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GT 11- DIVERSIDADE, PRÁTICAS EDUCATIVAS E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO UNIVERSITÁRIOS SURDOS APRENDEM DIFERENTE DOS OUVINTES MEDEIROS, Maria Gorete de (UFCG) Universidade Federal de Campina Grande RESUMO Graças às políticas públicas relacionadas à Lei da Libras (Lei nº 10.436, de 24/04/2002; Decreto nº 5.626, de 22/12/2005) e ao ensino bilíngue, no Brasil a questão da inclusão escolar dos surdos tem sido mais discutida, pesquisada e estudada, nos níveis de Educação Infantil e Ensino Fundamental, do que na Educação Superior. Mesmo assim, ainda há carência de trabalhos científicos que se atenham às questões inerentes às atitudes metodológicas nas práticas de ensino aos surdos que estão inseridos nas escolas regulares, havendo quase omissão dessas atitudes em relação ao ensino inclusivo nas universidades. O Censo do Ensino Superior informa que de 2003 até 2009 houve um aumento de sete vezes o número de surdos presentes nas universidades brasileiras. Atualmente esse número já deve ter crescido bastante. Quando nas universidades se registra a presença de estudante surdo, é muito comum os docentes aplicarem, predominantemente, uma prática de ensino como se, além da distinção linguística, não houvesse nenhuma diferença entre o modo de aprender dos surdos em relação aos alunos ouvintes. O trabalho de pesquisa que ainda desenvolvo parte da constatação de que os universitários surdos aprendem de jeito diferente dos ouvintes. Constatado isto, ainda pretendo oferecer explicações relacionadas à necessidade dos docentes universitários desenvolverem prática de ensino que também considere as particularidades de modo de aprender do universitário surdo. O objetivo desta comunicação oral é esclarecer como os estudantes universitários surdos divergem dos ouvintes quanto à dinâmica dos esquemas cognitivos, utilizados nas situações de aprendizagem, de acordo com o Ciclo de Aprendizagem Experiencial (CAE). Sob as contribuições de autores como Bisol et al. (2010), Cerqueira (2000) e Kolb (1984), foi realizada a análise das respostas que vinte

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GT 11- DIVERSIDADE, PRÁTICAS EDUCATIVAS E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

UNIVERSITÁRIOS SURDOS APRENDEM DIFERENTE DOS OUVINTES

MEDEIROS, Maria Gorete de (UFCG)Universidade Federal de Campina Grande

RESUMO

Graças às políticas públicas relacionadas à Lei da Libras (Lei nº 10.436, de 24/04/2002; Decreto nº 5.626, de 22/12/2005) e ao ensino bilíngue, no Brasil a questão da inclusão escolar dos surdos tem sido mais discutida, pesquisada e estudada, nos níveis de Educação Infantil e Ensino Fundamental, do que na Educação Superior. Mesmo assim, ainda há carência de trabalhos científicos que se atenham às questões inerentes às atitudes metodológicas nas práticas de ensino aos surdos que estão inseridos nas escolas regulares, havendo quase omissão dessas atitudes em relação ao ensino inclusivo nas universidades. O Censo do Ensino Superior informa que de 2003 até 2009 houve um aumento de sete vezes o número de surdos presentes nas universidades brasileiras. Atualmente esse número já deve ter crescido bastante. Quando nas universidades se registra a presença de estudante surdo, é muito comum os docentes aplicarem, predominantemente, uma prática de ensino como se, além da distinção linguística, não houvesse nenhuma diferença entre o modo de aprender dos surdos em relação aos alunos ouvintes. O trabalho de pesquisa que ainda desenvolvo parte da constatação de que os universitários surdos aprendem de jeito diferente dos ouvintes. Constatado isto, ainda pretendo oferecer explicações relacionadas à necessidade dos docentes universitários desenvolverem prática de ensino que também considere as particularidades de modo de aprender do universitário surdo. O objetivo desta comunicação oral é esclarecer como os estudantes universitários surdos divergem dos ouvintes quanto à dinâmica dos esquemas cognitivos, utilizados nas situações de aprendizagem, de acordo com o Ciclo de Aprendizagem Experiencial (CAE). Sob as contribuições de autores como Bisol et al. (2010), Cerqueira (2000) e Kolb (1984), foi realizada a análise das respostas que vinte universitários surdos revelaram durante a aplicação (em Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS) do Teste do Inventário dos Estilos de Aprendizagem (IAE). Partindo da definição de estilos de aprendizagem que combinam a experiência concreta, observação reflexiva, conceitualização abstrata e a tomada de decisões, este instrumento foi criado por David Kolb para possibilitar que o universitário demonstre respostas que evidenciem qual seu estilo de aprendizagem prevalente, o mais ou menos prevalente e o menos prevalente nas situações de aprendizagem. No Brasil, já existem resultados desta pesquisa para universitários ouvintes (Cerqueira, Ibid), mas não existia para universitários surdos, o que caracteriza o resultado hora apresentado como inédito neste país. Este comprova que universitários surdos e ouvintes apresentam trilhas de aprendizagem diferenciadas, quanto à utilização dos esquemas cognitivos em situações de aprendizagem. Mediante isto, concluo que a prática de ensino a universitários surdos junto aos ouvintes precisa ser repensada, para que melhor se adeque ao ensino inclusivo nas universidades.

Palavras chave: Estilos de Aprendizagem, Universitários Surdos, Educação Inclusiva.

Page 2: 2016.cobesc.com.br2016.cobesc.com.br/.../2016/10/Artigo-Gorete-no-modelo.docx · Web viewA autora afirma que muitos acadêmicos habilidosos não puderam desenvolver potenciais que

1. INTRODUÇÃO

Em razão das políticas públicas relacionadas à Lei da Libras (Lei nº 10.436, de

24/04/2002; Decreto nº 5.626, de 22/12/2005) e ao reconhecimento linguístico da

importância do ensino bilíngue, no Brasil a inclusão escolar dos surdos tem sido mais

intensamente discutida, pesquisada e estudada considerando aspectos linguísticos, culturais e

pedagógicos mais relacionados aos níveis de ensino que correspondem à Educação Infantil e

ao Ensino Fundamental do que ao nível do Ensino Superior. Ainda assim, é notória a carência

de efetivações de trabalhos circunscritos às questões próprias das atitudes metodológicas nas

práticas de ensino aos surdos inseridos nas escolas regulares, havendo quase omissão dessas

atitudes em relação ao ensino inclusivo nas universidades.

Em relação à presença de estudantes surdos nos cursos universitários, o Censo do

Ensino Superior informa que no período de 2003 a 2009 foi detectado um aumento de sete

vezes o número de surdos presentes nas universidades brasileiras. Como estamos em 2016, é

estimável que atualmente esta perspectiva tenha aumentado consideravelmente.

Reflexões sobre a inclusão de universitários surdos, como as de Bisol et al. (2010),

informam que, quando há estudante surdo nas universidades, é muito comum o fato dos

docentes aplicarem, predominantemente, uma prática de ensino direcionada pela suposição de

que, além da distinção linguística, não há diferença entre o modo de aprender dos surdos em

relação ao modo como aprendem os universitários ouvintes.

Diante dessa realidade, a grande parte dos surdos que já passaram, ou ainda estão

passando, pela universidade é constituída por aqueles cuja identidade surda contém

características que, em alguns pontos, lhes tornam semelhantes aos ouvintes, tais sejam:

habilidade para realizar leitura labial; captação de algum som pelo uso de aparelhos auditivos;

capacidade de oralizar e de ler e de escrever em língua portuguesa de forma mais aproximada

à estrutura gramatical da língua oral.

Para esses, mesmo com muita dificuldade, a possibilidade de transpor as disciplinas é

maior do que para aqueles que apresentam características surdas mais genuínas. O olhar da

minha pesquisa volta-se mais para o surdo cujas características de identidade Surda (PERLIN,

2000) aproximam-se mais do jeito original de ser surdo, o que evidencia suas diferenças

profundas, em relação ao jeito de ser ouvinte, e faz notória a realidade de que o ensino

universitário precisa considerar as suas diferenças e a elas adaptar o ensino em função de,

Page 3: 2016.cobesc.com.br2016.cobesc.com.br/.../2016/10/Artigo-Gorete-no-modelo.docx · Web viewA autora afirma que muitos acadêmicos habilidosos não puderam desenvolver potenciais que

também, propiciar ao estudante surdo aprendizagens mais consistentes. Entendo que partindo

da realidade do sujeito originalmente Surdo os resultados da minha pesquisa também

beneficiarão aqueles cuja identidade surda lhes aproxima do jeito de ser do ouvinte.

Daqui para frente, sempre que for feita referência ao universitário surdo enquanto

objeto de investigação do meu trabalho o nome Surdo estará escrito com letra inicial

maiúscula. Esta denominação foi estabelecida pela fonoaudióloga e pesquisadora Maria

Cecília de Moura e revela o sentido de que esse sujeito não somente é referido pela sua

deficiência em relação à capacidade de ouvir, mas, também, pela sua particularidade de falar

com as mãos e ter experiência visual como meio de conhecer o mundo, possibilitando-lhe

cultura própria.

Antes de ressaltar a necessidade de ajustes no ensino universitário, para que também

considere o modo como aprende o Surdo, o trabalho de pesquisa que ainda desenvolvo parte

da constatação de que os universitários Surdos aprendem diferente dos ouvintes. Seus

resultados finais propiciarão benefícios aos professores universitários e aos universitários

Surdos, pois, se àqueles ofertam esclarecimentos propensos à aplicação de ensino adequado

ao jeito dos Surdos aprenderem, indiretamente a estes podem ocasionar melhor aprendizagem,

na medida em que aqueles investirão em iniciativas que redundem na melhor adequação do

ensino aos esquemas utilizados pelos alunos Surdos, nas suas experiências de aprendizagens.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 No âmbito da prática do ensino universitário

Confirmando as informações ofertadas por Bisol et al. (2010) com depoimentos de

universitários Surdos com os quais interagi até agora, afirmo que a academia é um contexto

escolar caracterizado por exigências de patamar muito superior ao das exigências conhecidas

pelo alunado Surdo nos níveis anteriores de ensino e na escola especial para surdos. Isto

acontece não somente porque esse contexto reflete um nível de ensino que contém dinâmicas

diferenciadas e requer maior atitude de iniciativa dos universitários, mas, essencialmente,

porque suas normas, princípios e características são pertencentes ao mundo dos ouvintes e

desconsideram a realidade sociocultural, política e pedagógica dos Surdos.

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Colegas de curso, do Surdo, e a grande maioria dos docentes são ouvintes e não

possuem esclarecimentos sobre as particularidades socioculturais nem educacionais dos

Surdos, razão pela qual durante as aulas tanto os colegas como os professores costumam

partilhar ideias que são de senso comum entre ouvintes; são ignorantes a respeito da Língua

de Sinais Brasileira (LIBRAS); esquivam-se dos estudantes Surdos porque com eles têm

dificuldades em estabelecer um relacionamento social e pedagógico que lhes possibilitem

satisfazer as necessidades de relacionamento e de aprendizagem que lhes são específicas.

Marschark et al. (2005, apud BISOL et al. 2010) assevera que o processo de inclusão

universitária ao sujeito Surdo presume que a estrutura discursiva e a informação transmitida

pelo professor, ouvinte, também precisam ser apropriadas para o conhecimento e os Estilos de

Aprendizagem (EAs, doravante) dos alunos Surdos, mesmo que dentre estes haja

heterogeneidade quanto às competências linguísticas necessárias à interpretação dos textos e

quanto ao nível de preparo para fazer um curso universitário.

Em relação aos ouvintes, Cerqueira (2000) conferiu que na prática de ensino

acadêmico há uma falta de reciprocidade entre modos de aprender e de ensinar. Também falta

oferta de uma diversidade de estratégias de ensino que possibilitem ao universitário alargar

suas próprias estratégias de aprendizagem. A autora afirma que muitos acadêmicos

habilidosos não puderam desenvolver potenciais que teriam sido aumentados caso essa

problemática não fosse tão forte no ensino universitário. Isto significa que, mediante a

massificação do ensinar, do que é ensinado e das didáticas utilizadas na academia, o empenho

da aprendizagem tende a acontecer de modo insatisfatório.

Referindo-se a Mizukami (1996 apud KURI, 2004), Pereira (2005) assevera que,

apesar de o modelo tradicional de ensino não dever ser desconsiderado por representar uma

aquisição do conhecimento, faz-se necessário se estabelecer novas metodologias que atendam

às preferências e necessidades dos alunos, criando as condições que estes precisam para

construir seu próprio conhecimento. Desta maneira o paradigma tradicional não é substituído,

mas é complementado por uma postura professoral na qual quem ensina passa a ser

“provedor” da informação e do conhecimento e passará ao papel de “facilitador” da aprendizagem, tornando-se o guia, o parceiro na busca de informação, aquele que incentiva a ativa participação do aluno, que cria condições de estimulá-lo [...] apresentando aos alunos as novas didáticas e maneiras para se aprender [...] o aluno,

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mantendo acesa a curiosidade de aprender mais e incrementar o desejo do conhecimento, sabendo a importância do porquê construir o conhecimento e, principalmente, manifestando entusiasmo para aprender a aprender (PEREIRA, 2005, p. 19).

Sob esse propósito, o conhecimento do EA do aluno pode ser condição relevante para

a definição de estratégias motivadoras de ensino aos alunos. Nessa situação Kuri (2004, p. 77

apud PEREIRA 2005, p. 21) propõe que “à medida que o professor toma consciência de que

cada estudante tem sua própria maneira de aprender e de se relacionar, passa a promover um

ensino orientado por esses parâmetros, utilizando estratégias que promovam um aprendizado

mais eficaz e duradouro”. Assim, a cada professor universitário cabe desenvolver a

consciência de que a sua própria prática e experiência deve ser fonte de inspiração para a

busca de alternativas que enriqueçam suas práticas de ensino em perspectiva de oportunizar

aprendizado cada vez mais consistente.

Considerando a educação universitária inclusiva às pessoas Surdas, é possível dizer

que neste caso existem peculiaridades que tornam essa problemática mais profunda em

“carências”, implicando em necessidades que, para serem satisfeitas, requerem da instituição

posturas radicais. Desta forma, o ensino universitário ao Surdo requer do docente algumas

posturas, decisões e determinações que lhe exigem mais esforço e investidas do que no caso

relacionado ao universitário ouvinte.

São muitas as questões que abarcam a performance acadêmica de universitários

Surdos e elas precisam ser expressivamente pesquisadas, pois mesmos nos países cujo

processo de inclusão se encontra em estágio mais avançado ainda há muito a se buscar em

termos de soluções. De acordo com Martins (2006 apud BISOL et al., 2010), as diretrizes

gerais relacionadas à diferença linguística e à oferta de subsídios metodológicos específicos

como materiais adequados, tecnologias de ensino e serviços de apoio individualizados têm

sido as questões mais enfocadas, mas existem outras que ainda precisam ser desbravadas.

2.2 Estilos de Aprendizagem

Estilos de Aprendizagem correspondem às diferentes maneiras pelas quais uma pessoa

percebe, processa, integra e recorda informações. Existem alunos que podem ser denominados

de sujeitos ativos na aprendizagem porque priorizam os EAs em que

Page 6: 2016.cobesc.com.br2016.cobesc.com.br/.../2016/10/Artigo-Gorete-no-modelo.docx · Web viewA autora afirma que muitos acadêmicos habilidosos não puderam desenvolver potenciais que

primeiro se envolvem totalmente na ação para depois pensar. Por outro lado, existem aqueles

que podem ser denominados de sujeitos teóricos porque percorrem o caminho inverso, na

medida em que, primeiro, se ligam às observações para pensarem de forma sequencial e

ordenada, na perspectiva de analisar e sintetizar a informação.

Dentre os modelos de EAs divulgados, considerei a teoria da aprendizagem

experiencial ou Ciclo de Aprendizagem Experiencial (CAE, doravante) do norte americano

David A. Kolb (nascido em 1939). Este estudioso é um teórico da educação cujos interesses e

publicações atribuem importância à aprendizagem experiencial, e é um dos autores mais

conhecidos e influentes da difusão dessa perspectiva teórica ou escola de aprendizagem.

Após muitos anos de pesquisa, David Kolb, inspirado nos trabalhos de Vygotsky, publica

em 1984 seu estudo sobre modelos de aprendizagem. Este trabalho fornece aos pesquisadores,

importante subsídio tanto para a compreensão como para a explicação do comportamento de

aprendizagem humana. Todo o trabalho de desenvolvimento de seus fundamentos teóricos está

relatado no livro “Experiencial Learning: experience as the source of development”,

publicado em 1984. Kolb utiliza a visão de três autores clássicos no campo da Educação (John

Dewey, Kurt Lewin e Jean Piaget) para ressaltar o crédito do seu argumento em relação à

ideia de que a teoria da aprendizagem experiencial concentra-se numa perspectiva integrada e

holística que combina a experiência, a percepção, a cognição e o comportamento.

De acordo com esse autor, o homem é capaz de aprender a partir de suas experiências.

Este modelo foi denominado de Aprendizagem Experiencial (AE, doravante). No entendimento

de Kolb, por estar inserido em um contexto cultural e mesmo integrado ao meio natural, o homem

pode se empenhar para buscar o aprendizado de algo que lhe faça sentido dentro de vivências já

realizadas. De acordo com Pimentel (2007) a premissa da AE é que todo desenvolvimento

futurológico decorre da aprendizagem atual e que o desenvolvimento já formado é indispensável

para o aprendizado. No entanto, é interessante ressaltar que nem toda experiência resulta em

aprendizado, uma vez que a aprendizagem é, sobretudo, mental. Isto significa que apropriar-se

dos saberes procedentes da experiência requer processos contínuos de ação e reflexão.

Quando a teoria kolbiana afirma que no processo de aprender o conhecimento é criado através

da transformação da experiência, também reconhece que o conhecimento é um processo de

transformação, sendo continuamente criado e recriado. Assim, a aprendizagem transforma a

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experiência tanto no seu caráter objetivo quanto no subjetivo. Isto implica dizer que para

compreendermos aprendizagem precisamos compreender a natureza do desenvolvimento, e vice-versa.

É a partir disto que a aprendizagem passa a ser compreendida como um processo social e a

interação entre os conhecimentos prévios, a trajetória e as circunstâncias do ambiente externo

adquirem importância na teoria da AE. Para Kolb, “o processo de aprendizagem advindo da

experiência determina e atualiza o desenvolvimento potencial”. Esta aprendizagem é um processo

social; portanto, o curso de desenvolvimento individual é determinado pelo sistema cultural e social de

conhecimento (Kolb, 1984, p. 133 apud ABREU, SANABIO e MENDONÇA, s/d, p. 10).

Kolb apresenta quatro tipos de EA que perfazem o CAE com quatro estágios. Mostra

que experiências concretas oferecem base para a ocorrência de reflexões e observações que

subsidiam a construção de conceitos abstratos. Por sua vez, estes geram novas implicações

para as ações que podem ser ativamente testadas para a criação de novas experiências.

Reportando-se a Batista e Silva (2010, p. 3) Abreu, Sanabio e Mendonça (2013) afirmam que este processo representa um círculo de aprendizagem ou espiral onde o aprendiz ‘toca todas as bases’, isto é, um círculo de experiência, reflexão, pensamento e atividade. Experiências concretas ou imediatas conduzem a observações e reflexões. Essas reflexões são então assimiladas (absorvidas e traduzidas) em conceitos abstratos com implicações para a ação, que a pessoa pode ativamente testar e com as quais experimentar o que, por sua vez, habilita a criação de novas experiências (Idem, p. 10).

Assim de acordo com Pimentel (2007), a Teoria do CAE de Kolb abrange um círculo

de quatro estágios que caracterizam o processo de AE, a saber: Experiência Concreta,

Observação Reflexiva; Conceitualização Abstrata e Experimentação Ativa (doravante, estas

serão referidas como EC, OR, CA e EA, respectivamente).

A EC abrange o contato direto com experiências e situações que trazem problemas para

serem solucionados. Neste estágio, as ações e os processos mentais anteriores são utilizados como

matéria prima para as aprendizagens seguintes. A OR relaciona-se ao olhar interior, à reflexão e à

meditação sobre situações vivenciadas e abrange a identificação de elementos, associações e

agrupamentos entre fatos. A CA engloba a comparação entre realidades semelhantes e a formação

de conceitos, abstração úteis para outros elementos da experiência. Caracteriza-se pelo

estabelecimento de sínteses, trocas de opiniões, onde um eixo comum de ideias é estabelecido. A

EA compreende um movimento externo da ação, corresponde à repercussão da aprendizagem,

gerando experiências inéditas. Por isto evolve a aplicação prática dos conhecimentos e processos

assimilados.

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Isoladamente, cada um desses quatro estágios não têm muito sentido para a

aprendizagem, mas combinando-se refletem os modos pelos quais as pessoas mobilizam seus

esquemas de aprendizagem. Assim, pela união das duas dimensões opostas, concreto/abstrato

e a do ativo/reflexivo, essas combinações estabelecem quatro modos de gerar conhecimentos,

a saber: pelo fazer (experiência); pelo observar e reflexionar (reflexão); pelo desenvolver de

conceito e generalizações teóricas (conceitualização) e pela experimentação ativa (aplicação).

Desta forma, como assevera Pimentel (2007), dispostas nas dimensões que

caracterizam como processamos e como sentimos a aprendizagem, essas combinações

determinam quatro EAs que definem se o sujeito prefere ter experiências concretas ou se

pensa e raciocina o objeto de pensamento; se prefere observar e reflexionar sobre a

informação ou utilizá-la de uma maneira rápida para poder compreendê-la.

Pela combinação dos quatro estágios (EC, OR, CA e EA) surgem os EAs

denominados de Divergente (EC+OR), Assimilador (CA+OR), Convergente (CA+EA) e

Acomodador (EC+EA). Considerando percepção e processamento (enquanto forma pela qual

fazemos as coisas), é possível afirmar que os alunos divergentes aprendem pelas experiências

concretas (sentindo e observando), os assimiladores pela observação reflexiva (pensando e

observando), os convergentes pela conceitualização abstrata (pensando e fazendo), os

acomodadores pela experiência ativa (sentindo e fazendo).

3 METODOLOGIA

Sujeito Surdo difere do ouvinte tanto porque não ouve como porque desenvolve

potencialidades psicoculturais próprias. Por isto também podem apresentar modos

diferenciados de aprender. Daí porque senti a necessidade de saber se, em relação aos

ouvintes, há, ou não, diferença na trilha de aprendizagem dos universitários surdos.

Na versão de LIBRAS, utilizei o Teste do Inventário dos Estilos de Aprendizagem

(IEA) de Kolb, que Cerqueira (2000) utilizou para detectar os EAs predominantes nos

universitários ouvintes. Apliquei este instrumento a vinte e dois (22) universitários Surdos,

sendo uma parte do Estado da Paraíba e outra do Estado de Pernambuco.

Partindo da definição de EA que combinam a experiência concreta, observação

reflexiva, conceitualização abstrata e a tomada de decisões, o IEA foi criado por David Kolb

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para possibilitar que o universitário demonstre respostas que evidenciem qual seu estilo de

aprendizagem prevalente, o mais ou menos prevalente e o menos prevalente nas situações de

aprendizagem. No Brasil, esses resultados não existiam para universitários Surdos, o que

caracteriza o resultado hora apresentado como inédito neste país.

4 ANÁLISE DE RESULTADOS

4.1 Como se diferenciam os modos de aprender dos universitários Surdos em relação aos

ouvintes

Seja o aprendiz criança, jovem ou adulto, a aprendizagem experiencial lhe é de suma

importância e serve a diversos tipos de aprendizes. Tanto é assim, que Kolb (1984) descreveu

os quatro tipos de aprendizes e como o CAE ajuda para que cada aluno possa participar de

uma aula no seu jeito mais adequado.

Tanto adultos quanto crianças possuem jeitos diferenciados de aprender. Enquanto

alguns integram os valores pessoais na aprendizagem e preferem saber quais os princípios que

estão por trás do que estão aprendendo, outros integram as próprias experiências na

aprendizagem e se interessam mais pela lógica que há por trás de uma ideia. Enquanto alguns

aprendizes associam rapidamente a teoria com a prática e gostam de resolver problemas,

outros sempre perguntam ‘E se?’ e preferem conectar conceitos com aplicações concretas.

Detectei que existe diferença entre o percurso que os universitários surdos os ouvintes

percorrem no CAE, de acordo com a prioridade revelada por estes dois grupos de estudantes.

Cerqueira (2000) revela qual é a trilha de aprendizagem preferencial dos universitários

ouvintes no Brasil. Na sua obra é evidente o fato de que o resultado da sua pesquisa foi o

mesmo alcançado por Kolb, na oportunidade em que este autor pesquisou a prioridade da

trilha de aprendizagem no CAE de vinte (20) universitários norte-americanos.

Explicando o funcionamento do CAE, com início pela EC, Pimentel (2007) diz que o

prosseguimento da trilha de aprendizagem avança através da observação, sobre as condições

da experiência, sua meta e as ações levantadas. Assim, inicialmente o exemplo proveniente da

experiência em ressalte é compreendido, favorecendo o exame e a seleção de ações aplicáveis

a circunstâncias parecidas, para antecipar novas experiências e imaginar ações admissíveis.

A trilha segue requerendo a descoberta de princípios gerais, sendo nesta etapa que são

Page 10: 2016.cobesc.com.br2016.cobesc.com.br/.../2016/10/Artigo-Gorete-no-modelo.docx · Web viewA autora afirma que muitos acadêmicos habilidosos não puderam desenvolver potenciais que

levantadas hipóteses explicativas, não somente pertinentes ao exemplo particular, mas de

caráter mais concludente, sendo proveitosas para novas situações de aprendizagem. A seguir,

os conhecimentos e desenvolvimento resultantes podem ser experimentados, pela experiência

ativa, sendo a partir daí que o ciclo se renova de modo ascendente e contínuo. Desta forma, o

CAE envolve primeiro sentir a experiência, depois observá-la reflexivamente, pensar seus

conceitos para fazer, aplicando-os em resoluções de problemas práticos.

Descrevendo como Surdos e ouvintes universitários diferem numa rodada inicial,

enquanto trilha de aprendizagem a ser percorrida no CAE, afirmo que no cumprimento da

etapa inicial deste Ciclo, a maioria dos universitários ouvintes prefere refletir para descobrir a

lógica que há por trás de uma ideia, a partir da pergunta “O quê?”, enquanto a maioria dos

Surdos prefere conectar rapidamente a teoria com a prática, especialmente em resoluções de

problemas, a partir da pergunta “Como?”. Na segunda etapa escolhida por cada desses grupos,

os ouvintes passam a integrar seus valores pessoais nas aprendizagens e preferem descobrir os

princípios que há por trás do que estão aprendendo, partindo da pergunta “Por quê?”. Já os

Surdos firmam conexão dos conceitos com aplicações concretas, a partir da pergunta “E se?”.

Na terceira etapa, os ouvintes dirigem-se para a que foi primeiramente escolhida pelos

Surdos, enquanto estes se dirigem para aquela que foi a segunda escolhida pelos ouvintes.

Como última etapa escolhida numa rodada, os ouvintes rumam para aquela que foi a segunda

escolhida pelos Surdos e estes rumam para a que primeiramente foi escolhida pelos ouvintes.

Nessas dinâmicas, ressalto algumas situações curiosas que me chamam a atenção.

A primeira delas corresponde à constatação de que, numa rodada de percurso pelas

etapas do CAE, a preferência inicial de aprendizagem dos universitários ouvintes e dos

Surdos revela que tanto um quanto o outro grupo partem da dimensão abstrata, migrando em

direção à dimensão concreta. Mesmo assim, fica explícita a diferença do caráter dessa

escolha, pois os ouvintes preferem refletir (OR) e os Surdos preferem fazer (EA), significando

que os ouvintes iniciam sua trilha de aprendizagem priorizando o raciocínio indutivo,

enquanto os Surdos priorizam a dedução pela aplicação prática das ideias.

A segunda situação corresponde à constatação de que em nenhum momento de uma

mesma rodada há coincidência na escolha de etapa pelos dois grupos; o comportamento

assimilador é prioritário para os ouvintes, este é o menos preferido para os Surdos. Por outro

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lado, o comportamento de aprendizagem menos preferido pelos ouvintes (acomodador) é o

segundo mais preferido pelos Surdos.

A terceira situação refere-se à firmeza na preferência dos universitários Surdos. Ao

partirem da dimensão abstrata, mas sob a perspectiva da prática, mantêm seu curso no CAE

cumprindo as duas etapas da dimensão concreta para, finalmente, encerrar a rodada do Ciclo

na dimensão abstrata, mas sob a perspectiva de estabelecer modelos teóricos através da

indução. Isto permite dizer que o universitário Surdo aprende melhor pelas estratégias que

ressaltam a dedução, enquanto o ouvinte aprende melhor pelas que ressaltam a indução.

A quarta situação que ressalto é aquela que caracteriza uma quebra no movimento

circular do CAE por parte dos universitários ouvintes. Ao vivenciarem o estilo convergente de

aprendizagem, estes voltam à dimensão abstrata para vivenciar o modo convergente de

aprender, rumando, novamente, para a dimensão concreta, culminando sua rodada no CAE

pela experiência do estilo acomodador de aprendizagem.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existindo diferença entre a trilha de aprendizagem dos universitários Surdos e a dos

ouvintes, evidencio que, dentre os demais aspectos que precisam ser considerados no processo

de inclusão do Surdo no contexto acadêmico, este é mais um aspecto a ser considerado pelo

docente universitário na perspectiva de adequar o modo como ensina à diversidade que marca

o Surdo, sendo que o desafio é ensinar a estudantes ouvintes e Surdos, juntos numa mesma

sala, de modo que ambos sejam satisfeitos nas diferentes trilhas de aprendizagem que

especificam suas preferências nos jeitos de aprender.

Isto significa dizer que, em havendo essa diferença, é incoerente o professor

universitário que tem aluno Surdo continuar a agir como se este fosse igual ao ouvinte,

precisando apenas de um bom intérprete para lhe assessorar. É por isto que é importante que

ao professor seja esclarecida a forma como o universitário Surdo aprende para que, a partir

desse conhecimento, ele desenvolva habilidades que o torne capaz de promover um ensino

lastreado nesse conhecimento, utilizando estratégias que também impulsionem o estudante

Surdo a um aprendizado mais eficaz.

Sob essa possibilidade, o meu trabalho científico segue seu rumo abrangendo a

Page 12: 2016.cobesc.com.br2016.cobesc.com.br/.../2016/10/Artigo-Gorete-no-modelo.docx · Web viewA autora afirma que muitos acadêmicos habilidosos não puderam desenvolver potenciais que

elaboração de explicações mais concisas sobre como o universitário Surdo aprende, ao tempo

em que sistematiza orientações interessantes sobre a forma como o docente, do ensino de

nível superior, pode encaminhar seu ensino de maneira que fomente aprendizagens de melhor

qualidade ao conjunto de alunos que abranja sujeitos Surdos e ouvintes numa mesma

disciplina acadêmica.

6 REFERÊNCIAS

ABREU, J. C. a. de, SANABIO, M. T. e MENDONÇA, R. R. s. de. A Aprendizagem Experiencial no Curso de Administração Pública PNAP/EAD: proposição de um Laboratório Aplicado de Administração Municipal (LAAM). In: Anais dos Colóquios Internacionais sobre Gestão Universitáia. XIII Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária nas Américas. 27, 28 e 29/11/2013 em Buenos Aires.

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VERSTEEG-VEDANA, Florentine e VERSTEEG-VEDANA, Henrique. Aprendizagem Experiencial – Por que é tão importante para adultos?. Manifesto 55: Lagoa da Conceição – Florianópolis – SC, (13/08/2016). Disponível em <https://manifesto55.com/aprendizagem-experiencial-por-que-e-tao-importante-para-adultos/ > (Acesso realizado em 20/09/216).