o jornal não fez referência à matéria que a “A Tribuna de Santos” havia

publicado, em 28/01/2013, com o título: “Eles são um prodígio. Quem nota?, na qual o veículo

de comunicação, em uma das raras vezes, que abordou o tema, entrevista Rosilma Roldan,

advogada, que havia realizado pós-graduação, lato-sensu, com foco no tema dos direitos, dos

alunos AH/SD. Nesta reportagem, o jornal entrevistou especialistas; questionou secretarias de

educação municipais, para constatar que não existem dados ou programas efetivos dedicados

ao atendimento destes alunos; relatou casos de pessoas que sofrem com a dificuldade de

integração social, devido aos interesses diferentes. Segue a matéria citada, que obtivemos,

durante nossos levantamentos, no arquivo da Hemeroteca Municipal de Santos:

Figura 0472:Fonte: A Tribuna de Santos, 28/01/2013.

72Material publicada no referido veiculo e acessada através de consulta a edição impressa, disponível no acervo da

Biblioteca Municipal de Santos, no volume Janeiro/Fevereiro de 2013.

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Quando pesquisamos as matérias do jornal,“Folha de São Paulo”,para o termo

superdotação, encontramos quatro artigos publicados, sucessivamente, em: 23/01/2012,

25/12/2014, 18/10/2015 e 23/10/2015, não havendo devolutiva, para o ano de 2013.

A primeira matéria que encontramos na “Folha de São Paulo”, de 2012, é interessante,

pois a referência indicada pelo Google é da republicação de um artigo do jornal, pelo site oficial

da UDEMO, sindicato que representa os especialistas em educação, da rede estadual paulista e

que, basicamente, tem entre seus quadros, diretores de escolas e supervisores de ensino. A

reportagem publicada, no site, trata das disputas judiciais de pais de alunos identificados como

alto-habilidosos, com escolas/redes de ensino para que os mesmos tenham direito à aceleração

de estudos, o que a entidade chama de: “pular de série”.

Na matéria, são apresentados casos de crianças de escolas particulares, onde o impasse

quanto à aceleração terminou na justiça, com algumas sentenças favoráveis ao pleito dos pais.

O texto destaca, ainda, o fato das disputas em torno da aceleração causarem sofrimento às

crianças, que precisam trocar de escolas, vivenciando o conflito de pais e gestores de escolas.

É interessante que, neste caso, a reportagem esteja no site da UDEMO, pois trata de

assunto, claramente, ligado às atribuições dos gestores de escolas, que são parte importante das

decisões sobre o atendimento aos alunos com AH/SD. Tal publicação, em canal oficial, que

representa gestores na rede pública estadual, indica que a falta de conhecimento dos

profissionais da educação, como justificativa para a invisibilidade, nem sempre é verdadeira.

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Figura 0573: Matéria publicada na Folha de São Paulo, 23 de janeiro de 2012. Repercutida pelaUDEMO.

A segunda matéria, da “Folha de São Paulo”, publicada em 2014, é um artigo da

colunista Mônica Bergamo, sobre um menino de nove anos de idade que tem arrancado elogios

de muitos maestros brasileiros. Jovem, estudando em escola pública e de origem humilde, este

é o traço mais comum do jornal ao tratar do tema, nestes casos, destacando a genialidade, na

matéria em questão.

73http://www.udemo.org.br/2012/Leituras/Leituras12_0002_Justica-adianta-super-dotados-na-escola.html ,

Consultado em 12/08/2016 às 22h.

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Figura 0674: Folha de São Paulo, 25 de dezembro de 2014.

Uma breve descrição dos feitos e elogios recebidos pelo menino, um parágrafo sobre

seu virtuosismo, em meio a vida pobre e, finalmente, a dedicação dos pais. Em geral, nestas

situações, em que se destaca a genialidade, a escola não é apresentada como parte da construção

do talento e mesmo a família é colocada em segundo plano, ainda, que destaquem a dedicação

dos pais, a opção primeira é pela noção de dom. A jornalista em questão não utiliza o termo

superdotado, preferindo talento, típica posição, quando a virtuose ocorre em áreas ditas “não

escolares”.

Tais concepções são poderosas ferramentas ideológicas em defesa das aptidões naturais

e importante forma de construir um imaginário, entre docentes, de que o talento, quando existe,

revela-se, espontaneamente, não sendo necessários a identificação.

Finalmente, temos as duas matérias de 2015, estas, talvez, sejam as publicações mais

relevantes, da “Folha de São Paulo”, sobre o tema, destacando o crescimento no número de

identificações, de crianças com AH/SD, no Brasil, nos últimos anos. A jornalista afirma que o

número de superdotados, identificados, cresceu 17 (dezessete) vezes, nos últimos 14 (quatorze)

anos, indicando maior interesse e preparo de escolas e governos na temática.

A matéria originada, em sua sucursal carioca, segue um modelo clássico, para a

abordagem do tema, descrevendo casos de crianças consideradas precoces que encontram

dificuldades, em sua vida escolar. Na reportagem, ocorre a denúncia da pouca atenção recebida

74http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2014/12/1566879-aos-9-anos-violinista-ja-e-solista-

reconhecido-por-maestros-importantes.shtml? Consultado em 12/08/2016 às 22h.

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por estes alunos, nos sistemas, com palavras dos especialistas e a necessidade de atendimento

especial e diferenciado para estes estudantes. Na sequência, a matéria apresenta quadros com o

número de superdotados identificados, no Brasil, segundo o MEC:

Figura 0775: Folha de São Paulo, 18/10/2015.

Figura 0876: Folha de São Paulo, 18/10/2015.

Na apresentação dos quadros, verificamos que os alunos com altas

habilidades/superdotação eram, praticamente, inexistentes, na rede escolar brasileira, até o ano

de 2000. Podemos constatar a tendência de crescimento, ao longo do século XXI, em parte,

como fruto da maior pressão de setores da sociedade civil, em especial, por meio de associações

de pais e do ConBRaSD, com destaque para crescimentos consideráveis, a partir dos anos de

2006/2007, momento em que são publicadas normativas, do Ministério da Educação sobre o

75http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/10/1695370-numero-de-superdotados-cresce-17-vezes-em-14-

anos-nas-escolas-do-pais.shtml , Consultado em 12/08/2016 às 23h. 76 Idem.

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atendimento a este público e data da criação dos NAAH/S, para o atendimento aos alunos

identificados como alto-habilidosos/superdotados.

Outras duas reportagens, isoladas, a destacar são: as apresentações de programas sobre

superdotados, no programa “Encontro com Fátima Bernardes”77, exibido, em 30/05/2013, no

qual a presidente do ConBraSD, profa.dra.Suzana Graciela Pérez, tentou explicar as altas

habilidades/superdotação aos telespectadores, em meioaos muitos comentários do senso

comum, tanto da apresentadora, como de seus convidados. Pérez desdobrava-se para tentar

esclarecer o público.

Em matéria apresentada pela Rede Record, no “Jornal Fala Brasil”78, traz de ações da

prefeitura do Rio Janeiro para atendimento de crianças com AH/SD, em sua rede de ensino.

Mais uma vez, são apresentados os casos de superdotação e suas características, os programas

de atendimento e necessidades especiais destas crianças, bem como, algumas crianças, com

AH/SDsão entrevistadas ou desenvolvem suas atividades, diante das câmeras.

Na reportagem, crianças dão entrevistas sobre o atendimento que recebem e as oficinas

que participam, relatando gostar e demonstrando muito interesse. Todos os entrevistados são

alunos do sexo masculino e crianças brancas, indicando, mais uma vez, que a forma como a

identificação ocorre, assemelha-se a quase tudo, no Brasil, pois é permeada pela tradição de

exclusão das populações negras e das mulheres.

A reportagem mostra um interessante programa, que coloca o Rio de Janeiro bastante

à frente de São Paulo, que é a pratica de levar alunos considerados acima da média para realizar

trabalhos junto aos professores da UFRJ.

Na Universidade, desenvolvem habilidades relacionadas a programação em

computadores e na área de jogos digitais. Não cabem dúvidas, quanto as vantagens de um jovem

poder circular e conviver no ambiente acadêmico, de alta qualidade, como o da UFRJ.

Entretanto, cabe a reflexão quanto ao efeito que trabalhar junto a pesquisadores renomados e

em laboratórios, bem equipados, de grandes universidades, traria, a maior parte dos

alunos,benefícios de aprendizado, motivação e produção de sentido para os estudos, deixando

assim, dúvidas, se apenas alto-habilidosos se beneficiariam de uma estrutura de excelência,

como a da UFRJ, para o desenvolvimento do potencial. Consideramos que os benefícios seriam

prováveis em todos os estudantes que tivessem acesso a tal oportunidade com ou sem AH/SD.

77https://globoplay.globo.com/v/2604844/, Consultado em 13/08/2016 às 20h. 78http://noticias.r7.com/fala-brasil/videos/escolas-do-rio-de-janeiro-tem-12-mil-alunos-com-superinteligencia-

15102015,Consultado em 13/08/2016 às20h.

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211

Ao longo de ambas as matérias, termos como: “superinteligência”, “inteligência acima

da média” e “gênios” são utilizados por repórteres e apresentadores, indicando,

reincidentemente, dificuldade em estabelecer uma terminologia, que consiga apresentar tais

educandos, situação que se repete nas entrevistas, questionários e conversas com professores.

Destacamos as reportagens, para desmistificar a noção de que o assunto seja trancado a

sete chaves e, portanto, distante do professorado e do grande público. O fato de ser apresentado,

em grandes veículos de comunicação, ainda que, raramente, indica que o tema gera interesse

na sociedade e não é, invisível.

A busca no site de buscas Google, do termo “superdotado” associado ao jornal “O

Estado de São Paulo”, trouxe como resposta a existência de 09 (nove) artigos sobre o tema,

datados entre os anos de 2006 a 2015, cobrindo, em termos gerais, a última década, de modo

que, podemos considerar a existência de publicações, anuais, sobre a temática, no jornal.

Com longa tradição de ligação com a elite paulista, desde os períodos da república velha

e fortes vínculos com o governo do Estado, as publicações do Estadão, sobre o tema,

reproduzem, geralmente, as informações da SEE-SP. E, como vimos, no caso de “A Tribuna

de Santos”,muitas das matérias produzidas pela sua agência de notícia serão republicadas pelos

jornais regionais, do Estado de São Paulo e do país.

As matérias publicadas pelo jornal, neste período, são as seguintes: “Projeto da UNESP

identifica estudantes superdotados”79, de 31/06/2015;“São Paulo descobre suas crianças

superdotadas80,de 20/10/2007; “Cresce número de alunos superdotados, mas acesso a ensino

continua restrito81, de 05/06/2010; “Superdotados na rede pública”82de 17/09/2007;“MEC

destina R$ 2 Milhões para atender alunos superdotados”83,de 16/01/2006;“Professores de SP

terão curso para identificar alunos superdotados”84, de 03/03/2015;“Infância de

79http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-da-unesp-identifica-estudantes-superdotados,1735507 ,

Consulta em 13/08/2016 às 20h 80http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-descobre-suas-criancas-superdotadas,68231, Consulta em

13/08/2016 às 20h 81http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cresce-n-de-alunos-superdotados-mas-acesso-a-ensino-continua-

restrito-imp-,561821, Consulta em 13/08/2016 às 20h 82http://www.estadao.com.br/noticias/geral,superdotados-na-rede-publica,53107,Consulta em 13/08/2016 às 20h. 83http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-destina-r-2-mi-para-atender-alunos-

superdotados,20060116p65732, Consulta em 13/08/2016 às 20h. 84http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,professores-de-sp-terao-curso-para-identificar-alunos-

superdotados,1643550, Consulta em 13/08/2016 às 20h.

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212

superdotado”85,de06/03/2009;“Superdotados: pequenos notáveis”86,de 30/10/2007, e

finalmente, “Dilma sanciona lei que cria cadastro de alunos superdotados”87,de 30/12/2015.

Olhandocom atenção, verificamos que os artigos concentram-se em determinados

períodos, como o biênio 2006/2007 e o ano de 2015, temporada marcada por ações estatais, no

sentido de atender ao público com AH/SD. Desta maneira, o jornal repercute e avalia ações dos

governos para a área e, mais uma vez, não se pode dizer que se trate de tema invisível, uma vez

que aparece, com alguma regularidade, ainda, que pequena, em um veículo de grande

circulação.

Comecemos com os artigos mais recentes: “Projeto da UNESP identifica estudantes

superdotados”88, de 31/07/2015;o jornal apresenta um projeto desenvolvido, na cidade de

Marília, para identificação e atendimento de alunos superdotados, por meio de uma parceria

estabelecida entre: UNESP, Diretoria de Ensino da região e Secretaria de Educação da referida

cidade. A reportagem relata que mais de 70 (setenta) alunos obtiveram resultados de Q.I., acima

da média, sendo que, 11 (onze) foram considerados superdotados. De acordo com a reportagem,

o teste utilizado é o teste WISC, teste psicológico bastante popular, na área das AH/SD e o

objetivo do projeto é identificar “futuras mentes brilhantes”. A reportagem utiliza os termos

superdotados e mentes brilhantes, mas, na matéria, a representante da SEE-SP tenta

desmistificar a ideia de necessidade de genialidade para participar do programa.

Ainda, em 2015, foi publicada a matéria: “Dilma sanciona lei que cria cadastro de

alunos superdotados”89,de 30/12/2015, que trata do projeto de lei, de autoria do deputado

Marcelo Crivella/RJ, que institui a obrigatoriedade da criação de um cadastro nacional de

alunos superdotados, sendo sancionado pela presidente Dilma, nos últimos dias de 2015.

Segundo a matéria, esta seria uma medida inicial, no sentido de garantir atendimento aos alunos

com AH/SD. A reportagem indica que o número atual, de alunos identificados com altas

habilidades/superdotação, gira em torno de 13.000 (treze mil), sendo bastante inferior ao real

potencial de alunos, que a rede de ensino brasileira teria, apontando a invisibilidade.

Cabe destacar, que não há no projeto de lei, definição, quanto ao modelo de

identificação, bem como, profissionais especializados, nem dotação orçamentária, para este

85http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,infancia-de-superdotado,334275, Consulta em 13/08/2016 às 20h. 86http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/comportamento,superdotados-pequenos-notaveis,72888, Consulta em

13/08/2016 às 20h. 87http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-sanciona-lei-que-cria-cadastro-de-alunos-

superdotados,10000005952, Consulta em 13/08/2016 às 20h 88http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-da-unesp-identifica-estudantes-superdotados,1735507 ,

Consulta em 13/08/2016 às 20h. 89http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-sanciona-lei-que-cria-cadastro-de-alunos-

superdotados,10000005952, Consulta em 13/08/2016 às 20h.

Page 213: A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1789/2/Leandro da... · 2018-08-30 · defendida e aprovada em 14 de junho de 2018,

213

trabalho. Não temos previsão de gestão do cadastro e atendimento aos alunos que,

eventualmente, sejam identificados; significando pouca conquista, na prática, oferecendo

poucas informações aos gestores e professores, que estejam interessados no assunto, também,

a matéria ter sido encaminhada por Crivella indica como, às vezes, as ações originam-se nos

setores mais conservadores da sociedade, o que gera resistência ao tema.

A última matéria, de 2015, trata da oferta de um curso de capacitação para professores,

da Rede Municipal de São Paulo, sobre AH/SD, oferecido, em parceria, com a APAHSD. A

formação ofereceu 80 vagas aos docentes interessados, sendo uma medida, em resposta, à

criação da lei municipal n°15.919, de 2014, que garante atendimento educacional especializado,

aos alunos com AH/SD, da rede municipal de ensino.

No período de 2006/2007, tivemos algumas matérias sobre o tema, em boa parte, como

no caso da “Folha de São Paulo”, devido à criação pelo MEC dos NAAH/S, visando ao

atendimento de alunos com AH/SD. A reportagem que destacamos é:“SP descobre suas

crianças superdotadas”90,de 20/10/2007,em que se aponta uma iniciativa pioneira da

APAHSD, em buscar a identificação de alunos superdotados, nas escolas públicas, da periferia

de São Paulo. Segundo o aporte, muitos alunos de famílias pobres foram identificados como

potenciais talentos. A diretora da Associação destaca, ainda, a necessidade de romper com os

mitos de genialidade e a imprescindibilidade de suporte do poder público a estas crianças.

Ainda em 2006/2007, temos matérias sobre a destinação de 2 milhões de reais, pelo

Governo Federal, para a criação dos Núcleos de Atendimento às Altas Habilidades e

Superdotação (NAAH/S). A reportagem ressalta o número reduzido de crianças identificadas,

diante do potencial de cerca de 5% da população, possivelmente, com alguma habilidade acima

da média. O texto salienta a dificuldade de professores em fazer a identificação e atendimento

aos alunos, devido à falta de formação na área, alertando para o perigo destes talentos “se

perderem”, caso não sejam auxiliados.

Na reportagem: “Superdotados: pequenos notáveis”91,de 30/10/2007, notamos um

diferencial, em relação às matérias anteriores, que são voltadas a divulgar ações

governamentais, sobre o tema. Esta reportagem é dirigida aos pais, sendo didática e contando

casos de prodígios. A publicação utiliza-se de conhecimentos do senso comum e apesar de

didática, acaba divulgando mitos sobre o assunto, destacamos alguns pontos:

90http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/geral,sp-descobre-suas-criancas-superdotadas,68231, Consulta em

13/08/2016 às 20h. 91http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/comportamento,superdotados-pequenos-notaveis,72888, Consulta em

13/08/2016 às 20h

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214

Para todo pai coruja, seu filho é sempre genial. Se o bebê resmunga, supõe que ele já

está apto a falar qualquer palavra e desenvolver teorias dignas de um cientista, como

Albert Einstein. Ao dedilhar as teclas do piano, desordenadamente, parece estar

gabaritado a tocar qualquer sonata de Beethoven. Caso faça um rabisco de um objeto

não-identificado, na parede, pode ser considerado o sucessor de Leonardo da

Vinci. [...]é preciso ser realista: soltar um ‘mamá’, quase quebrar o instrumento

musical, ou desenhar árvores não são sinais de genialidade. Há uma turminha, porém,

capaz de surpreender qualquer marmanjo. Chamados de superdotados, eles têm o dom

de aprender - quase tudo - precocemente. Música, Matemática, Física, Língua

Portuguesa, Artes plásticas. Não importa a matéria, eles sempre tiram a nota mais

alta.92

Neste trecho, a confusão entre genialidade, superdotação, pequenos notáveis, a noção

de dom, sabe-tudo, indica um amontoado de conceitos equivocados, que colaboram, ainda mais,

para complicar o entendimento de pais e professores sobre o tema.

A ideia de crianças com dons para aprender tudo, de Artes à Física, é bastante errônea,

bem como, a fala de que não importando a disciplina, as notas das crianças, com AH/SD, serão,

sempre, as mais altas. Tais concepções acabam reforçando o imaginário dos gênios, o que,

muitas vezes, impossibilita o professor de notar o aluno.

Finalmente, “O Estado de São Paulo”, traz uma matéria, de 2010, indicando que há um

crescimento, consistente, no número de alunos, com AH/SD, identificados no Brasil. Apesar

disso, afirma que, ainda, é pequena a proporção de identificações, quando comparada ao

potencial indicado por pesquisadores, confirmando a perspectiva de invisibilidade.

O histórico de publicações destes veículos de informação indica que, apesar do pequeno

número de matérias especializadas no tema, não podemos dizer que o mesmo seja invisível à

mídia. Por outro lado, a tendência das matérias em cobrir ações governamentais, na área, aponta

que sem uma orientação organizada, como política de Estado, avanços serão difíceis, ainda que

conte com boa vontade de pesquisadores, professores e familiares.

O que podemos confirmar, por meio da análise das publicações, é que há uma constante

denúncia do número reduzido de alunos identificados e, também, da falta de formação docente.

Diante do tratamento esporádico conferido ao tema, pelos grandes veículos de informações,

seus alertas e discursos soam vazios e pouco reverberam, nos meios educacionais brasileiros.

Pensamos que a parte mais importante da construção do imaginário sobre a temática, por meio

da grande imprensa, não ocorra, exatamente, via matérias, diretamente ligadas ao tema.

92idem.

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5.1 - A Construção do Mito da Genialidade e de “Dom”

“GENIALIDADE, grau superior de talento ,que manifesta-se em elevada criatividade,

tendo extraordinário significado histórico para a vida da sociedade. A genialidade

pode surgir nas mais diversas áreas da criatividade humana - ciência, arte, tecnologia,

política. A genialidade distingue-se do Talento, principalmente, pelo nível e

características da sua obra: os gênios constituem-se em “pioneiros” de uma nova

época histórica em seu campo. [...]A questão da origem hereditária da genialidade não

pode, do mesmo modo, ser considerada definitivamente esclarecida. [...]A genialidade

representa, assim, toda uma teia de questões biológicas, psicológicas e sociais, ainda

distantes de estarem resolvidas pela ciência, com a devida clareza e plenitude. [...]

Condições econômicas e sociais favoráveis podem concorrer para um excelente

aproveitamento dos talentos inatos. Se a hereditariedade torna possível a genialidade,

somente o ambiente social concretiza esse potencial, e cria o gênio. Toda grande

descoberta, invento ou qualquer manifestação de criação genial, é preparada por todo

o curso prévio do desenvolvimento, condicionada pelo nível cultural da época, suas

necessidades e imposições. “Os talentos surgem em toda parte e a todo momento,

onde e quando existem condições sociais favoráveis ao seu desenvolvimento. Isto

significa que todo talento surgido na realidade, isto é, todo talento tornado força social,

é fruto das relações sociais”( VYGOTSKY apud DELOU & BUENO, 2001, p. 2)

Entendemos que o grande trabalho de construção do imaginário dos professores, sobre AH/SD,

por meio da imprensa, não ocorra, apenas, quando os grandes veículos de comunicação tratam,

diretamente, do tema superdotação. Como já havíamos destacado, a formação das concepções

dos professores e da população, de um modo geral, percorre outros caminhos, como por

exemplo, quando se associa a escola pública, apenas, às experiências de fracasso, disseminando,

todo o tempo, a noção de que a escola pública é, naturalmente, destinada ao malogro, assim,

temos poucas chances de que professores imersos, neste imaginário, considerem possível a

existência de alunos com AH/SD.

Um outro caminho que consideramos preocupante, na difusão de ideologias, que afetam

a identificação dos estudantes mais talentosos, ocorre por matérias e artigos jornalísticos, que

mesmo não tratando de superdotação, trabalham para ressaltar casos de supostos gênios

encontrados na sociedade.

Se as altas habilidades e a superdotação são temas pouco presentes, entre os interesses

da imprensa, o mesmo não ocorre com os casos de notícias que destacam histórias de “gênios”,

relatos de “crianças precoces”, jovens prodígios com talentos musicais, atléticos, artísticos,

alunos medalhistas, em olimpíadas de Matemática, Redação, Física, Artes, Ciências, História

etc. Não faltam folhas, tinta e caracteres, de grandes portais de internet, para jovens e crianças

com grandes façanhas: seja aos medalhistas, jovens cientistas, aos aprovados em universidades,

sem ter idade para cursar o ensino superior, ou aqueles que se desempenham, notavelmente, nas

avaliações como: Prova Brasil, ENEM, Olimpíadas de Matemática, Física, Astronomia etc.

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Dentre os temas citados, os preferidos dos grandes jornais e sites de informação são

aqueles que apresentam alunos que obtêm resultados de excelência, nos exames vestibulares.

São centenas e até milhares de matérias, destacando algum aluno que tenha sido aprovado, em

uma universidade dos Estados Unidos (mais novo fetiche da classe média, de grandes cidades),

ou ter obtido um primeiro lugar na: USP, UNICAMP, UNESP; ser aprovado em Medicina, em

grande instituição, coloca qualquer um na condição de possível entrevistado, para explicar os

segredos do sucesso.

Defendemos a hipótese de que parte considerável do que professores, gestores, pais e

alunos pensam sobre as AH/SD deva-se às reportagens, que abordam tais resultados

conquistados por indivíduos. Todos os anos, no período de janeiro/fevereiro, quando saem os

resultados do ENEM/VESTIBULAR, existe um verdadeiro bombardeio relacionado a tais

indivíduos e seus resultados.

De um modo geral, estas reportagens apresentam as façanhas esportivas, artísticas,

científicas ou, simplesmente, a aprovação em exames vestibulares, como a comprovação cabal

de que os indivíduos possuem aptidões naturais, que os destina na vida, conforme suas

capacidades. Quase sempre, entrevistam jovens que relatam ter uma “vida normal”, apesar dos

resultados obtidos, ou seja, estes namoram, fazem esportes, viajam, vão ao cinema, usam redes

sociais, apesar, de terem sido aprovados nos cursos de medicina.

As muitas horas de estudo/treino/dedicação do estudante, o investimento de tempo,

dinheiro são desconsiderados. O fato de ter pais, com formação na área, onde a criança obtém

sucesso, também, não costuma ter importância.

Por vezes, temos reportagens de crianças pobres, campesinas, com pais pouco

escolarizados e, preferencialmente, analfabetos, sempre oriundos de escolas públicas, que

alcançam resultados de destaque, em competições nacionais e internacionais de Ciências,

Matemática, Robótica, Física, Redação, História, ou obtêm a aprovação, entre os primeiros

colocados, nos exames vestibulares. Sempre que isto ocorre, é destacada a noção de “dom”,

como forma de explicar um sucesso, em uma realidade social tão adversa.

Tais perspectivas reafirmam a noção de que os resultados obtidos pelos indivíduos

sejam fruto de dons pessoais e que se manifestam, independentemente, de classe social, gênero,

etnia, localização geográfica, formação dos pais ou, finalmente, da escola e dos professores.

A difusão desta ideologia, que se apoia na noção de que o sucesso ou fracasso de cada

um depende, basicamente, da posse ou não de “dons” (genéticos ou divinos), termina criando,

nos professores, a ideia de que não cabe à escola a busca por tais alunos, pois, uma vez que

sejam, verdadeiramente, talentosos, saberão a melhor forma e momento, de dar vazão as suas

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altas capacidades. Tal concepção, além de equivocada, acaba tendo papel decisivo, na tendência

das escolas públicas e seus profissionais em não identificarem e atenderemseus alunos

talentosos.

Como forma de observarmos tal situação, destacamos duas matérias, do jornal “Folha

de São Paulo”, publicadas nos anos de 2015/2016, intituladas: “TRIgênias: filhas de

agricultores, irmãs do interior do Espírito Santo, ganharam medalha de ouro e são as melhores

do estado em olimpíada de matemática”, de 12/06/2015, num domingo, no caderno Cotidiano.

E, “Atleta de Cálculos, ouro em matemática sem desprezar humanas, jovem de 14 anos estuda

para competição mundial”, publicada em 21/02/2016, também, no caderno Cotidiano, em um

domingo.

Na primeira matéria93 é apresentado o caso de Fabia, Fabiele e Fabíola, irmãs trigêmeas

e filhas de pequenos agricultores, em uma cidade do interior do Espírito Santo, Santa

Leopoldina, que obtiveram três medalhas de ouro na OBMEP, de 2014. A matéria destaca a

raridade do fato, de três irmãs conseguirem tal feito e, ao mesmo tempo, salienta falas dos pais

das meninas, afirmando não saberem de onde vem tamanha capacidade. Destacamos uma fala

da mãe, das jovens: “Não sei de onde vem essa capacidade das meninas, mas a gente fica muito

feliz e orgulhosa”. Ao longo da reportagem, fica evidente a noção de genialidade.

93http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/07/1654708-trigenias-filhas-de-agricultores-do-es-se-tornam-

campeas-de-matematica.shtml, Consultado em 15/08/2016 às 22H.

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Figura 09: Folha de São Paulo, 12/07/2015. Figura 10: Folha de São Paulo, 12/07/2015.

Um olhar mais atento indica que processos, bastante complexos, levaram as irmãs a tal

desempenho; seja a vida difícil da família, que fez com que um dos irmãos fosse obrigado a

deixar os estudos, para trabalhar no campo com os pais e garantir o sustento; e que as trigêmeas

fossem criadas pela irmã mais velha, Flávia, que foi a primeira pessoa de sua cidade a cursar o

ensino superior e, atualmente, faz doutorado. É importante verificar como o sentido de gratidão

ao esforço familiar, o peso de um irmão mais velho, experiente e capaz de transmitir motivação

e capital cultural influenciam na formação de altas habilidades.

Outro fator relevante, as meninas precisaram tentar a medalha, ao longo de quase todo

o ensino fundamental II, forcejando em 2011, 2012, 2013, para a obtenção do resultado, em

2014, apenas. Neste ínterim, uma das irmãs conseguiu uma vaga, em um programa de iniciação

científica júnior, onde, mensalmente, estudava matemática avançada, com outros alunos, na

capital do estado, Vitória. Fabíola, a irmã que fazia o PIC, passava o material as outras irmãs e

juntas estudavam.

Não podemos desconsiderar o fato de que os pais, apesar de pequenos agricultores, com

pouca escolarização, já tinham alguma experiência em investir na escola, como forma de

ascensão social. Também, vale destacar, o fato da filha mais velha estar na universidade, bem

como, o incentivo e experiência desta irmã, incluindo a disposição familiar, ao permitir que a

filha frequentasse as aulas, na capital.

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219

Cabe ainda destacar, que o fato de ter duas irmãs cursando a mesma série/ano e, assim,

estudando os mesmos conteúdos, acaba gerando relações de competição, solidariedade e troca

de conhecimentos capazes de estimular o crescimento e melhorar os resultados. No ano de 2013,

pela primeira vez, todas as irmãs tiveram direito a cursar o programa de iniciação científica,

ofertado na Universidade Federal do Espírito Santo, recebendo a bolsa de R$100 (cem reais),

projeto com risco de ser encerrado pelo corte de investimentos do governo federal. Podemos

imaginar, que neste ponto, a trajetória das meninas já estivesse se tornando algo intencional;

seria razoável supor que os pais vissem, com orgulho, as filhas estudando duro, ganhando

dinheiro e indo para a capital. A esta altura, a escola e os professores viam, nas meninas, talentos

que poderiam render prêmios ao colégio. A professora das meninas, no ensino fundamental,

oferece mais uma pista do caminho para o sucesso; ela teria conseguido, com que mais 4

(quatro) de seus alunos, além das trigêmeas, conquistassem medalhas na OBMEP; verificamos

assim, o papel de um docente que, intencionalmente, passe a estimular o estudo e a participação

dos alunos, em tais eventos. Por fim, temos duas informações essenciais, a irmã mais velha, o

“modelo”, havia, também, obtido uma menção honrosa na OBMEP, em 2007, indicando a

existência de capital cultural a ser transmitido às meninas, acrescendo o fato de que estas

haviam sido aprovadas no exame de seleção, para cursar o ensino médio, no IFES. Assim, as

três irmãs passaram a cursar o curso técnico, em agronomia, vivendo distante da família.

Histórias como esta poderiam nos indicar e ensinar os caminhos, pelos quais se

constroem os sentidos para o estudo e dedicação, que podem produzir e gerar talentos e

resultados dignos, de serem considerados altas habilidades/superdotação, mas a forma como

são apresentadas, reforçam uma noção simplista de que herdamos nossas capacidades

intelectuais, geneticamente, ou as recebemos por dons divinos. Contribuindo para que

professores passem a acreditar que não têm responsabilidade pelo desenvolvimento e

aprimoramento dos talentos.

A segunda matéria, “Atleta de Cálculos”94, publicada na “Folha de São Paulo”,em

21/02/2016, que apresenta o caso da gaúcha, Mariana Groff, de 14 anos, que acumulou, em sua

carreira de estudante, 11 medalhas em olimpíadas nacionais, na área de exatas e se prepara para

compor a seleção brasileira, na Olimpíada Internacional de Matemática, que realizada em 2017,

pela primeira vez, no Brasil.

Novamente, a chamada da matéria e resumo apresentado, no infográfico, trata de

mostrar os resultados obtidos como algo espetacular e acaba reafirmando a ideia de genialidade.

94http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/02/1741518-medalhista-de-matematica-gaucha-de-14-anos-

estuda-para-mundial.shtml, Consultado em 15/08/2016 às 22H.

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220

No decorrer da reportagem, os indícios que devem ser buscados, na biografia dos

sujeitos, como forma de compreender suas capacidades acima da média, vão surgindo. A jovem

Mariana descreve sua história dizendo que sempre gostou de estudar, ainda que, Matemática

não fosse uma paixão; destaca o fato de uma professora, do quinto ano, ter percebido seu

potencial e proposto que a mesma acelerasse uma série, “pulando” o sexto ano. A aluna

medalhista relata que sua escola recusou-se a realizar a aceleração, obrigando-a buscar outra

escola.

Aos 12 anos, outra professora lhe inscreveu para a sua primeira olimpíada de

Matemática, na qual obteve medalha de ouro, relatando que necessitou de muitos estudos, aos

finais de semana. Há o destaque da aluna para um ponto importante, que foi a entrada na

universidade, por meio de sua aceitação, como ouvinte, em um curso de lógica de programação,

na Universidade Federal de Santa Maria, onde se encontra um dos maiores centros de pesquisa,

em AH/SD, coordenado pela profa. Dra. Soraia Napoleão de Freitas, que realiza formações

junto aos professores e escolas, para a identificação e trabalho com crianças com este perfil.

Pensamos ser razoável supor que a existência do grupo de pesquisa tenha, de algum modo,

ajudado Mariana, uma aluna do ensino fundamental, a ser aceita como ouvinte, na disciplina.

Somam-se aqui, o papel de sistemas de ensino preparados e professores atentos ao

reconhecimento do talento, sejam as professoras do ensino fundamental ou os trabalhos dos

docentes da UFSM.

Ganhadora de 11 medalhas, em olimpíadas nas áreas de: Matemática, Química,

Astronomia e Física, a educanda apresenta-se motivada e encontra prazer pela competição,

tendo consciência de que sua situação é diferente, devido ao fato da maioria das medalhas

ficarem com os rapazes.

Ainda discutindo o papel do sentido (significação), na constituição das habilidades

humanas, devemos notar, que ao começar a acompanhar as aulas na UFSM, a menina precisava

se deslocar quase 300 km, de sua cidade Frederico Westphalen até a Universidade, viajando

mais de 6 horas, semanalmente, indicando o tipo de investimento de capital econômico e tempo,

que apenas famílias capazes de reconhecer nesta investidura, “sacrifício”, com possibilidade de

reversão em benefícios, poderiam fazer, ficando a percepção que, dificilmente, famílias pobres,

da classe trabalhadora, pudessem custear tais esforços, sem ajuda de um professor, “padrinho”.

A “atleta dos cálculos” destaca o apoio dos pais e afirma que as conquistas de medalhas

estimularam-na a deixar sua cidade natal, para viver em Porto Alegre, quase 500 km distante

de sua casa, onde cursa o ensino médio, em um colégio militar. Sua trajetória, também, inspirou

a irmã mais nova que, aos 11 anos, já ganhou medalha na OBMEP, indicando que muitos

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fatores, para além da simples genialidade, envolvem um caminho de sucesso: professores

atentos, estudo sério e dedicado, escolas que notem e estimulem os alunos, a parceria com as

universidades, o apoio familiar, a posse de capital cultural e econômico suficiente, o ingresso

em escolas de qualidade etc.

Tais publicações são importantes, pois sendo parte de poderosos veículos

decomunicação, são capazes de difundir ideologias a respeito das AH/SD, entre formadores de

opinião, sobretudo, entre trabalhadores da educação, modelando o imaginário dos professores

sobre o tema, afinal, ao apresentar apenas o dado bruto (a conquista de ótimos resultados), sem

maiores explicações quanto ao papel de escolas e professores, a participação das universidades,

bem como, do capital cultural e econômico dos pais, as reportagens fortalecem as noções de

dom e aptidão natural, que de um modo geral, permeiam o imaginário educacional e o senso

comum e podem cumprir papel decisivo, na forma como o fracasso escolar é justificado,

corroborando, também, na invisibilidade dos talentos.

5.2 As AH/SD no Portal Oficial da SEE-SP

Como forma de avaliar a maneira como a questão das AH/SD são apresentadas, nos

canais oficiais de comunicação, do Estado de São Paulo, realizamos busca no site da Secretaria

de Educação do referido estado. O objetivo da busca foi verificar como a temática era

apresentada, pelo canal oficial de comunicação, da maior rede de ensino público do Brasil e de

onde a maior parte dos jornais, de circulação nacional, retiravam as informações para a

abordagem da questão. Verificamos, que muitas vezes, as reportagens encontradas nos jornais

e agências de notícias não passavam de repercussões de textos oficiais, publicados pela SEE-

SP. Sobre o atendimento às AH/SD, na rede estadual paulista até 2005, (CAPELLINI, 2005),

em pesquisa realizada na diretoria de ensino, da região de Bauru, com mais de 39.000 (trinta e

nove mil) alunos, indica-nos:

Os dados obtidos nesta pesquisa parecem indicar que o sistema estadual da educação

(de São Paulo) tem mostrado descaso com essa população e que os programas de

formação continuada não têm tratado essa temática, ocasionando, muitas vezes, por

falta de informação, a exclusão (mesmo que não física) e/ou discriminação de muitos

alunos, possivelmente, superdotados.

Em nossa busca na página da SSE-SP, encontramos nove artigos sobre altas

habilidades/superdotação publicados no período de 2006 a 2015, com nenhuma editoração para

os anos de: 2016, 2014, 2011 e duas publicações, no ano de 2012, aquele que teve maior número

de artigos sobre a questão.

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A tendência a publicação de, apenas, um artigo anual sobre o tema, já indica o tamanho

da atenção conferida pela secretaria ao assunto e que, parte da invisibilidade é fruto, entre outras

questões, da ausência de interesse do poder público e das redes de ensino, em enfrentar a

situação. Comprovando este quadro de desinteresse da SEE-SP sobre o tema, até a primeira

década, do presente século (Rangni, 2012, p. 68) apresenta-nos tabela relativa ao número de

alunos identificados, no Estado de São Paulo, até o ano de 2005:

Figura 11: Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo, Rangni(2012, p.68)

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

4 0 1 1 0 0 0 0 0 --

Figura 12: Alunos com AH/SD na rede pública do Estado de São Paulo, Rangni(2012, p.68) Atendimento 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Com apoio --- 2 10 09 05 15

Sem apoio --- 147 264 986 834 968

Total --- 149 274 995 839 983

A confirmação pela SEE-SP de que em 2011 nem duas dezenas de alunos no Estado

recebiam apoio é alarmante e prova cabal da invisibilidade.

O primeiro artigo publicado95, no ano de 2006, trata de curso de capacitação ofertado a

150 supervisores de ensino, com foco no atendimento aos alunos com AH/SD. O curso foi

ministrado por duas especialistas, as professoras: Christina Menna Cupertino, e Denise de

Souza Fleith. Tal formação indicou que aqueles profissionais (supervisores), responsáveis por

casos de solicitação de aceleração de estudos para alunos com AH/SD, estariam,

“supostamente”, informados sobre o tema, apontando que o desconhecimento sobre o assunto

que, em geral, serve para justificar a invisibilidades, deve ser relativizado.

Na sequência, a SEE-SP publicou, no ano de 2007, artigo referente a primeira turma

formada para o atendimento aos alunos, com AH/SD. Segundo a secretaria, foram 270

profissionais da rede, com formação que durou um ano, sendo ministrada aos supervisores de

ensino, coordenadores pedagógicos, professores e realizada no CAPE (Centro de Apoio

Pedagógico Especializado).

O artigo de 2008, publicado em dezembro, indicava o lançamento do livro “Um olhar

para as altas habilidades: construção de caminhos”, que seria distribuído à rede de ensino, no

95http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/supervisores-de-ensino-aprendem-como-lidar-com-alunos-

superdotados, Consulta em 05/09/2016 as16h.

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ano de 2009. Segundo a própria secretaria, o livro teria uma tiragem de 5.500 (cinco mil e

quinhentos) exemplares, sendo encaminhados a todas as escolas estaduais de São Paulo. Tal

medida segue a tentativa de organizar o atendimento aos alunos alto-habilidosos, em uma

sequência, que primeiro formou alguns dos supervisores, em seguida, 270 (duzentos e setenta)

profissionais e, finalmente, ocorre a publicação de um manual de atendimento.

Da análise destas três primeiras matérias, podemos verificar como as medidas chegam

em conta gotas, lentamente e de forma tímida, apontando que antes de 2006, simplesmente, o

tema não existia para a rede paulista, mesmo estando previsto na LDB, há mais de 10 anos.

O artigo de 2009 fala do projeto “Caça-Talentos”, que segundo a pasta da educação, as

medidas de formação de supervisores e profissionais de 2006/2007 e a publicação do livro em

2009, seriam parte do projeto. Interessante é verificar que nas publicações anteriores, sequer, é

apresentada existência de algum projeto, neste sentido, mas esta apresenta o enorme sucesso do

programa, indicando que no período de 2007 a 2008, o número de alunos alto-habilidosos

identificados, na rede paulista, saltou de 79 (setenta e nove) para 397 (trezentos e noventa e

sete) alunos, apontando um crescimento de 500%.

Em 2010, a SEE-SP comemorou a identificação de 1.022 (mil e vinte e dois) alunos, no

ano de 2009 e, mais uma vez, com um crescimento de mais de 300%, indicando, primeiro, que

o número de alunos identificados seguiu reduzido, praticamente, até a primeira década do

século XXI e que, bastando algumas iniciativas frágeis do poder público, os alunos surgiram.

O ano de 2012 é o único que conta com duas publicações, da secretaria de educação

sobre o tema. A matéria de agosto destaca a publicação, no Diário Oficial, de resolução que

possibilita a aceleração de crianças superdotadas96, apontando a grande demora em se adequar

a uma questão, que a própria LDB já previa, há mais de dez anos. Além disso, a dita resolução

coloca tantos empecilhos à aceleração que, praticamente, torna impossível que alguém consiga

reclassificação. O segundo artigo, do ano de 2012, trata de um aluno da rede estadual que obteve

medalha em concurso nacional de redação97 e recebeu a visita, do então secretário de educação.

Artigo superficial e que nada acrescenta, além de publicidade ao secretário, mostrando outra

faceta das AH/SD. Em geral, o tema é lembrado por políticos, oportunistas, interessados em

flashes e autopropagandas.

96http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/alunos-superdotados-terao-novas-normas-para-atendimento-escolar 97http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/aluno-superdotado-vence-concurso-com-texto-sobre-inclusao

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No ano de 2013, temos um artigo divulgando o encontro realizado pela instituição

privada ISMART, sobre altas habilidades/superdotação, aberto aos profissionais da educação98,

no qual o instituto estimula os docentes e gestores a indicarem alunos para seus programas de

oficinas e bolsas de estudo.

O último artigo da SEE-SP sobre o tema é indicativo das descontinuidades vividas, na

educação paulista. Nesta publicação, segundo a secretaria, cerca de 5.000 (cinco mil)

profissionais, em todas as 91 (noventa e uma) diretorias de ensino do estado, estão preparados

para a identificação, trabalho com alto-habilidosos e orientação aos pais de alunos com AH/SD,

em São Paulo. Segundo o artigo, todas as escolas, da rede estadual paulista, teriam formação

para o trabalho com este público.

A informação indica a fragilidade das ações estatais, pois segundo o próprio texto, em

2015, havia sido concluído o primeiro levantamento sobre alunos com AH/SD99, nesta rede e,

segundo a secretaria, havia 1.041(mil e quarenta e um) alunos alto-habilidosos na rede, em

2015. Se considerarmos que a própria SSE-SP afirma que, no ano de 2009, havia realizado

levantamento, detectando 1.022 (mil e vinte e dois) alunos, houve um acréscimo de 20 alunos,

em quase meia década, fazendo com que a uma rede que possui mais de 150.000 (cento e

cinquenta mil) potenciais alto-habilidosos, atenda menos de 1%, de seupotencial.

5.3 -As AH/SD Ganham as Primeiras Páginas

98http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/encontro-que-auxilia-educadores-a-identificar-alunos-com-altas-

habilidades-recebe-inscricoes-saiba-como-participar 99 http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/rede-estadual-possui-1-041-alunos-superdotados-matriculados-nas-

escolas-paulistas

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Figura 13: Revista Época, 19/02/2016. Figura 14: Site Revista Época, 07/10/2016.

Nesta fase do trabalho, não podemos deixar de analisar a publicação da Revista Época,

de fevereiro de 2016, que traz as altas habilidades e sua invisibilidade, como matéria de capa,

por tamanha importância da publicação e grande circulação nacional.

Antes de iniciarmos, cabe destacar como a publicação da revista chegou ao nosso

conhecimento: por meio de duas professoras da rede municipal, onde desenvolvemos nossa

pesquisa, que haviam participado das respostas dos nossosquestionários e, portanto, sabiam de

nosso interesse na área, o que nos mostra que a presença de pesquisadores e a circulação de

informações sobre o tema faz com que os olhares dos professores alterem-se, apontando que a

pesquisa já produz efeitos práticos, na alteração da realidade local.

A publicação da Revista Época, de propriedade da editora Globo, de número 922, de

fevereiro de 2016, traz uma novidade para o campo das AH/SD, o tema como capa de um

periódico nacional. Vale destacar o fato de que a emissora, no mesmo período, estava obtendo

profundo sucesso, com um programa semanal, sobre o talento musical de crianças e

adolescentes, chamado “The VoiceKids”, que mantém, na atualidade. A emissora concorrente,

Rede Bandeirantes, também, obtém bons índices de audiência com o programa dedicado a

prodígios mirins, na gastronomia: “MasterChef Junior”, indicando o interesse que o tema dos

indivíduos talentosos desperta no público.

O primeiro e óbvio destaque é que ter uma publicação nacional sobre o tema indica

avanços na área, que devem ser atribuídos como fruto do trabalho de pesquisadores, familiares

e militantes da temática.

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O periódico propõe-se a analisar o fenômeno da invisibilidade das AH/SD, a partir do

paralelo entre as histórias de duas crianças. Tais histórias são apresentadas na capa, como prova

de que o Brasil trata mal seus talentos.

Na capa, temos três palavras em destaque e marcadas com a cor amarela:

“superdotados”, “discriminados” e “cadeia”; o texto segue apontando que ambos os meninos

tiveram vidas difíceis e estas dificuldades demonstrariam, segundo a publicação: “Como o

Brasil desperdiça seus talentos.” Na capa, opta-se pelo termo superdotado, quando a maioria

dos pesquisadores utiliza altas habilidades, o que indica a preferência por chamar a atenção do

público.

As demais palavras, “discriminado e cadeia”, chamam atenção para a tendência do

Brasilde desperdiçar os seus talentos, e traz de um lado, a denúncia do pouco atendimento e

atenção e, do outro, a ideia de que uma criança possa ser desperdiçada, claramente, de acordo

com as teorias do capital humano, no qual devemos aproveitar os talentos.

A revista tem o mérito de propor uma análise, que a partir de histórias individuais,

sejamos capazes de refletir sobre o Brasil, de modo mais amplo.

No editorial, a publicação trata de trazer o mito da genialidade, ao centro da questão,

intitulado: “Onde está o Pelé da política?E o da Economia?”. Assim, afirma que os talentos

do futebol, no Brasil, são valorizados e, cada nova geração de jogadores tem os seus melhores,

na seleção nacional o que, segundo a revista, não ocorre em outras áreas. Os erros surgemna

utilização do Pelé, enquanto referência, para o debate das AH/SD, afinal, se apoiar em um

gênio, o maior atleta do século XX, como referência, vem ao encontro do que os pesquisadores

mostram como equívoco, o quecolabora para a invisibilidade.

Na sequência, o diretor da redação defende a noção de meritocracia, ao propor que os

“melhores”, de cada área, devam ser valorizados. A defesa da meritocracia surge pautada na

ideia de que a solução para a saída da crise, que vivemos, passe por convocar nossos talentos,

para pensar sua solução. Segundo o editor, os governos do Fernando Henrique Cardoso e

Mauricio Macri, na Argentina, eram e são bons por terem talentos. Tal postura, além de frágil,

realiza o pior uso possível das AH/SD, que é a defesa de um elitismo rudimentar e ingênuo.

5.4 -Matéria de Capa

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A matéria, novamente, prefere o termo “superdotados” para definir a condição dos dois

colegas de turma, como forma de construir a ideia de oposição entre as vidas dos dois meninos,

que são tema da reportagem. Em destaque, estão grifadas as palavras USP e cadeia, como

limites do sucesso ou fracasso.

A primeira questão apresentada é que os meninos, em suas trajetórias escolares,

precisavam disfarçar suas habilidades, devido ao preconceito que sofriam. Durante a descrição

de suas situações, surgem dois termos, os quais utilizamos muito, em nossa pesquisa: “dom e

invisibilidade”. Na perspectiva da revista, o dom seria capacidade desenvolvida pelos meninos

e a invisibilidade estratégia criada pelos alunos.

O texto inicia-se com a descrição de uma suposta cena em sala de aula, da primeira série

e demonstra certos estereótipos sobre as AH/SD e à docência, com excertos como: “A

professora Heloísa [...] começava sua missão de guiar nova turma”; “Mas um menino destoava

da classe”; “Quieto, parecia imerso em seu mundo particular” e assim, notamos concepções

clássicas sobre a educação: o magistério como missão e a do aluno, com AH/SD, como alguém

quieto, isolado, imerso em seu mundo particular.

Na sequência, após uma bronca da professora, eis que o talento revela-se como um

milagre que assombrou a todos, desvendando o segredo escondido a “sete chaves”, pois, desde

os 3 anos, a criança lia, mas sua mãe havia lhe prevenido, quanto aos perigos de querer se

destacar. O enredo poderia ser tema de filme de Hollywood e conta com todas as características

de um Thriller, mas uma informação passa, quase,desapercebida e não merece atenção do

jornalista, o menino era filho de uma professora primária.

Outra informação importante é que seu pai era artesão de Arte Sacra, conhecido na

cidade. Assim, se seguimos a perspectiva do jornalista, temos a ideia de que se trata de um

trabalhador qualquer, sem formação superior, quando olhada pelo público de uma grande

cidade. Porém, quem conhece a tradição de Arte Sacra mineira, sabe que ocorre o oposto; ser

este tipo de artesão, em pequenas cidades de Minas Gerais, representa contar com o respeito e

reconhecimento da população, bem como, ter acesso aos padres, bispos e pessoas eruditas da

cidade;significa ser admirado e receber encomendas de figuras ilustres como: políticos,

médicos, profissionais liberais e, especialmente, significa ligar-se à uma tradição, de mais de

três séculos de artistas, que criaram o barroco mineiro, levando assim, a conhecer nomes como

os mestres Aleijadinho e Ataíde, suas histórias e técnicas e, por vezes, ouvir e falar com artistas

eruditos e professores que pesquisam a Arte Sacra mineira. Neste caso, ser artista sacro é viajar

para fazer as entregas, ter parte principal em festas e comemorações da cidade e, especialmente,

ter Antônio Francisco Lisboa como mestre, modelo de genialidade.

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Com isto, pretendemos mostrar como a análise apurada das histórias pessoais podem

dar indícios de como a socialização dos sujeitoscontribui para a formação do psiquismo humano

e a atribuição de sentidos, que estimulam o talento; logo, apelar ao dom e supervalorizar a

genética decorre de opções apressadas e superficiais.

A sequência da matéria é triste, o menino tratado como incômodo pela professora e sem

entender o que ocorria, acabou na psicóloga. Sua mãe professora não entendia o que ocorria e

a criança seguia entediada e sofrendo, sendo que a psicóloga não compreendeu, também, o caso

e o menino acabou matriculado na APAE, onde sua saída foi silenciar seus talentos e perguntas,

fazendo-se invisível. Tal quadro mostra o despreparo profissional que pode levar as crianças a

preferirem se esconder, colaborando para o quadro de invisibilidade.

A história do menino segue entre a solidão e a luta por se fazer comportado e invisível;

passa muitas horas na biblioteca sozinho, até que o contato com um outro menino, muda-lhe a

vida. Propositalmente, a revista ressalta as características físicas de ambos, um claro e loiro e o

outro, descrito como pardo, de cabelos crespos, ambos superdotados, mostrando que a

inteligência nada tinha com etnia. Neste ponto, é impossível não nos perguntarmos quem

terminaria na USP e quem acabou na cadeia? O menino negro, segundo a matéria, era

igualmente inteligente e isolado, tinha a simpatia dos professores, mas como o primeiro

estudante havia sido considerado aluno-problema e enfrentou a fama de exibido e sabe-tudo,

sendo pressionado pelos colegas de classe, igualmente, tornou-se invisível.

A sequência da reportagem reforça a noção de gênios, que pouco contam com a escola,

meninos isolados da turma, dormindo em sala de aula, que não se envolvem com as atividades

escolares, seus talentos ocorrem, sem que haja qualquer ajuda dos professores e são isolados do

grupo, contando apenas com o apoio mútuo.

Ao se tornarem adolescentes, o menino pobre e negro passou a cursar o Ensino Técnico

em Contabilidade, dividindo seu tempo entre os estudos e subempregos para sobreviver, muito

parecido com as previsões de trabalho de Baudelot e Establet, ao constatar a existência de

trajetórias curtas, para pobres e longas, para aqueles que têm condições de custear os estudos e

postergar o ingresso no mundo de trabalho.

Aos 16 (dezesseis) anos, o menino já havia perdido pai e mãe e mesmo tendo 16 irmãos,

estava “por conta própria na vida” e aos 18 (dezoito) anos, o menino inteligente tinha se tornado

um operário, em uma indústria da região, fato contado pelos irmãos, como algo irrecusável,

diante das oportunidades para a população. A inteligência do menino levou-o um pouco além

da realidade dos irmãos e muito aquém de seu potencial, a reprodução já havia feito sua parte.

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O outro menino, o filho da professora, também seguiu por um curso técnico e conseguiu

destaque e uma bolsa de estudos, graças ao seu talento.

A mudança na vida do menino, filho da professora, ocorreu com a identificação de seu

talento, por uma empresa internacional, a OAKInternational Academies, que é especializada

em captar jovens talentosos. Seus donos? A Igreja Católica Apostólica Romana,oferecendo-

nos assim, a ideia de como esta é uma área que interessa a algumas instituições e setores da

sociedade. A empresa, que busca talentos no mundo todo, reconheceu-o e contratou-o,

rapidamente. Atuando como programador, em vários países e devido a sua ligação com a igreja,

os superiores da religião convidaram-no para se tornar seminarista, no Vaticano. Cabe aqui uma

volta ao tempo: será que vir de uma família e cidade, profundamente católicas, pesaram em sua

decisão por seguir uma vocação? Novamente, indivíduo e sociedade se cruzam, não há talento,

sem história e oportunidade.

A revista destaca o talento para os idiomas falados pelo o menino, são 7, mostrando

como o sentido é algo fundamental; sua paixão por eletrônica fez com que aprendesse inglês.

A reportagem destaca os talentos do rapaz e, nós, ainda que reconheçamos seu talento,

destacamos que ter rodado o mundo, em contato com uma empresa, que é uma torre de babel,

como a igreja, reforça o peso do meio social na facilidade com idiomas.

O mito do gênio exótico ressurge, quando o menino, já adulto, decide deixar a Igreja e

faz vestibular para se tornar professor. A ideia de gênio exótico aparece somada aos

preconceitos que o magistério enfrenta, afinal, descreveram com assombro, como alguém tão

inteligente pode optar por Pedagogia? Para a lógica capitalista é impossível que alguém, muito

inteligente, simplesmente, escolha a docência.

Na universidade, o rapaz encontrou preconceito com o seu talento e surpreendeu-se com

o fato de não haver estudos sobre AH/SD, na USP, o que nos faz recorrer à ausência de

formação docente, mas a pergunta é: porque esta ausência, na graduação da USP?

A esta altura, já sabemos quem foi parar na cadeia e que a superdotação não foi capaz

de burlar as “regras” para sociedades injustas e desiguais, como a brasileira.

O menino negro, inteligente, tornou-se mais um presidiário. A vida deste segue descrita

pelo exotismo de seus cálculos; um negro pobre, que faz contas complicadas de cabeça, tendo

a sua fama chegado até Belo Horizonte.

Mas sua fama e inteligência, não o tirou do chão da fábrica, também, não lhe tirou da

miséria, quase que absoluta; até que um acidente queimou seu corpo, com ácidos e na longa

recuperação, entre sofrimento, solidão e miséria, descobrimos o que o menino já sabia há

tempos, sua condição intelectual, que não o fazia diferente das levas de moços pobres, do

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interior do Brasil, entristecido; logo veio o alcoolismo, a perda do emprego, a vida dormindo

em praças, as confusões mentais.

Por que o rapaz seguiu no mesmo posto, mesmo tão capaz, dedicado e talentoso? Por

que sua inteligência não o livrou da pobreza? Simples, porque entre os invisíveis há sempre os

mais invisíveis.

Alcoólatra e morando na rua, o rapaz aos 35 anos foi preso e acusado de homicídio

qualificado, segue preso, mesmo tendo dito que ao confessar o crime estava alcoolizado.A falta

de equipamentos para verificar as digitais, na cidade, impediu que se prove a culpa ou inocência

e, novamente, o rapaz superdotado mostra-se apenas mais um pobre e negro, no nosso sistema

carcerário, provando que há muito mais influência social, nas questões das altas

habilidades/superdotação, queiramos ou não.

O mito do gênio louco volta à reportagem, com a história da casa caindo e as paredes

repletas de cálculos, típicas de filmes. O rapaz não quis dar entrevista, afirmando que

superdotação é coisa do passado; ele tem razão, agora é apenas um condenado dentre os mais

de 600 (seiscentos) mil, no Brasil.

O outro menino tornou-se militante da área de AH/SD e fundou um instituto para ajudar

os alunos, com altas habilidades/superdotação, chegando a colaborar na formulação de leis

sobre o tema.

Entre as fotos da matéria, a do pesquisador da USP, diante de um museu da universidade

e a foto da penitenciária, onde se encontra o rapaz, apresentando, visivelmente, o destino de

ambos, com o mérito de mostrar o tema ao grande público, a revista não escapa às noções de

genialidade e exageros entre a USP e a cadeia, como as opções dos superdotados.

Logo após a reportagem, dos dois meninos, na parte denominada “Observador da

Educação”, onde a revista costuma publicar artigos educacionais, temos a matéria sobre a

necessidade de ajuda aos jovens com altas habilidades/superdotação, seguida do

questionamento, em relação ao tratamento que o país oferece a estes jovens.

Neste artigo, o tom muda e a reportagem consegue ser instrutiva, colaborando com

informações importantes, sendo que a primeira delas relaciona-se à explicação do termos

superdotado ou altas habilidades; a segunda é a busca de opiniões de especialistas, como as

professoras ZenitaGuenther e Liliane Bernardes Carneiro. Além disto, existe uma análise que

indica as raras ações do Ministério da Educação e Cultura e as Secretarias de Educação, na área,

oferecendo informações sobre os NAAH/S e ONGs, que atendem os alunos com altas

habilidades/superdotação. Apresentam também, um quadro do ConBraSD sobre os tipos de

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AH/SD, que conota um caráter instrutivo e importante à matéria, abandonando o tom

emergencial e sensacionalista, ganhando assim, em qualidade.

A reportagem termina dizendo que, em 77% dos municípios brasileiros não há dados

sobre AH/SDe que, em 10% das cidades, há informação de apenas uma criança, com AH/SD.

Ou seja, em 87% das cidades brasileiras temos um, ou nenhum aluno com AH/SD, o que nos

oferece a ideia do tamanho do problema. Acrescentamos que de acordo com o senso escolar,

dos 13.308 (treze mil trezentos e oito)alunos identificados, no Brasil, apenas 4.300 (quatro mil

e trezentos) são, de alguma forma, atendidos.

5.5 - O Tratamento da Imprensa e a Invisibilidade das AH/SD

Para analisar os efeitos da construção do imaginário sobre os filhos de trabalhadores e

as AH/SD, propomos que atentemos para algumas questões. Em um primeiro olhar, a

constatação de que professores remetem-se à noção de genialidade, quando pensam em alunos

com AH/SD, indica-nos, claramente, os efeitos de tais concepções, na situação de invisibilidade

destes alunos.

O caminho é simples, o professor pensa em AH/SD, a partir da noção de gênio e, assim,

passa a elevar a “régua de medição”, para que seu “sensor” de desconfiança de AH/SD seja

acionado. Logo, oprofessor passa a esperar casos quase sobrenaturais, para que julgue se tratar

de alguém com AH/SD. Como estes eventos “sobrenaturais” são raríssimos, o professor acaba

confirmando sua teoria de que não existem altas habilidades, entre seus alunos, criando umas

das mais eficazes formas de garantir a invisibilidade destes meninos.

Mas o caso é mais sério do que parece, pois se o conceito de AH/SD está relacionado

ao gênio, que nunca surge, podemos supor que a noção de “normalidade” seja também,

equivocada. Normal, neste contexto, passam a seros estudantes que, rapidamente,

compreendem os ensinamentos do professor; realizam suas atividades com grande dedicação;

obtêm sucesso nas avaliações; trazem questões interessantes, fruto de pesquisas extraclasse. O

cerne da questão é que estes alunos, que acabamos de descrever, têm características típicas de

altas habilidades ou possuem capital grande cultural, algo não muito frequente, em especial,

nas escolas públicas. Deste modo, alunos verdadeiramente “normais” passam a ser vistos como

preguiçosos e menos inteligentes; e as crianças que, realmente, tenham alguma dificuldade de

aprendizagem, são rotuladas como limítrofes, portadoras de patologias cognitivas, o que

encurta o caminho ao fracasso e à indústria de laudos e medicalização.

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Em nossas pesquisas, fomos levados a estudar a biografia de alguns gênios e notamos

que suas histórias são repletas de mitos que, em geral, reforçam a ideia de dom divino, seja por

meio da maçã de Newton; das progressões aritméticas descobertas por Gauss; o passeio de trem

que faz Einstein, ainda criança, teorizar a luz; as anedotas sobre a sinfonia de Mozart, aos 5

anos ou as bravatas juvenis de Pelé e Cassius Clay sobre ganharem títulos mundiais. As histórias

destes grandes gênios são típicos “causos” que nada mais fazem que fortalecer a ideia de dom

e, infelizmente, muitos docentes acreditam e chegam a propagar tais historietas.

O grande problema é que, durante o século XX, a histórica curiosidade humana, quanto

aos indivíduos capazes de feitos notáveis, ganhou um canal de propagação de mitos e

alimentação desta curiosidade pelo exótico, até então, desconhecido; tratamos aqui da indústria

cultural de massas e, mais detidamente, a imprensa de massas. Nossa sociedade é marcada por

uma espécie de fetiche da inteligência e genialidade, uma vez que, a posse destes “poderes”

pode ser capaz de fazer sujeitos, de origem simplória, romper a divisão social do trabalho e

galgar postos elevados na sociedade, inclusive, ganhando muito dinheiro.

A inteligência, enquanto dom, tornou-se o sapatinho de cristal da sociedade capitalista

e, em nenhuma época anterior, conhecemos gênios que se tornaram populares como Albert

Einstein; nunca na história humana, figuras consideradas geniais tornaram-se estampas de

camisetas, pôsteres e histórias de filmes.

A grande questão é que influenciadas pela curiosidade humana e ávida pelos lucros

possíveis pela exploração de tais temas, a grande imprensa passou a nutrir interesse pelos

superdotados e, normalmente, os associou a grandes feitos, superpoderes, reforçando as noções

de dom e genialidade, o que contribui para a invisibilidade.

Como dissemos, anteriormente, não chega a ser tão raro termos reportagens sobre as

altas habilidades, em veículos de imprensa; porém, em geral, restringem-se a dois temas:

destacar o absurdo do Brasil perder talentos e salientar os feitos sobre-humanos de

determinados indivíduos.

Ainda, tratando da grande imprensa, temos, recentemente, um programa na rede fechada

de TV, onde pessoas com habilidades incomuns, como memorizar e calcular são apresentadas

como super-humanos e analisados por cientistas como possuidores de supersentidos e

habilidades. O programa é conduzido por Stan Lee, famoso cartunista criador da série X-Man

e oferece-nos a exata noção de como tais pessoas são tratadas.

Neste esforço, em busca de compreender o papel da imprensa, na disseminação de

muitos equívocos, que reforçam o quadro de invisibilidade das AH/SD, ao reforçar ideias,

especialmente, entre os trabalhadores da educação, pautadas na genialidade e nos dons inatos.

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Destacamos,que segundo nossas análises, ocorre um contrassenso entre o interesse que se

perpetua na imprensa, em relação aos temas ligados às AH/SDe, por outro lado, a publicação

de notícias baseadas em equívocos, que reforçam a invisibilidade.

Durante o desenvolvimento de nossa pesquisa, trabalhamos com a noção de

invisibilidade, como nossa unidade de análise e, neste sentido, buscamos compreender os

motivos que poderiam explicar o fato de que tão poucos alunos sejam identificados.

Pensamos que a imprensa tenha papel de destaque, na construção do imaginário social

sobre as AH/SD, determinando como uma sociedade entende e percebe o talento e,

consequentemente, influencia decisões governamentais sobre o tema, disposição de

professores, alunos e pais, diante à questão.

Trabalhamos com o levantamento junto aos veículos de comunicação nacionais e da

Baixada Santista, de modo a verificar como o tema é tratado e como pode colaborar para a

construção do imaginário, que incentiva a invisibilidade dos alunos talentosos.

No decorrer da pesquisa, pudemos verificar que a construção do imaginário sobre

AH/SD, nas escolas, por meio da imprensa, ocorre de três maneiras: a primeira, por meio do

tratamento do tema, propriamente, dito; em segundo lugar, estão as notícias que não tratando,

diretamente, das AH/SD apresentam casos de crianças e adolescentes, com resultados

considerados incríveis e, assim, difundem a associação entre genialidade, raridadee AH/SD;

por fim, a forma como a imprensa aborda e apresenta a imagem das escolas públicas e dos

alunos oriundos da classe trabalhadora, a partir do fracasso escolar.

Como já citamos, reportagens e materiais, especificamente, sobre AH/SD, são raros. Em

geral, os artigos tentam fazer a denúncia de como o Brasil desperdiça seus talentos, ao não os

descobrir e aproveitá-los, indicando que tal postura contribui para a situação de

subdesenvolvimento econômico, artístico e científico, que o nosso país se encontra.

Normalmente, estes artigos surgem, quando um aluno, bastante jovem, obtém resultados

considerados surpreendentes, ou, quando algum lançamento, de Hollywood, traz o tema de

volta ao interesse público, como nos filmes: “O Gênio Indomável”;“Uma Mente Brilhante”,

ou a “Teoria de Tudo”. E, seguindo os filmes, dificilmente, tais artigos vão além dos mitos da

genialidade.

Em relação a forma, como a imprensa retrata as escolas públicas brasileiras, qualquer

passagem pela imprensa diária, ofertar-nos-á mostras do intenso discurso sobre o fracasso

destas, apontando sua estrutura deficiente, seus resultados pífios, casos de violência e

criminalidade, os constantes ataques aos professores.

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Não é preciso buscar muito, para encontrarmos exemplos deste discurso, que apresenta

a escola pública como ineficaz e de péssima qualidade.

Tal fenômeno repercute, especialmente, entre professores e ocorre de duas formas: em

primeiro lugar, os docentes são leitores de jornais e noticiários televisivos e tendem a se

identificar com a classe média, em virtude da natureza não manual, de suas atividades

profissionais, como indica Masson (2007). Os professores acreditam e precisam acreditar que

a educação escolar seja uma forma de ascensão social, sustentando que, apenas, uma escola de

qualidade garante uma educação, que proporcione avanço, na pirâmide social.

Por outro lado, os docentes verificam, na prática, o processo de falência da educação

pública, que a imprensa divulga e, historicamente, tal fracasso é explicado, preferencialmente,

a partir de visões preconceituosas das classes populares, como nos diria Patto (2000).

Neste sentido, faz pouco sentido falar em AH/SD, e a cada nova reportagem, que

desnuda a situação caótica das escolas públicas, seus professores e alunos, o imaginário que se

consolida é o de que não faz sentido falar, buscar, cogitar ou atender tais estudantes.

5.6-O Estado Brasileiro e os Indivíduos com AH/SD

Figura 15: Documento da Câmara dos Deputados sobre pessoas com AH/SD ( 2004).

Durante nossas pesquisas, constatamos que a invisibilidade das AH/SD, no interior das

escolas, não se restringia, apenas, ao município pesquisado. Todas as informações na imprensa,

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dados do MEC e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação indicavam a existência de

uma profunda lacuna entre os números potenciais de alunoscom AH/SD e a quantidade,

efetivamente, identificada e atendida.

Nas pesquisas com a bibliografia, fizemos o levantamento de boa parte da produção

acadêmica nacional, na área, novamente, constatamos que o problema da invisibilidade estava

presente em, praticamente, todas as cidades e escolas do Brasil.

Neste sentido, entendemos não ser possível a compreensão do tema, a partir de um olhar,

apenas, localizado na cidade que estudamos.

Deste modo, realizamos a análise do histórico de tratamento do assunto pelo Estado

Brasileiro, bem como da legislação sobre o tema, promulgada no Brasil, ao longo do século XX

e início do século XXI, de modo a compreender como as AH/SD foram entendidas e atendidas

no país, ao longo do tempo e suas implicações no quadro de invisibilidade.

Não podemos dizer que não exista legislação, no Brasil, sobre o tema, nem que o poder

público desconheça a invisibilidade vivida pelos indivíduos alto-habilidosos, pois, a imagem

selecionada para iniciar esta seção, demonstra-nos tal assertiva. Existe farta legislação nacional

sobre AH/SD, bem como, publicações específicas sobre as altas habilidades/superlotação

produzidas pelo MEC, contemplando o que há de mais atual das pesquisas científicas, na área.

Temos, ainda, legislações municipais e estudos do Senado e da Câmara Federal sobre o

atendimento a este público.

No Brasil, a luta pela garantia de educação especial aos alunos com deficiências, fossem

estas físicas, motoras, intelectivas, ou mesmo em virtude da superdotação, ocorreu no contexto

dos amplos e longos debates que transcorrem todo o século XX e que teve seu auge, na

discussão em torno da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases, da educação

brasileira. Foi no ano de 1961, quando, pela primeira vez, o termo atendimento aos excepcionais

surge, na legislação brasileira e abre brecha para as AH/SD.

A política educacional brasileira, no que se refere as altas habilidades/superdotação,

só começa a engatinhar na década de 70. O texto da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), aprovado em dezembro de 1961, lei (4024), incluía, só de

maneira implícita, os alunos com AH/SD, ao garantir educação aos ‘excepcionais’

(Art.88 e 89). (PEREZ S. G., 2009, p. 2)

No Brasil, as preocupações estatais relacionadas ao atendimento ao público, de

alunos tidos por mais talentosos, surgem, em momento similar, ao debate sobre a questão, no

plano internacional.

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Diante do acirramento das tensões políticas e militares, entre soviéticos e

estadunidenses, e da corrida pela hegemonia militar e científica, principalmente, com os

avanços, nos programas espaciais de ambas as potências e das evoluções, nas áreas da medicina,

agricultura e telecomunicações, fica evidente, que programas de identificação, preparação e

formação de quadros competentes, para ocupar postos de destaque, nas áreas: científicas,

esportivas, militares, seria um campo novo na batalha pela dianteira, durante a Guerra Fria.

Neste contexto, o que antes estava restrito às ações de pesquisadores da área da inteligência e

educadores curiosos com as diferenças entre o rendimento dos alunos, torna-se política de

Estado, contando com incentivo e financiamento dos governos.

A situação brasileira não chega a ser tão distinta, no seu início, em relação ao tema, pois,

até a década de 1960, contávamos com um punhado de pesquisadores interessados na questão

e possuíamos, também, algumas experiências isoladas para atender este público.

Com o advento da ditadura militar e as parcerias com os Departamentos de Estado e

Educação dos EUA, a separação do alunado, conforme seus potenciais, de modo que cada grupo

pudesse receber a formação adequada ao “seu nível” intelectual, visando à economia de

recursos, tornou-se fundamental, conforme as ideias tecnicistas em voga na época.

O aumento da preocupação com o atendimento aos alunos superdotados, no Brasil,

coincide com a expansão do acesso ao ensino secundário, para as camadas mais pobres da

população brasileira, nos anos 1960 e 1970. Até esse período, a classe trabalhadora via-se quase

que, completamente, aprisionada no esquema descrito por (BAUDELOT; ESTABLET, 1971),

com trajetória escolar curta, cabendo a estes setores, quando muito, fazer o curso primário, que

lhe conferia os rudimentos da escrita e matemática e, algumas vezes, o acesso aos cursos de

formação profissional das redes: SENAI, SENAC.

Havia um fosso entre as escolas do centro das grandes cidades, com professores

formados em nível superior e as escolas das periferias e áreas rurais, que conviviam com a

pobreza da população e docentes em condições precárias de trabalho e formação.

Chegar ao ensino secundário era conquista de poucos, sendo raros os casos entre os

pobres e, quando ocorriam, estes já passavam a ser vistos como miraculados, sendo que, o

atendimento a estes talentos improváveis, era frequentar a escola destinada à classe média.

A chegada de pobres ao ensino superior, de tão improvável, estatisticamente, não fazia

o menor sentido como preocupação estratégica do Estado e a seleção e estrutura dessa

modalidade de ensino, até os anos 1950, com provas orais de ingresso, em latim e francês, eram

formas de garantir que, apenas, uma pequena parcela da população, com suficiente capital

cultural adentrasse tais fileiras educacionais.

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O quadro inicia a mudar de figura, quando, no final dos anos de 1950, após, grande

pressão dos setores médios, ocorre uma considerável expansão, no acesso ao ensino superior e,

paralelamente, o acesso ao ensino ginasial e secundário começa a se espraiar pela base da

pirâmide. Os pobres, ainda que, raramente, principiam a fazer cursos, para além da simples

alfabetização. Até este momento, qual seria o sentido de pensar em jovens, com AH/SD?

Acompanhando a tendência internacional, o Brasil, nos anos de 1960, encontra-se

envolvido nos debates sobre como identificar e aproveitar o capital humano de seus habitantes,

como forma de lhes converter o talento em resultados econômicos, bem como, nas tentativas

de compreender as razões, que levavam camadas específicas da população a terem resultados

diferentes, em relação à escolarização, sobremaneira, na tendência verificada ao fracasso de

crianças, residentes na zona rural e moradores de bairros periféricos das cidades.

Nos EUA temos, nesta época, a publicação do relatório de James Coleman100 sobre os

diferentes resultados escolares dos grupos sociais, nos Estados Unidos e as perspectivas de

equalização social, por meio da educação. O estudo indicou que a diferença de resultados de

escolas e alunos, a depender das faixas de renda, localização geográfica, escolarização dos pais

e origem étnica dos alunos, é considerável.

Temos, neste período, o auge do sucesso das teorias da carência cultural, segundo as

quais os pobres fracassariam por motivos não biológicos, ou seja, não por uma inaptidão natural

herdada, geneticamente, mas, por condicionantes culturais e relacionados com a própria forma

de organização das famílias de trabalhadores, suas experiências socializadoras. E assim, a

escola passa, em grande parte, a ter um caráter compensatório para os pobres.

Portanto, o tema das AH/SD ganha importância, no Brasil, no momento em que se

debate o fracasso, em massa, da população pobre, colocando um claro paradoxo aos educadores:

como falar em alunos de escolas públicas, de famílias pobres, superdotados. Afinal, acreditava-

se que era a própria condição de filho de trabalhador que lhes conferia a carência cultural

propulsora ao fracasso. Desta forma, as AH/SD surgem, na preocupação estatal, como um tema

ligado aos interesses dos setores da classe média e em uma perspectiva de insignificância

estatística, o resultado foi que, durante a maior parte dos últimos cinquenta anos, este foi um

tema tratado como inexistente pelos governos, quando pensam na educação.

Neste cenário de contradição, e acompanhando as ações governamentais dos EUA, para

a área das AH/SD, em 1967, é criado no MEC o que podemos considerar a primeira ação oficial,

do Estado brasileiro, no sentido de atender a questão das altas habilidades, por meio da criação

100O Relatorio Marland é profundamente analisado por (SOARES, 2008).

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da comissão para estabelecer critérios, identificar e atender as AH/SD, no Brasil (Novaes, M.H.

1979).

Conforme Rangni (2011, p.5), a legislação brasileira passou a contemplar os alto-

habilidosos, a partir da promulgação da LDBN 5.692/71, que no artigo 9º apontava:

Os alunos que apresentarem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrarem

em atraso considerável, quanto à idade regular de matrícula e os superdotados

deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos

competentes Conselhos de Educação. (NOVAES M. H., 1979, p. 80)

Desse modo, a lei que encerrou a realização de provas admissionais, para ingresso nos

cursos ginasiais; que desfigurou o ensino médio ao atrelá-lo ao ensino profissionalizante; que,

em termos práticos, tratou de garantir o acesso ao ensino ginasial às camadas populares foi,

também, a legislação que, pela primeira vez, previu a necessidade de atendimento educacional

especializado aos alunos com necessidades especiais e superdotados.

Temos assim, no Brasil, a adoção de uma legislação que acompanha a publicação do

relatório Marland, nos EUA, que analisou a situação do atendimento aos superdotados,

estadunidenses e que, basicamente, é uma tradução para o português das definições de

superdotação e propostas de atendimento aos estudantes, da América do Norte.

Assim, a legislação que prevê atendimento aos alunos, que tivessem maior potencial

intelectual e que se caracterizariam por ser, entre outras coisas, mais críticos, diante das regras

e perspectivas de conhecimento oferecidas pela escola, ocorre no contexto de publicação de

Atos Institucionais, da Lei de Segurança Nacional, da caça as bruxas, dos anos de chumbo,

tempos de currículos engessados e prontos para que os docentes cumprissem, tempos de

vigilância política sobre a atividade docente. Assim, o paradoxo de oferecer currículos

enriquecidos, em época de empobrecimento cultural e curricular, é colocado, na promulgação

da primeira determinação legal, no sentido de atender o público com AH/SD e indicando a

tônica, que marcaria a relação dos governos brasileiros, em suas várias instâncias, com a

questão: “atendimento para inglês ver”, apenas, pois a previsão, na legislação, objetivava

atender às demandas pontuais, de famílias e pesquisadores militantes e, quase nada mais de

modo prático, no sentido de formar docentes, levar condições às escolas e garantir dotação

orçamentária, para o atendimento a este público.

Assim, lá se vão 45 (quarenta e cinco) anos de atendimento garantido, em legislação e

quase 08 (oito) décadas de pesquisas e publicações sobre o tema, no Brasil, com este público,

ainda invisível, na maioria das escolas brasileiras.

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Nos últimos anos, da década de 1970, no período em que a ditadura militar já se

encontrava debilitada, duas importantes medidas são adotadas, na área das AH/SD: a criação

do Serviço de Educação Especial, no Ministério da Educação e a criação da Associação

Brasileira para Superdotação101. A primeira trata-se de um setor que seria fundamental, na

sequência da história brasileira para a área, ao concentrar reflexões e ações, visando atender ao

público da Educação Especial e os alunos com AH/SD. A segunda medida, parte da ação de

pesquisadores e familiares e denota um divisor de águas, na trajetória das AH/SD.

Também, nos anos 1970, tivemos a publicação dos trabalhos de Maria Helena Novaes

(1979) e Eunice Soriano de Alencar (1974)102 sobre as AH/SD e pensamos que estes trabalhos

inauguram a segunda geração de teóricos e pesquisadores sobre o tema, marcando um divisor,

nos estudos da área, uma vez que, desde a década de 1930, pouco havia sido produzido sobre a

temática.

Em paralelo, temos a criação, na rede pública de ensino do Distrito Federal, do primeiro

programa público de atendimento aos alunos superdotados, no Brasil. Esta foi a primeira vez,

que uma rede de ensino dedicou-se a trabalhar e atender, de modo sistematizado, os alunos alto-

habilidosos oriundos da rede pública, criando programas de formação de profissionais,

identificação de alunos com AH/SD e trabalhando com o enriquecimento curricular e

aceleração destes educandos. O trabalho da rede pública de Brasília é pioneiro e segue, até os

dias atuais, como um dos mais consistentes do Brasil.

Outra característica do programa do Distrito Federal é a sua proximidade com a

universidade; talvez, seja o primeiro programa a ter vínculos firmes com as universidades e,

ainda hoje, mantém fortes laços de parceria com o mundo acadêmico. Neste sentido, os esforços

da professora doutora Eunice Soriano de Alencar, na Universidade Católica de Brasília e das

professoras do Departamento de Psicologia da UNB, são fundamentais.

Entretanto, os primeiros esforços para garantir atendimento aos superdotados, no Brasil,

realizado por pesquisadores, professores e familiares, só encontrou o apoio governamental, com

a previsão em lei, nada mais de concreto ocorreu.

No fim da década de 1970 e durante toda a década seguinte, quando a euforia do milagre

econômico havia passado, os recursos do Estado brasileiro, para os serviços públicos,

101O movimento pela defesa dos direitos das pessoas com altas habilidades/superdotação, também, começa a se

consolidar na década de 1970, partindo da iniciativa de profissionais e pesquisadores da área. A fundação da,

então, Associação Brasileira para Superdotados (ABSD), em 1978, com seis seccionais estaduais (DF, ES, GO,

MG, PR e RS), além da sede nacional, no Rio de Janeiro (ABSD-RS, 2000), é o primeiro passo neste

sentido.(PEREZ S. G., 2009, p. 3) 102ALENCAR, E. M. L. S. . Um estudo comparativo de educação do superdotado em diferentes países. Arquivos

Brasileiros de Psicologia , Rio de Janeiro, v. 26, n.4, 1974.

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começaram a minguar. Se para a educação de massa, ainda, havia problemas estruturais

gigantescos, como: falta de docentes; insuficiência na oferta de vagas; escolas trabalhando, com

até 04 (quatro) turnos diários, o que dizer da falta de recursos para setores considerados

elitizados? Desta forma, podemos dizer que com exceção da Rede Pública do Distrito Federal,

durante o primeiro quarto de século, em que se previu atendimento para alunos com AH/SD,

do ponto de vista governamental, nada de substancial foi feito.

Assim, quando analisamos a invisibilidade do público alto-habilidoso, temos uma

situação contraditória, pois apesar de seguir a legislação e concepções teóricas para as altas

habilidades que os EUA utilizavam, considerada moderna e adequada, no Brasil, a questão

avançou muito lentamente e mesmo em dias atuais é quase inexistente.

O tema das AH/SD encontrou, no Brasil, como em outros países, as resistências

decorrentes da crença na teoria da carência cultural e, assim, professores, gestores e o próprio

governo entendiam que não fazia sentido gastar recursos escassos, na busca de alunos

improváveis, na realidade brasileira. Desta maneira, cria-se um círculo, onde não se busca estes

alunos, pois, acredita-se que não existam e, como não há busca, acabam não sendo encontrados,

confirmando a hipótese de que inexistam.

Ficando evidente que aos países periféricos, como o Brasil, o tema das altas

habilidades/superdotação não teria a mesma importância que para as superpotências e

economias centrais do capitalismo, pois se para as potencias era fundamental identificar seus

melhores recursos humanos e os desenvolver, de modo a garantir a dianteira na luta econômica,

política, militar, não poderíamos dizer o mesmo dos países do terceiro mundo.

Com a expansão militar e espacial, nas superpotências, grandes centros universitários e

militares passavam a requisitar técnicos, pesquisadores, teóricos, altamente, qualificados, no

sentido de garantir que não ficassem atrás, nas descobertas científicas, que poderiam

desequilibrar as disputas geopolíticas. As forças armadas necessitavam, cada vez mais, de

indivíduos, extremamente, capazes e qualificados, para administrar e operar as máquinas de

guerra, cada vez mais complexas e valiosas. Na luta pela liderança econômica, os laboratórios

de materiais, engenharia, microeletrônica e computação exigiam a descoberta de talentos, que

pudessem garantir os novos ciclos econômicos, capazes de manter a reprodução do capital nos

trilhos. As grandes corporações capitalistas solicitavam profissionais qualificados e criativos, a

fim de administrar e criar produtos, que gerassem lucros. Finalmente, a competição e

concorrência espalhou-se, mesmo para as áreas esportivas, culturais, artísticas, sendo todas foco

de campanha intensa, na luta ideológica e publicitária, das potências em disputa.

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Diante desse quadro, verificamos a existência de programas de identificação,

desenvolvimento e aproveitamento de talentos, nos países do bloco comunista, como os

exemplos das delegações esportivas e científicas da URSS, Alemanha Oriental e Cuba. Os EUA

seguiram com a política de atração de talentos, repatriando pesquisadores, artistas e intelectuais

de outros países, como continuação aos programas desenvolvidos, durante a Segunda Guerra.

A tradição, que já existia nos EUA, de atrair pesquisadores renomados com oferta de benefícios

e condições de trabalho, permanecia.

No Brasil dos anos 1970 e 1980, tínhamos uma economia, que ainda que se

industrializasse com rapidez, era marcada por ter empresas filiais das grandes companhias

multinacionais e, assim, aqui pouco ou nada desenvolver-se-ia, no campo da produção de

projetos e inovação. O sistema universitário brasileiro, ainda, engatinhava, a pós-graduação, no

Brasil, em 1970, estava dando seus primeiros passos. No campo científico, tínhamos poucos

laboratórios de ponta. E com uma economia, baseada na agroindústria e exportação de

commodities, havia pouco espaço e necessidade de indivíduos, altamente, qualificados.

A classe média brasileira ocupava os poucos postos, que exigiam alguns quadros mais

bem formados e habilidosos, como as carreiras, na burocracia de Estado, os postos, na

hierarquia militar e algumas oportunidades em Estatais e centros de pesquisa, como:

EMBRAPA e FIOCRUZ. Um punhado de instituições, como: os Colégios Militares (EPCAR,

Colégio Naval, Academia das Agulhas Negras); as universidades USP, UNICAMP, UNESP,

UFRJ, UERJ, ITA, IME, Escola Superior de Guerra e Instituto Rio Branco ficavam

responsáveis pela seleção e aproveitamento dos melhores quadros.

Uma sociedade, profundamente, elitizada e dominada por grupos familiares que

controlavam o capital nacional, a partir da posse de indústrias, imóveis e terras para o plantio,

tendo uma economia baseada em indústrias, que requeriam pouco avanço tecnológico, ou na

exportação de gêneros primários, como minérios e produtos agrícolas, com sua a expansão

econômica ligada à construção de grandes obras, como: pontes e estradas, em que a maior parte

da população executava atividades braçais, que exigiam pouca ou nenhuma escolarização.

Neste contexto, fazia pouco sentido o investimento real, na identificação e atendimento dos

alunos, com AH/SD.

Com a chegada da década de 1990, a situação começa a mudar, se por um lado a

produção acadêmica, na área das AH/SD, desenvolvida no Brasil cresce, consideravelmente, e

a pressão da sociedade civil começa a aumentar, a estrutura universitária havia se consolidado,

por intermédio da expansão e solidez da pós-graduação, no país, através de instituições, como:

CAPES, CNPQ, FAPESP, FAPERJ, passando a exigir, cada vez mais, quadros qualificados.

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242

Com o avanço das reformas neoliberais e a alteração dos modelos de gestão empresarial,

e das novas formas de relação entre capital-trabalho implementadas, ao longo da década de

1980 e 1990, tem-se outro quadro econômico, onde a otimização de recursos e aumento da

produtividade do trabalhador são palavras de ordem. A redução nos postos de trabalho, a

automatização da indústria e, mesmo, de setores da agricultura, a redução do tamanho do

Estado, a competitividade cada vez maior, somados a uma profunda crise econômica, que

assolou o mundo, durante os anos 1980, trazem para a ordem do dia, a noção de “Capital

Humano”. Agora, mesmo países periféricos passariam a requerer mão de obra

superespecializada. A partir deste momento, as buscas por talento e inovação começam a

interessar aos capitalistas, de países em desenvolvimento.

Neste contexto, o Brasil discutia a reforma do Estado, as privatizações e as discussões

da LDB 9.394/96, sob a forte influência das ideias neoliberais e dos resultados das conferências

internacionais de educação, como: Jomtien (1990) e Salamanca (1994), que de certo modo,

instituem uma cartilha das grandes instituições financeiras e internacionais para as economias

em desenvolvimento, na área da educação. No quadro de debates sobre educação, em especial,

sobre educação inclusiva e de necessidade de mão-de-obra cada vez mais qualificada, temos o

retorno das discussões sobre AH/SD, pelo Estado Brasileiro.

Quando foi promulgada a LDB 9.394/96, a legislação brasileira deu um passo

importante, no reconhecimento ao direito à educação especializada, pelo público com AH/SD,

bem como, ao direito à educação inclusiva, como prevê a lei:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de

educação escolar oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para

educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades ou superdotação.103

A legislação passa a contemplar o modelo de atendimento aos alunos, com

AH/SD, por via de serviços educacionais especializados, bem como, garante o seu atendimento,

a partir do ingresso na educação infantil, na faixa etária de zero aos seis anos de idade, raridade,

ainda hoje, na realidade brasileira:

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,

para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.104

103 LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96 com as modificações que se seguem: Art. 58 e

seguintes: 104 Ibidem

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§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa

etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. 105

Como definição de superdotação, o Estado Brasileiro adota o referencial teórico mais

utilizado no mundo, baseado na obra de Joseph Renzulli e o seu modelo dos três anéis, neste

sentido, a definição destes indivíduos segue abaixo:

Alunos com Altas Habilidades/ Superdotação, são aqueles que apresentam notável

desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados

ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica,

pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes

e capacidade psicomotora.106

Os alunos da educação inclusiva e, dentre estes, os alunos com AH/SD, passam a ter

direito a um currículo adaptado às suas necessidades, bem como, oferta de serviços de

atendimento especializado, com profissional formado para tal, direito à terminalidade,

conforme suas necessidades e acesso igualitário, em programas de benefícios sociais. O Brasil,

neste sentido, segue o caminho dos EUA, ao abordar o público alto-habilidoso, como clientela

da educação inclusiva, caminho diferente do que alguns outros países, como Portugal, por

exemplo, que distingue o público com AH/SD, dos deficientes.

Se constatamos avanço ao se reconhecer o direito dos alto-habilidosos em receber

atendimento, com profissional especializado e ter acolhimento às suas necessidades especiais,

por outro lado, diante das imensas fragilidades das escolas e sistemas de ensino, quando surge

a necessidade de incluir os alunos, com necessidades especiais, as crianças e adolescentes com

deficiências tornam-se o foco dos esforços e preocupações, já os alto-habilidosos, até por já

estarem “incluídos na escola”, terminam relegados a uma lembrança, meramente, burocrática.

Como podemos ver:

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para

atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido

para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração

para concluir, em menor tempo, o programa escolar para os superdotados;

III – professores com especialização adequada, em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como, professores do ensino regular capacitados para

a integração desses educandos, nas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em

sociedade, inclusive, condições adequadas para os que não revelarem capacidade de

inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,

105Ibidem 106 Ibidem

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bem como, para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística,

intelectual ou psicomotora;

V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis

para o respectivo nível do ensino regular.107

Quanto ao modelo de atendimento, a legislação brasileira previa, já nos anos 1990, ainda

que reconhecesse a possibilidade de atendimento realizado por instituições privadas e

filantrópicas, onde a forma preferencial de atendimento ocorrerianas instituições da rede

pública:

Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de

caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com

atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo

Poder Público.

Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação

do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do

desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, na própria rede pública regular

de ensino, independentemente, do apoio às instituições previstas neste artigo.108

E assim, ainda que a legislação preveja o atendimento, cadastro e identificação, quando

chegamos ao século XXI, a situação das AH/SD nas escolas é ainda, pouco diferente daquela

encontrada durante todo o século XX, como nos indica (PEREZ S. G., 2009, p. 2):

Entretanto, o avanço maior acontece na primeira década do novo milênio, quando o

Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei Federal Nº 10.172, em janeiro de

2001, determina a implantação do atendimento aos alunos com AH/SD, e nas

Diretrizes Nacionais da Educação Especial, na Educação Básica, de setembro de

2001. A verdadeira concretização de uma política educacional para os alunos com

AH/SD começa a se delinear, em 2005, quando a SEESP, em parceria com a

UNESCO e o FNDE, implanta os Núcleos de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação – NAAH/S, nos 26 estados e no Distrito Federal, que são,

hoje, fortes referências para o atendimento a essa população.

No ano de 2000, no Brasil, ainda, não tínhamos, sequer, 1.000 (mil) estudantes

brasileiros alto-habilidosos, o que nos colocava em uma situação paradoxal de possuir grandes

pesquisadores e uma legislação avançada, mas, não termos alunos identificados.

Ao longo dos últimos 16 anos, em parte graças aos avanços na área acadêmica e, em

parte, devido à pressão da sociedade civil organizada para as questões das AH/SD, conhecemos

uma melhora significativa no país. Neste período, o número de pesquisas de mestrado,

doutorado cresceram como fruto de trabalho de alguns programas de Pós-Graduação, como o

107 Ibidem. Art.69. 108 Ibidem. Art.60. redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

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departamento de psicologia da UNB, Faculdade de educação da UFSCAR, Faculdade de

Ciências da UNESP/Marília e Departamento de Educação da UFSM.

O crescimento da produção científica colaborou para que um clima de pressão e

efervescência, sobre o campo, começasse a surgir e, como resposta para a produção científica

e pressão dos conselhos e associações, que lutam pela garantia do direito de educação especial

aos alto-habilidosos, tivemos nestes últimos 16 anos, a promulgação de legislação específica e

a implementação de algumas medidas, no sentido de melhorar o atendimento a tais alunos, nas

escolas brasileiras, como a publicação de manuais e cartilhas e a criação dos NAAH/S.

As resoluções relativas ao Atendimento Educacional Especializado, a necessidade de

financiamento para a Educação Especial, a exigência de cadastro junto aos sistemas das redes

de ensino e Censo Escolar, contribuíram, de maneira indireta, para que as condições na

educação de alto-habilidosos melhorassem, podemos ver na promulgação de legislação

específica aquilo que afirmamos:

Define, no Art. 3º, a Educação Especial como a modalidade de educação escolar [...]

assegura recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente

para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços

educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o

desenvolvimento das potencialidades dos educandos; no Art. 5º, que considera

educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo

educacional, apresentarem: [...] inciso III – altas habilidades/superdotação, grande

facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,

procedimentos e atitudes109

Além desse grupo, determinados segmentos da comunidade permanecem igualmente

discriminados e à margem do sistema educacional. É o caso dos superdotados,

portadores de altas habilidades, “brilhantes” e talentosos que, devido às necessidades

e motivações específicas – incluindo a não aceitação da rigidez curricular e de

aspectos do cotidiano escolar – são tidos por muitos como trabalhosos e

indisciplinados, deixando de receber os serviços especiais de que necessitam, como

por exemplo, o enriquecimento e aprofundamento curricular. Assim, esses alunos

muitas vezes abandonam o sistema educacional, inclusive por dificuldades de

relacionamento (Brasil, 2001, p. 7).110

Estes avanços na área resultaram no aumento significativo no número de crianças

identificadas, que saltou de menos de 1.000 (mil) alunos, no ano de 2000, para,

aproximadamente, 13.000 (treze mil) alunos, em 2016, representando um grande crescimento;

mas, ainda nos deixa longe dos mais de dois milhões de alunos, em potencial, que teríamos.

Apesar destas medidas e orientações, apenas, em 2012, na cidade de São Paulo, foi aprovada a

primeira legislação municipal, no Brasil, sobre alunos com altas habilidades/superdotação e,

109 Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, instituída pela Resolução nº 02 de 11 de

setembro de 2001. 110 O Parecer 17/2001 que subsidia a Resolução nº 02/2001, p.7.

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somente, em dezembro de 2015, o governo brasileiro aprovou uma lei que obriga o cadastro

dos alunos identificados, com AH/SD, como podemos verificar:

Dispõe sobre o atendimento educacional especializado aos alunos identificados com

altas habilidades ou superdotados no âmbito do município de São Paulo e dá outras

providências:

Art. 1º O município de São Paulo, em atendimento ao disposto no inciso II do art. 59

da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, fornecerá educação especializada aos

alunos com altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede municipal de

ensino.

Parágrafo único. Podem ser consideradas como de altas habilidades/superdotadas as

pessoas que apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer

dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptidão

acadêmica específica, pensamento criador ou produtivo, capacidade de liderança,

talento especial para artes e capacidade psicomotora (Ministério da Educação/2001).

Art. 2º O atendimento às altas habilidades é modalidade de educação especial e

inclusiva e tem início na educação infantil e estende-se, sempre que necessário, a toda

a vida escolar e acadêmica

Art. 5º O município assegurará aos educandos com altas habilidades:

I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para

atender às suas necessidades;

Art. 11. O atendimento às altas habilidades deve ser realizado, preferencialmente, em

sala comum ou em sala de recursos, sala de apoio ou em outros espaços definidos pelo

município.

Art. 12. O município, a seu critério, realizará parcerias com instituições públicas e

privadas especializadas, associações, instituições de ensino, pesquisa e extensão

universitária visando à identificação e atendimento a pessoas com altas habilidades.

Art. 13. O município promoverá a implantação gradativa do atendimento às altas

habilidades/superdotação no prazo de cinco anos.

Art. 14. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições

em contrário

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 16 de dezembro de 2013,

460º da fundação de São Paulo. FERNANDO HADDAD, PREFEITO

ROBERTO NAMI GARIBE FILHO, respondendo pelo cargo de Secretário do

Governo Municipal

Publicada na Secretaria do Governo Municipal, em 16 de dezembro de 2013. 111

Publicada em 2013, contando com o prazo de cinco anos para ser, completamente,

atendida, a referida lei é um valioso indicador da situação das AH/SD, no Brasil. Para a

promulgação da referida legislação, foi necessário trabalho intenso de pais e da APAHSD junto

aos vereadores paulistanos, no sentido de sensibilizá-los para a importância do tema. A lei trazia

a novidade de prever que a prefeitura firmaria convênios com instituições especializadas, para

a garantia da identificação e atendimento dos alunos com AH/SD. Ainda assim, em abril de

2016, o coordenador da APAHSD declarou-nos que este acordo engatinha a passos lentos na

prefeitura112.

111 PROJETO DE LEI Nº 352/12, SÃO PAULO. 112 Informação obtida durante entrevista com o coordenador da Associação Paulista de Altas Habilidades e

Superdotação, realizada na sede da instituição, em abril de 2016.

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No governo federal, a situação não é diferente, nos últimos dias do ano de 2015, a

presidente Dilma sancionou uma lei, que busca atender ao público de alto-habilidosos. Projeto

do senador Marcelo Crivella-RJ, o Governo aprovou uma lei, que de tão óbvia e simplória,

oferece-nos conta do descaso e falta de interesse do Estado Brasileiro com as altas

habilidades/superdotação, Como podemos verificar:

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e

eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento, na

educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou

superdotação.

Art. 2o A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 9o ......................................................................

IV-A - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, diretrizes e procedimentos para identificação, cadastramento e

atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas

habilidades ou superdotação;

“Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas

habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior,

a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento

pleno das potencialidades desse alunado.

Parágrafo único. A identificação precoce de alunos com altas habilidades ou

superdotação, os critérios e procedimentos para inclusão no cadastro referido no

caput deste artigo, as entidades responsáveis pelo cadastramento, os mecanismos de

acesso aos dados do cadastro e as políticas de desenvolvimento das potencialidades

do alunado de que trata o caput serão definidos em regulamento.”

Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de dezembro de 2015; 194o da Independência e 127o da

República.DILMAROUSSEFF

Luiz Cláudio Costa113

A referida lei determina a criação de um cadastro nacional, para os alunos superdotados

presentes na educação básica e ensino superior, indicando que em pleno ano 2015, os setores

responsáveis pela educação, sequer, conhecem o número e onde estudam as crianças

identificadas com altas habilidades. A lei prevê, também, o direito ao atendimento educacional

especializado, sendo que, o governo federal decreta um verdadeiro atestado de falta de interesse,

ao editar lei que, na prática, confirma que nenhum tipo de esforço concreto, no sentido de fazer

valer o direito dos estudantes, foi realizado em duas décadas de LDBN e, ainda assim, a lei de

que tratamos não estipula dotação orçamentária, não define critérios para identificação, não

indica como se alimentará e nem define os responsáveis pelo cadastro.

113LEI Nº 13.234, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2015.

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Portanto, em 2016, os governos federal, estaduais e municipais, excluídas algumas raras

exceções, como: Brasília, Londrina e Santa Maria, não possuem, sequer, um cadastro para saber

quem são, onde estudam e quantos são os alunos com algum tipo de alta habilidade no país, que

dirá a oferta organizada em serviços de atendimento especializado.

Foi, especialmente, durante a Guerra Fria, que programas de detecção e formação de

talentos foram desenvolvidos, em larga escala e de maneira mais intencional, (RAMALHO J.

V., 2011, p. 2) afirma-nos que a URSS, por exemplo, foi pioneira na seleção de talentos da

matemática, por intermédio da realização de olimpíadas nacionais e regionais da área, como

por exemplo: A Olimpíada de Matemática de Leningrado, de 1934, que tinha por objetivo

detectar jovens destaques na área e que pudessem contribuir com a produção científica ou em

outras áreas estratégicas, do Estado Russo, no campo das ciências exatas. Estes alunos

destacados recebiam convites para estudar nas melhores universidades do país.

O interesse dos EUA, na área, como forma de manter sua hegemonia, seguiu mesmo

após o fim da URSS e o término da guerra fria, como podemos verificar:

Também Gallagher (2000), ao justificar o interesse continuado pela educação do

superdotado nos Estados Unidos, faz referência a um documento do Departamento de

Educação desse país – América 2000 – no qual é apontada a necessidade de um largo

contingente de indivíduos, altamente, talentosos, para que os Estados Unidos possam

manter a sua liderança na indústria, educação superior, ciências, entre outras áreas, no

presente século.(ALENCAR E. S., 2006)

A necessidade de se buscar atingir altos padrões de desenvolvimento, inclusive para

capacitar um país para competir adequadamente com outros, leva à busca da

excelência, a qual se referem Maker e Schiever (1984) ao analisarem os relatórios

americanos “A Nation of Risk” e “Action for Excellence”, ambos de

1983.(VIRGOLIM, 1993)

Muitos países têm programas voltados à atenção dos indivíduos talentosos, várias

nações, que lideram econômica e militarmente o mundo capitalista, têm ações no sentido da

detecção e incentivo ao desenvolvimento destes indivíduos, podemos verificar nos

ensinamentos de (ALENCAR, 1992, p. 5) alguns destes exemplos de programas dos EUA:

Muitos dos programas montados têm sido em áreas consideradas prioritárias pelo

Estado, como Matemática e Ciências. A título de ilustração, poder-se-ia lembrar o

programa de Ciências que é oferecido na Universidade de Columbia, nos Estados

Unidos, para 500 alunos do ensino de segundo grau, que se destacam por seu

desempenho acadêmico e que são convidados a participar de cursos e seminários aos

sábados. Também muito conhecido é o programa para alunos com habilidades

matemáticas superiores na Universidade John Hopkins, o qual tem recebido crianças

e jovens que aí participam de um programa de alto nível.

A autora nos apresenta outros exemplos, como o caso israelense:

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O Instituto para a Promoção de Artes e Ciências, ligado ao Museu Haaretz e à

Universidade de Tel-Aviv, em Israel, onde anualmente várias centenas de crianças e

jovens têm tido oportunidade de desenvolver as suas habilidades e talentos, através de

cursos que enfatizam sobretudo a criação de ideias. Este Instituto vem oferecendo uma

grande diversidade de cursos, desde a sua fundação, utilizando como um dos critérios

para participação nos mesmos resultados superiores em testes de inteligência.

(ALENCAR, 1992, p. 6)

Como exemplo da tradição Russa de trabalho com AH/SD, cita:

As escolas especiais para talentos acadêmicos, como a Escola de Matemática e

Ciências de Moscou, subvencionada pela Universidade de Estado de Moscou,

juntamente com os Jogos Olímpicos ligados às matérias escolares - Matemática,

Física, Química, Biologia, Literatura – e várias das atividades desenvolvidas nas

Casas e Círculos dos Pioneiros, ilustram as provisões levadas a efeito na Rússia.

(ALENCAR, 1992, p.6)

5.6.1 - As AH/SD por Meio dos Documentos Oficiais Brasileiros

Diante do quadro de invisibilidade dos estudantes com AH/SD, poderíamos imaginar

que exista um vazio completo, do ponto de vista dos documentos oficiais sobre a temática.

Porém, assim como a legislação é antiga e há mais de quatro décadas contempla o público e

reconheça os direitos ao atendimento especializado aos alunos superdotados, no caso das

publicações oficiais referentes à normatização, atendimento, e estabelecimento de

procedimentos didáticos metodológicos para alunos talentosos, estas existem, e foram

publicadas, ao longo dos últimos 20 anos, apresentando boa qualidade pedagógica e científica.

Levantamos ao menos 20 (vinte) publicações sobre o assunto produzidas, nas últimas

duas décadas, pelos governos federal e estadual e buscamos, nesta parte do trabalho, refletir

sobre seu conteúdo e importância no quadro de invisibilidade.

O primeiro documento que elencamos, é um texto produzido pelo MEC e utilizado pelas

secretarias de educação dos estados brasileiros, em que o Ministério da Educação define a sua

concepção de AH/SD, onde confirma a utilização do conceito produzido pelo Relatório

Marland, nos EUA, bem como, as teorias de Renzulli, conforme o documento:

A Política Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação / Secretaria de

Educação Especial (1994) adota o conceito de Marland, que define como pessoas –

crianças e adultos com altas habilidades / superdotação as que apresentam

desempenho acima da média ou elevada potencialidade em qualquer dos seguintes

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aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica

específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento

especial para artes e capacidade psicomotora.Uma conceituação atualmente aceita por

vários autores sobre o que seja a pessoa superdotada é a de Renzulli, no seu Modelo

dos Três Anéis. (MEC, SEESP, 2002).

O documento aborda temas polêmicos relativos às AH/SD, como sua origem e indica a

refutação dos debates sobre a primazia da genética ou do ambiente, deixando evidente que a

posição do MEC é a seguida por boa parte dos pesquisadores, que consideram a influência de

ambos os fatores, na formação dos talentos.

O documento indica a legislação sobre o assunto, de forma detalhada, bem como, orienta

professores quanto à identificação, afirmando a necessidade de evitar rotulação dos estudantes,

apontando, também, que as atividades desenvolvidas, com o público superdotado, devem ser

levadas a todos os estudantes, segundo o documento:

Toda ação pedagógica utilizada com o superdotado pode ser utilizada com qualquer

aluno. Considerações como estas, (NOVAES, 1981) em seu artigo “Benefícios da

Educação do Superdotado Extensivo a Todos”, chama atenção para o fato de que

propostas de enriquecimento curricular e estratégias têm sido também aproveitados

em situações de aprendizagem com alunos não necessariamente superdotados.

(MEC,SEESP, 2002).

Escrito de maneira simples, em forma de tópicos, o texto é um importante documento

de orientação aos professores e gestores, que se vejam em dificuldades com o tema e aborda os

principais tópicos relativos às altas habilidades/superdotação, chegando mesmo a denunciar o

quadro de invisibilidade destes estudantes, ao dizer:

É necessário divulgar entre educadores o enorme desperdício de talento e potencial

humano em nosso país, decorrente das possibilidades limitadas oferecidas ao

desenvolvimento e expressão da inteligência, criatividade e talento, de expressivo

contingente de estudantes, especialmente daqueles de famílias de baixo poder

aquisitivo. (MEC,SEESP, 2002).

Outro material importante é um caderno disponível, em formato digital114, que traz uma

coletânea de fichas, documentos e formulários necessários, para que um gestor escolar entre

com o pedido de abertura de uma sala de recursos multifuncionais, visando atender aos alunos

com altas habilidades/superdotação. Nesta série documental, temos: a relação de documentos

para a solicitação de autorização para funcionamento; renovação de autorização para

funcionamento; cessação de autorização para funcionamento; planilhas de controle de

114 Cartilha elaborada pelo Ministério da Educação Brasileiro, com fichas e documentos necessários para a

formalização do pedido de abertura de um NAAH/S, bem como documentos para renovação e continuidade do

programa, disponibilizado no ano de 2006.

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251

frequência e resultados dos estudantes; modelos de avaliação pedagógica para os alunos da

turma de recursos multifuncionais, servindo de norteador e facilitador dos trabalhos dos

gestores interessados no atendimento aos alunos com AH/SD.

Produzido em 2006, o próximo documento115 é uma cartilha orientadora sobre o

funcionamento e atuação dos NAAH/S, Núcleos de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação, destinada aos secretários estaduais de educação e às secretarias de

educação, de todo o país. Neste documento, temos a definição de altas

habilidades/superdotação, os objetivos dos NAAH/S, a justificativa de sua necessidade, bem

como, toda a descrição do funcionamento do programa, as competências de cada ente

federativo e orientações sobre questões práticas do programa, como: controle de frequência de

alunos; procedimentos para contratação de educadores; materiais a serem solicitados pelas

SEDUCs e parcerias a serem constituídas.

A cartilha é detalhada, contendo modelos de atas de contratação dos consultores,

endereços dos jornais de grande circulação, na região, para que as informações sobre o

programa cheguem ao grande público. Engloba, também, fichas de aluno, professores e planos

de atendimento. A carta de apresentação aos secretários esclarece os objetivos do projeto e

bases em que se fundamenta:

A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, com o objetivo de

apoiar os sistemas de ensino, está implantando em parceria com as Secretarias de

Educação em todas as Unidades da Federação, os Núcleos de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação – NAAH/S, disponibilizando recursos didáticos e

pedagógicos, bem como formando profissionais com competência técnica para

atender os desafios acadêmicos, sócio-emocionais dos alunos com altas

habilidades/superdotação. [...]Estes Núcleos estão organizados com salas de recursos

para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, oportunizando o

aprendizado específico e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso

crítico, com espaço para apoio pedagógico aos professores e orientação às famílias de

alunos com altas habilidades/superdotação. [...]A proposta de atendimento

educacional especializado para os alunos com altas habilidades/superdotação tem

fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva. Tem como

objetivo formar professores e profissionais da educação para a identificação dos

alunos com altas habilidades/superdotação, oportunizando a construção do processo

de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno desenvolvimento

das potencialidades desses alunos, proporcionar informações sobre as necessidades

educacionais especiais dos alunos com altas habilidades/superdotação para todos os

membros da comunidade escolar da rede regular de ensino. [...]As orientações aqui

apresentadas visam subsidiar as ações dos Núcleos e, consequentemente, contribuir

115

PINTO, M. R. R; Documento Orientador, Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação, MEC -

Brasília – DF – 2006.

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252

para sua implantação. São ideias e procedimentos que serão construídos, de acordo

com a realidade de cada Estado, contribuindo efetivamente para a organização do

sistema educacional, no sentido de atender às necessidades e interesses de todos os

alunos, garantindo que tenham acesso a espaços destinados ao atendimento e

desenvolvimento de sua aprendizagem. (MEC -Ministério da Educação, 2006)

Supomos que tal documento tenha sido encaminhado a todos os estados brasileiros e

que poderia ter desencadeado um movimento, no sentido de garantir o atendimento ao público

com altas habilidades/superdotação. O próprio MEC, na justificativa que faz aos secretários de

educação da importância do programa, reconhece o quadro de invisibilidade dos alunos

superdotados e indica a urgência de medidas do poder público:

Dados do último Censo Escolar referentes ao ano de 2005, divulgado pelo Ministério

da Educação, revelam a existência de 56.733.865 milhões de alunos matriculados nas

modalidades do ensino básico. Desses, 640.317 mil são alunos com necessidades

educacionais especiais Desse total da educação especial (100%), apenas 1.928 (menos

de 0,3%) alunos são identificados como superdotados. Os dados constantes da tabela

1 indicam que já existe um movimento crescente em relação à identificação e ao

atendimento às necessidades educacionais dos alunos com altas

habilidades/superdotação. Mas, se forem levados em conta o potencial de

superdotação de uma população de estudantes (de 15 a 20%) e o número de alunos

matriculados na educação básica (56.478.988 de alunos matriculados na educação

básica), verifica-se que apenas 0,003% desta população foi identificada na categoria

altas habilidades/superdotação. Os dados sugerem que o atendimento da demanda

potencial desses alunos está muito aquém do desejável e apontam a necessidade de

melhor identificação e de atendimento às necessidades dos alunos com altas

habilidades/superdotação, além da qualificação profissional dos professores para este

fim. Esta situação justificou em 2005 a implantação no País de Núcleos de Atividades

de Altas Habilidades / Superdotação.Os dados indicam a urgente necessidade de

formação profissional na área, no sentido de melhorar os índices de alunos

identificados e o oferecimento de serviços especiais para estes alunos.” (MEC -

Ministério da Educação, 2006)

Na definição dos competes, de cada parte nos programas, é possível constatar como os

programas, para atendimento às altas habilidades/superdotação, são organizados e o que cabe a

cada ente federativo, o MEC, por exemplo, responsabiliza-se por:

1- Viabilizar a aquisição e distribuição dos equipamentos necessários à implantação e

implementação do NAAH/S. 2- Promover um Seminário Nacional para a formação

de profissionais multiplicadores que atuarão nos NAAH/S. 3- Orientar as atividades

dos NAAH/S, durante a fase de implantação. 4- Promover a supervisão,

acompanhamento, orientação e avaliação do funcionamento dos programas e serviços

do NAAH/S. 5- Disponibilizar recursos financeiros para contratação de consultores

para dar suporte às atividades desenvolvidas nos Núcleos durante oito meses.

Já às secretarias estaduais de educação caberia:

1- Oferecer o espaço físico para a instalação dos Núcleos. 2- Disponibilizar os

profissionais para atuação nos Núcleos. 3- Realizar a manutenção dos equipamentos

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253

e materiais didáticos e pedagógicos necessários às atividades. 4- Planejar e realizar

cursos de formação de professores e profissionais. Promover a supervisão,

acompanhamento, orientação e avaliação do funcionamento dos serviços do NAAH/S.

5- Produzir materiais para trabalhar com os alunos com altas

habilidades/superdotação. [...] Realizar a identificação, atendimento aos alunos, à

família e orientação aos professores, bem como apoiar as redes de ensino. 6-

Disseminar a política pública de atendimento as altas habilidades/superdotação.

Assim, o MEC desenvolveria as ações iniciais de implementação do programa e as

secretarias estaduais arcariam com os investimentos em espaço físico e profissionais,

entretanto, um olhar atento mostra-nos que além de funções de implementação e supervisão, o

Ministério da Educação não se comprometeria com custos de manutenção, implantação do

programa, que ficaria a cargo das secretarias de educação dos estados.

Fato importante é que o próprio MEC, quando ocorreu a implementação do programa,

parece reconhecer a dificuldade em romper o ciclo de invisibilidade dos estudantes e propõe

uma meta, extremamente, conservadora para o programa, como podemos verificar:

O Programa de Implantação de Núcleo de Atividades de Altas

Habilidades/Superdotação – NAAH/S é uma estratégia de inclusão tem por objetivo

a expansão do atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos com

altas habilidades e superdotação, atendendo por volta de 60 alunos por núcleo, com

um total de cerca de 1.620 alunos por ano. Esse número diz respeito aos Núcleos, no

entanto, devem ser contabilizados os atendimentos nas instituições e salas de recursos

parceiras e que recebem orientação e suporte técnico do NAAH/S. (MEC -Ministério

da Educação, 2006)

A precariedade da implementação do programa é verificada no material didático

disponibilizado para a sua implantação; composto por 04 (quatro) revistas produzidas pelo

ministério, que analisaremos na sequência, e os seguintes recursos estruturais:

A Secretaria de Educação Especial disponibilizou equipamentos como: 06

microcomputadores com gravador de CD e multimídia, 01 impressora multifuncional,

01 scanner, 01 webcan, 01 TV 29’, 01 DVD; e o mobiliário: 01 mesa redonda, 01

armário de aço, 06 mesas para computador, 06 cadeiras para computador, 01 mesa

para impressora, 01 quadro branco; para a organização das unidades de atendimento

dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação – NAAH/S (MEC -

Ministério da Educação, 2006)

A cartilha demonstra, por um lado, que tivemos organização na implementação do

programa e que as secretarias de educação, além, de terem acesso à informação possuem

material sistematizado, para o atendimento. Por outro lado, ficam evidentes as condições

precárias e não prioritárias dedicadas ao público com AH/SD, desde sua implantação.

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254

Um dado interessante sobre as AH/SD é que, a partir de 1999, o MEC passou a produzir

materiais sobre o assunto, com objetivo de formar docentes, gestores e psicólogos envolvidos

na área. Os materiais, em geral, são de boa qualidade, contêm informações de modo simples e

didático, sendo baseados em pesquisas recentes e bibliografia atualizada; em muitos, temos

renomados pesquisadores, como os responsáveis pela produção e coordenação dos mesmos,

indicando um bom trânsito entre mundo acadêmico e MEC.

Dentre estes materiais, destacamos a coleção “Altas Habilidades/Superdotação:

Encorajando Potenciais, da autoria de (VIRGOLIM, 2006). Trata-se do primeiro volume, de

uma coleção de 04 (quatro) brochuras, sobre os mais diversos assuntos relativos às altas

habilidades/superdotação; contando, enquanto autoras, com duas das mais importantes

pesquisadoras brasileiras sobre o tema: Ângela Virgolim e Renata Maia-Pinto, ambas oriundas

do programa de pós-graduação da UNB. O material tem ótimo conteúdo, bibliografia e

conceitos atualizados e está dividido entre os seguintes itens:

Capítulo 1: Por que investir na educação de alunos com Altas

habilidades/superdotação? O papel da família, da escola e da sociedade no

desenvolvimento dos talentos; Capítulo 2: O que as palavras querem dizer? -As

diferentes terminologias e definições na área; Capítulo 3: Como reconhecer uma

criança superdotada? - As características cognitivas, afetivas e sociais do

superdotado; Capítulo 4: Encorajando potencialidades - Desenvolvendo a

superdotação na teoria e na prática

A publicação aborda, praticamente, todos os chamados mitos sobre as AH/SD e faz um

percurso que engloba, desde os motivos para atender alunos superdotados pela educação

especial, passando pela definição de conceitos e culminando com a orientação aos profissionais

da educação, quanto à forma de identificar e trabalhar com estes estudantes.

O segundo volume é, especificamente, voltado à orientação dos professores sobre o

assunto e para sua elaboração foi escolhida a professora Denise Fleith, professora do

departamento de psicologia da UNB e membro da diretoria do Conselho Mundial para Altas

Habilidades/Superdotação. O volume traz renomados pesquisadores da área e a leitura deste

materialjá seria capaz de aproximar o professor do que há de mais importante, no Brasil, sobre

AH/SD. Dividido da seguinte forma (FLEITH, 2007):

Introdução - Denise de S. Fleith; Capítulo 1: Indivíduos com Altas

Habilidades/Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo Ideias Errôneas,

Capítulo 2: Educação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação: Legislação

e Políticas Educacionais para a Inclusão; Capítulo 3: Características Intelectuais,

Emocionais e Sociais do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 4:

Estratégias de Identificação do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação;

Capítulo 5: Práticas Educacionais de Atendimento ao Aluno com Altas

Habilidades/Superdotação.

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255

A publicação faz um panorama sobre as altas habilidades/superdotação aos professores,

percorrendo desde as concepções e conceitos, com destaque para o quadro de invisibilidade

destes estudantes, até questões como: a legislação, características dos estudantes alto-

habilidosos, e estratégias de identificação e atendimento.

O terceiro e quarto volumes da publicação, também, sob a coordenação de Denise de

Souza Fleith, são destinados à orientação de pais e familiares e à construção de práticas que

estimulem o talento dos estudantes (FLEITH, 2007). Estão organizados, com o objetivo de

oferecer um caminho para que se construa um modelo de identificação e atendimento adequado,

vejamos:

Volume 3:

Introdução; Capítulo 1: Estratégias de Promoção da Criatividade; Capítulo 2:

Desenvolvimento do Autoconceito; Capítulo 3: Modelo de Enriquecimento Escolar;

Capítulo 4: Desenvolvimento de Projetos de Pesquisa; Capítulo 5: Grupos de

Enriquecimento.

Volume 4:

Introdução; Capítulo 1: A Família como Contexto de Desenvolvimento; Capítulo 2:A

Família do Aluno com Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 3: O Papel da

Família no Desenvolvimento de Altas Habilidades/Superdotação; Capítulo 4: Parceria

entre Família e Escola.

Contando com forte presença do grupo de pesquisadores da UNB, as publicações

prezam por material de boa qualidade e em cores, contendo diversos infográficos, com objetivo

de tornar a leitura mais leve e interessante, trazendo, também, modelos de atividades a serem

desenvolvidas com os estudantes.

O material foi desenvolvido, no momento da implantação dos NAAH/S, fazendo parte

das ações do governo federal em atender as demandas por políticas públicas na área.

Entretanto, um fator indica o descompasso entre o que se diz e o que se realiza em

relação ao tema, no caso do governo, uma vez que, apesar da qualidade e da importância do

material, o MEC decidiu imprimir o material, com uma tiragem de apenas 5.000 (cinco mil)

exemplares e deixando os documentos em PDF, no site do MEC, para serem acessados.

Se pensarmos que o Brasil conta com mais de 2 milhões de professores distribuídos, em

quase, 200 mil escolas públicas e privadas e, sabendo das dificuldades dos trabalhadores em

educação para acessar os conteúdos online e realizar sua leitura e impressão, podemos verificar

que, ainda que tenha custeado a produção de um excelente material, o governo decidiu publicar

a coleção, a partir de uma tiragem mínima, que atenderia a um pequeno público interessado e,

assim, cumprir sua obrigação, apenas, na perspectiva burocrática, relegando, novamente, estes

alunos à invisibilidade.

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256

Novamente, verificamos que para além dos mitos, que os educadores possam vir a

alimentar sobre as AH/SD, a invisibilidade é produzida por medidas concretas do Estado

Brasileiro. A questão que precisamos esclarecer é por qual motivo o MEC dedica tão pouco

interesse a uma área teoricamente estratégica aos interesses nacionais?

O material desenvolvido, em 2007, não foi a primeira experiência brasileira, na área. No

ano de 2004, outra medida já havia sido adotada, em termos parecidos. Nesta data, a coleção

“Saberes e Práticas da Inclusão: Altas Habilidades”, organizada por Francisca Rosineide

Furtado do Monte, contanto com a participação de Fleith, na elaboração e com o parecer de

renomados pesquisadores, como: Alencar, Guenther e Delou, foi elaborada, em 2003, pelo

MEC, com o intuito de informar os professores da educação infantil sobre o tema.

Neste caso, a tiragem do material foi de apenas 10.000 (dez mil) exemplares, para todo

o universo da educação brasileira.

Para verificarmos que não são poucas as informações produzidas pelo MEC sobre o

tema, em 2005, temos uma nova publicação na área: “Desenvolvendo competências para o

atendimento às necessidades educacionais de alunos com altas habilidades/superdotação” 116.

Esta coleção, novamente, contou com a participação de Virgolim e Fleith, neste caso, não

tivemos acesso a tiragem do material, mas, temos uma brochura de 144 páginas sobre o tema,

que é a compilação de um curso de formação para docentes sobre as AH/SD, onde abordam

desde as teorias e conceitos até a implementação de processos de identificação e atendimento.

Temos ainda, alguns documentos, do período do governo de Fernando Henrique

Cardoso, publicados entre 1999 e 2002. O primeiro, uma cartilha de 38 (trinta e oito) páginas

intitulada: “Identificando e atendendo as necessidades educacionais especiais dos alunos com

altas habilidades/superdotação”, tendo Maria Salete Fábio Aranha como organizadora do

material. A publicação contou com tiragem de 10.000 (dez mil) exemplares, sendo um material

superficial e com bibliografia enxuta, quase toda em inglês.

A última publicação sobre o tema, parte da “Série Diretrizes”, é a mais recuada no

tempo. Data de 1999, também, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sem dúvida, é a

mais volumosa publicação na área, contendo 02 (dois) volumes, que totalizam mais de 300

(trezentas) páginas. A publicação aborda o tema da “superdotação e talento” e foi organizada

por Leila Magalhães Santos, não há constatação de sua tiragem.

116 Saberes e práticas da inclusão : desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais

especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. [2. ed.] / coordenação geral SEESP/MEC. - Brasília :

MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. 143 p. (Série : Saberes e práticas da inclusão).

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A publicação conta com uma bibliografia enxuta, repleta de obras estrangeiras. Cabe

destacar, que esta publicação dos anos de 1990, traz algumas características e posições que

divergem da maioria dos pesquisadores brasileiros e que podem nos indicar que, muitas vezes,

ideias difundidas, inclusive, pelos órgãos oficiais do governo brasileiro, são responsáveis pela

invisibilidade e confusão conceitual, como exemplo, destacamos os excertos: A natureza

encarrega-se de produzir os gênios, os superdotados e os talentosos. Ao sistema educacional

cabe se preparar para o aproveitamento e a estimulação destas crianças e jovens.(SANTOS,

1999, p. 222)

Combater os mitos sobre as AH/SD, quando documentos oficiais, com objetivo de

formar os docentes e gestores, indicam que talento, superdotação e genialidade seriam fruto da

natureza, torna-se algo complicado. Buscar mínima compreensão, na área, quando o ministério

da educação difunde equívocos, como a distinção entre talento e superdotação, constitui tarefa

árdua e de sucesso improvável. E assim, podemos verificar a participação efetiva dos órgãos

oficiais na produção da invisibilidade.

Desta maneira, constatamos que, apesar da invisibilidade dos alunos com AH/SD, e do

reduzido número de identificações, os órgãos oficiais brasileiros têm uma tradição de publicar

materiais sobre o assunto, indicando que possuem conhecimento do tema. Porém, o caminho

seguido é o de enfrentar o problema, apenas, de modo protocolar, assim, alimentando a

invisibilidade, em boa parte, por falta de interesse dos órgãos responsáveis pela educação.

O Governo do Estado de São Paulo, também, tem publicação voltada para as AH/SD.

Com tiragem de 10.000 (dez mil) exemplares, o caderno “Um olhar para as altas habilidades”

117, de 2008, é um documento destinado aos trabalhadores da educação, nos moldes dos

materiais produzidos pelo MEC, sendo a primeira ação do governo paulista voltada a este

público.

Organizado por Christina M.B. Cupertino, pesquisadora renomada na área, o material

tem bibliografia atualizada e repleta de boas opções aos professores, com um acabamento

cuidadoso, contendo gravuras de alunos que ilustram a obra, trazendo inúmeros estudos de caso,

como forma de auxiliar os professores, no processo de identificação e atendimento dos alunos

superdotados.

Material bem estruturado e de boa qualidade, o documento, em suas mais de 90

(noventa) páginas, traz muitas informações ao professor interessado.

117 Um olhar para as altas habilidades: construindo caminhos / Secretaria da Educação, Núcleo de Apoio

Pedagógico Especializado - CAPE; organização, Christina Menna Barreto Cupertino; Denise Rocha Belfort

Arantes. - 2. ed. rev. atual. ampl. - São Paulo : SE, 2012. 87 p.

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Entretanto, novamente esbarramos na diferença entre as intenções declaradas pela

Secretaria de Educação e a sua implementação, na realidade. Com uma tiragem que abarca,

apenas, 5% dos docentes da rede estadual, se fôssemos distribuir os exemplares por escolas,

teríamos, somente, 2 (dois) destes exemplares, em cada uma das mais de 5.000 (cinco mil)

escolas estaduais, do Estado de São Paulo, sem contar, que não foi feita nenhuma ação, no

sentido de difundir o material entre as redes de ensino municipais. O resultado, novamente, é a

existência de um material de grande qualidade, mas que não chega ao professor e, em nossas

pesquisas, apenas, um único gestor educacional, dentre centenas de professores e gestores, que

participaram da pesquisa, havia tido contato com o material.

5.7 - As AH/SD na Câmara dos Deputados

No Brasil, quando vêm de famílias mais ricas, os talentosos são identificados e

recebem a educação apropriada. Mas e quando são de famílias pobres? São ignorados

pela escola. [...] como já foi demonstrado pela boa pesquisa, os talentosos são

impedidos de desabrochar no tipo de escola que o Brasil oferece. Desajustam-se ou

fingem ser medíocres, a fim de evitar conflitos e embaraços. São diamantes

descartados.118

Dentre os documentos oficiais brasileiros sobre altas habilidades/superdotação,

consideramos que dois documentos da Câmara dos Deputados, dos anos 2004 e 2010, sejam

fundamentais para analisarmos o papel do Estado Brasileiro na situação de in-visibilidade.

São importantes, em primeiro lugar, por indicar que, contra prognósticos desavisados,

existem boas reflexões e suficiente informação das instâncias de poder, no Brasil, sobre tais

estudantes. Sua relevância ocorre, para termos uma ideia adequada, da forma como a pressão

de militantes, na área, chega às instâncias superiores do poder e consegue “sensibilizar” os

deputados. É decisiva, na compreensão do trabalho de pesquisa, ao nos fornecer informações

sobre o tratamento do tema pelo governo brasileiro, nos últimos 15 (quinze) anos.

O primeiro documento data de 2004, chamado “Educação Especial para

Superdotados”, tem como seu relator, Maurício Holanda Maia, especialista em educação, ex-

secretário de educação do Ceará.

O texto traz, desde considerações básicas sobre o tema, como terminologia e

conceituação da superdotação, até questões legislativas e modelos de atendimento.

118

Claudio de Moura Castro. Diamantes descartados. Revista Veja, Seção Ponto de Vista. 7/5/2008.

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O documento apresenta os termos: superdotados, altas habilidades e talento como

sinônimos, uma inovação diante de alguns documentos, anteriormente, publicados pelo MEC,

ainda que, no título, tenha nomeado, apenas, superdotado. Como mostra (MAIA, 2004, p.3)

As crianças superdotadas, também definidas como portadoras de altas habilidades

(PAH) ou talentos, constituem um segmento do grupo maior de crianças que, por

serem detentores de traços individuais específicos, são definidos como “portadores de

necessidades (educacionais) especiais.[...]A Constituição Federal, Artigo 208, III,

ainda se refere a esses alunos (excepcionais) como “portadores de deficiência”,

reconhecendo-lhes o direito a “atendimento educacional especializado.

O documento apresenta os debates sobre o conceito de altas habilidades/superdotação,

a partir das teorias de Renzulli (1978), citando bibliografia específica e os avanços advindos da

inclusão do termo altas habilidades, como modo de diminuir o peso negativo de superdotação:

No tocante aos superdotados, o campo técnico-científico vem operandouma

atualização em que a noção de superdotação passa a conviver com a expressão

“portador de altas habilidades”, semanticamente menos carregada e conceitualmente

mais precisa. (MAIA, 2004, p.6)

Em termos de definição do que seja “superdotado”, uma formulação amplamente

aceita pelos especialistas brasileiros é a de Joseph Renzulli (1986), citado por Susana

Pérez, que define a superdotação em termos de “[...] comportamentos que refletem

uma interação entre os três grupamentos básicos dos traços humanos - sendo esses

grupamentos habilidades gerais e/ou específicas acima da média, elevados níveis de

comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. (MAIA, 2004, p.7)

O documento denuncia a situação de falta de atendimento aos alunos com altas

habilidades/superdotação e alerta:

Se de uma maneira geral as crianças portadoras de altas habilidades não estão

excluídas do acesso à escola, com muita frequência, contudo, veem-se excluídas na

escola. Isto é, experimentam com sofrimento e impotência a constatação cotidiana de

que os modelos organizacionais-pedagógicos que formatam a escola não são capazes

de comportar a convivência positiva com suas diferenças individuais e suas

necessidades educativas especiais. (MAIA, 2004, p.7)

O texto indica a existência de legislação, já antiga, no sentido de garantir atendimento

ao público com AH/SD e ressalta que o PNE, de 2001, já trazia metas para a área, diz o texto:

Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172/01, por sua vez, no capítulo da

Educação Especial estabelece a meta de ”implantar, gradativamente, a partir do

primeiro ano deste plano, programas de atendimento aos alunos com altas habilidades

nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (Meta 26). (MAIA, 2004, p.7)

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O texto denuncia os parcos investimentos do poder público, no setor e a dificuldade em

se cumprir as metas estabelecidas, no PNE, terminando por sugerir novas pesquisas,

objetivando conhecer o assunto e formas de atendimento implementadas, no Brasil.

O segundo documento é do ano de 2010, com o título “Educação de alunos

superdotados/Altas Habilidades119”, sob a coordenação de Aparecida Andrés. Trata-se de um

extenso documento, de 98 (noventa e oito) páginas, que contém um levantamento da legislação

brasileira sobre o tema, bem como, um minucioso estudo da legislação sobre o assunto de

diversos países, como: Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, Peru, Alemanha, Espanha,

Finlândia e França.

Novamente, o texto apresentado aos deputados traz uma discussão sobre os conceitos

utilizados na área; as diferentes perspectivas sobre altas habilidades/superdotação, talento,

prodígio, precoces e gênios; bem como, a teoria de Renzulli utilizada pelos especialistas na

área, tanto no ConBraSD, como pela legislação brasileira.

Neste documento, o próprio Estado brasileiro reconhece a pouca atenção dada ao tema

e a situação de invisibilidade destes estudantes, fato importante, ao tornar oficial uma

constatação de especialistas e denúncia de famílias e sociedade civil organizada, vejamos:

Tanto a legislação nacional quanto a base normativa referentes aos direitos das

pessoas com altas habilidades/superdotadas são escassas. Este segmento social,

quando considerado na legislação, via de regra o é como se subconjunto fosse do

segmento maior das ‘pessoas com deficiência’, não obstante a evidente

impropriedade. Entre as várias consequências deste fato, está o tratamento legal muito

mais detalhado e específico das deficiências e a ligeireza, falta de atenção ou, na maior

parte dos casos, a desconsideração pura e simples dos aspectos especificamente

concernentes aos alunos talentosos ou portadores de altas habilidades. (ANDRÉS,

2010, p. 9)

A autora faz um histórico do atendimento aos superdotados, no Brasil e sua tardia

inclusão nos documentos oficiais, terminando por apresentar a constatação de que, apenas, no

século XXI, foram efetivadas, em nosso país, as primeiras ações concretas, com vistas a garantir

a atenção devida aos alunos, com AH/SD:

Entretanto, os maiores avanços na área da educação para superdotados na legislação

e no atendimento - ocorrerão já no novo milênio, sobre a base da implementação da

nova LDB (Lei nº 9394/1996), das Diretrizes Nacionais da Educação Especial na

Educação Básica, editadas pelo CNE em setembro de 2001 e com a aprovação do

Plano Nacional de Educação (PNE - Lei Nº 10.172/2001), em janeiro de

2001.(ANDRÉS, 2010, p. 17)

119ANDRÉS, A. “Educação de alunos superdotados/Altas Habilidades , Câmara dos Deputados, 2010

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261

Documento de boa qualidade, com referências bibliográficas atualizadas, transita pela

maioria dos grandes problemas educacionais relativos as AH/SD e possibilita concluir que às

autoridades brasileiras não falta informação sobre o assunto, tendo os deputados a seu dispor,

o que há de melhor e mais atual, na temática, para basear suas decisões e ações.

O documento denuncia a existência de perspectivas equivocadas sobre as AH/SD,

questionando a noção de que altas habilidades seria sinônimo de genialidade e denuncia o

quadro que tende a ignorar os alunos talentosos, apresenta-nos:

Diferentemente do que se imagina, a criança superdotada não é necessariamente um

“gênio”. Por causa dessa confusão, a palavra “superdotado” está sendo substituída

pela expressão “com altas habilidades”. O aluno com essa característica está acima da

média na escola, nos esportes, nas artes, na criatividade ou na liderança. No caso da

habilidade intelectual, o estudante pode ter um desempenho excepcional em

determinada disciplina escolar, mas não ser bom nas demais. Calcula-se hoje que de

15% a 20% da população tenha altas habilidades.[...]Os especialistas trabalham com

a hipótese de que há no Brasil pelo menos 8 milhões de pessoas com capacidade

cognitiva acima da média da população. (ANDRÉS, 2010, p. 22)

O texto aponta, também, clareza na avaliação sobre a situação destes estudantes, no

Brasil, e apresenta uma leitura do assunto, muitas vezes, mais realista que a verificada por parte

dos especialistas, no tema, indicando, inclusive, que identifica os motivos da invisibilidade

destes alunos e as possíveis soluções para a questão e diz-nos:

Assim, em linhas gerais, constata-se que aindafaltam no país instrumentos de

diagnóstico precoce da superdotação e medidas de encaminhamento dos identificados;

faltam professores especializados na área – praticamente não há formação inicial, em

serviço e continuada, direcionada ao segmento; as pesquisas são escassas (em 2004,

estimava se que o país dispunha de apenas sete doutores com investigações no

assunto) e não obstante os progressos reais, observados principalmente na última

década, ainda há poucas políticas públicas consistentes, articuladas e principalmente

duradouras para este contingente populacional.(ANDRÉS, 2010, p. 22)

Em sua conclusão, apresenta o grave quadro em que tais estudantes encontram-se, na

realidade educacional brasileira, apesar dos avanços na área:

Não obstante os indícios de uma mudança de perspectiva e de estratégias em curso,

pode-se afirmar em conclusão que na prática da vida cotidiana, o que predomina num

país das dimensões do Brasil ainda é, infelizmente, o desconhecimento e a falta de

mecanismos organizacionais, institucionais e pedagógicos das escolas, professores, e

também dos pais e familiares para lidar adequadamente com as crianças e jovens

portadoras de altas habilidades, no mais das vezes por pura ignorância. (ANDRÉS,

2010, p. 25)

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262

A segunda parte do documento, é um extenso levantamento de legislações e modelos de

atendimento aos alto-habilidosos, em diversos países, como forma de nortear a implementação

de políticas públicas brasileiras na área.

O trabalho indica diferenças de atendimento e normatização, a depender dos países, por

exemplo: problemas mais severos em alguns países, no que diz respeito ao atendimento e o

fenômeno da invisibilidade, mesmo em localidades ricas, como o Canadá, em que citando um

relatório do governo canadense, na área, diz: Leroux (2000) aponta que, em linhas gerais, havia

no país pouca, insuficiente ou nenhuma preocupação com as crianças desfavorecidas de

elevado potencial. A maioria dos ministérios informou que não existiam medidas especiais para

tal público[...] (ANDRÉS, 2010, p. 27)

Em relação aos Estados Unidos, destaca a existência de atendimento especializado aos

alunos talentosos, desde 1870, com a implantação de uma escola em St Louis-Missouri e outras,

em seguida; também, a criação de uma instituição, há mais de 50 anos, que representa

nacionalmente e recebe verbas federais, de modo a fomentar o atendimento aos superdotados

chamada NAGC - National Association for Gifted Children.O texto aponta um crescimento do

interesse pelo tema, nos Estados Unidos, a partir dos anos 1970, com aumento expressivo na

quantidade de verbas destinadas à área e indicando o volume do tema, naquele país:

A bibliografia especializada aponta que a atenção americana para o talento e os

talentosos cresceu no último quartel do século 20. No Texas, por exemplo, em 1979,

o Legislativo decidiu canalizar fundos para programas de experiências exemplares em

escolas públicas. [...]. De 1978 a 1980, dois milhões de dólares foram alocados no

Texas para os alunos talentosos e, em 1982-1983, o financiamento foi aumentado para

oito milhões de dólares (Texas Education Agency, 1981). Nacionalmente, em 1995,

o Jacob K. Javits Gifted and Talented Education Act29,generosamente, financiou um

Centro Nacional de Pesquisa sobre o Talentosos e Superdotados. Em 1998 o Gifted

and Talented Students Education Act, que prevê canalização de recursos para os

estados, fortaleceu programas e serviços para alunos superdotados, reforçando com

mais fundos as iniciativas realizadas. (ANDRÉS, 2010, p. 34)

Sobre o modelo de financiamento dos EUA, na área, o documento destaca:

Do ponto de vista do financiamento, o governo federal não financia diretamente as

escolas que oferecem programas e serviços para superdotados. O Congresso

americano, entretanto, alocou $7.5 milhões de dólares em 2008 no Jacob K. Javits

Gifted and Talented Studens Education Act, que ampara o National Research Center

on the Gifted and Talented, e em outros fundos de bolsas que focalizam a identificação

e a assistência a estudantes de backgrounds diversos cultural, linguística e

etnicamente, tradicionalmente sub-representados nos programas para estudantes com

talento, ajudando a reduzir as discrepâncias nos resultados e a encorajar a efetiva

igualdade de oportunidades para todos os estudantes. (ANDRÉS, 2010, p. 34)

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263

Quanto aos muitos formatos de atendimento aos alunos talentosos e levantamentos

estatais sobre o tema, podemos verificar que este é um assunto tratado como prioritário ao país

e motivo de atenção e planejamento estratégico das políticas de estado:

Pelo menos 15 estados americanos contam com escolas secundárias para alunos

avançados em matemática e ciências ou em artes e humanidades, com diferentes

requisitos para ingresso, horário integral ou oferecendo residência para seus alunos,

sendo que muitas delas se localizam em campus universitários. Os departamentos

estaduais de educação disponibilizam informação sobre o assunto e na maioria dos

casos, são o repositório de dados, leis e políticas educacionais. [...]Por fim, informa-

se que o país dispõe de dois Relatórios federais – A Nationat Risk (1983) e National

Excellence: A Case For Developing America's Talent (1993), que ressaltam que as

oportunidades perdidas de identificação e assistência aos estudantes talentosos nos

EUA resultaram em uma chamada nacional por pesquisas e programações adicionais

sobre este tema. (ANDRÉS, 2010, p. 36)

O documento traz informações sobre o atendimento às AH/SD, na América Latina,

indicando as dificuldades argentinas em fazer a legislação para superdotados se consolidar em

ações objetivas, bem como, o fato de no Chile, a educação dos superdotados não fazer parte da

educação especial, logo estes estudantes não são considerados público com necessidades

educacionais especiais120. O Chile, entretanto, desenvolve projetos de identificação de talentos,

como: as olimpíadas de matemática e a oferta de atendimento curricular enriquecido a alguns

estudantes. Porém, o debate chileno, também, indica a existência da invisibilidade dos alunos

com AH/SD, como aponta o relatório citado pelo documento brasileiro:

Violeta Arancibia, diretora do Centro de Estudios y Desarrollo de Talentos UC

(PentaUC) ao expor seu trabalho Educación de alumnos de Talentos: una deuda y uma

oportunidad para Chile, revelou que em três milhões e meio de alunos chilenos, 350

mil têm potencial para o talento acadêmico. [...] No entanto, denunciou que cerca de

300 mil crianças chilenas não estão recebendo a educação de que necessitam:“- A

maior perda de talento ocorre entreaqueles com menos oportunidades, porque eles

vêm de famílias pobres e frequentam escolas que lhes fornecemeducação de má

qualidade”, disse ela.(ANDRÉS, 2010, p. 45)

O documento chileno é pioneiro ao apontar os ganhos para todo o sistema de ensino e

professores, por intermédio do trabalho com os alunos talentosos, assim como, a necessidade

de desenvolvimento de bolsas de estudo aos alunos com AH/SD, oriundos da classe

trabalhadora, como forma de manter e sustentar seus estudos, evitando-se, assim, que sejam

interrompidos para se dedicarem ao trabalho.

120

“Pelo que se mostrou, observa-se que o marco legal chileno não considera explicitamente políticas educativas

relacionadas com a criança com talento”. ANDRÉS, A. “Educação de alunos superdotados/Altas Habilidades ,

Câmara dos Deputados, 2010.

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264

No seuentendimento, as políticas públicas poderiam colaborar em promover maior

equidade e evitar aperda de crianças com talento acadêmico, pois está comprovado

que há um impacto positivo nosistema educacional, como um todo, ao proporcionar

as ferramentas de formação e incentivo aum aluno com tais potencialidades. Ela

menciona inclusive o depoimento de professores quedeclaram ir mais além das

trivialidades da profissão quando têm alunos talentosos em classe;obrigam-se a

estruturar melhor as aulas e a melhorar os conteúdos, impulsionando, positivamente,

o nível de aprendizagem de toda a classe. Violeta Arancibia [...] Também anunciou a

necessidade de se desenvolver um sistema bolsas de estudos para alunos carentes.

”(ANDRÉS, 2010, p. 45)

No caso do Peru, temos semelhança com Brasil, pelo fato dos alunos superdotados

serem considerados público da educação especial, como também, por meio do quadro de

invisibilidade destes estudantes, ao longo de todo o século XX, com as primeiras medidas

efetivas, sendo implementadas, a partir do início do presente século, como podemos verificar:

No Peru, a criança superdotada foi definida como "a criança excepcional devido a

capacidades proeminentes que ultrapassam significativamente a média de inteligência

normal" [...], o que nas leis do país lhe conferia titularidade ante a exigência de atenção

educativa especial. No entanto, porque há muitos anos a educação pública peruana

seguiu uma política de massa, não tem conseguido, [...] fornecer ainda uma assistência

adequada aos estudantes identificados como superdotados (Alencar e Blumen, 1993).

(ANDRÉS, 2010, p. 53)

5.7.2-A União Europeia:

Na sequência, o documento analisa as medidas dos países, membros da União Européia,

na área das altas habilidades/superdotação, como forma de traçar um panorama mais amplo, de

modo a fundamentar as ações brasileiras, neste sentido.

A primeira constatação do documento, é que seguindo o que já havia sido verificado no

Canadá, Argentina, Peru, Chile e, mesmo que com atenuantes, nos Estados Unidos, de um modo

geral, o tema das AH/SD só obteve maior interesse das comunidades e autoridades europeias,

nos últimos 20 anos. Até então, a situação era de igual invisibilidade, como ocorre nos países

citados e, também, no Brasil, deste modo, diz o documento:

A assistência e o apoio educacional aos superdotados vêm crescendo em muitos países

europeus. A opinião geral dominante no século precedente era que os estudantes

altamente capazes não precisavam de atenção especial ou de facilidades adicionais.

Consequentemente, a tarefa de estabelecer medidas de assistência educacional para o

superdotado, nas escolas, foi completamente negligenciada. Somente nos últimos 20

anos, tornou-se cada vez mais aceita e reconhecida a tese de que todas as crianças

precisam de apoio ajustado a seu próprio nível de habilidade - baixo ou alto -, para

desenvolver ao máximo o seu potencial. (ANDRÉS, 2010, p. 54)

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O documento da Câmara dos Deputados apresenta um panorama interessante, indicando

que a invisibilidade do público com AH/SD foi verificada, ao longo de todo o século XX, em

países de continentes e estágios de desenvolvimento econômicos distintos. Com exceção dos

EUA, que iniciaram cedo sua preocupação na área, a tendência foi negligenciar tais estudantes.

O interesse dos europeus na área é, também, recente e apresenta-se através de

documento de 2001, solicitando levantamento sobre o atendimento aos alunos superdotados,

nos 21 (vinte e um) países, até então, membros da UE:

Em 2001 o Ministério da Ciência e Educação da Alemanha atribuiu aos autores do

Relatório Gifted Education in 21 European Countries: Inventory and Perspective a

tarefa de inventariar a educação para superdotados nas escolas europeias. De início, a

investigação, que começou antes da extensão da União Europeia a 25 países, incluiu

apenas os 15 Estadosmembros de então, mais a Suíça, Polônia, Hungria, Letônia,

Romênia e a Eslovênia. Os resultados constam do relatório de setembro, de

2003.(ANDRÉS, 2010, p. 55)

O relatório indica melhoria, nos modelos de atendimento às AH/SD, no continente

europeu, também, aponta a necessidade de aprimoramento nas legislações, modelos de

atendimento e identificação e melhor formação de professores nesta área, vejamos:

O inventário atualizado revela um desenvolvimento dinâmico da educação para

superdotados nas escolas européias e verificou-se que o estatuto legislativo das

crianças superdotadas e de suas necessidades transformou-se realidade em alguns

países. A formação de professores e seu aprimoramento melhoraram na maioria dos

casos estudados. Entretanto, o maior progresso foi constatado na Suíça, Alemanha e

Reino Unido, países que em 2002, já se posicionavam muito bem no ranking da

educação para superdotados e que vêm registrando um progresso substancial contínuo

desde essa data. Romênia e Suécia aparentemente também têm se direcionado no

sentido correto. [...] Importante e significativa lista de expectativas e de distintas

prioridades permanece existindo nos países pesquisados: quase todos querem ver uma

expansão da assistência para os superdotados e um reconhecimento e inserção maiores

da educação para superdotados na legislação escolar. E, sobretudo, é considerado

essencial que, para uma melhoria real do professorado, a educação para superdotados

venha a integrar o currículo básico da formação docente. (ANDRÉS, 2010, p. 56)

O documento europeu, utilizado pelos deputados brasileiros, indica os caminhos e

estágios de atendimento de alguns países europeus, no sentido de apontar semelhanças e

diferenças em relação ao Brasil.

Em relação à Alemanha, o país europeu com o sistema de ensino a superdotados mais

desenvolvido e estruturado, talvez, por ser a maior economia do continente, enxergando,

rapidamente, a necessidade de se estruturar para o novo ciclo de competição econômica que se

anunciava, o texto indica-nos algumas informações interessantes:

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266

Somente alguns estados federados (Alemães) tratam do tema da educação de

superdotados, durante a formação compulsória dos professores. Oportunidades para

atualização e educação continuada de professores são, ocasionalmente, oferecidos na

Alemanha. O Centro Internacional para o Estudo da Superdotação (ICBF) da

Universidade de Munster coordena programas de atualização para professores-

especialistas em superdotação (ECHA) e programas de atualização para professores

especialistas em pré-escola de superdotados (ECHAcertificados). [...]A experiência

adquirida com esses programas tem sido aproveitada e posta em prática em alguns

estados federais, principalmente, na Renânia do Norte - Westphalia. Algumas cidades

assumem a responsabilidade da atualização dos seus professores, na educação de

superdotados: por exemplo, o Centro de Competência para Educação de Superdotados

de Dusseldorf (CCB) iniciou um curso, em colaboração com o ICBF-Programa

ECHA, para um grupo de professores das escolas da cidade. Além disto, o Centro

fornece avaliação psicológica individual para os alunos com alto potencial. A rede de

educação de superdotados é organizada eestes serviços são, em parte ou totalmente,

financiados pelo poder público municipal. (ANDRÉS, 2010, p. 59)

Tal relato indica que, mesmo na Alemanha, os programas de formação de docentes estão

se iniciando, outro ponto importante, é a perspectiva de financiamento público na área,

indicando um vigoroso interesse estatal na questão.

Na França, não temos legislação específica sobre AH/SD e estes são considerados

público da educação especial. Segundo o documento brasileiro, as escolas francesas vêm se

esforçando para garantir atendimento a estes alunos, em seu sistema nacional de ensino. Sobre

o assunto, o relatório, nesta longa citação, aponta-nos:

Na França, não existe legislação específica que defina superdotação ou preveja

disposições educacionais para crianças superdotadas. [...] A filosofia geral das

diretrizes nacionais de educação é a identificação individual das necessidades

educativas específicas (Décret nº 90-788; 6/9/1990), tendo em vista proporcionar

igualdade de oportunidades educacionais para todos (Lei de 10/7/1989). [...] Até,

recentemente, as crianças com necessidades especiais foram consideradas somente

aquelas com dificuldades de aprendizagem, deficiências ou história de fracasso

escolar. No entanto, em 2001, o Ministério da Educação organizou uma comissão para

examinar a situação das crianças, intelectualmente, precoces e propor medidas para

essa população. [...] Na sequência do Relatório Delaubier (de janeiro de 2002), as

crianças, intelectualmente, precoces - ou, mais amplamente, superdotadas - são

consideradas parte do grupo de necessidades especiais (Circular nº2002-074 de

10/04/2002, Circular n° 2003-050 de 28/03/03; e Circular n° 2004-015 de 27/01/04).

1998). [...]Conforme a legislação em vigor, o sistema escolar francês parece estar se

esforçando para fornecer medidas de apoio para que os alunos talentosos desenvolvam

o seu potencial. (ANDRÉS, 2010, p. 72)

Ainda sobre a experiência francesa, não há um modelo oficial de identificação

reconhecido, nacionalmente, do mesmo modo que não existe um programa de formação docente

sobre os superdotados; temos, sim, medidas no sentido de sensibilizar os professores sobre as

necessidades dos estudantes, situação que não deixa de ser semelhante ao caso brasileiro.

O documento brasileiro conclui refletindo sobre a realidade brasileira, de forma

bastante precisa e indicando o tamanho da invisibilidade destes estudantes:

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À guisa de conclusão, reitera-se, em primeiro lugar, que segundo prognósticos

especializados, há no Brasil pelo menos 8 milhões de pessoas com capacidade

cognitiva acima da média da população (entre 3,5 e 5% da população), boa parte deles

crianças, adolescentes e adultos jovens em idade escolar. [...] Apenas para ilustrar

mais um dos sérios aspectos envolvidos na problemática da educação para as altas

habilidades, o Portal da UOL, na Internet, publicou, em 16/03/2007, informação sobre

os alunos superdotados da escola básica nacional, detectados a partir do Censo Escolar

de 2006, realizado pelo INEP. Eles totalizavam 2.553 alunos (número obviamente

subcalculado), a maior parte dos quais matriculados em escolas públicas (1.358 na

rede municipal de ensino e 1.172 na rede estadual; na rede privada foram identificados

apenas 23). (ANDRÉS, 2010, p. 88)

O relatório encerra indicando ações necessárias aos governantes brasileiros, como

investimento em centros de atendimento, formação de professores e incentivo às altas

habilidades/superdotação, por meio de bolsas de estudo e cita algumas iniciativas públicas e

privadas, na área, como as seguintes: Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,

desenvolvido pela Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC); Os núcleos de atenção as

altas habilidades/superdotação, NAAH/S; os programas ‘Caça Talentos’, da SEE-SP.

Entendemos que o Estado brasileiro tem razoável informação sobre o tema, mas até o

momento, não temos, praticamente, nada de concreto, em relação ao atendimento aos alunos

com altas habilidades/superdotação e tal fato ocorre por ausência de interesse do nosso Estado,

no real desenvolvimento da área, fato que pode ser comprovado na forma como sucessivos

governos ignoram a problemática.

A constatação de que a situação é semelhante, em diversos países, indica-nos que um

olhar mais amplo sobre a temática é necessário e que temos um quadro onde, se por um lado

existe a defesa das AH/SD, por outro, há um silêncio estatal sobre o tema, o qual decorre,

segundo nossas hipóteses, do fato de tal perspectiva se contrapor ao mito da meritocracia e da

escola única, base da reprodução das desigualdades de classes da sociedade capitalista,

compondo estruturas que, apenas com muito cuidado, devem ser reformadas (para garantir

competitividade das nações) e, sutilmente, tocadas, de modo a não desestabilizar o sistema.

Deste modo, ainda que simpático à sociedade e aos políticos, isoladamente, não há o interesse

efetivo do Estado, no tema, afinal, este não produz ações concretas, no sentido de estimular e

atender os indivíduos com tais características, salvo em condições específicas, como no caso

das potências econômicas, científicas e militares, em determinados países.

CAPÍTULO VI

A INVISIBILIDADE SEGUNDO OS TRABALHADORES DA

EDUCAÇÃO

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268

É consenso entre diversos estudiosos aimportância do contexto para a manifestação

do talento (Alencar e Fleith, 2001;Csikszentmihalyi, 1996; Gagné, 2005; Kerr,1994;

Reis, 2005; Renzulli, 2005; Sternberg,2005). As características do indivíduo

sãocompreendidas na interação com o ambienteem que está inserido. Esse processo

émediado pela cultura, que imprime suascrenças e valores nos papéis, práticas

eexpectativas sociais. Dessa maneira, apresença de estereótipos pode dificultarou

retardar a identificação, a promoção ea expressão de talentos. Esses

estereótiposmuitas vezes são internalizados e passam aconstituir barreiras internas à

expressão dopotencial latente no indivíduo.(PRADO, 2011, p. 10)

Como parte de nossas pesquisas, para compreender os motivos da invisibilidade dos

estudantes com altas habilidades/superdotação, nas escolas brasileiras, entendemos que

deveríamos desenvolver pesquisas de campo junto aos professores e gestores educacionais, de

modo a obtermos informações mais precisas sobre a situação pesquisada.

A pesquisa de campo foi composta por ações distribuídas em 04 (quatro) modalidades:

1- as visitas e acompanhamento das instituições especializadas em atendimento de pessoas com

altas habilidades/superdotação; 2- as formações desenvolvidas com professores e gestores no

litoral paulista; 3- os questionários de pesquisa respondidos por trabalhadores da educação

sobre a temática; 4- as entrevistas com profissionais da educação e alunos com AH/SD sobre o

tema.

Nossa metodologia buscou formas informações, de modo que possamos, a partir dos

dados fornecidos por profissionais da educação, confirmar ou não as hipóteses levantadas pelo

trabalho de pesquisa teórico-bibliográfica, bem como, fundamentar conclusões e eventuais

generalizações sobre o tema.

Durante nosso trabalho de campo, buscamos a articulação entre teoria e prática, como

forma de mantermos a coerência da pesquisa, que entende que uma não pode existir sem a outra.

E assim, buscamos respostas para 03 questões, que nortearam a construção da pesquisa e as

discussões dos capítulos anteriores, que são: 1- Os motivos da invisibilidade das altas

habilidades/superdotação; 2- A existência de mitos e preconceitos entre os educadores sobre o

tema, bem como, a formação dos professores sobre o assunto; 3 – O papel da realidade

educacional e do fracasso escolar, na situação analisada.

Deste modo, em outubro e novembro de 2014, abril de 2015 e abril de 2016, realizamos

visitas às instituições de atendimento a AH/SD, em todos os estados da região Sudeste, nos

quais foi possível obter informações sobre como entendem as altas habilidades/superdotação e

explicam os motivos da invisibilidade. Também acompanhamos a bibliografia existente sobre

redes de ensino, que têm tradição no atendimento aos alto-habilidosos, como em: Brasília e

Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

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Para conhecer a opinião dos professores e gestores sobre o tema, foram aplicados dois

questionários com os educadores, da rede municipal da cidade, onde atuamos. O primeiro

aplicado, no dia 25 de fevereiro de 2015, pessoalmente, durante curso de formação com os

professores da Educação Especial.

O segundo questionário, aplicado no período de novembro de 2015 a janeiro de 2016,

que foi desenvolvido para ser aplicado, virtualmente, aos professores e gestores interessados e

utilizamos a plataforma Google.Forms, de modo a respondermos as questões de nossa pesquisa.

Em seguida, os questionários e convites para a pesquisa foram enviados por e-mail e redes

sociais, como: Facebook e Whatsapp, as respostas foram encaminhadas, automaticamente, pelo

Google ao pesquisador, conforme os professores finalizavam. Tivemos relatos de professores

que responderam os questionários, nos seus locais de trabalho, em casa e, também, por meio do

seu smartphone. Desta forma, atingimos nosso objetivo que era deixar o educador o mais livre

possível, para a resposta do instrumento.

As entrevistas com os educadores foram realizadas, em abril de 2016, após convite

prévio e agendamento com os profissionais. Em primeiro momento, foram desenvolvidas 02

(duas) entrevistas: a primeira, com a professora de Educação Especial, responsável pela

formação de todos os professores da rede municipal sobre o tema da educação inclusiva; a

segunda, com uma das diretoras mais respeitadas na cidade, com mais de 25 anos de atuação,

tendo atuado como: professora, coordenadora pedagógica, assistente de direção e diretora de

escolas de educação infantil, ensino fundamental I e II, com papel de destaque na luta política

e educacional da cidade.

As entrevistas buscaram obter as opiniões daqueles que, em tese, seriam os mais bem

preparados profissionais da cidade sobre o tema da educação especial, a respeito das crianças

com altas habilidades/superdotação. As interlocuções foram realizadas no local de trabalho das

profissionais, em horário e lugar escolhido por elas, contando com questões previamente,

definidas, mas que, em alguns momentos, seguiram o desejo e interesse das profissionais; por

cerca de 50 (cinquenta) minutos, em cada entrevista.

Por entendermos que não poderíamos deixar de ouvir os maiores interessados, na

questão da invisibilidade, os alunos. Realizamos, em dezembro de 2016, 05 (cinco) entrevistas

com educandos que frequentaram, durante o ano de 2016, o curso preparatório para ingresso no

ensino médio técnico, no IFSP e ETEC, no qual atuamos como professor voluntário. O curso é

desenvolvido em uma ONG, funciona aos sábados, é gratuito aos estudantes e, após lecionar

durante todo o ano de 2016 para estes alunos, realizamos as entrevistas, pois, nitidamente,

haviam se destacado e tinham características de altas habilidades/superdotação. As entrevistas

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270

tiveram duração de 05 (cinco) minutos, em média, a maioria dos entrevistados obteve

aprovação, nos vestibulinhos prestados, entre os primeiros colocados, em meio a grande

concorrência, comprovando o potencial destes alunos. Entre os entrevistados, tivemos dois

alunos da rede municipal de Cubatão; um aluno da rede pública estadual paulista, morador da

cidade de São Vicente; uma estudante, que residindo em São Vicente, estudava em uma

pequena escola particular de periferia; finalmente, a última e mais longa entrevista ocorreu com

um ex-aluno do cursinho que estudou o ensino fundamental, na rede municipal de São Vicente,

sendo aprovado entre os primeiros colocados na ETEC, atualmente, o aluno cursa o primeiro

ano da graduação em Letras e leciona como voluntário no cursinho.

As formações foram atividades importantes ao pesquisador, constituindo-se momentos

bastante ricos de troca com professores sobre o tema.

Desenvolvemos neste sentido, no período de 2015 a 2016, 5 (cinco) formações com

professores sobre AH/SD. O formato destes encontros variou conforme as condições de tempo

e espaço das escolas. Duas destas formações estiveram voltadas a um público específico, da

área de AEE, sendo a primeira realizada após convite do CAPFC (Centro de Apoio Pedagógico

e Formação Continuada) e SEDUC e a segunda, em palestra desenvolvida, durante o Congresso

de Educação Inclusiva e Acessibilidade, que ocorreu no IFSP, campus Cubatão. Nestes dois

encontros trabalhamos com professores, em sua maioria, de educação especial, mas também,

com gestores escolares e psicólogos de várias escolas e cidades.

Nas outras 03 (três) formações, o contexto foi diferente, realizadas diretamente nas

escolas, a convite dos gestores, trabalhamos com os professores e gestores da unidade visitada

e, assim, professores da educação especial, ensino fundamental I e II e gestores educacionais

puderam conversar sobre o tema, a partir de suas realidades.

Estes encontros, normalmente, giraram em torno dos próprios alunos da escola que

estávamos visitando. Realizamos a formação sobre altas habilidades/superdotação, em três

escolas de ensino fundamental I e II, com o objetivo de conhecer a opinião dos docentes; trocar

informações, verificar o que aconteceu nestas escolas, após a formação e, assim, colocar à prova

a hipótese da falta de formação ou os mitos como motivos da invisibilidade.

Finalmente, desenvolvemos um registro elaborado pelos professores, de uma das

escolas pesquisadas, com suas impressões sobre a formação e o tema das altas

habilidades/superdotação.

6.1- O Questionário Aplicado Durante as Formações

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271

O primeiro questionário utilizado em nossa pesquisa foi desenvolvido para ser aplicado

aos professores e gestores, que participaram da formação em educação especial, sobre o tema:

“ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO

INCLUSIVA”, promovido pelo CAPFC (Centro de Apoio Pedagógico e Formação Continuada

aos professores da rede municipal). Desta forma, trata-se de curso oficial oferecido pela

SEDUC, para o qual fomos convidados e os professores convocados, a participar da formação.

A formação teve duração de 05 (cinco) horas, ocorrendo no período matutino, das 7h às

12h e no vespertino, das 13h às 18h, contando com a participação dos professores especialistas,

da educação especial da rede, seja em: deficiências auditivas, visuais e intelectuais, também,

havia professores que atuavam, no ano de 2015, como cuidadores de alunos com necessidades

especiais, bem como, gestores municipais de ensino.

O questionário foi desenvolvido, de modo a verificar junto aos profissionais ligados à

educação especial (portanto, os que, teoricamente, teriam mais afinidade e conhecimentos sobre

as altas habilidades/superdotação) quais suas experiências com o assunto, concepções e

hipóteses para o fenômeno das altas habilidades/superdotação, bem como, as explicações para

o quadro de invisibilidade destes alunos. O questionário foi composto por 15 (quinze)

perguntas, divididas entre questões dissertativas e de múltipla escolha.

O questionário foi respondido voluntariamente por 73 participantes, dentre os 105

docentes presentes na formação nos períodos matutino e vespertino, assim, ¾ dos presentes na

formação aceitaram participar da pesquisa, por meio do questionário, sendo que 40 eram

professores que assistiram o curso durante a manhã e 33, durante a tarde.

Quanto à distribuição por sexo dos participantes, todos os 73 questionários foram

respondidos por docentes do sexo feminino. E 100% dos profissionais envolvidos, na educação

especial do município, são mulheres. Consideramos esta unanimidade importante, para que

pudéssemos verificar como os alunos(as) lembrados(as) por terem perfil de AH/SDdistribuíam-

se por gênero, em um universo, onde todos os participantes da pesquisa são mulheres.

Com relação à formação específica, na área de altas habilidades/superdotação, temos os

primeiros dados interessantes. Entre os mais de 70 participantes, 09 destes disseram ter recebido

formação específica na área, durante sua formação acadêmica, sendo que 4 tiveram aulas sobre

o tema, na graduação e outros 04 receberam formação, durante cursos de pós-graduação, em

Educação Especial. Finalmente,01 dos professores respondeu ter realizado curso de formação,

na Associação Paulista de Apoio as Altas Habilidades e Superdotação.

Tal quadro indica que a tese da falta de formação específica na área confirma-se, mesmo

entre os profissionais que lidam, diretamente, com a Educação Especial, entretanto, os

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profissionais que relatam ter recebido formação, inclusive em centros especializados no tema,

mostram-nos que, ao contrário do que podemos supor, temos sim, alguns profissionais

formados para identificar e atender tais alunos, na rede pesquisada.

Outro ponto importante, relativo à formação docente, é que ainda que mais de 80% dos

participantes relatem não ter recebido formação, nos cursos de graduação e pós-graduação,

cerca de 50% dos participantes ou 36 professores relataram já ter realizado alguma formação

sobre o tema, ainda que sejam em atividades superficiais e rápidas, como: palestras, cursos e

seminários. Demonstrando que, ainda que sem formação oficial, temos um número razoável de

professores que conhecem o tema e possuem informações mínimas sobre o assunto, ao menos

quando nos referimos aos profissionais da Educação Especial e orientadores educacionais.

Dado importante é que 28 dos 73 professores relataram que sua formação na área

ocorreu devido a este buscar informações, individualmente, por intermédio de livros, sites

especializados e palestras sobre o tema, mostrando a existência de interesse e curiosidade

docente, na área das AH/SD, fato que poderia, em tese, contribuir para a superação da

invisibilidade.

O quadro de invisibilidade confirma-se, de modo brutal, quando analisamos o número

de professores que relataram, jamais, ter tido qualquer aluno com AH/SD e nem mesmo

suspeitas sobre o assunto. Foram 56 professores, dentre um universo de 73 participantes, ou

75% dos participantes que relataram jamais ter tido qualquer contato com alunos alto-

habilidosos.

Figura 16. Atuação com alto-habilidosos na carreira

Entre os 25% que disseram ter tido algum tipo de contato com crianças e jovens com

AH/SD, ainda, cabem algumas observações, uma vez que, dos 17 docentes que relataram

alguma possibilidade de ter atuado com este público, 05 expressaram que, talvez, tenham

trabalhado com alunos alto-habilidosos; 03 relataram que tiveram alunos que, apenas,

levantaram suspeitas, sem que tenham, efetivamente, sido identificados e 02 disseram que só,

Teve alunos com AH/SD em sua História profissional? N°: N°%

Sim S/ laudo 3 4,10

Sim C/ laudo 4 5,47

Sim, apenas, suspeita 3 4,10

Sim, mas só noto hoje 2 2,73

Talvez 5 6,84

Não 56 76,7

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atualmente, notam o potencial destes alunos, ou seja, mesmo dentre os que consideram a

possibilidade de contato com superdotados, mais da metade (10) relatam que estes não tiveram

qualquer tipo de atendimento diferente e não há, sequer, certeza sobre serem ou não alto-

habilidosos/superdotados.

Entre os docentes que disseram, com certeza, terem trabalhado com alunos alto-

habilidosos, tivemos 07 professores, menos de 10% do total de participantes e número inferior

mesmo a aqueles docentes que afirmaram terem recebido formação específica, na área. Assim,

a invisibilidade constata-se, no fato de mesmo aqueles que tenham realizado cursos na área, por

vezes, relatam jamais ter encontrado um superdotado, ao longo de toda a sua carreira, no

magistério. Se considerarmos os alunos indicados, formalmente, com AH/SD, por meio de

laudos, o quadro agrava-se, ainda mais, pois, apenas 04 professores disseram já ter atendido

alunos nesta situação, menos de 5% do total de participantes e quadro de, praticamente, total

invisibilidade confirmada. Cabe o destaque que, ainda entre estes raros alunos descritos, 03

deles foram atendidos por docentes, em outras redes de ensino, que não a que desenvolvemos

a pesquisa, tornando o quadro da invisibilidade, no município em questão, praticamente total,

com apenas 01 professor descrevendo 01 aluno atendido, em um grupo com média superior a

10 anos de atuação no magistério.

Ponto relevante ao perfil dos alunos lembrados, como possíveis casos de AH/SD pelos

docentes, é relativo ao sexo dos educandos. Tivemos 34 alunos citados como casos de talentos

que poderiam ser alunos alto-habilidosos, estes foram citados por 17 docentes, ou seja, uma

média de 02 alunos, por cada docente, que disse já ter atuado com estes educandos. Entretanto,

27 dos 34 alunos lembrados eram do sexo masculino, ou seja, 80% de todos os alunos lembrados

pelos docentes, com possíveis casos de altas habilidades, eram do sexo masculino, indicando

que, mesmo entre os invisíveis, existem os mais invisíveis, sendo neste caso, as mulheres,

reafirmando números apresentados pela bibliografia especializada sobre o tema. Tal

constatação apresenta, claramente, as expectativas relativas ao potencial acadêmico e

perspectiva de futuro para as mulheres, que povoa o imaginário docente e, pode indicar

caminhos, para a compreensão da invisibilidade, que supere as hipóteses de terminologia, mitos

e formação, pois, mesmo entre aqueles que se dispõem a indicar alunos, a invisibilidade das

alunas não consegue ser superada. Este fato torna-se, ainda mais dramático, quando verificamos

que 100% das participantes, que responderam ao questionário, eram mulheres, reforçando

assim, a ideia de superdotação ligada aos homens, mesmo entre as mulheres.

Com relação à faixa etária e nível de ensino dos alunos lembrados, ocorreu um equilíbrio

interessante, em primeiro lugar, o número de professores que não indicou nenhum aluno foi,

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praticamente, o mesmo entre os diversos seguimentos educacionais e, quando olhamos a idade

e nível de ensino dos estudantes indicados como possíveis alto-habilidosos, temos certa

equivalência de cerca de 1/3 dos casos para cada modalidade, distribuídos entre Educação

Infantil, Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II, contrariando a ideia de que pela idade

precoce, os professores da educação infantil tendessem a notar/indicar menos alunos; não foi o

caso nesta pesquisa e tivemos, respectivamente, 10 alunos(as) lembrados(as), na educação

infantil; 11 no fundamental I e 13 casos, no Fundamental II.

Como forma de verificar até que ponto a invisibilidade constituía-se, propusemos aos

docentes que dissessem se havia algum aluno, que ainda que não tenha sido identificado,

formalmente, como alto-habilidoso, no momento da formação e, agora, refletindo sobre o tema,

poderiam levantar suspeitas sobre AH/SD. Ainda assim, as respostas são consistentemente

negativas, tendo, novamente, mais de 70% dos participantes relatado que, em toda a sua

trajetória docente, não tiveram um único aluno que lhe gerasse suspeitas de AH/SD, como

podemos verificar, na tabela que se segue, compilando os dados descritos:

Figura 17. Atuação com alto-habilidosos na carreira

Lembra-se de alunos ou ex-alunos que poderiam ter AH/SD? N° N°. %

SIM 20 28%

NÃO 53 72%

Ainda que a tese da falta de formação docente indicada pela bibliografia especializada

tenha se confirmado com o grupo pesquisado, verificamos algumas informações que merecem

atenção e que podem ser observadas na tabela a seguir:

Figura 18. A formação docente e a identificação de AH/SD.

Formação e Relação com a identificação de alunos com AH/SD N° N°.%

Prof.,com formação na área, que diz nunca ter atuado com alunos AH/SD 24 60%

Prof. ,sem formação na área, que relata história de alunos AH/SD 6 18%

Dado importante e aparentemente contraditório é que 24 professores, dos 36 que

disseram ter alguma formação na área, ainda, que superficial, afirmaram jamais ter tido um

aluno alto-habilidoso e, mais que isso, mesmo pensando, informalmente, em casos que lhes

geraria suspeitas, a resposta foi negativa. Ao passo que 06 docentes, dentre aqueles que

disseram jamais ter recebido qualquer formação, na área, relataram casos de alunos atendidos

por eles como alto-habilidosos, bem como, alunos que lhes geraram suspeitas de AH/SD.

Esta informação é apenas, aparentemente, contraditória, pois na verdade, indica que

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ainda que a formação específica e informação sobre o tema sejam relevantes, as concepções

docentes sobre educação, sobre as famílias proletárias e, finalmente, sobre o potencial

intelectual dos estudantes, são determinantes na opção por suspeitar ou não de AH/SD. Esta

relação entre formação na área e disposição em indicar alunos para avaliação pode ser verificada

no gráfico a seguir, que apresenta os dados tabulados:

Figura 19.

Confirmada a tese da falta de formação dos docentes, a respeito das AH/SD, bem como,

a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, na rede de ensino pesquisada, mesmo entre os

profissionais que possuem alguma formação na área, buscamos verificar quais as concepções

docentes sobre as AH/SD, de modo a refletir qual o impacto das concepções presentes no

imaginário docente, na constituição e perpetuação da invisibilidade.

Desta feita, questionamos os participantes a respeito das causas das AH/SD, segundo

suas concepções, propondo que os professores refletissem sobre como explicariam o fato de

alguns indivíduos apresentarem habilidades/capacidades acima da média. Os professores foram

solicitados a escolher entre um grupo de opções para a explicação das AH/SD, sendo que, as

que lhes foram oferecidas baseavam-se nas explicações mais comumente verificadas, no debate

acadêmico sobre o tema. Assim, os docentes tinham como opções para as causas das AH/SD:

Genética, Pais Dedicados, Dom, Escolaridade dos Pais, Meio Social, sendo possibilitada ao

7%

42%

10%

41%

Professores conforme formação/Experiência com AH/SD

Professores sem formação na área de AH/SD

mas que indicaram já ter trabalhado com alunos

com AH/SD

Professores sem formação na área de AH/SD

que nunca trabalharam com alunos com AH/SD

Professores com ao menos alguma formação na

área de AH/SD e que indicaram já ter

trabalhado com alunos com AH/SD

Professores com ao menos alguma formação na

área de AH/SD e que disseram nunca ter

trabalhado com alunos com AH/SD

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docente a escolha de mais de uma alternativa ou ainda citar, livremente, sua explicação caso

julgasse que as possibilidades apresentadas não os satisfizessem.

Aprimeira informação, que nos chamou a atenção, foi o fato de 12 participantes terem

respondido não fazer qualquer ideia de como tais habilidades se constituíam, número que

representa quase 20% dos participantes, indicando a falta de informações e reflexão sobre o

tema por parte dos docentes.

Avaliados por número de citações, “Genética e Meio Social” receberam a maior parte

das lembranças, com genética tendo sido lembrada por mais de 50% dos participantes e Meio

Social, por cerca de 30% dos docentes. Tal proporção de respostas indica que os docentes, ainda

que sem formação específica na área, avaliam as causas das AH/SD, conforme o mais

importante debate acadêmico científico, em relação à temática, ou seja, influências biológicas

versus a influência social, para explicar os talentos, altas habilidades/superdotação.

A grande diferença entre a forma como as duas categorias são citadas pelos professores

para a explicação do fenômeno é verificada, quando analisamos a maneira como são citadas. A

categoria meio social é, normalmente, citada combinada com outra categoria, como por

exemplo, a dedicação dos pais e/ou a própria genética e, assim, 12 docentes responderam que

a combinação genética/meio social explicariam as AH/SD. Esta perspectiva, que associa a

explicação dos talentos a uma gama variada de categorias, foi verificada, em praticamente todas

as categorias, assim, a dedicação dos pais foi lembrada por 10 participantes, bem como, o dom

foi citado por 12 professores,como a combinação de todos os fatores foi lembrada por 12

docentes, indicando que a tendência era sempre entender o fenômeno associado à ao menos

duas categorias.

A diferença ocorre, quando avaliamos as citações isoladas para, apenas, uma categoria

como causa das AH/SD; neste ponto temos 17 docentes que citaram a genética,

isoladamente,como causa dos talentos superiores, sendo, de longe, a categoria que mais recebe

citações isoladas. Para termos uma ideia, meio social só foi lembrado, isoladamente, por02

professores. Assim, além de ser presente na representação social do professorado, como causa

primordial e isolada para as AH/SD, com 17 citações, a genética é, ainda lembrada, associada

a outros fatores, por mais 20 participantes. Assim, quase todas as referências, por exemplo, ao

meio social como fator determinante do desenvolvimento das AH/SD, foram associadas à

genética.

Pensamos que verificar o peso que a genética tem, no imaginário docente sobre a

inteligência humana, ajude a explicar, em parte, a invisibilidade das altas-habilidades, se

associadas, às concepções docentes sobre a capacidade intelectual das famílias proletárias, onde

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ideias como a da carência cultural indicam como os pobres foram e ainda são compreendidos

pelas escolas, bem como, a própria experiência empírica, em lidar com alunos cujos pais ou não

tiveram, sequer, a oportunidade de frequentar a escola, ou quando o fizeram, foi de modo

turbulento e, na maior parte das vezes, repleto de experiências de fracasso escolar. Deste modo,

tendo a genética como explicação e a realidade empírica repleta de fracasso como constatação,

não faria muito sentido procurar algo, onde já “se sabe antecipadamente”, que será improvável

encontrar.

Objetivando aprofundar nossa análise, dividimos os participantes, em quatro grupos,

conforme suas respostas relativas à formação e ter atuado com aluno com AH/SD, observe

tabela a seguir:

Figura 20. Formação/Aluno

AH/SD

NÃO-SIM NÃO-NÃO SIM-SIM SIM-NÃO

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

DESCRIÇÃO Professores,

sem formação

na área de

AH/SD, mas

que indicaram

já ter

trabalhado com

alunos com

AH/SD

Professores, sem

formação na área de

AH/SD, que nunca

trabalharam com

alunos com AH/SD

Professores, com ao

menos alguma

formação na área de

AH/SD, que

indicaram já ter

trabalhado com

alunos com AH/SD

Professores, com ao

menos alguma

formação na área de

AH/SD, que

disseram nunca ter

trabalhado com

alunos com AH/SD

5 31 7 30

A primeira informação importante é que o número de docentes, sem qualquer formação,

é praticamente idêntico ao daqueles com algum contato e formação sobre o tema, ainda que

superficial, com 50% dos docentes dizendo que jamais haviam tido contato com AH/SD.

A segunda informação relevante foi verificar que o número daqueles, que sem formação,

afirmava já ter trabalhado com alto-habilidosos (05) era, praticamente, o mesmo que aqueles

que, com formação superficial, diziam ter atuado com alunos com AH/SD (07). Indicando que

a depender do formato e qualidade da formação, ela é incapaz de produzir ruptura com a

invisibilidade.

Entretanto, quando analisamos os grupos de participantes, conforme suas ideias sobre

as AH/SD, temos informações importantes a verificar. A primeira delas é constatar que entre

aqueles que dizem nunca ter recebido qualquer formação, o peso atribuído à genética é maior,

com 70% de citações entre este grupo, ao passo que, entre aqueles que tiveram alguma

formação, este número cai para 50%, apontando que a formação não gera, automaticamente, a

indicação de alto-habilidosos, mas, contribui para a alteração do imaginário sobre o tema.

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Um dado espantoso é o número de docentes que recorreu ao conceito de Dom, para

explicar/justificar as AH/SD; com 25% das citações, entre aqueles que dizem não ter recebido

formação, e assustadores 37,5% entre os professores que tiveram formação, levando-nos a

questionar o tipo e qualidade dos materiais disponíveis aos docentes, nas formações que

receberam, bem como, o impacto que tal concepção, amplamente, difundida entre aqueles,

teoricamente, mais preparados para atuar com a área (professores da educação especial) têm,

na difusão de um imaginário que retira qualquer responsabilidade da escola e dos docentes

sobre estes indivíduos e termina por justificar a invisibilidade. As citações ao dom, conforme a

formação docente pode ser verificada no gráfico a seguir:

Figura 21.

Como forma de compreender a invisibilidade, questionamos os participantes sobre quais

motivos atribuíam ao fato de nunca terem trabalhado com alto-habilidosos e as respostas dos

docentes, dos grupos 2 e 4, aqueles que disseram não ter atuado com AH/SD, mostra-nos como

a formação altera algumas concepções dos docentes.

Entre aqueles que, apesar de nunca ter atuado com AH/SD, mas haviam feito alguma

formação sobre o tema, os principais motivos elencados foram: “por não ter olhar para essa

possibilidade”, com 06 docentes utilizando esta justificativa, indicando que os docentes tendem

a olhar, criticamente, sua posição diante da não identificação das AH/SD.

Já entre os docentes, sem formação, que nunca haviam atuado com alto habilidosos, as

explicações com maior número de citações foram: falta de conhecimento para detectar,

Natural/Acaso, com cada uma das justificativas sendo lembradas por 05 docentes. Além da

própria falta de conhecimento, os docentes tendem a ter uma posição menos crítica, em relação

ao seu papel, no processo de identificação e invisibilidade.

0 2 4 6 8 10

1

1

8

4

9

Dom como explicação para as AH/SD

GRUPO 4

GRUPO 3

GRUPO 2

GRUPO 1

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Cabe destaque para o número considerável, em ambos os grupos de docentes, que

deixaram a pergunta em branco, preferindo não responder com o grupo 2; tendo 06 respostas

em branco e o grupo 4, tendo 05 professores que deixaram a pergunta em branco, indicando

não desejarem se comprometer em responder o motivo da invisibilidade e, talvez, denotando

algum incômodo, diante da constatação de que a invisibilidade apresentava-se, de modo

evidente, em suas carreiras.

Durante a pesquisa, buscamos construir a ferramenta de coleta de dados, de modo a

observar o peso das aptidões naturais, nas concepções docentes sobre as AH/SD, e a tabela a

seguir demonstra-nos o peso de tais ideias, no imaginário docente, sobre os alto-habilidosos:

Figura 22. Pessoas com AH/SD já nascem com esta habilidade ou

vai depender do meio?

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

Já Nasce. 0 9 0 6

Nasce, mas o meio social expande. 5 19 7 18

O Meio Social é quem desenvolve. 0 4 0 5

Não sei. 0 1 0 1

.

A primeira constatação importante, desta questão, é que nenhum professor que já tenha atuado

com alunos alto-habilidosos, tanto no grupo 1, como no grupo 3, atribui as AH/SD ao

nascimento, sem considerar o peso das interações sociais, no seu desenvolvimento. Indicando

que entre aqueles que entendem as AH/SD, como simples resultado da genética, as chances de

identificação de alunos alto-habilidosos são bastante restritas.

Outro ponto importante é verificar o peso que a genética, entendida isoladamente ou

relacionada ao meio social, em que os indivíduos vivem, tem nas referências dos docentes, com

um total de 64 citações, o que equivale a quase 85% dos docentes atribuindo algum tipo de

influência da genética à existência do talento e demonstrando como as aptidões naturais são

poderosos argumentos, na forma como docentes entendem o tema. Tal posição indica que, em

alguma medida, o mito/representação de que as AH/SD sejam fruto da genética força entre os

docentes.

Apesar disso, os docentes, de um modo geral, demonstram concepção sobre a

justificativa para as AH/SD, na sua maioria, em acordo com a maior parte da bibliografia sobre

o tema, com a noção de que os talentos sejam o resultado da interação entre, predisposição

genética com oportunidades sociais. Assim, 49 docentes seguiram tal caminho para responder

a questão e, com um número parecido, entre aqueles que não tiveram formação e aqueles com

formação na área. Com destaque para o fato de que entre os docentes dos grupos 01 e 03,

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aqueles com alunos alto-habilidosos, em sua carreira, 100% dos participantes utilizaram esta

perspectiva como concepção, para explicar o surgimento e desenvolvimento dos talentos,

indicando que tanto os mitos/representações das AH/SD, como fruto exclusivo da genética ou

do ambiente, devem ser relativizados, pois os docentes, aparentemente, rejeitam na sua maioria

a oposição Nature x Nurture.

Outro mito/representação rejeitado pelos docentes que participaram da formação, foi o

que diz que os docentes atribuiriam as AH/SDa pais condutores, buscando verificar tal mito,

questionamos os docentes sobre a questão e a tabela que se segue traz as respostas:

Figura 23.

Os pais, ao oferecerem estímulos aos seus

filhos, estariam "fabricando" uma criança

com AH/SD?

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

SIM 0 0 0 3

NÃO 5 25 6 26

TALVEZ 0 3 0 2

Desta forma, pelas respostas dos docentes, verificamos que 62 docentes ou

aproximadamente 85% dos participantes não relacionam AH/SD com a atuação de pais

dedicados, na oferta de oportunidades de desenvolvimento. Tão ou mais importante é o fato de

que entre os docentes, que dizem já ter atuado com alunos AH/SD, nenhum educador acredita

no mito/representação do pai condutor. E deste modo, podemos concluir que este seja mais um

dos mitos sobre a área que não se apresentou e/ou confirmou entre os participantes da pesquisa.

Utilizamos a resposta de uma participante, com 24 anos de carreira no magistério, para indicar

a forma, muitas vezes bem fundamentada, que os docentes entendem a questão: “Não, a criança

nasce com AH/SD, entretanto estímulos adequados, possibilidade de estudos aprofundados na

área de interesse são fundamentais para orientá-los de maneira adequada a usarem de forma

positiva" Professora 01.

Durante o questionário, voltamos, algumas vezes, na mesma categoria como forma de

confirmar uma determinada constatação, de modo mais preciso e verificar, se após refletir sobre

o tema, os docentes mudariam de opinião sobre um dado assunto. Assim, questionamos,

novamente, os docentes sobre a relação entre genética e carência cultural, para explicarem as

AH/SD, vejamos os resultados:

Figura 24. O meio social em que a criança nasce e se desenvolve

favorece para que ela seja uma pessoa com AH/SD?

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

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Sim 2 14 4 17

Não 3 16 2 12

Talvez 0 1 1 1

Branco 0 1 0 1

As respostas são interessantes, pois indicam que, ainda que valorizem a genética, pouco

mais de 50% dos participantes entendem que o meio social, onde os indivíduos vivem, seja

decisivo para o desenvolvimento das AH/SD.

Por outro lado, a divisão de opiniões fica evidente com 45% dos participantes,

entendendo que não existe nenhuma relação entre ambiente e talentos, número elevado e que,

em parte, ajuda-nos a entender a invisibilidade, mas que não pode ser compreendido de modo

isolado, porque a depender de como o meio social seja entendido por aqueles que julgam que

este tenha relação com as AH/SD, estes, também, podem contribuir para a invisibilidade.

O que nos chama a atenção é a divisão nas opiniões docentes sobre o tema e que pode

ser melhor verificada, em suas respostas para a questão que se seguem:

Não necessariamente, há crianças que aprendem a ler e escrever com 4 anos e os

pais são analfabetos" prof.02.

Porque quanto mais estimulo uma criança recebe, mais potencial ela vai ter. prof.03.

Como mencionei anteriormente, acho genético, um dom. prof.04.

O meio ajuda a direcionar, potencializar as habilidades, mas não é determinante.

prof.06.

O meio social pode favorecer para que as habilidades raras se demonstrem. prof.07.

[...] Se fosse assim na favela não teria crianças assim. prof.08.

Porque acredito que as crianças assim, aprendem sozinhas e com poucos recursos.

prof.10.

As respostas dos professores indicam o tamanho da polêmica e da divisão, apontando

que concepções sobre aprendizado, papel do ambiente e, finalmente, noções relativas à aptidões

naturais, são mais importantes, nas concepções docentes, que os mitos sobre as AH/SD, ainda

que os docentes não possuam formação específica na área.

Outro mito/representação que buscamos verificar, nas concepções docentes, foi aquele

que entende que parte dos docentes seria contra a identificação dos alto-habilidosos, por

considerar prejudicial ou desnecessário. As respostas dos docentes seguem, na tabela abaixo:

Figura 25.

Você considera importante identificar um

aluno com AH/SD?

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

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282

SIM 4 31 7 30

NÃO 0 0 0 0

A análise das respostas, indica uma posição que contesta de modo unânime, a ideia de

que seja disseminada entre os docentes tal concepção, no caso dos participantes da pesquisa,

100% refutaram a ideia de não identificação, fossem estes professores com ou sem formação

na área e com ou sem experiência de trabalho com alto-habilidosos. Indicando que o

mito/representação não tem qualquer força entre os docentes participantes da pesquisa.

Podemos confirmar tal posição docente, nas respostas que se seguem:

Certamente investir nos talentos é de fundamental importância para o crescimento de

um país. Sabemos que o Brasil sofre uma "fuga de cérebros" para o exterior por conta

de falta de políticas públicas de atendimento adequado a este público, investimento e

valorização.prof.01.

Sim, para oferecer um atendimento educacional adequado, pois isso também, de certa

forma, incomoda o aluno. prof.11.

Tentando confirmar ou refutar os mitos/representações sobre as AH/SD, entre os

docentes, realizamos a questão sobre a ideia de que os docentes consideram que os alto-

habilidosos tenham, necessariamente, um futuro eminente e as respostas dos docentes indicam

que a forma como os trabalhadores da educação imaginam o futuro dos alunos com AH/SD,

ocorre de modo diverso do mito.

Realmente, a ideia de futuro de sucesso existe entre parte dos docentes, mas tal ideia

não está entre as principais expectativas dos educadores e, em nenhum dos grupos, mesmo entre

aqueles que jamais tiveram alunos alto-habilidosos (grupos 02 e 04) e, assim, tenderiam a

idealizar mais tais alunos, esta foi uma perspectiva majoritária.

Na verdade, apenas entre os docentes do grupo 01, o sucesso é a perspectiva mais citada,

ainda assim, fica evidente que três categorias apresentam-se como idealização dos docentes

sobre os alunos com AH/SD: que sejam felizes; que sua habilidade fique a serviço de uma

finalidade maior; integração social. Tais categorias indicam que os docentes preocupam-se

muito com a socialização dos indivíduos alto-habilidosos e, finalmente, que consigam com seu

talento contribuir com a melhoria da sociedade, estas concepções ficarão mais evidentes nos

outros grupos.

Os grupos 02 e 04 foram os que mais citaram a perspectiva de esperança de que tais

sujeitos consigam se integrar, socialmente, utilizando seus talentos para um “bem maior”. As

ideias vindas de docentes, que nunca tiveram experiências com alunos alto-habilidosos, indica

a preocupação com uma possível dificuldade destes sujeitos em se integrar, socialmente,

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283

imagem amplamente divulgada dos talentos isolados e alheios à sociedade, como podemos ver

em muitos filmes e produções midiáticas. A outra concepção é a de que estes alunos teriam

condições de contribuir para a melhora da sociedade, pensamento recorrente entre os trabalhos

e publicações na área.

Finalmente, o grupo 03, aquele de docentes com formação e experiência com trabalho

com alto-habilidosos, indicou, majoritariamente, uma categoria quiçá surpreendente e até

oposta à ideia de que os docentes imaginam que os alto-habilidosos, necessariamente, terão

sucesso no futuro, os professores participantes da pesquisa caminham em direção oposta e

indicam esperar que os estudantes fossem felizes, mostrando evidente preocupação com a

capacidade destes alunos, em serem aceitos, socialmente, e se ajustarem às dinâmicas sociais.

Podemos verificar tal quadro, na tabela que se segue:

Figura 26. O que você espera de um aluno com AH/SD, quando ele for adulto?

Grupo 1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

Seja Feliz 1 1 3 3

Que sua habilidade fique a serviço de finalidade maior. 1 13 2 6

Sucesso e realização profissional 2 6 1 4

Integração social 1 7 1 6

Depende 0 1 0 0

Que seja bem aproveitado 0 1 0 0

Que tenha oportunidades de estudo e trabalho. 0 1 0 0

Outro mito, é o de que os docentes não consideram necessário que os alto-habilidosos

sejam atendidos pelos serviços de AEE, na Educação Especial e, neste sentido, questionamos

os participantes sobre tal ideia. E as respostas dos docentes estão na tabela a seguir:

Figura 27. Para você, seria importante que um aluno com AH/SD tivesse

atendimento especializado?

Grupo1 Grupo2 Grupo3 Grupo4

SIM 5 31 7 30

NÃO 0 0 0 0

As respostas como podemos verificar, são unânimes em considerar que os alunos alto-

habilidosos devam ser atendidos pela Educação Especial, demonstrando que, pelo menos entre

os docentes do município pesquisado, este não é um mito que tenha influência na disposição

docente em manter as AH/SD invisíveis. As respostas dos educadores para a questão, também,

trazem-nos informações sobre o mito:

Porque muitos enfrentam problema de comportamento. Prof.15.

Ate para trazer uma oportunidade nova, já que no meu caso nunca trabalhei, e,

proporcionar novos caminhos para a aprendizagem. Prof. 20.

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284

6.2-O Questionário Virtual da Pesquisa

A segunda ferramenta de pesquisa utilizada, na averiguação com os professores e

gestores, foi um questionário produzido para ser aplicado, por intermédio da plataforma de

pesquisas Google.Forms121. Deste modo, o questionário foi elaborado, levando em

consideração a experiência dos usuários em plataformas computacionais e buscamos com esta

ferramenta abarcar o maior número de participantes, tendo a possibilidade de trabalhar com um

questionário mais completo e aprofundado, do que o utilizado na formação com os docentes da

educação especial e aplicado presencialmente.

O questionário foi encaminhado, virtualmente, por meio de convites, nas redes sociais:

Facebook e Whatsaap e, também, através de e-mail. Foram chamados para fazer parte da

pesquisa cerca de 300 profissionais de educação, entre professores e gestores dos mais diversos

seguimentos da educação. O foco da pesquisa foram os trabalhadores da educação da cidade

onde atuamos, mas, em virtude da ferramenta ser virtual, professores de outros municípios

acabaram sendo convidados pelos professores participantes e respondendo ao questionário, fato

que a princípio pareceu-nos um problema na delimitação da pesquisa, mas, ao final,

consideramos que tenha enriquecido a pesquisa, ao possibilitar outros olhares sobre o tema, a

partir de realidades distintas da nossa, servindo como grupo de controle da pesquisa.

Após contato inicial com os profissionais, aos quais encaminhávamos uma carta de

apresentação122 da pesquisa, os convidados recebiam o link do questionário online e bastava

que clicassem no mesmo, para que tivessem acesso ao formulário eletrônico do questionário,

que poderiam responder utilizando o aparelho computacional de sua preferência. Assim, ainda

que tenha prevalecido o uso dos computadores pessoais, tivemos respostas por smartphones.

Como o professor que aderisse à pesquisa, poderia fazê-lo, livremente, em relação ao

horário e local, com o equipamento de sua preferência, propusemos o trabalho com um

questionário mais completo, de modo a levantar informações detalhadas sobre o tema.

O questionário utilizado contou com 73 questões, entre as específicas sobre o tema e a

parte inicial que buscou traçar um perfil detalhado do professor colaborador da pesquisa. O

questionário de pesquisa foi dividido entre: 14 questões iniciais sobre o perfil do professor; 23

121 O questionário completo encaminhado aos participantes segue como anexo, Item.II – Questionário virtual. 122Carta de apresentação da pesquisa encaminhada aos professores e aprovada por Comissão de Ética da

UMESP. Documento disponível em anexo.

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questões dissertativas, onde o profissional de educação devia escrever, livremente, o que

pensava sobre determinado assunto, sem limite de espaços; 15 questões organizadas em sim e

não, em que os participantes precisavam responder, de modo fechado, a um questionamento

direto; 17 questões organizadas em réguas de relevância, em que deveriam atribuir um valor a

uma dada afirmação, que iria de 0 a 5, correspondendo o 0 (zero) a: discordo totalmente e 5

(cinco): concordo completamente, ou 0 nenhuma relevância e 5 relevância total; por fim,

tivemos 6 questões de múltipla escolha, em que perguntados sobre uma determinada questão,

o professor tinha uma lista de alternativas que poderia escolher, cabe lembrar, que poderia

escolher mais de uma alternativa, sempre. Com esta variação de modelos de resposta, apesar de

extenso, o questionário tinha preenchimento rápido e fácil, o que não tornava a atividade

exaustiva. Como resultado, obtivemos a contribuição de 118 (cento e dezoito) professores.

6.2.1- As Análises das Respostas ao Questionário Virtual

Nesta fase da pesquisa, encaminhamos o questionário a, aproximadamente, 300

profissionais da educação, entre docentes e gestores, obtendo a resposta de 118 interessados em

contribuir com a pesquisa. Como a rede de ensino que pesquisamos conta, atualmente, com

cerca de 1.200 professores, na ativa e cerca de 200 gestores educacionais, podemos considerar

que o universo amostral da pesquisa ateve-se a quase 10% dos trabalhadores, da rede de ensino

analisada (apenas com o questionário virtual). Levando em conta que havíamos obtido

respostas de mais de 70 docentes/gestores, por intermédio do questionário presencial

desenvolvido, durante curso de formação na área e, ainda, formações realizadas, nas escolas,

abarcando cerca de 100 docentes. Assim, chegamos ao número de, aproximadamente, 230

professores e/ou gestores envolvidos, na pesquisa, de alguma forma ou quase 20% de nossa

rede de ensino, um número que entendemos como expressivo, em relação à categoria de

educadores da cidade, servindo de base para conclusões sobre o entendimento dos profissionais

da referida rede de ensino.

Na pesquisa virtual, obtivemos a resposta de 118 educadores, entre professores e

gestores, que atuam em todos os níveis da educação. Nossos participantes estiveram divididos

por sexo, com 21 questionários respondidos por homens e 97 respostas de mulheres. Como no

questionário presencial, a preponderância das mulheres, na participação, foi massiva, mas, desta

vez, obtivemos sucesso em conseguir ao menos pouco mais de 10% das respostas realizadas

por homens, de modo que nos dessem condições de comparar o padrão de respostas feminino

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286

ao masculino, buscando diferenças nos imaginários docentes sobre as AH/SD, conforme o

gênero dos educadores e suas experiências de socialização e trabalho.

Como metodologia de análise das respostas que obtivemos, dividimos os participantes,

conforme seus perfis, a fim de estabelecer comparações e análises, buscando padrões de

funcionamento da constituição do imaginário docente sobre a invisibilidade das AH/SD,

objetivando nortear nossa pesquisa e conclusões. Assim, os participantes estão distribuídos de

acordo com seu número, na planilha Excel, a qual concentra as respostas.

Figura 28. Perfil do participante Quantidade Número de identificação, nas planilhas de respostas

HOMENS 21 2,4,10,13,23,24, 30, 37, 38, 43,50, 57,

63,73,77,82,97,100,104,

110,111,

GRUPO CONTROLE 7 4,6,15,31,36,37,38,

Professor de Ed.infantil +

Fundamental I.

43 14, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 40, 41, 48, 51, 53, 54, 55, 56,61, 62,

66, 69, 70, 72,74, 75, 78, 79, 80, 81, 84, 85, 87, 88, 91, 93, 95,

96, 99, 101, 103, 109, 112, 113, 116, 117,

Prof. Ed. Especial - Cubatão 7 115, 105, 102, 52, 60, 83, 44,

Prof. da Rede Estadual 9 2,3,5,7,8,26,31,33,104,

Prof. de Outras Prefeituras 11 4, 17, 22,27,28, 67, 78, 82, 86, 115,

MESTRADO/DOUTORADO 12 4,10, 12, 15, 24, 37, 38, 50, 63, 73, 100, 34,

Prof. ETEC/IFSP 4 37, 73, 97, 42,

GESTORES 26 10,12,13,16,25,29,30,35,39,43,46,57,59,63,71,

73,76,89,90,96,

106,107,110,114,118,119,

Prof. da Rede Particular 3 6,7,9,

Prof. SALA AEE/NAAHS 2 11,32

Participantes Aposentados 4 39, 45, 46, 68

Militantes de Esquerda 11 13.15,25, 57, 59, 82, 88,96, 104, 107, 111

Desta forma, segregamos as respostas dos participantes, conforme as suas características

de atuação e, muitas vezes, as respostas a uma dada pergunta foi analisada em sua totalidade,

mas também, atentando para a resposta de determinados seguimentos, a fim de verificar se o

perfil de atuação indicava padrão distinto, na forma como entendiam o tema da pesquisa e a

questão da invisibilidade.

Além da divisão de respostas, por sexo, estas foram avaliadas, conforme o nível de

atuação na educação, sendo que, 43 educadores atuando na educação infantil e ensino

fundamental 1, ou seja, as menores crianças da educação básica; 07 docentes atuando na

Educação Especial da cidade, onde desenvolvemos a pesquisa; 11 profissionais pertencentes a

outras redes municipais de ensino, possibilitando comparar a situação, em outras cidades da

região; 09 professores da rede estadual de ensino e 04 docentes atuantes, nas redes ETEC/IFSP;

03 docentes da rede particular e, assim, verificar se redes com propostas e perfis distintos

traziam-nos informações diferentes sobre a questão da pesquisa.

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Com vistas a verificar as respostas dos participantes por segmento, também, analisamos

as respostas de 26 gestores educacionais, 04 profissionais já aposentados, 12 educadores com

titulação em mestrado e doutorado e 02 participantes que atuam em salas de AEE específicas

para alunos com AH/SD, em outros estados da federação, trabalhando nos NAAH/S.

Buscamos, nesta parte da pesquisa, verificar se características específicas do tipo de

atuação, nível de formação e momento da carreira, produziam representações distintas sobre o

tema.

Finalmente, visando ter informações de um grupo, com alta formação acadêmica e

intelectual, pretendendo analisar o tema, a partir da filiação ideológica dos participantes,

conforme sua posição política, tivemos os participantes divididos em outros dois grupos: o

primeiro, com 07 participantes que nomeamos grupo de controle, era composto por educadores

que cursavam o programa de Pós-Graduação da UMESP, em 2016, de modo a verificar as

respostas de doutores e mestres, quando comparadas aos demais trabalhadores da educação e

constatar como formação influía, nas opiniões sobre as AH/SD; finalmente, um segundo grupo,

contendo 11 participantes nomeados militantes de esquerda, que continha trabalhadores da

educação, sabidamente, envolvidos com a militância e ideias de esquerda. Desta forma,

analisamos como a filiação ideológica a uma determinada posição política interferia, nas

opiniões dos envolvidos sobre a temática da pesquisa, uma vez que, uma das hipóteses era a de

que existisse alguma resistência dos setores progressistas da educação à temática, devido ao

passado de ligação com ideias e propostas conservadoras que envolviam as ações e pesquisas

em AH/SD.

Durante nossa pesquisa, buscamos “ouvir” o máximo de vozes possíveis sobre a

temática, de modo a que tivéssemos um olhar sobre as AH/SD que contemplasse o universo da

educação, em sua variedade e complexidade. Assim, ainda que tenhamos uma preponderância

dos pedagogos entre os participantes, com: os gestores, professores da educação infantil e

ensino fundamental I e docentes da Educação Especial, tivemos respostas de educadores das

diversas áreas das ciências específicas, com ciências humanas, exatas e biológicas

representadas.

Figura 29.

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288

Ainda que os papéis de gestores e docentes sejam, igualmente, fundamentais, na questão

da identificação e atendimento aos alto-habilidosos, pensamos que suas formas de atuação e,

consequentemente, opiniões sobre o tema, possam ser distintos e, assim, apresentamos a

proporção em que estão divididos entre os participantes da pesquisa, de modo que ¼ dos

participantes sejam gestores educacionais e possamos comparar suas opiniões com as dos

professores, os quais atuam, diretamente, com os estudantes. Desta forma, tivemos a

participação de 32 gestores e 86 docentes, em nossa pesquisa. A distribuição dos gestores

participantes, conforme o cargo que ocupam, pode ser verificada no gráfico a seguir:

Figura 30.

Buscando conhecer o público que participava de nossa pesquisa e para obter uma

caracterização daqueles que contribuíram com o trabalho, fizemos o levantamento dos

educadores, conforme sua formação e tempo de atuação no magistério. A grande característica

de nossos colaboradores é que estamos diante de um grupo, majoritariamente, formado por

profissionais pós-graduados e com mais de 10 anos de experiência, na atuação, deixando-nos

diante de um grupo caracterizado pela experiência e formação acadêmica superior à média

nacional, que apresentamos nos gráficos a seguir:

17; 14%3; 2%

8; 7%6; 5%83; 70%

2; 2%

Disciplina/Área de Formação dos Participantes

HUMANIDADES EXATAS BIOLOGICAS ARTES+ED.FISICA PEDAGOGIA OUTROS

4; 12%

11; 34%

1; 3%

2; 6%

8; 24%

7; 21%

Distribuição dos Gestores Participantes por Cargo/Função

ORIENTADOR EDCACIONAL COORDENADOR PEDAGOGICO SUPERVISOR

ASSISTENTE DE DIREÇÃO DIRETOR NÃO IDENTIFICADO

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289

Figura 31. Figura 32.

Traçamos o perfil de nossos participantes, objetivando verificar se as características do

público pesquisado relacionavam-se com as opiniões docentes, a respeito das AH/SD e a

invisibilidade. Neste sentido, verificamos que 86, dentre os 118 participantes atuam em uma

única rede de ensino, sem que precisem se dividir entre realidades distintas de trabalho, como

ocorre com tantos professores brasileiros. Apesar disto, outros 30 participantes relataram

trabalhar em mais de uma rede de ensino, de modo que pudemos comparar as respostas destes

dois diferentes grupos de trabalhadores.

A distribuição dos participantes pelas redes de ensino e modalidade de ensino, em que

atuam, indicou a variedade de redes e modalidades, em que trabalham os participantes da

pesquisa, onde pudemos comparar opiniões em redes e modalidades de ensino diversas e sua

distribuição, observemos os gráficos que se seguem:

Figura 33. Figura 34.

3

25

68

22

0

20

40

60

80

Formação dos participantes:MAGISTÉRIO

GRADUAÇÃO

PÓS LATTOSENSO

6 11

111

0

200

Tempo de Docência dos

participantes:

MENOS DE 5 ANOSENTRE 5 E 10 ANOS

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Tivemos a participação de trabalhadores de 40 escolas distintas do município

pesquisado, das mais diferentes modalidades de ensino, tamanho das unidades e localização

geográfica, assim, pudemos abarcar a variedade da rede e da cidade pesquisada, sem que

tivéssemos uma pesquisa restrita a uma dada realidade ou perfil de educadores e escolas,

objetivo que buscamos para que nossas informações não se restringissem à realidades pontuais

e pudessem ser amplas, descrevendo a realidade da educação municipal. Desta forma, a

distribuição dos participantes ocorreu, conforme a tabela 12.

Figura 35.

Local de atuação dos participantes, conforme região da cidade. Quantidade

Centro 35

Periferia 46

Tamanho das escolas em que os participantes da pesquisa atuam Porcentagem

Pequeno 45%

Médio 38%

Grande 17%

Nas análises das respostas, comparamos as representações docentes sobre as AH/SD e

a invisibilidade, conforme o porte das escolas, em que os docentes participantes atuam e a

região geográfica que pertencem as unidades, em que os docentes trabalham. A primeira

constatação foi a de que no tocante ao tamanho das escolas e a sua localização geográfica, no

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90 84

5 52

10

2 1 1

94

Rede de ensino onde atua:

CUBATÃO

SANTOS

GUARUJA

SÃO VICENTE

ESTADO

ETEC

IFSP

PRAIA GRANDE

OUTROS

0

5

10

15

20

25

30

4

2726

29

10

6

9

Modalidade de ensino em que atua:

CRECHE

ED.INFANTIL

FUND. I

FUND.II

ENSINO MÉDIO

SUPERIOR

NÃO

IDENTIFICADO.

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291

centro ou na periferia da cidade, tais diferenças não produziram, aparentemente, divergências,

na percepção dos docentes sobre o tema da pesquisa, contrariando nossas hipóteses iniciais de

que o perfil da escola, com relação a tamanho e distribuição geográfica, onde se localizava a

mesma, produziria opiniões diferentes entre os educadores.

A finalização da caracterização dos participantes versava, especificamente, sobre as

condições de trabalho dos gestores e professores que responderam ao questionário. Desta

maneira, perguntas sobre atuação em mais de uma rede de ensino, jornada média de trabalho e

número médio de alunos, por turma, tinham o objetivo de verificar se as condições de trabalho

impactavam, nas concepções docentes sobre o tema da pesquisa e em sua disposição maior ou

menor para identificar e atender alunos alto-habilidosos. Os resultados referentes a rede de

ensino foram descritos, anteriormente, com ampla maioria dos participantes de nossa pesquisa

atuando em uma única rede de ensino, principalmente, na cidade pesquisada. Sobre a jornada

de trabalho e número de alunos, os gráficos abaixo nos mostra os resultados tabulados:

Figura 36. Figura 37.

Com relação a jornada de trabalho dos participantes, tivemos realidades bastante

distintas, mas de um modo geral, refletem a realidade dos trabalhadores da educação, no Brasil,

com longas e exaustivas jornadas diárias de trabalho, com quase metade dos profissionais

cumprindo a jornada de 40h semanais, relativas as 8h diárias a que se submetem a maioria dos

trabalhadores brasileiros, mas que, no caso dos profissionais da educação, devem ser acrescidas

das atividades extra escolares, como: provas, trabalhos, planejamento de aulas etc. Outro grupo

que merece atenção são os 46% de participantes que relataram trabalhar 10h diárias ou mais,

dando mostras de que em tais realidades, dificilmente, os docentes e gestores conseguem ir

além de apagar os incêndios relativos ao fracasso escolar e dificuldades de aprendizado. Apenas

11% dos participantes disseram trabalhar até 5h diárias, ou seja, uma jornada com uma única

turma e período de trabalho.

12; 11%

46; 43%26; 24%

23; 22%

Jornada de trabalho

ATE 5H

ATE 8H

ATE 10H

MAIS QUE10H

0

20

40

60

10 A 20 20 A 30 30 A 40 MAISQUE 40

19

53

19

2

Média de alunos atendida por participantes.

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Em relação ao número de estudantes médio atendidos pelos docentes, novamente, temos

realidades distintas. Enquanto a maioria dos docentes atende um número médio entre 20 e 30

alunos, o que indica turmas numerosas, especialmente, quando sabemos que a maioria dos

participantes atua na educação infantil e ensino fundamental I, ou seja, com crianças pequenas.

Temos dois grupos distintos e do mesmo tamanho, ambos com 19 participantes, que vivem

realidades bem diferentes; enquanto um trabalha com média inferior a vinte alunos e em

condições razoáveis, na proporção professor/aluno, o outro grupo atende a uma média de alunos

superior a 30 estudantes, o que torna o trabalha bastante difícil e complicado.

O resultado destas condições de trabalho, em sua maioria precárias, na consolidação da

invisibilidade das AH/SD, podem ser imaginados. Professores submetidos a 8, 9, até 10 ou 12

horas de trabalho diário, precisando gastar cerca de duas horas, por dia, no trajeto entre suas

casas e o trabalho no trânsito, expostos a falta de estrutura e precarização dos prédios escolares,

submetidos ao medo da violência que impera nas grandes cidades, atuando com grande

quantidade de alunos com severas dificuldades em aprender e, ainda, precisando levar pilhas

de trabalho para casa. Assim, teriam qual disposição em avaliar, identificar jovens e crianças

que conseguem aprender com facilidade e, aparentemente, não são um problema? Como

imaginar docentes envolvidos em preencher relatórios, fichas de avaliação, cobrar gestores e

propor enriquecimento curricular a alto-habilidosos neste contexto?

O resultado desta realidade pode ser verificado na tabela a seguir, onde dividimos os

participantes, quanto as suas condições de trabalho (atuar em uma única rede, ter jornada

inferior à 8h diárias, atender menos de 20 alunos em média) e sua disposição em indicar alunos

com AH/SD, ao responderem a questão: Você já teve algum aluno com AH/SD?

Figura 38.

Você já teve algum aluno com AH/SD, na carreira no magistério?

Respostas:

Número de identificação dos

participantes

Já tive, mas em 2015 não tenho. 9,14,20,21,27,30,31,34,35,36,37,40,4

4,45,46,50,54,57,59,62,72,74,84,87,9

2,100,106,115,119

Já tive e tenho em 2015. 10,11,19,25,38,66,68,69,85,93,95,96,

104

Professores com condições ideais de trabalho. 100,51,59,66,79,87,95,96

Os resultados presentes na tabela indicam questões interessantes, tivemos 08

participantes que relataram trabalhar com a combinação turmas com menos de 20 alunos e

jornada inferior a 5h, destes, 06 participantes indicaram já ter atuado com alunos alto-

habilidosos ou 75% dos professores, com boas condições de trabalho, afirmaram atuação com

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293

AH/SD, ao longo da carreira. Ao passo que, o número total de participantes que disse já ter

trabalhado com alunos AH/SD, em algum momento da carreira, foi de 43 participantes, ou seja,

menos de 40% dos participantes, número que, praticamente, dobra entre os trabalhadores, com

boas condições de atuação. Outro dado relevante é que, somente, os 06 casos de docentes que

relatou ter trabalhado com AH/SD e ter boas condições de trabalho representam quase 15% dos

casos totais de docentes, com alguma experiência com alto-habilidosos, ainda que sejam,

numericamente, pouco mais de 5% dos participantes totais.

Assim, temos uma tendência maior a que professores que possuem condições de

trabalho melhor, a serem mais propensos a reconhecer os talentos dos estudantes e,

eventualmente, entender que algum estudante seja caso de pessoa com AH/SD, mesmo que,

muitas vezes, tal situação não gere, especificamente, um processo de identificação formalizado.

Estamos desta forma, diante de um antigo e importante dilema, que traz o tema das AH/SD para

o universo da educação mais geral, a menos que melhorem as condições de trabalho dos

educadores, as chances de que efetivos processos de identificação, atendimento e

enriquecimento curricular de alto-habilidosos ocorram, são mínimas e tendem a permanecer,

apenas, um direito, burocraticamente, garantido na letra morta da lei.

Deste modo, a invisibilidade ganha mais uma de suas características, ao estar,

visivelmente, associada ao quadro de precarização das condições de trabalho dos profissionais

da educação e seu enfrentamento precisará, além da formação específica e apoio aos docentes,

neste campo, de ações mais amplas como a melhoria das condições de trabalho, com ações no

campo da estrutura física e técnica dos prédios escolares, a redução do número de alunos

atendidos por professor, em sala de aula e, finalmente, a constituição de jornadas de trabalho

que sejam condizentes com a profissão docente e suas exigências, de modo que o número de

horas trabalhadas pelos docentes possa ser reduzido, garantindo melhores condições para a

identificação e atendimento as AH/SD.

Concluída a primeira parte do questionário de pesquisa referente à caracterização dos

participantes, avançamos para as perguntas específicas sobre o tema e o primeiro grupo de

perguntas buscava verificar a invisibilidade, entre os trabalhadores da educação da cidade, onde

desenvolvemos nossas pesquisas, os dados podem ser verificados, nos gráficos a seguir:

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294

Figura 39. Figura 40.

Diante das questões sobre ter atuado, em algum momento da carreira, com alunos alto-

habilidosos, as respostas dos docentes comprovaram o quadro de invisibilidade, na cidade

pesquisada, confirmando a hipótese que supúnhamos de que havia uma quase que total

invisibilidade dos estudantes com AH/SD.

Com mais de 60% dos participantes, relatando jamais ter atuado com estudantes alto-

habilidosos, em toda a carreira e, com 87% dos participantes dizendo que não tem um único

aluno identificado ou que gere suspeitas de AH/SD, entre os alunos com quem atuavam no ano

de 2015, os dados da pesquisa estão em conformidade com as informações apresentadas pela

bibliografia especializada relativa à invisibilidade das AH/SD, na realidade educacional.

Vale o destaque de que este quadro de invisibilidade apresentou-se entre os

participantes, independentemente, do nível de ensino com que atua; da escola estar situada no

centro ou periferia da cidade; do participante atuar na cidade pesquisada ou em outra rede de

ensino; do trabalhador ser professor ou gestor educacional; e, finalmente, confirmou-se, mesmo

entre os participantes de nosso grupo de controle, indicando o quão consistente são os números

relativos à invisibilidade das AH/SD.

Aprofundando o olhar sobre as AH/SD, pedimos que os docentes respondessem se

poderiam descrever algum caso de aluno, a fim de verificar como tais estudantes eram

lembrados pelos educadores, os números seguem na tabela a seguir:

72; 61%

46; 39%

Já teve algum aluno com AH/SD, ao longo da carreira?

NUNCATEVEALUNOAH/SD

15; 13%

103; 87%

Tem, neste ano letivo de 2015, algum aluno identificado com

AH/SD?

SIM

NÃO

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295

Figura41. Você poderia descrever algum caso de aluno de AH/SD que se lembre?

Relação com

alunos com AH/SD

N° Número de identificação dos

participantes

Observações:

Responderam já ter

tido alunos com

AH/SD e

realizaram

descrição de algum

caso

43 04,09,10,11,14,19,20,21,25,30,31,3

4,35,36,37,38,39,40,44,45,46,50,54,

57,59,62,66,72,74,79,84,85,87,92,9

3,95,96,100,104,106,110,115,119

Maioria dos professores que indicam ter tido

casos de AH/SD são capazes de lembrar e

descrever seus alunos com riqueza de

detalhes.

Apesar de terem

dito já ter atendido

alunos com

AH/SD, não

descreveram

nenhum caso.

3

-------------------------------------------

------

--------------------------------------------------------

-----------

Responderam

nunca ter tido casos

de AH/SD, entre

seus alunos, mas,

descreveram algum

caso de AH/SD.

5 04,18,35,79,110 Mesmo alguns professores que dizem não ter

trabalhado com alunos com AH/SD, quando

provocados a descrever, acharam interessante

abordar casos em que tiveram dúvidas quanto

as suas avaliações.

Como podemos verificar na tabela, mais de 90% daqueles docentes que dizem já ter

atuado com alto-habilidosos, são capazes de fazer relatos bastante precisos e detalhados destes

alunos, indicando que o trabalho com este grupo de estudantes mostra-se marcante, na carreira

profissional dos educadores. Destacamos algumas destas descrições a seguir:

Como diretor, recebi em 2008 um aluno com características de superdotado/altas

habilidades, porém o sistema não permitiu avanço escolar. Mas, uma professora

atendeu o aluno que estava com cinco anos no primeiro ano do ensino fundamental e

já lia com bastante fluência e tinha competências matemáticas para resolver problemas

já adequados a um aluno de quarto/quinto ano. A professora complementava então

esse aluno desta necessidade. No ano seguinte, não houve mais atendimento em

virtude da professora de educação especial, exigir o laudo médico para atendimento

desta criança. Sinto que esse aluno teve prejuízos em sua aprendizagem, durante um

período. Porém no quarto e quinto ano, teve uma professora com uma visão para a

questão e levava o mesmo a desenvolver a potencialidade. Tanto que ao ir para o sexto

ano, o aluno conseguiu uma bolsa de 100% em uma ótima escola privada em Santos.

Mas, em virtude de seus problemas de relacionamento com os colegas, mesmo com

excelente rendimento, foi expulso da instituição. Prof.10

Tive alunos que identifiquei como superdotado e altas habilidades/, mas não foram,

oficialmente, considerados.Lembro muito bem, de uma aluna que com cinco anos, lia

as manchetes de jornal e sabia interpretá-las, explicava aos adultos o que a notícia

transmitia. Logo, ultrapassava o simples ato de decifrar o código.Um outro aluno, com

12 anos, que em suas provas, redações, fazia analogias com diversas áreas. Dialogava

com seus conhecimentos. Prof.20

Como Coordenador, acompanhamos um aluno que foi encaminhado para avaliação

especializada, com suspeita de portador de "autismo leve".Após uma avaliação

processual e individualizada, observamos que se tratava de um aluno muito além do

padrão, mas não um autista. Ele possuía altas habilidades. Sua "área dominante", se é

assim que se chama, era a "informática e as novas tecnologias". [...] aprendeu outra

língua sozinho, tinha um talento artístico forte e próprio. Quando completou 11 anos,

conseguiu uma bolsa em uma escola particular e perdemos o acompanhamento do seu

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296

processo. Vale lembrar que, em sala de aula, tinha pouca interação aluno/aluno e, por

vezes, impaciência com a dinâmica das aulas. Prof.30

Outra informação curiosa é que alguns participantes que responderam nunca ter atuado

com alto-habilidosos, quando diante da perspectiva de descrever alunos talentosos, terminaram

por relatar casos de estudantes para quem lecionaram e que consideram sejam casos de AH/SD,

indicando que, por vezes, ao precisar refletir sobre o tema, mesmo aqueles docentes que dizem

nunca ter tido alunos com AH/SD, acabam puxando por suas memórias e vão encontrando casos

que lhes gere dúvidas e questionamentos. Durante nossa pesquisa, isso ocorreu com 05

educadores, constituindo um passo importante, na superação da invisibilidade. Elencamos a

seguir alguns destes casos:

Na verdade, intuí alguns casos de superdotação/altas habilidades. Entretanto, dado o

elevado número de alunos por turma, o elevado número de aulas e imposições

burocráticas ao professor do Estado (onde concentrei a maior parte da carreira

docente) e, especialmente, a quase completa falta de uma equipe de profissionais de

apoio (de suporte pedagógico a profissionais da saúde), confesso que não tive

condições de empreender uma observação mais exaustiva desses alunos, de modo a

poder chegar a uma conclusão mais segura sobre o assunto. Já como Supervisor,

presenciei dois casos bastante lamentáveis, em que os pais insistiam para avançar

crianças dos primeiros anos do Fundamental, pelo simples fato de achar que eles já

estavam muito adiantados em relação aos conteúdos escolares, incapazes de avaliar

que, ao contrário, isso deveria lhes ser motivo de preocupação, uma vez que essas

crianças haviam chegado a esse "nível" com flagrante prejuízo de outros aspectos do

seu desenvolvimento global, especialmente os de ordem emocional - em poucas

palavras, muito estudaram e quase nada brincaram, privando-se portanto do

fundamental aprendizado propiciado pela brincadeira em ambiente escolar. Prof.110

Tive dois alunos com grande interesse na área biológica, porém, não foram

identificados, ou seja, diagnosticados oficialmente, por falta de especialista para

avaliá-los. Prof.18

Suspeitei de um aluno, mas a burocracia foi tanta que não permitiu sair laudo e o aluno

foi transferido no ano seguinte[...]. Prof.79

Quanto aos casos descritos pelos docentes, como casos possíveis de estudantes alto-

habilidosos, realizamos a tabulação relativa às características descritas pelos participantes, bem

como, as principais observações verificadas, a partir das descrições dos docentes, que seguem

na tabela abaixo:

Figura 42.

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297

Categorias apresentadas Quantidade Número de

identificação

dos

participantes

Observações

Aprende rápido 4 44,74,92,104

Hoje noto, na época não notava 1 25

AH/SD apresenta-se, na área em que

o docente é especialista

2 38, 100 A importância do especialista, na área,

para que o talento do aluno seja

notado.

Trajetória de sucesso 3 44,54,100 São repetidos os casos, em que os

estudantes são descritos como pessoas

que obtiveram grande sucesso

profissional, indicando certa crença na

ideia de que o sucesso confirma a

suspeita e que professores mantiveram

contato com estes estudantes.

Diagnóstico/suspeita de ser aluno da

Educação Especial

4 04,19,30,84, Chamou a atenção o número de casos

de alunos descritos como AH/SD pelos

docentes que, em algum momento,

foram alunos da Ed.Especial,

identificados como doentes

psiquiátricos e autistas e, muitas vezes,

sendo, inclusive,

medicados,corroborando a fala do

representante da associação paulista

sobre medicalização de crianças

superdotadas.

Disputa com a família sobre ser ou

não AH/SD

2 46,110, Tivemos descrição de outro tema

recorrente na questão AH/SD, a

disputa família/escola que ocorre,

quando pais tem certeza de que seus

filhos são AH/SD e professores e

gestores consideram que não se trate

de tal caso. Nesta situação,

verificamos que a lógica capitalista da

competição impele os pais ao desejo

de ter um prodígio, em casa, bem

como, a lógica autoritária da escola

tende a levar a uma desconsideração

das opiniões das famílias, reforçando a

não existência de procedimentos de

avaliação, colocando odebate wm um

limbo que, em geral, termina nas

instâncias judiciais, quando a família

tem condições econômicas, e/ou na

imposição da vontade da escola-

sistema escolar, quando se trata de

famílias pobres.

Negro/ família pobre e sem estudo 2 14, 40 Casos repetidos de negros e oriundos

de famílias pobres sendo descritos,

com certo assombro do docente,

quando tudo joga contra o talento que

aparece... Indicando um olhar

interessante de ser avaliado. E

explicando, muitas vezes, porque a

tese da genética, dom, surge na

questão.

Encaminhado para avaliação 1 74 Apenas um caso descrito com aluno

sendo encaminhado para aser avaliado

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298

Problemas relacionados a Bullying 9 04,09,10,30,59

,66,72,87,104

Muitos relatos de crianças sofrendo

com bulliyng e tendo perfil de AH/SD

Necessidade de olhar

atento/formação

2 50,62. Professores que indicam a necessidade

de um olhar atento e com formação

para identificar.

Casos de meninas descritos 3 20,93,96 Raros casos de meninas descritos,

indicando forte caráter de gênero na

questão.

Aceleração série/ano 3 09,45,72 Caso de aceleração surgem nos relatos,

em geral, em escolas particulares.

Curioso,focado, criativo 3 74,115,119 Alunos descritos com características

que corroboram as indicações da teoria

como habilidade acima da média,

envolvimento com a tarefa e

criatividade.

Impedido pela burocracia de ser

acelerado e passar por processo de

identificação

3 10,46,79, Diversos casos em que o atendimento

foi impedido pela burocracia dos

sistemas de ensino.

Habilidade acima da média 11 04,17,46,59,66

,84,87,92,96,1

00,106

A categoria mais citada indica que,

ainda que sem formação oficial na

área, os professores sabem muito bem

avaliar os alunos e indicam categorias

coerentes.

Ainda que informal, teve

enriquecimento curricular.

7 10,21,36,37,85

,106,119,

Fato bastante curioso, muitos

professores, ainda que não conheçam

as AH/SD, nem como agir, identificar,

relataram situações em que os

estudantes receberam ajuda com

enriquecimento curricular, mesmo que

de modo informal e baseado no

empirismo e percepções do docente.

Exigência de laudo para ser atendido 1 10

Atendimento em sala de AEE 1 95

Ganhou bolsa, em escolas

particulares

6 10,19,30,44,45

,54

Vários casos indicam uma das

urgências sobre o tema, que é o

arrebanhamento de talentos pelas

escolas particulares, como forma de

garantir suas peças publicitárias.

Desinteresse / Apatia 1 31

Expulso da escola / Problemas

disciplinares

1 10

Várias suspeitas descritas, ao longo

da carreira

7 34,50,57,85,93

,96,110

Vários professores relataram inúmeros

casos em que tiveram suspeitas, ao

longo de suas trajetórias docentes.

Precoce / Gênio 5 11,19,20,54,66 Muitas vezes, a palavra gênio/precoce

foi apresentada para a definição e

descrição de casos, durante as

formações, nas escolas; o fato repetiu-

se e este é uma das barreiras

importantes a serem rompidas, caso

desejemos tratar do tema,

adequadamente.

Sem identificação formal 4 10,18,20,96, Muitos alunos são descritos como

AH/SD pelos docentes/gestores, ainda

que fique claro, que jamais

conseguiram identificação formal para

o caso.

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299

A bibliografia da área, por vezes, atribui parte da invisibilidade à dificuldade dos

docentes em se considerarem parte do processo de identificação e transferirem a

responsabilidade para outros profissionais, como os da área da saúde, por exemplo. Neste

sentido, questionamos os participantes sobre quem deveria realizar a identificação das AH/SD

e os docentes, contrariando perspectivas que lhes atribuam falta de formação na área,

responderam, em sua grande maioria, com 99 participantes, dentre os 118 questionados ou 80%

dos participantes, indicando que a identificação deveria ficar a cargo de uma equipe

multidisciplinar, com profissionais de diversas áreas, dentre estes, os docentes.

Um grupo de participantes, que mereceu atenção especial da pesquisa, nesta fase do

questionário, onde verificávamos o tamanho da invisibilidade dos alto-habilidosos, foram os 15

participantes, que indicaram ter alunos com AH/SD, no ano letivo de 2015, quando foi aplicado

o questionário. Este grupo mereceu atenção especial, por destoar dos outros 103 participantes,

que responderam, negativamente, para a pergunta. Assim, entendemos que conhecer estes

“outsiders”, que em meio à invisibilidade, indicavam conhecer seus alunos alto-habilidosos, era

forma de obter caminhos para a superação da invisibilidade.

As respostas da análise deste grupo e que apresentamos, na tabela a seguir, é sintomática

do quadro das AH/SD, na realidade brasileira e na rede de ensino analisada:

Figura 43. Tem neste ano letivo de 2015, algum

aluno identificado com AH/SD?

Quantidade

Número de

identificação

Observações:

SIM 15 10,11,16,19, 25,32,38,

66,69, 85,89, 93,95,96, 104,

Menos de 10% dos participantes

disseram ter, ao menos 1 aluno,

AH/SD, no ano letivo de 2015,

indicando, de forma cabal, a

invisibilidade deste público.

Prof. do NAAH/S 2 11,32 Especialistas na área.

Gestores que assistiram à formação sobre

o tema 5 10, 16, 25, 89,

96, Gestores que assistiram às

formações sobre o tema.

Grupo controle UMESP 1 38 Assistiu apresentação do Tema.

Prof. da escola onde pesquisador atua 2 66,69 Trabalham com o pesquisador.

Prof. Ed.infantil, em outra rede 1 19 Prima do pesquisador

Prof. Ed. Infantil rede pesquisada 2 85,93 SEM CONTATO

PESQUISADOR

Prof. Estado 1 104 Amigo do pesquisador e teve

contato com o tema.

Prof. Fund I 1 95 A escola onde atua teve formação

sobre o tema.

Não teve contato com pesquisador e com a

pesquisa. 3 19,85,93 Apenas 3 participantes indicaram

ter alunos AH/SD, em suas

turmas em 2015, sem que

tivessem qualquer contato com o

pesquisador/pesquisa, indicando a

invisibilidade e a importância da

formação e acesso a informação.

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300

Desta forma, verificamos um dado importante, pois 12 dos 15 participantes que

afirmaram ter alunos com AH/SD, no letivo de 2015, quando era desenvolvida a pesquisa,

tiveram algum contato com o pesquisador e/ou sua pesquisa, seja por intermédio das formações

realizadas, na rede de ensino, seja pela proximidade profissional ou, finalmente, por ser amigo

do pesquisador, apontando, novamente, o que havíamos verificado, durante as visitas de campo

e pesquisa bibliográfica, a presença de um pesquisador sobre o tema, na região, é capaz de

produzir alterações no quadro de invisibilidade das AH/SD, ainda que isolados, os

pesquisadores sejam insuficientes e capazes, no máximo, de criar um debate inicial sobre o

tema, que sem apoio estatal, logo cai em esquecimento.

A prova de que isolados os pesquisadores pouco conseguem, além de oxigenar um tanto

as suas regiões de atuação, comprova-se no fato de que em um total de 34 participantes, dentre

os 118 pesquisados, tiveram algum contato com o pesquisador e sua pesquisa, entretanto,

destes, apenas 1/3 disseram ter atuado com alunos com AH/SD em 2015 e que, mesmo dentre

os 12 que afirmam, possuírem alto-habilidosos, em suas turmas, apenas metade, ou seja, 06

dizem ter alguma vez indicado um aluno para avaliação, por desconfiar de que o mesmo seja

alguém com AH/SD.

No caminho de verificar o peso da invisibilidade entre os profissionais da educação,

questionamos os participantes sobre terem, alguma vez, indicado algum aluno para avaliação,

por suspeitas de que tivessem AH/SD. As respostas dão conta do poder da invisibilidade,

conforme os gráficos a seguir:

Figura 44. Figura 45.

Conforme os gráficos apontam, o número de profissionais que afirmam, jamais terem

indicado um único aluno para avaliação, chega a 80%, entre o total dos participantes e a pouco

mais de 80%, entre os trabalhadores da educação da cidade pesquisada, demonstrando que se

reconhecer um aluno alto-habilidoso, já é algo raro entre os trabalhadores da escola e realizado

21

97

0

50

100

150

Alguma vez já encaminhou um aluno para avaliação, por

suspeita de AH/SD?

Sim

Não

15; 18%

69; 82%

Indicação para avaliação entre profissionais da rede

pesquisada

Sim

Não

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por menos de 40% dos participantes, quando se trata de assumir uma postura proativa de propor

a identificação, este número cai, ainda mais, e menos de 20% dos participantes indicam já ter

realizado tal procedimento, ao menos uma vez na carreira.

As respostas dos participantes sobre como suas indicações para avaliação foram

recebidas pelos demais trabalhadores da escola e famílias dos alunos, podem nos apontar alguns

motivos para a pequena ocorrência de indicações entre os educadores.

Não foi bem recebida já que o aluno em questão era considerado indisciplinado e

desinteressado pela maior parte do corpo docente. Prof.09

A resposta foi que o aluno não possui qualquer diagnóstico, sendo considerado

"normal". Prof.10

Por falta de profissional na área, não se chegou a um diagnóstico. Prof.18

A professora anterior havia dito que a aluna era hiperativa e tinha déficit de atenção,

a menina recebia muitas críticas dessa professora, inclusive desenvolveu um problema

sério de autoestima. Eu discordei e a professora que tinha mais tempo que eu nesta

escola, quis me convencer, o caso foi parar na direção. Eu não consegui a avaliação

de outros profissionais, mas nas minhas aulas, fazia tudo para desenvolver as

habilidades da aluna. Prof.62

Minha solicitação por parte da Unidade de Ensino passou por certa resistência,pois

consideravam o aluno como autista. Porém, diante da minha insistência, foi realizado

o encaminhamento do aluno e constatou-se que seu nível de inteligência é realmente

acima da média..Hoje, esse aluno está em acompanhamento com profissionais

especializados. Prof.74

O Serviço de Orientação solicitou à mãe, alguns exames com profissionais

específicos, mas a burocracia foi tanta, que o ano letivo terminou e não obtivemos

uma resposta. No ano seguinte, o aluno foi transferido para outra cidade. Prof.79

Pouca atenção, resistência, falta de respostas, burocracia e falta de estrutura e

profissionais, em condições de realizar as devidas avaliações, estas foram as referências mais

lembradas pelos participantes, quando questionados sobre a forma como suas indicações

haviam sido recebidas, demonstrando as dificuldades dos professores, no momento de indicar

um aluno, que lhe gere suspeitas de AH/SD e fortalecendo o quadro de invisibilidade.

Um dado positivo, apesar da constatação inegável da invisibilidade, nas respostas

relativas ao número de participantes que já atuaram ou indicaram aluno, devido às AH/SD,

deve-se ao fato de que, quando liberados da formalidade de confirmar as AH/SD e questionados

sobre suspeitas de algum aluno alto-habilidoso, em suas turmas, ao longo da carreira, as

respostas dos docentes são muito mais positivas e indicam-nos espaços e possibilidades para a

ruptura da invisibilidade. Vejamos os resultados referentes a tal questionamento:

Figura 46.

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302

O gráfico indica o dado positivo, mais da metade dos participantes disse, em algum

momento, ter suspeitado de AH/SD, entre alguns de seus alunos, o que indica primeiro, a

percepção docente para o talento, segundo, que o conceito de AH/SD permeia seus imaginários,

ainda que não tenham formação na área e nem apoio neste sentido.

Buscando nos aprofundar sobre a relação dos participantes com o tema da pesquisa,

fizemos uma série de perguntas relativas a terem recebido algum tipo de formação sobre altas

habilidades/superdotação, durante seus cursos de graduação ou em suas experiências

profissionais, na rede de ensino pesquisada. Objetivávamos confirmar/refutar a tese, segunda a

qual os docentes não receberiam formação mínima, na área, sobre o tema. E as respostas foram

massivas, no sentido de confirmar a falta de formação, como descrito pela bibliografia,

conforme o gráfico a seguir:

Figura 47. Figura 48.

As respostas dos participantes confirmam a quase total ausência de formação, na área,

tanto na formação inicial, como na formação continuada dos docentes, relacionada ao tema das

AH/SD. Em ambos os casos, 20 participantes tiveram alguma formação inicial na área, nos

0

200

sim não branco total

64 540

118

Voce já lecionou para algum aluno, que não sendo identificado

oficialmente, como AH/SD, você tenha desconfiado se tratar de um caso

de criança/jovem superdotado?

20

98

Durante a graduação, teve alguma disciplina, aula ou curso sobre

alunos superdotados/altas habilidades?

SIM

NÃO

20

98

Na rede de ensino em que trabalha, já teve alguma

formação sobre superdotação/altas

habilidades?

SIM

NÃO

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303

cursos de graduação ou durante a vida profissional, cabendo indicar que os indivíduos que

afirmam terem recebido formação, na graduação ou na rede de ensino onde atua, são

participantes diferentes, ainda que haja a coincidência do número.

Portanto, mais de 80% dos participantes formaram-se na graduação, realizaram cursos

de pós-graduação, atuaram como docente por mais de uma década, sem jamais ter recebido

qualquer formação a respeito dos estudantes alto-habilidosos, suas características, necessidades

e direitos, o que resulta, mais uma vez, na invisibilidade destes educandos.

Entretanto, o fato positivo é que quando questionados sobre buscarem informações

sobre o tema, de modo individual e informal, metade dos participantes respondeu que já havia

procurado informações sobre o tema, o que indica interesse dos docentes na área e, talvez,

justifique a próxima resposta dos participantes.

Existe na bibliografia especializada, a perspectiva de que por falta de conhecimentos e

formação na área e, até por certo preconceito com o tema, os docentes entendem que os alunos

alto-habilidosos não sejam um público que deva receber atendimento da Educação Especial.

Porém, ainda que, majoritariamente, sem qualquer formação, os docentes participantes

responderam, em quase unanimidade, que era necessário o atendimento especializado, na

Educação Especial, aos alto-habilidosos, com nada mais que 115, dentre os 118 participantes,

respondendo, positivamente, pelo atendimento na educação especial e, apenas 03 participantes

indicando não considerar adequado tal atendimento, cabendo o destaque de que o único

supervisor de ensino que respondeu ao questionário, profissional, fundamental, na garantia do

atendimento à legislação, entende que o AEE não seja direcionado a tais estudantes, o que pode

indicar problemas, na garantia de atendimento e aceleração de estudos, por exemplo.

Seguindo o caminho de buscar entender como os docentes compreendiam o fenômeno

das AH/SD, procuramos verificar como uma das grandes polêmicas da área apresentava-se aos

participantes, questionamos-lhes sobre a terminologia relativa às AH/SD e a percepção dos

professores sobre o assunto, indagando se entendiam altas habilidades e superdotação como

sinônimos, como preconiza a bibliografia e a legislação ou como fenômenos distintos, como

entende parte dos pesquisadores da área. Os professores deram respostas que merecem nossa

atenção e que apresentamos nos gráficos a seguir:

Figura 49. Figura 50.

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304

Como podemos verificar, por meio dos gráficos, algumas informações importantes

sobre os trabalhadores da educação e suas concepções sobre as AH/SD são possíveis de serem

verificadas. Segundo alguns pesquisadores, como Guenther (2011), existe uma confusão na

área sobre a terminologia, sobre a melhor palavra para nos referirmos aos alunos talentosos e

que esta confusão geraria muitas dúvidas, nos docentes, sobre o tema, o que lhes impediria de

indicar e reconhecer os alunos alto-habilidosos.

As respostas dos docentes indicam o oposto, e mesmo a maioria dizendo não ter

nenhuma formação na área, 2/3 dos participantes aponta acordo com a maior parte dos

especialistas, na área e legislação, quanto ao uso dos termos superdotação e altas habilidades

como sinônimos. Demonstrando que os docentes têm reflexão apurada sobre o tema.

Cabe destaque, quando comparamos a opinião do total de participantes com as respostas

do grupo de controle, no segundo grupo, ocorre o oposto, pois 2/3 dos participantes relatam não

considerar os termos sinônimos, ou seja, docentes de cursos de pós-graduação, stricto senso,

neste caso, apresentaram maior confusão conceitual, do que os educadores da educação básica

e, na maior parte das vezes, com formação acadêmica inferior aos participantes do grupo de

controle. Indicando que, não necessariamente, é a formação acadêmica que produz

compreensão sobre o tema, sugerindo que, talvez, menos que a titulação, pese na avaliação da

terminologia, as concepções pedagógicas e políticas sobre a educação, os alunos e o papel do

professor. Mas vejamos o gráfico a seguir:

Figura 51.

74; 63%

42; 35%

2; 2%

Altas Habilidades/Superdotação são sinônimos?

Sim

Não

Nãorespondeu

0

5

10

sim não branco total

24

1

7

GRUPO DE CONTROLE:

Altas Habilidades/Superdotação são

sinônimos?

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Um dado interessante é, quando analisamos as respostas daqueles docentes que indicam

ter alunos AH/SD em 2015, quanto às altas habilidades/superdotação serem sinônimos ou não,

verificamos que o grupo de 15 docentes dividiu-se de forma, praticamente, igual, entre quem

acredita que os termos sejam sinônimos ou não, contrariando as hipóteses iniciais, de que

aqueles que têm concepções contrárias à legislação ou a maioria dos especialistas, não consigam

identificar seus alunos talentosos. É evidente, que aqueles docentes que entendem as AH/SD

como sinônimos têm maiores chances de reconhecer alunos alto-habilidosos/superdotados e

isso foi verificado, na pesquisa, com 2/3 daqueles que disseram já ter atuado, em algum

momento da carreira, com alunos AH/SD. Entretanto, como já dissemos, temos número

razoável dos participantes, que apesar de ter concepção “acertada” sobre o conceito de AH/SD,

concordando com a legislação e bibliografia, ainda assim, indicam nunca ter atuado com alto-

habilidosos, mostrando-se incapazes de identificar alunos com tal perfil.

Com as respostas segregadas por grupos, pudemos verificar que dos 42 professores

atuantes, na educação infantil e ensino fundamental I (pedagogos de formação), tivemos 29

participantes que responderam que os termos altas habilidades e superdotação devam ser

compreendidos como sinônimos, enquanto, 13 docentes disseram se tratar de fenômenos

distintos. Assim, 70% dos professores, desta modalidade, responderam de modo adequado; este

número segue próximo de 70%, entre os professores da educação especial, caindo para 65%,

entre os gestores, atingindo 50% entre professores das redes ETEC e IFSP e, finalmente,

caindo para 45% entre os docentes da rede pública estadual.

Tais números indicam o papel das formações, na constituição das concepções docentes

e, principalmente, a curiosa tendência a que docentes de redes, com provas de seleção

concorridas, como: ETEC e IFSP e, que por isso, tendam a ter mais alto-habilidosos entre seus

estudantes, conheçam menos o tema. Fenômeno interessante que, também, ocorre com os

profissionais da rede estadual; primeiro, contrariando as matérias da imprensa, segunda as

8; 53%7; 47%

Entre aqueles que têm alunos, com AH/SD em 2015, consideram altas habilidades e

superdotação como sinônimos:

SIM

NÃO

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306

quais, a SEE-SP teria fornecido materiais e desenvolvido cursos com os professores de sua rede;

em segundo, indicando que submetidos a regimes de precarização, ainda mais severos que os

profissionais de outras redes e expostos ao fracasso escolar, de forma mais cruel, estes docentes

mostraram-se, ao longo da pesquisa, menos sensíveis ao tema e a reconhecer tais educandos,

por exemplo, alguns destes sendo dos poucos que consideram inadequado o atendimento das

AH/SD, na Educação Especial.

Por fim, selecionamos algumas respostas de participantes que disseram não considerar

que os termos altas habilidades e superdotação sejam sinônimos, pois as colocações dos

docentes podem nos indicar caminhos, para a compreensão da invisibilidade, as respostas

seguem:

Eu acredito, são distintos. Compreendo que altas habilidades, pode ser

desenvolvidas com auxílio do meio, família, escola ou outro grupo e/ou pessoa de

contato. Já a superdotação se manifesta precocemente, independente do meio,

também pode ser em áreas específicas. Prof. 105

Acredito que haja diferença sim. Para mim, alunos superdotados possuem um

potencial nato que acaba por evidenciar seu lado precoce e prodígio desde o início

de sua vida. Já os alunos com altas habilidades possuem talentos que se desenvolvem

através de mediações sociais ou escolares. Prof.108

Não, os superdotados aprendem com facilidade quase tudo, porém se dedicam a

coisas que tenham mais afinidade e pouco precisam de ajuda, quanto aos que

apresentam apenas altas habilidades são bons apenas em algumas áreas. Alta

habilidade também é uma característica do superdotado. Prof.109

Não. No meu entendimento, superdotados são aqueles que apresentam desempenho

excepcional em TODAS as competências relacionadas a uma ou

algumasáreasdoconhecimento,oua algumas "inteligências" (Gardner, 1998). Já os

com altas habilidades são aqueles que apresentam desempenho excepcional em

UMA ou ALGUMAS das capacidades relacionadas a uma ou algumas

áreas/inteligências. Prof.110

Entendo que são termos distintos. Os superdotados seriam aqueles que já apresentam

desde os primeiros anos de vida uma capacidade muito além e acima damédia.Os

alunos com altas habilidades seriam aqueles que se destacam em relação à maioria,

mas que diferentemente dos superdotados dependem mais do convívio e do

desenvolvimento em sociedade. Prof.111

Quando avaliamos as respostas dos docentes, as primeiras observações são sobre a

qualidade da reflexão e envolvimento dos educadores com o tema, pois, ainda que tenham uma

perspectiva dos conceitos distinta do que preconiza a legislação e a maior parte dos

especialistas, os participantes mostram-se, profundamente, capazes de refletir sobre as questões

relativas à área e apresentam-se envolvidos, de modo a desmistificar a perspectiva de

preconceito com o tema.

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A divergência dos docentes com o uso dos termos como sinônimos também, apresenta-

se bem fundamenta, não se trata, simplesmente, de desconhecer que a legislação utiliza a

expressão altas habilidades/superdotação como termos correlatos. Na verdade, os docentes

apresentam, na proposta de distinção dos termos, sua concepção de altas habilidades e

superdotação e, basicamente, temos três categorias que justificam as defesas neste sentido: 1-

intensidade do talento; 2- o espectro de áreas em que o talento se manifesta; 3- a origem do

talento ser biológica ou, socialmente, aprendida.

Em termos práticos, os participantes que indicam divergência com o uso de altas

habilidades e superdotação, enquanto sinônimos, justificam sua opção, afirmando que

superdotados são, quantitativamente, mais talentosos/inteligentes/habilidosos/capazes, que

alto-habilidosos. Tal concepção, verificada entre os participantes, é uma ideia difundida entre

os educadores. Vale destacar que, por vezes, tais concepções foram verificadas, mesmo em

publicações oficiais do MEC.

O segundo ponto que embasa as defesas, neste sentido, é a noção de que superdotados

seriam, amplamente, capazes e habilidosos, realizando, assim, prodígios, caso se dediquem em

muitas e, talvez até, em todas as áreas da produção humana; enquanto alto-habilidosos teriam

capacidades restritas a uma única área do conhecimento.

Finalmente, a última categoria apresentada para a justificativa da perspectiva, está ligada

à origem das capacidades superiores e, neste caso, diversas vezes, verificamos a defesa de que

a superdotação é o talento inato, de origem biológica e natural, sendo que os sujeitos,

simplesmente, nascem com tal capacidade e conseguem se desenvolver, praticamente, sem a

ajuda de ninguém. Já as altas habilidades são capacidades apreendidas, seja pela dedicação,

treino, esforço, mediações sociais e, assim, teriam origem, no ambiente ou na sociedade, e

seriam desenvolvidas com o apoio dos mestres. Esta concepção da forma como foi apresentada

pelos participantes, demonstra como educadores, sem formação específica na área, são capazes

de reflexão próximas a de especialistas, como Guenther, por exemplo.

Tais ideias indicam sofisticação entre os docentes, quando pensam no tema, e que a

opção pela terminologia a ser utilizada, tem menos de opção, fruto de informação sobre o

assunto e mais de concepções sobre inteligência e talentos, que terão grande impacto, na escolha

pelo atendimento ou não das AH/SD e mesmo sua identificação.

Na sequência do trabalho de pesquisa de campo, analisamos quais as características os

alunos com AH/SD teriam, conforme os participantes; e quais características fariam os docentes

desconfiar, eventualmente, que algum de seus alunos fosse alto-habilidoso.

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308

Com relação às características que os docentes atribuem aos alto-habilidosos, a primeira

coisa que chama a atenção, é a variedade de características apresentadas, mostrando como o

tema é compreendido, de modo heterogêneo e pouco baseado em alguns mitos. Tivemos citação

a mais de 80 características relativas a estes alunos e, ainda que muitas vezes, apresentadas de

modo diferente, os termos usados referiam-se a uma mesma característica, pensamos ser

adequado apresentar os termos, para termos a real noção da diversidade do quadro de respostas

dos educadores.

Entretanto, o fato que merece grande destaque, é que, apesar do grande número de

características citadas, quando analisadas, quanto à quantidade que foram utilizadas por

diferentes participantes, algumas características possuem ampla maioria sobre as demais e,

muitas características apresentam-se restritas ao espectro de um ou dois educadores. Assim,

facilidade para aprender os conteúdos, criatividade, curiosidade, inteligência, habilidades

especiais/competentes, destaque em relação aos demais alunos, socialização difícil, e rápidos,

foram as características que obtiveram mais de uma dezena de citações. As respostas podem ser

verificadas, na tabela a seguir:

Figura 52. Características dos alunos com AH/SD, segundo

trabalhadores da educação:

Quantidade Número de identificação dos

participantes

Exigentes 1 2

Exibicionistas 2 50,93

Frustrados 7 02,42,45,71,86,88,98

Aprendem conteúdos com maior facilidade 40 03,05,17,18,20,21,24,29,34,3

6,38,39,41,42,46,51,53,62,63,

69,71,72,78,83,85,86,88,90,9

1,94,95,101,103,104,108,109,

110,111,113,117

Habilidades especiais/competentes 17 04,06,22,56,59,63,70,72,73,8

4,90,93,99,107,108,110,112

Destaque em várias disciplinas 5 05,60,72,104,112

Curiosos 20 05,18,28,31,40,50,54,63,67,6

9,71,74,83,88,92,102,106,109

,119,113,

Criativos 13 05,23,32,38,50,54,63,69,82,9

7,99,109,113

Interesse em Aprender 5 05,22,28,54,78,

Podem ser Agitados 5 05,09,62,82,119,

Podem ser Líderes 7 04,05,20,47,105,109,119

Exatas/Artes Destaque 1 6

Raciocínio lógico maior 6 06,18,36,37,63,78,

Inteligentes 11 07,08,09,19,25,29,41,44,52,8

5,115,

Observador 3 08,50,63

Tímidos 6 05,09,10,93,105,115,

Suas AH não são notadas 1 9

Notas Excelentes 3 05,85,91,

Conhecimentos acima da média 2 10,96,

Grande Memória 7 10,18,31,74,94,95,119

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Renzulli e Três Anéis 2 11,25

Não sei 1 13

Acho algo discutível 1 13

Destaque em Relação aos demais (Capacidade superior) 18 12,14,20,22,32,40,43,48,55,5

7,60,69,72,97,98,102,107,116

Resposta em Branco 4 15,27,31,68,

Gênio 4 16,25,64,85,

Esquisito 1 16

Socialização difícil 11 18,30,34,46,48,50,56,66,71,8

2,86,

Alfabetização Precoce 1 19

Concentração /Atenção 5 22,24,33,102,119,

Originalidade 3 22,74,83,

Estabelecer relações entre conhecimentos diversos 2 23,24,

Q.I. alto 3 25,77,80

Dificuldade com erro 1 119

Competitividade 1 119

Precisam de ajuda especial 1 118

Rendimento superior ao considerado para a condição

socioeconômica

1 107

Comprometido 2 28,38,

Esperto 1 28

Focado em Determinadas Àreas 9 30,32,59,66,74,83,95,97,102

Desenvolvimento muito acima da média 3 49,59,107

Autonomia 2 105,113

Criticidade 1 119

Interessado 2 33,99

Participativo 1 33

Eficiente 3 33,46,76

Responsável 3 33,66,95,

Pouca Disciplina 2 34,62,

Rápidos 10 34,46,62,67,76,101,106,108,1

13,117,

Comportamentos e interesses diferentes 2 35,66,

Aptidão/Naturalidade 1 38

Desenvoltura 1 38

Aprende sem demonstrar esforço 2 42,98,

Capacidade de abstração 3 45,47,119,

Interesse em uma disciplina 1 45

Capacidade Intelectual acima da média 5 47,55,58,64,108

Desinteresse 2 46,71,

Capacidade 1 46

Difícil Identificar 1 50

Desempenho Acima da Média 4 61,71,100,114,

Sempre querem mais 1 62

Habilidade Cognitiva Acima da Média 5 65,80,96,97,111

Tendência à depressão 1 66

Autocobrança 2 66,119

Amadurecimento precoce 1 66

Pesquisador 2 67,93

Aparente desatenção pelo imediato/pessoas 2 71,102,

Autodidatas 3 72,81,113,

Motivados 2 74,119,

Imaginação 1 74

Pensamento diferente 1 74

Energia 1 74

Já sabem o conteúdo, sem terem aprendido antes 1 76

Rendimento Acima da Média 1 78

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310

Linguagem mais desenvolvida 6 78,89,88,106,113,119,

Ansiedade para aprender 4 79,82,102,119

Mais afoitos, querem sempre mais. 2 79,89,

Talentos 1 80

Envolvimento com a Tarefa 6 83,95,96,97,102,119

Habilidade Acima da Média 1 84

Pouca dificuldade de aprendizado 1 87

Sucesso na vida acadêmica 3 90,98,102,

Concentração 1 95

Ótima compreensão de textos 1 95

Desmotivados 1 98

Em primeiro lugar, cabe a constatação de que tivemos características citadas que se

baseiam em ideias descritas nos mitos sobre as altas habilidades/superdotação. Quando

tabuladas e agrupadas tais ideias foram citadas, 33 vezes, por participantes da pesquisa, ainda

que, algumas vezes, um único participante tenha citado mais de uma ideia considerada

associada a um grupo de características, indicando que existe, no imaginário dos participantes,

um grupo de ideias equivocadas circulando.

Outro grupo de ideias que pensamos, contribuam para equívocos e eventual

fortalecimento da invisibilidade, são as que chamamos de “características negativas-

estereotipadas”. Este grupo envolve ideias sobre os alto-habilidosos, como: apatia, indisciplina,

desinteresse, tendência à depressão, foram ideias lembradas 43 vezes e que, ainda que possamos

ter alunos alto-habilidosos com tais características, estas podem ser apresentadas em alunos

com os mais diversos perfis, tendo ou não AH/SD. O problema é que tais ideias contribuem

para que os docentes tenham dificuldade em reconhecer seus alunos talentosos e,

eventualmente, venham a identificá-los. Cabe destacar, que nem todas as ideias, que podem

atrapalhar a identificação e atendimento, são negativas sobre os alto-habilidosos.

Existe um grupo de características positivas, mas idealizadas, sobre as AH/SD, que

surgiu em 25 citações, como: exigentes; destaque em várias disciplinas/áreas; gênio; notas

excelentes, sendo utilizadas para descrever os estudantes com tal perfil, fato que se repete, com

as observações, durante as formações desenvolvidas com os docentes sobre o tema. Tanto

nestas, como no questionário, as duas ideias positivas, mais presentes, sobre os alunos com

AH/SD, foram as de que tais sujeitos são excelentes, em todas as áreas do conhecimento,

obtendo, inclusive, notas elevadas em todas as disciplinas, somada a ideia, sempre presente, de

genialidade, um mito que aparece, de forma majoritária, entre os docentes e, quando foi

contestado (Momento das formações), rapidamente, abria espaço para indicações e suspeitas.

Podemos verificar a ocorrência dos mitos e das estereotipias, no gráfico a seguir:

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Figura 53.

Todavia, a observação que merece maior destaque, quando analisamos as respostas dos

participantes sobre as características que imaginam para sujeitos alto-habilidosos, deve-se ao

fato de que, das 297 citações a características apresentadas, para descrever os alto-habilidosos,

uma vez que, os participantes utilizaram mais de uma característica para se referir a tais sujeitos,

nada menos que 196 citações ou 66% das referências estarem concentradas, em duas categorias

de características, que utilizamos para agrupar as referências dos docentes; a primeira, com 30

citações, referia-se à ideias que fazem alusão à noção de que os sujeitos alto-habilidosos tenham

maior desenvolvimento de suas funções psíquicas superiores, citando exemplos, como maior

desenvolvimento da linguagem; capacidade de concentração e atenção; ou mesmo

desenvolvimento da memória, entre as características descritas. Indicando que o fato dos

professores filiarem-se a uma escola teórica, a que se dedicam e estudam para pensar, em sua

prática, com todos os alunos, leva-os a refletir sobre as AH/SD, a partir destes conceitos e

produzindo reflexões adequadas, muito bem fundamentadas, sobre tais estudantes.

A segunda categoria concentrou muitas citações, e foi disparada a com maior número

de citações, 166. Esta categoria reuniu mais de 4 vezes, o número médio das citações recebidas,

por cada uma, das demais categorias e relaciona-se com características descritas que, de alguma

forma, podem ser associadas à definição de AH/SD proposta por Renzulli, na “Teoria dos Três

anéis”. Assim, características como: aprendem conteúdos com maior facilidade; habilidades

especiais/competentes; curioso; criativos; interesse em aprender; habilidade acima da média;

destaque em relação aos demais colegas; focado em determinadas áreas; interessado; que foram

descritas, inúmeras vezes, constituem-se como o grupo de características, mais presentes, nas

descrições dos educadores sobre altas-habilidades, apontando que os docentes sabem observar

25; 8%

43; 15%

30; 10%

166; 56%

33; 11%

Características das AH/SD agrupadas por categorias.

Caracteristicas positivas-idealizadas

Caractreristicas negativas-estereotipos

Funções psiquicas superiores

Conforme teoria dos tres aneis

Mitos

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os talentos de seus alunos e os descrevem, com propriedade, (ainda que nem sempre usem os

termos exatos) as capacidades/habilidades/características de educandos superdotados.

Desta forma, temos o fato positivo de que os docentes, em boa medida, têm conceitos

adequados sobre as AH/SD e o perfil dos alunos a observar, para que se realizem identificações.

Por outro lado, há ainda muito trabalho a ser feito, caso desejemos superar mitos, estereótipos

e idealizações.

Ainda no sentido de verificar quais atributos os docentes e gestores buscam, nos

estudantes, quando falamos em AH/SD, questionamos-lhes, sobre quais características de um

estudante os faria suspeitar que um aluno pudesse, eventualmente, ser alto-habilidoso.

As respostas dos docentes, novamente, indicam-nos que os professores têm reflexões

sobre o tema e tais alunos, bastante adequadas, e, ainda que não disponham de formação, ao

menos em tese, os docentes sabem que perfil observar entre seus alunos, os motivos de que isso

não gere indicações e avaliações, constituindo a invisibilidade, é que deve ser avaliado.

Entre as referências dos docentes sobre o perfil dos alunos que lhes geraram/gerariam

desconfiança de altas habilidades, agrupamos as características, em 04 grupos distintos. O

primeiro, daquelas características que não receberam mais que 10 citações e, portanto, restritas

a um grupo pequeno de educadores. É neste grupo, que se encontram, por exemplo, ideias

relacionadas a mitos e equívocos, como: necessita se destacar; aprende os conteúdos de outras

séries sozinhos; concepções que trazem a ideia de que os alto-habilidosos desenvolvam-se

sozinhos e não necessitem de ajuda, contribuindo para a invisibilidade.

O segundo grupo é o composto pelas características que receberam entre 20 e 40 citações

de participantes diferentes. Neste grupo, temos indicações de características que nos apontam

que os docentes consideram caracteres de AH/SD alguns atributos que chegam a ser

surpreendentes, como: elogios de outros docentes; não se adequar às propostas pedagógicas;

viver no mundo da lua; apatia/desinteresse. Verificar os docentes, mostrando-se preocupados

com este grupo de características, quando pensam em AH/SD, mostram-nos perspectivas

positivas sobre a área, pois o senso comum, dificilmente, indicaria que docentes pudessem

considerar tais perfis, como sinais de habilidades superiores e podem mostrar caminhos para a

superação da invisibilidade. Outros dois atributos presentes, neste grupo, são as ideias de que

alunos com AH/SD sejam lideranças e/ou tenham dificuldades, no processo de socialização.

Tais ideias, ainda que descrevam parte dos alto-habilidosos, merecem atenção, pois podem

gerar estereótipos, que criem dificuldades entre os docentes, no que tange a identificação, sendo

a preocupação com a socialização a mais destacada pelos educadores, quando pensam nestes

alunos.

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313

O terceiro grupo é composto pelos atributos que receberam entre 40 e 60 citações

diferentes, ou seja, aproximadamente, 50% dos participantes fizeram referência a tais ideias.

Por se tratar de um grupo de atributos citados, por muitos educadores e, assim, expressar, em

boa medida, o pensamento dos participantes sobre o tema, este merece atenção detida. Assim,

notas altas; agitação e indisciplina; leitura fluente e dedicação foram citadas pelos educadores

como sinal evidente de altas habilidades/superdotação, indicando que questões objetivas como

envolvimento com a tarefa, domínio da leitura e os resultados em notas são, fundamentais, no

momento dos docentes basearem suas desconfianças sobre o perfil de algum estudante.

Finalmente, o último grupo de características é composto pelos atributos citados, por

mais de 70 participantes. Estes atributos chegaram, por vezes, a receber mais de 90 citações,

sendo, desta forma, lembrados por quase 90% dos educadores participantes. Não apenas pelo

número de lembranças estas características merecem atenção, pois dão mostras incontestes da

capacidade apurada de um professor, quando estimulado/provocado, a refletir sobre AH/SD e

descrever perfis adequados de alunos a serem observados. Assim, ser inquieto intelectualmente;

curiosidade; criatividade e quantidade de informações, todas características possíveis de serem

associadas à “Teoria dos Três Anéis”, de Renzulli, são as características que mais os levariam

a desconfiar de alunos sobre serem alto-habilidosos.

Como parte de nossas hipóteses iniciais, trabalhamos com a ideia de que as concepções

teóricas dos educadores sobre educação e aprendizado e, consequentemente, sobre inteligência,

fracasso e sucesso escolar tinham parte fundamental, na disposição docente em indicar ou não

alunos como potenciais suspeitos de AH/SD, contribuindo, sobremaneira, com a invisibilidade.

Neste sentido, uma das questões mais importantes do questionário virtual, foi à pergunta: Em

sua opinião, o que explicaria a existência de alunos superdotados/altas habilidades? As

respostas dos professores para a pergunta seguem dispostas nos gráficos a seguir e as análises,

logo após:

Figura 54.

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314

Novamente, a primeira observação sobre as respostas dos educadores é a variedade de

justificativas, para as Altas Habilidades/Superdotação, onde, mais uma vez, um grupo de

citações, que não receberam mais que 05 indicações, são responsáveis por perspectivas

baseadas em mitos, senso comum, que podem contribuir, ajudando-nos a entender a

invisibilidade, e se relacionam com a falta de formação. Dentre estas opções, temos ideias

como: coisas da natureza; Q.I maior; questões psicológicas; vidas passadas; situações

congênitas; genético, mas não hereditário; superdotação = biológico e altas habilidades = social;

não tem explicação; patologias congênitas; o mesmo que deficientes. Tal grupo de

características indica que uma parte considerável dos educadores entende as AH/SD, a partir de

questões místico/médicas, deixando a cargo da biologia, metafísica ou natureza o surgimento

dos talentos humanos e, assim, a escola e os docentes teriam pouca ou nenhuma relação com

os potenciais elevados humanos, contribuindo assim para a invisibilidade.

Entretanto, apesar de muito associadas às ideias do senso comum, os participantes que

optaram por tais caminhos, para compreender as AH/SD, constituem um número reduzido, em

relação ao total de participantes.

0

5

10

15

20

25

30

35

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edit

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1

6

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7

2 3 3

7

13

7

2 2

9

2

34

15

1

27

Em sua opinião, o que explicaria a existência de alunos com AH/SD?

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315

No grupo de explicações que receberam até 10 citações de participantes e, por isso, o

segundo grupo mais presente, nas justificativas para as AH/SD, temos explicações, que como

o grupo anterior, organizam-se, conforme o senso comum, mas, a partir de perspectivas um

pouco mais elaboradas. Desta forma, as ideias de que as capacidades humanas se devessem a:

diversidade humana; acredito ser inato; dom divino; hereditário; questões orgânicas; estiveram

presentes, entre as perspectivas dos participantes para as AH/SD. Como podemos verificar, a

maioria destas ideias, novamente, associam-se às aptidões naturais e/ou biológicas dos talentos,

indicando que os professores e a escola teriam papel reduzido, no surgimento/desenvolvimento

das altas habilidades.

Desta forma, nada menos que 57 vezes, as justificativas, para explicar os talentos,

presentes nos grupos 1 e 2, foram apresentadas pelos participantes para indicar AH/SD.

No último grupo, temos ideias lembradas por mais de 10 citações e com número de

lembranças, muito superior, às ideias dos grupos 1 e 2. Algumas vezes, citadas por mais de 30

participantes. Assim, origem genética; situações ambientais; combinações biológicas e

históricas/sociais receberam juntas 80 lembranças e parecem ser as ideias em que,

majoritariamente, fundamentam-se os educadores, para compreender a questão.

Já refletimos, profundamente, sobre como as teorias genéticas para a explicação dos

talentos, ou as noções de aptidões naturais podem contribuir para que educadores resistam em

identificar alto-habilidosos, nas escolas públicas e com filhos de trabalhadores pobres.

Também, já expusemos como uma leitura mecânica e determinista sobre as teorias da

reprodução, contribui igualmente com a invisibilidade.

Considerando que a definição apresentada, para explicar as AH/SD, diga muito sobre a

concepção do professor/gestor, de educação,aprendizado e fracasso/sucesso escolar,

explicando, em parte, a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, agrupamos as

justificativas para o talento humano, conforme suas filiações teóricas:

Figura 55.

Explicação das AH/SD por categorias N.°

Fatores Biológicos 74

Fatores Sociais 51

Fatores Metafísicos 10

Não há explicação 10

Como podemos verificar, a partir da tabela, somadas as explicações de ordem

biológicas, metafísicas ou as ideias, que entendem que não exista explicação para os talentos,

temos 94 citações, recorrendo a este tipo de perspectiva para entender as AH/SD e, assim, com

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316

justificativas que conferem pouca ou nenhuma importância à escola ou aos docentes,

verificamos que o imaginário que naturaliza o talento, a partir da ideologia das aptidões

naturais, é decisivo no quadro de invisibilidade. Assim, se considerarmos que as 51 referências

a fatores sociais não querem dizer, exatamente, a perspectiva histórico-social do

desenvolvimento das funções psíquicas superiores, mas perspectivas, em geral deterministas,

sobre classe e talento, veremos o quadro ser, ainda, mais agravado.

Ao passo e ao fim, cabe o destaque de que, apenas 15 educadores, ou seja, pouco mais

10% dos participantes justificaram as AH/SD, enquanto fruto de complexas interações

biológicas/sociais como, atualmente, a maior parte da bibliografia especializada preconiza,

indicando que, se de alguns pontos de vista, temos fatores positivos sobre o potencial dos

docentes, em refletir sobre os alto-habilidosos, quando questões teóricas e concepções veem à

baila, temos posições que terminam por justificar a invisibilidade.

O impacto das concepções sobre origens, na disposição dos docentes em identificar e

atender os alunos com AHSD, pode ser constatado de forma evidente, quando cruzamos

algumas questões do questionário de pesquisa, por meio das respostas dos participantes, por

exemplo, entre aqueles que defendem a origem inata dos talentos, a ocorrência de casos de

encaminhamento para avaliação, por suspeita de AH/SD, é ainda mais reduzida que a da

totalidade dos professores, como o gráfico a seguir indica-nos:

Figura 56.

A comparação entre encaminhamento para identificação e crenças a respeito das origens

das altas habilidades/superdotação é reveladora, quando diversas explicações são avaliadas,

tendo como base a disposição para desconfiar de casos de alunos com AH/SD, vejamos:

Figura 57.

1; 14%

6; 86%

Entre quem defende a origem INATA das AH/SD, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?

Sim

Não

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317

A justificativa genética para as capacidades humanas que, em alguma medida, pode ser

relacionada com a tradição das explicações, que compreendem os talentos como inatos,

apresenta números, igualmente, desanimadores de casos de indicação, como verificamos,

apontando como a perspectiva, que afasta da mediação social e com isso da escola, o

desenvolvimento dos talentos, tem, no final das contas, resultado na produção da invisibilidade

das AH/SD.

Quando as condições sociais passam a fazer parte das concepções relativas ao

desenvolvimento e origem dos talentos, as mudanças na disposição para encaminhar mostram-

se:

Figura 58.

O impacto da alteração, nas concepções, é visível. Com um número de citações

próximas aos que indicavam a genética como “causa” das AH/SD (34 casos contra 31 casos),

temos um número de participantes, que já indicaram alunos para avaliação que é quase o dobro:

07 casos, contra 04 casos indicados por aqueles que defendem a genética como explicação.

Mas, quando analisados, percentualmente, verificamos, ainda mais, a alteração, com a

proporção de participantes que já indicou algum aluno para avaliação, subindo quase 10 pontos

4; 13%

27; 87%

Entre quem considera a origem GENÉTICA das AH/SD, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?

Sim

Não

7; 21%

27; 79%

Entre quem defende a origem das AH/SD baseadas nas CONDIÇÕES AMBIENTAIS, quantos já encaminharam alunos à avaliação para

identificação?

Sim

Não

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318

percentuais para chegar em 21% daqueles que acreditam em causas ambientais, para as AH/SD.

Mas, atentemos ao caso a seguir:

Figura 59.

Finalmente, chegamos ao grupo de participantes que entende as origens das AH/SD, de

modo mais próximo aos de teóricos, como: Renzulli, Sternberg ou Csikszentmihalyi,

compreendendo que as causas dos talentos tenham profundas relações com interações

biológicas, sociais e históricas, relativas aos sujeitos, seus grupos sociais e período histórico em

que vivem. Assim, trazendo professores e escolas para o centro do desenvolvimento dos

talentos. O número de casos de participantes, que dizem já ter feito algum tipo de

encaminhamento dobra, atingindo 40% dos que indicam tal concepção par as AH/SD.

Mas as relações entre concepções de origens e disposição para a indicação não terminam

aqui. Cruzamos as respostas dos indivíduos, conforme suas concepções de AH/SD e seu

surgimento, com os dados relativos a pergunta sobre terem algum aluno alto-habilidoso, em

2015, ano da pesquisa, novamente, os resultados são reveladores:

Figura 60. Figura 61.

6; 40%

9; 60%

Entre quem defende a origem das AH/SD, como resultado da interação BIOLÓGICA/SOCIAL/HISTÓRICA, quantos já encaminharam alunos à avaliação para identificação?

Sim

Não

5; 16%

26; 84%

TALENTO com origem GENÉTICA Atualmente, existe algum aluno

que você tenha contato que possa ter AH/SD?

SIM

NÃO5; 33%

10; 67%

TALENTO com origem BIOLÓGICO/SOCIAL/HISTÓRICO Atualmente, existe algum aluno

que voce tenha contato que possa ter AH/SD?

SIM

NÃO

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319

Os efeitos das concepções sobre a invisibilidade são visíveis, não apenas na disposição

para a indicação para avaliação formal de AH/SD, mas, também, no refinamento do olhar capaz

de desconfiar, observar e avaliar o talento. Tais efeitos podem ser verificados, nos gráficos

acima, quando a depender da concepção sobre as AH/SD, o percentual de indicações de alto-

habilidosos reconhecidos, entre os alunos dos participantes, simplesmente, dobra.

Convictos da capacidade docente, em observar e descrever seus alunos alto-habilidosos,

mesmo quando dizem nunca ter atuado com estes, verificando a relação entre concepções

teóricas de educação e, assim, explicação para aprendizado, sucesso e fracasso e a maior ou

menor disposição para a invisibilidade, tendo confirmado a invisibilidade das AH/SD, na

realidade docente, buscamos entender como a invisibilidade apresentava-se aos participantes,

de um modo um pouco mais preciso. Desta forma, tentamos verificar como o tema apresentava-

se aos participantes, para além de suas relações como docentes.

Figura 62. Figura 63.

Decidimos perguntar, se os participantes identificavam alto-habilidosos entre seus filhos

e/ou parentes, como forma de comparar a invisibilidade das AH/SD, em grupos mais próximos

dos docentes que seus alunos.

Ainda que o número de indicações para alto-habilidosos, entre os alunos, seja o dobro

da apontada, quando devem responder sobre terem filhos talentosos, devemos considerar que,

com média de atuação, de mais de 10 anos, os docentes tiveram, em média, centenas de alunos,

para que, apenas 40% diga já ter, em algum momento, atuado com alto-habilidosos. Em

contrapartida, em um universo bem menos numeroso, suas famílias, temos 1, em casa 5

professores dizendo ter parentes superdotados, fato que deve nos chamar a atenção:

72; 61%

46; 39%

Já teve algum aluno com AH/SD, ao longo da carreira?

NUNCATEVE ALUNOAH/SD

TEVE EMALGUMMOMENTOALUNOAH/SD

24; 20%

94; 80%

Você tem filho ou algum parente que seja superdotado/altas

habilidades, ou que você suspeite ser?

SIM

NÃO

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320

Figura 64. Figura 65.

Quando precisa olhar para seu próprio grupo social, os docentes demonstram o mesmo

quadro verificado, durante as formações presenciais, de que as AH/SD, entre seu núcleo mais

próximo, não chega a ser uma novidade, com 36% dos participantes indicando que possuem

amigos ou filhos de amigos que são superdotados, podemos constatar que parte do grupo de

professores têm filhos, parentes próximos e amigos com AH/SD, conseguindo reconhecê-los,

com certa facilidade, bem como, os indicar, fato que demonstra que a invisibilidade, ainda que

poderosa, não é total e os profissionais são obrigados a refletir sobre o tema, ao deparar com o

mesmo, em suas próprias vidas privadas, levando-nos a pensar no papel que o capital cultural

teria, na maior facilidade dos trabalhadores da educação, em indicar alto-habilidosos entre os

membros de seus grupos sociais, que entre seus alunos.

Há dados preocupantes e sintomáticos sobre o tema; quando questionados sobre eles

próprios (docentes), terem algum tipo de alta-habilidade, os participantes, entre estes sujeitos,

alguns claramente, com habilidades acima da média e capacidades reconhecidas, por seus pares

profissionais, em geral, preferiram a recomendada “humildade” e responderam, em peso, que

ainda que pais e amigos digam que lhes consideram alto-habilidosos, eles próprios refutavam

tal ideia, considerando-se sujeitos normais, por mais destacados que sejam seus feitos

acadêmicos e reconhecimento social, afirmam, exatamente, o oposto. Deste modo, podemos

pensar nas reais oportunidades que um jovem talentoso, tem de ser reconhecido e estimulado

como AH/SD e ter seu direito a atendimento especializado garantido, quando o próprio sujeito

alto-habilidoso, responsável pela docência, prefere “esconder” seus potenciais ou, então, teve

seu talento negado, passando a acreditar nesta suposta normalidade, que torna improvável

enxergar, entre seus alunos, sobretudo, alunos de bairros periféricos e famílias pobres, sem

estudo, as altas habilidades. O gráfico a seguir apresenta-nos a situação descrita:

36

82

Você tem algum amigo ou conhecido superdotado/altas

habilidades, ou que tenha filhos e/ou parentes

superdotados/altas habilidades?

SIM

NÃO

30; 25%

86; 73%

2; 2%

Seus pais e colegas de classe achavam-no superdotado/altas habilidades ou acima da média?

SIM

NÃO

BRANCO

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321

Figura 66. Figura 67.

Outro contexto em que, novamente, a invisibilidade apresenta-se para pelo menos 3/4

dos participantes, ocorre, quando precisam lembrar de colegas de sala superdotados/alto-

habilidosos, nos seus tempos de estudantes, independentemente, da modalidade de ensino.

Neste caso, 25% dos participantes relataram casos de AH/SD, em sala de aula, nos tempos de

estudantes, E, 75% dos participantes, apesar de, permanecerem, quase duas décadas em bancos

escolares, em meio a centenas e milhares de estudantes, podendo citar, desde colegas dos

tempos da educação infantil até colegas da universidade e cursos de pós-graduação, disseram

não ter conhecido tais indivíduos, mostrando que a invisibilidade é mais complexa e poderosa,

do que simplesmente estar preparado, formalmente, para lidar com o tema.

Um fator que vale consideração é a constatação de que mesmo com a minoria dos

educadores conseguindo identificar alto-habilidosos entre seus alunos, amigos, filhos, colegas

de turma, parentes. Quando isso ocorre, as experiências são marcantes e podem ser verificadas,

nos relatos repletos de detalhes e, por vezes, situações de sofrimento, que selecionamos e

apresentamos a seguir:

O filho de um secretário de escola. Possui uma grande capacidade de reter

informações e desenvolver competências ligadas às múltiplas áreas do

conhecimento.Quando criança eu poderia ter potencial para ser, tendo em vista que

aprendi a ler e escrever de três para quatro anos, já fazia qualquer tipo de operações

matemáticas e memorizava facilmente informações. Mas, não tive qualquer

acompanhamento, então tive um percurso como qualquer aluno regular. Na primeira

série, por exemplo, foi praticamente um ano perdido. Pois a professora utilizava a

cartilha e eu já lia há muitos anos textos complexos. Prof.10

No primeiro caso, o indivíduo que era excelente em matemática, aprendeu a tocar o

violão sozinho, apenas assistindo aulas pela internet , tornou-se compositor e passou

a tocar outros instrumentos de corda, td sem aulas com professores. Depois começou

a escrever poemas e poesias, e por fim começou a pintar em tela, sendo elogiado pelos

professores, pois nunca havia exercitado tal prática, misturas como tons exatos de

cores e sombras faz sem instrução dos mestres. No segundo caso, volto ao exemplo

do estudante que foi para o Japão, voltou de lá casado, teve dois filhos que são

9; 8%

106; 90%

3; 2%

Você considera que seja superdotado/altas habilidades?

SIM

NÃO

BRANCO

0; 0%

27; 23%

91; 77%

Nos seus tempos de aluno, você estudou com alguém

superdotado/altas habilidades?

SIM

NÃO

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322

Campeões em xadrez, no Brasil. No caso, os filhos só tem, se não me engano, 9 e 7

anos. Prof. 44

Não só eu mas outras pessoas desconfiam que minha filha possa ser superdotada. Fico

bastante confusa com relação a esta desconfiança, uma vez que, não consigo ter a

segurança de que se trata de superdotação ou apenas de uma criança muito estimulada.

Prof.118

O primeiro caso que suspeito é do meu irmão mais velho. Apresenta conhecimentos

acima da média em diferentes áreas. Muita facilidade no armazenamento e

recuperação de informações. Destaca-se especialmente nos conhecimentos sobre

eletrônica Em contrapartida, apresenta muita dificuldade nas relações pessoais. O

outro caso do qual tenho suspeita é um amigo, professor de História e Coordenador

Pedagógico. Este amigo apresenta conhecimentos muito acima da média das pessoas

com a mesma formação/ profissão. Consegue com grande habilidade apreender os

conhecimentos que ainda não possui. Prof.96

Eu era uma dessas alunas com altas habilidades e nunca recebi nenhum estimulo por

perguntar muito, recebia muitas críticas e desprezo dos professores, que achavam que

eu estava atrapalhando as aulas. Prof.62

Os relatos indicam amigos, colegas de trabalho, ex-alunos e, por vezes, os próprios

participantes como potenciais casos de AH/SD, tendo, em comum, as histórias de talentos

profundos que chamavam a atenção; a associação à funções psíquicas superiores bastante

desenvolvidas, como: memória e capacidade em manter a atenção ou estabelecer relações entre

informações, ou entre características objetivas de precocidade, como: leitura em idade tenra;

capacidade de cálculos matemáticos, ainda jovens; habilidades artísticas, como tocar

instrumentos ou produzir obras de arte, como pinturas e poemas, demonstrando, ainda, quede

modo simples e geral, os docentes conseguem avaliar casos que merecem suspeitas, quanto às

AH/SD e que tais casos chamam-lhes a atenção, pela riqueza de detalhes.

Durante o trabalho com os questionários, levantamos juntos aos participantes, a

ocorrência ou não de alguns dos chamados mitos da superdotação. O trabalho com estas

perguntas indica a ocorrência de algumas das representações sociais descritas nos mitos, entre

os educadores, mas, seus caminhos e influência precisam de atenção na análise, para que não

acabemos incorrendo em simplificações apressadas, sobre as concepções docentes e sua relação

com a invisibilidade. Os gráficos, a seguir, são a tabulação das respostas dos docentes às

perguntas referentes a tais concepções, respondidas por meio de questões fechadas, em que

indicavam o grau de importância que atribuíam a uma determinada afirmação, que se relaciona

com alguma das principais ideias sobre o tema:

Entre as ideias que fazem parte dos “mitos sobre AH/SD” que teriam parte na

invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos, está, a de que os professores, por crenças

equivocadas ou mesmo preconceito, não considerariam necessário atendimento especial aos

AH/SD, tal concepção não encontrou apoio entre os educadores e, em oposição, estes são quase

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323

unânimes na defesa da necessidade de atenção especial e cuidados com aqueles que apresentem

maior potencial ou capacidades.

Figura 68.

Outro mito, supostamente, presente entre os educadores, seria aquele que diz que os

profissionais da educação deixariam de atender os estudantes, com AH/SD, por considerarem

que estes não devam fazer parte do público da Educação Especial, entre outros motivos, por se

tratarem de pessoas privilegiadas com maior potencial.

Pelo menos entre os educadores que participaram de nossa pesquisa, durante entrevistas,

formações presenciais, questionários presenciais e questionário virtual, entre mais de 300

docentes e gestores, das mais variadas modalidades de educação e perfis, esta não foi uma

perspectiva verificada, de modo consistente, em nenhum momento. O gráfico anterior mostra

tal perspectiva, claramente, quando 60% dos participantes concordam com a ideia de que as

AH/SD devam ser atendidas pelo serviço de Educação Especial. Destacamos para o fato de que

outros 23% concordam, moderadamente, com a afirmação. Neste momento, destacamos que,

por vezes, alguns professores nos questionaram sobre a capacidade dos serviços de Educação

Especial em atender, efetivamente, os alto-habilidosos, pois, sem estrutura e formação

especifica, envolvidos na grande quantidade de casos de jovens com deficiências que precisam

ser atendidos, torna-se improvável que tais sujeitos, realmente, sejam atendidos em suas

necessidades, fora o fato de que a depender das habilidades do estudante, por exemplo, interesse

por matemática e nível de conhecimento do aluno, o professor da sala de recursos teria pouca

condição de atendê-lo, por desconhecer a área. Tais ideias indicam uma perspectiva, realmente,

pertinente de preocupação e aponta que mais que resistir ao atendimento em AEE, os docentes

reconhecem sua importância e preocupam-se com o modo de melhor realizar tal atendimento.

1928

72

0

20

40

60

80

Discordo-1,2 Intermediario: 3 concordo- 4,5

O que você acha dos alunos superdotados serem atendidos pela Educação Especial?

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324

A preocupação com o atendimento, na Educação Especial, aos alunos alto-habilidosos,

pode ser verificada, na forma como alguns professores responderam a questão e que

apresentamos a seguir, para termos ideia das perspectivas docentes:

Toda criança precisa e tem direito de ser atendida em sua especificidade e ter

oportunidades de desenvolvimento pleno de suas capacidades intelectivas,

emocionais, psíquicas, motoras e físicas. Prof.25

Acredito que todos os alunos têm necessidade de atendimento de acordo com seu

perfil e necessidades. No caso de alunos com altas habilidades há necessidade de um

atendimentoque seja adequado e compatível com suas necessidades de aprendizagem

e desenvolvimento pessoal/social.Assim como, todos os alunos precisam ter na escola

oportunidade de aprender e desenvolver suas habilidades, mesmo que não sejam altas,

sejam esportivas, musicais, artísticas, sociais, intelectuais, práticas.... Prof.46

Outra ideia recorrente entre os mitos seria a de que, entre os profissionais da educação,

exista um imaginário disseminado de que os pais dos estudantes alto-habilidosos, não deveriam

ser informados sobre a condição e talento dos filhos. Tal posição buscava evitar que as crianças

fossem pressionadas e sobrecarregadas com cobranças, que lhes poderiam fazer desistir de seus

talentos. O outro motivo para que se evitasse a informação aos pais, seria evitar que se

constituísse, entre alunos e famílias, posições arrogantes que fizessem crianças pequenas e

imaturas se considerarem melhores que os demais estudantes, ou que pais ciosos dos talentos

dos filhos criassem problemas com os professores e/ou destratassem crianças ditas normais.

Entretanto, verifiquemos como nos respondem os educadores:

Figura 69.

O gráfico com as respostas dos educadores não deixa dúvidas, nada menos que 104

participantes, entre os 118 totais ou 87% dos participantes, relataram que consideram que alto-

habilidosos e suas famílias devem ser informados sobre suas condições e, que tal posição tenta

garantir o direito destes indivíduos, possibilitando-lhes chances de pleno desenvolvimento,

indicando que, ainda que sem formação especifica, os professores, obviamente, sabem da

SIM NÃO BRANCO

Série1 104 9 5

0

20

40

60

80

100

120

Você acha que os alunos identificados como superdotados/altas habilidades,

bem como seus pais, deveriam ser informados da superdotação?

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325

importância de que os talentos sejam informados sobre seus potenciais, até como forma de lhes

estimular o esforço e desenvolvimento de suas capacidades, mas sobretudo, como forma de

fazer pessoas que, muitas vezes encontram-se em condição de sofrimento, entender sua

condição. Tais perspectivas ficam evidentes, nas respostas dos docentes sobre a informação ou

não das altas habilidades/superdotação.

Sim. A não identificação, a meu ver, gera o desinteresse e até a aversão à escola. Um

aluno superdotado pode, inclusive, ser ridicularizado e marginalizado por colegas.

Prof.100

Sim. Gostaria inclusive de ter mais conhecimentos que me possibilitassem não

somente reconhecer esses alunos, como também fazer um bom trabalho com eles.

Prof.86

Sim. Para que eles possam ser atendidos em suas necessidades, de acordo com os

talentos que possuem.Logo, a escola deve ter um olhar direcionado para identificar

alunos com altas habilidades,pois alguns alunos com altas habilidades podem ter sua

identificação prejudicada. Prof.51

Claro! Se você identifica um superdotado, poderá ajudá-lo a lidar com as dificuldades

e encaminhar o desenvolvimento de suas habilidades, comunicar à família. Prof.35

A constatação de que o mito de que os alto-habilidosos não devessem ser informados

sobre sua condição, nem devessem receber atendimento da Educação Especial, não tinha

qualquer influência entre os participantes do questionário virtual, sendo verificado também, nos

questionários presenciais e nas formações desenvolvidas com os educadores sobre AH/SD.

Cabe destacar, que alguns professores apresentaram a preocupação descrita, nos mitos, sobre o

tema relativo ao desenvolvimento de rótulos e comportamentos que gerassem problemas aos

estudantes, como os casos que apresentamos a seguir:

Creio que os pais devam ser informados para saberem como lidar melhor com

situações cotidianas, mas penso que dependendo do aluno ter consciência desta

informação pode ser extremamente nocivo se questões egocêntricas não estiverem

bem resolvidas. Prof.119

Tenho reservas quanto ao uso de tais termos junto a pais e alunos. Devem ser usados,

especialmente, no sentido de que este aluno seja melhor compreendido em suas

especificidades, nos casos em que esteja sendo visto como "doido", excêntrico etc.

Para não confundir as coisas, colocando o aluno em segundo lugar, talvez eu colocaria

que tal aluno demonstra "grande satisfação e prazer na realização de determinada(s)

atividade(s)"... Prof.110

Acho, que é preciso avaliar com muito cuidado, porque o excesso de elogios por parte

dos professores ou pais, podem agir de forma negativa a criança pode começar a achar

que é melhor que as outras, penso que devemos ter o mesmo cuidado que temos ao

informar uma mãe que seu filho é autista.As pessoas não sabem lidar bem com as

novidades, é preciso ajudar estes pais a lidarem com os filhos. Prof.62

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326

Na sequência, buscando confirmar ocorrência dos mitos, entre os educadores da rede

pesquisada e suas relações com a invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos, de modo a

justificar que, ao longo de sua história, a rede de ensino nunca tenha atendido, formalmente,

um único aluno com AH/SD, questionamos os docentes sobre algumas ideias que o senso

comum teria sobre o tema da pesquisa e apresentamos os resultados das tabulações das respostas

aos questionários virtuais123, nos gráficos a seguir, juntamente com suas análises.

Durante o trabalho com a bibliografia, por vezes, a ideia de que os docentes não

atentariam para casos de alunos talentosos, que não obtinham bons resultados nas avaliações

escolares, veio à tona. Deste modo, questionamos os professores sobre o papel que as notas nas

avaliações teriam, em relação aos indícios de AH/SD. Já apresentamos dados, indicando que

notas elevadas, em provas e trabalhos, estariam entre os indicadores que levariam docentes a

suspeitar de possíveis casos de talentos, sendo as notas somadas a elogios de outros docentes,

indicadores objetivos que, em alguma medida, poderiam nortear os educadores, mas será que

apenas quem obtivesse boas notas poderia ser AH/SD?

Figura 70.

Muitas vezes, quando questionados sobre temas que compõem os chamados mitos sobre

superdotação, os participantes apresentaram-se divididos, em suas opiniões. Mas se é verdade

que 26% dos educadores, ainda atribuem elevada importância às notas altas, como forma de

confirmar casos de AH/SD; 37% dos participantes indicaram que, ainda que não devam ser

desprezadas como apontadores de potenciais talentos, as notas merecem atenção cuidadosa,

tendo importância intermediária, na confirmação das habilidades. Finalmente, outros 37% dos

participantes responderam que as notas têm pouca importância, na relação com as AH/SD,

mostrando que mais de 70% dos participantes são capazes de considerar, criticamente, o papel

das notas na constituição, confirmação dos talentos. Deste modo, alunos com resultados ruins,

123 Destacamos que as planilhas em Excel, contendo todas as respostas dos participantes, organizadas por partícipes

e possibilitando a conferência, seguem em arquivo anexo, com os documentos da pesquisa.

43; 37%

44; 37%

31; 26%

Qual a relação entre NOTAS e superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

Muito importante

Page 327: A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1789/2/Leandro da... · 2018-08-30 · defendida e aprovada em 14 de junho de 2018,

327

nas provas e avaliações, não, necessariamente, são ignorados em seu potencial. O lado positivo

desta questão é verificar que, ainda que sem formação específica na área, os educadores são

capazes de refletir sobre o tema e atentar às nuances, nos resultados importantes na detecção e

atenção aos talentos. Já o lado negativo é verificado, no fato de que se as notas, de modo isolado,

não são ao menos, majoritariamente, entendidas como indicio de AH/SD, isto explica porque

nem mesmo alunos com elevado rendimento e resultados de sucesso, chegam a chamar a

atenção dos educadores e conseguem receber algum tipo de atendimento especial. Passemos ao

próximo item:

Figura 71.

Quando pesquisamos a concepção de “bons alunos”, entre professores da rede estadual

paulista, em nossa pesquisa de mestrado124, verificamos que a combinação de notas elevadas e

disciplina era critério hegemônico, na forma como os professores pensavam em um aluno

considerado ideal. Neste sentido, buscamos verificar como esta combinação relacionava-se com

as representações docentes sobre AH/SD.

Porém, se ao tempo do mestrado a inteligência não figurou em quesito para a concepção

de bom-aluno, agora, no doutorado, ser “bom aluno” não figura entre os critérios para ser

considerado suspeito de altas habilidades/superdotação.

Assim, 20% dos educadores defenderam, abertamente, que superdotação tem forte

relação com disciplina, contribuindo para ideias como a de que superdotados seriam sempre

alunos disciplinados. Mas, 52% consideram a disciplina, apenas moderadamente relevante, na

constituição das AH/SDe, finalmente, 36% responderam que a disciplina não tem qualquer

importância na constituição de AH/SD, indicando que os docentes idealizam um perfil de aluno

alto-habilidoso mais aberto e crítico, que visões estereotipadas sobre os educadores podem nos

fazer supor.

124 PINHEIRO, L. “A turma da primeira carteira, o imaginário docente sobre os “bons alunos” (2007)

42; 36%

52; 44%

24; 20%

Qual a relação entre disciplina e superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

Muito importante

Page 328: A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1789/2/Leandro da... · 2018-08-30 · defendida e aprovada em 14 de junho de 2018,

328

Mas, se notas e disciplina não teriam grande relação com as AH/SD, o que,

efetivamente, teria relação com os talentos nas concepções docentes? Vejamos:

Figura 72.

Perguntamos aos docentes e gestores, quanta importância atribuíam a relação entre

AH/SD e inteligência, e demonstrando completa integração com os debates sobre o tema, mais

de 90% das respostas foi no sentido de identificar importância, ao menos moderada, entre os

conceitos, sendo que, quase 60% foram categóricos em afirmar que a relação era de muita

importância.

A confirmação de que os docentes, muitas vezes, têm concepções adequadas sobre o

tema da pesquisa, ainda que não identifiquem os alto-habilidosos, nem lhes garantam

atendimento, pode ser verificada, quando combinamos o gráfico anterior com este que vem a

seguir e pensamos nas altas habilidades/superdotação:

Figura 73.

Assim, podemos verificar que critérios objetivos, muito acertados, embasam as opiniões

docentes sobre os talentos. Se inteligência é considerada muito importante, por quase 60% dos

participantes, a capacidade de aprender rápido e com facilidade foi indicada por quase 70% dos

participantes, como elemento fundamental. Sendo que, apenas 6% dos participantes indicam

que a facilidade, no aprendizado, não tenha importância na relação com as AH/SD. Tais

10; 8%

40; 34%68; 58%

Qual a relação entre inteligência e superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

Muito importante

7; 6%

31; 26%

80; 68%

Qual a relação entre facilidade de aprendizado e superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

Muito importante

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329

respostas mostram que mais que mitos, critérios objetivos e muito pertinentes fundamentam o

olhar docente sobre os sujeitos talentosos, como: facilidade de aprendizado e inteligência. A

questão que se apresenta é relativa a explicação dos educadores para estas duas características

descritas como fundamentais, para a constituição das AH/SD. Deste modo, vamos a diante:

Figura 74.

A explicação dos talentos humanos e os diferentes potenciais, a partir da perspectiva de

dom, já foi, amplamente, debatida no corpo do trabalho, em outros momentos e, durante a

pesquisa de campo, algumas vezes pudemos verificar os docentes apoiando-se nesta ideia, para

fundamentar a existência das AH/SD. Neste momento da pesquisa, questionamos o papel do

dom, na constituição das AH/SD e as respostas dos participantes, independentemente, de perfil

formação, modalidade de ensino, foram categóricas em confirmar a concepção que atribui

grande importância aos dons, nas explicações para as capacidades humanas. Com apenas 20%

dos participantes negando a ideia de dom, os demais, 80% dos gestores e professores, atribuindo

importância grande ou moderada à noção, com destaque para o fato de que a maior parte das

respostas, 43% afirmou o dom como muito importante, nas AH/SD.

Consideramos a noção de dom fundamental para a compreensão das AH/SD, mas ela se

apresenta, ainda mais decisiva , quando analisada, combinadamente, com os dois próximos

gráficos.

Figura 75.

24; 20%

43; 37%

51; 43%

Qual o papel de um dom, na superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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330

Quando questionados, quanto à importância da genética, na constituição das AH/SD,

novamente, a ideia de talentos inatos, apresenta-se com força, entre os educadores, sendo que,

apenas, 20% dos participantes refutam tais ideias. Os demais 80% apontam que a genética tem

importância no fenômeno, com destaque para o fato de que 47% das respostas, quase metade

de nosso universo amostral, afirma que a genética é muito importante, na constituição das

AH/SD, oferecendo-nos mostras de como tais ideias apresentam-se aos educadores, como

explicação para os talentos humanos e terminam propulsionando a invisibilidade. Vale ressaltar,

o fato de que se algum mito sobre o tema foi, em alguma medida, confirmado pela nossa

pesquisa, este mito relaciona-se à genética, enquanto explicação para as capacidades humanas

e suas diferenças, em intensidade.

Figura 76.

Finalmente, questionamos o papel que uma ideia batida e há muito contestada, nos

meios educacionais e suas relações com as AH/SD, assim, perguntamos qual a relação entre

Quociente Intelectual (Q.I.) e AH/SD, confirmando nossas perspectivas, tal ideia que,

novamente, fundamenta-se na noção de inatismo, apresentou-se forte, entre as representações

dos educadores sobre o potencial intelectual humano. Com 25%, apenas, dos participantes

refutando a concepção, os demais 75% das respostas associaram o Q.I., de algum modo, às altas

habilidades/ superdotação, onde 40% afirmaram muita importância ao coeficiente intelectual,

no fenômeno.

24; 20%

39; 33%

55; 47%

Qual o papel da genética na superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

30; 25%

41; 35%

47; 40%

Qual a relação entre Q.I e superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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331

Como já destacado, anteriormente, o peso das ideias baseadas, nas ideologias das

aptidões naturais, nas concepções docentes sobre os talentos humanos, termina por naturalizar

o surgimento e desenvolvimento dos talentos e, desta forma, primeiro desconsidera o papel

fundamental das interações humanas, do acesso aos mediadores culturais, neste processo e

termina por atribuir pouca importância ao papel de escolas e docentes, no estímulo e

desenvolvimento de tais capacidades, tal fato somado a pouca formação específica, ao

monopólio exercido pelo fracasso escolar, entre as preocupações docentes, ao quase nenhum

interesse Estatal no tema, a disseminação de ideias como as de genialidade, consolidam a

invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos e reforçam, ainda mais, o fracasso escolar,

especialmente, nas escolas públicas e entre as crianças da classe trabalhadora.

Seguindo este caminho, perguntamos aos participantes, como entendiam a relação entre

questões sociais e as altas habilidades/superdotação, as respostas, seguem nos gráficos:

Figura 77.

Diante da afirmação, de parte considerável dos participantes, de que a genética e os dons

mantinham profundas relações com a constituição das AH/SD, poderíamos supor que os

fenômenos sociais apresentar-se-iam enfraquecidos, na representação dos docentes sobre a

explicação para as habilidades e talentos.

Quando questionados sobre o papel da família, nas altas habilidades/superdotação de

indivíduos, tivemos 75% dos participantes dizendo que o papel da família é muito importante,

se somarmos aqueles que, ainda atribuem papel intermediário da família, no desenvolvimento

das capacidades, chegamos a 97% dos participantes. Assim, temos o dilema entre defender as

teorias inatistas para o talento e/ou fracasso e, ainda, precisar responsabilizar os familiares pelo

sucesso ou fracasso dos estudantes. Na verdade, o dilema consiste em não poder afirmar que a

família não tenha peso no sucesso, sob risco de ficar sem discurso, no momento de culpá-la

pelo fracasso.

4; 3%

26; 22%

88; 75%

Qual é o papel da família na superdotação/altas habilidades de uma criança, adolescente?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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332

Figura 78.

Esta posição oscilante e contraditória, evidencia-se, quando 75% dos educadores

respondem que a família é muito importante, no desenvolvimento das AH/SD, mas, “apenas”,

30% dos participantes entendem que a formação dos pais seja decisiva, no despertar de talentos.

Aqui fica evidente o papel moral atribuído à família, no desenvolvimento dos filhos e, também,

a posição que, classicamente, faz educadores dissimularem o papel do capital cultural, no

desenvolvimento de habilidades escolares e obtenção de sucesso, com a conversão de capital

econômico e cultural, em potencial inato, genético etc. Deste modo, temos uma divisão

completa, entre os educadores, sobre o impacto da formação dos pais, no desenvolvimento dos

filhos e seus potenciais, com 35% defendendo que não há importância entre formação de pais

e potencial acadêmico dos filhos, outros 35% defendendo uma importância relativa e,

finalmente, os 30% que defendem que tal fator é decisivo. Considerando as respostas, podemos

supor o quão disseminado é a concepção das aptidões naturais, para explicar as AH/SD, na

sociedade como um todo, contribuindo para a naturalização da divisão social e inevitável

invisibilidade.

Figura 79.

42; 35%

41; 35%

35; 30%

Qual a importância da formação dos pais na superdotação/altas habilidades de um aluno?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

72; 61%

39; 33%

7; 6% A classe social é determinante ou influencia a superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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333

A divisão que existe sobre a importância dos pais, no desenvolvimento e surgimento

dos talentos dos filhos, desaparece, quando os docentes precisam pensar sobre a relação entre

classe social e altas habilidades/superdotação. Neste caso, 61% dos participantes responderam

que a classe social não tem importância, nas AH/SD e, apenas, 6% das respostas indicaram ser

muito preponderante a classe social, neste processo de desenvolvimento dos talentos.

Se em uma primeira vista, a resposta dos professores pode até ser considerada positiva,

ao entender a distribuição dos talentos humanos, igualmente, divididos, na sociedade,

independentemente da classe social, adotando uma postura, politicamente, correta que deixa ao

menos a possibilidade (ainda que invisível e improvável) da superdotação para os pobres,

negando o “mito de que as AH/SD seriam restritas as classes sociais abastadas”. Esta

perspectiva, no fundo, traveste o peso da classe social, assim como faz com o capital cultural,

nas ideias de genética e dom. Não negam que pobres possam ter altas habilidades, não iriam

tão longe, mas, simplesmente, não constatam estes sujeitos, como verificamos na invisibilidade,

atribuindo o talento à genética ou aos dons, indicando que nos grupos sociais a quem lecionam

tal potencial gênico não se apresenta, ou se apresenta, apenas, raramente.

Assim, temos 60% de docentes e gestores, das mais variadas formações e perfis, que

acreditam que a chance de viver com pais, altamente escolarizados ou frequentando locais, que

apenas determinada classe social tem acesso, não faz diferença sucesso intelectual, cabendo aos

pobres, além da sorte genética, do toque divino com algum dom, realizar o acompanhamento

moral de seus filhos na escola, cobrando-lhes e perscrutando a vida escolar.

Outro mito que não encontrou apelo, junto aos participantes de nossa pesquisa, foi a

ideia de que os docentes entenderiam as AH/SD, como resultado de pais dedicados e

condutores. Neste caso, 53% dos educadores disseram que a dedicação dos pais não tem

qualquer importância, no desenvolvimento dos talentos dos filhos, sendo que, apenas, 16%

afirmou que a dedicação destes é muito importante.

A contradição e o dilema dos trabalhadores da educação, diante do sucesso e,

consequentemente, do fracasso, apresenta-se, quando precisam pensar no papel da dedicação e

dos estudos, na constituição dos talentos.

Seguindo um caminho previsível, a maioria dos educadores, 55% indicam que estudar

com afinco e dedicação, tem papel decisivo, no desenvolvimento das AH/SD e 17%, dos

professores e gestores, afirmam que estudo e dedicação não tem qualquer importância, na

questão dos talentos.

Tal concepção poderia ser positiva, ao indicar que os docentes entendem o papel de

fenômenos sociais e históricos, no processo de produção dos talentos e reconhecem que a

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334

dedicação e estudo intenso podem produzir capacidades muito desenvolvidas. Mas, tal

concepção só faria sentido, se antes, não tivéssemos provas tão firmes da crença, nas aptidões

naturais, na defesa da pouca importância da formação dos pais, que conduziriam tais estudos,

no desenvolvimento dos talentos etc.

Estamos diante do que parece uma contradição, mas que no fundo, é postura inerente ao

trabalho docente, tendo sido descrita por Bourdieu (1992). O professor, como relatou, tende a

acreditar, em alguma medida, nos dons e nos talentos inatos, especialmente, no tocante aos

talentos, porém, não pode fazer uma defesa da ineficácia e inutilidade dos estudos e dedicação,

precisando até para sobreviver como trabalhador, defender a ideologia da meritocracia. Assim,

teremos como nos gráficos a seguir, defesas fervorosas do papel dos estudos, da dedicação, da

escola e dos professores, no desenvolvimento das altas habilidades/superdotação, ainda que a

maioria acredite, em alguma proporção, na genética e nos dons, como explicação para as

AH/SD. O resultado, como já o dissemos, é, em boa parte, a invisibilidade:

Figura 80.

Neste sentido, o gráfico acima descreve, com bastante propriedade, o que havíamos

indicado, apontando professores que acreditam que a formação e dedicação dos pais tenha

pouca interferência, no desenvolvimento dos talentos, que defendem que a genética e os dons

seriam os verdadeiros responsáveis pelas AH/SD, acreditando, no potencial da escola, em

desenvolver os talentos humanos e produzir, no limite, pessoas alto-habilidosas.

Tal perspectiva seria muito positiva, ao estar em acordo com o que preconiza a

bibliografia específica que defende o papel da escola, na identificação e atendimento aos alto-

habilidosos, como apoio, enriquecimento curricular, aceleração, etc. A posição de valorizar a

escola, como fundamental, no desenvolvimento dos talentos, também, é positiva, ao estar em

acordo com aqueles que defendem os potenciais humanos, como fruto da interação histórica-

social e de uma soma de oportunidades e condicionantes, denotando a escola como mediadora

16; 13%

28; 24%74; 63%

Qual a importância da escola, no surgimento e desenvolvimento da superdotação/altas habilidades?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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335

cultural, fundamental, para a formação, sobretudo, da classe que não dispõe de capital cultural

e econômico, para legar aos seus filhos “naturalmente” no seio do lar. Tal perspectiva que

valoriza a escola, poderia ser um bálsamo, no combate à invisibilidade.

Mas, tal perspectiva não se confirma, na realidade, primeiro, no desinteresse do Estado

no tema; segundo, na forma como os docentes são monopolizados pelo fracasso e, finalmente,

pelo fato de que os mesmos educadores que defendem o papel fundamental da escola, no

desenvolvimento das AH/SD, são os que relatam os casos de invisibilidade e indicam, em boa

quantidade, jamais ter observado um único aluno superdotado, entre os seus estudantes, mas

sigamos:

Figura 81.

Finalmente, chegamos na importância dos professores, no desenvolvimento dos

talentos e das AH/SD. Novamente, temos a contradição entre a posição óbvia de considerar

muito importante a figura dos professores, no desenvolvimento dos talentos. Especialmente, a

figura de um professor, que estimule o interesse por uma determinada área, que indique leituras

e livros, que apoie e oriente o caminho rumo ao desenvolvimento do potencial. E a crença

descrita anteriormente na primazia dos dons e da genética no surgimento das AH/SD.

Assim, quase 80% dos participantes relatam que os docentes são fundamentais, no

desenvolvimento do talento, indicando que sabem de seu papel, enxergando-se como parte do

processo. Por outro lado, não conseguem romper com a invisibilidade, não conseguem

identificar e atender seus alunos e, terminam defendendo que os alunos para quem lecionam,

quando apresentam talentos, sejam fruto da genética e mesmo de dons. Mas, como verificamos,

nas formações presenciais com docentes, dificilmente, um professor, por mais evidente que

certas vezes isso seja, defende seu papel, na constituição das habilidades de um determinado

jovem. Tal posição tem no fim das contas papel decisivo, na constituição da invisibilidade.

8; 7%

17; 14%

93; 79%

Qual a importância dos professores ou de um professor, em especial, na superdotação/altas habilidades dos alunos?

SEM IMPORTANCIA

INTERMEDIARIA

MUITO IMPORTANTE

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336

Verificadas as concepções docentes sobre o grupo ideias sobre as AH/SD, questionamos

os docentes sobre a avaliação que tinham sobre o tempo e atenção dedicados aos estudantes,

com melhores resultados, nas suas turmas e que pudessem, eventualmente, ser crianças e jovens

superdotados.

Figura 82.

Como o gráfico demonstra, os docentes tem clareza da pouca atenção dedicada aos

alunos, que obtém algum tipo de destaque, indicando um comportamento que verificamos,

muitas vezes, ao longo da pesquisa, que é o fato dos professores ressentirem-se da pouca

atenção que conseguem dedicar aos seus “melhores” alunos, pois são monopolizados pelos

problemas com a indisciplina e dificuldades de aprendizado, fatos que contribuem para o

agravamento da invisibilidade, e podem ser verificados, nos relatos dos docentes:

Não... no máximo lanço propostas mais desafiadoras, em projetos coloco a frente das

pesquisas, engajo nas brincadeiras e nunca o faço de modelo pra nada, procurando

incluir. Mas, acredito que é pouco! Deve ter mais! Prof.14

Infelizmente não, é muito difícil diante do número de alunos para darmos atenção.

Prof.28

Não, e me ressinto por causa disso. Este ano tive um garoto na turma com tais

habilidades, interessadíssimo e antenado no mundo marinho e animal. Mas como

precisava dividir a minha atenção com os demais, medianos ou não, percebi que não

o ajudava a desenvolver todas as suas potencialidades. Espero que chegue o dia, em

que ele ou outro com suas habilidades, estudem numa sala que estimule todas as suas

potencialidades! Prof.45

Não. Como disse alguma pergunta anterior, a rotina da sala de aula não colabora com

o aluno com altas habilidades. São tantos alunos com defasagem conhecimento/série

que perde-se mais tempo acertando um tempo de estudo do que avançando em direção

às series posteriores. E neste movimento, quem perde são os alunos com altas

habilidades. Quantas vezes pensei em elaborar exercícios extra para esses alunos e no

final, acabava elaborando lições para acertar a defasagem dos demais. Prof.92

Não, pois trabalho na educação infantil com a classe cheia (25 crianças de 4 anos), é

claro que alguns despontam e eu os reconheço, mas infelizmente muitas vezes

acabamos deixando passar. Prof.91

As respostas dos professores explicitam esta sensação de cobrança, por não oferecerem

a devida atenção aos estudantes, que se destacam e, questões como falta de estrutura, salas

20; 17%

80; 68%

18; 15%

Você considera que consegue dar a devida atenção aos seus melhores alunos?

SIM

NÃO

Em parte

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337

superlotadas, problemas de aprendizado, surgem nas respostas dos docentes e podem ser melhor

verificadas, quando tabulamos as respostas sobre os motivos da pouca atenção.

Figura 83.

Como o gráfico não deixa dúvidas, a maioria dos professores entende que não dedica a

atenção adequada aos talentos e os motivos para tal situação são, majoritariamente, o foco do

trabalho educativo, nas dificuldades de aprendizado e a falta de estrutura de trabalho, bem como

quantidade de alunos em sala de aula.

Os professores indicam, em suas respostas, que não só reconhecem que a atenção

dedicada aos estudantes, com AH/SD, é insuficiente, como indicam avaliar que a experiência

escolar destes estudantes, tende a ser de sofrimento, desestímulo e cercada de imensas

dificuldades, mostrando como a invisibilidade, além de impedir o pleno desenvolvimento dos

indivíduos, reforça o fracasso escolar, produz efeitos deletérios, na sociedade ao “desperdiçar”

talentos, e ainda é responsável pelo sofrimento de milhares de estudantes, todos os dias, na

educação brasileira: Vejamos o que dizem os docentes, quando questionados sobre como

imaginam que seja a vida escolar dos alto-habilidosos:

Hoje em dia deve ser difícil, cruel...pode até ser traumatizante. Fico me questionando

agora se não deixei de perceber alguns destes alunos ao longo dos anos, pelos motivos

acima mencionados. Creio que muitos devem se sentir invisíveis e é essa minha

percepção, por exemplo, em relação à escola onde trabalho, de modo geral. O foco

maior é sempre dos alunos de inclusão e dos indisciplinados, além de casos

judiciais.Prof.05

Invisível.Um olhar mais atento ao tema me faz pensar que, se os alunos não forem

acolhidos em suas especificidades, neste caso, nas necessidades, motivações e

validações que todo ser precisa para se afirmar em suas capacidades, ele acaba por

não reconhecê-las e o contexto somado as demandas sociais impostas pelo cotidiano

aprisiona esta potencialidade, até que se esvaia no contexto. Prof.25

Nas escolas públicas bastante difícil tendo em vista o estereótipo do aluno da rede

pública. Suspeito que exista uma relação muito intrínseca entre classe social, esse

tema das altas habilidades e nível cultural, excluindo ou minimizando o acesso de

crianças com altas habilidades que são de periferia a espaços e a programas de

estímulo e desenvolvimento dessas habilidades. Mais importante do que enxergar

essas altas habilidades numa perspectiva de lucro e exploração capitalista, é, a meu

29 30

1 1 2 3 5 10

10

20

30

40

Não, foco da

atenção nas

dificuldades

Não, sala

lotadas e falta

de condições de

trabalho

Não, falha de

observação

Não, tenho

ações

superficiais

nesta

area/alunos

Não, falta

preparo e

formação

Em parte,

aprendem

sozinhos

SIM, Procuro

subsidiar os

alunos com

maior potencial

SIM, Estudo os

casos e solicito

AEE adequado

Os motivos da pouca atenção às AH/SD

Page 338: A (IN)VISIBILIDADE DOS ESTUDANTES ALTO- HABILIDOSOS E A …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1789/2/Leandro da... · 2018-08-30 · defendida e aprovada em 14 de junho de 2018,

338

ver, perceber que as ações voltadas para essa temática têm a ver com ajudar quem

possui altas habilidades a lidar com elas e, com isso, consigo mesmo. Prof.15

Como possibilidades para a superação da invisibilidade, foram citadas soluções

clássicas, entre os educadores, quando se fala em melhoria na qualidade da educação, com o

trio: estrutura das escolas, turmas menores e formação, sendo indicada como caminho para que

a invisibilidade fosse superada. Apresentamos as respostas dos docentes, nos gráficos a seguir,

onde 77% dos professores indicam que uma medida simples, como reduzir o número de alunos,

em sala de aula, já faria grande efeito, no processo de observação dos estudantes talentosos. Na

sequência, 88% dos professores descrevem a importância de terem formação, na área, que lhes

instrumentalize para a identificação e trabalho com os alto-habilidosos, indicando que a falta

de formação docente apontada pela bibliografia especializada, é confirmada pelos participantes,

sendo que estes têm consciência de seus parcos conhecimentos, na área, indicando não existir

qualquer tipo de resistência e/ou preconceito dos professores, quando as AH/SD.

Figura 84.

Finalmente, a estrutura física da escola é apontada como ineficiente e incapaz de

possibilitar efetivo atendimento aos alunos, como um todo, e aos alto-habilidosos, em especial,

os estudantes que demandariam da estrutura da escola, como: bibliotecas, laboratórios, estrutura

de tecnologia, quadras poliesportivas, possibilidade de saídas de campo, são aqueles que mais

serão penalizados pela estrutura decadente, das escolas brasileiras, na rede pública. A

invisibilidade fica confirmada, nas exposições dos professores, quanto há capacidade estrutural

das escolas públicas, em atender os alunos talentosos.

Não! pelo contrário. Em geral, os profissionais do Suporte Pedagógico - com algumas

felizes exceções -, também devido à precariedade de suas condições de trabalho, têm

feito todos os esforços para não se envolverem em nada além do trivial - que, diga-se

de passagem, já consome todas as suas energias.prof.110

91; 77%

24; 20%

3; 3%

Caso as turmas fossem menores, teríamos mais alunos superdotados/altas habilidades e melhores condições de atendê-

los?

SIM

NÃO

BRANCO

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339

Não, nenhuma. Salas de aula precárias, sistema de grade de horário que determina os

tempos de cada disciplina e espaços dentro da escola, e um currículo discutível.

Pouquíssimo acesso a atividades extraclasse e extra curriculares; falta de uma

biblioteca atualizada, com livros clássicos, modernos, jornais e revistas,. Falta de

internet na escola e um data-show por sala de aula. Essa deveria ser a estrutura mínima

de uma escola para desenvolver habilidades em qualquer aluno e destacar mais os com

altas habilidades. Prof.92

Acredito que não, pois já não atende como deveria os alunos com dificuldades de

aprendizagem, mesmo que a atenção dispensada sobre esses alunos seja maior.

Prof.63

Como finalização das pesquisas, após serem levantadas várias questões sobre as altas

habilidades/superdotação com os participantes, questionamos, diretamente, sobre a

invisibilidade e suas razões.

Cabe antes de tudo destacar, que os docentes e gestores foram perguntados sobre os

motivos da invisibilidade das AH/SD, em três questões distintas; na primeira questão a pergunta

foi feita de modo fechado e, assim, os participantes deviam escolher suas justificativas para a

invisibilidade, a partir de uma lista fechada de opções indicadas pelo pesquisador. Na segunda

questão, os participantes refletiram sobre a invisibilidade, de modo aberto, puderam escrever,

livremente, suas ideias e perspectivas para explicá-la e, finalmente, os gestores e professores

responderam a uma questão aberta específica sobre a invisibilidade maior das mulheres, quando

comparadas com o número de estudantes, do sexo masculino, indicados e atendidos.

As respostas dos participantes sobre os motivos da invisibilidade, são divididas, em três

grandes grupos; o primeiro grupo é composto pelas alternativas, que receberam menos de 20

indicações; o segundo grupo contém as alternativas que foram lembradas, entre 20 e 50 vezes,

pelos participantes e, finalmente, o terceiro grupo é composto por aquelas opções de resposta

que foram citadas mais de 50 vezes.

No primeiro grupo, aquele com alternativas menos lembradas, estão as alternativas que

continham mitos e estereótipos sobre as AH/SD e os estudantes da rede pública. Tal grupo de

respostas eram compostas pelas seguintes opções: 1- Como os alunos superdotados aprendem

facilmente, não penso que devam ser identificados; 2- Superdotados são casos raríssimos e,

assim, pouco frequentes nas escolas; 3- A falta de interesse e dedicação dos alunos faz com

que tenhamos raros casos de superdotação/altas habilidades; 4- Como pais têm pouco estudo

na nossa cidade, a herança genética acaba sendo preponderante; 5- Não temos alunos

superdotados/altas habilidades, na rede pública de ensino, apenas na rede privada.

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340

Figura 85.

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341

O segundo grupo de alternativas indicadas pelos participantes, como causas da

invisibilidade das AH/SD, é composto por quatro explicações, que foram indicadas entre 20

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

quantidade

30

70

8485

26

29

31

4

8

14

30

76

4

77

No Brasil, poucos alunos são identificados como superdotados/altas

habilidades, na rede pública de ensino. Marque as 5(cinco) principais razões

para que isto ocorra, segundo sua avaliação:

Com tantos casos de fracasso escolar e

alunos com dificuldade, não nos sobra

tempo para olhar quem se destaca.

Não possibilitamos momentos, em que

os alunos possam demonstrar seus

talentos.

 Todos os papéis da escola e cobranças

são voltados aos alunos que não

aprendem e não aos superdotados/ altas

habilidades. A escola massificada impede um olhar,

que reconheça os talentos dos alunos

 Como nossas escolas não são

qualificadas positivamente, os alunos

superdotados não se destacam.

Falta de apoio e incentivo das famílias

prejudicam os superdotados

 Como trabalhamos com alunos oriundos

de classes economicamente

desfavorecidas, poucos são

superdotados/ altas habilidades. Não temos alunos superdotados/altas

habilidades, na rede pública de ensino,

apenas na rede privada.

 Como pais têm pouco estudo na nossa

cidade, a herança genética acaba sendo

preponderante.

A falta de interesse e dedicação dos

alunos faz com que tenhamos raros casos

de superdotação/altas habilidades.

Superdotados são casos raríssimos e

assim, pouco frequentes nas escolas.

 Não tenho formação para reconhecer e

indicar os superdotados

Turmas numerosas e jornadas longas

dificultam a observação do docente

 Como os alunos superdotados aprendem

facilmente, não penso que devam ser

identificados.

 Falta serviço especializado para realizar

tal identificação

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342

e 50 vezes pelos participantes. Este grupo contém as seguintes alternativas:1- Com tantos

casos de fracasso escolar e alunos com dificuldade, não nos sobra tempo para olhar quem

se destaca; 2-Como nossas escolas não são qualificadas, positivamente, os alunos

superdotados não se destacam; 3-Falta de apoio e incentivo das famílias prejudicam os

superdotados; 4- Não tenho formação para reconhecer e indicar os superdotados.

Neste grupo de explicações, a primeira a ser destacada é a em que os participantes

relacionam sua falta de formação sobre AH/SD, como razão para a invisibilidade e, desta

forma, em consonância com a bibliografia especializada sobre a temática da pesquisa.

Na sequência, uma explicação para a ausência de indicações é interessante, pois segue

o mesmo raciocínio utilizado para a explicação do fracasso escolar, indicando, de forma

bastante direta, como parte considerável dos profissionais da educação avaliam as famílias

proletárias, demonstrando, objetivamente, como as teorias que relacionam AH/SD e noções

como genética e hereditariedade, indicam a forma como as famílias pobres sofrem, com

visões preconceituosas. Neste sentido, tivemos a opção para a explicação da invisibilidade, a

partir da ideia de que, a falta de apoio das famílias prejudica os alto-habilidosos e impede o

seu reconhecimento, sendo, enfim, responsável pelo reduzido número de estudantes

superdotados identificados. Este caminho, que imputa a responsabilidade da invisibilidade,

como culpa das famílias dos alunos, é similar a explicação que culpa os familiares pelo

fracasso dos filhos.

As duas últimas opções citadas, nas respostas, por cerca de 30 participantes, cada uma,

estão relacionadas à noção de fracasso escolar; primeiro, a qualidade da escola pública é

indicada como impeditivo, para que os alunos se destaquem e, na sequência, o número

elevado de alunos com dificuldades, o que impede o docente de atender aos alto-habilidosos.

Desta perspectiva, verificamos como o fracasso escolar mobiliza as atenções dos

docentes, condiciona seu olhar e, finalmente, faz com que os alunos, com dificuldade de

aprendizado, não bastando seu percalço de sofrimento e fracasso, terminem sendo culpados

mesmo, pelo não atendimento aos talentos.

De um modo geral, estes dois primeiros grupos de alternativas, têm em comum, a

clássica opção dos educadores brasileiros, em culpar os indivíduos pelo seu sucesso e/ou

fracasso, bem como, quanto ao desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e talentos.

O último grupo de alternativas merece atenção diferenciada, pois cada uma destas

recebeu mais de 70 indicações de participantes, que as associaram às causas da invisibilidade.

As características que concentram a maioria das referências dos educadores,para explicar o

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fenômeno , são as seguintes: 1- Falta serviço especializado para realizar tal identificação;

2-Turmas numerosas e jornadas longas dificultam a observação do docente; 3-A escola

massificada impede um olhar, que reconheça os talentos dos alunos; 4-Todos os papéis da

escola e cobranças são voltados aos alunos que não aprendem e não aos superdotados/ altas

habilidades; 5- Não possibilitamos momentos, em que os alunos possam demonstrar seus

talentos.

As alternativas preferidas, pela maioria dos docentes, indicam a capacidade de análise

complexa dos educadores e relacionam-se com alguns dos grandes problemas da educação

brasileira. Seguindo a hipótese da bibliografia e contrariando o pesquisador, os participantes

confirmam a falta de formação, enquanto causa direta da invisibilidade.

Na sequência, o reconhecimento de que as atividades e a forma como as aulas e

processo pedagógico são conduzidos não possibilitam chances para o surgimento e

manifestação dos talentos e destaques, mostrando a profunda reflexão docente, que consegue

verificar sua própria prática, como resposta para a invisibilidade.

Temos ainda uma hipótese, que de tão óbvia, muitas vezes, é esquecida, na avaliação

da invisibilidade. Os docentes citaram, em peso, que a ausência de serviços de identificação

e atendimento as AH/SD estruturado e organizado, nas redes de ensino, termina para que não

tenhamos casos de alunos talentosos identificados como alto-habilidosos.

Finalmente, as duas alternativas que consideramos mais importantes, a ideia de que a

escola massificada impeça a identificação e trabalho com os talentos, e a de que todos os

papéis sociais cobrados da escola são voltados para os alunos que não aprendem, e não para

as AH/SD. Tais opções mostram como as ideias de que a escola seja voltada para os alunos

com dificuldade e fracasso escolar, seja o impeditivo do trabalho com os alunos talentosos,

indicando-nos que engrenagens internas e profundas, da estrutura escolar, como a noção de

massificação, reprodução social e fracasso escolar são elementos, fundamentais, na produção

da invisibilidade e consolidação do fracasso escolar.

Nos anexos da pesquisa, é possível verificar as respostas segregadas, conforme o perfil

dos participantes, bem como, as tabelas com a identificação dos mesmos, conforme suas

respostas.

Entendendo que deveríamos dar espaço para que os participantes pudessem discorrer,

livremente, sobre suas avaliações relacionadas à invisibilidade e buscando informações

qualitativas, em um momento da ferramenta de pesquisa, onde os docentes e gestores já

tivessem refletido um pouco mais sobre o tema, questionamos os participantes sobre os

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344

motivos da invisibilidade e do reduzido número de estudantes alto-habilidosos identificados,

no Brasil, e as respostas foram agrupadas, segundo as categorias em que se apresentaram.

Finalmente, apresentamos algumas das respostas, para a causa da invisibilidade das AH/SD:

Figura 86.

Livres para refletir sobre os motivos da invisibilidade, os docentes responderam, de

modo que pudemos agrupar suas respostas, em 11 categorias distintas. Começamos

destacando os 17 participantes, que responderam que “não sabiam” o motivo das altas

habilidades terem pouca identificação, nas nossas escolas. Destaco esta categoria, pois a

mesma apresentou-se, diversas vezes, ao longo do questionário, com respostas, como: não

sei, não lembro, não tem explicação, indicando uma possibilidade do participante desejar

resolver o questionário, de modo rápido, ou que, realmente, o desconhecimento do tema seja

tamanho, que gere insegurança e uma sensação de total desconhecimento do assunto.

Na sequência, categorias que receberam poucas indicações, menos de cinco citações e

que variam, conforme as respostas, entre aquelas que indicam total desconhecimento do

assunto, bem como, profissionais que têm formação, na área e por isso, suas respostas

divergem da maioria.

Neste grupo, estão aqueles participantes que tiveram suas respostas categorizadas em:

“São raros”; “Cultura Brasileira”; “Mito da genialidade”. Desta maneira, tivemos, apenas 01

participante que indicou que a invisibilidade devia-se ao fato dos alto-habilidosos serem

raros, demostrando que o mito, segundo o qual a ideia de raridade dos alunos, com AH/SD,

2

17

31

2017

52

13 13

9

1

0

5

10

15

20

25

30

35

Culturabrasileira

Falta deestrutura,

condições detrabalho einteressepolitico

falta deformação

falta detrabalho paraidentificação

branco/não sei falta derecursos e

profissionais

Mito dagenialidade

Formação +Estrutura

Fracassoescolar

Modelo deavaliação,curriculo e

estrutura daescola

São raros

Para você, quais seriam os motivos de termos tão poucos alunos

superdotados/altas habilidades, em nossas escolas?

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345

estivesse disseminado entre os educadores, não se verificou entre os participantes.

Apresentamos respostas de participantes, para que possamos verificar a maneira como tais

perspectivas ou do mito da genialidade, relacionadas à ideia de raridade, apresentaram-se, nas

respostas dos docentes:

Realmente acho que são poucos esses alunos e quando surgem a escola /família não

os reconhece. No mais tendem a ser taxados como "chatos" ou que aprendem

sozinho exigindo pouco esforço dos profissionais. Na maioria das vezes passam

desapercebidos. Prof.26

O número de alunos é reduzido pela não identificação e não pela não existência.

Alguns motivos de termos poucos alunos identificados com altas habilidades:- O

fato de associarmos altas habilidades à genialidade e termos como referências

"gênios" que se destacaram na história das Ciências, das Artes, da Filosofia;- A

pseudo-informação de que só tem altas habilidades quem se desempenha acima da

média em todas as áreas do conhecimento;- A não formação docente sobre esta

temática, entre outros. Prof.96

Outra ideia que recebeu duas indicações e aponta pouco conhecimento do tema, foi a

noção de que a cultura brasileira seria resistente aos alunos talentosos, concepção que

desconsidera e desconhece o fato de que a invisibilidade ocorre, também, em outros países.

Mas, se tivemos casos isolados de provas de desconhecimento, também, tivemos casos

de participantes que demonstraram conhecer a temática e indicaram, o “mito da genialidade”,

como responsável pela invisibilidade, perspectiva em acordo com a bibliografia

especializada.

Lembradas por 05 e 09 participantes, respectivamente, as categorias: “falta de recursos

e profissionais”; “modelo de avaliação; “currículo” e “estrutura da escola”, sinalizam

educadores que percebem a interdependência das condições estruturais da escola, com o

fenômeno da invisibilidade. Cabendo o destaque para a percepção docente de que questões

como o modelo de avaliação e organização curricular e a própria dinâmica da escola,

contribuem para a dificuldade em atender e mesmo identificar os estudantes alto-habilidosos,

demonstrando que a perspectiva pedagógica que a unidade escolar segue, tem papel na

invisibilidade. Exemplo de como as perspectivas pedagógicas, interferem na constituição da

invisibilidade, podem ser verificados, nos trechos, em destaque:

O conceito da invisibilidade está relacionado com a inabilidade de lidar com as

escolas brasileiras estão preparadas para a massificação de conteúdos e

curiosamente a única maneira desses alunos serem identificados - especialmente em

escolas provadas - é a atribuição de bolsas mediante prestação de provas de aferição

de conteúdos. Mas isso é extremamente redutor, porque os talentos relacionados

com a arte não poderão ser valorados quantitativamente. Critico a visão utilitarista

da escola. Entendo que a instituição de ensino é um equipamento cultural - em

alguns casos o único disponível e deverá ser percebido como tal. Talvez, alunos

como essas características poderiam ser melhor identificados, acolhidos e

estimulados em instituições de educação não-formal. Prof.64

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346

Outras duas categorias lembradas, por um número considerável de participantes,

foram: “Falta de trabalho para a identificação”; “Fracasso escolar”, sendo que, cada uma das

categorias recebeu 20 e 13 indicações e possibilitam relacionarmos a percepção dos

professores, quanto ao papel do fracasso escolar, na capacidade e disposição dos

trabalhadores da educação, em identificar alunos com altas habilidades/superdotação.

Entretanto, as categorias que receberam o maior número de citações foram: “falta de

estrutura de trabalho”, “falta de formação na área das AH/SD” somadas à de “falta de

estrutura e falta de formação na área", com respectivamente 17, 31 e 13 participantes

destacando cada uma das categorias descritas.

Podemos verificar as opiniões dos participantes sobre as causas da invisibilidade, nas

respostas a seguir:

A falta de competência da escola para identificar esses alunos. Não acredito que isso

ocorra por negligência, mas sim por deficiências na formação dos professores, pouca

disponibilidade de equipes de especialistas para quem esses alunos possam ser

encaminhados, além de várias outras dificuldades que emergem do dia a dia da

escola pública e que se mostram muito mais urgentes, colocando em segundo plano

o caso de alunos que se destacam por inteligência elevada. Prof.98

Salas abarrotadas, professores que lecionam em duas, três escolas, por dois ou três

períodos diários, sobrecarregados ainda com um mundo de papéis a preencher; o

caos da educação atual, no sistema "escola para todos", que promove a inclusão sem

preparar o professor e tira-lhe a autoridade, em uma indisciplina galopante que suga

o docente, sempre às voltas com alunos-problema e situações de guerrilha.

Enfim...tudo dificulta uma percepção mais apurada em relação aos destaques das

turmas, aos alunos que "não causam problemas". Prof.05

A escola e seus profissionais não estão preparados para lidar com esses alunos,

portanto não reconhecem a existência deles. Desta forma, o foco das escolas não é

reconhecê-los, mas muito mais buscar formas de lidar com os casos de fracasso

escolar. Prof.57

Ter como as categorias mais lembradas, perspectivas que tratam da falta de formação

docente, condições estruturais da escola brasileira ou a soma dos dois fatores, demonstram

que a invisibilidade tem fortes relações com fatores, profundos, da realidade educacional

brasileira, como: falta de recursos para o trabalho didático; longas jornadas de trabalho, em

turmas superlotadas; pouco apoio para o trabalho com a indisciplina e crianças com

dificuldades de aprendizado, sendo percebidos pelos professores como fatores que impactam

em suas capacidades de observar, identificar e atender aos alunos com altas

habilidades/superdotação, indicando que, a menos que se relacione com a educação como um

todo, as chances de mudanças, no quadro de invisibilidade, serão reduzidas.

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347

A categoria mais indicada como motivo para a invisibilidade, a falta de formação,

aponta que, mesmo sem formação específica, os educadores entendem as lacunas formativas

que lhes dificulta o atendimento às AH/SD, confirmando a hipótese proposta pela bibliografia

especializada. No entanto, sem uma análise mais aprofundada da instituição escolar, como

um todo, teremos reduzidas chances de mudança, no referido quadro.

A situação pode ser verificada, por intermédio de nossa própria pesquisa, durante sua

realização, no período entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2018; mais de 300 professores

e gestores foram formados sobre o tema, mais de três centenas de docentes conversaram

sobre invisibilidade, altas habilidades/superdotação, características dos alto-habilidosos,

modelos de identificação e atendimento a estes alunos etc. E o resultado destas formações é

que, sem apoio das equipes gestoras e da secretaria de educação, após 3 anos, atualmente, não

temos um único aluno atendido, com altas habilidades/superdotação, na rede municipal, onde

desenvolvemos a pesquisa.

Mais grave ainda, é a situação de uma das escolas, onde desenvolvemos a formação

com os professores. Instigados pelo tema, os docentes passaram a observar seus alunos, a

trabalhar com fichas de observação propostas por pesquisadores renomados e, o resultado de

três anos de trabalho, estudando o tema, observando os alunos, construindo um projeto de

atendimento aos educandos, a escola identificou 17 alunos, com potencial de ser estudante

com altas habilidades/superdotação. Tendo proposto a identificação e atendimento aos

estudantes e, mesmo após protocolar a solicitação de um professor de Educação Especial,

para o trabalho com tais estudantes, tendo aguardado mais de 1 ano a resposta da SEDUC,

não ocorreu nenhuma devolutiva, oficial, dos órgãos competentes. O professor solicitado não

foi encaminhado, os alunos não receberam qualquer tipo de atendimento, e os responsáveis

pelo serviço de Educação Especial da cidade, ainda questionaram a escola, quanto ao número

de alunos, em processo de identificação, alegando ser “impossível” que uma escola tenha 17

estudantes alto-habilidosos, utilizando tom jocoso, afirmando que a equipe gestora da escola

estaria querendo “aparecer”.

Ou seja, aqueles que deveriam trabalhar pela superação da invisibilidade e garantia ao

direito de atendimento, atuam de modo a reforçar mitos, disseminar equívocos conceituais,

ridicularizar docentes e gestores, que tentem lidar com o tema, reforçando o quadro de

invisibilidade, e provável sofrimento de muitos destes estudantes.

Finalizando a pesquisa, perguntamos aos docentes suas opiniões sobre as causas da

maior invisibilidade, entre as mulheres que, conforme a bibliografia especializada, tem

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348

número menor de indivíduos identificados e atendidos. Mesmo nos questionários e entrevistas

realizados, na pesquisa, tivemos números de mulheres bastante inferior e sobre as opiniões

dos professores, quanto a tradição das escolas da rede privada, em selecionar e oferecer bolsas

de estudos aos alunos que se destaquem, em provas, sendo que, muitos destes estudantes são,

nitidamente, alunos com AH/SD.

Com relação à participação de destaque dos alunos do sexo masculino, tanto entre

aqueles com maiores chances de fracasso, como entre os que são citados como os melhores

estudantes, podemos citar o trabalho de Barreto(1981, p. 85), onde a autora descreve como

dentre os muitos, fatores que levam os professores a considerar um aluno ideal, o sexo acaba

por ter forte papel.

Neste trabalho Barreto (1981), demonstra como diversos fatores influenciam a forma

como os professores definem seus alunos ideais, fatores, como: gênero, composição e

estrutura familiar, comportamento ativo do aluno diante do conhecimento, disciplina durante

as aulas, aparência e capacidade das famílias, em garantir atenção ao processo de

escolarização dos filhos e lhes legar “alguma cultura”, são características que compõem o rol

de critérios seguidos pelos docentes, para a definição dos educadores, no momento de

entender os alunos considerados ideais.

As respostas dos participantes sobre a subidentificação das mulheres, basicamente,

apontam questões sobre a invisibilidade complexas e que merecem atenção. Podemos

verificar tais opiniões, na tabela a seguir:

Figura 87.

Os motivos da subidentificação das mulheres Quantidade

Cultura Brasileira/Sociedade/Atenuando Machismo 15

Genética/Natureza/Biologia 14

Meninas dissimulam talento 3

Não sei 30

BRANCO 12

Machismo 25

Questões de gênero tratadas na escola 3

Preconceito das próprias meninas 1

Questionamento a afirmação 5

A primeira questão, que chama a atenção, deve-se ao fato de a categoria, mais indicada

pelos participantes, foi “não sei”, com 30 indivíduos relatando, simplesmente, não terem ideia

dos motivos da invisibilidade feminina, apontando que, talvez, os participantes,

simplesmente, não desejem responder tal questão. Fato que se torna, ainda mais evidente e

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349

preocupante, quando somamos a estes números, os 12 participantes que deixaram a resposta

em branco.

Ainda que sejam categorias, com menor número de referências, temos algumas

hipóteses para a questão, que pensamos merecer destaque, pois indicam como alguns

educadores, ainda têm posições, assumidamente, machistas, quando avaliam as alunas.

Primeiro, destacamos as 14 referências à ideia de que a invisibilidade das mulheres ocorram

devido às diferenças biológicas/genéticas, que diferenciam homens e mulheres, confirmando a

crença de que, talvez, homens tenham maior potencial intelectual do que as mulheres.

Outros participantes, simplesmente, questionaram a ideia que de as mulheres sejam

menos atendidas e identificadas que os homens, contestando mesmo a informação de maior

invisibilidade das mulheres. Tais concepções mostram, como as chances de uma menina

talentosa ser identificada é reduzida, a depender das concepções dos docentes e gestores.

O machismo foi, obviamente, indicado por grande número de pessoas e, entre

referências diretas ao machismo, ou a questões culturais, que envolvam o machismo, temos

cerca de 40 referências. A cultura do patriarcado como explicação para a invisibilidade feminina

ser maior que a masculina, teve número reduzido de citações. Mostrando que mesmo em um

grupo, majoritariamente, feminino, as mulheres encontram dificuldades, não apenas, na

identificação e valorização de seus talentos, mas, mesmo a referência direta ao machismo, gera

insegurança e acaba sendo tangenciada.

Tentando entender como o imaginário dos profissionais da educação sobre a escola

pública, e como questões estruturais impactam na capacidade das escolas, em atender ou

considerar possível o trabalho, com estudantes alto-habilidosos, questionamos os participantes

quanto à capacidade de escolas da rede privada, em atender jovens e crianças com AH/SD. As

respostas encontram-se, no gráfico a seguir:

Figura 88.

54; 46%

34; 29%

17; 14%

13; 11%

Você considera que as escolas particulares têm melhores condições de atender aos alunos superdotados/ altas habilidades? Por quê?

POSITIVA

NEGATIVA

NEUTRA

BRANCO

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350

O primeiro dado importante é que 11% dos participantes deixaram esta pergunta, em

branco, alegando não saber como responder ou não emitindo opinião sobre o tema. Junto às

respostas, em branco, tivemos 14% de respostas que consideram neutra a capacidade das redes

privadas de ensino, em ofertar atendimento adequado aos alto-habilidosos.

Consideramos que as respostas, em branco e neutras, poderiam ser compreendidas como

parte de um mesmo bloco de respostas, que considera indiferente o tipo da rede de ensino, nos

resultados de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação e, assim, chegamos

ao número de 25% dos participantes, que entendem ser irrelevante o sujeito alto-habilidoso

estudar, em escolas públicas e/ou privadas.

Entre as justificativas para tal posição, elencamos alguns argumentos destacados. Para

alguns professores, a diferença entre o atendimento melhor oferecido pela rede privada

dependerá não tanto da escola ser, simplesmente, pública ou privada e sim, do tipo de escola

privada, partindo da percepção de que seja fundamental, para pensar neste tema, a distinção

entre as escolas da rede privada de elite e tradicionais, com colégios de renome, por contarem

com professores bem formados e com bons rendimentos, além de possuírem estrutura de

recursos pedagógicos de ponta, como: laboratórios, bibliotecas, acesso à saídas de campo e

visitas monitoradas, recursos de tecnologias e complexos artísticos e poliesportivos de

qualidade e, finalmente, famílias com capital econômico e cultural superior a maior parte da

população, das escolas particulares que, geralmente, atendem a classe média, de forma

massificada. Se as primeiras, incontestavelmente, teriam melhor condição de atender aos alto-

habilidosos e, talvez, a qualquer outro aluno, as últimas não teriam grandes vantagens, em

relação às condições encontradas pela rede pública, para tratar do assunto.

Acredito que talvez possam ter melhor condição de investir (de prontidão) em

espaços, profissionais e materiais necessários para o trabalho com esses alunos, porém

não necessariamente o fazem. A escola pública tem condições, mas, esta verba é

desviada, além da burocracia imposta para este trabalho ser realizado. (Participante

19)

A maior parte dos participantes da pesquisa entendem que as escolas da rede privada

encontram melhores condições de atender os estudantes, com altas habilidades, indicando,

principalmente, aspectos ligados à estrutura física destas instituições, em relação à rede pública

de ensino. 46% daqueles que participaram da pesquisa, disseram entender que as escolas

particulares encontram melhores condições de atender as AH/SD.

Entretanto, pudemos verificar, que certas concepções que se poderiam imaginar

presentes, entre as representações sociais dos docentes, para a justificativa deste

posicionamento, não se apresentaram, nas respostas dos professores e gestores. Assim, dentre

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351

os motivos elencados, não foi destacado, por exemplo, a ideia de que as escolas privadas teriam

melhor qualidade frente à rede pública de ensino, o que justificaria a melhor capacidade de

atendimento a aqueles, com potencial para o sucesso escolar. Outro ponto que não verificamos,

entre as respostas, foi a ideia de que devido a origem social, os alunos e as famílias

frequentadoras, da rede privada, teriam maior potencial acadêmico/intelectual, ou que os

docentes e profissionais, da rede privada, fossem melhor formados e preparados, para atuar com

o sucesso escolar, do que aqueles da rede pública.

Outra ausência, nas justificativas dos gestores e professores, que consideram a escola

particular mais preparada, para atender as AH/SD, é o fato das famílias destes estudantes

possuírem maior capital cultural e econômico, para acompanhar e auxiliar o desenvolvimento

de seus filhos. Este argumento apareceu, em geral, de modo tímido, quando alguns docentes

relataram a maior capacidade das famílias, em buscar auxílio extraescolar.

Como justificativa para defender a maior capacidade da rede privada, em lidar e atender

os alto-habilidosos, os participantes apontam questões estruturais das escolas, quando

comparadas às públicas e indicam caminhos, que vão além da noção de superação de mitos,

formação específica, definição de terminologia e protocolos de identificação e atendimento as

AH/SD. Nas respostas dos docentes, fica evidente que, em sua avaliação, o que pesa, no

momento de atender ou não um aluno com potencial elevado, são as condições estruturais para

a realização do trabalho, o que atinge a escola como um todo, indicando que a superação da

invisibilidade, passa pela melhoria das condições de trabalho, na escola, de um modo geral.

Acredito que sim, por inúmeros fatores: menor quantidade de alunos por classe;

melhor estrutura; maior possibilidade de contar com apoio dos pais para garantir

atividades extras ou encaminhamentos necessários, etc. (Participante 63).

Algumas sim, pois tem menos alunos em classe e contam com boa estrutura e recursos

pedagógicos. (Participante 22)

Os motivos elencados pelos participantes não deixam dúvidas, quanto a esta situação.

Foram elencados como justificativas para suas respostas: a menor relação aluno por professore,

assim, com menos estudantes sobre a sua responsabilidade, o docente poderia observar e

atender melhor a todos, inclusive, aos alto habilidosos; melhor infraestrutura física dos prédios

escolares, indicando que possuir materiais pedagógicos adequados, quadras poliesportivas,

ateliês de artes, laboratórios de ciências, acesso à rede mundial de computadores, banda larga,

centros de informática, projetores de imagens e computadores, bibliotecas equipadas, faz toda

a diferença no momento de atender os alunos, em especial, aqueles que apresentem maiores

habilidades e/ou dificuldades.

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Ainda que não sejam citados elementos relativos ao capital cultural e econômico, dos alunos de

escolas particulares, como razão para que considerem seu atendimento mais adequado, do que

o ofertado pela escola pública, o capital surge, em respostas indiretas, quando são citados os

maiores recursos familiares, para buscar profissionais especializados, como: psicólogos e

psicopedagogos, bem como, oficinas e cursos na área da habilidade do estudante, também,

maior cobrança e acompanhamento das famílias, quanto ao rendimento dos alunos nos estudos.

Sim. Porque além de se ter um número reduzido de alunos nas classes, eles dispõem

de materiais pedagógicos que atraem os alunos de uma maneira geral integrando esse

aluno com o grupo de uma forma muito natural. (Participante 60)

Em geral sim, tão somente pela diferença de recursos que tanto a escola como a família

possui, porém, se for uma escola de extremos, ou muito tradicional ou muito liberal

pode até atrapalhar. (Participante 72)

Acredito que sim, talvez por terem o suporte financeiro dos pais. Uma das dificuldades

que a escola pública enfrenta é a falta de profissionais de outras áreas para trabalhar

em conjunto com a escola para os diagnósticos e encaminhamentos. Tenho um aluno

que está na fila para ser atendido pela psicóloga a mais de um ano. (Participante 78)

Finalmente, a maior parte dos docentes que concordou com a afirmação de que a rede privada

teria melhor condição de oferecer um atendimento adequado aos alto-habilidosos, destacou que

o fato de as escolas terem interesse direto, nos resultados obtidos por estes estudantes, como

forma de valorizar o nome da instituição e contribuindo para atrair mais “alunos/clientes”, seja

fator fundamental para que tais instituições preocupem-se e ofertem condições de

desenvolvimento melhor, aos seus alunos que apresentem maior potencial e/ou rendimento,

contribuindo assim, para que parte dos alto-habilidosos, que estudam nestas unidades, sejam

auxiliados, em seu desenvolvimento.

Não, pois independente de ser pública ou particular, os profissionais não estão

preparados para identificar ou contribuir com esses alunos. (Participante 09)

Não. Aliás, é relativo. Existem boas escolas privadas, porém os professores das redes

públicas vêm recebendo mais formação na área da Ed. Especial. (Participante 11)

Finalmente, tivemos um número expressivo de professores e gestores, que entendem

que seja equivocado supor que a rede privada, simplesmente, por não ser pública, teria melhor

atendimento a estes educandos.

Um terço dos participantes respondeu negativamente, a afirmativa proposta e indicam

que, segundo suas avaliações, a escola privada não teria (apesar de sua melhor estrutura),

melhor condição de atender aos alunos talentosos. Estes docentes entendem que o

desconhecimento, praticamente, iguala as redes diferentes de ensino sobre o tema, uma vez que,

seus conhecimentos sejam quase inexistentes, muitas respostas como a que abre esta parte do

texto, foram apresentadas e algumas seguem como exemplo:

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353

Acho q tanto a particular Qto a pública tem condições semelhantes, ambas poucas

condições devido ao desconhecimento do assunto. (Participante 16)

Não. Penso que haja dificuldades em lidar com estes alunos em qualquer esfera de

oferta de ensino, uma vez que os profissionais de educação, sejam de escolas

particulares, ou públicas, não recebem formação necessária para a temática

discutida.(Participante 20)

Também foi destacado o fato de que, atualmente, a rede pública de ensino, apesar de

todas as suas deficiências, tem, ainda, maior tradição e experiência de atendimento, melhor

formação, mais materiais específicos e, finalmente, maior número de profissionais, quando se

trata de Educação Especial. Segundo estes trabalhadores da educação, a exigência do poder

público de que as escolas públicas sejam inclusivas e atendam a todos os alunos,

independentemente, de suas necessidades especiais, legou, ao setor público, uma dianteira que

a escola privada até por evitar atender estes estudantes, o quanto pode, para fugir dos custos

adicionais de promover inclusão em suas instituições, coloca a rede pública, segundo estes

docentes, em melhores condições de atender os alunos alto-habilidosos, chegando ao ponto de

que seria raro, que escolas privadas tivessem professores específicos da Educação Especial,

para atender os alunos talentosos. Citamos abaixo, algumas destas opiniões, que caminham

neste sentido.

Não creio. A rigor, a escola particular possui um número inferior de profissionais para

atendimento especializado. (Participante 23)

Não, porque no momento, a escola pública é a instituição que apresenta meios e

recursos para atender alunos especiais, qualquer que seja sua necessidade, visto que

foram traçadas políticas públicas e foram feitos investimentos em programas,

equipamentos e profissionais para atuar nesse segmento.(Participante 46)

Finalmente, destacamos algumas respostas que indicam, que a maior capacidade da rede

privada de atender alunos talentosos, deve-se, antes de qualquer coisa, rejeitar a generalização

e observar a discrepância que existe entre escolas de elite e tradicionais da rede privada, estas,

com ótima estrutura e profissionais e a maior parte das escolas da rede privada, carentes de

profissionais com boa formação, de recursos pedagógicos e mesmo infraestrutura de seus

prédios, para atender, de maneira satisfatória, aos alunos com ou sem AH/SD. Desta forma, os

docentes consideram que a estrutura das escolas privadas tenham efeito na capacidade de

melhor atender aos alunos, apenas, quando se trata de grandes complexos educacionais e com

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354

história e tradição de trabalho de excelência, como podemos verificar, nas respostas da

participante que se segue:

Não necessariamente. A não ser que seja uma escola de grande porte (estilo São Luís,

Dante Alighieri) que apresente uma mega estrutura com diferentes tipos de

laboratórios, espaços para experimentação artística, museu de arte natural dentro da

escola, frota de ônibus para estudos do meio, etc. A estrutura destas escolas

contribuem muito para o trabalho com todos os alunos. (participante 96)

Com o objetivo de verificar como a política de oferta de bolsas de estudo, para alunos

com destacado rendimento, dentre estes, alguns prováveis sujeitos com altas

habilidades/superdotação, desenvolvida por algumas escolas particulares, questionamos os

participantes sobre a questão, para verificar como os educadores compreendiam a ação que,

talvez seja, a mais organizada e duradoura política voltada a estes indivíduos, no país, bem

como, avaliavam o interesse privado pelo tema das AH/SD.

Como resultado, verificamos que os trabalhadores da educação, ainda que divididos em

relação a este tipo de ação, são, em sua maioria, críticos, primeiro, por questionar os reais

interesses das instituições em “atender” tais alunos, ficando evidente, nas respostas dos

participantes que o marketing e a publicidade são os maiores motivadores destas ações, em

segundo lugar, a crítica a tais medidas concentra-se, na avaliação de que denotam um estado

de falência, ainda mais grave, das escolas públicas brasileiras.

Tal posição dos educadores pode ser verificada, no gráfico abaixo, desenvolvido, a partir

das respostas dos educadores, para a questão.

Figura 89.

Quando questionados sobre a política de oferta de bolsas, para supostos alunos com altas

habilidades/superdotação, verificamos que as menções apontadas, concentravam-se, em três

categorias, que consideramos para a avaliação e denominadas, conforme a sua posição, em

relação à política de oferta de bolsas de estudo, sendo divididas, conforme o gráfico acima,

entre as que consideram a medida positiva, negativa ou neutra.

53; 45%

42; 36%

7; 6%

15; 13%

Como avalia a oferta de bolsas de estudo, aos alunos que se saem bem em provas de seleção e obtêm descontos na mensalidade?

NEGATIVO

POSITIVO

NEUTRO

BRANCO

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Entre os que consideram a medida positiva, a maior parte das menções descritas pelos

educadores foram: Meritocracia, Incentivo, Justiça e Forma Paliativa de contornar a falta de

estrutura das escolas públicas e garantir alguma chance de equidade de condições, para os

alunos talentosos, com situações socioeconômicas piores.

Parte considerável das respostas que entendem a política como positiva, demonstram,

claramente, entender a situação como forma de garantir melhores condições de estudo, aos que

“se esforçam e dedicam mais”. Podemos verificar, nestas respostas, o papel e peso que as

ideologias da meritocracia possuem, entre os educadores. Estas posições podem ser verificadas,

nos relatos de alguns participantes, que selecionamos:

Acho bom, é uma maneira de meritocracia (Participante 06).

Eu acho muito boa a iniciativa. É um incentivo e tanto, ainda mais quando o aluno

não tem condições de estudar em uma escola paga. (Participante 91)

O segundo grupo de respostas que considera a medida de oferta de bolsas positiva,

concentra-se, entre as muitas referências à concepção de que, ao conseguir estudar, em escolas

particulares, os estudantes alto-habilidosos teriam, ainda, que com evidentes problemas nesta

política, uma oportunidade em contornar suas dificuldades econômicas e a falta de estrutura da

escola pública, em garantir educação de qualidade aos alunos, em especial, aos com maior

potencial. Neste sentido, fica nítido que, ainda que considerem positiva a política de bolsas, os

docentes têm ciência de que questões mais profundas envolvem a situação, podemos verificar

nas respostas a seguir:

Vejo como uma oportunidade para os pais e seus filhos, de estudar numa escola

melhor, embora restrita a uma parcela de alunos. (Participante 51)

Penso que seja, ao menos no momento, a melhor forma desses alunos conseguirem

uma escola onde conseguirão ter mais condições e recursos para aprendizagem.

(Participante 44)

Considero o mais justo para que esses alunos tenham menos perda em seus percursos

formativos, já que na rede pública não há estrutura para fazer com que esses alunos

avancem e explorem seus potenciais. (Participante 10)

Um grupo, com cerca de 6% dos participantes, considerou tais políticas como neutras,

sendo que as descrições superficiais e/ou ineficazes foram usadas para descrever a política de

bolsas, por estes participantes. Cabe o destaque de que 15 participantes não responderam a

questão, deixando o campo referente à mesma em branco e, entendemos que tal posição devia-

se a considerar a política de bolsas neutra, também, deste modo, cerca de 20% dos participantes

avalia a noção de oferta de bolsas de estudo, aos alto-habilidosos, como neutra. Salientamos

que, entre os motivos para considerar a medida neutra e incapaz de gerar resultados, encontre-

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se tanto na concepção de que o alto-habilidoso desenvolva-se, sem qualquer ajuda, ou de que

as provas de seleção seriam incapazes de avaliar e identificar habilidades, que não aquelas,

puramente, acadêmicas e mensuráveis, por provas e testes tipo vestibular, utilizados, nestes

contextos, que podem ser verificados, nas respostas que selecionamos:

Um portador de altas habilidades pode ser um excelente físico se gostar de física,

assim como pode ser um excelente pedreiro, se preferir gostar de ser pedreiro que nem

o pai. Ele é livre para ser o que quiser, e pelo que tenho visto, são tenazes ao que se

propõem alcançar - aí é que está a força de personalidade e de espírito; de qualquer

forma vão tateando até encontrar o que procuram, doa o que doer. (Participante 50)

A maioria dos participantes avaliou, criticamente, a política de oferta de bolsas de

estudos aos alunos com AH/SD, sendo indicadas referências negativas, em relação a esta

medida. Quase a metade dos participantes, ou seja, 45% avaliaram, negativamente, a noção de

oferecer bolsas aos alunos talentosos e as concepções, mais presentes, estiveram ligadas aos

aspectos comerciais e publicitários da ação, com alguns casos de referências. Também, a ideia

de competição e pressão sobre os alunos, diante deste tipo de prática, que gera imensa

ansiedade, em pais e estudantes.

Entretanto, a maior parte das referências, concentrou-se em avaliar, negativamente, a

política, a partir da percepção de que, no fundo, o interesse e desenvolvimento dos estudantes

era secundário nas preocupações das instituições privadas, não passando de artifícios para

melhorar os resultados das referidas escolas, em exames vestibulares e provas externas, como

ENEM, de modo que, por meio do sucesso e resultado destes alunos, previamente, selecionados,

as instituições possam valorizar seu produto, no mercado e atrair outros alunos interessados, na

capacidade das escolas, em “produzir bons resultados” justificando, assim, suas altas

mensalidades. Tais concepções indicam que os professores, contra prognósticos que investem

na falta de formação e capacidade docente de refletir sobre o tema, têm uma sensível percepção

do tema, de seus usos e impactos, na relação com os estudantes e suas famílias, especialmente,

na forma como os alto-habilidosos são utilizados, para camuflar resultados e trabalhos

contestáveis, da rede privada e potencializar a percepção de fracasso escolar da rede pública.

Finalmente, muitos educadores demonstram profunda reflexão, ao relacionar, o interesse das

escolas privadas, nos alunos com “maior potencial”, no jogo de competição e disputa por

mercado, presentes na lógica capitalista. Tais concepções ficam evidentes em algumas

exposições dos docentes, que se seguem:

À instituição visa a sua publicidade a cerca do educando!!!! Ó Colégio Objetivo é o

rei de bolsas para alunos superdotados, preciso dizer mais alguma coisa??

(Participante 118)

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Enquanto professora da Educação Pública, uma tristeza, pois nos levam excelentes

alunos e fazem os educandos e a sociedade acreditar, que são os bons frutos da escola

privada.Ou seja, a escola tornou-os assim e jamais admitem, que já carregavam

consigo estas habilidades. (Participante 20)

Oportunismo das instituições corporativas de ensino, que geralmente "roubam" os

alunos com altas habilidades da escola pública e os utilizam como vitrine para ganhar

novos alunos e expandir seus convênios. (Participante 96)

É o reflexo de uma sociedade competitiva e meritocrática, além de uma estratégia que

as escolas particulares adotam para ter os "melhores alunos" e usar seus bons

resultados como propaganda. (Participante 95)

6.3 - Cursos e formações

Outra ferramenta de pesquisa utilizada para o levantamento de dados foi registrar as

observações dos professores participantes, das formações sobre AH/SD, quando eram

questionados pelo palestrante sobre o que lhes vinha à ideia, quando pensavam em AH/SD.

Os objetivos das formações desenvolvidas com os docentes, como estratégia

metodológica, dividiam-se em:

1- Obter informações junto aos professores, em condições menos formais, em relação ao

que acontece com questionários e entrevistas.

2- Avaliar o efeito das formações com os professores, em relação identificação de

estudantes com altas habilidades/superdotação e, assim, testar as hipóteses que atribuem

à invisibilidade a falta de formação docente.

Deste modo, realizamos quatro (4) formações com o professorado, sendo que uma delas,

teve cerca de 150 docentes de Educação Especial, da rede municipal,ocorrida em fevereiro de

2015. Os demais encontros foram realizados em escolas de Ensino Fundamental I e II, com

cerca de 30 docentes em cada encontro, tendo a presença dos coordenadores pedagógicos das

Unidades. As três formações ocorreram em bairros periféricos, com professores especialistas e

pedagogos, no período de março e abril, de 2016.

Os encontros foram realizados após convites feitos pelas equipes gestoras das escolas,

bem como, pelo CAPFC (centro de aperfeiçoamento do professor e formação continuada),órgão

responsável pelos cursos de formação, dos docentes. Os convites ocorreram após o contato com

a temática de nossa pesquisa.

Cada formação ocorreu nos períodos matutino e vespertino, em cada escola. Assim, ao

longo de nossos encontros, conversamos sobre as altas habilidades/superdotação, com

aproximadamente 180 professores.

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Destas formações, algumas constatações surgiram quase de modo unânime, nas

observações docentes. Em primeiro lugar, destacamos a atenção e o interesse em relação ao

tema, onde tivemos muitos questionamentos, bem como, a confirmação dos professores em

relação ao mal estar, por concentrarem suas ações no “fracasso escolar” e dedicarem pouca

atenção aos educandos, com melhores resultados.

Durante as formações organizávamos as respostas dos professores participantes em

poucas palavras, de modo que pudéssemos, futuramente, ter categorias referentes à

compreensão docente da questão, estas foram as seguintes: Q.I., foco da atenção nos alunos

com dificuldade; avaliação; nunca trabalhei ou tive contato; desconfio; provável; classe de

estimulação; tive um aluno com laudo; fechar diagnóstico; chatos; tive casos na família;

esconder; mãe solicitou reclassificação; genialidade; autistas e altas habilidades/superdotação;

boa memória; facilidade de aprender; dom; nomes de alunos que seriam suspeitos (Júlio,

Gabriel, Arthur); o que fazer?; Para onde encaminhar?; Garoto bom em tudo; culpa por não dar

atenção aos melhores alunos; luz própria; brilhantismo sem estímulo; alunos com alta percepção

e compreensão rápida; famílias muito presentes; costumam ser agitados; sem reflexão sobre o

tema; só ouvi falar na lei; sem nenhuma formação sobre o tema.

Esta compilação das falas mais recorrentes, apresentadas pelos docentes sobre o assunto,

quando questionados, inicialmente, levou-nos a verificar a existência de alguns grupos de falas,

que poderiam ser organizados em categorias de análise, como propomos aqui: O conceito de

inteligência baseado no Q.I.; a Falta de formação e reflexão sobre o assunto; A culpa por não

dar atenção aos alunos com bom rendimento e ter foco nas dificuldades de aprendizado ou

fracasso escolar; As questões de ordem prática (O que fazer? Como diagnosticar? Como

Atender?); As características e os nomes dos alunos (Júlio, Matheus, Arthur, Gabriel, Luís,

Vinicius, Anthony; com: boa memória, aprende rápido, maior percepção e compreensão); A

ausência de experiências profissionais com alunos superdotados; Os casos de superdotados, na

família (irmão, marido, sobrinha, filhos, sobrinhos, etc) .

Estas falas dos professores indicaram-nos alguns caminhos a refletir sobre o tema e

possíveis respostas para nossas hipóteses de pesquisa. A primeira delas foi que, se por um lado,

temos a confirmação da invisibilidade, dos alunos com altas habilidades/superdotação, por meio

das repetidas falas de nunca ter tido educandos com tais características, por outro, temos muitos

relatos que indicam que os professores têm uma boa percepção de quais características observar

a partir de sua reflexão sobre aprendizado.

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359

Verificamos que o discurso psicologizante tem peso grande, nas concepções docentes

do tema, com muitas referências à falta de profissionais da psicologia para a efetiva

identificação, sendo apontada como um problema.

As questões estruturais, também foram apontadas pelos docentes como motivo da pouca

atenção dedicada a estes estudantes, e, consequentemente, ao pequeno número de

identificações. Verificamos muitos professores interessados no tema e, quando provocados,

prontamente, passavam a listar alunos que lhes despertavam a desconfiança sobre as altas

habilidades/superdotação, mas, que não sabiam como proceder, enfrentando, muitas vezes, as

exigências burocráticas e a atenção da escola tão voltada ao fracasso, levando-os a abortar a

ideia de observar, mais detidamente, um aluno com suspeita de superdotação.

Nas formações, muitos professores questionavam-nos, por avaliar que determinados

comportamentos de altas habilidades/superdotação eram verificados em seus filhos.

Nenhum docente considerou o tema elitista ou deixou de apontar alunos com altas

habilidades/superdotação, em suas turmas. Pelo contrário, informados sobre a questão e

desmistificando a noção de altas habilidades/superdotação e genialidade, os professores

passaram a citar nomes de alunos, prontamente, assim, foram surgindo entre professores e

gestores, nomes como: Júlio, Gabriel, Sabrina, Arthur, indicando, primeiramente, a existência

destas crianças e depois, confirmando que os professores sabiam quais eram os alunos que

mereciam esta atenção.

De um modo geral, os professores têm dúvidas quanto a forma e o profissional que deve

fazer a identificação de altas habilidades/superdotação, ainda, que tenham deixado claro, que

sem o olhar do professor, determinados talentos não seriam notados.

Os docentes em suas falas, conferiram à genética grande importância, na determinação

das altas habilidades/superdotação, mas, curiosamente, não consideram relevante a noção de

hereditariedade. A prova disto é como se referem aos próprios filhos, alguns citados, com claros

indícios de habilidades acima da média e todos negados, com veemência, quanto a serem alto-

habilidosos.

Parece, que para os professores, as altas habilidades/superdotação teriam origem em

dois caminhos: o primeiro, o genético e natural, que seria a legítima alta

habilidade/superdotação; no outro, estariam os talentos produzidos, intencionalmente, pela

interação social, entre os quais estariam os filhos dos professores.

Nenhum docente referiu-se à herança genética e a origem popular dos alunos como

impeditivo para alguém ter altas habilidades/superdotação. Ao longo das formações, quatro

itens saltaram-nos aos olhos:

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- A indicação de autistas com potenciais, altas habilidades/superdotação;

- A queixa quanto a inexistência de um único e padronizado protocolo de identificação;

- A percepção de que os docentes não consideram seus filhos como superdotados, mesmo

quando, estes estão muito acima da média, o que nos coloca a dificuldade de alunos de

periferia serem identificados.

- A afirmação, de que em escolas, tão sucateadas, impera o seguinte ditado: “Em terra de

cego, quem tem um olho é rei”, tomando assim, segundo esta visão, por altas habilidades

crianças comuns, normais, apenas, alguns passos acima da “terra arrasada”, em que se

encontra a maioria.

Lembramos desta maneira, a colocação de (SETTON, 2016. , p. 46), quando descreve

o caso de Antônio:

Embora em outros núcleos brasileiros o conhecimento escolar já não seja o diferencial

para se alçar a uma mobilidade social, em Santarém, estado do Pará, quem conta com

um diploma e apresenta um conhecimento diferenciado dos demais torna-se muito

valorizado, ou seja, passa a ser notado, notável; passa a ser reconhecido e a se

reconhecer como especial, como diz o ditado: Em terra de cego quem tem olho é rei.

A partir destas colocações, permaneceram algumas dúvidas:

-Será que estaríamos tratando como superdotados, crianças normais?

- Será que diante do improvável sucesso, com uma noção mecanicista de transmissão

de capital cultural, preferimos o rótulo de miraculados a alguns à ideia de que podemos estar

negando o desenvolvimento do intelecto a maioria que fracassa?

- O nível atual da escola seria tão fraco, que tornaria impossível identificar capacidade

intelectual superior?

Neste ponto, cabe o questionamento dos professores: ao compararmos os estudantes em

suas habilidades, envolvimento e criatividade, deveríamos utilizar um modelo universal de

criança e aluno?

Em escolas marcadas pelo fracasso escolar, com notas baixas em provas externas, com

tantos alunos com severos problemas de aprendizado, onde raros educandos demonstrem o

envolvimento com a tarefa e estudos e os alunos tenham pouco acesso a livros, museus, somado

ao não domínio dos conteúdos escolares, como dizer que aqueles que se destacam acima da

média, sejam pessoas com altas habilidades/superdotação ou simplesmente pessoas normais,

em meio a uma indústria produtora de fracasso escolar?

6.3.1- Os resultados das formações

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Cabe destacar, que durante as formações, tivemos a indicação, por parte de professores,

de alguns alunos que geraram desconfiança, em relação a ter AH/SD.

Porém, o fato mais curioso e que indica a importância do debate sobre o tema, é que

semanas e mesmo, meses depois das formações, fomos diversas vezes abordados por

professores e gestores, que nos relataram ter iniciado processos de observação e identificação

de alunos que tinham suspeitas de altas habilidades/superdotação.

Tal posição dos docentes expandiu-se, mesmo para escolas, que não havíamos visitado,

sendo possível verificar a preocupação com o tema, mesmo na SEDUC. Assim, a professora

responsável pela formação de docentes de Educação Especial e Práticas Inclusivas, começou a

tratar o tema, nas formações da rede e relatou-nos o caso, de um aluno cadeirante,

extremamente, talentoso em música, especialmente, ao piano.

Durante a nossa pesquisa, destacamos três casos de docentes, que após algum tempo

decorrido da formação, procuraram-nos para relatar casos de alunos que suspeitavam se tratar

de altas habilidades/superdotação.

O primeiro caso é do aluno Fernando125, 09 anos, estudando no terceiro ano, do Ensino

Fundamental, na Unidade Municipal de Educação: “Costa de Lisboa126”.Tivemos contato com

o educando, após a professora da sala de AEE (Atendimento Educacional Especializado) ter

solicitado nossa presença, na escola, porque, depois de participar de nossa formação, passou a

desconfiar das altas habilidades deste aluno e queria nossa opinião sobre o que fazer e quais

encaminhamentos deveria realizar.

Diante da criança, vimos um menino franzino e muito esperto, relatando interesse por

livros, História, Mitologia Grega e Egípcia, dinossauros e Astronomia. Além disto, o aluno

desenhava e criava personagens de RPG (Role-playing game). Durante as atividades, em sua

sala de aula, fazendo prova ou atividade com demais colegas, o aluno demonstrou tédio e

segundo relatos, desde Educação Infantil, tal fato ocorria. Apesar, de profundamente

inteligente, não era reconhecido pela professora da turma, nem pelo coordenador da escola

como criança com altas habilidades/superdotação.

A criança nitidamente tinha habilidades acima da média e merecia um acompanhamento

mais detido para um processo efetivo de identificação, após esta visita inicial, encaminhamos

material sobre o tema para a professora de AEE e, mas apesar de inúmeras tentativas de contato,

125Todos os nomes utilizados são fictícios para que possamos garantir o anonimato dos estudantes. 126Todos os nomes das escolas citadas, no trabalho, são fictícios, como forma de preservar o anonimato das

mesmas.

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não houve retorno da docente e nem informações do educando que ao que tudo indica seguiu

sem qualquer tipo de atendimento especializado.

Outro caso interessante foi de uma professora, da Unidade Municipal de Educação:

“Padre Francisco127”,que nos procurou durante uma atividade de greve, dos professores

municipais, para informar que o encontro sobre altas habilidades/superdotação realizado na

escola onde atua, foi muito importante, pois a alertou sobre uma questão que não havia dado

atenção até o momento da formação. Como resultado, segundo relato da docente, atualmente,

existe um aluno de sua turma sendo avaliado, com suspeita de altas habilidades/superdotação

nas áreas de Humanidades.

Esta indicação do educando é muito importante, pois foi realizada por uma docente

muito respeitada em sua escola, tendo uma trajetória exemplar, enquanto estudante, naquela

instituição. Além disso, graduou-se no curso de História, na UNESP de Assis, realizando

mestrado na UNICAMP, lecionando também, em escolas particulares. A indicação de um aluno

por uma docente bastante exigente, bem formada e com história de sucesso como professora e

aluna, pode estimular outros docentes da escola, a indicarem mais educandos.

Por fim, pensamos que valha destacar o caso de Jonas128, um rapaz de Ensino Médio,

que estuda na rede pública estadual e tem origem humilde. Seu caso nos foi relatado por uma

ação espontânea, do coordenador pedagógico de uma escola técnica musical da cidade, que nos

procurou, após saber de nossa pesquisa e ter interesse na temática.

Em primeiro lugar, constatamos como o simples fato de alguém estar pensando na

questão, faz com que profissionais das escolas olhem um pouco mais para seus alunos e,

consequentemente, passem a identificar talentos. Além disto, consideramos interessante receber

o relato de um aluno com talento, em uma área que não faz parte do currículo escolar. O

educando é habilidoso ao piano e não fosse o caso da cidade ter um longo trabalho de formação

musical e contar com o mais respeitado Conservatório musical, do litoral paulista, contratando

professores especialistas, formados em Música (único município da baixada), e a oferta de um

curso de piano gratuito e bem estruturado, jamais, conheceríamos Jonas e, talvez, ele próprio,

dificilmente, pudesse aprender a tocar piano, um instrumento caro, normalmente, restrito a

setores com condições econômicas de mantê-lo.

Mas o caso de Jonas, também, indica-nos a insegurança e falta de conhecimento dos

docentes sobre as capacidades dos alunos com altas habilidades/superdotação. Segundo o

coordenador pedagógico da escola, os docentes e mesmo ele, reconhecem, no menino, um

127 Idem. 128 ibidem.

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talento, um excelente aluno; nas palavras do coordenador, o menino tem rendimento brilhante,

obtém notas máximas, requisita muito os professores, sendo, visivelmente, superior aos seus

pares.

O educando realiza apresentações solo, com maestria e por ser filho de trabalhadores

pobres, não possui um piano em casa. Como forma de estudar, o aluno matriculou-se em uma

escola estadual do município próxima ao Conservatório, sendo aluno na escola regular, no

período matutino. Ao sair, vai direto para a escola de música estudar e se há aulas vagas, pela

manhã, aproveita o tempo e pratica sua habilidade. Mesmo nos dias, em que não tem aula no

Conservatório, é assíduo e, diariamente, entra às 13h e sai às 22h, às vezes quer ficar mais,

precisa ser mandado embora. Leciona para seus colegas, parando um pouco para comer, apenas,

ou quando não há instrumento livre.

Mesmo após o que expusemos, o coordenador pedagógico relata que ainda há dúvidas

em se tratar de alguém com altas habilidades/superdotação, mesmo que o talento do jovem seja

reconhecido por músicos experientes.

A dúvida quanto às altas habilidades/superdotação paira por dois motivos: o primeiro,

exatamente, pelo “excesso de dedicação”, que se opõe a “talento natural” e o segundo, pelo fato

do menino ainda não compor, seguindo a sombra constante de Mozart. Nos perguntamos, se

alguém como Jonas não tiver altas habilidades/superdotação, quem teria?

Sobre as ações de formação realizadas, diretamente, com professores, destacamos

alguns elementos que pensamos ser importantes para a pesquisa.

Como já afirmamos, o clima de interesse e disposição docente, para pensar na questão

das altas habilidades/superdotação, foi sempre positivo e, em todas as oportunidades,

encontramos docentes curiosos, envolvidos no debate e questionando o pesquisador.

Verificamos que o modelo de formação e os motivos que geraram o convite para esta,

fizeram diferença. A primeira formação, de iniciativa da SEDUC e destinada aos professores

de Educação Especial, que atuam nas salas de AEE, durou um período inteiro, das 7h às 12h.

Assim, tivemos duração adequada para debater as questões que os docentes colocavam como

dúvidas.

Durante as formações promovidas pela Secretaria de Educação estiveram presentes,

cerca de 100 profissionais, entre docentes de Educação Especial, professores de Educação

Infantil I (0 a 3 anos- creche) e II (4 e 5 anos), docentes do Ensino Fundamental e gestores

(orientadores educacionais, supervisores de ensino) e chefes da SEDUC, notamos, três

questões que nos acompanhariam, ao longo das demais formações:

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1- Curiosidade e desconhecimento sobre o tema, mesmo com um público composto,

basicamente, por especialistas e gestores.

2- Uma história profissional que não havia se deparado com altas

habilidades/superdotação, o que direcionava as experiências com altas

habilidades/superdotação para familiares: esposos, filhos, sobrinhos, primos e amigos.

3- Por fim, uma sensação de impotência diante de como proceder, com estes educandos.

Em duas outras oportunidades de formação, conversamos com docentes e gestores,

diretamente, nas escolas. Os convites foram feitos pelos próprios coordenadores, das Unidades

Escolares, sendo que o interesse surgiu, após a participação dos mesmos, ao responderem nosso

questionário digital, para a pesquisa.

Nas formações realizadas em escolas, utilizamos os horários de trabalhos pedagógicos

(HTPs), que duram cerca de 1h30 e ocorrem às quartas-feiras. Os encontros realizaram-se entre

março e abril, de 2016, tendo, prontamente, a adesão e interesse dos professores. As formações

ocorreram nos períodos: matutino, vespertino e noturno, abarcando professores do ensino

fundamental I, fundamental II e EJA.

A primeira surpresa foi notar que não há resistência de professores em relação ao tema

e que, apesar de preferirem as explicações genéticas, não há concepção teórica dominante.

A segunda surpresa foi constatar que os docentes, mesmo relatando não ter formação

sobre o tema, descrevem que o motivo de oferecerem pouca atenção às altas

habilidades/superdotação deve-se à grande quantidade de educandos, com dificuldades de

aprendizagem, somado ao fato da escola e rede de ensino não mostrarem interesse nas AH/SD,

concentrando suas atenções naqueles que fracassam na escola.

Temos pontos importantes a serem destacados, durante as formações:

-Mais do que a falta de conhecimento dos docentes em relação à temática, pois,

demonstraram conhecer, minimamente, o assunto, estão as concepções que associam altas

habilidades/superdotação a gênios. Há predominância, também, de não saber o que fazer com

seus alunos mais talentosos, por este motivo, para que identificá-los? Quando superaram a

noção de busca de genialidade, os docentes passaram a citar, prontamente, nomes, que entre

eles, geravam desconfianças de altas habilidades/superdotação.

As noções de dom e aptidão natural são muito presentes em suas falas, o que pode nos

dizer muito sobre os motivos da escola dar pouca atenção a tais casos, uma vez que, a natureza

encarregar-se-ia de conduzir estes alunos ao sucesso.

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Curiosamente, não tivemos posturas divergentes entre professores polivalentes e

especialistas. Pela formação e dinâmica do trabalho, imaginávamos que os pedagogos seriam

mais dispostos ao tema, que professores de disciplinas específicas. Não ocorreu desta maneira;

tivemos comportamento oposto, onde pedagogos buscavam alunos “bons” em tudo e os

especialistas estavam abertos à ideia de que é improvável que a habilidade superior em tudo

ocorra. Os docentes das áreas de: Artes, Educação Física e Matemática, foram os mais dispostos

a indicar nomes.

Outro caso interessante foi do um professor Marcos, que leciona há anos na rede

particular, atuando em ensino médio e cursinhos pré-vestibulares. O professor citado participou,

ativamente, da formação, relatando que a rede particular, onde atua, promove verdadeiras

buscas ativas dos alunos mais talentosos, atraindo-os com bolsas de estudo, como forma de

aproveitar estes educandos, que segundo as palavras dele “requerem pouca atenção e

investimento” e podem atuar como professores auxiliares, em plantões de dúvidas, mas,

especialmente, garantir o marketing da escola, por meio do sucesso, em exames vestibulares e

provas científicas nacionais e internacionais.

Vale também, a reflexão sobre o relato da professora Ana, durante a formação, docente

da turma de AEE, com formação em Educação Especial. A educadora partilhou a vivência com

sua filha, que sendo boa aluna, participava das feiras escolares sempre e, aos 7 anos, solicitou

ser inscrita em um curso de pintura de toalhas e panos de prato. Após, as primeiras aulas, os

pais foram chamados e a professora de pintura falou sobre o talento da menina, que se destacava

dos demais alunos, por sua rapidez na aprendizagem e destreza durante as atividades, utilizando,

novas técnicas, criatividade e imaginação.

A professora, mãe da criança, contou-nos que ela e o marido não levaram muito a sério

a indicação, mas a menina seguiu com o curso. Passaram a comprar canetas, tintas e outros

materiais e para a surpresa de seus pais, a criança desenvolveu um curioso prazer de folhear

revistas de designers, que seu tio, desenhista projetista de uma grande montadora de veículos

trazia-lhe. Com o tempo, a criança começou a criar seus próprios protótipos de carros, a partir

das referências e conceitos dos projetos das revistas. Aos 12 anos, passou a cursar desenho, em

uma Escola de Belas Artes. Por sua habilidade, frequentou uma turma de adultos, onde a

maioria dos alunos era composta de profissionais da área das Artes Gráficas e Visuais, causando

conflitos com os colegas de classe, que apresentavam muita resistência a ter a menina como

colega de classe, pois, só conseguiam realizar as tarefas que a criança fazia com total

desenvoltura, após muitos esforços. Os professores, também, cobravam, exageradamente, a

menina. Infelizmente, a criança não quis mais estudar com os adultos que, em “tese”, estariam

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em seu nível, devido às pressões sofridas, o que a fez esconder seus talentos, amoldando-se ao

grupo e defendendo que todos sabiam tanto, quanto ela.

Anos de resistência ao desenho se passaram e, várias tentativas frustradas, em outras

áreas, ocorreram. Hoje, adulta, cursa arquitetura e apesar de ter facilidade e gostar de estudar,

segue, segundo a mãe, cumprindo, burocraticamente, suas tarefas, oferecendo menos do que

sua capacidade, para não voltar a si as atenções dos professores e colegas, pois, não deseja ser

vista como “diferente”, “anormal”. O relato foi permeado por sofrimento da mãe, ao ver as

dificuldades de sua filha e a forma como foi finalizado, deixou todos os docentes perplexos,

com a seguinte fala: “-Sei que não se trata de um caso de superdotação, mas como ajudar?”

Se uma professora de AEE, que conhece a legislação sobre altas

habilidades/superdotação, não considera alguém, com tal história e perfil, como alto-habilidoso

e, não foi capaz de avaliar o desenho da criança e em nenhum momento, foi capaz de avaliar

que os materiais oferecidos à criança, os cursos dos quais ela dispunha e o capital cultural, eram

agentes transformadores, no desenvolvimento cognitivo da estudante. Mesmo a história de

sofrimento e sucesso somados às constantes indicações dos professores, em relação ao talento

da educanda, não produziu na mãe, docente, a ideia de altas habilidades/superdotação. Como

imaginar a identificação nas escolas? A sua negativa das AH/SD seria um subterfúgio para

apresentar o caso sob a áurea de humildade? Se sim qual o motivo e impactos desta postura?

Ao término do relato, o silêncio dos docentes e gestores indicava o dilema: como tratar

das altas habilidades/superdotação, com crianças de periferia e pobres, se a própria professora

de Educação Especial e responsável pelo atendimento das turmas de AEE, peça chave, no início

de qualquer processo investigativo, apresentou tal concepção sobre o tema? Mesmo diante de

sua própria filha, com talento tão presente e reconhecido, à visão da professora era alguém

“normal”. Assim, os fatos ficaram evidentes aos professores: ou o olhar da docente citada

mudava ou não faria sentido encaminhar alguém, “supostamente talentoso”, para avaliação,

pois constituiria uma perda de tempo e motivo de frustração ao educando.

6.3.2- A “UME Antonio de Almeida Macedo”: um ponto fora da curva

A temática das altas habilidades/superdotação abordada pelo professor Leandro foi de

fundamental importância para a minha formação enquanto professora e coordenadora

pedagógica. Têm sido bem provocadores os diálogos sobre este tema. Em primeiro

lugar, precisamos reconhecer que temos uma grande lacuna formativa neste aspecto.

Em segundo, perceber que os alunos com altas habilidades ainda se encontram

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invisíveis em nossas escolas.No entanto conseguimos (a partir da problematização do

formador) reconhecer que estes alunos estão aí.Outro ponto alto da formação foi

superar a ideia de que os alunos com AH/SD destacam-se sempre em todas as áreas.

As altas habilidades podem ser isoladas ou combinadas. Ficou claro que o conceito

de AH/SD é aplicado àqueles alunos que se destacam em relação aos seus pares

etários, dentro do mesmo grupo social. É preciso romper com os mitos, “causos” e

construção ideológicas que giram em torno da genialidade para que os(as)

meninos(as) com AH/SD e saiam da invisibilidade. (Professora 22)

A escola Antônio de Almeida Macedo tem características particulares que devem ser

consideradas em nossa análise.

Em primeiro lugar, por ser a escola mais afastada do núcleo urbano da cidade, a quase

10km do centro, às margens da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega e localizada em uma espécie

de condomínio habitacional fechado, de classe popular.

O bairro possui casas grandes e com carros e condições de vida melhores que da massa

da população da cidade. A escola é a única no bairro e estrutura-se em um grande complexo,

que abarca educação infantil I (creche), educação infantil II e ensino fundamental. Assim, a

maioria dos alunos permanece no mesmo complexo escolar, desde os primeiros meses de vida

até os 15 anos de idade, o que confere às equipes gestoras, funcionários e docentes, conhecerem

todos alunos e suas famílias.

Muitos professores são moradores do bairro e seus filhos alunos da escola. Até poucos

anos atrás, a diretora da escola, morava no bairro e seus filhos eram alunos da escola.

Sendo assim, a escola tem características muito peculiares, inclusive, em relação a noção

de pertencimento de classe existente entre alunos e professores.

Nos últimos anos, a escola tem recebido alunos de um núcleo populacional novo, na

região, A população deste bairro é muito pobre, sendo a maioria dos moradores migrantes

nordestinos, recém-chegados. Estes alunos sofrem preconceito e estigma pelos demais, tendo

uma aceitação complicada, por parte dos moradores do bairro, onde se situa a Unidade Escolar.

Assim, despertam-nos a ideia de “estabelecidos” e “outsiders”, proposta por (ELIAS,

SCOTSON, & Ribeiro., 2000).

A escola é conhecida por sua qualidade, com diversos alunos aprovados em

universidades públicas, tendo notas elevadas na Prova Brasil, SARESP, IDEB e pelo

compromisso de seus profissionais.

Com muitos membros da equipe e docentes sendo militantes declarados de esquerda, a

escola costuma expor as contradições da sociedade capitalista, em suas práticas e currículos,

liderando movimentos grevistas, lutas de trabalhadores, debates pedagógicos na cidade e, por

tais motivos, tem sido perseguida, sofrendo represálias políticas.

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É uma instituição movida pela luta política/pedagógica, com uma história de qualidade,

que a protege um pouco mais do estigma de fracasso, que paira sobre a maioria das escolas

públicas.

A escola possui projetos bem delineados, com formação de professores baseado em

estudos de: Saviane, Duarte, Leontiev e Vigotsky. Há muitos anos, os docentes estudam o

aprendizado humano, a partir da ótica da Pedagogia Histórico Crítica e da Psicologia Histórico

Cultural. Deste modo, foi a única escola que visitamos, onde gestores e docentes tinham uma

concepção já construída sobre inteligência e altas habilidades, apresentando-se extremamente

críticos às ideias de meritocracia, dom e genética.

Não bastasse as diferenças discrepantes da escola, nos aspectos positivos, a

coordenadora pedagógica da Unidade é companheira do pesquisador e, assim, acompanha

estudos, leituras e participa dos congressos sobre o tema, acompanhando-nos em visitas

realizadas às instituições especializadas. Esta é a única escola que tem um trabalho sistemático

de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação, com professores das salas de

AEE, fazendo atendimento semanal a estes educandos, com os docentes das turmas regulares

sendo provocados a pensar nos mesmos. A equipe técnica planeja ações e atividades

direcionadas a estes alunos, como: visitas monitoradas e saídas de campo e oferece orientações

junto aos profissionais da escola. O tema é parte das preocupações da equipe, inspirando grande

curiosidade nos docentes que, constantemente, abordam a temática e atualmente, 17 alunos são

atendidos, tendo suspeitas de altas habilidades/superdotação.

Portanto, quando fomos convidados a ministrar a formação de 5 horas, na escola,

tivemos impressões muito positivas, que vamos descrever a seguir:

Como tivemos mais tempo com a formação destes professores, organizamos nossa

exposição da seguinte forma: o que pensam os professores sobre o tema?; a situação da

invisibilidade; o conceito de altas habilidades, na produção científica da área; as noções da

meritocracia; dom e aptidão natural; noções sobre altas habilidades/superdotação; a escola em

uma visão total, suas dificuldades e como concepções teóricas impedem-nos notar/desenvolver

alunos com altas habilidades; protocolos de identificação; dúvidas dos docentes sobre o tema;

e, finalmente, solicitamos aos professores que respondessem uma avaliação sobre a formação.

Durante a apresentação, notamos, que quando a escola tem posições claras e definidas,

quanto ao seu percurso político e teórico, é bem mais simples aos educadores pensar sobre os

alunos talentosos.

De acordo com as teorias que embasam a Unidade, foi mais simples romper com as

noções redentoras da escola e superar as concepções geneticistas ou baseadas em determinismos

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sociais simplistas. Os próprios docentes demonstraram-se preocupados com os usos, que as

grandes redes de ensino fazem, a partir da seleção destes educandos por bolsas de estudo e,

especialmente, como os discursos inatistas são preocupantes, ao tornar “biológicos” traços que

são, em essência, sociais, e como as noções de “dotação” leva a escola perder o sentido e sua

função social.

Os professores de Matemática: Lacerda, Mauro e Magno foram valorosos, pois,

explicaram como determinadas habilidades matemáticas não são aprendidas, espontaneamente,

mas, a partir do trabalho com determinados conteúdos. Quando se abre mão dos conteúdos,

permanecendo meramente no cotidiano, pensamos que os alunos dominam a Matemática,

quando conhecem, apenas, rudimentos de cálculo e lógica, não podendo adentrar em questões

matemáticas enfrentadas pelos matemáticos. Assim, criamos um círculo que impede que filhos

de trabalhadores sejam considerados superdotados, em Matemática, não sendo este um saber

que as pessoas utilizam e aprendem, na vida cotidiana.

As crianças das classes populares, em geral, chegam à escola sem os saberes

matemáticos, e a escola não ensinando os conteúdos, faz com que estes alunos sigam, sem

dominar a área. Tais saberes seguem negados, sendo que, quando chegam no ensino

fundamental II e têm contato com os matemáticos, o máximo que temos são alguns alunos

espertos e rápidos em cálculos mentais, mas, isto não seria suficiente para os docentes

considerá-los AH/SD.

Durante a formação, pudemos verificar que, ainda que os professores relatem ter pouca

formação específica no tema, não há um impeditivo para que as reflexões destes profissionais

sejam bem apuradas sobre altas habilidades/superdotação, bem como, a percepção de seus

alunos talentosos segue acompanhada do incômodo de não conseguir dar maior atenção a estes.

Temos deste modo, a confirmação de que a pouca formação, enquanto fator preponderante para

invisibilidade é constatada, parcialmente, uma vez que, ainda que estes docentes declarem não

ter formação específica, mostraram-se muito atentos e preparados, para debater a temática e

identificar seus “melhores alunos”.

Em relação aos mitos sobre altas habilidades/superdotação indicados sobre o tema como

razão da invisibilidade, não se confirmaram como questões importantes, para compreender o

fenômeno. O único mito que surgiu foi associar AH/SD à ideia de genialidade, fenômeno que

se apresentou inúmeras vezes nas falas dos docentes sobre o tema. Gostaríamos de

destacar algumas observações dos docentes, durante a formação, pois podem nos ajudar na

compreensão do problema de pesquisa. O professor Magno, em momento de conversa informal,

questionou sobre o papel da memória, nas altas habilidades/superdotação e como a ideia de uma

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“certa” pedagogia, que ignora a memória, atrapalha os alunos em seu desenvolvimento;

exemplificou com os jogadores de xadrez, possuem coletâneas de jogos na memória, como

modelos.

Questionado sobre como se desenvolve a memória, se é fruto da biologia ou se trata de

algo que é ensinado, ligado às práticas sociais, o professor indicou que daí surge o papel do

mestre e da escola, afinal, apontam o que e quando memorizar, auxiliando, desta maneira, na

criatividade do educando e na habilidade acima da média.

O professor Cássio, docente de Educação Física nos questionou a respeito do seu filho,

que conquistou inúmeras medalhas em campeonatos e possui um grupo de amigos, onde todos

são muito talentosos. Assim, desejava saber o peso da ação do grupo, no desenvolvimento do

indivíduo, sendo que, ao observar tantos colegas talentosos, convivendo com seu menino e

sendo professor de fisiologia humana, indicava que a genética, apenas, não seria suficiente para

compreender o fenômeno. Parecia que docente intuía sobre o peso de sua influência, no

desenvolvimento de seu filho e no grupo de colegas.

Em conversa informal, questionamos quanto ao funcionamento do treino do atleta e

fatores determinantes para resultados positivos. Como resposta, obtivemos que a habilidade se

desenvolve com um misto de itens: habilidade motora, biótipo, treinador, treino, competição e

aprendizado com os colegas mais experientes somados, ainda, a própria experiência e prática.

Com todos os fatores citados, segundo o professor, faz-se um campeão, afirmando que o papel

da genética é mínimo, nas altas habilidades/superdotação, evidenciando o papel da escola e da

cultura neste processo.

Durante a formação, na escola, desenvolvemos uma avaliação com o grupo de

professores, com o objetivo de observar como receberam a formação e o debate sobre o tema

das altas habilidades/superdotação. O resultado das avaliações indica-nos alguns

comportamentos dos docentes em relação à temática, que nos aponta caminhos para que

possamos melhor compreender a invisibilidade das altas habilidades/superdotação.

O interesse e as dúvidas dos professores ficaram evidentes, em suas respostas, bem

como, demonstram que não há qualquer tipo de resistência, por parte dos educadores, em

abordar o tema, com citações, inclusive, sobre a importância de tratar de um assunto,

geralmente, negligenciado, como as respostas abaixo nos mostram:

Considerei esclarecedora a atividade de formação porque poucas vezes o assunto é

tratado nas escolas e até mesmo nos cursos universitários e de formação. Ainda tenho

muitas dúvidas em relação ao assunto e ao melhor encaminhamento de atividades com

esses alunos, mas sinto que avançamos, consideravelmente, apenas pelo fato de

tocarmos no assunto. (Professor 08)

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Muito interessante e profundo. Não sabia praticamente nada sobre o assunto. Tinha

apenas ideias. Com a palestra ficou um pouco mais claro como diagnosticar e trabalhar

com esses alunos. Ficam muitas perguntas e como praticamente ajudar, em escola

pública, esses alunos.(Professor 09)

Realizamos um quadro com a tabulação das avaliações129, com a descrição da tipologia

de referências mais presentes, nas colocações dos docentes, que seguem na tabela:

Figura 90.

Categorias descritas pelos docentes: Quantidade de citações:

Derrubou mitos sobre o tema 11

Ampliou o olhar 11

Papel do meio social na constituição das AH/SD 08

Conceitos da área de AH/SD 06

Desmistificar a genialidade 06

Não sabia quase nada, tinha ideias e dúvidas 05

Superação do dom 05

Importante 04

Tema interessante 03

Percepção da falta de políticas públicas, na área: 03

Busca por protocolo de identificação 02

Seguem muitas dúvidas: 02

Os resultados das avaliações indicam caminhos interessantes a serem avaliados, em

primeiro lugar, chamou a atenção o fato dos itens mais repetidos pelos docentes, terem relação

com a “derrubada de mitos sobre o tema” e “ampliação do olhar sobre as altas

habilidades/superdotação”, cada uma sendo lembrada por 11 professores. Em nenhum

momento, falamos em mitos na formação, mas, é interessante notar que o próprio professor

sabe que tem opiniões sobre a temática, muitas vezes, baseadas em imaginários pautados no

senso comum. A descrição sobre a ampliação do olhar em relação ao assunto tem nítida ligação

com a superação, com a ideia de que os sujeitos alto-habilidosos seriam aqueles considerados

gênios. Durante a formação, esta foi a maior dificuldade a ser superada, nas ideias dos docentes

sobre o tema. Tal concepção teve tamanho poder, que surgiu nas avaliações como outra

categoria: “Desmistificar a ideia de gênios” que foi lembrada por 08 professores, assim,

verificamos que a superação desta ideia é condição fundamental para que processos de

identificação e atendimento sejam efetivados. A importância do debate sobre o conceito de

genialidade associada às altas habilidades/superdotação é verificada na resposta do professor

que se segue:

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Achei interessante o momento de reflexão proporcionado ao desconstruir a ideia de

que os gênios nascem prontos e que há necessidade de aprender para poder evoluir,

valorizando o trabalho do professor. Outro aspecto que também destaco foi quando

citou e comparou as teorias da inteligência citando o dom, a hereditariedade e a

interação do individuo com a sociedade em que vive (O que faz toda diferença). O

pior foi perceber que não há interesse nas políticas públicas brasileiras em descobrir

esses alunos, a não ser em instituições particulares para autopromoção. Enfim

parabéns, adorei. (Professor 12)

Outras duas categorias descritas pelos professores, durante a formação, têm ligação

direta com a concepção teórica da escola e perspectivas dos professores sobre o assunto, que

foram as seguintes referências: “A influência do meio na constituição das altas

habilidades/superdotação” e “Conceitos sobre as altas habilidades/superdotação”, os quais

foram lembrados, respectivamente, por 08 e 06 professores, demonstrando o interesse dos

trabalhadores da educação sobre o tema, especialmente, no que tange a influência do meio

social dos estudantes, no desenvolvimento das habilidades, e qual seria o papel da escola neste

processo. Podemos verificar o interesse pela temática na exposição dos professores:

A formação trouxe conceitos que ampliam a formação pedagógica dos docentes em

relação as altas habilidades. Perceber assim, a problemática do tema possibilita atuar

de modo eficiente e competente na aprendizagem dos alunos. Reconhecer

coletivamente a dificuldade para o atendimento desses alunos é trazer novos objetivos

para o fazer (trabalho) educativo. Esse trabalho pertence, ou melhor, diz respeito a

qualidade das ações que se pretende alcançar no cotidiano escolar. Por isso, os

conhecimentos sobre altas habilidades nas escolas públicas, discutidos são

importantes para elucidar os caminhos escolares e suas perspectivas. (Professor 11)

Um fato marcante da palestra foi aprender que altas habilidades e superdotação não

tem nada haver com o indivíduo que domina tudo, de forma espontânea, como se fosse

o dom, entende que altas habilidades significa que o indivíduo é bom em determinado

assunto, rompe com o conceito do “The Best” em tudo, e me faz mudar meu olhar

para cada aluno no cotidiano escolar. (Professor 16)

O terceiro grupo de categorias lembrado pelos professores, na avaliação da formação,

cada um com 05 citações de docentes, indica alguns pontos relevantes de nossa pesquisa: cinco

professores disseram que, antes da formação, “não sabiam nada sobre o assunto. Em seguida,

lembrado pelo mesmo número de docentes, cinco, temos as referências à “superação da ideia

de dom”. Quanto a superação da ideia de dom, destacamos a resposta abaixo, como exemplo

do interesse dos professores sobre a questão das aptidões naturais:

Achei a conversa interessante e esclarecedora, quanto ao que realmente é

superdotação/altas habilidades. Ficou claro que são sinônimos e que não se trata de

uma criança que sabe tudo, sobre tudo e que já vem pronto. A criança com AH precisa

de atendimento especializado e assim como os outros precisa ser estimulada,

encaminhada, de acordo com as suas necessidades. Se isso não for notado pode até se

perder, por isso é necessário trabalhar essas habilidades, desenvolvê-las. Desse modo

é possível olhar atentamente nossos alunos e indicar crianças com possíveis altas

habilidades, afinal, algumas características são marcantes e se repetem. Foi

interessante também saber que existe material do MEC a respeito do tema, mas

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infelizmente não é veiculado nas escolas e poucos tem conhecimento deste. (Professor

18)

Finalmente, o último grupo de categorias levantadas, a partir da leitura das avaliações,

com número de citações que vão de 04 a 02 docentes, é composto pelos itens que indicam que

os docentes consideram o assunto das altas habilidades/superdotação importante e interessante

de ser abordado pela escola, bem como, relatam desejoso de obter protocolos de identificação

que lhes pudessem auxiliar neste trabalho. Destacamos os 03 professores, que relataram

incômodo ao verificar, durante a formação, que existiam poucas ações do poder público visando

o atendimento a estes alunos. Como desconfiávamos, os professores são, profundamente,

interessados no tema das altas habilidades e em como ajudar alunos com rendimento superior

à média.

Importante que os professores do FUND.II sejam capacitados para identificar e

trabalhar com alunos de altas habilidades e superdotação. A falta de formação faz-nos

enxergar o aluno com AH/SD como um aluno apenas “mais esperto” ou “mais

interessado” que os demais, ou que se destacam da média porque tem uma família que

“investe” mais nele. Não há nos sistemas públicos estadual ou municipal um olhar

diferenciado para os alunos que estão acima da média. O investimento na investigação

das deficiências e síndromes é maior porque ela está diretamente ligada ao fracasso

escolar e os altos índices de repetência. E nessa dinâmica aqueles com AH/SD são

notados, mas não “merecem” investimento. (Professor 13)

6.4- As entrevistas

Entre as ferramentas utilizadas para coleta de dados da pesquisa, desenvolvemos

entrevistas com profissionais da educação da rede municipal, como forma de obtermos

informações com um caráter aprofundado e qualitativo.

Desenvolvemos duas entrevistas, com aproximadamente 45 minutos cada, com uma

diretora de escola da cidade e a professora responsável pela formação em educação especial dos

professores e gestores do município.

As entrevistas ocorreram nos dias 14 e 15 de abril de 2016, foram realizadas nas

dependências das escolas onde as profissionais atuavam, e ocorreram após contato via e-mail e

a escolha da melhor data, hora e local, pelas entrevistas.

Os objetivos das entrevistas eram verificar com profissionais renomados da rede de

ensino e com ótima formação entendiam a questão do atendimento as altas

habilidades/superdotação, bem como os motivos da invisibilidade segundo suas concepções, e

observar a partir de uma perspectiva qualitativa as questões até então analisadas a partir de

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questionários, e dessa forma nos aprofundar no problema da pesquisa a partir do olhar de

profissionais qualificados.

A diretora escolhida é profissional reconhecida, na rede municipal e na cidade e, talvez,

seja a mais renomada profissional de direção do município, tendo dirigido inúmeras escolas da

rede. Assim, consideramos que a sua opinião estaria acima da média dos conhecimentos, dos

demais profissionais de gestão da rede. Professora de Língua Portuguesa, graduada na UMESP

e atuando na direção de escolas municipais, por mais de 2 (duas) décadas, a diretora que nos

concedeu a entrevista é profissional de destaque na região.

Realizamos a entrevista, em uma sala reservada para a atividade, na escola que é dirigida

pela entrevistada, em uma tarde escolhida pela profissional.

Conhecemo-nos como gestores educacionais, há quase 1 (uma) década, assim, a

conversa transcorreu de forma fácil e tranquila, por mais de 45 minutos. Em alguns momentos,

a profissional questionou-nos sobre o tema, uma vez que, não conhecia a temática de minha

pesquisa e a entrevista perpassou por alguns tons de bate papo informal.

A segunda entrevista ocorreu com a professora responsável pela formação dos docentes

da rede municipal, no tocante a educação especial. Professora da rede há mais de 2 (duas)

décadas, trata-se de um profissional de extrema competência e experiência, tendo atuado, em

inúmeras unidades de ensino da cidade, com os mais diversos tipos de deficiências e público da

educação especial.

Profissional muito séria e respeitada, conhecida pelo tom formal, causou-nos certo

receio de que a entrevista tivesse dificuldade para transcorrer, mas, assim que começamos a

conversa, percebemos a facilidade e naturalidade e, novamente, tivemos cerca de 45 minutos,

de um diálogo tranquilo e animado sobre as altas habilidades/superdotação.

As entrevistas ocorreram, como dissemos, após convite130 encaminhado por e-mail, no

qual apresentávamos a pesquisa e deixávamos o participante livre, para que aceitasse o convite,

escolhendo melhor local, data e hora, de modo que se sentisse à vontade.

Realizados os devidos esclarecimentos, as entrevistas foram gravadas, com a anuência

dos participantes. Optamos por seguir um roteiro orientador das questões apresentadas e

evitamos cadernos de notas e registros, no momento da entrevista, para não deixar o diálogo,

demasiadamente, formal e, também, a fim de que não perdêssemos momentos de interação com

o entrevistado, devido às paradas para tomarmos nota.

130 O convite realizado aos participantes, por intermédio do e-mail, está disponível em anexo, item -2.

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Finalizamos a introdução da entrevista, explicando a necessidade do gravador e

garantido o anonimato do participante e da escola que o mesmo representava, conforme

processo desenvolvido no comitê de ética131 e autorização obtida junto à SEDUC132, bem como,

solicitando que os profissionais ficassem à vontade, para falar livremente sobre os assuntos da

pesquisa e que os interromperia, caso surgisse a necessidade de algum esclarecimento.

As entrevistas foram organizadas em 14 questões sobre o tema das altas

habilidades/superdotação, visando obter informações qualitativas sobre os principais assuntos

abordados, em nossa pesquisa. E ocorreram distribuídas em três momentos, com as questões

apresentadas aos profissionais, divididas da seguinte forma: introdução ao tema; a experiência

profissional e o cotidiano da escola; a invisibilidade: motivos e perspectivas.

A primeira questão: “Quando falamos em superdotação o que vem à sua mente?”,

pretendia verificar, as impressões iniciais do participante sobre o tema, aferindo se os chamados

mitos sobre a temática confirmar-se-iam.

Na sequência, questionamos os participantes sobre o possível contato com as altas

habilidades/superdotação, nos seus tempos como estudantes, objetivando levá-los a refletir, a

partir de algo concreto, como a sua experiência estudantil sobre o tema, uma vez que, muitos

relatam nunca ter trabalhado com alunos alto-habilidosos. Assim a pergunta: “Nos seus tempos

de estudante, você teve algum colega que na sua opinião, pudesse ser chamado de pessoa com

altas habilidades/superdotação? Como foi esta experiência na escola?

Ainda, na primeira parte da pesquisa, questionamos os profissionais sobre terem tido

algum tipo de formação, na área, em seu processo formativo. Na sequência, caminhando para

a reflexão mais direta sobre o tema da pesquisa, questionamos os participantes sobre em suas

opiniões, em como explicar a superdotação/altas habilidades, do ponto de vista de sua origem.

Assim, tivemos as questões: “Você teve alguma formação sobre o tema, em sua trajetória

acadêmica, formativa? Para você, o que explicaria a condição de superdotado?”.

Na segunda parte da pesquisa, temos um conjunto de 5 (cinco) questões, que buscam

obter informações do participante sobre as altas habilidades/superdotação, em sua experiência

profissional. Portanto, seguem as questões: “Em sua experiência como gestor e como professor,

já teve ou recebeu indicação de algum aluno superdotado? Pode descrever o caso? Você tem,

atualmente, na escola/rede algum aluno com altas habilidades/superdotação? Como está

131 O processo do comitê de ética da pesquisa apresentado aos participantes, por intermédio de e-mail, está

disponível em anexo. 132 A autorização da Secretaria Municipal de Educação para as visitas às escolas e entrevistas com os

profissionais, esta disponível em anexo.

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sendo?”. Solicitamos, também, a descrição de algum caso de altas habilidades/superdotação,

como forma de aprofundar as informações sobre a realidade de trabalho com estes estudantes.

Ainda, nesta parte da pesquisa, perguntamos aos profissionais sobre temas objetivos do

trabalho com os estudantes alto-habilidosos, desta forma, as questões: “Você teria dificuldade

em trabalhar com crianças com altas habilidades/superdotação? Você saberia identificar um

aluno com altas habilidades/superdotação? Como você acha que é a experiência de um aluno

com altas habilidades/superdotação, na escola?”. Visávamos ouvir os participantes em relação

às dificuldades que estes pudessem enumerar sobre o trabalho com superdotados, sua avaliação,

quanto a própria condição de identificar estes estudantes e a forma como imaginam a vida destes

educandos, na realidade escolar.

A questão sobre problemas no trabalho e identificação buscava informações sobre o

tema, a partir do olhar de professores qualificados. Logo, seria razoável concluir que se estes

apresentassem problemas e dificuldades, na identificação, a rede, como um todo, teria

dificuldades, ainda maiores e mais profundas.

Após este percurso de introdução, reflexões iniciais, questionamentos sobre a

experiência cotidiana, com as altas habilidades/superdotação, finalmente, chegamos ao tema da

pesquisa: a invisibilidade dos estudantes com altas habilidades/superdotação.

Deste modo, o grupo de 05 (cinco) perguntas que se seguem e finalizam a entrevista,

estiveram ligadas à busca de informações sobre como os profissionais entendiam a

invisibilidade das altas habilidades/superdotação, em nossas escolas.

A primeira pergunta: “Em sua opinião, por que é tão raro um docente identificar ou

encaminhar um aluno com altas habilidades/superdotação?”. Vai direto ao ponto e deseja ouvir

os profissionais responsáveis pela gestão e pela formação dos professores, quais seriam os

motivos da subidentificação de alunos alto-habilidosos.

Buscando avançar para além da percepção que atribui, apenas, ao docente as

responsabilidades e motivos da não identificação, a pergunta: “Por que alunos com altas

habilidades/superdotação recebem tão pouca atenção?”, visa compreender, por meio do olhar

das entrevistadas, como avaliavam a atenção recebida pelos alunos talentosos e como a

explicavam, de modo que pudéssemos verificar o peso atribuído ao fracasso escolar, na questão

da invisibilidade.

Ainda, na senda de verificar como o fracasso escolar e a invisibilidade relacionavam-se,

na percepção dos profissionais entrevistados, segue a questão: “Em sua opinião, existe alguma

relação entre altas habilidades/superdotação e classe social?”.

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Nas duas últimas perguntas, novamente, retornamos à questão da invisibilidade com

uma reflexão sobre os motivos, segundo o entrevistado, para explicar o reduzido número de

crianças e adolescentes alto-habilidosos, em nossa realidade educacional, a questão: “Em sua

opinião, por que temos tão poucos alunos com altas habilidades/superdotação em nossa

realidade educacional, classes, escolas, redes de ensino?”, esta questão foi seguida pela

pergunta: “Que perspectivas você imagina para um aluno com altas habilidades/superdotação,

na rede pública?”, que tinha o objetivo de levar os entrevistados a refletir sobre as condições

de ensino dos alunos com altas habilidades/superdotação e finalizar a entrevista.

Ao longo do processo de pesquisa, tornou-se evidente que não poderíamos finalizar

nosso trabalho de campo, sem ouvir, exatamente, os maiores interessados no tema da pesquisa:

os estudantes com altas habilidades e desta forma, tínhamos, inicialmente, a pretensão de

entrevistar jovens com altas habilidades, de nossa rede de ensino, porém, como realizar tais

entrevistas, se não temos alunos identificados pelas escolas como alto- habilidosos?

Neste sentido, decidimos utilizar uma metodologia que consideramos mais objetiva e

efetiva¸ que descreveremos. Ao longo dos últimos 6 anos, ou seja, desde 2011, participamos de

um projeto comunitário que, com a ajuda de mais 5 colegas professores, desenvolve um

cursinho preparatório para pessoas interessadas em tentar uma vaga, no ensino médio ou nos

cursos profissionalizantes, do Centro Paula Souza/ETEC e do Instituto Federal de Ensino de

São Paulo/IFSP, ambos modelos de educação pública de qualidade e conhecidos devido as

duras e concorridas provas para ingresso.

Neste período, formamos 12 turmas que, a cada semestre, prestam as provas de ingresso

nas escolas, totalizando mais de 250 estudantes, dentre estes muitos alunos despertaram-nos a

desconfiança de que seriam candidatos à identificação para altas habilidades/superdotação.

Ao longo de 2016, tivemos uma turma, especialmente, talentosa e com muitos jovens

que apresentavam rendimento acima da média, desde as primeiras aulas, em março.

Dentre os estudantes que nos chamaram a atenção, alguns obtiveram a aprovação, na

ETEC, já na prova do meio do ano, que realizaram como treineiros, ainda que não tivessem

concluído o ensino fundamental. Ao término do ano letivo, de um total de, aproximadamente,

30 (trinta) alunos, tivemos 12 (doze) aprovados nos cursos da ETEC ou IFSP, que hoje estudam

nestas instituições. Assim, decidimos que entrevistaríamos aqueles alunos que,

consensualmente, os professores do cursinho suspeitassem de possíveis casos de altas

habilidades/superdotação, devido ao desempenho e resultados, ao longo do ano de 2016.

Entre os alunos tínhamos, inicialmente, 4 rapazes e 2 meninas que seriam entrevistados,

mas uma das moças acabou faltando, nas ultimas aulas do cursinho, assim, apenas uma menina

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foi entrevistada. Amenina entrevistada é dedicada, esperta e chama atenção pela forma rápida

e atenta como acompanha as aulas no cursinho, com observações perspicazes e conhecimentos

que a maioria dos alunos da turma não dominam, chamando atenção por seu potencial.

Entre os rapazes, entrevistamos 2 alunos da rede municipal de Cubatão, sendo que

ambos já haviam sido aprovados, no exame da ETEC, no meio do ano e, agora, haviam obtido

aprovação, nas provas da ETEC e IFSP, garantindo ingresso, em2017.

O primeiro destes estudantes, jovem, negro e morador de um bairro da periferia

cubatense, foi aluno na escola, em que atuamos como gestor, quando tinha 6 anos de idade e

pudemos acompanhar toda a sua trajetória, ao longo do ensino fundamental. Dedicado e

inteligente é, sem sombra de dúvida, um aluno que se destaca, desde a educação infantil e

confirmou as suspeitas de seu potencial, sendo um dos melhores alunos da escola de ensino

fundamental. Aprovado na ETEC, no exame do meio do ano, obteve rendimento acadêmico

excelente, em toda sua trajetória escolar e encerrou 2016 com a medalha de bronze, na OBMEP

2016 e conseguindo mais de 70% de acertos, nas provas da ETEC e IFSP, no fim de 2016,

garantindo sua vaga no ensino médio, em ambas escolas.

O outro menino cubatense é aluno de outra escola pública de periferia da cidade, na

qual, inclusive, realizamos formação sobre o tema, com diversos professores, tendo-o citado

como exemplode aluno com altas habilidades. Seu nome foi indicado ao cursinho, devido a este

potencial verificado pelos docentes e por ser morador de um bairro muito pobre da cidade,

sendo que o aluno teve sua condução para o curso preparatório, custeada pela APM (Associação

de Pais e Mestres) da escola onde estuda.

O jovem tímido e de família simples possui uma trajetória escolar, também, de destaque,

desde os primeiros anos do ensino fundamental, sendo aprovado na ETEC, no meio do ano, e

encerrando 2016 como classificado, em primeiro lugar, no “Câmera Educação”: um concurso

de redações promovido pela principal emissora de televisão da região, onde milhares de

estudantes, de todas as escolas da Baixada Santista, concorrem. O jovem obteve, ainda, a

medalha de ouro, na OBMEP 2016 e foi aprovado, nas provas da ETEC e IFSP, com 80% de

acertos, garantido sua vaga em ambas escolas.

O último aluno, da turma de 2016, entrevistado é aluno da rede pública estadual, na

cidade de São Vicente. Profundamente interessado, muitas vezes, monopolizando os debates na

aula, com os professores, nada parece que o distrai, o que desperta comentários entre os colegas

e estranheza entre os professores.

Um jovem tímido e franzino que pouco interage com os demais alunos, de uma família

simples e pobre, muitas vezes, chegou às aulas de bicicleta, após cruzar um percurso de mais

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de 10km, de sua casa até o curso. Aparentemente, recebe menos incentivo de sua escola que os

rapazes cubatenses e, por este motivo, não relatou ter participado de nenhum curso ou concurso

acadêmico, em 2016. Extremamente dedicado e contando com uma virtuosa memória,

destacou-se como um dos melhores alunos da turma e terminou sendo aprovado, nos exames

tanto da ETEC como no IFSP. Atualmente desenvolve estagio em realidade aumentada, como

estagiário, após ter sido aprovado em seleção que contou com dezenas de candidatos e tendo

recentemente se submetido a um transplante de córnea e assim tendo participado da seleção

durante sua recuperação.

Cabe destacar aqui uma exceção, o aluno D. era o único mais velho do grupo, tendo 17

anos, não sendo membro da turma de estudantes de 2016, pois, estudou no cursinho, em 2013,

tendo sido aprovado, entre os primeiros colocados, para cursar o ensino médio na ETEC

“Aristóteles Ferreira”, tradicional escola de Santos. Em 2016, D. retornou ao cursinho por dois

motivos: juntou-se aos demais professores e passou a lecionar Língua Portuguesa.

As entrevistas foram realizadas, Na instituição onde o curso pré-vestibular funciona, no

dia 03 de dezembro de 2016, no decorrer das aulas, enquanto outros professores seguiam com

o conteúdo. Convidamos os estudantes selecionados para que, individualmente, contribuíssem

com a pesquisa, sendo informados sobre o estudo e anonimato de suas identidades.

As entrevistas foram gravadas, e como são tímidos e jovens, realizamos um diálogo

curto e objetivo, pois, os meninos, rapidamente, ficavam inibidos com a situação, mas, ainda

assim, forneceram-nos relevantes informações sobre a percepção dos estudantes, que são

possíveis alto-habilidosos, sobre suas experiências escolares.

A primeira pergunta: “Você já ouviu falar em superdotação e em altas habilidades?”,

buscava verificar as informações junto aos alunos, com rendimento superior à média dos

estudantes, sobre os termos utilizados para se referir ao público, o qual, talvez, eles próprios

fizessem parte.

A segunda pergunta buscava informações sobre a forma que os estudantes percebiam

seu rendimento, em relação aos demais colegas e a que atribuíam esta diferença. Assim,

indagamos :“Você acha que aprende mais rápido que os outros alunos?”

Perguntamos a estes alunos, como avaliam sua condição intelectual relacionada aos

demais estudantes e que explicação tinham para seu potencial destacado, desta forma, seguem

as questões: “Você acha que é mais inteligente?” e “De onde vem sua inteligência?”foram

feitas para avaliarmos como explicavam sua condição.

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Na sequência, o segundo grupo de questões ateve-se à experiência escolar dos

educandos, as perguntas foram: “Como é estudar com alunos que aprendem mais devagar?

Como é a escola para você? Porque você gosta de estudar?”.

Buscando verificar como as áreas de interesse ligavam-se ao desempenho que

observamos, em sala de aula, ao longo de 2016, perguntamos aos entrevistados: “O que você

pretende no futuro? e Quais são suas preferências nos estudos?”.

Finalmente, realizamos as perguntas que mais, diretamente, relacionavam-se com o

tema da invisibilidade dos alunos com altas habilidades/superdotação: “Os professores sabem

de sua inteligência? O que fazem com isso? e “Você se considera alguém com

superdotação/altas habilidades?”. Um ponto importante é que nenhum estudante apresentou-

se surpreso, com a abordagem do tema em relação a si e nem contrariou a noção de que teria

potencial superior, bem como, souberam indicar outros estudantes que consideravam suspeitos

de altas habilidades/superdotação, entretanto, nenhum se definiu como superdotado.

6.4.1 – Análise das Entrevistas

[...] O Renan era um...Eu falava: -Renan, você vai ser músico. Ele falava isso

textualmente: - Eu vou ser músico! Eu não preciso disso aqui. -Então, mas assim: -

Agora você precisa! Né! Você precisa passar de ano, você precisa se livrar disso aqui!

Nem que seja pra você se livrar disso aqui, você precisa!(diretora entrevistada durante

a pesquisa)

A análise das entrevistas foi baseada nos trabalhos de LANG (2000) e desta forma

entendemos que a pesquisa com fontes orais e o trabalho com entrevistas não se esgota na

entrevista e transcrição da mesma, consideramos que o documento deve ser analisado e precisa

ser levado a falar sobre o problema da pesquisa, e seguimos a autora na forma como se filia ao

pensamento de Bertaux (1980):

“A análise se realiza ao longo da pesquisa, consistindo em construir progressivamente

uma ‘representação’ do objeto sociológico. Nela se investe um máximo de reflexão

sociológico e um mínimo de procedimentos técnicos. É na escolha dos informantes,

na transformação do questionamento de um informante a outro, no hábito de descobrir

indícios de processos até então não percebidos e de organizar os elementos de

informação em uma representação coerente, que se mostra a qualidade da análise [...]”

(Bertaux, 1980, p.212-213).

Também nos filiamos aos trabalhos de Demartini para o trabalho com fontes orais e, a

partir destes, pensamos no planejamento, execução e análise das entrevistas, destacamos os

trabalho de DEMARTINI (2013), onde a autora reafirma os trabalhos de Bertaux como

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referência para pensarmos no trabalho com fontes orais e metodologia para a sua realização e

análise. Quanto as análises do material obtido, seguimos a autora que observa:

Assim, o estudo de memórias implica, a nosso ver, num envolvimento e

questionamento contínuo do pesquisador, colocando em questão, a todo instante, o

referencial teórico do qual se parte, e a própria forma como se faz ciência.

(DEMARTINI, 2013, P. 240)

Trabalhando com um número reduzido de entrevistas, por limitações estruturais e

operacionais, decidimos tratar os documentos como Demartini (2013), que se propõe filiar ao

conceito de depoimento de Maria Isaura Pereira de Queiroz. Desta forma, tentamos seguir um

roteiro estabelecido e buscando restringir a entrevista aos temas e categorias, previamente,

estabelecidos, de modo a obter respostas dos participantes sobre a temática, ainda que, por

alguns momentos, a entrevista tenha se encaminhado para questões mais amplas sobre

educação. As entrevistas não tiveram uma abordagem psicológica, pois pretendemos resgatar

informações objetivas da experiência dos participantes com o tema da pesquisa e, assim, as

questões mais subjetivas da experiência dos entrevistados não constaram entre as nossas

prioridades.

A análise das entrevistas com os alunos, com indicadores de altas habilidades,

possibilitou-nos verificar a ocorrência de algumas categorias de análise que buscamos, quando

construímos o roteiro da entrevista, tais como: “A consciência de seu rendimento superior à

média e as explicações para este fato”; “A forma como se relacionam com os conteúdos

escolares e organizam seus modelos de estudos”; “As experiências escolares de alunos com

potencial elevado, na escola”; e, finalmente, “A percepção dos docentes sobre potencial dos

estudantes talentosos e suas estratégias de atendimento a estes”.

Durante as entrevistas, com os estudantes, pudemos constatar alguns traços

interessantes, em primeiro lugar, todos apontam que consideram que aprendem com maior

facilidade e rapidez, em relação aos demais estudantes, apresentando, talvez, um dos

indicadores mais importantes para orientar a identificação de estudantes alto-habilidosos, que é

a facilidade de aprendizado. As afirmações de M. e J. não deixam dúvidas quanto a esta

situação, pois, quando perguntados, se consideravam que aprendiam mais rápido que os demais

estudantes, as respostas foram:

“Eu acho que sim, porque assim, na escola quando passa uma coisa uma vez, eu já

consigo pegar. E nem preciso estudar mais não!” (J.)

“Acho que eu tenho mais facilidade.” (M.)

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Entretanto, alguns alunos destacaram fatores que devem ser levados em consideração e

poderiam contribuir para a superação dos ditos mitos sobre as altas habilidades/superdotação,

os alunos J.A e J. relatam:

“Depende da Matéria! Se for exatas, sim.” (J.A)

“De vez em quando, sim!”(E.)

As respostas dos estudantes deixa evidente que estes têm consciência de sua condição

diferente, em relação ao aprendizado da turma, tal condição verifica-se, na facilidade de

aprender mais rápido e, aparentemente, com menos estudos que os demais estudantes.

Entretanto informam que suas facilidades dependem da área do conhecimento.

Com o objetivo de verificar se os alunos tinham algum conhecimento prévio sobre o

tema da pesquisa, questionamos se tiveram, alguma vez, ouvido falar de altas

habilidades/superdotação e obtivemos respostas positivas de três, dos quatro estudantes

entrevistados.

Questionamos os alunos sobre o que sabiam em relação ao tema e suas respostas

indicaram-nos um nível de conhecimento, capaz de colocar em dificuldades a tese de que os

docentes desconheceriam o tema, ao ponto de lhes impedir de identificar alunos com

características de altas habilidades/superdortação. Meninos de 14 anos, ainda, no ensino

fundamental, são capazes de descrever, com certa proximidade, o conceito geral de altas

habilidades/superdotação, citando pessoas que, segundo sua avaliação, seriam exemplos destes

casos: como E. e J.A., referindo-se à ideia de Q.I.:

Que tem gente que tem Q.I. mais avançado! (J.A.)

São pessoas que tem capacidades além do que a gente desenvolve. Assim, o Einstein

tinha uma capacidade pra matemática, muito além do tempo dele. Então,

superdotados são pessoas que têm capacidades além! (E.)

As respostas de E. e J.A. demonstram que os estudantes trazem informações sobre o

tema e, também, devem nos alertar para a presença de mitos, nas concepções que trazem à

temática, como: a associação de altas habilidades/superdotação e Q.I com a ideia de genialidade

verificada, a partir da referência a Albert Einstein, como exemplo de pessoa alto-habilidosa.

As reflexões de E. sobre o conceito de altas habilidades merecem especial atenção, na

forma como elabora seu pensamento, no tipo de conceituação que faz do tema, afinal, quando

questionado se conhecia o termo “altas habilidades”, o aluno respondeu que não, mas:

“Não, assim, altas habilidades dá pra você, assim, tirar um conceito, né?”

Surpreendidos com a resposta do aluno, pedimos que seguisse seu raciocínio e

trabalhando com a ideia de conceitos e sentido das palavras, realizou uma descrição de altas

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habilidades muito próxima das definições das pesquisas científicas, indicando que os

professores, certamente, são capazes de elaborar tal tipo de raciocínio, vejamos:

Você ter uma alta habilidade que você, tem, é... Como se pode dizer, você domina

algo, você tem uma dominação maior naquele tipo de ah... (pensando) Matemática,

por exemplo, você tem habilidade na matemática, você tem uma alta habilidade quer

dizer: você domina muito matemática. (E.)

Podemos verificar a diferença profunda entre escolas que desenvolvem trabalho com o

tema das altas habilidades/superdotação e as demais. Nas falas do aluno J., estudante da única

escola, da rede municipal, que desenvolve programa sistemático de atendimento aos educandos

com suspeitas de altas habilidades/superdotação, entre os entrevistados foi o único que tinha

professores que haviam recebido formação, na área e questionado sobre o que ouviu falar sobre

o tema, o menino diz:

“Na minha escola, assim, os professores, eles falam que eu tenho isso! Porque eu me

destaco mais que os outros nas atividades, estas coisas!” (J.)

Ainda, no início da entrevista, buscando verificar a concepção dos estudantes sobre seus

potenciais intelectuais em relação aos demais, perguntamos se achavam que eram mais

inteligentes que os outros alunos, situação em que todos os entrevistados responderam que não,

indicando, talvez, um dos primeiros dilemas, na identificação de alunos alto-habilidosos: que é

o fato de viverem em uma sociedade, onde aprendem que se dizer superior a alguém seja traço

de falta de modéstia.

Diante da negativa dos estudantes relacionada a serem mais inteligentes que os demais,

perguntamos como explicavam, então, a maior facilidade de aprendizado e resultados

superiores, que haviam assumido ter, em relação aos colegas. As respostas dos alunos

demonstram como, os educandos são capazes, desde jovens, a recorrerem à ideologia da

meritocracia, para justificar situações, em que se vejam diante de contradições. Os alunos

sustentaram a posição contraditória de afirmar que tinham maior facilidade em aprender que os

demais, relacionando a situação à ideia de maior esforço, ao dizerem:

Eu presto mais atenção! (J.A.)

Mais inteligente não, eu acho que eu me esforço mais que os outros e, também, é

natural. (J.)

Não, eu sou mais esforçado! (M.)

Não, eu acho que todo mundo tem capacidade de ser, entendeu? Tipo, vai da pessoa;

se a pessoa se esforça, ela consegue ser inteligente, não digo mais inteligente, mas

acho que eu tenho mais facilidade com a matéria. (E.)

É assim que entendem a relação entre desempenho e potencial acadêmico. A aluna J.A.

relacionou seus resultados positivos ao fato de prestar mais atenção às aulas. Entretanto, os

alunos E. e J. ao dizerem que “é natural” e “mas acho que eu tenho mais facilidade com a

matéria”, indicam que a explicação do esforço não lhes satisfaz, completamente.

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Perguntamos ao aluno J. se conhecia alguém com altas habilidades/superdotação e, sem

titubear, ele disse que seu irmão mais velho, um jovem com história de grande sucesso escolar

que, atualmente, estuda na UFABC. J. relata que este irmão sempre teve sucesso, na escola e

que se espelha muito, na trajetória escolar do irmão, para pautar sua dedicação e esforço aos

estudos. Indica, também, o orgulho que os familiares têm do mesmo e seu desejo de lhe seguir

os passos, em uma universidade pública, diz:

Meu irmão tem isso! [...]Porque ele sempre se destacou, desde a escola pública onde

ele estudava e, agora, ele está numa escola, ... numa boa faculdade pública (UFABC).

E sempre se destacou![...] Desde pequeno, eu acho que sou assim, me destaco, porque

eu me espelhei nele, desde pequeno. (J.)

A fala de J. demonstra o peso que um modelo de sucesso tem, na trajetória escolar de

um aluno. E como a posse de certo capital cultural a respeito do funcionamento do sistema de

ensino, por meio do pioneirismo do irmão, em ingressar em uma universidade pública, muda

horizontes e atribui sentidos aos estudos.

Trabalhando com a concepção de altas habilidades e como os estudantes explicam seu

rendimento, fizemos a seguinte pergunta: De onde que acha que vem a tua inteligência?

As respostas dos entrevistados indicam-nos o quão profundo e complexo são as

avaliações dos alunos sobre seu processo de desenvolvimento, bem como, que têm a exata

noção de sua capacidade e, inclusive, trabalham para a desenvolver. Dizem-nos os alunos:

[...] (Sorrindo), Não sei! (J.)

Eu tenho boa memória! (M.)

Ah ! do Cérebro! (E.)

Não sei, sinceramente não sei, porque a minha mãe, assim, ela parou na quinta série,

meu pai só terminou os estudos, depois que já era adulto e eu e meu irmão nascemos

assim! (Já menos tímido e demonstrando orgulho de estar sendo entrevistado e muito

à vontade na atividade.) (J.)

Diante da questão que lhes propunha explicar suas inteligências, os alunos demonstram

já ter refletido sobre o tema. Em primeiro lugar, nenhum aluno contesta o entrevistador, diante

da afirmação de que são, profundamente, inteligentes; todos concordam com a afirmação e,

assim, passam a buscar explicações. Enquanto o falante E. sai com uma resposta óbvia, dizendo

que o seu cérebro seria o responsável pela sua inteligência, M. mostrando clareza sobre o seu

processo de aprendizado, recorre a uma característica sua, a qual demonstra conhecer e busca

desenvolver: sua memória prodigiosa. M. associa seu potencial intelectual a sua capacidade de

guardar e recuperar conhecimentos, neste ponto, lembramos que uma das descrições dos

professores, no questionário da pesquisa, sobre característica de sujeitos com altas

habilidades/superdotação foi, exatamente, esta condição de guardar e recuperar informações,

rapidamente. Cabe destacar, que durante as formações realizadas com docentes, o professor

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Magno, também, descreveu o potencial intelectual, fortemente, ligado à ideia de posse de boa

memória. Estas concepções de docentes e alunos sobre uma função psíquica superior e a

tradição do senso comum, de associar memória à capacidade inata, demonstra-nos o quão

importante é estudarmos a produção de neurocientistas e de Lev Vigotsky sobre o conceito de

memória.

J.A e J. não apontam a explicação para suas inteligências, mas, suas respostas

demonstram que sabem como é complexa explicação para tal pergunta. J.A, diante do

questionamento, sai com um sorriso maroto que indica reconhecer seu potencial, mas, não

possui clareza de como explicar esta condição. O jovem J. o aluno com o talento mais

reconhecido entre os entrevistados (tendo recebido, naquele ano de 2016, diversos prêmios de

mérito acadêmico), tendo a família mais pobre de todos os alunos, o que nos indica a

profundidade de sua reflexão, que vai muito além das explicações que professores e

pesquisadores, por vezes, apresentam, de modo apressado. J., em sua resposta, demonstra saber

que o sucesso acadêmico e potencial intelectual dele e do irmão são improváveis, devido ao

pouco estudo de seus pais e, mesmo improvável, diz que ele e o irmão “nasceram assim”, tal

tipo de concepção demonstra o peso das ideias baseadas em inatismo, quando falamos de altas

habilidades, especialmente, em alunos de famílias pobres.

O aluno E. ao ser questionado sobre sua resposta de que a inteligência viria do cérebro,

ri da obviedade do fato, porém, quando indagado sobre seu cérebro ter alguma diferença,

verificamos a profundidade da reflexão, de um jovem de 14 anos, sobre tema tão complexo, ele

diz:

ENTREVISTADOR: Tu acha que teu cérebro então é diferente, o quê?

E.: Eu acho que, conforme você estuda, você força ele em algumas coisas, você

desenvolve um pouco mais, então, acho que o cérebro depende do exercício que tu

faz com ele! Entãode um certo modo sim. O meu é mais desenvolvido por causa da

forma como eu trabalho com ele.

ENTREVISTADOR: Entendi... E porque você trabalha com ele desta forma?

E.: É porque, tipo assim, eu tenho mais gosto, como eu falei, pra matemática, então,

eu tento desenvolver, eu desenvolvo ele pra matemática, porque eu quero tentar criar

os meus meios na matemática, um livro, eu acho que eu desenvolvo ele assim, no

estudo estas coisas!

A resposta de E. apresenta a clareza da concepção do aluno sobre a forma histórica e

social, com que as capacidades/habilidades se desenvolvem, e demonstra a sofisticação de suas

reflexões e concepções de inteligência. O aluno não tem dúvida de que seu cérebro é diferente

da maioria dos alunos devido ao tipo de uso/exercício a que, intencionalmente, submete seu

cérebro e, quando questionado sobre os motivos de trabalhar desta forma com o cérebro,

podemos verificar o sentido que os estudantes têm ao buscar os estudos e que nada de natural

verificamos, no desenvolvimento de suas habilidades.

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6.4.1.1 - Os hábitos de estudo dos indivíduos com suspeitas de AH/SD

Buscando entender como era o comportamento dos alunos entrevistados, durante as

aulas e sua relação com seu desempenho acima da média, fizemos perguntas sobre suas formas

de estudar e comportamento durante as aulas, e as respostas indicam fatores importantes para a

reflexão e compreensão das altas habilidades.

J.A. e E., por exemplo, indicam que têm maior facilidade para os conteúdos da área de

exatas e destacam o fato de aprenderem o que lhes foi ensinado, rapidamente, sendo, segundo

a moça, esta a explicação para seus desempenhos. Os alunos indicam que, em outras áreas,

como humanidades, encontram maior dificuldade, mas, devido a seu esforço, conseguem

dominar os conteúdos. Sobre a facilidade, em exatas afirmam:

Entrevistador: Exatas você aprende mais rápido? Como é que funciona, assim, na sala

de aula? Por exemplo.

J.: Na sala de aula? Na minha sala de aula? Eu tenho... quando a professora explica

assim, uma vez, de matemática, eu pego rapidinho! Aí eu explico pro pessoal. Agora,

português eu tenho que parar e pensar mais.[..] Mas aí eu pego!

E.: Quando eu pesquiso, tipo assim, eu procuro, eu aprendo mais, eu absorvo mais,

então, eu acabo absorvendo mais a lição do que eles (demais alunos). Então, eu

aprendo um pouco mais rápido.[...]Eh...assim, eu sou mais rápido nas de exatas, então,

eu pego com mais facilidade. Têm algumas de humanas que eu também pego com

mais facilidade, em outras eu já tenho mais...igual a todo mundo.

M. revelou a mesma facilidade, na área de exatas dizendo:

Entrevistador: É, tu tem alguma preferência de estudo? Alguma coisa que te interessa,

te chama a atenção?

M.: Que tenha números: matemática, física, porque fica mais fácil quantificar as

coisas.

Uma das chaves para a compreensão do talento e rendimento da menina pode ser

verificada, na forma como ela mobiliza uma função psíquica superior, descrita por Lev

Vygotsky: a atenção. Um dos maiores especialistas em altas habilidades/superdotação, Joseph

Renzulli, alerta para uma característica que pode ser, de certo modo, aproximada à atenção, que

é o envolvimento com a tarefa. J.A. e M. indicam que prestam muita atenção, durante as aulas,

especialmente, em matemática. Nas demais disciplinas, dizem conseguir atingir os objetivos,

mas, encontram maior dificuldade em se concentrar nas aulas, se dedicar aos estudos e,

consequentemente, possuem maiores dificuldades.

A descrição dos alunos aponta o papel que o prazer, ou sentido atribuído pelos

indivíduos a uma determinada área, tem relação direta com a capacidade de se manter atento e

envolvido com a tarefa, obtendo rendimento superior do que nas demais áreas. Outro ponto

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importante, que pudemos verificar, no comportamento dos alunos, indicando que devemos

suspeitar de concepções inatistas das altas habilidades, é verificar que os alunos têm hábitos de

estudo definidos e consistentes, demonstrando que, além de prestar atenção, nas aulas que

gostam mais, costumam fazer resumos de todos os conteúdos estudados e obviamente, estas

atitudes têm relação direta com os resultados positivos e potenciais superiores. Vejamos o que

as palavras de J. e M. dizem-nos:

Entrevistador: Então, quando a professora está falando, você sempre está prestando

muita atenção?

J.: Em matemática, sim!

Entrevistador: Tu é mais esforçado, como é que funciona, assim, na escola?

M.: Como funciona? Basicamente, o professor quando ele passa a matéria, eu sempre

procuro fixar mais, na mente, o que ele passa. [...]Então, eu acabo entendendo mais

rápido do que os outros.

Sobre os Hábitos de estudos os alunos esclarecem:

Entrevistador: [...]Como é que funciona pra você estudar História, por exemplo, que

é uma coisa que você tem mais dificuldade?

J.A.: Eu leio, aí eu faço um resumo disso.

Entrevistador: Entendi... Tu estuda sozinha?

J.A.: Em casa? [...] às vezes, dependendo de minha necessidade. [...] Às vezes, as

minhas amigas, que fazem curso aqui, elas pedem pra mim ajudar elas em casa!

Entrevistador: Entendi. Tu costuma estudar sozinho?

M: Ah.... depende do quanto eu preciso. Geralmente, eu costumo estudar de forma

diferente. Eu costumo fazer uma atividade física, enquanto eu falo as coisas que eu

memorizei, porque me ajuda a lembrar!

E. diz que não costuma estudar sozinho, ele diz que prefere contar com um professor,

para que possa obter informações e esclarecer dúvidas, estratégia eficaz e incomum entre os

alunos das escolas brasileiras, sobre seu modo de estudar clarifica:

ENTREVISTADOR: Tu estuda sozinho?

EL: De vez em quando, eu não gosto muito, porque as vezes eu quero, sei lá perguntar

e me vejo limitado. Sei lá, não consigo criar meios de estudo, então, por isso que eu

procuro mais os professores, para criar meios de estudo pra mim. [...]até para

esclarecer as minhas dúvidas. Eu acho que eu tenho necessidade de ter um professor

comigo, mais que a internet, entendeu?

6.4.1.2 - A experiência escolar dos alunos com AH/SD.

Com o objetivo de investigar como eram as experiências escolares dos indivíduos alto-

habilidosos e, diante de uma rede de ensino que não possui alunos com tal perfil identificados.

questionamos-lhes sobre suas experiências escolares e suas respostas confirmaram as hipóteses

da pesquisa e os dados descritos pela bibliografia especializada, no assunto. Em geral, os alunos

descreveram dificuldades e insatisfação, em suas vivências escolares, bem como, têm

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consciência de que se prejudicam, nestas situações, buscando formas de minorar as perdas que

julgam ter e o tédio que, por vezes, acomete-lhes. Perguntamos aos entrevistados como é

estudar junto aos alunos que aprendem em ritmo mais lento e as respostas oferecem indícios da

importância de pesquisas sobre a invisibilidade dos alto-habilidosos:

ENTREVISTADOR: Como é pra ti, por exemplo, ficar na sala de aula com os alunos

que aprendem mais devagar?

E.: É chato! Pra caramba! Porque, às vezes, tu tem perguntas, tu tá mais além, e o

professor tem que ficar parando, voltando por causa do pessoal, então, é mais chato.

Se tivesse alguém no teu nível, que se desenvolvesse da mesma forma, as pessoas até

falam, se tivesse cinco E.s (fazendo referência a si mesmo), na sala, era mais rápido,

então, eu acho que seria melhor, até porque a gente ia aprender mais coisas.

J.: Eu não gosto muito, porque... eu acho que eu podia estar aprendendo mais, eu já

pensei nisso, na escola, porque os outros estão aprendendo coisas que eu já entendi há

muito tempo, já dava para ter entendido mais rápido!

J.A: Acho que eu tenho que ter paciência! (fala tímida e baixinho), [...]Chato! [...]Ah,

porque eu já sei!

M.:Eh... Geralmente, fica um pouquinho, como eu posso explicar, eu meio que... não

me atraso,eu fico limitado!, Eu não posso aprender mais coisas, porque eu tenho que

esperá-los.

As respostas dos estudantes deixam evidente o desconforto que ocorre, em sala de aula,

quando precisam aguardar os demais colegas, mesmo que já tenham dominado o conteúdo que

está sendo ensinado.

Tentando avaliar como são as experiências escolares destes indivíduos, questionamos

E. e J.A. sobre gostarem da escola e dos estudos. As respostas de ambos estudantes não deixam

dúvidas sobre o interesse e prazer relacionados aos estudos. Enquanto, um diz ser a escola sua

segunda casa, a outra relata sempre ter gostado de ir à escola, pois lá tem atividades que gosta

muito, como ler, por exemplo.

Entrevistador: Como que é a escola pra ti?

EL: Eu gosto pra caramba da escola! [...] Gosto! Gosto de ir pra lá. Eu acho que é

como se fosse a minha segunda casa. Eu fico mais tempo, na escola, do que em casa,

praticamente!

Entrevistador: Tu gosta de estudar? [...]Por que?

J:Gosto! [...] Não sei, porque eu gosto de ler, gosto destas coisas. [...]Sempre gostei

de ler, sempre gostei de ir pra escola.

Diante das respostas dos estudantes, tínhamos um aparente dilema, alunos que

aprendiam com maior facilidade, que alegavam incômodo em precisar seguir o ritmo mais lento

dos demais colegas e que, ainda assim, afirmam gostar muito da escola. Portanto, buscamos

verificar quais estratégias os alunos utilizavam, para contornar estes momentos (que podem ser

muito frequentes), em que tinham que aguardar o ritmo da turma, ainda que, já soubessem o

que seria ensinado. As respostas apontam informações essenciais para o conhecimento das

estratégias dos indivíduos, com altas habilidades/superdotação, em suas experiências escolares:

Entrevistador: E aí? O que você faz, geralmente, nestas horas?

J.A.: Levo uns livros, fico lendo, mexendo no caderno...

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Entrevistador: Você fica matando o tempo?

J.A.: É!

M.:O que que eu faço? Eu tenho que ficar no meu lugar e esperar eles fazerem, então.

Entrevistador: Você se distrai com outras coisas?

M: Eh! Geralmente, eu converso com alguém que já terminou, é isso!

Entrevistador: Normalmente, tu termina antes?

M.:Normalmente! Um exemplo, a professora de português, ela passa a atividade, eu

já termino naquela aula, eu já entrego pra ela, já, esperando, na próxima aula, fazer

outra coisa, só que tem que esperar os outros terminarem na próxima aula!

As respostas de J.A. e M. indicam caminhos distintos, ainda que, ambos tenham dito

que acham estes momentos chatos; enquanto a menina indica que já prevendo que precisará

aguardar os colegas terminarem as tarefas, leva livros e adianta tarefas do caderno, o rapaz

denota irritação e diz que precisa se esforçar para ficar no lugar e não atrapalhar a aula. Ambos

mostram dois problemas que a não atenção aos alunos talentosos pode trazer: o tédio, por

esperar, longos períodos, ou a indisciplina frutos do tempo ocioso.

O aluno J. relata um comportamento que é um misto de insatisfação com

competitividade; ele indica que sabe que aprende menos, por precisar esperar os demais, e

demonstra que aproveita os momentos que tem livre, por já saber os conteúdos, para estudar

temas que não aprenderia na escola, e manter-se à frente dos demais, assim esclarece:

Entrevistador: Tu sente que podia estar mais pra frente?

J.: É, por causa dos outros estou aprendendo menos!

Entrevistador: E o que você faz, por exemplo, quando tá dando um conteúdo que tu já

sabe?

J.: Eh, eu tento melhorar mais, ainda, do que os outros! Tento aprender mais, ainda,

sobre eles; outras coisas que a escola não vai ensinar.

As entrevistas puderam nos mostrar que os estudantes têm, antes de tudo, consciência

de sua situação diferente junto ao grupo de colegas de classe, bem como, boas reflexões sobre

o que são pessoas com altas habilidades/superdotação. Entretanto, vale ressaltar, que não

associam seu potencial à mínima suspeita de que sejam alto-habilidosos, pudemos verificar,

que os alunos desenvolveram, ao longo de suas trajetórias escolares, estratégias e respostas para

lidar com o tédio gerado pelos momentos, nos quais ficam aguardando os demais alunos. Ainda

assim, é importante destacar que para todos os estudantes fica a sensação de que gostam

bastante da escola.

Tentando aprofundar a análise sobre como os estudantes, com características de altas

habilidades/superdotação entendem a escola, perguntamos a M. se gostava da instituição e os

motivos desta apreciação, sendo que, suas respostas demonstram como pode ser profunda a

reflexão de um jovem de 14 anos, sobre a escola, bem como, seus problemas e sua relação com

o conhecimento, apontando-nos que sua ligação com a escola é positiva, sobretudo, porque

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reconhece a possibilidade de aprender e ter contato com o conhecimento que, em suas palavras,

fascina-o e ajuda-o a entender o mundo, vejamos:

Entrevistador: Porque que tu gosta de estudar?

M: Porque ... (pensando) ... eu acho que (pensando)... quanto mais eu aprendo as

coisas, mais eu consigo ter uma visão geral do mundo, de tudo, no contexto.[...] E

quanto mais eu aprendo, mais eu percebo que eu não sei nada. (risos)

Apesar deste prazer pelos estudos, M. indica conhecer e sentir, na própria pele, todos os

problemas que envolvem estudar, em uma escola pública e, quando questionado se gosta da

escola (antes havia sido questionado sobre porque estudava tanto!), suas respostas mostram

alguns dos desafios e dificuldades que uma criança ou jovem enfrenta, em seu processo de

ensino, mesmo que seja alguém com potencial de identificação com altas habilidades.

Observemos o que nos diz:

Entrevistador: E como é que é ir pra escola pra você? Tu acha ela legal, tu gosta, tu

não gosta?

M: Eu gosto! Mas tem muitos problemas! [...]Por exemplo, a falta de interesse de

certos professores, pouca estrutura, eh... geralmente, os alunos que, também, não

querem muito estudar. [...] Atrapalha!

Pensamos que uma das chaves para compreender os indivíduos com altas habilidades e

suas relações com a escola e o conhecimento, seja verificar como o sentido de estudar constitui-

se e fundamenta-se para estes educandos, sobretudo, quando falamos de jovens oriundos da

classe trabalhadora, com as evidentes e conhecidas privações de capital cultural e econômico.

Entender como a escola passa a significar uma forma de ascender na vida, oferecendo uma vida

melhor aos familiares, pode ser um caminho importante para entender habilidades e

comportamentos que, a princípio, não seriam esperados, em indivíduos com famílias com pouca

escolarização, mas que, quando analisados, com mais cautela, podemos verificar uma certa ética

familiar relacionada à escola, que envolve desejo de ascensão; sonho com melhorar a vida dos

pais e, mesmo, a ideia de gratidão aos familiares, pelo investimento dos parcos recursos da

família, nestes indivíduos, criando-lhes uma responsabilidade e dedicação aos estudos vigorosa.

Três alunos, diretamente, referiram-se à ideia de que usam e tentam desenvolver seus

potenciais, para que obtenham sucesso e reconhecimento no mundo do trabalho. Dois chegam

a citar, claramente, as áreas que desejam seguir que, não por acaso, são exatamente as que dizem

ter maiores facilidades de aprendizado. As respostas dos alunos são importantes, para

entendermos como estes se relacionam com a escola e os estudos:

Entrevistador: O que tu pretende fazer no futuro?

J.A.: Engenharia

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Enquanto J.A. é direta, ao dizer que sabe muito bem o que deseja, sendo ótima aluna em

exatas, deseja seguir carreira com engenheira. J. já indica algumas dúvidas sobre a profissão a

escolher, mas, nenhuma sobre o papel da escola e estudos neste trajeto, ele relata:

ENTREVISTADOR: E por que que tu estuda tanto? Você gosta de estudar, né?

J.: Sim (afirmativamente com a cabeça!), [...] Porque eu acho que vai ser importante

pra mim, no futuro, na minha profissão!

ENTREVISTADOR: Tu pensa nisso? Quando tu tá, na sala de aula, tu pensa na tua

profissão?

J.: Penso, eu ainda não sei qual vai ser, mas eu sei que vai ser importante!

Para J., aluno de uma escola pública, na periferia de Cubatão, filho de pais com pouca

escolarização e morador de um bairro bastante pobre, a relação da escola com suas chances de

alguma ascensão social, está já clara e fortemente estabelecida. É interessante perceber como a

ideologia da escola, redentora da sociedade, promotora da ascensão social, tão presente, no

imaginário da classe média, também, é poderosa entre os trabalhadores mais simples e como o

sucesso, na escola, alimenta a opção pelos estudos, como um caminho com alguma

probabilidade de ter sucesso.

Mas o conjunto de respostas do jovem E. sobre o tema dos motivos em estudar com

afinco, deixa-nos informações importantes sobre como o alto-habilidoso oriundo do

proletariado entende sua relação com a escola e o conhecimento. O jovem que é o único negro

entre os entrevistados, tem história de sucesso escolar, desde a educação infantil e quando

questionado sobre o funcionamento do cérebro, havia dito que procurava desenvolver seu

cérebro mais na área de exatas e fazia força para desenvolver um meio de trabalhar com a

matemática, disciplina em que havia, naquele ano de 2016, obtido medalha na OBMEP. Neste

momento, o aluno oferta um grupo de respostas que nos possibilita entender como se constitui

o sentido da escola para ele:

ENTREVISTADOR: O que é que são estes meios que você tá falando que quer criar,

tentar na matemática?

E.: Sei lá, é descoberta, descobrir coisas novas, coisas que ninguém descobriu, e criar

novas teorias, pra que o meu nome ficasse lembrado, também. [...] tipo o Einstein que

foi lembrado num monte de coisa, eu queria ser tipo o Einstein.

ENTREVISTADOR: Entendi... O que tu pretende fazer no futuro?

E.: Eu queria, eu tenho um sonho de fazer pelo menos duas faculdades e estudar fora,

ou na Alemanha, porque é um berço de matemáticos, ou ir pra algum canto assim, que

seja influente neste lado. [...] Eu faria de engenharia e de matemática. Ou eu faria algo

relacionado a isso, porque eu vejo bastante gente que tem umas três faculdades e é

bem desenvolvido, então eu quero fazer mais ou menos duas ou três, nesta área.

Com a inocência de um menino de 14 anos, E. propõe-se a aquilo que, provavelmente,

nenhum pesquisador ou professor universitário propor-se-ia. É interessante verificar como o

desejo de reconhecimento, orgulhar a si e aos seus fica evidente em sua fala e indica-nos

caminhos para que possamos entender a produção de suas habilidades acima da média.

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Outro ponto interessante a destacar é que um olhar desinteressado poderia sugerir uma

aptidão natural do menino, na forma envolvida e apaixonada como fala da disciplina que gosta:

a matemática.

Porém, esta é uma perspectiva que se sustenta, apenas, em uma avaliação precipitada,

E. tem entre seus modelos seu professor de matemática, do ano de 2016: prof. Márcio que

teimou que levaria ele e um grupo de estudantes para a olimpíada de matemática, daquele ano;

tal intento envolveu aulas fora do horário normal, preparação, treino, muito estudo e aos poucos,

o menino falava do amor do professor pela matemática, aos poucos, o jovem que recebia os

materiais para estudar para a OBMEP foi conhecendo mais a disciplina, que lhe chamava a

atenção, assim surge a ideia de estudar fora do Brasil a um menino residente em uma cidade

sem universidades, onde poucos chegam, sequer, a sair da Baixada Santista para seguir nos

estudos. Cabe destacar como sua dedicação e estudo relaciona-se com um projeto muito bem

articulado, na cabeça de alguém, com 14 anos e que, por isso, sujeito a muitas alterações, mas,

a existência deste projeto não deve ser negligenciado, caso desejemos conhecer os caminhos

que mobilizam os indivíduos ao estudo e a busca de sucesso, na escola.

6.4.1.3 - A relação com os docentes e os alunos com AH/SD

Diretamente, ligada ao nosso problema de pesquisa, a última parte das entrevistas,

pretendia verificar como os docentes dos alunos entrevistados, lidavam com os estudantes com

características de altas habilidades/superdotação, se estes eram, efetivamente, invisíveis aos

seus professores e se havia algum tipo de atendimento diferenciado a tais alunos.

J.A. relatou que como termina suas tarefas, sempre antes de todos, e aprende mais

rápido, explica as matérias aos colegas. Diante desta afirmação, seguimos com a entrevista. e

verificamos a relação indivíduo alto-habilidoso e professor, nas respostas que seguem:

Entrevistador: Então, geralmente, você pega e explica pro pessoal? E o professor,

quando você está explicando pro pessoal, de boa ou...?

J.A.:A professora gosta! E na minha sala, o pessoal tem mais dificuldade.

Entrevistador: Ela percebe que você aprende mais rápido, então?

J.A.: Sim.

Entrevistador: Entendi...Você acha que os professores sabem da tua inteligência?

J.A.: A minha professora de matemática sabe, a minha professora de ciências,

também!

Entrevistador: Eles falam alguma coisa sobre?

J.A.: Falam! [...] A minha professora fala que é pra mim investir na área! Pra mim

continuar assim, do jeito que eu tô!

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Entrevistador: Que legal! E por exemplo, quando eles estão dando uma matéria que

os outros alunos estão aprendendo e que você já aprendeu, às vezes eles te chamam

e fazem alguma coisa diferente? Te dão outros tipos de exercícios?

J.A.: Ah, às vezes a professora empresta o caderno, ela fala pra mim ir passando os

exercícios, ou pra mim explicar alguma coisa pra alguém!

As respostas de J.A. trazem informações importantes para a pesquisa, primeiro, a de que

como supúnhamos os alunos com rendimento acima da média não passam despercebidos aos

olhos dos professores, ainda, que estes não tenham formação específica na área, não haja

concordância sobre terminologia ou protocolo de identificação e mesmo que algumas

representações sociais baseadas em equívocos povoem o imaginário docente sobre o tema.

Pudemos verificar que os docentes da área, em que a aluna destaca-se, têm clara noção

do potencial da educanda, prova disso é a postura diante da mesma ajudar os amigos, aceita

pelos professores, podemos constatar que, de alguma forma, ainda, que nem sempre acertada,

existe uma tentativa em atender este estudante, seja chamando à mesa para elogiar, seja dando

conselhos para que siga se dedicando e estudando, ou indicando que a menina tem potencial

para seguir, na área ou, finalmente, solicitando que a mesma ajude os demais estudantes, com

tarefas e exercícios, auxiliando a professora, nas atividades em sala de aula. Tais informações

são valiosas ao mostrar que, ainda que processos formais de identificação e atendimento,

raramente, efetivem-se, existe um trabalho silencioso, na formação e atendimento dos ditos

“bons alunos”, no sentido de ajudá-los.

M. e E. confirmam as falas de J.A. sobre a forma como os professores tentam atender

aos alunos, com o perfil de altas habilidades/superdotação, trazendo informações sobre a

situação dos estudantes talentosos, em sala de aula, demonstrando que, ainda que a

invisibilidade seja um problema sério, o qual deve ser combatido, na prática, os docentes

realizam trabalhos de atendimento a estes estudantes, mesmo que de modo quase artesanal e

sem conhecimento de que lidam com possíveis indivíduos alto-habilidosos, procuram algum

conteúdo e fornecer um currículo, minimamente, enriquecido ao educando. As palavras de M.

sobre o trabalho da professora de língua portuguesa, de sua turma, bem como, o relato de E.

quanto as atuações dos professores de ciências e matemática, da escola onde estuda, não

deixam dúvidas quanto a esta situação:

Entrevistador: Tu percebe que os professores sabem da tua inteligência?

M.: Geralmente, eles puxam mais pro meu lado. [...] Quando eu termino a lição, antes,

eles me passam mais. No caso da professora de português, ela já até me ajuda a

estudar, ela sempre me chama para a mesa dela e fica me ensinando outros temas. [...]

Ela fica falando, fica me explicando e eu vou aprendendo.

E.:Sim, alguns... eu acho que a maioria. [...] Alguns sim, tipo o professor Marcio, ele

fala que eu sou mais, que eu me destaco, fala que eu tenho facilidade com cálculos,

resolver problemas, O Pedro, também, o professor de ciências fala que eu tenho uma

facilidade de pegar a matéria, absorver. [...] Ah, tipo o Pedro (professor de Ciências)

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e o Marcio (professor de matemática) me incentivam a pegar livros e ler e fazer estas

coisas. São os dois que pegam mais no meu pé para fazer estas coisas, O Marcio me

deu até um livro de matemática, para ficar resolvendo questões. E só!

As respostas do aluno J., a esta parte da entrevista, corroboram as informações trazidas

por J.A., E. e M., os professores identificam seu potencial, buscam formas de o atender, ainda

que nem sempre consigam o melhor acolhimento. Mas as respostas de J. merecem destaque,

por se tratar do único entrevistado que estuda em um escola, com programa de atendimento aos

alunos alto-habilidosos, onde ocorrem debates e formações sobre o tema, neste sentido, as

respostas de J. destoam dos demais, em alguns pontos, indicam uma conclusão diferente.

ENTREVISTADOR: Deixa eu te perguntar uma coisa, os professores sabem da tua

inteligência?

J.: Uhum (afirmativamente!), desde pequeno, eles falam, assim, falam pra ficar de

olho em mim e, assim, que eu tinha altas habilidades, os professores falavam desde a

primeira série, assim.

J. indica que seus professores identificaram seu potencial, desde o início de sua trajetória

escolar. Há muito tempo é acompanhado pela escola e professores, seja por suas habilidades,

seja pelo fato de ser irmão de outro aluno da escola, com elevada potencialidade, J. indica que

estão “de olho nele”, no seu desenvolvimento há tempos.

Questionado sobre se existe algum trabalho diferente, as respostas de J. são:

ENTREVISTADOR: E eles fazem algum trabalho diferente contigo, na sala de aula?

J.: Na sala de aula não, mas fora dela, eles procuram me dar um auxilio pra mim,

melhorar a minha capacidade. [...] Ah até esse curso aqui (se referindo ao cursinho

comunitário, de que fazemos parte) Este curso e outras coisas, também, que agora eu

não me lembro, mas eles já me deram muito auxílio. [...] Eles pagam a minha

passagem pra mim vir, eles que me indicaram o curso.

!

J. deixa evidente que, ainda que seja reconhecido como um aluno talentoso, na sala de

aula é difícil, que medidas mais diretas para lhe atender sejam efetivadas, novamente, surge a

dificuldade em se efetuar o enriquecimento curricular, de modo eficaz, na atual situação de

trabalho dos docentes. Mas, o menino indica que os educadores da escola solicitaram que a

APMF- Associação de Pais, Mestres e Funcionários, da escola, custeasse o valor do transporte,

para que o menino pudesse participar do curso preparatório, para os exames de seleção da ETEC

e IFSP, que ocorre aos sábados, na cidade de Santos. Soubemos junto aos professores que J.

chegou a ser atendido, na sala de AEE, com professor especializado, para tentar orientar seus

estudos, bem como, foi a própria escola que procurou o curso citado, matriculando-o. O

resultado deste reconhecimento formal da escola, quanto ao seu potencial, é verificado na

pergunta que finaliza a entrevista. Ao contrário dos demais alunos, quando perguntado sobre se

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considerava que poderia ser alguém alto-habilidoso, o menino não titubeia, sorri e fala-nos,

tímido:

ENTREVISTADOR: [...] E tu acha que tu é superdotado?

J.: Ah, eu acho que sim! (sorrindo)

6.4.2 - As entrevistas com os profissionais da educação

DIRETORA: [...]Eu acho que a escola faz pouco uso destes meninos, uso mesmo,

porque eu acho que eles precisam ser vistos e utilizados, eles são um potencial de...

aprendizagem pra outras crianças, em outras linguagens. E eu acho queo “Antonio”

(antiga escola onde atuou) aproveitou muito, a proposta da escola, é, às vezes, as

crianças aprendiam mais com eles mesmos do que conosco. Então, isso fez com que

esses meninos se sentissem muito à vontade, dentro da escola e se sentissem úteis [...],

eles tinham como avançar e tinham como dividir isso. E eu acho que estes meninos,

que estão aí, precisavam ser vistos pra isso, pra nos ajudar, né? Também, ajudar os

outros, não no sentido de utilitarismo, mas [...] No sentido deles poderem partilhar

isso conosco, né?

Formadora: É por isso que eles são invisíveis. “Ele vai se virar bem, né?”. [...] agora,

ele está assim, mas ele vai conseguir um emprego, vai fazer uma faculdade ou não,

mas ele vai se virar bem, enquanto o outro?

As entrevistas com os dois profissionais da rede municipal de ensino que pesquisamos,

seguiu, de maneira tranquila, e forneceram informações importantes, para o desenvolvimento

da pesquisa e compreensão dos motivos que levam a invisibilidade das altas

habilidades/superdotação, pois confirmam e aprofundam perspectivas já apresentadas nas

ferramentas de pesquisa anteriores. Tais entrevistas devem ser analisadas, correlacionadas com

os depoimentos dos estudantes, os questionários de pesquisa e as formações realizados, a fim

de que possamos ter uma leitura apurada da situação do estudante alto-habilidoso.

Buscando conhecer as ideias dos profissionais sobre o tema, pedimos que discorressem

sobre o que lhe vinha à mente, quando pensavam em altas habilidades/superdotação. As

respostas das profissionais, ainda que tenham seguido caminhos distintos, relacionavam-se, em

alguns pontos, cabem destaques:

Entrevistador: Quando a gente fala em altas habilidades/superdotação, qual é a

primeira coisa que vem, na sua cabeça?

FORMADORA do CAPFC: Altas habilidades/superdotação, o que me vem à cabeça

são características próprias do indivíduo, pouco percebidas entre as pessoas que

destoam, no comportamento [...] O agravante é a falta de informação. Percebe-se

pouco a possibilidade daquele comportamento, daquela situação, do indivíduo de ser

alto habilidoso ou superdotado, pouco se sabe sobre isso. É isso que eu vejo. Então, é

aquela pessoa que, muitas vezes, é apresentada como o problema, ou o talento que,

muitas vezes, não é considerado talento e passa despercebido. Eu não vejo. Tanto é

que, em geral, não se apontam estas pessoas. Quando você lida com a diversidade,

aponta-se o autista, o D.I. (deficiente intelectual), o deficiente auditivo e fala-se muito

pouco daquele que tem altas habilidades. Esta percepção da possibilidade de ter algum

talento desenvolvido, eu não vejo isso.

DIRETORA: Crianças com habilidades ... que a gente não reconhece como ... uma

habilidade verdadeira pra escola.[...] eu não considero mais inteligente, eu considero

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com uma habilidade diferente daquela com a qual a gente lida, costumeiramente. Não

sei se deu pra entender! [...]Eu reconheço que... que tenha uma dotação ali, que

compreende, mas que ... que pode não responder, da maneira como eu estou

acostumada a pedir, e aí, em geral, eu acho que estas crianças respondem com

indisciplina ou com desinteresse. ((ruído))

Por caminhos distintos, devido à formação e atuação diferente das profissionais, temos

relatos que tocam, antes de qualquer coisa, em habilidades que não são, costumeiramente,

valorizadas pelas escolas. Enquanto a formadora, em inclusão, pensa em termos de pouca

atenção a estes alunos, a diretora refere-se mais a sua experiência, em sala de aula, citando

alunos que não costumem responder as propostas de atividades, de modo convencional.

A responsável pela educação especial, no CAPFC, dá os primeiros indícios de que a

invisibilidade é um problema. Em sua avaliação sobre o tema: a falta de informações, pessoas

apresentadas como problemas e com talentos que não são reconhecidos, ou a atenção destinada,

principalmente, às deficiências pela educação especial, são pontos destacados pela formadora

e que, de um modo geral, permeiam parte dos trabalhos acadêmicos sobre o assunto, denotando

que temos um profissional bem formado e atualizado na temática.

A gestora inicia sua exposição, indicando que em sua concepção, os indivíduos com

altas habilidades/superdotação seriam estudantes que não seguem o roteiro, normalmente,

cobrado em atividades, na sala de aula e por isso, às vezes são rejeitados e entendidos como

problema. Temos aqui, uma tônica importante das entrevistas: a noção de que, por motivos

variados, o aluno alto-habilidoso não seja reconhecido ou valorizado, devido à falta de

informação/formação docente. Outro ponto citado pelas duas entrevistadas é a noção de que

estes alunos possam representar problema ou estarem associados à indisciplina, devido ao não

reconhecimento de suas capacidades.

O primeiro ponto em comum, nas duas entrevistas, é o fato de não reconhecerem ou

lembrarem-se de nenhum colega de classe identificado como alto-habilidoso, mesmo que,

informalmente. Desta forma, a invisibilidade do tema tem vínculos que se iniciam, já nos

tempos de estudantes, das entrevistadas.

ENTREVISTADOR: Na tua experiência de aluna, tu teve algum colega?

DIRETORA: Eu nunca reconheci.

FORMADORA do CAPFC: Não.

Em relação à formação sobre o tema, novamente, temos posição parecida das

educadoras, pois ambas relatam não ter recebido qualquer tipo de formação, durante os estudos

na graduação e pós-graduação. Porém, enquanto a diretora indica que o tema chegou-lhe como

problema, já na atuação profissional e no contexto dos problemas de gestão de escolas e salas

de aula, a formadora do CAPFC, até pela natureza de sua formação, especializada em educação

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especial, indica que procurou formação, por conta própria, como forma de preencher esta lacuna

formativa. De qualquer modo, o que deve ser destacado é a falta de formação inicial, que

corrobora com a bibliografia especializada na área e com as respostas dos professores nos

questionários de pesquisa, seguida pela busca por informações sobre o tema, de modo informal

e visando responder as demandas profissionais específicas. Suas respostas indicam tal cenário:

ENTREVISTADOR: E, na tua formação docente, teve algum curso, alguma matéria

sobre isso?

DIRETORA: Não, nunca ouvi falar. [...] Comecei a ouvir falar disso [...] eu já tava na

rede!Nossa, já tava na lida (no trabalho) , há bastante tempo. [...]É, porque parece que

é fácil, né? Eu acho que quando a gente fala de superdotação, eu acho que o

preconceito ta aí, parece que é fácil, ah é superdotado! É Fácil! Vai aprender fácil, a

gente não precisa do auxílio da escola, não precisa de um olhar específico, porque já

tem as suas altas habilidades.

FORMADORA do CAPFC: Também, não. [...] Estudei fora, né? A formação ela

tratava... A formação que eu fiz ainda era a antiga pedagogia, que você escolhia a

habilitação que ia desenvolver e, entre elas, não tinha superdotação e altas

Habilidades. [...] Fui buscar fora. [...] na formação não apresentava. Era: D.I

(deficiente Intelectual), D.V (Deficiente Visual) e D.A (Deficiente Auditivo).

Cabe destacar a fala da diretora de que, em seu entender, um dos problemas que levam

a pouca atenção e mesmo formação sobre o tema, deve-se ao fato de que existe, no senso

comum, uma ideia de que o sujeito com altas habilidades/superdotação, por aprender,

supostamente, com facilidade, seja fácil ensinar e lidar e, assim, não mereceria maiores

atenções. Sua fala indica reflexão sobre um dos chamados mitos sobre a superdotação indicados

pela bibliografia, o de que os alunos alto-habilidosos não necessitem de auxilio e desenvolvam-

se sozinhos.

Na sequência, questionamos as entrevistadas sobre suas experiências como professoras

com alunos AH/SD, ambas disseram que, jamais, haviam trabalhado com um único aluno

identificado como alto-habilidoso, apesar de terem mais de 25 anos de carreira, dando-nos

indícios da profundidade da invisibilidade destes alunos:

ENTREVISTADOR: Como professora tu já teve algum?

DIRETORA: Não!

Formadora do CAPFC: Não! [...] Por isso que eu falei pra você, né? Eu percebo,

assim, encaminhamento para Sala de Recurso, falando enquanto professora, também

ninguém. Vêm as queixas, aí você vai começar a analisar.

A formadora destaca o fato de que para os professores da educação especial, geralmente,

os alunos que chegam são por queixas de aprendizado e suspeitas quanto às deficiências. Afirma

que é neste contexto que, às vezes, temos alguns casos suspeitos de altas

habilidades/superdotação, mas, professores indicarem alunos para a educação especial, por

suspeitas de se tratar de alguém com altas habilidades, nunca ocorreu, em sua carreira. Segundo

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seu relato, mesmo quando surgem suspeitas, estes casos, por inúmeras razões, (especialmente,

pela falta de profissionais habilitados para encaminhar o processo de identificação) acabam

dissipando-se e não tendo continuidade.

A diretora indica já ter recebido uma aluna, com indicativo de altas

habilidades/superdotação, no entanto, a criança foi encaminhada para avaliação da equipe

gestora, pelos pais da estudante e com vistas a um pedido de aceleração de estudos, esta é uma

forma corriqueira dos profissionais da educação terem contato com o tema: encaminhamentos

pelos pais que desejam que os filhos tenham os estudos acelerados e, quase sempre, gerando

disputas e tensões entre famílias e trabalhadores da educação.

Muitas vezes, como neste caso descrito pela entrevistada, desaguando em disputas

judiciais. Na situação descrita, a diretora indica que a criança em questão, ainda que tivesse um

processo de alfabetização consolidada e com indícios de precocidade, não seria caso de

aceleração, segundo avaliação da equipe gestora, o que contrariou a família, levando a questão

ao ministério público. Tal tipo de situação, além de ter se tornado, cada vez mais comum,

podendo ser verificada com certa frequência, na imprensa, atrapalha a superação da

invisibilidade, por criar forte resistência dos educadores sobre o tema que, normalmente,

associam o estudante com altas habilidades e seu atendimento, apenas à aceleração de estudos,

situação que tem séria desconfiança dos educadores, quanto à eficácia e pertinência

ENTREVISTADOR: E como gestora, alguém já te encaminhou uma criança destas?

(me interrompendo!)

DIRETORA: Já! Na tentativa de achar que era. Mas não, a gente lá, no grupo,

entendeu que não. Uma criança que os pais achavam... Realmente, era uma criança

que tinha um processo de alfabetização bastante resolvido pra idade dela, mas era só

isso. [...] Era, uma demanda dos pais. Deu muito trabalho.

ENTREVISTADOR: Geralmente, os pais querem aceleração?

DIRETORA: Isso! [...] Isso, queriam que a criança fosse acelerada e entrou com...

entrou, inclusive, na promotoria pública.

ENTREVISTADOR: Entendi. Teve uma... foi pra via judicial?!

DIRETORA: Teve, foi. E a gente entendia que ... era uma criança que, realmente,

tinha uma habilidade, mas que não era um caso de superdotação.

Já o encaminhamento de alguma suspeita de estudante, com altas

habilidades/superdotação, que tenha chegado à gestora, por intermédio de docente das escolas,

em que atuou, jamais ocorreu, reforçando a constatação da situação de invisibilidade, e relata-

nos:

ENTREVISTADOR: E professor te indicar? Como mais ou menos acontece com as

crianças com dificuldade? Nunca bateu na tua porta, alguém que saiu da sala?

DIRETORA: Não! Nunca! [...] (fazendo som de negativa) Não! (Sorrindo), o

professor dizer assim, olha esse aqui eu acho que tá gritando, (no sentindo de pedindo

atenção) não, nunca!

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Diante do relato das entrevistadas de que não haviam trabalhado com estudantes, em

sala de aula, com altas habilidades/superdotação, iniciamos a parte da entrevista, diretamente,

relacionada à invisibilidade dos indivíduos alto-habilidosos e seus motivos. Questionando como

as profissionais entendiam tal situação, apesar de suas largas histórias de trabalho, em educação,

suas respostas podem nos indicar caminhos para a compreensão do problema e reafirmam a

questão inicial da pesquisa relacionada à invisibilidade deste público:

ENTREVISTADOR: E porque que tu acha que isso acontece?

DIRETORA: Porque eu acho que a criança superdotada ela esconde esses

comportamentos, mesmo. Que a gente não reconhece, ela ... ela responde por uma

outra linguagem, e eu acho que a escola não tem essa linguagem que ela precisa e aí

a gente desconsidera, a gente considera como tudo, menos como superdotação.

ENTREVISTADOR: Entendi. Curioso né? Porque é parte do nosso trabalho, o tempo

inteiro, mandam crianças pra gente e, geralmente, a gente não recebe esses caras...

DIRETORA: Não, não, Mas eu acho que a gente recebe estes caras ou com problemas

de indisciplina. [...] Como queixa e aí, como você não está, na sala, você não vai

saber. Mas [...]Eu tenho um pequenininho aqui. O João, ele é muito perspicaz para 4

anos. Mas que a gente, a família, já trata ele como delinquente, a escola, se não cuidar,

vai tratar como delinquente. Porque ele tem outros... outros interesses, outras formas

de resposta.

As respostas da diretora sobre os motivos para que não receba indicações de alunos, por

suspeitas de altas habilidades/superdotação, indicam alguns caminhos interessantes. O

primeiro, o de que os próprios alunos podem camuflar suas habilidades, como forma de não

serem percebidos e o segundo, mostrando a ideia de que a escola, em sua busca massificadora,

não consiga avaliar aqueles que, por diferentes motivos, tenham modos de expressão e

linguagem diferentes do usual. Um ponto interessante da reflexão da gestora é a percepção de

que, talvez, recebamos estes estudantes em nossas salas, não como suspeitas de altas

habilidades/superdotação, mas, como queixas por indisciplina. Neste momento, chega a citar o

caso de uma criança de 4 anos, que a todo o tempo é encaminhado para a sua intervenção,

devido à indisciplina e que, em sua avaliação, é profundamente perspicaz e inteligente, mas,

rotulado e tratado como problema. Este relato mostra-nos que, ainda que os conhecimentos

específicos dos educadores sejam insuficiências, na área de superdotação, temos profissionais,

capazes de reflexões pertinentes e inteirados da situação.

A formadora da rede municipal, em sua resposta para a mesma questão, destaca de forma

direta, o quão preocupante é o quadro de invisibilidade dos alunos talentosos e afirma:

FORMADORA do CAPFC: É por isso que eu falei: O que eu vejo sobre esse assunto?

Não vejo! Não vejo, é invisível. Estes alunos estão aí, a gente sabe, há proporção né?

Mas eles não se sobressaem. Não é valorizado, não apontam. Em escola, eu não vejo.

Entretanto, a formadora aponta que, recentemente, inicia-se um processo de alguns

professores e gestores,buscarem por informações sobre o tema, devido a casos de crianças, que

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geram suspeitas,o que nos indica o quão importante são as formações sobre o tema. Parte destes

casos, recentes ocorreu após os profissionais participarem das formações que desenvolvemos,

com docentes e gestores, da rede municipal de ensino.

ENTREVISTADOR: Nem na Oficina (Centro de Apoio Pedagógico e Formação

Continuada da rede, onde a entrevistada atua como formadora de professores de AEE)

ocorreu de algum professor da educação especial perguntar, pedir ajuda?

FORMADORA do CAPFC: Sim, isso acontece! [...] Já aconteceu. O caso de uma

professora, que ela identificou uma criança com esta suspeita de altas habilidades e aí

ela começou a estudar, a buscar e atender a criança, na sala de recurso, aqui da rede.

Uma criança!

ENTREVISTADOR: Então a gente já atende uma criança?

FORMADORA do CAPFC: Sim. Isso acontece aqui. Aí ela começou a procurar... É

o que eu falei, você suspeita de, né? E aí você vai trabalhando em cima. Mas uma rede

né.?... [...] Você vê um caso é recente. Isso tem o quê? 2 anos pra cá. [...] Ela procurou,

pediu material. Também, teve uma coordenadora que desconfiou de, porque fez a

formação com a gente, aqui no CAPFC e este módulo de altas

habilidades/superdotação. Então é tudo assim, meio no curioso sabe, é isso que eu

estou querendo dizer.[...]

Em sua resposta, verificamos o caso de uma professora e uma gestora que identificaram

crianças que geram suspeitas, então, o processo mobiliza-as na busca de materiais, com uma

das crianças sendo, inclusive, atendida na sala de recursos multifuncionais. A crítica da

formadora é que, diante de nossa falta de formação, as coisas, ainda ocorram de modo muito

inicial, “tateando”, para usarmos as palavras dela. Esta dificuldade em identificar os alunos,

com altas habilidades/superdotação, é uma questão recorrente, na fala de muitos professores

que participaram da pesquisa e das formações, bem como, na resposta da diretora sobre o tema:

ENTREVISTADOR: [...] Na tua escola, atualmente, não tem nenhuma criança

identificada?

DIRETORA: Não, não! [...] Eu não sei como identificar, Leandro.

Muitas vezes, durante a pesquisa, recebemos educadores com muitos anos de

experiência, muito bem formados, que traziam a mesma angústia, por não saber identificar.

Alguns gestores e professores, ainda que sempre perguntem da pesquisa e demonstrem interesse

pelo tema, acabaram não respondendo aos questionários, alegando não conhecer a temática.

ENTREVISTADOR: Na verdade, a gente também não sabe! E essa é a próxima

pergunta. Tu acha que tu saberia identificar?

DIRETORA: Não (com veemência)! Não, porque, primeiro, porque a gente tá na

educação infantil e criança, em desenvolvimento, é uma caixinha de surpresas, hoje e

amanhã? Não sei, né? Em segundo, porque eu acho que é um aspecto muito relativo,

que a gente, também, devia relativizar pra criança com déficit. Mas a gente não

relativiza, né? Mas eu acho muito relativo e aí o que é mais, a gente tem mais cuidado

do que com o que é menos... Pra rotular, é engraçado isso, né?

Solicitada a refletir sobre sua capacidade em avaliar/identificar alunos, com altas

habilidades/superdotação, a diretora mostra-nos uma tendência, que apareceu na fala dos

docentes: a percepção de que lhes falta conhecimento para a identificação, especialmente,

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quando falamos de crianças da educação infantil. Sua fala caminha no sentido da necessidade

de relativizar rótulos e diagnósticos taxativos sobre o tema. Tal postura vai ao encontro da

posição de pesquisadores sobre altas habilidades/superdotação e crianças pequenas,

especialmente, no âmbito da precocidade infantil. Novamente, há uma indicação de que, sem

formação específica, um trabalhador da educação, com formação geral sólida, é capaz de

refletir, adequadamente, sobre o tema.

Vale destacar a reflexão, que segue a sua resposta sobre não saber identificar alunos,

com altas habilidades/superdotação e a necessidade de relativizar rótulos, ao notar que: “nós,

educadores, tomamos cuidado extremo” em não rotular quem sabe mais, mas, o mesmo não

ocorre, quando se trata de rotular aqueles que “sabem menos”. Chegamos, talvez, ao cerne da

pesquisa e ao ponto em que o trabalho, com estudantes alto-habilidosos, possa contribuir para

a escola como um todo, quando a diretora pergunta: “É engraçado isso, né?”, esta foi uma

pergunta feita, diversas vezes, durante as formações docentes que realizamos.

As respostas da formadora aproximam-se da preocupação indicada pela diretora, em

relação aos cuidados em encaminhar talentos, que não se efetivam, quando se trata de “rotular

casos de fracasso”.

Debatemos a dificuldade em identificar os alunos com altas habilidades/superdotação,

a formadora faz questão de informar, diversas vezes, que não se trata de uma questão formal de

exigência de laudo, mas ainda que não cobrem laudo dos estudantes, a situação não se altera

por não receberem alunos como casos de suspeitas, para serem identificados, deixando evidente

o quão poderoso é o círculo de invisibilidade.

FORMADORA do CAPFC: Exatamente. É isso que eu quero dizer. [...] Aí você vai

direto ao atendimento. Mesmo que a criança não tenha laudo, a gente já superou isso.

[...] Isso que eu estou querendo dizer: a gente não espera laudo. Não é laudo. Como

que a criança é, assim... Vamos lá, lá no atendimento, e para a alta habilidade eu não

vejo isso. Entendeu?

Quando reflete sobre a situação do atendimento aos alto-habilidosos e a sensação de que

o atendimento não engata, não caminha, a formadora seguindo a perspectiva da diretora

entrevistada, inicia um caminho de reflexão, que consideramos fundamental para a

compreensão da invisibilidade: a noção de que, por se fazerem mais urgentes e diante da

dinâmica da escola e sua estrutura, as dificuldades de aprendizado monopolizam todas as

energias e esforços dos educadores.

ENTREVISTADOR:[...]Interessante C., que naquela formação que a gente fez, o ano

passado, algumas professoras mostraram ter experiência e, inclusive, formação na

área, uma falou, outra delas citou que tinha feito curso...

FORMADORA do CAPFC: Sim, sim. [...] Os professores de AEE (Atendimento

Educacional Especializado) têm o conhecimento.[...] Eles têm esse conhecimento, eu

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já falei pra você, na pós (pós-graduação) né? Que você recebe toda essa orientação.

Na escola é pouco percebida, então, fica muito a critério: eu sou AEE, então, eu tenho

aquele olhar, na unidade toda e o que acontece é que você começa o trabalho, mas ele

não é efetivo, porque o autista grita, O D. I não acompanha o cognitivo, o D.V precisa

do braile, precisa do recurso, o D.A precisa do intérprete, entendeu? [...] São muito

visíveis, né? Assim é gritante e o outro (AH/SD) é como se ele passasse e ele é tanto

quanto necessário (necessitado), como qualquer um. Mas ele vai... Ele fica de lado,

né? É isso... É preocupante.

Na sequência da entrevista com a diretora, surge, novamente, uma questão que já

tínhamos verificado, na fala de alguns professores: a noção de que como identificar sujeitos

com altas habilidades/superdotação, em escolas tão niveladas por baixo? Como olhar crianças

talentosas, onde a maioria fracassa? Como saber se não seriam, apenas, crianças normais, em

meio a tamanha quantidade e alunos com dificuldades de aprender? A diretora diz:

DIRETORA: Eu acho que não! (sobre saber identificar AH/SD) Eu acho que o

professor, também... não... ou ele identifica, também, supervalorizando, porque eu

não sei, a escola está tão nivelada por... baixo, que eu acho, também, que qualquer

criança que estabeleça um processo um pouco melhor de desempenho, vai acabar se

destacando. E aí eu acho que a gente, na gestão, tem que tomar um pouco de cuidado

pra não confundir.

Aproveitamos esta reflexão da diretora sobre as dificuldades com a identificação dos

estudantes, diante do quadro de fracasso, e questionamos sobre como observar altas

habilidades/superdotação, no ensino fundamental, devido a sua larga experiência, nesta

modalidade de ensino, suas respostas são interessantes, pois ainda que tenha dito, no início da

entrevista, não ter trabalhado com alunos alto-habilidosos, ao refletir sobre os estudantes,

nomes vão surgindo em suas falas, o primeiro deles o de P., jovem que estudou todo o ensino

fundamental, na escola, que a entrevistada dirigiu e irmão de um dos entrevistados, o aluno J.

ENTREVISTADOR: [...]Mas no Fundamental II, como é que tu imagina que isso

seria, altas habilidades/superdotação?

DIRETORA: Ahan, então, eu acho que são crianças que se destacam. No M. de O.

(antiga escola em que foi diretora) a gente tinha algumas lá, tínhamos o P. (aluno

irmão do J., que foi entrevistado pela pesquisa e citado) lá que era... [...] O P. era um

aluno maravilhoso e o irmão o J. vai pelo mesmo caminho![...] o P. e o J. são irmãos,

eram meninos que a gente via uma habilidade, porque não saía de casa, você sabe que

crianças leitoras, remetem famílias leitoras, letradas e não era o caso daqueles

meninos, os dois. Os pais muito simples, nunca leram um livro inteiro, o F. (citando

o esposo que era professor, na escola e lecionou aos meninos, a matéria de língua

portuguesa) trocava livros com o P. (aluno de um bairro bastante pobre, que cursou o

ensino fundamental II , na escola, estando, atualmente, fazendo graduação, na

UFABC). Então, assim , esse menino, esse menino tinha, um processo bastante

importante de desempenho. (afirmou mesmo, antes tendo dito que nunca havia

trabalhado com nenhum. Logo, bastou pensar um pouco no tema que achou,

rapidamente, um caso) .

Quando pensa no estudante com altas habilidades/superdotação, novamente, temos dois

comportamentos interessantes e verificados, ao longo de toda a pesquisa, junto aos professores:

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o primeiro é que, superada a impressão inicial sobre o tema e sua formalidade, os docentes

definem, muito bem, aqueles estudantes que merecem atenção.

Em segundo lugar que, definido este referencial objetivo de olhar o aluno que se

destaque, prontamente, começam a surgir os nomes dos estudantes que mereceriam atenção e a

descrição de histórias, de tentativas, ainda que iniciais, de atender estes alunos, na fala da

diretora surgem os nomes: de P. e J., dois estudantes que já foram objeto de nossa reflexão,

nesta pesquisa, que chamam a atenção, dentre outras coisas, pelo rendimento acima da média.

Um outro ponto que merece destaque, na fala da diretora, é que o projeto educacional

da escola, onde P. e J. estudaram, auxiliava o desenvolvimento dos educandos, evidenciando

que o modelo de escola, suas crenças pedagógicas e teóricas, bem como, sua organização são

fatores decisivos, no trabalho e desenvolvimento dos estudantes, como um todo, e nos alto-

habilidosos, em especial, como podemos verificar, na fala da diretora:

DIRETORA: E acho que a escola tinha um outro modelo, também, que cada criança

podia responder, na época. “A M”.(escola) tinha um modelo onde cada grupo, cada

criança podia responder o seu movimento. [...] O “P”. era formidável! O grupo dele

inventava umas coisas... (admirada)

Diante de sua reflexão sobre o aluno P., questionamos como explicaria o desempenho

do estudante e sua resposta:

ENTREVISTADOR: Agora, como é que tu explicaria o caso do P.?

DIRETORA: Então, superdotação mesmo! Porque não vem de berço, não vem da

sociedade, não é uma criança em que alguém investiu não! Eu acho que por o irmão

dele também ser (já aceitando a possibilidade de ter tido dois alunos superdotados,

entre os alunos da escola, que dirigiu e que, antes, dizia nunca ter trabalhado com

altas habilidades/superdotação) Né! Eu acho que é uma família que valoriza o

conhecimento, da forma como eles conseguem. Mas que os meninos têm aí um... uma

genética que a gente precisava conversar com o pai, de repente o pai ou mãe são

também e não foi [...] Será que os pais não são também? [...] E não foram vistos, né?

E não foram escolarizados, também!

A resposta da diretora indica pontos importantes, primeiro, a percepção do papel que o

capital cultural cumpre, no desenvolvimento dos alunos; segundo, a opinião verificada, em

outros participantes, pelos questionários de que a superdotação seria, exatamente, estes casos,

onde o capital cultural da família não justificasse o desempenho elevado do aluno e ao citar o

irmão, também, com altas habilidades/superdotação, temos a noção de genética se apresentando

e a dificuldade da gestora entre suas concepções e o fenômeno, refletindo que, talvez, estejamos

diante de um grupo familiar, que de seu modo e em suas possibilidades, valorize muito a

educação.

Questionamos a formadora, se a mesma teria dificuldades em trabalhar com alunos, com

altas habilidades/superdotação e suas respostas indicam outro ponto importante, na

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compreensão da invisibilidade: a constatação de que, sem estrutura adequada, o professor tem

pouco a contribuir com estes estudantes. Suas respostas direcionam-se, no sentido de denunciar

a falta de condições da escola, em atender alunos talentosos:

Entrevistador: [...] Você acha que teria dificuldades de trabalhar com um aluno com

altas habilidades/superdotação?

FORMADORA do CAPFC: Olha depende, eu acho que não. Acho que depende,

porque[...] Cada caso é um caso né? E você vai precisar de parceiros para poder fazer

um trabalho paralelo com a escola. Eu acho que aí é que está a dificuldade, da parceria,

porque ele vai além. [...] O AEE, neste sentido, ele é o mediador, vai estar orientando

e levando este aluno para encaminhar e ele vai precisar desta parceria, ou com uma

universidade ou, dependendo do que for a habilidade do aluno e isso é muito escasso.

Vai, onde é que você tem um centro de artes, de música, né? Um laboratório bem

equipado ou o que você vai procurar para? [...] O que fazer? Então, você percebe.

Você vai encaminhar, ele tem interesse para o desenho e aí? O que você vai dar a

mais, pra ele pra que ele tenha, em paralelo, um contraponto? É muito isolado. Eu

vejo dificuldade nisso, em lidar com o aluno não. Onde é que você vai encaminhar?

Que é a pergunta de todo mundo. Este outro lado é que eu vejo que é precário, não só

para o aluno com altas habilidades, mas para todos. Para todos né? Eles precisam

destes trabalhos paralelos e aí, a gente não tem.

Nesta colocação, temos uma posição contraditória da formadora e que cabe reflexão,

verificando a sua denúncia sobre a dificuldade em atender alunos talentosos, perguntamos se

tal situação poderia inibir o professor, em encaminhar alunos para identificação, por altas

habilidades/superdotação, sabendo que pouco poderia ser feito pelos estudantes, suas respostas

vão no sentido oposto:

ENTREVISTADOR: Você acha que, por exemplo, eu percebo um menino, como

você acabou de falar que tem habilidades de Artes e eu sei que não têm muitos

recursos para oferecer pra ele, você acha que essa constatação inibe, também, o

professor da sala regular, em encaminhar ele pra turma de AEE?

FORMADORA do CAPFC: Não, não. Se ele perceber ele vai encaminhar, isso eu não

vejo problema. Pode ser que ele não perceba.

Para aformadora, trata-se, de uma dificuldade dos docentes em perceber os alunos com

altas habilidades/superdotação, diante desta resposta, questionamos sobre sua avaliação quanto

à capacidade dos docentes em identificar alunos com este perfil:

ENTREVISTADOR: Você acha que o professor, da sala regular e, também, da AEE

saberiam identificar um aluno, com altas habilidades/superdotação?

FORMADORA do CAPFC: Tenho dúvidas. É o que eu falei pra você, está muito na

nuvem, ainda. Pensa-se em tudo, eu vou repetir a minha resposta: o autista grita, o

D.V é visível, porque nós somos muito visuais, então, aquilo que eu vejo é aquilo que

eu acredito e o outro, como se fosse superficial, então, fala-se muito: “o aluno é

indisciplinado”, para-se para pensar porque ele é indisciplinado? O que está

desencadeando isso? Esta pergunta, poucas pessoas fazem. “Ah mas ele é muito

quietinho, ele não me dá problema”, e você não para pra olhar o caderno dele que tem

desenhos maravilhosos, que ele não se interessa em copiar da lousa, porque só de

ouvir, ele já sabe, ele já entendeu e você quer que ele registre. Esta flexibilidade, ainda,

é muito difícil, não é uma cultura entre nós, na educação.

ENTREVISTADOR: Isso acaba impedindo, inclusive, deles identificarem o menino,

né?

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FORMADORA do CAPFC: Exatamente. Foi isso que você perguntou: é fácil

identificar o professor do regular ou do AEE? Não é, porque ele não se pergunta, não

se faz perguntas: por que ele está daquele jeito? Por que ele é quieto, lá no fundo da

sala? Por que ele não faz esta pergunta? Eu não vejo, Leandro, isso em qualquer lugar,

proximidade sabe, não é crítica ao professor não, eu não vejo proximidade não só

aluno/professor. Sabe, assim, a questão humana. E o aluno está ali, gritando, sofrendo,

angustiado e ninguém enxerga. Então, o aluno com altas habilidades ou superdotação

não é diferente dos demais, a menos porque os outros são visíveis, só isso a diferença.

A resposta da formadora merece atenção, ela como especialista em educação especial,

indica as dificuldades, na identificação, por parte dos docentes, mas aponta motivos que vão,

muito além, da simples falta de formação, como poderíamos supor. Em primeiro lugar, surge,

mais uma vez, a questão de que as dificuldades, por serem mais evidentes, tornam-se o centro

das preocupações dos docentes, relegando alunos com altas habilidades/superdotação à

invisibilidade; em segundo lugar, a cultura de distanciamento de docentes em relação aos alunos

e a ideia de que currículos devam ser rigidamente, cumpridos dificultando a observação que,

apenas uma experiência educativa mais próxima possibilitaria.

Na sequência das entrevistas, buscamos verificar junto aos educadores como avaliavam

que seriam as experiências escolares dos alunos alto-habilidosos. Suas respostas indicam

reflexões que trazem contribuições, a fim de que possamos compreender o fenômeno da

invisibilidade:

ENTREVISTADOR: Como é que tu imagina que é a vida escolar de um menino

destes? A experiência dele na escola?

DIRETORA: ....(silêncio, pensando!) Ah, com o P. foi muito, foi muito, muito

tranquilo, porque algumas crianças e eu vou falar do P., fazendo uma relação dele com

a escola né? Algumas crianças lá, tiveram uma... tiveram um desenvolvimento

diferente, porque estava na escola, né? Era uma escola que acolhia. Qual que é a

historia do P.? Eu acho que ele ajudou o V.V (Citando Bairro de famílias de classe

média baixa, onde a escola está localizada e que tem grande resistência a receber

alunos de bairros de outras periferias) a reconhecer pessoas inteligentes, no V.N,

(bairro periférico vizinho do bairro, em que a escola se situa, com grande quantidade

de famílias de nordestinos, que chegam à cidade de Cubatão, em busca de trabalho.

Vale ressaltar que o bairro pertence ao município de São Vicente, mas por questão de

localização, é mais próximo os moradores de lá, estudarem em Cubatão, o que gera

muita discriminação e preconceito, com forte resistência dos alunos do V.V, bem

como de suas famílias), porque o Pedro não era do V.V e foi importante para romper

este preconceito. Isso pra ele foi muito importante, foi um empoderamento dele e do

grupo dele, que vinham lá do outro lado da pista, (referindo-se a rodovia Padre Manoel

da Nóbrega, que divide os dois bairros) que os pais do V.V queriam fechar a escola,

pra quem vinha do V.N e ele, de repente, vem pra se empoderar, então ele se

empoderou, mas numa... como é que eu vou usar uma palavra pro P.? Não é

simplicidade, é... eu sempre falo pro F. (o marido) esta palavra e esqueço... e...

também não é companheirismo, é GENEROSIDADE! É ele era muito generoso com

o que ele sabia e isso era bonito porque não era, a gente tinha outros lá (Já citando

outro possível caso de altas habilidades/superdotação). Eu não sei a Luciana

comentava do N., foi até bem colocado na USP, era também um menino muito, muito

bom, não sei se chega a ser é... altas habilidades, mas era um menino que se destacava.

Mas não era generoso! [...] Então, o que fazia do P, um menino inteiro, era a

generosidade, tudo o que ele sabia servia pra ele e pra todo o resto. E isso era lindo,

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né? Então ele, eu acho que ele levou a escola numa boa, com aquilo que ele podia

aproveitar, aproveitando aquilo que era do outro, o outro aproveitando dele. E não

houve nenhum tipo de estranhamento, ao contrario do N. Eu acho que o que atrapalhou

o N. foi exatamente a falta da generosidade, porque aí ele exigia da escola um trabalho

mais pautado no coletivo (aparentemente quis dizer competitivo), era um menino

muito mais individualista, ele não tinha essa inteligência emocional, que o P. tinha. E

aí eu acho que ajuda a criança, não que a escola faça esse trabalho, mas se a criança

já tem essa inteligência emocional, relacional, tendo super-habilidade, melhora muito.

Se você não tem, você cria um processo de isolamento, foi o que o N. fez... né!

(reconhecendo que, em determinados casos, a experiência pode ser difícil a algumas

crianças!)

Destacamos duas questões importantes, nas colocações da diretora, sobre a experiência

escolar do sujeito, com altas habilidades/superdotação. Em primeiro lugar, a riqueza de detalhes

com que se lembra do educando P., mesmo sendo um aluno que há tempos se formou, já estando

no ensino superior. Demonstrando que a invisibilidade, como haviam destacado os educandos,

em suas entrevistas, é relativa. Talvez, não ocorra o atendimento devido, a identificação ou

orientação dos alunos, mas estes não passam sem que os educadores notem seus potenciais. E

a descrição detalhada, da diretora, não nos deixa dúvidas quanto a isso. Por outro lado, seu

destaque entre alunos com história de vida escolar tranquila e isolados, pautado no que chama

de generosidade e inteligência emocional, indica-nos que as trajetórias dos estudantes alto-

habilidosos, também, podem ser diversas e merecem atenção. Cabe destacar que neste

momento, mais um estudante com perfil de altas habilidades/superdotação surge, nas

lembranças da gestora, o jovem N., hoje estudante da USP e questionamos sobre este aluno:

ENTREVISTADOR: Ele (N) era mais isolado?

DIRETORA: Sim, mais isolado. Mais, mais discriminado, é o NERD, o P. nunca

ninguém chamou de NERD. Nunca ninguém falou: -Ah esse aí sabe tudo. Não era

visto assim, né? Eu acho que os meninos nem reconheciam tanto. Ele era híbrido

mesmo, muito bacana. E o N. não, já era o Deus da sala, o que era o cara, mas que era

só pra ele.

Verificamos nesta fala, nitidamente, como o comportamento do estudante em relação

aos demais vai pautar sua experiência escolar. Enquanto P. é marcado pela forma generosa,

como lida com o conhecimento, N. apresenta comportamento diverso e mais competitivo. O

resultado será uma resistência maior dos demais alunos e dificuldades, no relacionamento, com

o grupo de alunos e mesmo docentes.

Questionamos, também, a diretora sobre como via o relacionamento dos docentes com

os alunos alto-habilidosos, sua resposta, novamente, confirma as falas dos estudantes

entrevistados. Este relacionamento, segundo ela, é positivo pelo fato dos docentes gostarem de

alunos que conseguem acompanhar o ritmo das aulas e se interessam por suas disciplinas, ainda

que, normalmente, aos docentes não surja a ideia de que estejam diante de alunos com altas

habilidades/superdotação. As intervenções com estes jovens, também, ocorrem de modo

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informal, seja na troca e sugestões de livros, como descrita pela diretora, ou na utilização destes

alunos para “puxar” o restante da turma, como verificamos em sua resposta:

ENTREVISTADOR: E na relação com os professores? Você falou por exemplo do

Pedro, com o F., professor né? Acha que o F. reconheceu ele?

DIRETORA: Sempre muito boa! Dos dois, porque aí o professor... gosta! Um menino

que responde a todas as demandas, sempre muito boa dos dois. Acho que o F. tinha

mais, falando do F. que foi professor dos dois, mais dificuldade com o N. do que com

o P., pela ausência da generosidade. O N. era mais egoísta, o conhecimento é só pra

mim, a escola é só minha, né? Mas, mas eu acho que, em geral, os professores sempre

usaram bastante e exploraram bastante estes dois meninos.

Entretanto, as respostas da formadora, caminham em um sentido diferente, que também

merece atenção. Segundo esta, muitas vezes a experiência escolar dos estudantes talentosos

pode ser difícil, neste sentido ela nos diz:

ENTREVISTADOR: E como você imagina que seja a experiência, na escola, de uma

criança com altas habilidades? A experiência dela?

FORMADORA do CAPFC: Sofrimento. Eu acho que eles sofrem muito. Porque todo

mundo, que não é compreendido, entra em sofrimento. Não entende, como se ele não

se comunicasse, tanto como qualquer outro né? Não se faz entender. Ele não se faz

ouvir, porque não ecoa a necessidade dele, né? Eu vejo como um sofrimento.

Como conhecíamos muitos dos alunos da escola, que era dirigida pela entrevistada,

devido a trabalharmos com professores que haviam atuando com estes alunos, propusemos que

a diretora refletisse sobre o nome de um outro aluno que, geralmente, era citado como talento:

jovem, músico profissional, atuando em orquestras, desejamos saber como era entendido este

caso de talento apresentado, nas artes e a longa reflexão da gestora, novamente, indica-nos,

primeiramente, como estes alunos são notados e acompanhados, mesmo quando não sejam

formalmente, identificados com altas habilidades/superdotação, por outro lado, algumas

representações sobre os sujeitos superdotados, que povoam os imaginários docentes, são

verificadas, na reflexão sobre este aluno, cabendo observação atenta:

ENTREVISTADOR: E o L.? Você acha que ele tinha altas habilidades/superdotação?

(referindo-me a um ex-aluno da escola, onde haviam estudado P., N. e J., que,

atualmente, é membro da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo, sendo

reconhecido, desde jovem, como um prodígio da música clássica.)

DIRETORA: Qual L.?

ENTREVISTADOR: O L.M. (citando o aluno.)

DIRETORA:Eu acho que sim. [...] É! O L.! O L. é um fofo, né? (risos)! Mas o L. é

um menino que, ah Leandro, é muito difícil... Aquele menino entrou na escola com 4

anos, dentro daquela proposta, é... motivado e estimulado o tempo todo em casa e na

escola, o tempo todo, ele teve uma escola de qualidade, as professoras do L., da

educação infantil e do fundamental I eram impecáveis. E não era o L. que se destacava,

era aquela sala. Saiu desta sala essa menina que a mãe pediu reclassificação (suspeita

de altas habilidades/superdotação), saiu desta sala uma porção de outros, sai desta sala

o N.! Então, a sala tinha muito um comportamento parecido. Todos eles foram usar

uma veia artística, todos eles escreviam muito bem, é que o L. era o carismático, a avó

dele estava, sempre, na escola o tempo todo, ele aprendeu musica, desde pequeno,

então, ele tocava isso pra todo mundo, a gente usava, porque era uma prática da escola

pegar aquilo que a criança fazia de melhor e usar isso pros colegas. Então pro L, era

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isso que ele sabia. E aí eu acho que ele foi pro lado da música porque nasceu pra isso!

Né! Não sei se eu reconheceria como uma alta habilidade.

ENTREVISTADOR: Mas é um cara que se destaca muito?

DIRETORA: É! É um menino que se destaca muito, naquilo que ele faz. [...] Eu não

conheço a alta habilidade, eu não sei, é numa área que a pessoa se fixa, né? (indicando

que começa a refletir sobre o conceito e sua aplicação nos casos sobre os quais vêm

falando/refletindo)

ENTREVISTADOR: Em uma ou várias, mas, geralmente, em uma.

DIRETORA: É o L. Ele, pela idade dele e o músico que ele é, tem...Tá com a carreira

feita! Também nunca pensou em ser outra coisa, desde os 4 anos de idade, esse menino

toca flauta doce, desde os 4 anos de idade!

ENTREVISTADOR: E nunca teve dificuldade na escola?

DIRETORA: Não, pelo contrário, pelo contrário. Até quando ele foi pro ensino

médio, eu tava conversando com a avó dele, porque ele andou viajando muito, né?

Pro exterior, faltando e aí eu falei como é que tá lá, né? (referindo-se a escola de

ensino médio para onde o aluno foi, após, concluir o ensino fundamental), E ela falou:

-Ah, tá fazendo uns trabalhos em casa e tal, não é como era antes, até porque no ensino

médio, menino nenhum é (risos), quando é normal, não é! Ele até tá deixando umas

coisas. [...] mas nunca teve dificuldade alguma, nunca largou a escola, nunca deixou...

A gente tinha outro lá, que era o R., que era da mesma turma do L., que é musico

também, num outro estilo musical, guitarra e tal, e esse sim, trocava a música pela

escola, mas era um musico nato, também. Mas esse trocava, o L. não. Por isso que eu

acho que não chega a ser do L. alta habilidade, mas era um menino que conseguia

transitar, naquilo que ele desejava, tinha muita disciplina, né? Mas alta habilidade não.

Na escola, conhecimento especifico da escola, era um menino no nível da sala.

O caso e L. é um bom exemplo de como as explicações e avaliações sobre altas

habilidades/superdotação são complexas e misturam-se. Se por um lado, é evidente, na fala da

diretora, o talento e sucesso do estudante, levando-a dizer que o mesmo seria um aluno com

altas habilidades/superdotação, o fato de, supostamente, ter um rendimento “normal”, ainda que

sem qualquer dificuldade, leva-a a reconsiderar a avaliação de que se trate de altas habilidades,

bem como, a noção de que não tenha, também, deixado a escola de lado, como o outro aluno,

com talentos musicais, reforça esta impressão, tornando evidente a ideia de que sujeitos,

profundamente, talentosos seriam de tal modo absorvidos por sua área de interesse, que não

conseguiriam se sair bem, nas demais, o que constitui um equívoco.

Outro ponto curioso é que, ao refletir sobre L., surgem os nomes de mais dois possíveis

alto-habilidosos. R., aluno que, atualmente, é musico e sempre se destacou tocando guitarra e

o caso de uma estudante que chegou a solicitar reclassificação, devido ao seu rendimento

superior.

Ao falar sobre o aluno L., a diretora se vê diante de um dilema que verificamos, muitas

vezes, entre os professores, no decorrer de nossa pesquisa, casos como o de: P. e J. identificados

com familiares simples, são mais, facilmente, associados à superdotação, por, supostamente,

“não haver” explicações sociais para tais talentos. Mas, nos casos como o de L., aluno com avós

muito envolvidos, em sua escolarização, tendo estudado em uma turma com ótimo rendimento,

em uma escola com proposta diferenciada, sendo aluno de excelentes docentes, como avaliar

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um caso destes? A diretora parece inferir a influência do meio social e do trabalho da escola,

no desenvolvimento das capacidades do jovem e, diante disto, surge a dúvida que será, em

parte, motivo da invisibilidade. As escolas têm dificuldade em se reconhecer parte, no processo

de desenvolvimento do potencial humano e esta dificuldade evidencia-se, quando, mesmo

relatando todo o envolvimento da família e escolarização de qualidade, inclusive, estimulando

o menino para a música, a diretora diz que o menino “nasceu” para a música, recorrendo à ideia

de aptidões naturais, para explicar um caso, onde ela mesma deu todos os indícios de que era

fruto de trabalho da escola e da família.

A formadora do CAPFC, por sua posição e personalidade concentrou sua reflexão em

questões técnicas e relativas à estrutura da rede, como um todo, quando pensou na questão das

altas habilidades/superdotação, englobando: estrutura, formação, parcerias com outras

instituições, itens que figuravam entre suas preocupações. Já a diretora, decidiu seguir o

caminho de refletir sobre a realidade escolar, mais imediata, e assim, suas falas serão sobre

casos de estudantes, situações pedagógicas etc.

Diante dos nomes de alunos que surgiam, como exemplos de possíveis casos de altas

habilidades/superdotação, conforme, a diretora falava de suas experiências, decidimos

questionar a diretora sobre os estudantes com altas habilidades do sexo feminino, em sua

experiência e suas respostas podem nos dar indícios de como entender o problema:

ENTREVISTADOR: Geralmente, é normal, quando a gente conversa sobre esse

assunto, você tá vendo que, naturalmente, vão surgindo uns nomes [...]dos meninos,

e as meninas, tem alguém que você lembre?

DIRETORA: Tem! A gente tinha a V.San... (tentando lembrar o sobrenome) Não ,

uma V...

A sequência de respostas sobre o tema das meninas, com altas habilidades/superdotação,

merece atenção, em seus detalhes. A primeira situação que se verifica, quando surge a questão

é que a diretora lembra-se de casos femininos de talento, mas tem dificuldade em recordar os

nomes, diferentemente, do que ocorreu com os rapazes; logo, é preciso um esforço maior para

que os nomes lhe venham à cabeça, indicando que se já é difícil que alunos com perfil de altas

habilidades/superdotação sejam lembrados, se estes forem do sexo feminino, a invisibilidade é,

ainda mais poderosa, constatando que fenômenos, amplamente, estudados pelas pesquisas, em

educação e ciências humanas, estão presentes quando a categoria gênero se apresenta ao tema

altas habilidades/superdotação. Mostrando que, talvez, a compreensão da invisibilidade possa

ocorrer por caminhos muito mais relacionados à escola, como um todo, que pensando em

hipóteses específicas para a área da superdotação.

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Diante da dificuldade em lembrar do nome de uma aluna, potencialmente, com altas

habilidades/superdotação, escolhemos ajudar com o exemplo citado pela própria diretora no

início da entrevista:

ENTREVISTADOR: Tem essa que você falou que tentou a aceleração...

DIRETORA: É mas não era. Era uma menina boa, mas não era! Mas a gente tinha a

V., que eu não lembro o sobrenome ela, era uma menina negra, gordinha, que era

excelente.

Ao citarmos, novamente, o caso de um aluno apontado, verificamos uma posição

interessante, muitas vezes encontrada ao longo da pesquisa, profissionais relatando dificuldades

em identificar alunos com altas habilidades/superdotação, alegando desde a falta de formação,

até dificuldades inerentes à própria ausência de protocolos de identificação. Entretanto,

constatamos que, é comum termos afirmações taxativas, em relação a não presença de altas

habilidades, em um determinado sujeito. Cabendo a pergunta, por que afirmar ou suspeitar de

altas habilidades envolve tanto cuidado, ao passo que a negativa de eventual alta

habilidade/superdotação possa ser feita, de modo tão seguro?

Além disto, a forma como “V.” é lembrada, indica que o caso das mulheres alto-

habilidosas é, ainda, mais urgente. A aluna é descrita como negra e ótima, se compararmos a

descrição, com a riqueza de detalhes, que os alunos: P., N., L. e J. receberam, fica evidente,

que estas são alunas que chamam menos atenção. Se considerarmos, ainda que, mesmo sendo

uma das melhores profissionais da rede municipal, educadora comprometida com a educação,

apresenta dificuldades em descrever uma aluna, com altas habilidades/superdotação, podemos

imaginar como a situação apresenta-se, em realidades, onde os profissionais não sejam do porte

de nossa entrevistada.

[...] E a P., que eu não sei se você conhece a mãe dela, a P. é superdotada, agora eu

lembrei (feliz em cravar um nome, de modo tachativo)! Ah mãe dela é a N. da

biblioteca! (sua mãe é a bibliotecária responsável pela biblioteca municipal da cidade,

que desenvolve projetos de iniciação à leitura, com crianças. Desenvolve projeto de

apresentação de obras literárias, contação de histórias, visita escolas para apresentar

histórias clássicas e livros, recebe as crianças no parque municipal, aos finais de

semana, em um espaço de leitura e lazer destinado às crianças, pessoa envolvida com

o universo da cultura e da leitura e muito erudita, no tocante à literatura)

Quando o nome da aluna P. surge, consideramos que a entrevista chega a um outro ponto

e precisa ser analisada de modo diferente. Segundo a diretora, trata-se de uma aluna que, com

toda a certeza, seria superdotada; cabe percebemos que o termo usado é superdotado e não mais

altas habilidades, em uma posição que dialoga com os resultados verificados, nos questionários

aplicados, na pesquisa.

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Em primeiro lugar, o único nome que, segundo a entrevistada, não caberia qualquer

dúvida sobre ser alguém com altas habilidades/superdotação, surge, apenas, após muito papo e

provocações, quando estava pensando, exclusivamente, sobre as mulheres, após descrever

inúmeros casos de rapazes, surge o nome de P.

É interessante notar como é relevante tratarmos do tema, com os trabalhadores. Ao

cravar o nome de P. como superdotada, a diretora não tinha dúvidas e mostrou-se feliz em

verificar primeiro, que ao contrário do imaginava, já havia trabalhado com estes alunos com

altas habilidades/superdotação, segundo, que conseguia identificar tais alunos, o que não ocorre

devido a outros fatores, entre eles, não restar tempo para pensar no tema.

O perfeito exemplo de superdotação é, também, o exemplo de como capital cultural e

ideologia das aptidões naturais convivem, sem que sejam percebidos. Ao citar o nome da aluna,

imediatamente, é citado o nome da mãe da menina, profissional destacada, na cidade e

importante agente cultural do município, sendo capaz de legar à filha capital cultural

diferenciado e, inclusive, tendo já conversado com o pesquisador sobre suas preocupações com

sua filha, o futuro das crianças da cidade e suas formações. Seguimos a conversa sobre P. e sua

mãe, tentando ver como o capital cultural seria analisado pela entrevistada.

ENTREVISTADOR: Eu conheço a mãe dela! Então, já ouvi falar da P., inclusive ouvi

a N. falar da P..

DIRETORA: Então, a P. é superdotada! A P., essa menina, ela tem todas... as ... Na

minha opinião, todas as características de uma criança superdotada, sem ser olhada.

Ela passou por depressão e tudo!

ENTREVISTADOR: E quais eram as características?

DIRETORA: Então, excelente escritora, desde cedo, excelente memória de tudo, tudo

o que aquela menina aprendeu, no ensino fundamental, da primeira e segunda série,

ela relacionava com outras coisas, excelente, de ponta! Mas era uma menina que não

tinha sociabilidade nenhuma, com ninguém! A gente não ouvia a voz dela.

A descrição da aluna que “teria” todas as características de superdotação, leva-nos a

refletir como o imaginário dos trabalhadores, em educação, conjugam fatores objetivos e

corretos sobre como observar a superdotação e ideias pautados com estereótipos, que podem

criar concepções equivocadas. A aluna é descrita em suas habilidades cognitivas: grande

capacidade de leitura, excelente na produção de textos, capaz de relacionar informações,

detentora de memória poderosa, todos fatores que, se bem observados e estimulados, podem

indicar caminhos, na detecção e trabalho com os alto-habilidosos.

Mas associadas a estas características, temos as representações que povoam o

imaginário docente de senso comum, sobre estes indivíduos e que tem, peso igual ou superior

às características cognitivas descritas: extrema timidez; incapacidade de se relacionar com os

demais colegas; ninguém ouvia a voz dela; logo, parece concluir seu diagnóstico de altas

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habilidades/superdotação. Assim, vamos verificando a força da ideia de que os sujeitos, com

tal perfil, teriam imensa dificuldade em fazer amigos, falar em público, se expor etc...Vamos

nos aproximando de caricaturas de gênios, amplamente, difundidos no senso comum e que

pode, em parte, explicar a invisibilidade. Curiosamente, no relato, surge a descrição de que a

aluna citada tinha uma colega com quem se relacionava, esta colega, também, descrita como

possível caso de altas habilidades/superdotação e, ainda assim, sua condição introspectiva

colocou-a no papel de “estranha”. O relato de que a aluna teve depressão, além de chamar a

atenção para a necessidade de cuidados com os estudantes, parece ser a informação que falta

para a conclusão, pela sua condição de superdotada.

ENTREVISTADOR: Diferente do P. né?

DIRETORA: Diferente do “P”., a “PA”, essa menina era... eu não sei como ela tá

agora, depois ela teve, acho que a “N”(Mãe). tentou tirar da escola, porque sofria

bullying, a “PA”, porque era orelhuda, porque não falava com ninguém. Mas ela era

muito diferente! Muito diferente! E acho que ela foi pelo caminho de escrever mesmo.

Pelo que a “N”., sua mãe, andou me falando, andou por essa área, não sei o que ela tá

fazendo agora, mas foi uma menina que exigiu muito da escola. (os alunos citados

todos estão nos primeiros anos, dos cursos de graduação, no ensino superior). [...] Mas

era uma menina, agora assim lembrando daqueles alunos, ela era da mesma turma do

“L”. (referindo-se à turma com muitos alunos com destaque!) Aquela turma tinha um

povo muito bom! A “V”. e a “PA”. eram simbióticas, tanto que a gente teve até que

separar. Quando a gente conseguiu... né? Porque assim, uma competia muito com a

outra e a “PA”, como não socializava com mais ninguém, tava sufocando a “V” a se

socializar com os outros. Então, pro benefício da “V”, a gente teve que separar. Porque

a “PA” não ia mesmo se relacionar com mais ninguém, mas a V. queria. E aquilo

tava... era uma dupla bastante dinâmica.

Aos poucos surge o sobrenome da aluna e a lembrança de que a escola teve problemas

coma educanda, que foi vitima de bullying, e sem conseguir se relacionar com os demais

colegas. Curioso que, em uma escola com proposta diferente, com atenção aos estudantes, onde

os demais educandos tenham tido experiências felizes, com seu processo educativo,

exatamente, a menina com altas habilidades/superdotação, tenha experimentado uma vivência

escolar, totalmente, diferente, tendo, inclusive, procurado outra escola. Não saber o que ocorreu

com a aluna, ainda que tenha contato com a mãe de P., é outro indicio de como, sem notarmos,

as atenções destinadas são distintas. Nossa entrevistada sabia descrever, com detalhes, a

trajetória de seus alunos e faria isso, ainda, durante a entrevista, mas com P. não se sabia ao

certo o que ocorreu.

ENTREVISTADOR: Interessante.

DIRETORA: É muito tímida, muito tímida e aí a gente via que era uma coisa assim,

no começo, a gente achou que era da família, porque os pais são muito cultos, né?

Mas a P. tinha uma irmã a L., que era, completamente, diferente. Que era normal, que

aprendia, mas nem tanto.

Neste ponto, mais uma vez, temos uma observação interessante. Constamos que a

escola, ainda que não note os alunos com altas habilidades/superdotação, que diga que não se

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lembra deles, que não identifica ou atende tais estudantes, relata ter pensado sobre como

explicar o potencial da aluna. Em primeiro lugar, surge a ideia de que o capital cultural dos

pais, descritos como, profundamente, cultos possa ter influenciado a educanda. Entretanto,

temos aqui um fator que, muitas vezes, será utilizado para justificar o argumento dos talentos

inatos: irmãos que têm famílias com amplo capital cultural apresentam rendimento escolar

díspar, confirmando que não seria o capital cultural o responsável pelo talento, uma vez que,

deveria ter sido legado a todos os filhos. Já, quando irmãos, apresentam, igualmente, ótimo

rendimento como P. e J., mas os pais têm pouco estudo, novamente, o capital cultural sai de

cena e se fortalece a noção de genética ou aptidão natural. E mesmo quando irmãos oriundos

de famílias, com vasto capital cultural, apresentam altas habilidades/superdotação, como

verificado, em pesquisas da bibliografia, recorre-se a explicação baseada, nas aptidões naturais,

hereditariedade e genética133.

Buscando verificar como os entrevistados entendiam o impacto de algumas categorias

sobre o fenômeno da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, questionamos sobre tais

temas e a depender do caminhar da entrevista, avaliamos a pertinência da realização de

determinadas perguntas aos profissionais. A fala da diretora entrevistada, frisando, a todo o

momento, características socioeconômicas das famílias dos estudantes e, mesmo sua condição

cultural, mostrou-nos que questionamentos sobre como a mesma entendia o papel da classe

social, no fenômeno das altas habilidades/superdotação, não faria sentido. Afinal, suas respostas

sobre os alunos P. e a P.A. deixam evidente que a entrevistada confere importância ao papel

das condições econômicas. Deste modo, dedicamos as questões relativas à classe social e altas

habilidades/superdotação, para a entrevista com a formadora do CAPFC. Assim, iniciamos esta

parte da entrevista:

ENTREVISTADOR: Outra coisa que ia te perguntar, pra tiexiste alguma relação entre

altas habilidades e classe social?

FORMADORA CAPFC: Fora os recursos, se for identificado. A possibilidade, né?

Só isso que eu vejo.

A resposta da formadora contraria a ideia de que existe um mito, segundo o qual, apenas

classe sociais privilegiadas contariam com indivíduos alto-habilidosos. Este mito é,

prontamente, recusado pela formadora, e imaginamos que ter a profissional responsável por

toda a formação, em educação especial, no município, refutando tais ideias, seja fator

importante e indique caminhos para compreendermos como a rede entende o tema.

133 (VIEIRA, 2005)

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Temos na resposta da formadora um indício interessante sobre, como parte considerável

dos educadores compreendem a relação entre classe e altas habilidades/superdotação. Durante

os questionários e formações, diversas vezes, vimo-nos diante desta forma de entender o

fenômeno, que é a seguinte: em geral, os educadores reconhecem que as altas

habilidades/superdotação, podem se manifestar, em todas as classes sociais, não estabelecendo

qualquer relação entre condição econômica e potencial intelectual. Esta posição é acompanhada

pela percepção de que o acesso aos mediadores culturais e capital econômico e cultural afetam,

de modo significativo, o atendimento e desenvolvimento a tais capacidades, ou seja, pobres e

ricos podem ter altas habilidades, mas, as possibilidades de desenvolvimento do potencial são

desiguais, em especial, no que tange a sua identificação. Entretanto, em geral, como a

formadora, os educadores não relacionam o surgimento do potencial acadêmico e/ou intelectual

às condições sociais, como se estes pudessem ser fonte de estímulo, mas não terem papel

gerador, indicando que as concepções inatistas sobre as altas habilidades/superdotação teriam

peso significativo, para os educadores, ainda que não deixem de perceber o papel do ambiente.

Tal situação pode ser melhor percebida, pelo que a entrevistada entende por “possibilidade”:

ENTREVISTADOR: Possibilidade que você diz é?

FORMADORA DO CAPFC: De recurso. Se for de uma classe social favorável,

consequentemente, antes de saber se tem altas habilidades/superdotação ou não, ele

vai ter o acesso a outros recursos: de fazer, desde pequeno, uma aula de música, um

esporte né? De participar, de viajar, de conhecer os lugares, enfim. A vida social dele

é diferente, tem muito mais possibilidades que o outro não tem. E é confundido, só

nisso. Não nas proporções.

ENTREVISTADOR: Deixa ver se eu te entendi, então... Não no desenvolvimento das

altas habilidades, mas no atendimento das necessidades dele.

FORMADORA do CAPFC: Sim. Porque a vida dele é diferente por si só, pela própria

condição social.

ENTREVISTADOR: Porque ele teria acesso a todos aqueles recursos que você diz

que falta, especialmente, na rede pública.

FORMADORA do CAPFC: É, só neste sentido.

Suas respostas demonstram como, de um lado, é reconhecido o peso das condições

econômicas e culturais, especialmente, na capacidade de ofertar aos sujeitos, em seu

desenvolvimento, recursos que a rede pública tem dificuldade em garantir às crianças de

famílias proletárias.

Buscando verificar o peso do mito sobre o futuro eminente dos indivíduos alto-

habilidosos, questionamos à diretora sobre como avaliava as perspectivas a estes alunos. Suas

respostas saíram um pouco do centro, do questionamento, mas se mostraram interessantes, ao

propor reflexão sobre a própria escola e sua capacidade em atender os estudantes, com altas

habilidades/superdotação.

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ENTREVISTADOR: [...] Como perspectiva, o que tu vê de perspectiva pra estes

meninos? Na escola e depois?

DIRETORA: Na escola... (longa pausa para pensar) você tá me falando, agora assim,

a escola tá doida pra ter esses meninos, não sei se reconhece, né? A gente quer todos

eles assim, não é? (gargalhada!!!), Mas eu não sei se a gente dá conta, né?

ENTREVISTADOR: Qual é a perspectiva que você vê para o menino com altas

habilidades, na escola pública?

FORMADORA DO CAPFC: Olha não vou falar nem só para este aluno, mas para

todos, em que estão faltando este atendimento: Ministério Público. Eu acho que a

gente chegou neste ponto.

Verificamos, neste trecho, posições que parecem opostas, mas, que dialogam. Enquanto

a formadora reconhece possibilidade de atendimento, apenas, por intermédio de ações, na

justiça e na garantia do atendimento ao direito dos estudantes alto-habilidosos, pela força da lei,

tamanho o quadro de falta de formação e estrutura. A reflexão da gestora é de que identifica

que os alunos, com potencial acima da média, não são reconhecidos pelas escolas, ainda que,

estas desejem, no fundo, alunos com o perfil destes estudantes. Gerando um paradoxo: “A

escola idealiza um tipo de aluno, o que a faz, inclusive, rejeitar a maioria dos alunos, mas não

consegue os reconhecer, quando se vê diante destes educandos”. Porém, a diretora por sua

experiência vasta, em escolas públicas, inicia uma reflexão importante, que considera que a

escola, talvez, ainda que reconheça e identifique tais alunos, não consiga “dar conta” de ensiná-

los, a contento.

ENTREVISTADOR: Mas será que a gente acha eles?

DIRETORA: (rindo ainda), Ah eu acho que se a gente achar, a gente vai botar a cabeça

assim, oh (indica a cabeça debruçada na mesa) e vai se descabelar todinho, a gente

não vai dar conta! [...] Eu fico imaginando a P., o N., o L., o P., todos na mesma sala...

Comigo, burrinha assim! (risos). [...]A gente não tem repertorio nem cultural, nem

científico pra lidar com esses meninos. [...] ele se vira sozinho, é isso que eu tô

falando. A gente não quer ver, como alta habilidade, senão, eu vou ter que me

preocupar com aquilo e eu vejo um menino que... não me dá problema, tá se dando

bem, vai se dar bem, na vida, eu acho que foi uma pergunta que você fez, como é a

perspectiva de trabalho pra esses meninos? Eu acho que é excelente, eu acho que

independe da escola, eu acho que tem menino que consegue ser autodidata, a escola

atrapalha, de certa maneira, como ela está posta hoje[...].

ENTREVISTADOR: Porque ela atrapalha?

DIRETORA: Porque ela impede o menino de ir, de andar com aquilo que, por

exemplo, vou dar o exemplo do R. (garoto que toca guitarra e diz, desde pequeno, que

vai ser músico.), que queria estudar música [...] E tá impedindo o menino, que tem

que aprender a raiz quadrada lá, senão não vai passar de ano e ele quer andar, ele quer

voar por outros voos, eu acho que a gente impede, [...] a escola engessa.

A primeira razão para justificar esta desconfiança da escola, em conseguir atender os

alunos alto-habilidosos, é a de que faltariam recursos aos professores e trabalhadores, para lidar

com estes jovens e crianças. Indicando um imaginário, amplamente, presente na concepção dos

educadores, a de que para lidar com superdotados seria necessário, também, o professor ser

alguém “diferente”.

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Outro ponto a ser destacado, é a noção de que parte da invisibilidade deva-se a uma

ideia de que processos de identificação não sejam iniciados, por gerarem problemas e trabalho

desnecessário, já que estes alunos desenvolvem-se bem e com sucesso.

Neste momento, temos uma concepção, às vezes presente, em educadores progressistas,

quando refletem sobre o tema: críticos da escola e sua organização atual, sobretudo, na forma

como organiza os currículos, tendem a considerar a escola como empecilho, no

desenvolvimento dos alunos, principalmente, nos mais talentosos que perderiam tempo e

energia, em temas e assuntos que não lhes interessam, apenas, para cumprir cobranças

burocráticas. É certo que, há verdade nesta concepção, mas, precisamos relacioná-la com a

noção de que, segundo tais perspectivas, o talento seria inato. Superada a concepção inatista, a

escola, ainda, que repleta de problemas, passa a ter papel decisivo, nas chances de

desenvolvimento e aprimoramento dos talentos cognitivos, nas crianças da classe trabalhadora

e, apenas, assim, poderíamos superar esta concepção de educadores, onde o talento não caberia

a escola, devendo esta ficar concentrada “somente” no fracasso.

Sua fala indica que um fator da invisibilidade esteja relacionado à falta de formação

docente para o tema. Mais do que dominar, teoricamente, conceitos específicos sobre altas

habilidades/superdotação, a gestora indica a formação, geral, deficiente, como parte de muitos

problemas, entre estes, a dificuldade em olhar para os alunos, tema da pesquisa. Neste sentido,

corrobora à percepção da formadora do CAPFC, sobre o tema indicando que a formação, talvez,

seja um dos pontos fundamentais do enfrentamento da questão, ambas nos dizem:

ENTREVISTADOR: A próxima pergunta é: porque você acha que a escola não

consegue identificar os meninos com altas habilidades/superdotação?

DIRETORA: [...] Euacho que tem a ver com a nossa formação humana, com a nossa

formação profissional, com o nosso olhar. Eu nunca me preocupei com estas crianças,

de verdade, nunca me preocupei em encontrá-las, na escola, nunca achei que elas

fossem me dar problemas, na escola, pelo contrário, se estas são superdotadas elas se

viram, né? Eu acho que a escola não tem o olhar, né? E eu acho que é formativo! [...]

não é só de infraestrutura, eu acho que se a gente tiver o olhar formativo, talvez, a

gente comece a pensar numa estrutura melhor pra estes meninos, mas, sequer, a gente

quer achar!

Questionada sobre os motivos da invisibilidade, a formadora segue o mesmo caminho:

ENTREVISTADOR: [...] Na tua opinião, a gente tem tão poucos alunos né e são

invisíveis. Na tua opinião, como a gente poderia romper com esta invisibilidade?

FORMADORA do CAPFC: informação. [...] informação. Rastrear mesmo. Ter um

trabalho aí, efetivo de informação. Com gestores, né? Na aproximação com alunos,

grupos que você tem na sua escola. [...] Porque esta confusão também acontece com

quem tem dificuldade de aprendizagem. [...] Então, é a informação, [...] e que

atendimento vamos dar pra ele, que é pedagógico. Pensar nele, como ser humano,

mesmo, que tipo de desenvolvimento que ele precisa. Estudar esta criança e este

grupo. [...] Tem que vir esta força tarefa, que é pra vir ajudar esta equipe gestora e o

professor. Então é: professor, que aluno você tem e conhecer este aluno e informar.

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Informar pais, informar professores, pra prestar atenção nos alunos, esta proximidade.

[...] Eu costumo falar na formação: enxerguem além do que veem.

Em ambos os casos, verificamos que a formação dos profissionais da educação é tema

da reflexão das entrevistadas, para a superação da invisibilidade, mas formação é entendida em

sentido, que vai além, da formação em altas habilidades/superdotação.

Devemos ressaltar o destaque da diretora ao papel que uma escola, com bom trabalho

pedagógico e maturidade teórica, quanto aos caminhos que deseja trilhar, tem no

desenvolvimento do potencial dos estudantes, sejam eles alto-habilidosos ou não, indicando a

necessidade de se repensar a escola e a educação, como um todo, caso desejemos atender aos

estudantes, em foco, deixando evidente, neste trecho da entrevista:

ENTREVISTADOR: Agora o que está parecendo que você está me dizendo, também,

é que quando eles têm uma experiência escolar muito bem estruturada [...] essas coisas

aparecem mais...

DIRETORA: É, isso, isso mesmo, eu ia completar isso, eu acho que a escola, aí,

precisa estar aberta com outras linguagens, com outros caminhos, pra descobrir que

esses meninos têm outras possibilidades, então, se a gente não abrisse pro L. tocar a

flauta doce, no grupo, desde os 4 anos, talvez, ele não tivesse gostado tanto deste

caminho da música e tivesse aí perdido essa habilidade que ele tem! (concluindo que

o aluno teria alguma habilidade superior, sem que eu tenha afirmado isso, ao longo da

entrevista, ao menos de forma literal) Então, eu acho que a escola, passa por uma ânsia

de ter esses meninos, mas não dá conta! A gente tava ontem falando, no HTPC, isso

né? A gente leu o Miguel Arroyo e ele vai falar do repertório cultural de cada um, que

repertorio cultural tem pra lidar com esses meninos, gente? É muito restrito, tudo que

a gente conhece.

Com as entrevistas, praticamente, concluídas, as conversas enveredaram por temas e

assuntos de interesse, dos entrevistados. Assim, os temas da medicalização, na educação, e

particularmente, nos alunos alto-habilidosos terá papel de destaque, nas falas da diretora. Já a

formadora irá concentrar suas reflexões, no debate sobre os estudantes com dupla

excepcionalidade, aqueles que vivendo com alguma deficiência, são, também, indivíduos com

altas habilidades/superdotação.

Paralelamente a estes temas, o questionamento sobre como superar a invisibilidade é

abordado e neste ponto, profundas reflexões sobre as deficiências da educação pública e do

sistema de políticas públicas surgem como fator importante, para compreendermos como se

fortalece a invisibilidade, bem como, o quanto difícil será encarar a condição de invisíveis dos

estudantes, com altas habilidades/superdotação, sem políticas públicas mais amplas.

O tema da medicalização surge, quando refletindo sobre um aluno (J.O.), com 4 (quatro)

anos que, segundo a diretora, frequenta a sala da gestora, constantemente, devido aos problemas

disciplinares e que esta, no convívio com a criança, verificou se tratar de alguém,

profundamente, inteligente que, segundo sua opinião, merecia uma avaliação, neste sentido.

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Neste momento, informamos sobre o contingente de alunos que chegam a ser medicados e

“laudados”, como doentes, devido ao seu potencial e talento, questionamos sobre o assunto e

como via a situação.

Se na fala da diretora, fica evidente o quadro de medicalização preocupante, em alunos

com dificuldades em aprender e/ou altas habilidades, também, constatado em visita a

APAHSD, onde um dos diretores da instituição descreveu o quadro de muitos alunos alto-

habilidosos, ao chegarem à associação, medicados e com laudos de TDAH, depressão, etc. A

formadora entrevistada indica que, muitas vezes, os equívocos e rótulos surgem, mesmo de

profissionais da saúde, como médicos, que sem conhecerem o tema, contribuem para que alguns

indivíduos passem a vida na condição de “estranhos ou deficientes”:

ENTREVISTADOR: Aí, eu entro na tua área com uma dúvida, que eu sempre fico,

por exemplo, nas pesquisas, se fala muito das crianças que são encaminhadas para a

Sala de AEE como autistas, ou com hiperatividade e elas têm altas

habilidades/superdotação. Isso é bem comum.

FORMADORA CAPFC: Até na...Este equívoco é comum até, na classe médica. [...]

Com laudos equivocados. [...] Eu já peguei laudo de autismo que não é autista. Tem

esta distorção.

A formadora, quando reflete sobre os alunos com dupla excepcionalidade, é taxativa ao

destacar o quão fora da realidade é, pensar no atendimento a estes alunos, uma vez que,

atualmente, nem mesmo aqueles que sejam “apenas” superdotados, conseguem atenção e

atendimento. Sua fala exprime como a falta de formação e políticas públicas, de certa maneira,

explicaria os motivos da invisibilidade:

ENTREVISTADOR: O tema que alguns pesquisadores falam, hoje, é a dupla

excepcionalidade. Então, sabidamente, algumas pessoas têm alguma necessidade

especial e têm altas habilidades. Este tema então, o que você acha dele?

FORMADORA do CAPFC: Sim, sim. Está muito mais distante. Porque o básico não

é percebido, né? Tanto é, que nós temos aí várias pessoas que falam que o cara é bom,

mas não fala que ele tem altas habilidades. Não é? Não falam.

Sua reflexão indica um olhar apurado e bastante realista sobre as possibilidades em

conseguirmos atendimento aos alunos com altas habilidades e alguma deficiência e sobre como

o olhar dos profissionais, suas concepções de educação e ser humano são decisivas, no quadro

de não identificação de dificuldades e/ou talentos. A entrevistada cita o caso de uma estudante

talentosa, ao piano, que por ser deficiente visual, não consegue ser aceita, no conservatório

musical da cidade, mostrando-nos como gargalos poderosos terminam impedindo o trabalho

com os estudantes mais ou menos talentosos:

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FORMADORA do CAPFC: [...] Igual como a C. falou, tem uma menina com

deficiência visual, excelente em música e o conservatório não aceita a criança. Não

tem sentido, não tem lógica. [...] Porque não é adaptada, eu já ofereci um professor de

AEE para fazer, porque não tem um professor para passar a partitura em BRAILE. Sei

lá, então é não. É mais fácil você falar um não. E a criança está frustrada, já é uma

adolescente, toca piano e não dá andamento. Não é por falta de insistência. Os lugares

são fechados. O pouco que se tem é muito fechado, por isso que eu falo, falta

informação. Falta chegar, nestes lugares, a força da lei mesmo.

As respostas e reflexões da formadora sobre o tema abordam, a todo o tempo, uma

questão que é importante, quando pensamos em identificação e atendimento aos alunos alto-

habilidosos: qual o sentido de identificar alunos, sem que tenham condições de lhes oferecer

qualquer serviço de atendimento especializado? Verificamos, em nossas conversas, e

formações com os professores, este tipo de angústia, onde aparece a questão: Identificamos e,

depois, fazemos o quê? E talvez, neste ponto, tenhamos uma das possibilidades para

compreender a invisibilidade, bem como, os caminhos para o atendimento das pessoas com

AH/SD:

FORMADORA do CAPFC: Pra onde que você manda? Que gás você tem? Porque a

escola tem sua limitação, ainda, ontem, falei para uma professora no HTPC (Horário

de Trabalho Pedagógico Coletivo): “nosso compete é pedagógico, a gente

encaminha”. Nós não podemos deixar o pedagógico, esse é o nosso compete. Mas é

claro que precisa das parcerias. Não é passar para o outro, é fazer junto.

Sua fala deixa evidente como a falta de espaços destinados a práticas culturais,

científicas e esportivas limitam as possibilidades de atuação, com toda a população e que, neste

caso, os alunos com altas habilidades/superdotação são, especialmente, prejudicados. Seu relato

afirma como a degradação da rede de atendimento público à população efetivou-se, não

deixando possibilidades, além, das escolas para qualquer espécie de atendimento, indicando-

nos que a ausência de políticas públicas amplas, e terminam por invisibilizar, ainda mais, o

talento, uma vez que, ciente das carências em equipamentos públicos, onde estes alunos possam

aprofundar suas habilidades, os docentes relutam em fazer a formalização de suas observações

de talentos, culminando com a não identificação.

Um ponto que se verificou, na fala das profissionais sobre o tema, foi a percepção de

que a formação é um gargalo importante, na questão da invisibilidade dos alunos superdotados,

mas não apenas a formação docente, específica em altas habilidades/superdotação, mas sim, a

formação geral, tema amplamente debatido e estudado por pesquisadores brasileiros.

As respostas da formadora, quando relaciona a situação de falta de estrutura à

invisibilidade, mas, também, cobra o papel dos profissionais da educação sobre tema, indicam-

nos uma perspectiva, que deseja superar as dificuldades da educação, como um todo, sem

atentar às amarras poderosas, que limitam o trabalho docente, em determinadas ocasiões. Por

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outro lado, a entrevistada recusa o corporativismo que coloca todos os problemas fora da escola

e da sala de aula e atribui aos professores e escolas suas parcelas de responsabilidade, no quadro

de invisibilidade, a formadora relata-nos como entende a questão:

FORMADORA do CAPFC: Eu acho que a escola precisa ter esta informação (altas

habilidades/superdotação), precisa ter os seus projetos, o que compete ao pedagógico,

ao acadêmico, esta é a nossa obrigação: diversificar, ser flexível e ser dinâmica, a

prática pedagógica, eu acho que isso, também, está muito precário. Não dá pra você

ficar justificando: “o outro, o outro”, sendo que na minha sala de aula, sou eu. Então,

os projetos, a pesquisa, ninguém vai dizer não faça, sou eu e acabou.

A perspectiva da formadora é a de que caberia aos docentes e gestores,

instrumentalizarem as famílias a que cobrem do poder público a estrutura para o atendimento

as suas crianças, em suas necessidades, sejam elas deficiências ou altas habilidades. Na sua

perspectiva, os docentes também, teriam papel decisivo, na cobrança de serviços aos seus

alunos, provando o judiciário neste sentido. Podemos verificar tal concepção, em suas falas:

ENTREVISTADOR: Para além da estrutura, para além da formação e da informação,

o nó para ti é ação concreta da prática pedagógica da escola?

FORMADORA CAPFC: É. Eu acho que a gente não pode se deixar levar por toda

esta dificuldade que a gente está vivendo. Porque aí, acaba de vez. Eu tenho que estar

sempre à frente, é minha obrigação, é minha responsabilidade, é o meu profissional

que está em jogo, é o meu querer que meu aluno avance, então, isso eu tenho que

fazer, isso é meu.

Sua reflexão evidencia a noção de que apesar de tudo, os docentes precisam se

comprometer com o atendimento aos seus alunos, em suas necessidades, sejam elas deficiências

ou altas habilidades. A fala, por vezes, ingênua, acredita que seria possível ao docente fazer o

“seu papel”, ainda que o poder público e a sociedade não cumpram com os seus, como se estes

fossem elos distintos de uma corrente.

Ponto essencial e, raras vezes, abordado, nos debates sobre o tema das altas habilidades,

é o destaque da formadora, quando a necessidade de que seu atendimento, identificação e

enfretamento faça parte do projeto político pedagógico, de toda a unidade escolar e, não apenas,

de planos de atendimento das salas de AEE, na educação especial. Nas palavras da formadora,

apenas, com toda a comunidade escolar mobilizada para atender tais alunos, existiria alguma

possibilidade de superarmos a invisibilidade:

FORMADORA DO CAPFC: Tem que ter um plano de atendimento e não é de AEE

(Atendimento Educacional especializado), é plano de escola, é do PPP (Projeto

Político Pedagógico) da escola, é plano de sala de aula.

Esta noção de que a escola como um todo, deve ser pensada, quando almejamos atender

aos alunos com altas habilidades e que o trabalho, com estes estudantes, possa contribuir com

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a reflexão da prática pedagógica docente e ajudar a todos, pessoas com altas habilidades ou não.

Vejamos, nas falas da formadora que se seguem:

ENTREVISTADOR: [...] o que está bem presente na sua fala e, que eu concordo, é

que as altas habilidades/superdotação teriam, na tua avaliação, a possibilidade de fazer

a escola pensar em todos, como um todo? Parecido, inclusive, com o que aconteceu

na própria inclusão. Nós aprendemos muitas coisas, recebendo os meninos de

inclusão. Vou dar um exemplo pra você: a gente aprendeu que muitos métodos de

ensino não serviam para ninguém, quando a gente precisou pensar na inclusão [...]

FORMADORA CAPFC: Sim. Exatamente. Nós estamos agora falando a mesma

coisa. Porque é assim: para você trabalhar, vamos dizer assim, como uma criança com

deficiência, primeiro você tem que se aproximar. Que foi o que eu falei, olhar como

ele é. Então, visivelmente, eu já sei as deficiências, vamos dizer assim, limitações, ou

melhor, características do aluno e aí, eu vou para as possibilidades, perceber a

habilidades destes alunos. Essa é a grande diferença do que tem na escola, quando ela

olha o currículo, sem olhar o aluno. Então, eu me prendo no currículo e não olho o

aluno. E o professor de AEE, por esta prática aproximada, ele vai direto no ser

humano: onde ele está, quem é ele, o que ele sabe, onde vou chegar.

Finalizando as entrevistas, questionamos ambas as profissionais, quanto ao que fariam

para superar a invisibilidade e possibilitarem atendimento aos alunos alto-habilidosos. Diante

de duas experientes profissionais, tivemos respostas que, ainda que tenham caminhado, em

sentidos paralelos, pensamos que possam ser boas referências para pensar em estruturas de

atendimento, combatendo o fracasso escolar e invisibilidade das altas habilidades/superdotação.

Enquanto a formadora pensa em estruturas mais voltadas ao público da educação especial, que

possibilitasse a identificação, a diretora direciona seu olhar para a perspectiva de repensar a

escola, como um todo, no sentido de que seja mais atraente e interessante a todos os educandos,

contemplando, aí, também os talentosos:

ENTREVISTADOR: Agora uma pergunta, hipotética, se agente tivesse começando a

construir um processo de atendimento destas crianças, [...] No teu mundo dos sonhos,

como seria o ideal para se trabalhar com estas crianças?

FORMADORA do CAPFC: Eu vejo que faz falta um Centro de AEE – Atendimento

Educacional Especializado, que também é orientação do MEC.

ENTREVISTADOR: Aí você tá falando de um centro pra todo AEE?

FORMADORA do CAPFC: Para todos. Eu vejo que isso faz muita falta. Precisa de

um Centro de AEE e isso eu venho falando, todos os anos, que eu estou aqui. Que

inclusive a orientação do MEC é que as Escolas Especiais virem Centros de AEE. E

nós temos uma escola especial aqui. [...]É. A minha briga, a minha fala é essa.

Transformem o Princesa Isabel (Escola Especial da cidade) num Centro de AEE.

Neste Centro de AEE, você pode colocar vários núcleos de atendimento. Então, ter

formação continuada, ter oficinas pedagógicas e um núcleo para atender estes alunos.

Porque aí é um polo e você vem com as parcerias. Então o aluno X precisa de tal coisa,

aí você corre atrás. Tem que centralizar. [...]senão fica muito aberto, muito solto.

Entendeu?

Enquanto a formadora do CAPFC entende que o trabalho e modelo de atendimento aos

alunos com altas habilidades/superdotação passaria pela solução, da urgente necessidade da

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cidade, de ter um centro de atendimento aos estudantes com necessidades especiais, dentre

estes, os alto-habilidosos, de modo que o trabalho pudesse ser sistematizado, centralizado e

melhor planejado, evitando-se o atual quadro de fragmentação, que termina por causar a

invisibilidade.

A diretora entende que o atendimento passaria, necessariamente, pela revisão das

concepções, práticas e estruturas das escolas, como um todo, tornando-se mais aberta à

contribuição dos alunos e que possibilitasse aos educandos traçarem, em alguma medida, seus

projetos de pesquisa e estudos. Assim, uma escola, mais democrática, que objetivasse levar o

conhecimento a todos, a partir da crença de que todos podem aprender, este seria o caminho

para o atendimento ao público, com altas habilidades/superdotação.

Ainda que possam parecer, as propostas não são excludentes e poderiam,

tranquilamente, caminhar juntas. A existência de um centro de atendimento que ajudasse, por

exemplo, na identificação dos alunos com altas habilidades/superdotação, não é recusada pela

diretora, assim como, a necessidade de novas práticas pedagógicas e formação docente são

destacadas pela formadora:

ENTREVISTADOR: E aí, a pergunta é a seguinte: como é que você imagina que

poderia ser um modelo de atendimento e identificação destes meninos? Sonhando, o

que que você faria? Se eu fosse da SEDUC e dissesse assim: - Oh, o que que eu faço

pra te ajudar? Qual seria o modelo que você imaginaria?

DIRETORA: Ai, ai, Leandro eu acho que... porque é tão difícil ao contrario né? Mas

eu acho que a escola, também, tinha que ser super, né? [...] Tu tá falando depois que

a gente tivesse um diagnóstico, como é que a gente lidaria com estes meninos?

ENTREVISTADOR: Isso,[...] como é que você imagina que a gente poderia [...] como

lidar com estes meninos?

DIRETORA: É, eu acho que o diagnóstico é mais difícil do que como lidar com eles.

Depois que você tem um diagnóstico, eu acho que você pode pensar numa escola

diferente, de pesquisa, onde eles busquem seu espaço, o seu tema de pesquisa, né?

Porque são crianças que vão conseguir focar naquilo que eles gostam, no que eles têm

mais habilidade, já escolheram! Em geral, eu acho que quem tem alta habilidade, já,

de repente, tem uma escolha de um certo movimento profissional, artístico e tal. E aí

eu acho que por projetos, projetos de estudos deles mesmos, né? Eu acho que nada

pronto, pra esses meninos fazerem, eu acho que daria pra aproveitar e tirando deles

aquilo que eles podem dar e acontecer com eles, um laboratório mesmo. [...] Eu

investiria, como a gente investiu na escola M., na generosidade do conhecimento. Sem

podar o crescimento destes meninos, essa alta habilidade, porque eu acho que a escola,

às vezes faz isso. Você só aprende até aqui.

ENTREVISTADOR: Eu acho que o que fica, então, só pra tentar ver se eu te entendi,

é que a escola precisa ser super também?

DIRETORA: Super também! Porque [...] mesmo a criança de baixa habilidade, eu

acho que a gente podia investir, em outras formas de linguagem. Vou dar o exemplo

que uma professora me citou ontem, ele tava trabalhando de cuidadora, com uma

criança autista, na faixa do sétimo ano, aí chegou, na escola e a coordenadora,

orientadora, não sei, falou pra mãe que ela evitasse que ele desenhasse, que aí, ele só

ia querer desenhar. Então, ela levou isso como tarefa, não vai desenhar, faz a lição,

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até que um dia teve tipo três brigas, dentro da sala, esse menino autista ficou super

agitado e aí ela relaxou, disse, hoje não vai dar pra ficar monitorando esta atenção dele

e aí, ela deixou ele fazer o que ele achasse melhor! E aí, a professora está lá explicando

o ciclo da água e sei lá o que, e ela desenhou... Aí, ele desenhou, uma onda, o surf, o

vento, o ciclo da água, ele foi o único que prestou atenção, na sala. Então, isso é baixa

habilidade ou é alta habilidade? Né? O que que é que a gente tá vendo nas pessoas?

Só porque ela tem um canal de atenção diferente do meu, eu já acho que ela é menor,

né? [...]Mas eu acho que a gente está lidando com pessoas diferentes, nem mais, nem

menos. E nós não estamos preparados pra isso, e pra escola lidar com isso, ela precisa

ser mais! Precisa ter um plus, [...] Pra todo mundo, pro grupo todo.

Terminamos esta parte do capítulo, com a reflexão da diretora entrevistada, que indica

a necessidade da escola ser diferente, em suas palavras, para lidar com os superdotados, mas

não com estes, apenas. A escola precisaria se reinventar, reavaliar a forma como olha os seres

humanos, em suas possibilidades e formas de expressão, construir práticas pedagógicas, onde

os alunos pudessem ser mais responsáveis pelos seus estudos e pesquisas, bem como, trocar

experiências e conhecimentos, dando aos alto-habilidosos possibilidade de maior

desenvolvimento. Em suma, nas palavras da diretora caberia à escola ser “super”, também,

indicando que, aos seus olhos, a solução passa pela mudança da escola como um todo e não,

apenas, da construção de salas isoladas, práticas descoladas do todo, em que se tenta atender

apenas aos estudantes com altas habilidades/superdotação.

6.5- As instituições que atendem alto-habilidosos, no Sudeste Brasileiro

Como parte da pesquisa, incluímos visitas às instituições, que atendem alto-habilidosos,

como forma de melhor compreender o quase inexistente atendimento a estes alunos, no Brasil.

Com as visitas, visávamos aos seguintes objetivos:

1- Conhecer o atendimento aos alto-habilidosos nas instituições especializadas;

2- Verificar como ocorre a identificação e as atividades oferecidas aos estudantes;

3- Avaliar quais teorias embasam os profissionais e instituições;

4- Conhecer qual a opinião dos especialistas sobre a invisibilidade;

Como opção metodológica, organizamos as visitas de campo, de modo que pudéssemos

conhecer, ao menos, uma instituição, em cada estado da região Sudeste e, assim, obter

informações, que nos permitissem avaliar variados modelos de atendimento e ter um quadro

geral sobre o trabalho, com altas habilidades/superdotação, na região, com a população e

desenvolvimento econômico e científico do país, onde poderíamos supor que existissem

maiores oportunidades as ações de atendimento aos “talentos”, no Brasil.

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Deste modo, tentamos a visita a 05 instituições, 03 privadas e 02 públicas, no período

de novembro de 2014 a abril de 2016, objetivando uma análise comparativa.

As entidades visitadas localizavam-se em centros urbanos do Sudeste, sendo os

encontros, previamente agendados com a diretoria das instituições, onde apresentávamos a

pesquisa que desenvolvemos. Algumas instituições demonstraram mais disponibilidade em

colaborar que outras, de um modo geral, notamos certo receio em relação a nossa visita, em

todas as instituições percorridas, que exigiam explicações sobre a pesquisa, que instituição

representávamos, nosso conhecimento teórico sobre o tema e, por vezes, mesmo com as cartas

de apresentação da Universidade, percebíamos temor e insegurança sobre permitir ou não a

visita, aceitar ou não a conversa, o que nos fez optar por entrevista semiestruturada, sem

gravação, pois o gravador poderia dificultar a conversa e aumentar a resistência à pesquisa.

Durante nossas pesquisas, pudemos observar a existência de 03 tipos de Instituições

dedicadas a atender o público, com altas habilidades/superdotação, são elas: as instituições

públicas, as privadas e as organizações não governamentais (ONGs) que atendem alunos da

rede pública de ensino.

Entre as instituições públicas, temos os NAAHS, que são núcleos dedicados ao

atendimento a alunos, orientação a pais e professores, sendo que, desde 2006, temos um núcleo

implantado em cada estado, da federação. Buscamos contato para a visita e análise dos núcleos

de atendimento dos estados de: São Paulo e Espírito Santo e, em todas as ocasiões, as tentativas

de contato telefônico e por e-mail, não foram bem-sucedidas, indicando a dificuldade que uma

família, ou professores enfrentam ao buscar informações nestes núcleos, somado ao fato, de

que estão localizados nas capitais, inviabilizando o atendimento às crianças, residentes no

interior.

Para ter acesso ao trabalho dos Núcleos, passamos a “seguir” as páginas dos NAAHS,

de diversos estados e dos profissionais destas instituições, na rede social: “Facebook”. Desta

forma, pudemos conhecer os alunos e atividades desenvolvidas, constatando que as oficinas

concentram-se em atividades ligadas às artes plásticas, com raros trabalhos no campo das

Ciências, o que demonstra as limitações do programa.

6.5.1 - O Instituto Rogério Steinberg – IRS

A primeira visita ocorreu, no dia 18 de novembro de 2014, no período vespertino, no

IRS (Instituto Rogerio Steinberg), no bairro Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro.

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Organizamos a visita, de modo que pudesse ser realizada, durante nossa estadia, na

cidade do Rio de Janeiro, por conta de nossa participação no V congresso da CIPA –Congresso

Internacional de Pesquisa Autobiográfica; realizado em novembro de 2014, na UERJ-

Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Localizado no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a instituição está sediada em um

prédio de três andares que, apesar de pequeno, tem uma ótima distribuição espacial. A

administradora do Instituto informou que o lugar é alugado, sendo que a instituição se mantém

com recursos da família fundadora, que é do ramo das indústrias. Há também patrocínio de

muitas empresas privadas, como a Statoil, companhia petrolífera, norueguesa. Assim como,

captação de recursos, junto aos financiadores, como o programa: “Criança Esperança”, da Rede

Globo de televisão.

Dedicada ao atendimento a alunos, das escolas da rede pública carioca, tendo a maioria

de seus educandos morando em bairros da periferia da cidade do Rio de Janeiro, como a

comunidade do Vidigal, ou filhos de zeladores e funcionários dos condomínios, da Zona Sul,

do Rio de Janeiro.

Segundo a administradora, o fato de conviverem próximo aos setores elitizados, da

cidade do Rio, imprime nestes alunos (filhos de funcionários dos prédios da zona sul, como

porteiros, zeladores e empregadas domesticas) buscas por uma maior escolarização, desejando

o ingresso na universidade.

Contando com uma estrutura bastante profissional, a Instituição possui uma funcionária

responsável por administrar a instituição, recepcionista, trabalhadores de limpeza e grupo de

professores e psicólogos, que são responsáveis pela identificação e trabalho com os educandos.

Os custos com estes funcionários são de responsabilidade dos mantenedores.

Durante a visita, conhecemos a forma de ingresso ao IRS. O instituto tem parceria com

3 (três) escolas da região e, anualmente, os professores destas escolas da rede municipal, da

cidade do Rio de Janeiro, recebem uma ficha de indicadores134, de alunos com altas

habilidades/superdotação, organizados pela professora da Universidade Estadual do Rio de

Janeiro, Cristina Delou, uma das mais renomadas pesquisadoras da área.

O Instituto atende, apenas, alunos de escolas públicas e os professores destas escolas,

após, assistirem às palestras, com os profissionais do IRS, preenchem fichas de avaliação

coletiva e relatórios de avaliação individual, para os alunos que se destaquem. Os educandos,

que chamem a atenção, são encaminhados ao IRS, onde passam por uma bateria de testes de

134 A ficha de identificação de alunos com perfil de AH/SD de autoria de Delou, segue anexa.

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inteligência e criatividade135. Aqueles que obtêm um percentual superior a 95% são convidados

a se juntar aos alunos do Instituto. Segundo os profissionais, o IRS tem interesse em buscar

aqueles alunos, com habilidades muito acentuadas e acima da média.

O poder público contribui com a permissão para a seleção de estudantes, nas escolas da

rede pública e, também, com o fornecimento de passe escolar aos alunos, para a frequência ao

Instituto, nada mais. Demonstrando assim, que não é prioridade da prefeitura, do Rio de Janeiro,

o atendimento a este público.

No IRS, vimos alunos envolvidos em oficinas de moda, artes, computação e uma turma

preparatória para as provas de seleção, do Colégio Pedro II.

Pelas paredes do Instituto, banners com fotos e relatos de ex-alunos, que ingressaram na

PUC, UERJ e UFRJ, as histórias de sucesso estão afixadas pelas paredes.

Observamos que muitos pais permanecem no IRS, na recepção, enquanto seus filhos

concluem as atividades, pois moram longe, o que indica que a permanência, nas atividades de

enriquecimento, exige esforços de famílias trabalhadoras, nem sempre fáceis de conciliar com

seus empregos e atividades.

Os alunos mostraram-se envolvidos e motivados, bem como as famílias. Vimos muitas

crianças com uniformes da rede pública do Rio e inúmeros alunos negros presentes. O clima de

esforço e dedicação era visível, sobretudo, na turma que se preparava para o ingresso no Pedro

II. Podemos imaginar a importância que a luta, para ingressar em uma escola tradicional, como

a citada, possa ter para uma família de trabalhadores.

A administradora e os profissionais demonstraram satisfação com o trabalho, aliás, esta

será uma constante, nos relatos de quem trabalha com crianças com AH/SD.

Em seu relato, a administradora mostrava-se, profundamente, orgulhosa dos ex-alunos

bem-sucedidos e ressentia-se em não poder receber mais educandos, por dificuldades

orçamentárias. Relatou-nos, também, que recebia visitas de pais de classe média, com filhos

com altas habilidades/superdotação, afirmando que as escolas da Zona Sul carioca não atendiam

seus filhos em suas necessidades especiais e, mais uma vez, demonstrou sua impotência, pois

135 Segundo as psicólogas da instituição são usados os testes: “WISCIV - Escala Wechsler de Inteligência para

Crianças”: A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – 4a Edição (WISC-IV) – é um instrumento clínico

de aplicação individual, que tem como objetivo avaliar a capacidade intelectual das crianças e o processo de

resolução de problemas. Faixa etária: 6 anos e 0 meses a 16 anos e 11 meses . É composto por 15 subtestes, sendo

10 principais e 5 suplementares e dispõe de quatro índices, a saber: Índice de Compreensão Verbal, Índice de

Organização Perceptual, Índice de Memória Operacional e Índice de Velocidade de Processamento, além do QI

Total. IN: http://www.casadopsicologo.com.br/wisc-iv-escala-wechsler-de-inteligencia-para-criancas-

kit.html#.WPuPAEXyuj4 Consultado em 23/04/2017 às 14h.

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as normas do IRS não permitem o atendimento de alunos da rede particular. A falta de

envolvimento, interesse e apoio do poder público foi destaque para expor a situação de

invisibilidade dos educandos, falta de interesse esta citada nas negativas em contribuir com

recursos, profissionais, possibilidades de formação aos estudantes, transporte aos familiares

e/ou qualquer suporte a famílias, alunos e instituições com AH/SD. A ausência de atenção e

interesse do poder público será destacada pela administradora como o principal motivo e causa

da invisibilidade dos estudantes alto-habilidosos.

A escolha da instituição ocorreu por sua localização, afinal, situa-se na segunda maior

cidade brasileira e o segundo maior centro de produção científica, do Brasil, contando com

entidades educacionais muito tradicionais, no estado, que atraem e selecionam talentos, como

os colégios: “Pedro II”, o “Santo Inácio”, “Colégio Naval”, bem como, as universidades:

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade

Federal Fluminense, PUC- RJ, Fundação Oswaldo Cruz- Manguinhos, etc.

Outro fator, que nos levou ao IRS, foi o mesmo ter ligações teóricas com uma das

pesquisadoras em altas habilidades/superdotação, mais renomadas do Brasil, a professora

doutora Cristina Delou, o que nos permitiu avaliar o impacto da pesquisa, no trabalho prático

desta instituição.

Por fim, o IRS possui uma constituição particular, em relação as outras instituições

visitadas, pois é a mais ligada à inciativa privada, recebendo recursos e doações de grandes

empresas nacionais e estrangeira, tendo sua história de fundação ligada a uma rica família de

empresários, que perdeu seu talentoso filho, ainda, muito jovem e fundou a IRS.

6.5.2 - O “CEDET-Lavras”

O CEDET–Lavras é um dos mais antigos e conhecidos centros de atendimento às altas

habilidades/superdotação, no Brasil. Com mais de 25 (vinte e cinco) anos de existência e

milhares de ex-alunos, da região de Lavras em Minas Gerais, o CEDET notabiliza-se por ser o

único Centro de Atendimento, que possui filiais em outros estados e bibliografia própria do

Instituto, promovendo, a cada 2 (dois) anos, um Congresso para especialistas na área.

O CEDET é uma ONG integrada à Secretaria Municipal de Educação da Cidade Lavras,

em Minas Gerais. Embora tenha havido alguma ajuda do MEC e da FAPEMIG para aquisição

de equipamentos, as despesas maiores com a manutenção básica do Centro são de

responsabilidade da Prefeitura Municipal de Lavras. Gastos extras com atividades, excursões,

material de artes e esportes são cobertos pela ASPAT – Associação de Pais e Amigos para

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Apoio ao Talento, ONG que recebe doações da comunidade e de particulares, organiza

movimentos de arrecadação de fundos.

Cabendo destacar que o CEDET possui filiais em cidades do interior de São Paulo e

Minas Gerais como: São José dos Campos, Assis, São José do Rio Preto e, também, em Poços

de Caldas-MG.

A visita que realizamos ao CEDET-Lavras ocorreu seis meses, aproximadamente, após

a visita ao Instituto Rogerio Steinberg, no Rio de Janeiro. No dia 10 de abril, de 2015, na cidade

de Lavras, em Minas Gerais.

A escolha do CEDET de Lavras deu-se, em primeiro lugar, por considerarmos que a

situação de invisibilidade ocorria de forma mais acentuada, em localidades no interior e

distantes de centros econômicos e acadêmicos e, assim, a oportunidade de conhecer um centro

de trabalho, com altas habilidades/superdotação, distante das capitais, apresentou-se muito

interessante. O segundo motivo pela escolha do CEDET, foi por se tratar de um dos projetos

mais antigos, do Brasil, que funciona desde 1992, com forte ligação com a pesquisadora Zenita

Guenther.

Mesmo sendo uma instituição privada tem particularidades, que a colocam em uma

situação bastante específica. Em primeiro lugar, não podemos falar em CEDET, sem mencionar

a professora doutora Zenita Guenther, discípula e ex-aluna de Helena W. Antipoff. A

professora Zenita atuou com alunos com altas habilidades/superdotação, na fazenda do Rosário,

nos anos 1950 e 1960, tendo realizado estudos, nos Estados Unidos – Flórida, concluindo

doutorado em Psicologia, com a equipe de Françoys Gagné.

A primeira grande diferença entre o CEDET e demais institutos é que, teoricamente,

filia-se as proposições de Gagné, para entender as altas habilidades, apresentando assim, uma

crítica a corrente teórica dominante, baseada na teoria dos Três anéis de Joseph Renzulli.

Zenita Guenther, é uma outsiderdo mundo acadêmico, no que tange as altas

habilidades/superdotação, em boa parte, pela defesa que faz da prevalência da genética sobre

os fenômenos sociais e históricos, na formação das altas habilidades/superdotação. Mas

também, pela forma pouco diplomática, com que avalia a produção intelectual nacional.

Apresentando uma postura, nitidamente, antiacadêmica e anti-intelectual, tradicional na

cultura estadunidense, onde se formou academicamente, a pesquisadora olha com certo desdém

a produção intelectual brasileira sobre altas habilidades/superdotação, não considerando

relevantes os interesses de pesquisadores em relação à temática. Tal posição foi evidenciada

inclusive conosco, durante nossa visita ao CEDET, quando lhes expomos nossa pesquisa de

doutorado.

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A professora Zenita é uma workaholic do trabalho com alunos alto-habilidosos, seu

interesse concentra-se, basicamente, no atendimento aos estudantes, sobretudo, aos mais pobres

e seu pouco interesse nas pesquisas acadêmicas mudou completamente, quando soube que

éramos gestores de escolas públicas, em São Paulo, pois lhe possibilitou falar do que ela

conhece e mais gosta, nas suas palavras: “os meninos” e da oportunidade de levar atendimento

a mais crianças e jovens talentosos do Brasil.

Além de adotar uma concepção teórica diferente, da maioria dos pesquisadores e

instituições brasileiras, o CEDET, também, usa terminologia distinta dos demais envolvidos no

tema, substituindo e recusando os termos superdotação e altas habilidades, pela noção de

dotação e talento, pois a ideia de altas habilidades é refutada, em nome do conceito capacidades.

O CEDET utiliza bibliografia própria, sendo que quase todas as obras usadas pela instituição

são produções diretas da professora doutora Zenita, que, em seus mais de dez livros, não cita

uma única obra de autor brasileiro, sobre a temática das AH/SD.

Por meio destas divergências, o CEDET afasta-se tanto na teoria, como na prática, do

restante do Brasil e a professora Zenita rejeita mesmo as propostas de enriquecimento

curricular, modelo mais aceito pelos educadores/pesquisadores, uma vez que o considera

inócuo e ineficaz.

Segundo Guenther, o grande motivo para a invisibilidade das altas

habilidades/superdotação, no Brasil, deve-se à fraca qualidade de nossa produção acadêmica,

que se atêm às questões políticas, tornando-se pouco científica e inválida, levando o país a

basear suas ações e legislações em teorias e terminologias equivocadas. A doutora Zenita não

perde oportunidade para contestar as concepções teóricas dos pesquisadores brasileiros, rejeitar

suas explicações sobre a natureza das altas-habilidades e motivos da invisibilidade, bem como,

para dizer que os brasileiros produzem ideologia e não ciência sobre o tema.

Suas posições espraiam-se pelo funcionamento do CEDET e têm forte influência no

trabalho do Centro. O modelo de identificação baseado em fichas preenchidas por docentes, do

Ensino Regular; as atividades de confirmação de altas habilidades/superdotação realizadas por

profissionais do CEDET treinados na metodologia desenvolvida por Guenther e baseadas nos

escores de avaliação deste instituto; bem como, a participação nas oficinas oferecidas por

voluntários, também, imbuídas da concepção de inteligência de Guenther e Gagné, são traços

marcantes do Centro.

O CEDET é administrado pela Associação de Pais dos Alunos, “ASPAT”, que se

responsabiliza pela manutenção do Centro, tendo como presidente um empresário da cidade,

também, presidente do Rotary Club de Lavras.

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A professora Zenita é presidente de honra do CEDET. O centro conta com uma

coordenadora, cedida pela rede municipal de ensino de Lavras, a qual foi ex-aluna do CEDET,

outra especificidade do instituto. Os docentes responsáveis pela conversa e palestras com os

professores, nas escolas regulares e, também, pelo processo de identificação e estrutura de

atividades, a serem desenvolvidas pelos educandos, são da rede municipal, cedidos pela

prefeitura, o que configura modelo diferente de funcionamento.

Assim, os trabalhos no CEDET são desenvolvidos por profissionais da rede municipal

e voluntários, sendo administrados por pais de alunos alto-habilidosos e presididos por um

empresário filantropo da cidade.

O CEDET atua em 10 (dez) escolas municipais de Lavras, onde professores do centro

formam os professores das escolas municipais e selecionam alunos, mantendo a escola

informada quanto aos trabalhos e avanços de estudantes, criando um vínculo, raríssimo, em

outras instituições, uma vez que, realiza a integração entre centro de altas

habilidades/superdotação e escola regular.

Em média, 500 (quinhentos) alunos são atendidos e passam por oficinas artísticas, de

Literatura, Ciências, Xadrez, Matemática, realizando visitas a universidades, tendo parceria

com o Instituto de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras, fator decisivo de diferenciação

do CEDET, pois, concentra atenções nas atividades de caráter educacional e científico,

enquanto, na maioria do Centros, prevalece as atividades artísticas.

O CEDET recebe alguns alunos da rede privada de ensino, mas, predominantemente, o

público que frequenta o Instituto e faz parte das preocupações da professora Zenita são os alto-

habilidosos, filhos da classe trabalhadora, moradores da área rural e alunos, da rede pública de

ensino, nas palavras dela: “Estes encontram dificuldades para desenvolver seus dotes e

talentos”.

Durante a visita ao Centro, pudemos verificar laboratórios e estrutura simples, mas

muito bem organizados e atenciosamente cuidados, fica evidente o cuidado com cada detalhe e

a disposição dos materiais de modo a melhor atender aos estudantes. Tivemos a oportunidade

de conversar com alguns alunos, que aguardavam o início da oficina de Matemática e esses

tinham noção de seu potencial; relataram-nos que alguns colegas de turma, na escola regular,

tinham vontade de frequentar o CEDET. Uma das alunas descreveu que não sabia de onde vinha

seu talento para a Matemática, mas ressaltou que o fato de sua mãe ser professora da área, pode

ter ajudado. De um modo geral encontramos crianças bem informadas sobre sua condição,

envolvidos com as atividades, e aparentemente muito satisfeitas com a oportunidade de poder

frequentar a instituição.

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Saímos do CEDET com a seguinte sensação: Quem não se beneficiaria com tal

estrutura? Por que não ofertar a todos tais condições? E com o convite da professora Zenita,

para que retornássemos o contato e levássemos responsáveis pela Secretaria de Educação da

nossa cidade ao CEDET, para que discutissem a abertura de um CEDET, no litoral Paulista.

CEDET e IRS guardam muitas diferenças quanto a concepções, atendimento e

funcionamento, a primeira grande diferença verificada entre o IRS e o CEDET foi quanto a

resistência em aceitar visitas de pesquisadores, enquanto, a primeira instituição, fortemente,

ligada a grandes empresas, com financiamento, inclusive, do projeto: “Criança Esperança”,

demonstrou pronto interesse na visita e enxergava, na pesquisa, uma forma de divulgar o

trabalho da Instituição.

Em Lavras-MG, sabíamos a forte resistência que encontraríamos à visita ao CEDET,

bem como, que grande parte desta se devia ao fato de sua patrona e idealizadora, a professora

doutora Zenita ser uma espécie de outsider, no campo acadêmico brasileiro sobre o tema e

demonstrando certo incômodo e receio sobre o olhar do pesquisador, em relação ao centro de

trabalho, seu funcionamento e, sobretudo, a produção intelectual da professora.

No CEDET-Lavras, desde a administração, até os mínimos detalhes, passam pelas

concepções teóricas de Zenita Guenther, incluindo a idealização da instituição.

O CEDET funciona, basicamente, por meio de duas instituições o CEDET e a ASPAT,

o centro funcionando em uma casa antiga, mas muito bem cuidada, na região central da cidade

de Lavras, e a ASPAT localizada na mesma rua do centro e distante deste cerca de 15 metros,

em uma espécie de chácara, com pomar, jardins bem cuidados e uma casa ampla, simples e

austera, tendo no muro a indicação de que ali era a ASPAT.

Durante a visita, ficamos curiosos com a estrutura da ASPAT-CEDET e fomos

convidados a nos sentar, na varanda, da casa onde se localiza a ASPAT, em uma ampla mesa

para convidados. A coordenadora retirou-se e ao regressar, trazia consigo dezenas de livros do

CEDET para nos “apresentar”.

Após 1 (uma) hora, aproximadamente, de resistência e tentativa de nos mandar embora,

e insistência nossa em conversar com a Dra. Zenita, a coordenadora surpreendeu-nos com a

seguinte afirmação: “-Faça 5 (cinco) perguntas, nesta folha, que levarei à doutora e ela

avaliará se lhes responde, por escrito!”

Surpresos, pensamos bem no que perguntaríamos, selecionamos as palavras,

salientamos a expressão dotação, pois sabíamos que estávamos sendo avaliados, quanto à

filiação teórica e no papel seguiram três perguntas:

- Como a senhora explica as altas habilidades/superdotação?

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- O que o CEDET pode nos ensinar sobre o tema?

- Por que os alunos, com altas habilidades/superdotação, são invisíveis em nossas escolas?

A coordenadora entrou na casa e, após alguns minutos, saiu com o papel nas mãos, em

branco, mas em contrapartida disse-nos: “Aprontem-se! Em 10 minutos a doutora irá lhes

receber, para uma conversa de não mais de 20 (vinte) minutos.”. Pensamos: “600 km apenas

de ida por 20 minutos? Mas já era melhor que nada!”

Depois, soubemos que a coordenadora é professora da rede municipal de Lavras, aluna

egressa do CEDET, sendo membro do Centro, durante toda a sua infância e adolescência, com

fortes vínculos com a Instituição e a doutora, o que é demonstrado em seu cuidado e zelo.

Adentrando a casa, demos conta que a sede a ASPAT era também, a residência da

professora doutora Zenita Guenther, que nos recebeu, em seu escritório-biblioteca, sentada à

mesa de trabalho, onde fomos informados de que não caberiam gravadores e, após breve

apresentação, fomos convidados a sentar e a professora doutora dispensou a coordenadora.

Todas as dificuldades impostas, até o momento da conversa, desapareceram quando a

professora iniciou sua reflexão sobre o tema, afinal, antes de qualquer coisa, trata-se de alguém

completamente apaixonado e envolvido com o tema. São marcas profundas da professora

Zenita: o cuidado com a Instituição CEDET, a preocupação com o atendimento aos estudantes,

a repulsa e crítica a produção intelectual e ações do poder público, na área e a relação de

deferência à produção, legado e trabalho de sua mentora Helena Antipoff.

Durante as mais de 2 horas, em que a conversa fluiu, com alegria e tranquilidade, a

professora discorreu sobre os mais variados temas: a fraca qualidade da produção científica

brasileira sobre AH/SD; a posição dos intelectuais brasileiros que são muito envolvidos em

debates teóricos e ideológicos, mas, quase nada, objetivamente prático fazem para mudar a

situação dos meninos; o total abandono do poder público em relação ao estudantes e temática;

os erros conceituais, terminológicos, que acabam por produzir legislação frágil e equivocada, a

qual mais atrapalha que ajuda; as explicações equivocadas para a invisibilidade e mesmo

atendimento aos alto-habilidosos, sobretudo, as conquistas, funcionamento, princípios,

concepções do CEDET e a imensa preocupação com garantir atendimento aos meninos e

meninas talentosas, acolhendo os mais pobres e oriundos de regiões do interior do país, bem

como, seu interesse em abrir novos CEDET’s em outras regiões.

Guenther conhece, participa e influencia cada uma das atividades do CEDET, seja a

captação de recursos, seleção de voluntários, mobilização dos pais, formação dos trabalhadores,

apresentação do Centro, em congressos e simpósios, estrutura de atendimento aos estudantes,

tudo passa pelas suas mãos e preocupações. E assim, esta senhora já octogenária, com aparência

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frágil, demonstrou-se uma lutadora incansável na defesa dos direitos de atendimento aos

estudantes e ruptura com a invisibilidade.

No final das duas horas de conversa, cuja a proposta inicial seria 20 minutos, fomos

obrigados a encerrar o delicioso diálogo, por temer cansar, em demasia, a doutora que havia

passado a falar, livremente, sobre tudo que se relacionava ao tema. Ora conseguíamos que

discorresse sobre nossas perguntas, previamente, organizadas, mas, no geral, a doutora preferia

falar sobre o que lhe interessava e julgava que deveríamos saber, e tais preocupações giraram

em torno da necessidade de uma teoria adequada sobre AH/SD, a importância de utilizarmos

terminologias assertivas, de acordo com as concepções teóricas da doutora e o abandono do

poder público sobre o tema. Tivemos, diante de nós, uma intelectual, mas, sobretudo, uma

trabalhadora apaixonada na área, com uma urgência e quantidade de temas que desejava dar

encaminhamentos incríveis. Saímos da conversa, com sua autorização, para visitar, livremente,

o CEDET, e com o convite, insistente, de que voltássemos, levando o secretário de educação

de nossa cidade, porque ela explicaria a importância do tema, ajudando-nos a romper com a

invisibilidade e a pertinência da abertura de um CEDET, no litoral paulista, como forma de

atender aos nossos meninos.

Como não poderia deixar de acontecer, saímos da interlocução e, posteriormente, da

visita, encantados com a dedicação, seriedade, estrutura e organização do CEDET, mas tocados,

em especial, pela disposição da Dra. Zenita em ajudar quem deseja, efetivamente, trabalhar pelo

atendimento aos estudantes. A contradição apresentada era clara, de um lado, o centro e a

professora Zenita tinham opções teóricas que são, diametralmente, opostas a tudo o que

acreditamos e defendemos, sendo que a primazia da genética, na formação dos talentos e

explicações para a invisibilidade eram apenas algumas delas, ainda que fossem as mais

importantes. Por outro lado, era inegável a qualidade do trabalho com os alunos, a preocupação

com as escolas públicas, a parceria com as escolas regulares, a administração realizada pelos

pais dos estudantes, a atuação que tinha cuidados em exagerar na intervenção de empresas, na

instituição e a busca por soluções simples, mas, de alta qualidade, no atendimento aos

estudantes. O CEDET seria, ao longo de nosso trabalho, talvez, a instituição melhor estruturada

e próxima à realidade da escola pública, que verificamos e, ainda que, teoricamente, tivéssemos

todas as discordâncias, saímos da instituição com misto de dúvidas, ideias, com admiração à

professora Zenita e a instituição.

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6.5.3 - A visita Ao NAAHS de Vitória, no Espírito Santo

A opção pela visita ao NAAHS de Vitória, no Espírito Santo, deve-se ao fato deste ser

um dos núcleos mais atuantes, no sudeste brasileiro, ao contrário dos demais estados do

Sudesteque têm as principais ações de atendimento, aos alunos superdotados/altas habilidades,

concentradas em ações ligadas a projetos vinculados a filantropia e iniciativa privada, como

nos casos de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Em Vitória, temos a principal forma de

atendimento a estes alunos concentrada na atuação nos núcleos de atendimentos de altas

habilidades, uma ação ligada à educação pública.

Outro diferencial do NAAHS-Vitória é que seus pesquisadores e idealizadores têm bom

trânsito, nos debates acadêmicos sobre o tema, com participações e publicações em congressos

e eventos científicos.

O NAAHS, de Vitória, funciona na Escola Estadual de ensino fundamental e médio,

Desembargador Carlos Xavier de Paes Barreto, situada no Bairro Praia do Suá, na cidade

Vitória. A escola está localizada, na região central, a uns 10 minutos da prefeitura da cidade e

da câmara dos vereadores, em uma grande avenida do município e próxima aos bairros ricos da

orla da Praia. O Núcleo conta com a vantagem de estar em uma região que, ainda que distante

da periferia da cidade, é marcada por algumas facilidades no acesso com transporte público,

bem como, por estar localizado próximo às pontes que ligam Vitória à cidade de Vila Velha, a

segunda maior cidade, do Estado do Espírito Santo e provável localidade com potencial de

grande contingente de alunos a serem atendidos. Outro ponto positivo da localização do núcleo

ésua proximidade com o Campus da UFES.

O Núcleo de Vitória funciona, em uma escola bem estruturada e grande, situada,

exatamente, ao lado da Secretaria Estadual de Educação e, desta forma, próxima ao centro de

decisões burocráticas do sistema de educação estadual, bem como, com acesso a boa

infraestrutura e recursos, já que a secretaria de educaçãonão tem interesse em ter uma escola

pública sucateada, nas suas redondezas.

O núcleo tem um consistente trabalho de divulgação, da situação dos alunos com altas

habilidades/superdotação, sendo que, sua principal via de comunicação e divulgação são as

redes sociais, em especial, seu perfil no Facebook136, página que conta com 150 seguidores,

entre estes, importantes pesquisadores brasileiros sobre altas habilidades/superdotação e a

grande maioria de estudantes e professores das regiões de Vitória e Vila Velha.

136 O NAAHS capixaba mantém perfil na rede social Facebook no endereço: https://www.facebook.com/naahses/

e desde a data de 20/11/2014 não temos atualizações na página.

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Na página, podemos encontrar, principalmente, as atividades desenvolvidas pelo núcleo

e seus alunos e professores, bem como, reportagens da grande mídia sobre as altas

habilidades/superdotação. Assim, a página tanto divulga suas realizações, como tenta informar

interessados na temática.

A exemplo do núcleo paulista, tentamos agendar a visita ao NAAHS-Vitória, inúmeras

vezes, sem sucesso; as tentativas de contato telefônico, eletrônico não tiveram resposta.

Assim, pudemos constatar o primeiro problema enfrentado por pais, professores,

gestores e alunos, quando se deparam com o fenômeno altas habilidades e precisam de algum

tipo de ajuda, pois não bastasse a pouca informação, o fato de todas as ações públicas de

atendimento a estes estudantes, localizarem-se, nas capitais dos Estados, a comunicação é

difícil, o que pode, em muito, contribuir com a situação de invisibilidade destes estudantes.

Sem confirmação das tentativas de contato, decidimos visitar, pessoalmente, o Núcleo,

em oportunidade que estivéssemos, no Espírito Santo, para a participação de um congresso

científico. Uma vez, no Espírito Santo, novamente, a comunicação foi difícil. Os e-mails não

são respondidos, os telefones não atendem, e não recebemos retorno de nenhum de nossos

contatos, durante cinco dias, que estivemos em Vitória.

Assim, nossa visita foi bastante frustrante e, uma vez no Estado, dedicamo-nos a

pesquisar e levantar informações sobre o trabalho do núcleo e o que constatamos foi que todas

as ações deste estão fundamentadas na dedicação e envolvimento dos professores do núcleo,em

especial, o professor Gustavo Gomes, responsável pela divulgação das ações do núcleo, no

Facebook.

O professor citado é o responsável pelas oficinas de artes do núcleo e grande divulgador

e incentivador dos alunos e seus talentos, sendo que as oficinas de artes e robótica são,

aparentemente, os carros chefes de todos os trabalhos desenvolvidos no NAAH/S.

A mais recente realização do grupo foi a exposição dos trabalhos dos alunos do núcleo,

na câmara dos vereadores de Vitória e pudemos verificarque o núcleo e os estudantes contam

com o apoio de dois vereadores de Vitória, que colaboram com a divulgação dos trabalhos,

disponibilizando espaço para exposições das produções.

A exposição contou com divulgação, no site oficial da câmara dos vereadores e foi

replicada, por intermédio do perfil do Facebook, do NAAHS-Vitória. Alunos e professor foram

recebidos pelos vereadores, na câmara de Vitória, sendo muito elogiados, em um evento em

que, além do professor e vereadores, participaram 9 alunos do núcleo, sendo distribuídos em: 7

(sete) meninas e 3(três) meninos.

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Na sequência, seguem-se alguns registros fotográficos do núcleo e das produções dos

estudantes, obtidos, na página virtual, do NAAHS-ES.

Está sendo realizada no hall, da Câmara Municipal de Vitória (CMV), até o dia

16/10, a exposição "Potencializarte 2", dos alunos que fazem parte da Oficina de Artes

do Núcleo de Atividades Para Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS) da Escola

Estadual Paes Barreto. [...]A convite do vereador Marcelão Freitas (PT), os alunos

vieram, na última sexta (09/10), conhecer o Legislativo e ver, também, suas obras

expostas na Galeria Hermógenes Fonseca. Eles estavam acompanhados pelo professor

e curador Gustavo Gomes, que é o responsável pela Oficina de Artes.[...] “Nós

ficamos muito felizes com esse convite feito pelo vereador Marcelão. Para os alunos

é sempre muito importante ter esse contato com o público e receber o reconhecimento

de seus talentos”, afirmou o professor Gustavo Gomes.[...]O vereador Marcelão

Freitas ressaltou que os alunos são muito talentosos e que precisam de incentivo e

apoio. “Vale muito a pena visitar a exposição e o projeto. Vamos nos unir para que

mais obras sejam realizadas, mais exposições e mais talentos sejam descobertos.

Confesso-me feliz de ter ido à escola e agora ver a exposição aqui, em nossa Casa de

Leis”, disse o vereador Marcelão Freitas.[...]Na ocasião os alunos/expositores

puderam conhecer outros vereadores, que vieram parabenizá-los pela exposição. A

Câmara Municipal de Vitória, em nome de seus quinze vereadores, aproveita para

também parabenizar aos artistas: Bárbara Rodrigues, Edimila Nascimento, Brenda

Andrade, Gustavo Juric, Yasmim Kaianne, Vanessa Lima, Omã Buger, Matheus

Ramos e Maria Clara Machado.”137

6.5.4 - As instituições paulistas de atendimento às AH/SD

As últimas visitas da pesquisa ocorreram no estado de São Paulo, onde reside o

pesquisador e, também, local onde é desenvolvida a pesquisa. Decidimos deixar São Paulo para

o final, pela facilidade em se organizar a visita, devido à proximidade, e por priorizarmos

conhecer Instituições bem consolidadas e atuantes, para depois verificar São Paulo, caso de

abandono, quase total, na área.

No dia 10/04/2016, visitamos as duas Instituições Paulistas: APHASD-SP e o NAAHS-

SP. Optamos por visitar ambas, no mesmo dia, pois estão localizadas as duas na Zona Sul de

São Paulo, no bairro do Brooklin, a menos de 5 minutos de carro, uma da outra.

Começamos pelo Núcleo de Atendimento de Altas habilidades/Superdotação, do Estado

de São Paulo, pois é mais simples de ser descrito.

Ao contrário dos outros NAAHS, como: Brasília, Vitória, Londrina, Recife e Natal, que

possuem muitas atividades, na internet, por meio de blogs e perfis no Facebook realizando

137 Texto de alunaMaxieni Muniz, participante do NAAHS-ES publicado no Site:

http://www.cmv.es.gov.br/noticia.aspx?id=6678

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divulgação, o núcleo de São Paulo não divulga suas atividades e não verificamos qualquer

referência ao seu trabalho, nas pesquisas desenvolvidas na área.

Obtivemos o endereço do NAAHS-SP, em consulta eletrônica ao site do MEC, pois,

nem mesmo na Secretaria Estadual de Educação constava informações do Núcleo.

Após diversas tentativas frustradas de contato, eletrônico e telefônico, passamos a

desconfiar que o núcleo estivesse desativado ou funcionasse, burocraticamente, apenas.

O núcleo funciona na Avenida Pensilvânia, na região sul da cidade e como ocorre com

o NAAHS de Vitória, situa-se no interior de uma escola da rede estadual de ensino.

Diante da dificuldade em obter contato, decidimos pela ida ao núcleo, pessoalmente, o

que comprovou nossas desconfianças. Formalmente, o núcleo existe e “funciona” na escola,

mas, não havia quem nos recebesse ou soubesse informar sobre este. Assim, no maior estado

da federação, a única medida do governo federal, no sentido de atender o público, com altas

habilidades/superdotação, não existe, na prática.

Sendo assim, além do fato de se localizar em uma região de difícil acesso à maioria dos

alunos, pais, gestores e professores, pois não há metrô próximo, telefones e e-mail não

funcionam e, sequer, é conhecido pela escola, onde está localizado. Não são apenas os alunos

com altas habilidades/superdotação, os invisíveis, o próprio núcleo do Estado de São Paulo,

estado com mais de 40 (quarenta) milhões de pessoas e uma população com altas habilidades,

potencialmente, em torno de 2 milhões, é invisível e não existe, na realidade.

Parte deste quadro ocorre devido ao fato da ação dos NAAHS, ainda que tímida e

ineficiente, ser uma iniciativa do governo federal, ligado ao Partido dos Trabalhadores,

recebendo assim, boicote do Governo do Estado de São Paulo, sob o comando do PSDB, como

ocorre com outros programas federais para educação.

Portanto, não bastasse todas as dificuldades, em São Paulo, a disputa partidária, entre

PT x PSDB, corrobora para a invisibilidade.

Diante do fracasso, em estabelecer contato com a Instituição Pública, responsável pelo

tema, no estado de São Paulo, partimos para a APAHSD (Associação Paulista de Altas

Habilidades e Superdotação), que possui site próprio em funcionamento e perfil, no Facebook,

bastante atuante, com a oferta de cursos de formação para docentes e programas de identificação

e atendimento às famílias e alunos com altas habilidades/superdotação.

A associação fica no bairro do Brooklin, na rua Guilherme Asbahr Neto, na região da

Chácara Santo Antônio, lugar bastante elitizado da cidade, com difícil acesso ao transporte

coletivo e localização complicada, para quem não conhece bem a cidade. Logo, ao que nos

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indica, pais e docentes de escolas públicas de regiões distantes, raramente, devem ter tido acesso

à Associação.

Em uma rua tranquila e arborizada, em meio a mansões e salões de festas com guaritas

e seguranças particulares, em uma região não destinada às classes populares, a menos que nas

condições de empregados, torna-se inusitado imaginar uma família de trabalhadores, orientada

pela escola de seu filho, caminhando por aquelas ruas, repletas de carros importados, em busca

de ajuda ao seu filho “superdotado”.

Cerca de 30 (trinta) minutos, antes do combinado, chegamos à Associação e para nossa

surpresa, não existe nenhuma placa de identificação, no endereço que nos foi passado, onde nos

deparamos com um imóvel residencial, um sobrado grande, mas modesto, se comparado à

redondeza. No muro, a indicação de que ali funcionava um colégio particular. O mobiliário da

instituição era bem cuidado, aparentava ser novo, mas nada sofisticado, sendo que, todo o

espaço configurava uma típica escola particular, de classe média baixa, o que despertava nossa

curiosidade, afinal, como um colégio tão pequeno e modesto, sobreviveria em uma região tão

abastada e com um público acostumado a frequentar escolas tradicionais, em prédios

suntuosos?

Verificamos mães aguardando seus filhos, que eram atendidos em salas de aulas

demonstrando serem alunos que frequentavam a instituição. Bem como, um número de crianças

que, diferente dos demais, não aparentavam estudar na instituição. As feições destes citados

eram de ansiedade e insegurança, sendo recebidos por um funcionário da escola e, enquanto a

criança era encaminhada a uma sala, a secretária informava aos pais sobre o funcionamento, o

atendimento, bem como os custos que deveriam arcar, indicando que se tratavam de crianças,

em avaliação, para AH/SD.

Novamente, conforme a metodologia de trabalho, focamos nosso olhar em analisar

como a instituição funciona e qual a explicação dos envolvidos para a invisibilidade dos alunos

com altas habilidades/superdotação.

Se no IRS e CEDET tínhamos instituições filantrópicas, que funcionavam graças às

doações de mantenedores, sejam pais ou poder público, no APAHSD, tivemos uma experiência,

mais evidente, de uma instituição privada atuando na área.

Fomos recebidos por um dos coordenadores e responsáveis pela Associação, advogado

de formação, que se declarou apaixonado pelo tema; explicou-nos o funcionamento da

Instituição, afirmando, com orgulho, que a APAHSD é o único lugar do Brasil, que atua nas

três frentes em relação as AH/SD: formação de Professores e Pais; atendimento aos alunos e

formação de políticas públicas, no campo das altas habilidades/superdotação.

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A APAHSD oferece, constantemente, palestras e cursos aos pais e professores; estes são

particulares e taxas são cobradas, o que termina a limitar o acesso de professores da rede pública

e famílias pobres que, eventualmente, tenham interesse no tema, mas é uma das formas como

a instituição consegue se manter ativa.

A Instituição declara-se seguidora das ideias de Gardner e não apresentou outras

referências teóricas, na área das altas habilidades/superdotação.

O processo de identificação possui o custo, em torno, de R$ 300,00 (trezentos reais) e

visa ao atendimento de famílias, com filhos que tenham suspeitas de altas

habilidades/superdotação. A identificação ocorre em um processo de entrevistas e testes, sendo

custeado pelas famílias.

A Associação oferece, também, o atendimento, no contraturno, para os alunos alto-

habilidosos, com atividades de enriquecimento curricular e aprofundamento de conteúdos,

sendo que este serviço ocorre algumas vezes, por semana, em períodos fixos e oficinas,

planejadas, com o acompanhamento de psicólogos e pedagogos. Por fim, a Associação

oferece um programa de atendimento escolar especializado, em altas habilidades/superdotação,

na escola regular, aberto a alunos com AH/SD ou não.

Desta forma, as altas habilidades/superdotação são, também, um modo do colégio se

diferenciar, no concorrido mercado do ensino particular, de uma cidade como São Paulo. Não

podemos deixar de observar que se tornar uma escola especializada, em crianças superdotadas,

é um modo de garantir um público cativo, no universo dos bairros de elite, de São Paulo, mesmo

sendo um colégio pequeno e não possuindo uma marca renomada.

Além disto, mesmo os alunos não superdotados podem frequentar a escola e não

devemos subestimar o peso, que estudar em uma escola de “superdotados” e com metodologia,

especialmente, pensada para estes, tenha na decisão dos pais, ao escolher onde seus filhos irão

estudar, em um contexto tão competitivo.

Um último serviço oferecido às famílias, para as crianças com altas

habilidades/superdotação, é a assessoria em ações, que objetivam assegurar o direito garantido

por lei à aceleração de estudos.

Segundo relato do coordenador da Associação, todos os serviços são garantidos à

população, economicamente desfavorecida, que os procure, ainda que não tenham recursos para

custear os serviços, nas suas próprias palavras: “ninguém sai daqui sem ajuda” e quem paga,

sabe que sua contribuição ajuda a custear o ensino daqueles que não podem. Tal medida, ainda

que vise garantir ao atendimento de alunos de escolas públicas e pobres, não modifica o fato de

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que, diferentemente, do IRS e CEDET, a maior parte dos alunos e serviços da APAHSD seja

oriunda da rede privada.

Questionado quanto ao motivo, que leva à invisibilidade destes educandos com altas

habilidades/superdotação, no Brasil, em especial, em São Paulo, o responsável foi categórico

em afirmar que o total desinteresse do poder público, na questão, é o principal problema.

Mostrou preocupação com o pouquíssimo investimento estatal, nos alto-habilidosos e relatou o

fato de medidas alardeadas para a área, pelo MEC, não passarem do papel. Exemplificou com

o NAAH/S-São Paulo, que mesmo situado há poucos quilômetros da Associação, na

realidade:“não passa de um telefone e endereço de e-mail que, efetivamente, não existe e não

atende nenhum aluno”.

Segundo o coordenador, o pouco investimento do poder público no tema, agrava-se em

São Paulo, devido ao boicote do governo tucano às ações petistas instituídas, em plano federal,

terminando por inviabilizar qualquer ação que se busque na área.

Dentre os exemplos de poucas ações do governo, no tema, citou a legislação sobre as

altas habilidades/superdotação, que conseguiram, com muita pressão de pais e contatos com

vereadores, aprovar na cidade de São Paulo, onde a atuação da APAHSD foi decisiva, na

formulação e aprovação desta. O convênio firmado com a prefeitura de São Paulo previa

atendimento de 80 (oitenta) alunos, da rede municipal, em contraturno e nos programas de AEE,

tendo, inclusive, verba garantida para isso. Porém, a prefeitura recusa-se a permitir que a

identificação dos alunos seja feita pela APAHSD e como não possui equipe especializada, na

área, a rede municipal não indicou nem 10 (dez) alunos, confirmando a invisibilidade.

Entre os atendimentos da APAHSD, segundo (Toscanini, 2008), existe um grupo de

dados que consideramos importante e indicador dos meandros que envolvem a identificação e

atendimento aos sujeitos com altas habilidades/superdotação. Dentre os atendimentos

realizados, na associação, cerca de 68% dos estudantes são do sexo masculino e 71% alunos

oriundos de escolas da rede particular de ensino. Com relação à formação dos pais e a

transmissão de capital cultural, a pesquisa verificou que 71% dos pais e 73% das mães possuíam

ensino superior completo. Outro dado importante sobre o papel das famílias e a transmissão do

capital cultural, na formação das altas habilidades/superdotação é o fato de 23% das famílias

paulistas, atendidas pela APAHSD, terem como prática cotidiana, falar um segundo idioma, em

casa, como forma de inserir a criança, o mais cedo possível, em uma segunda língua. Tais

informações indicam um forte caráter de gênero, classe e capital cultural, no fenômeno altas

Habilidades/superdotação, apresentando a fragilidade das perspectivas que associam o

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desenvolvimento dos talentos, ao menos os que sejam “confirmados e atendidos” aos fatores,

exclusivamente, genéticos.

Como ponto em comum, fica a constatação visual seguida pela confirmação dos

responsáveis, das três instituições, quanto ao número reduzido de meninas, em relação aos

meninos. Segundo os entrevistados, parte da questão origina-se, nas famílias, que tendem a

valorizar e investir mais na inteligência e talentos masculinos que nos femininos, indicando o

forte caráter de gênero, que marca a temática.

De um modo geral, as Instituições não demonstram dificuldades em encontrar

superdotados, nas populações que atendem, bem como, não há resistência de professores e

escolas, desde que seja feita uma formação inicial. Normalmente, ocorre o oposto, terem a

afluência de um número superior as suas possibilidades de atendimento.

Tanto APAHSD, como CEDET e IRS, em algum momento, apontaram o desinteresse

do Estado e poder público, nas altas habilidades/superdotação, como o principal responsável

pela invisibilidade. Em nenhum caso, foram relatadas parcerias com os NAAH/S ou salas de

recursos, com atendimento de AEE. Os materiais produzidos pelo MEC e Secretarias de

Educação dos Estados, também, não foram citados como utilizados.

Quanto aos problemas enfrentados pelos alunos com altas habilidades/superdotação, em

suas realidades cotidianas, no IRS e CEDET, mais focados na população carente, destacaram-

se a dificuldade das famílias, em dar continuidade ao trabalho nas Instituições e a preocupação

de que estes talentos sejam usados para fins negativos, sobretudo, no crime.

Na APAHSD, pelo perfil típico de classe média dos estudantes, tanto o apoio familiar,

como a cautela, em relação aos educandos inclinarem-se aos caminhos perigosos, não foram

apontados, mas, sim, a constatação e preocupação com o grande número de crianças, que

chegam à Associação, com laudos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade), Dislexia, Déficit de Atenção e mesmo Autismo, que muitas vezes levam os

pais a uma busca urgente de ajuda, com estas crianças. Algumas destas crianças

“diagnosticadas” são dopadas com drogas como: Ritalina, calmantes, ansiolíticos,

antidepressivos etc.

Fato interessante, é que nenhuma instituição tenha tecido comentários quanto a

realidade, das escolas regulares, onde seus alunos estudam. Parecem ignorar o fato, de que estas

crianças frequentam escolas, profundamente, marcadas pela violência, com falta de estrutura,

professores mal pagos e desvalorizados, turmas superlotadas, sem quadras esportivas,

bibliotecas e laboratórios e, principalmente, em um ambiente de fracasso escolar e pobreza,

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demonstrando, aparentemente, que nenhum destes problemas estaria relacionado aos alunos

com altas habilidades/superdotação.

Também, não houve falas em relação a formação deficiente do professorado, sobre altas

habilidades/superdotação e seus impactos, no trabalho com o alunado alto-habilidoso. A escola

regular não surgiu, em nenhum momento, como responsável ou partícipe, no surgimento e

desenvolvimento de habilidades e talentos, como se os alunos com altas

habilidades/superdotação frequentassem-na para cumprir uma formalidade burocrática e, em

nada, a instituição escolar pudesse contribuir na questão, quando muito, poderia encaminhar os

educandos aos serviços especializados.

Por vezes, notamos um tom de reclamação, devido à pouca atenção dada e interesse das

escolas, nas altas habilidades/superdotação. Afirmam que a escola de massas privilegia o

mediano, como rendimento e solidariza-se, quando muito, pelas dificuldades, fracasso e

deficiências, chegando mesmo a ter preconceito com os mais capazes e talentosos, indicando,

o quão pouco conhecem a realidade escolar.

Em nossa avaliação, este distanciamento entre escola e instituições voltadas ao talento,

somados a falta de interesse do Estado, no tema, seriam grandes motivos da invisibilidade,

nosso problema de pesquisa.

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ALGUMAS CONCLUSÕES E POSSIBILIDADES.

1-Confirmação da invisibilidade: internacionalmente, nacionalmente, no Estado de São

Paulo, na Baixada Santista, na cidade pesquisada – Fenômeno como universalidade.

Ao longo de nossa pesquisa, objetivamos verificar, antes de tudo, a pertinência do termo

invisibilidade e se esta existia, efetivamente, na realidade educacional brasileira. Para tanto,

buscamos informações na bibliografia especializada, nas informações presentes nos portais da

internet das principais secretarias estaduais de educação e Ministério da Educação, bem como,

por meio da pesquisa de campo, na rede de ensino escolhida por nós para ser pesquisada.

A primeira constatação da pesquisa é de que a invisibilidade dos estudantes com altas

habilidades/superdotação, na realidade educacional brasileira, é um fato inconteste. Tal

invisibilidade ocorre das mais diversas formas, seja na ausência de informações sobre tais

estudantes, nas ferramentas de matrícula e cadastro de alunos, como: PRODESP, GDAE e

EDUCACENSO, seja na falta de casos de alunos classificados como alto-habilidosos, ou no

reduzido número de identificações realizadas no Brasil.

A invisibilidade apresenta-se ainda mais evidente, quando se trata de garantia de

atendimento especializado, neste item, a bibliografia especializada e mesmo as informações da

grande imprensa verificadas, durante a pesquisa, indicam o reduzido número de “sortudos” que

conseguem algum atendimento e, mesmo assim, em geral isso ocorre, após verdadeiras batalhas

judiciais movidas por familiares.

A confirmação da invisibilidade, foco de nosso problema de pesquisa, foi acompanhada

de informações relevantes, sendo evidenciada em nossa rede de ensino pesquisada, de forma

contundente, com uma história de mais de 30 anos de rede municipal, sem que um único aluno

tenha sido, oficialmente, identificado como alto-habilidoso. Tínhamos este quadro em 2014,

quando iniciamos a pesquisa e, apenas, muito pontualmente, começa a se alterar nos dias atuais.

Outro fato importante, quanto a invisibilidade, é que esta se apresentou, em nossos

levantamentos, nas mais diferentes realidades educacionais brasileiras. Desta forma, os

medidores de escassos atendimentos e identificações ocorreram e confirmaram-se tanto na

esfera federal, como nas esferas estaduais e municipais, com número exíguo de alto-habilidosos

identificados nos estados, com casos como o de São Paulo, onde, apesar da propaganda

governamental, a invisibilidade é quase que total, somando-se ao fato de que em mais de 80%

dos municípios brasileiros não existem casos de alunos com AH/SD cadastrados no Censo

Escolar.

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Esta realidade confirmou-se não, somente, na rede de ensino que escolhemos pesquisar,

também, em toda a Baixada Santista, onde não temos um único município que desenvolva ações

concretas de identificação de alto-habilidosos, bem como seu atendimento.

A invisibilidade foi confirmada pela bibliografia, com a maioria dos pesquisadores

denunciando o quadro, nos mais variados cenários e, para nossa surpresa, sendo constatada

mesmo no cenário internacional, com a bibliografia especializada: chilena, argentina,

colombiana, mexicana, espanhola e portuguesa, relatando, longamente, o quadro desolador,

verificado (ainda que com atenuantes), também, nas potências centrais do capitalismo, como:

Alemanha, França e Estados Unidos.

Desta forma, uma constatação importante da pesquisa é que a invisibilidade, ainda que

condicionada por fatores locais, é, em grande parte, um fenômeno geral e parte da escola, na

sociedade capitalista, ficando a impressão de que onde existe escola de massas, há a

invisibilidade dos talentos, indicando que as explicações para o fenômeno deveriam ser mais

profundas e baseadas no funcionamento das instituições escolares e dos estados nacionais, nas

sociedades capitalistas, como um todo.

Óbvio existiram exceções na realidade brasileira, mas estas, em geral, eram pontuais e

marcadas por duas características: a existência de um centro ou rede de ensino organizada para

o devido atendimento; a presença de pesquisadores atuantes, na área, somados à atuação de

associações de pais destes alunos, como nos casos das cidades de: Santa Maria, Londrina,

Lavras e o Distrito Federal.

1.1 -A invisibilidade de algo muito visível, ao longo das sociedades.

Durante as pesquisas, pudemos observar a existência de uma posição contraditória, em

relação as altas habilidades/superdotação, que é o fato dos estudantes talentosos serem

invisíveis, na realidade escolar, ao passo que o tema da superdotação tem imenso apelo e

interesse da sociedade, em especial, por meio da grande imprensa e indústria cultural que têm

vastas e regulares produções sobre gênios, superdotados, histórias de sujeitos com altas

habilidades e seus feitos memoráveis, comportamentos exóticos.

O tema dos humanos talentosos gerou interesse, nas mais diversas sociedades, ao longo do

tempo, sendo que estes seres foram tratados como prioridade por diversos Estados,no decorrer

da História. Tal posicionamento é, apenas, aparentemente contraditório; na verdade,a

invisibilidade dos sujeitos com AH/SD, no interior das escolas, tem íntima relação com as

perspectivas e compreensão do surgimento dos talentos entre os seres humanos, a partir das

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ideias de dom e aptidões naturais, concepções que são basilares da sociedade capitalista, sendo

sustentadas na imprensa e na indústria cultural, poderosas reprodutoras deste tipo de

pensamento e desta forma, contribuintes na produção da invisibilidade.

2- A fragilidade das explicações para a invisibilidade. Quando a singularidade é

insuficiente para explicar o fenômeno.

Confirmada a invisibilidade, na realidade local pesquisada e constatada a invisibilidade,

em diferentes cenários nacionais e internacionais, com o fenômeno da não identificação e

atendimento aos indivíduos alto-habilidosos, por escolas e redes de ensino das mais variadas

partes do Brasil, cidades das mais diferentes características e, mesmo em partes do mundo, com

características distintas, como: EUA, Europa e América do Sul, verificamos que um fenômeno

com tamanha uniformidade e prevalência, nos mais variados contextos escolares, era um

fenômeno complexo e chave da instituição escolar e, portanto, respostas apressadas, atentas

apenas às opiniões de um reduzido número de educadores, não teriam condições de se sustentar

como hipótese válida para a invisibilidade.

Neste sentido, a pesquisa confirmou a fragilidade da maioria das hipóteses nacionais

que buscam explicar os motivos da invisibilidade das altas habilidades/superdotação, em

variados contextos. Desta forma, as questões terminológicas distintas, a ideia de mitos sobre

altas habilidades/superdotação disseminadas entre os docentes, e, finalmente, a falta de

formação dos educadores, apresentaram-se como frágeis explicação para o problema. Cabendo

destacar, que se questões terminológicas e mitos foram, amplamente, refutados, a falta de

formação docente merece um espaço mais detido para a reflexão.

3- A invisibilidade como fenômeno construído historicamente – a universalidade

apresenta-se na particularidade. O fenômeno AH/SD e a escolarização das massas.

Entre as constatações da pesquisa, uma das primeiras é a de que as altas

habilidades/superdotação e sua invisibilidade guardam fortes relações com a História

Educacional Brasileira.

Deste modo, caso pretendamos, realmente, entender os motivos dos alto-habilidosos

serem invisíveis, na realidade educacional brasileira, será necessário se debruçar sobre o longo

caminho das massas até os bancos escolares e os impactos que as ideologias higienistas(parte

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delas influente nos estudos sobre AH/SD) tiveram na forma como Estado, Escolas e educadores

entenderam a chegada dos pobres na escola.

Finalmente, a pesquisa verificou que, diante da falta de estrutura do sistema de ensino

brasileiro e a histórica incapacidade de garantir escolas a todos, em idade escolar, ainda que,

recentemente, tal intento tenha sido alcançado, seguimos com péssimos indicadores de

qualidade,com milhões de analfabetos e, este quadro estrutural da escola pública brasileira

tornou quase que natural a invisibilidade das altas habilidades/superdotação, pois, como falar

em talento, quando não haviam escolas?

4.- A invisibilidade como resultado das concepções teóricas para entender a escola e as

teorias da inteligência e aprendizado – o fenômeno como universalidade

Outra confirmação da pesquisa é que, antes de buscar explicação para a invisibilidade

das altas habilidades/superdotação, do talento, das altas capacidades e, no limite, da

inteligência, no interior das instituições que, ao menos no plano do discurso, dizem que estes

são exatamente seu principal foco de atenção e objetivo, era necessário conhecer como tais

instituições e seus profissionais entendiam os fenômenos inteligência, aprendizado e,

consequentemente, capacidades superiores.

A constatação a que chegamos é que os modelos escolares e as concepções teóricas de

educação e aprendizado guardam profundas relações com a situação de invisibilidade dos

sujeitos alto-habilidosos.

Deste modo, a invisibilidade, apenas, aparentemente é uma contradição da realidade

escolar. Em sua essência, o fato dos sujeitos alto-habilidosos não serem identificados, não

ocorrerem atendimentos e nem mesmo sua existência seja considerada, no interior das

instituições que, em tese, deveriam buscá-los, é fruto da atuação escolar e resultado da forma

como as redes de ensino organizam-se, sendo, inclusive, parte de seus objetivos.

Neste sentido, concepções teóricas da inteligência e do aprendizado, que naturalizam os

desempenhos acadêmicos, atribuem a fenômenos individuais e biológicos o potencial

intelectual e, finalmente, baseiam-se nas concepções de aptidões naturais para explicar os

diferentes resultados dos sujeitos e justificar as desigualdades, portanto, são produtores de

fracasso e invisibilidade, simultaneamente, como duas faces de uma mesma moeda chamada

reprodução.

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4.1- A invisibilidade e a forma como se organiza o campo científico das AH/SD. O

fenômeno como universalidade conceitual.

O levantamento e análise da bibliografia especializada, indicou-nos questões

importantes. Primeiro, que o próprio campo de pesquisa das altas habilidades/superdotação

convive como invisível, no universo das pesquisas acadêmicas. O número de cursos de pós-

graduação, pesquisadores e produção acadêmica é tímido e a inserção de pesquisas sobre o

tema, em congressos e simpósios, que não sejam específicos da área, é ainda menor.

De um modo geral, o campo é invisível, em todo o Brasil, com exceções pontuais em

universidades, como: a UFSM e UNB. Tal situação é também verificada em outros países, onde

a questão, igualmente, conta com reduzido número de pesquisadores e pesquisas sobre o tema.

Em levantamentos que realizamos, internacionalmente, sobre o assunto, a produção sempre se

apresentou tímida e reduzida, seja na Península Ibérica, América Latina, Canadá e mesmo EUA,

com exceção de casos isolados como o NEAG, em Connecticut, ou algumas ações realizadas

na Alemanha.

Logo, concluímos que para além da constatação de que há invisibilidade dos alunos alto-

habilidosos, ocorre, da mesma forma, a invisibilidade das pesquisas sobre este público (não

ficando claro quem é consequência de quem). Precisamos explicar os motivos que levariam a

tal situação para as pesquisas científicas na área.

Nossas observações e análises da produção intelectual brasileira sobre o tema indicaram

que parte desta invisibilidade do campo deve-se, primeiramente, ao fato da área ter sido ligada

à concepções e perspectivas científicas, que encontraram profundas resistências nas ciências,

como as ideias de Galton e Terman ligadas à psicometria e eugenia.

A segunda questão que contribui para a invisibilidade e certa resistência, com relação

ao tema, ocorre pelo fato de que parte das pesquisas estejam apoiadas em concepções de

inteligência e aprendizado, que atribuem peso demasiado à influencia da genética, na formação

das capacidades humanas e, consequentemente, apresentam dificuldades em se firmar no campo

da educação, das pesquisas em ciências sociais e mesmo psicológicas.

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5- A invisibilidade como parte da produção do fracasso escolar e fruto da ausência das

contribuições das Ciências Sociais para a compreensão do fenômeno.

Outra constatação da pesquisa é a quase completa ausência de contribuições das ciências

sociais para a reflexão sobre a constituição das altas habilidades/superdotação e as explicações

para a invisibilidade dos sujeitos alto-habilidosos. Segundo nossas análises, tal situação deve

ser entendida, também, como parte da produção da invisibilidade.

Neste sentido, a maior parte dos trabalhos sobre o tema, sejam sobre altas

habilidades/superdotação, seja sobre os motivos da invisibilidade, não consideram ou utilizam

as contribuições sobre educação, a instituição escolar, ideologias docentes e fracasso escolar,

realizados por estudiosos da educação brasileiros ou internacionais, nem mesmo alguns dos

clássicos da pesquisa, em educação, fazem parte das referencias bibliográficas de boa parte das

pesquisas, onde trabalhos que, minimamente, aproveitem tal olhar são a exceção.

Desta forma, conceitos como fracasso escolar, imaginário e reprodução, bem como,

categorias de análise clássicas: gênero, classe e etnia não fazem parte das preocupações das

pesquisas, contribuindo para a já destacada fragilidade conceitual e consequente dificuldade em

explicar a realidade, de se sustentar no debate acadêmico, fortalecendo, desta maneira,

primeiramente, a compreensão equivocada do fenômeno e, em segundo lugar, a invisibilidade

dos alto-habilidosos.

6- O papel do Estado na formação e constituição da invisibilidade nas sociedades

capitalistas. A particularidade.

O levantamento quanto às ações estatais sobre o tema das altas habilidades/superdotação

e suas relações com o quadro de invisibilidade dos estudantes demonstrou-nos situações

contraditórias e, por vezes, paradoxais.

Se por um lado, temos uma legislação moderna, antiga e preocupada com os sujeitos

alto-habilidosos e que lhes garante direitos há quase 50 anos, por outro, deparamo-nos com uma

ausência quase que total de ações concretas dos governos, no sentido de, efetivamente, atender

ao público contemplado com a legislação.

Desta forma, verificou-se que a própria a estrutura produtiva brasileira faz com que as

ações estatais, no sentido de identificar talentos e estimulá-los, seja limitada pelos reais

interesses do poder público, que seguem mais voltados na defesa da ideologia da escola única

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e da meritocracia, do que buscando uns poucos talentos de que o Estado pode prescindir,

semgrandes problemas.

7- A imprensa e a indústria cultural no fortalecimento do imaginário da genialidade e o

reforço da invisibilidade, a partir das ideias de aptidão natural. – A particularidade

Dentre as conclusões da pesquisa, destacamos o papel que a grande imprensa e a

indústria cultural possuem na constituição do fenômeno. Abordando o fenômeno, a partir de

uma posição contraditória, verificamos no levantamento de artigos e produções sobre o tema,

oscilações entre a denúncia da invisibilidade e necessidade de atendimento especializado.

Artigos que, em geral, apoiavam as batalhas de famílias pela garantia dos direitos aos seus

filhos alto-habilidosos e a denúncia de como o país desperdiça talentos que, uma vez

“utilizados”, poderiam contribuir com o desenvolvimento nacional, especialmente, o

econômico.

Por outro lado, os mesmos veículos que denunciam o subatendimento de alto-

habilidosos apresentam reportagens, artigos, folders, biografias, em grande quantidade, que

salientam feitos memoráveis, impensáveis para crianças tão jovens, incomuns para pobres, de

modo que, aprovações nos primeiros lugares de vestibular, medalhas em olimpíadas escolares,

aprovações em provas de seleção, produções artísticas de renome, ainda na infância e,

finalmente, filmes, livros e reportagens sobre biografias de gênios contribuem para reforçar a

ideia de altas-habilidades/superdotação ligada ao imaginário de genialidade, tornando, assim, a

invisibilidade ainda mais eficaz. Portanto, a forma como o tema é tratado de modo exótico e

com base na ideia de genialidade e aptidão natural, termina por reforçar a noção de que a escola

nada tem a ver com isso, causando um impacto direto na disposição docentes em identificar ou

não os seus estudantes com altas habilidades/superdotação.

8- A chegada à singularidade- A invisibilidade na pesquisa de campo.

- A confirmação por intermédio das ferramentas de pesquisa.

Finalmente, chegamos a pesquisa de campo, onde buscamos, por meio de variadas

ferramentas de coleta de dados, confirmar/refutar a prevalência da invisibilidade, nas realidades

pesquisadas e as explicações dos atores envolvidos para o fenômeno, bem como, suas

concepções sobre altas habilidades/superdotação.

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A primeira constatação é que, seguindo a bibliografia especializada e os dados do Censo

Escolar sobre matrículas de alto-habilidosos, todas as ferramentas de pesquisa utilizadas,

durante o trabalho, confirmaram de forma inequívoca a invisibilidade.

-A concepção de problemas de terminologia refutada.

A pesquisa, em suas variadas ferramentas (formações, questionários virtuais,

questionários presenciais, entrevistas e visitas à instituições especializadas), confirmou a

hipótese de que a ideia de que a invisibilidade fosse fruto de disputas, equívocos ou usos

diversos de terminologia para se referir ao público com altas habilidades/superdotação era frágil

e não se sustentava.

Ao longo da pesquisa, verificamos a utilização de diferentes terminologias, para se

referir ao público de alunos em questão: bons alunos, acima da média, talentos, altas

habilidades, superdotados, toda uma gama de expressões foi verificada, quando se buscava

referências a tais estudantes, mas, em nenhum momento, um professor indicou confusão ou não

saber, exatamente, sobre o que falava e que tipo de aluno e características referia-se

independente do tema.

Pudemos constatar usos equivocados de termos e verificamos que, por vezes, havia

confusão e tendência a diferenciar os termos altas habilidades e superdotação, considerando

altas habilidades como características aprendidas, socialmente, e superdotação como resultado

da herança genética. Mas, de um modo geral, a maioria, dos mais de 300 participantes da

pesquisa, utiliza os termos como sinônimos, demonstrando entender muito bem de que perfil

de estudante falamos, quando nos referimos aos termos, não apresentando qualquer tipo de

resistência ao uso de nenhum dos dois termos, não indicando qualquer confusão conceitual

causada pelas expressões, nem relacionando a invisibilidade com questões terminológicas.

- As concepções de mitos refutadas de um modo geral – (genialidade relativamente

confirmada)

Durante a pesquisa de campo, buscamos verificar a ocorrência dos chamados mitos

sobre as altas habilidades/superdotação, como forma de explicação para a invisibilidade dos

alunos alto-habilidosos. Tal concepção formulada, inicialmente, por Winner (1998) é baseada

na defesa da referida autora de que existam nove mitos sobre superdotação, juntos ou

independentes que contribuem para a invisibilidade, tais mitos seriam:

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As pesquisas de campo realizadas por meio de questionários, com os trabalhadores da

educação da rede de ensino que pesquisamos, indicam que a maioria dos mitos elencados pelas

pesquisas, na área, sobre o tema não se confirmaram presentes nas concepções dos envolvidos

no trabalho com os alunos,potencialmente, alto-habilidosos.

Seja durante as formações, entrevistas ou questionários, entre os mais de 300

participantes envolvidos: alunos, professores e gestores, a maior parte dos mitos foi refutada

como hipótese para a explicação da invisibilidade e tais representações sociais ou imaginário

(conceitos que preferimos à ideia de mito) não se apresentaram como ideias com significativa

influência entre os trabalhadores da educação participantes da pesquisa.

Ideias como os “mitos” de: (1)superdotação global; (2) talentosos, porém não

superdotados; (3)QI excepcional; (6) pai dominador; (7) excessiva saúde psicológica; (8) todas

as crianças são superdotadas; (9) as crianças superdotadas tornam-se adultos eminentes foram,

amplamente, refutadas pelos educadores, em todas as oportunidades em que, de alguma

maneira, surgiram aos participantes.

Os únicos mitos dentre os propostos por Winner que, efetivamente, demonstraram força,

no imaginário dos educadores sobre o tema e relação com a invisibilidade, foram aqueles que

relacionam as AH/SD, exclusivamente, com a origem genética ou ambiental. Tais ideias, em

especial, a preponderância da genética como explicação para o potencial humano,

apresentaram-se em todas as ferramentas de pesquisa, tendo força e influência relevantes, nas

concepções docentes sobre a questão. No entanto, já discorremos que tais concepções teóricas

estão relacionadas com concepções de aprendizagem e educação, de um modo muito mais

amplo que, simplesmente, às AH/SD. Deste modo, têm profundas relações com a forma como

a escola se organiza e imagina suas funções sociais, bem como, concebe e explica o fracasso

escolar, os sujeitos com dificuldades de aprendizado ou altas habilidades e, finalmente, a

própria organização social e suas desigualdades. Neste sentido, as ideologias das aptidões

naturais apresentaram-se fortes e com substancial influência na pesquisa.

Mas temos outros “mitos” defendidos por pesquisadores, como forma de explicar a

invisibilidade, um destes exemplos é o mito de que tais alunos não precisam de atendimento

especializado,como destacam (CAMPOS & ANTIPOFF, 2010, p. 303):

Porém, durante as pesquisas realizadas, foi praticamente unânime entre os docentes e

gestores a noção de que tais indivíduos necessitam de atendimento especializado e são público

da educação especial, refutando, abrangentemente, a existência de imaginário ligado a tal ideia

entre os educadores e, consequentemente, afastando qualquer relação entre tal ideia e a

invisibilidade.

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Deste modo, consideramos que a hipótese dos mitos, como explicação para a

invisibilidade das altas habilidades,tenha sido ampla e refutada pela pesquisa, seja pela

fragilidade da concepção, que ao buscar entender a invisibilidade, a partir de mitos, arrisca-se

ficar na superfície do problema, em vez de buscar a compreensão efetiva da questão, ao tentar

entender como tal imaginário constituir-se-ia, seja por a maior parte de tais ideias não terem

encontrado qualquer respaldo empírico entre as concepções dos docentes que forneceram

informações para a pesquisa.

-A hipótese da invisibilidade como resultado da falta de formação específica, na área,

confirmada como dado, mas relativizada como causa da invisibilidade.

Dentre as hipóteses mais presentes entre as explicações da bibliografia especializada

para a invisibilidade, a que encontrou maior prevalência, entre os participantes da pesquisa, foi

a ideia de que a invisibilidade seja fruto da ausência de formação dos educadores sobre o tema

específico das altas habilidades/superdotação, seja nos cursos de formação inicial ou

continuada.

Os participantes apresentaram, em número considerável, tal ideia como motivo da

invisibilidade, mas pensamos que, ainda que esperada, a confirmação da falta de formação deve

ser avaliada como causa da invisibilidade, de modo cauteloso.

Em primeiro lugar, ainda que tenha sido hipótese aventada por muitos docentes, esteve

longe de rivalizar com outras explicações, como: o fracasso escolar e a falta de políticas

públicas na área. Além disto, as formações, questionários e entrevistas mostraram que, apesar

da falta de formação específica na área, os pesquisados apresentaram concepções bastante

elaboradas sobre tema, demonstrando suficiente capacidade para identificação e atendimento

aos alto-habilidosos, caso esta fosse uma preocupação ou prioridade.

Finalmente, ainda que importante, a hipótese da falta de formação deve ser relativizada,

pelos resultados empíricos produzidos com as formações realizadas com os educadores, da rede

pesquisada, durante os estudos. Como expusemos, ao longo da pesquisa de doutorado, mais de

200 educadores, entre: gestores, professores da educação especial e professores do ensino

fundamental I e II, receberam formação inicial sobre o tema, nos anos de 2015 e 2016, sendo

que, os resultados, agora, dois anos após a realização das formações e fornecimento de materiais

sobre as AH/SD, são os mesmos, afinal, oficialmente, a rede de ensino pesquisada segue, sem

que um único aluno seja, formalmente, identificado e atendido como pessoa com altas

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habilidades superdotação, tendo como as únicas ações efetivas sobre o atendimento a tal

público, advindas de uma única escola da cidade e, mesmo assim, ainda que tenha apresentado

17 estudantes, com potencial para identificação e atendimento, as ações da Unidade Escolar

foram ignoradas e até contestadas pelo poder público como necessária ou realista.

Portanto, a formação especializada dos educadores é fundamental, mas, caso não seja

acompanhada de outras ações e reflexões, tende a surtir pouco ou nenhum efeito, fazendo com

que passada a empolgação inicial gerada pelo debate sobre o tema, as redes, escolas e

trabalhadores da educação sigam absorvidos pelas urgências da realidade escolar, como falta

de estrutura, condições de trabalho degradantes, indisciplina e violência escolar e, finalmente,

dificuldades de aprendizado e fracasso escolar, ficando os alto-habilidosos como um público

que todos gostariam de atender, mas, até que muita coisa seja alterada, não serão prioridade nas

preocupações.

- Como explicar as invisibilidade:

Realizado este longo trajeto, como, efetivamente, explicar a invisibilidade dos alto-

habilidosos no universo escolar?

A primeira consideração a ser feita refere-se à confirmação da força, quase monolítica,

da invisibilidade presente, praticamente, durante toda a história da escola de massas, bem como,

nas mais diversas realidades sociais e modelos educacionais, indicando que a invisibilidade dos

talentos, como a massificação do fracasso, sejam pilares constitutivos da instituição escolar, em

sua busca pela reprodução social e justificação da sociedade de classes.

Realizada tal constatação, destacamos alguns indícios da explicação da invisibilidade,

bem como, caminhos possíveis para seu enfrentamento, ainda que, dificílimo e improvável.

Dentre as principais explicações, destacamos uma bastante analisada, ao longo do trabalho, a

necessidade de conhecimento da relação entre invisibilidade, fracasso escolar e forma como as

instituições escolares organizam-se, na sociedade capitalista, enfocando o papel para o real

interesse Estado no tema e suas relações com as estruturas da produção capitalista.

Na sequência, é importante entender e combater a forma como as ideias sobre altas

habilidades/superdotação cristalizam-se, no senso comum e, em especial, como são

apresentadas pelos veículos de comunicação e indústria de entretenimento, a partir da ideia de

genialidade e fortalecimento das noções de aptidões naturais, principalmente, os conceitos de

dom e herança genética amplamente difundidos e presentes no imaginário sobre o tema.

Finalmente, a invisibilidade dos alto-habilidosos guarda, segundo os resultados da

pesquisa, profunda relação com as concepções teóricas de professores e gestores sobre

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aprendizagem e desenvolvimento humano, também, com a própria concepção de escola e

finalidades últimas do processo educativo e razões do sucesso educacional dos indivíduos. Tais

concepções são as forças que, efetivamente, sedimentam as compreensões docentes sobre os

indivíduos, seus potenciais e rendimentos, abarcando a distribuição destes, nas trajetórias

escolares curtas ou longas, bem como na sociedade.

- As contradições verificadas durante a pesquisa.

Durante as pesquisas, verificamos posições contraditórias que devem ser elencadas

como parte das conclusões do trabalho, por dizerem muito sobre o problema da pesquisa e,

também, indicarem caminhos para a superação deste.

Assim, no momento em que se confirmava a invisibilidade, na realidade empírica,

verificava-se um conjunto de posições docentes que merecem destaque:

1- O tema suscitou profundo interesse dos educadores, em geral, sempre que exposto.

2- A maioria (o tempo todo) dos educadores apresentou posição de autocrítica, por não

atender aos talentos e, muitas vezes, mesmo ressentida de tal constatação.

3- Ao lado da invisibilidade, verificamos a percepção minuciosa dos docentes sobre o tema

e seus alunos acima da média, pois conheciam características, detalhes de suas histórias,

áreas com maior potencial, nomes e indicavam que os invisíveis são muito conhecidos

por suas escolas.

4- Entre educar os talentos e lidar com a falta de estrutura e fracasso escolar, a grande

questão, que o tempo todo se apresentou aos participantes e pesquisador e, neste sentido,

guarda profunda relação comas causas e explicações para a invisibilidade, está em:

como a instituição que produz reprodução social e existe, em certo sentido, para

produzir fracasso, pode atentar e atender sujeitos alto-habilidosos, especialmente, se

estes forem pobres?

5- A produção social do talento e como professores e escolas enxergam-se na questão,

neste sentido, os docentes encontram-se no dilema de acreditar nas aptidões naturais e

defender sua importância, no desenvolvimento dos talentos e potenciais humanos. Este

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é outro dilema ligado à invisibilidade, porque tornar visível e atender se, no fundo,

acredita-se que natureza possa se encarregar de desenvolver e trazer ao mundo o talento?

6- O atendimento aos estudantes AH/SD ainda que, informalmente, confirmado pelos

alunos em especial, verificamos que se é verdade que a invisibilidade foi,

incontestavelmente, confirmada pela pesquisa, também, constatamos que,mesmo

informalmente, geralmente, não associados à ideia de altas-habilidades/superdotação,

os alunos com características de alto-habilidosos são bastante notados pelos docentes,

gerando inclusive atenção, orientação e atendimento (ainda que informal) dos

educadores.

7- Os motivos da invisibilidade encontram-se, finalmente, entre o dilema para explicar as

altas-habilidades/superdotação, por meio das aptidões naturais, inatas, onde o indivíduo

possui a capacidade de autorrealização e a denúnciada falta de apoio e estrutura do

Estado, para o atendimento aos alunos talentosos, especialmente, por meio de políticas

públicas.

- Por uma teoria Histórico/Social das altas habilidades/superdotação.

Durante nossa pesquisa, intentamos uma resposta para o problema: “A razão da

invisibilidade dos alunos com AH/SDnas escolas brasileiras”, sem adentrar nas polêmicas

referentes à concepção teórica, que explicaria o fenômeno que faz alguns indivíduos

apresentarem capacidades/habilidades superiores a média das demais pessoas.

Buscávamos com isso evitar polêmicas que nos detivessem, tempo demasiado, em torno

de um problema insolúvel e que nos desviasse do cerne da pesquisa, as causas da invisibilidade.

Entretanto, durante os trabalhos desenvolvidos com professores, alunos, instituições

especializadas e produção acadêmica sobre o tema, vimo-nos diante de um dilema: constatamos

que parte considerável da situação de invisibilidade, que estes estudantes experimentam, em

suas vidas escolares, tem íntima relação com as concepções teóricas sobre a função social da

escola, a forma como ocorre o aprendizado humano e, finalmente, com as explicações para as

altas habilidades/superdotação.

Com isto, pretendemos dizer que as concepções pedagógicas levam o professor a ter

dificuldades em considerar a possibilidade de um aluno ter características de AH/SD.

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Pois enquanto para a escola tradicional e sua perspectiva civilizadora é impossível

conceber a existência de AH/SD, entre os pobres, para a escola vinculada às teorias

construtivistas, ainda que a constatação das AH/SD seja possível e muitas vezes provável, o

silêncio e a invisibilidade tornam-se a posição estratégica mais adequada, com vista a manter a

ideologia da escola redentora e equalizadora da sociedade, operando com força e legitimidade

para tal missão, afinal, melhor que todos julguem nascer iguais, recebendo oportunidades

equivalentes e, quando algo sair do “script”, recorrer-se à concepção de dom, seja ele dom

genético ou metafísico. Assim, segue a escola sem nada ter com a questão e, se não tem relação

com o assunto, não há porque identificar e denunciar a existência destes indivíduos, logo, refaz-

se o trajeto da invisibilidade.

Deste modo, há a ausência de uma teoria que rompa com a concepção redentora da

escola e esteja ciente de suas funções reprodutoras da sociedade capitalista, que entenda o

aprendizado humano, a partir de concepções que considerem o papel do desenvolvimento

histórico e social dos indivíduos e, para tanto, não abra mão dos conceitos de classe, gênero,

etnia e historicidade, que termine, por fim, buscar compreender os motivos que levam

indivíduos a desenvolver habilidades acima da média dos demais seres humanos, em uma

determinada área, a partir de concepções que, sem desconsiderar a óbvia influência biológico-

genética, passe a valorizar o papel das interações sociais e o caráter histórico do

desenvolvimento dos sujeitos, reconhecendo o papel do capital cultural e econômico, no

desenvolvimento das capacidades intelectuais, mas, valorizando e reconhecendo os variados e

tortuosos caminhos pelos quais ocorrem a formação dos indivíduos e suas funções psíquicas

superiores, entre elas a atribuição de sentido para o processo de escolarização, que pode variar

de acordo com as condições particulares dos sujeitos, bem como, a importância de

comportamentos comunitários, como: ética familiar, sentimento de pertencimento a um

determinado grupo, nacionalidade e etnia, a interferência de fatores religiosos, ou de um

indivíduo particular. Cabe a esta teoria,trazer a escola para a centralidade do processo de

desenvolvimento das capacidades dos indivíduos, e os professores em sua tarefa imprescindível

de ensinar as futuras gerações, contribuindo assim, com a formação dos indivíduos, inclusive

aqueles que tenham AH/SD, em especial, os filhos da classe trabalhadora.

Neste sentido, os trabalhos da sociologia da educação que refletem sobre a função

reprodutora da escola e as formas, por vezes curiosas, como ocorrem a transmissão de capital

cultural são fundamentais, destacando os trabalhos de: Bisseret, Bourdieu, Baudelot e Establet,

Lahire, Nogueira e Setton, como exemplos de pesquisas que podem nos ajudar a pensar sobre

os caminhos que levem os indivíduos a desenvolverem habilidades superiores.

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Bem como, as contribuições de Lev Vygotsky e dos teóricos soviéticos da psicologia

cultural, como Luria e Leontiev, serão decisivas, ao nos possibilitar compreensão das formas

como a cultura e a história são essenciais, no desenvolvimento das funções psíquicas superiores.

Neste ponto, trabalhos de psicólogos e pedagogos brasileiros, nesta área, também merecem

destaque, como: Martins, Asbhar, Facci entre outros.

Finalmente, temos os estudiosos das AH/SD, especificamente, que se propõema uma

leitura materialista e consideram a crítica à sociedade de classes e a concepção redentora da

escola como fundamentais, para a compreensão da constituição de indivíduos com habilidades

superiores, dentre estes destacam-se: Biffon, Loos,Bittelbrunn, Oliveira, Piske, para citar os

pesquisadores brasileiros com trabalhos na área de AH/SD. Entre os teóricos internacionais,

destacamos:Steinberg, Csikszentmihalyi e o próprio Renzzuli, fundamentais para a área das

AH/SD e que não deixam de levar em conta o papel das interações sociais e condições

históricas, no desenvolvimento dos indivíduos, sejam eles altos habilidosos ou não, ainda que,

nem sempre, sigam uma perspectiva histórico social para a compreensão da sociedade, do

aprendizado e da inteligência.

Acreditamos que a construção de uma teoria das AH/SD, que contemple e dialogue com

as referências indicadas, possa colaborar, sobremaneira, de modo a superarmos a condição de

invisibilidade dos sujeitos altos habilidosos, bem como, para sua identificação e atendimento.

Quando pensamos na superação da invisibilidade das pessoas alto-habilidosas,

precisamos de uma concepção teórica que embase o trabalho de identificação e atendimento

aos estudantes com AH/SD, de modo que o papel fundamental da escola e dos professores

sejam destacados e, assim, leve docentes e gestores a dedicarem a devida atenção a este público.

Neste sentido, a superação das concepções inatistas e/ou que naturalizem os talentos humanos

em dons ou aptidões naturais é decisiva.

O Papel da escola e do professor na formação e desenvolvimento do talento.

Uma teoria que considere o potencial humano e o seu desenvolvimento, a partir das

oportunidades de socialização, acesso a mediadores culturais e, finalmente, as relações entre o

desenvolvimento das funções psíquicas superiores e as experiências de socialização, contribuirá

para que docentes passem a considerar a importância da ajuda aos indivíduos como um todo,

de modo a que desenvolvam seu potencial e, especialmente, que possam enriquecer as

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oportunidades de avanço no aprendizado dos estudantes que tenham algum tipo de talento,

contribuindo para a superação da invisibilidade.

A construção junto aos docentes de uma perspectiva teórica sobre os indivíduos alto-

habilidosos, que explique aos educadores suas existências e, ainda, esteja em acordo com suas

observações empíricas, terminando por trazer o tema das altas habilidades para o centro da

atividade docente, estando integrada com a dinâmica escolar e educacional mais ampla, é algo

urgente para a superação da invisibilidade. Também, o atendimento efetivo de todos os sujeitos

em suas necessidades e dentre estes os que apresentam algum tipo de AH/SD. Apoiados em

Bifon (2009), defendemos que ninguém nasce superdotado, este é constituído na relação

dialética que movimenta o desenvolvimento humano.

Enquanto acreditar que as AH/SD estejam, principalmente, relacionadas à aptidão

natural ou dom, ou que sejam tema alheio ao restante da estrutura escolar, o docente tenderá a

seguir contribuindo com a invisibilidade, por vezes, envergonhado, de não dedicar atenção aos

seus alunos talentosos, mas, em geral, entregue à noção de que dedica seu tempo a quem mais

necessite.

O caminho na direção de concepções e teorias para as AH/SD, que relativizem as visões

inatistas e biologicistas (ainda muito presentes no pensamento e concepção sobre altas

habilidades), começa a ganhar espaço no Brasil. As concepções que entendem o fenômeno com

resultado de múltiplas interações, com importância para as questões sociais, surgem com

trabalhos, como os de Paludo, Stoltz e Loos. Tais autores defendem a concepção que entende

os seres humanos como constituídos, a partir de inter-relações biológicas e ambientais, com

destaque para os fatores históricos e culturais, ainda que não desconsiderem a importância dos

aspectos biológicos e, ao buscar uma teoria das AH/SD, que leve em conta as contribuições de

Vygotsky, para as teorias do desenvolvimento e aprendizagem, apresentam uma concepção que

entende os humanos como seres biológicos naturais, que vão, ao longo da vida, tornando-se

sociais e, consequentemente, humanizados, tais ideias são importantes na superação da

invisibilidade.

A superação das concepções inatistas e da ideologia do dom é das mais importantes e

difíceis tarefas, na busca pela mudança do quadro de invisibilidade dos alunos alto-habilidosos,

na realidade educacional. Importante, porque apenas estando ciente do papel da escola, como

mediadora cultural, podemos desenvolver a noção da importância da ação docente com todos

os estudantes e, também, com os alto-habilidosos. Desafiadora, pois a ideologia das aptidões

naturais é forte entre educadores, ficando evidente, em diversos momentos da pesquisa de

campo e mesmo entre especialistas na área, gerando os problemas descritos por Paludo, Stoltz

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& Loos (2012, p. 5), que baseados nos trabalhos de Alencar e Fleith (2005) indicam como tais

teorias terminam por gerar a ideia de que os alto-habilidosos, por terem algo a mais que as

demais pessoas, desenvolvem-se sozinhos e, assim, sendo desnecessário qualquer ação de

identificação e atendimentos, produzindo a invisibilidade.

Neste sentido, a superação de um posicionamento verificado, ao longo da pesquisa, que

pode ser caracterizado pela disposição em entender a inteligência como algo puramente

biológico e que nasce com o indivíduo, tem forte papel na superação da invisibilidade dos

sujeitos alto-habilidosos. E as perspectivas de Vygotsky podem contribuir, sobremaneira, para

a construção de conceituação sobre a inteligência e a própria ideia de AH/SD que alterem o

atual quadro, marcado pela crença de que estes são sujeitos que “caminham sozinhos”.

A ideia das altas habilidades/superdotação como um conceito multifacetado e permeado

por inúmeros fatores sociais e históricos, que consideramos fundamental para a superação da

invisibilidade, é corroborada por alguns autores e, aos poucos, vai ganhando corpo na academia,

por exemplo, nos trabalhos de Cecília Antipoff e Regina Campo, apresentados por Alencar

(1986), em que os mitos sobre as AH/SD são avaliados e questionados à luz de novas

concepções teóricas. Nestes, fica evidente a fragilidade e inconsistência de determinados

argumentos, como: a falta de consenso sobre a melhor terminologia; a simples crença na

existência de mitos sobre o tema; ou a ausência de formação docente, sendo os únicos elementos

responsáveis pela invisibilidade.

- Algumas possíveis soluções para a invisibilidade:

Dentre as perspectivas para a ruptura da invisibilidade, possibilidades de acolhimento e

desenvolvimento dos estudantes como um todo e os alto-habilidosos, em especial, visando à

garantia de seus direitos de atendimento e pleno desenvolvimento de seus potenciais,

destacamos algumas questões importantes:

1- Ruptura com mito da genialidade: é urgente o combate a perspectiva que associa alto-

habilidosos e gênios, sem a superação desta ideia, alunos com altas habilidades não

terão, praticamente, nenhuma chance de receberem atenção em suas escolas.

2- Tratamento do tema, a partir de uma perspectiva que envolva a escola como um todo:

se o debate sobre altas habilidades/superdotação não se desenvolver, de modo a

contemplar a escola como um todo, refletindo sobre fatores amplos da realidade escolar,

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como: indisciplina, currículo, formação docente, fracasso escolar, relacionando-se com

tais questões, as altas habilidades/superdotação tendem a seguir orbitando entre os

temas urgentes da realidade educacional e sendo compreendida como questão de mero

exotismo e perspectivas elitistas.

3- Mudanças estruturais e organizativas: Ainda que,óbvio, este é um fator que precisa ser

considerado, caso se deseje, realmente, atender os alto-habilidosos e a todos os

estudantes. A menos que hajam profundas mudanças nas condições estruturais de

trabalho dos profissionais da educação, como número de alunos por sala, apoio com

relação ao fracasso escolar, melhoria estrutural como (a implantação de bibliotecas,

laboratórios, acesso a transporte escolar, complexos poliesportivos), formação docente

e, finalmente, o pagamento de salários que sejam capazes de atrair profissionais

talentosos, que consigam se dedicar em tempo e qualidade suficiente para o atendimento

e preparação de atividades para os estudantes alto-habilidosos ou não. Sem tais

mudanças, novamente, existem poucas chances reais de superação da invisibilidade.

4- O desenvolvimento e incentivo às produções: acadêmica, esportiva, artística, nacional

são fundamentais na ocorrência de mudanças, nas condições de produção econômica,

bem como, na abertura de postos e possibilidades, para que jovens talentosos vejam

sentido no desenvolvimento de suas potencialidades e encontrem condições objetivas

de estudar, treinar, desenvolver seu potencial.

Finalizando:

O debate sobre a invisibilidade das altas habilidades/superdotação e mesmo as

concepções sobre o potencial humano devem ser encaminhados, de modo que ideologias que

conferem aos indivíduos a responsabilidade pelos próprios talentos, e ao acaso/natureza o

resultado das grandes produções, contribuições artísticas e esportivas devem ser superados, para

que possamos compreender o papel do Estado, das condições econômicas, da distribuição do

capital econômico e cultural, no seio da sociedade e da própria estrutura produtiva da sociedade,

no desenvolvimento das altas capacidades e de indivíduos, altamente, capazes e criativos.

A análise do número de prêmios Nobel e medalhas olímpicas, por nações,é uma forma

de verificar e refletir sobre a produção de talentose sua relação com a presença de institutos,

universidades, orientadores, laboratórios, reconhecimento social, verbas e financiamento, na

produção destes. Vejamos as imagens a seguir:

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Figura 91: Número de prêmios Nobel distribuídos por área/país.

Figura 92: Quadro de medalhas distribuídos por modalidade/país.

As imagens não deixam dúvidas quanto ao papel da estrutura de desenvolvimento de

talentos e produção acadêmica, atlética ou artística e os resultados, em alto nível, da produção

humana. Observar a íntima relação entre grande tradição de investimentos, posse de grande

estrutura de pesquisa e treinamento, contar com mestres e treinadores experientes e o

desenvolvimento de produção em alto nível e sua relação com o estágio de desenvolvimento

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econômico das nações, não pode nos deixar incertos em relação a invisibilidade das altas

habilidades/superdotação e a influência do Estado, bem como, o papel da estrutura social,

mesmo no desenvolvimento de talentos, indicando que o indivíduo é a menor das partes, neste

processo complexo, que envolve a produção de talentos, gênios e obras primas.

O dilema é que se já é raro e improvável que países com a estrutura social e econômica,

como a brasileira, efetivamente, desenvolvam seus indivíduos mais talentosos, em contextos,

como o atual (crise política e econômica), com a adoção de políticas de redução de

investimentos, em áreas como: a ciência, tecnologia, artes, esportes, educação tendem a retirar

os escassos recursos existentes de áreas consideradas isoladas e menos importantes, como as

AH/SD e, o que já era incipiente, torna-se quase nulo. Assim, a tendência aponta para a piora

das condições de trabalho e estrutura nas escolas, sendo inevitável o aumento da invisibilidade

das altas habilidades/superdotação, com o corte, por exemplo, de programas de

desenvolvimento e incentivo ao talento, com a redução no número de bolsas de estudos para

cursos de graduação e pós-graduação, ou mesmo intercâmbio no exterior.

Não bastasse isso, em momentos de redução de investimentos e da produção econômica

e aumento das desigualdades sociais, a estrutura do Estado tende a necessitar menos do

desenvolvimento de talentos, com redução da necessidade de cientistas, esportistas e artistas e

aumento das ideologias que justificam a reprodução, como meritocracia, dom e aptidão natural.

Em momentos como o atual, quando a estrutura capitalista pode prescindir da produção

de talentos em larga escala138 e atua com o corte de orçamentos e demissões nas universidades

privadas, fechamentos de museus e institutos de pesquisa, diminuição de investimentos em artes

e esportes, sucateamento de universidades públicas, não haveria a necessidade efetiva de

desenvolver e produzir talentos.

Fora isso, o atual estágio de desenvolvimento das relações de produção capitalista

garante que as grandes empresas disponham de modelos, técnicas e número de candidatos, em

quantidade suficiente, para suas buscas por talentos, por intermédio de seus departamentos

pessoais e headhunters. Para tanto, basta verificar a quantidade de fases, exigências e modelo

de seleção de trainees de grandes empresas, como: Microsoft, Apple, Google e de grandes

instituições industriais e financeiras, que notaremos que ao capital, ao menos na periferia do

138 Geralmente nos momentos de crises econômicas e retração da produção, ainda que o discurso seja exatamente

o oposto, com divulgação da necessidade de talentos e inovação, os quadros e históricos de cortes e redução dos

já exíguos orçamentos em ciência e tecnologia e cultura, por exemplo, dão informações incontestes de como

realmente se opera a racionalidade capitalista durante as crises. Como podemos verificar em publicações sobre o

tema na BBC Brasil de 11/06/2017: Cortes na ciência geram êxodo de cérebros, congelam pesquisas e vão punir

Brasil por décadas, diz presidente da academia. In: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40504128

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sistema, não há a necessidade de estímulo, desenvolvimento e produção de talentos, para além

do atual.

A simples reprodução da sociedade por meio da escola, com seus gargalos de seleção e

recrutamento aos modelos de escolarização longo e curto, dão conta do preenchimento por

talentos em vagas que, porventura, venham a ser necessários. Tal fato agrava-seem relação à

distância dos grandes centros de produção e distribuição de capital, que sempre garante que um

ou outro miraculado fure as barreiras de classe, gênero e etnia, de modo que a teoria da

meritocracia e da mobilidade social siga em voga.

Assim, fica uma pergunta e uma constatação final: como a classe trabalhadora pode

produzir seus intelectuais orgânicos, sem que os talentos da classe sejam identificados e

estimulados, no interior da rede pública de ensino? Não há esperança para as AH/SD, sem uma

concepção que se integre aos debates da escola e da educação, como um todo; sem este passo

o tema não passará de exotismo a divertir as massas e a grande mídia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GLOSSÁRIO:

Criança Prodígio: Criança que “caracteriza-se por um desenvolvimento excepcional nos seus

primeiros anos de vida” (Alencar, 2001).

Gênio: Atualmente, mediante estudos sobre as múltiplas inteligências, a genialidade tornou-se

de difícil mensuração. Contudo, uma definição simples acerca dos gênios pode ser entendida

como sendo os “indivíduos que deram contribuições originais e de grande valor para a

sociedade” (Alencar, 2001).

Inteligência: “conceito em mudança [...] considerada como um conjunto integrado de várias

capacidades cognitivas, sócio - emocionais, perceptuais, físicas, fisiológicas e até intuitivas,

funcionando em uma configuração maior, em harmonia com o quadro de referências e

posicionamento geral da pessoa” (Guenther, 2000).

Superdotado: “indivíduo que apresenta uma ou mais habilidades acima da média, somada à

motivação pela tarefa e à criatividade” (Renzulli, apud Alencar 2001). Outros termos

utilizados para superdotados citados pela autora: “mais capazes” (na Austrália e na

Inglaterra); “supernormal” (na China); “excepcional” (na Indonésia).

Savant: “caracteriza-se por uma habilidade superior em uma área específica ao mesmo tempo

em que apresenta um retardo pronunciado em uma ou mais áreas” (Alencar, 2001).