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A imprensa no jogo das representações: discursos sobre a mulher através da revista A
Pilhéria1
Camila Gallindo CORNÉLIO2
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE
Resumo
O objeto de investigação dessa pesquisa são as representações construídas em relação à
figura da mulher nos anos iniciais do século XX, analisadas a partir de discursos veiculados
nas edições da revista A Pilhéria que circularam em 1925, na cidade do Recife. Objetivou-
se refletir sobre os significados e as classificações atribuídas à mulher no intuito de
identificar que posições ocupavam no imaginário social recifense. Nesse sentido, foram
consideradas as práticas, os costumes, hábitos e comportamentos assumidos pela mulher,
que indicam outra forma de apresentar-se através da moda e uma penetração na esfera
pública devido à ultrapassagem do universo privado do lar. Apesar dessas modificações,
identifica-se a construção de representações conflituosas acerca da mulher, misto de
permanências e rupturas.
Palavras-chave: Representação da Mulher; Revista A Pilhéria; Recife.
Este artigo expõe os resultados do trabalho monográfico apresentado como requisito final à
obtenção do título de bacharel em História, pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), em 2014, onde procurou-se analisar as representações da mulher nos anos iniciais
do século XX, identificando os significados e as posições que tal categoria ocupava no
imaginário social da cidade do Recife. A fonte selecionada foi a revista A Pilhéria,
examinada através dos textos publicados em 1925, nos quais a mulher figurava como
personagem, e que foram tratados a partir dos sentidos engendrados pelos seus discursos. O
caminho percorrido para alcançar o objetivo de estudar a temática da representação da
mulher passou pela investigação dos espaços ocupados, os papeis desempenhados e os
costumes adotados pela mulher, bem como a atuação da imprensa enquanto (re)produtora
da realidade.
As representações são formas de conhecimento coletivamente elaboradas e
compartilhadas, que indicam o pensamento e valores de uma sociedade, sendo
contaminadas por ideologias, sensações e sentimentos, nem sempre geradoras de
1 Trabalho apresentado no GP Jornalismo Impresso do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento
componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Bacharel em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), licenciada e bacharel em História pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, email:
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atribuições positivas à sociedade e aos indivíduos que dela fazem parte (MEDITSCH,
1997)3. Nesse sentindo, parece haver uma relação dialética entre indivíduo e sociedade,
configurando-se as representações enquanto indicativo do conjunto de conceitos,
explicações e afirmações interindividuais. O cotidiano, as informações, os acontecimentos e
as pessoas entram no bojo do que se é representado. De forma geral, dizem respeito “aos
conhecimentos que acumulamos a partir de nossa experiência, das informações, saberes e
modelos de pensamento que recebemos e transmitimos pela tradição, pela educação e pela
comunicação social” (JODELET apud COSTA e ALMEIDA, 2013).
O jornalismo entra no âmbito da comunicação social. “Como produto social, o
jornalismo reproduz a sociedade em que está inserido, suas desigualdades e suas
contradições. Nenhum modo de conhecimento disponível está completamente imune a isto”
(MEDITSCH, 1997). A forma como tal conhecimento é reproduzido aponta para a
utilização de padrões pré-estabelecidos pelo senso comum, a repetição de ideias
generalizantes e a reprodução de padrões sociais. Abre-se caminho, assim, aos estereótipos
no discurso jornalístico, o que contribui para a deturpação da realidade e reafirmação de
rótulos associados a categorias sociais específicas.
A mulher, enquanto categoria social, inclui-se na lógica das representações, e,
dentro dessas, nas realizadas pelo jornalismo. Quando Simone de Beauvoir (1980), na
famosa introdução de O Segundo Sexo, fala que se subtende ao emprego das palavras
“feminino” e “mulher”, o “[...] estado atual da educação e dos costumes” (p. 7), quer dizer
que a forma como essas categorias são apreendidas na sociedade relaciona-se a um dado
contexto. Considera-as, portanto, em sua historicidade ao invés de acreditar em uma
essência imutável. Assim, mobilizam-se, ao mesmo tempo em que são criados, conceitos e
ideias entrecruzados por jogos de poder.
Dentro do contexto englobado por esse trabalho, os anos iniciais do século XX, a
mulher entra em um período transicional. Aos papeis tradicionais e lugares-comuns
designados ao feminino, somam-se, articulam-se e opõem-se novas práticas e sociabilidades
que lhe põe em evidência. Fosse através da moda, com o uso de vestidos mais curtos,
maquiagem e os cabelos cortados no estilo à la garçonne, ou desempenhando atividades
tais quais fumar, fazer compras sozinhas, dirigir automóveis e ir ao cinema, a vida das
mulheres parecia mudar. A configuração dessa situação tem a ver com um escapar da esfera
privada doméstica, em contrapartida, a uma penetração na esfera pública oferecida pela
3 Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/meditsch-eduardo-jornalismo-conhecimento.pdf>. Acessado em:
22/08/2013.
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sociedade burguesa4, não significando a inércia da mulher em outras épocas, apenas que,
antes, a movimentação se dava de forma mais restrita e pré-determinada a cada um dos
sexos (BARROS, 2007). Fala-se da saída do lar para o ambiente da rua enquanto símbolo
das atribuições que a mulher assume e espaços que passa a ocupar, o que não ocorria,
somente, por motivos de diversão ou compras, mas também devido ao trabalho.
No Brasil, alguns limites eram impostos à entrada no mercado de trabalho das
moças das camadas médias e altas. Professora, datilógrafa, enfermeira,
telefonista, caixeiras de lojas, operárias de indústrias têxteis e alimentícias, eram
algumas das profissões permitidas às que procuravam o mercado de trabalho
(COUCEIRO, 2003, p. 170).
O fato de que haviam profissões permitidas implica a existência de empregos
adequados, ou não, à mulher (e, por outro lado, aos homens). Provavelmente, seriam os que
não afetassem a perda do que se entendia/atribuía como sua feminilidade. Assim, tal
deslocamento para a “rua”, como se percebe, precisa ser colocado entre aspas. Ele não vem
acompanhado de uma amenização das exigências morais, mas de um discurso machista,
defensor dos bons costumes, fortemente influenciado pelos princípios católico, jurídico e
médico, pois “[...] quanto mais ela escapa da esfera privada doméstica, tanto mais a
sociedade burguesa lança sobre seus ombros o anátema do pecado, o sentimento de culpa
diante o abandono do lar, dos filhos carentes, do marido extenuado pelas longas horas de
trabalho” (RAGO, 1993, p. 63 apud BURITI, 2004, p. 2).
O deslocamento na identidade do gênero feminino e a possibilidade, ainda que
rabiscada, de emancipação eram vistos com temor e espanto pelos mais resistentes às
mudanças que então eram engendradas. Dentre os discursos que intentavam reafirmar e
construir o estereótipo da mulher, está aquele que articula os caminhos da nação, a defesa
da família e o papel da mãe/esposa/filha. A relação é vista da seguinte forma: a mulher é
percebida enquanto base da família, a qual, por sua vez, é apreendida como fundamento da
nação. Tal correspondência é permeada pela ideia de honra, assimilada como “[...] uma
marca de superioridade moral e de civilização avançada” (BURITI, 2004, p. 3). A família
honrada, calcada na figura da mulher, representava o modelo básico do que deveria ser a
4 Na verdade, tanto os homens quanto as mulheres passaram a vivenciar o espaço público com mais intensidade. Tal
vivencia, entretanto, não se deu sem conflitos. A hierarquia social se mantinha, a rua não era de todos. Havia disputas pela
ocupação e uso do espaço público entre as camadas populares, a classe média e a elite. (COUCEIRO, 2003).
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sociedade brasileira e constituía-se como primordial na formação do caráter nacional
(COUTO, 1994)5.
As moléculas que formam uma pátria honrada são fabricadas no laboratório do
lar, sendo a mãe a principal bioquímica que, com as fórmulas do amor, da lúcia,
da submissão, construirá, junto ao marido, uma família e uma pátria
engrandecidas, honrada e cristã, impondo-se como superior às ‘mulheres da
rua’” (BURITI, 2004, p. 3).
Essa mulher, entretanto, não era “qualquer uma”, mas aquela devota, submissa a seu
papel de mãe e esposa exemplar, destituída de utilidade produtiva fora do lar e do
casamento, ordeira, recatada, casta, pudica, fiel. Também ela era circunscrita pela honra,
cuja presença ou ausência produzia dois modelos dicotômicos de mulher: a virtuosa e, sua
antítese, a maledicente, vulgar, louca, impura. Ainda segundo Buriti (2004), a desonra era
considerada um insulto a diversos poderes que visavam normatizar e controlar o
comportamento feminino: “[...] a) à autoridade paterna; b) às normas estabelecidas pelo
discurso católico quanto ao casamento e ao batizado; c) à reputação pública da família; d) a
sua própria integridade moral; e) ao patrimônio familiar; f) ao Estado” (p. 3).
Também não era a imagem da mulher pertencente à camada popular que estava
vinculada à nação, mas a da elite. Através da imprensa, aonde eram discutidas e veiculadas
as novas formas de ser e estar no mundo, tampouco, eram os hábitos da mulher pobre que
figuravam, “suas práticas cotidianas, longe de serem exaltadas por cronistas e colaboradores
dos jornais e revistas, foram relegadas aos fins de página e em letras pequenas. Um outro
mundo lhes era reservado. Mas isso é outra história” (BARROS, 2007, p. 20).
Entretanto, deve-se considerar que normas, valores, ideias e práticas se
movimentavam por entre diferentes redes sociais. O conteúdo propagado e construído pelos
meios de comunicação era colocado em circulação através do contato entre as distintas
camadas. As mulheres de classe média podiam ser compreendidas, segundo Barros (2007),
desempenhando o papel de “[...] multiplicadoras dos valores e ideias que lhes chegavam
através dos jornais e revistas” (p. 68), exercendo forte influência nas mulheres das camadas
populares. A questão de classe, contudo, não deve ser ignorada, posto que se relacione com
os modos de viver e perceber-se no mundo. “Dito de outra forma, os homens e as mulheres
das camadas populares apreendiam as diferenciações de gênero em outros espaços e por
outras pedagogias [...]” (ibidem, p. 20).
5 Disponível em: <http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/cp/arquivos/882.pdf>. Acessado em: 02/07/2014.
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Os lugares do feminino abordados nessa pesquisa são aqueles atribuídos à mulher da
classe média urbana, limitação imposta, de certa forma, pela fonte selecionada: A’Pilhéria,
entre outras produções do início do século 20, voltava-se para a divulgação do dia-a-dia
daquela classe (MEDEIROS, 2010)6. Fosse para exaltá-la, condená-la ou satirizá-la.
“Entende-se que os leitores e leitoras do semanário eram majoritariamente pertencentes às
classes médias urbanas, e ser da ‘Elite’, ou pelo menos, parecer ser dela, havia se tornado
desejo comum a muitos daquela época” (MELO, 2011, p. 401)7. Suas práticas são o
parâmetro para as representações e os discursos construídos e, portanto, para a análise aqui
empreendida.
Em conclusão, a introdução no mundo público, inicialmente, não se configura como
um indicativo de uma transformação no status de mulher aos olhos de seus
contemporâneos, “[...] pelo menos não nos de que se expressavam nas dezenas de revistas
que estavam circulando” (BARROS, 2007, p. 80). “Da casa para rua” tem mais a dizer
sobre outras formas pelas quais a mulher vai se percebendo no mundo e reconstruindo sua
subjetividade do que de um rearranjo nas relações de poder instituídas, que relegavam à ela
o papel de “mãe de família”, “dona de casa”, “sexo frágil”.
É necessário aqui pensar que as décadas iniciais do século XX não foram de um
progresso inquestionável para as mulheres em termos políticos, no entanto, por
estarem ultrapassando mais enfaticamente as soleiras das portas, causaram uma
impressão de invasão feminina aos olhos de homens e mulheres educados nas
famílias patriarcais. O discurso que vaticina uma quebra de fronteiras é, no nosso
entender, muito mais retórico e emblemático de uma perda de mando por parte
dos homens, e menos uma prática que estivesse acontecendo (ibidem, págs. 36-
37).
A visibilidade de comportamentos que fogem à norma através da imprensa e nos
espaços públicos, entretanto, pode ser apreendida como um esboço, intencional ou não, de
uma outra ideia de mulher e do feminino, que vai na direção contrária a essencialismos
redutores ou a discursos universalizantes que aprisionam – mulher e homem – a definições
homogeneizadoras; ignorando, portanto, a pluralidade do ser, a dinamicidade da vida e a
capacidade de reinvenção do humano.
Até aqui foram discutidas as práticas e costumes assumidos pela e atribuídos à
mulher nos anos iniciais do século XX. Doravante, discutir-se-á sobre a construção e
6 Disponível em: <http://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180302022010093/1609>. Acessado em:
03/07/2014.
7 Disponível em: <http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-content/uploads/2013/11/5Col-p.397-408.pdf>. Acessado
em: 03/07/2014.
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(re)apresentação da imagem da mulher pela imprensa, evidenciado-se os discursos
engendrados pela revista A Pilhéria.
A importância em refletir sobre tal questão reside no poder que jornais e revistas
possuem em propor imaginários8, os quais podem ser compartilhados por membros de uma
sociedade sem que haja, necessariamente, interação entre eles. Dentre outras hipóteses
possíveis para tal fato, está a função desempenhada pela imprensa de gerar quadros
culturais orientadores do imaginário de um grupo, “[...] veiculando significados simbólicos,
valores e aspirações sociais [...]” (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 32) que serão apropriados
pelo público leitor dos periódicos, mas também propagados através das redes sociais com as
quais este mantém relações. Subjaz aí uma ideia de circulação cultural. A imprensa não
opera, nessa direção, necessariamente como um espelho da sociedade, mas em seu processo
de construção, no sentido de que forja “[...] uma espécie de campo simbólico, dentro do
qual se moldaria uma certa identidade social [...]. Dá significado ao mundo. É disso que
realmente se trata; é para isso que, na sua pluralidade, concorrem as práticas discursivas”.
(TEIXEIRA, 1995, págs. 94-95).
As reflexões de Teixeira (1995) sobre os intelectuais e a modernidade nos anos 20,
apesar de não tratarem especificamente acerca da construção de uma imagem de mulher,
dão indícios para se pensar na imprensa como instituidora de representações sociais. Os
intelectuais, no início do século XX, eram figuras regulares na imprensa, empenhavam-se
em atender aos pedidos que faziam “[...] as revistas mundanas, os dirigentes e mandatários
políticos da oligarquia e que assumiam a forma de críticas, rodapés, crônicas, discursos,
elogios, artigos de fundo, editoriais” (MICELI, 2001 apud LUCA, 2008, p. 146). Nessa
época, o jornalismo conferia um status equivalente ao de escritor àqueles que o praticavam.
Assim, a imprensa, enquanto canal de escoamento das ideias dos intelectuais, e os
intelectuais, enquanto agentes da imprensa, associaram-se de forma a agendar a difusão de
opiniões, a propagação de atitudes e a construção de representações e estereótipos. A ideia
de agendar, no universo das teorias clássicas da comunicação, relaciona-se com os efeitos
exercidos pela imprensa em longo prazo, o que tem a ver com o poder desta sobre a opinião
pública (WOLF, 2003).
O agendamento é consideravelmente mais que a clássica asserção que as notícias
nos dizem sobre o que pensar. As notícias também nos dizem como pensar nisso.
Tanto a seleção de objetos que despertam a atenção como a seleção de
8 “[...] tem-se a noção de imaginário enquanto um conjunto de representações e historicamente construídas” (TEIXEIRA,
1995, p. 95).
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enquadramentos para pensar esses objetos são poderosos papéis do agendamento
(MCCOMBS & SHAW, 1993, p. 62 apud TRAQUINA, 2001, p. 33).
O fato de influenciar “como pensar” não significa que há um descolamento dos
intelectuais – “homens da imprensa” (TEIXEIRA, 1995) –, tampouco da própria imprensa,
de uma realidade concreta, com a qual se vinculam, identificam-se e são identificados
(PÉCAUT, 1990 apud TEXEIRA, 1995). Desse modo, as páginas das publicações, que
circulavam nos primórdios do século XX, são entrecortadas pela imprecisão peculiar
àqueles anos. Nelas se materializaram representações ambíguas sobre tradição e
modernidade, “mulher moderna” e “mulher tradicional”. No caso do presente estudo, trata-
se de analisar os discursos construídos pela revista A Pilhéria. “Isso porque a representação
do gênero é também sua construção e o discurso é um lócus privilegiado de disputa de
significados sociais, pois, nele estes significados podem ser revisados e subvertidos”
(BARROS, 2007).
A compreensão d’A Pilhéria como veículo significativo de representações sociais
passa pelo entendimento do surto das revistas ilustradas ou de variedades. Dentre as
diversas publicações que circulavam nos “tempos eufóricos”, essas revistas emergem como
“[...] principal produto da indústria cultural que então despontava” (LUCA, 2008, p. 121),
sendo sua proliferação impulsionada pelo desenvolvimento da impressão e reprodução. Elas
renovaram a forma em apresentar-se ao público através da inclusão de ilustrações,
fotografias e anúncios publicitários. Esses últimos tendo se convertido na sua principal
fonte de financiamento. Não só a estética era outra, mas o conteúdo diversificado dava
abertura para que fossem discutidos assuntos que iam desde casos policiais às últimas
fofocas da sociedade. O fato de relatarem acontecimentos ligados ao dia-a-dia dos leitores
em suas páginas, posicionou tais revistas em um horizonte de proximidade com o público,
“[...]diferente dos jornais, em que a primeira página trazia, invariavelmente, notícias de fora
do estado e do País” (MEDEIROS, 2010, p. 98).
As revistas ilustradas, novidade que se propagou e se impôs no início da centúria
passada, jogaram um papel fundamental não apenas na difusão de hábitos,
costumes, valores e sociabilidades urbanas [...], mas também na constituição da
visualidade e sensibilidade modernas, com suas páginas coloridas, tomadas por
fotos que tendiam a subordinar o texto [...] (LUCA, 2010, p. 8).
Dentre aquelas “[...] fundamentais para rotinizar o moderno e habituar o público às
novas exigências espaçotemporais [sic]” (ibidem, p. 9), encontra-se A Pilhéria: revista
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humorística de publicação semanal, que entra em circulação em três de setembro de 1921,
encerrando suas atividades em 19 de março de 1932, depois de 460 edições
(NACIMENTO, 1982). Comportava colunas e sessões, tais quais “O qui nós vê na capitá”,
“Bataclan”, “Perguntas Indiscretas”, “Crônica Social”, “Despachos”, “Vida Alheia”,
“Teatros e Desportos”, “Futilidades”, “Elegâncias”, “Mlle. Recife”, “De Monóculo”, entre
tantas outras que iam e vinham, sendo constantemente substituídas devido ao revezamento
dos colaboradores9, cuja quantidade era por vezes definida pela ampliação ou redução do
número de páginas.
Segundo Barros (2007), apesar de ser uma revista de variedades, conclamava
especialmente as mulheres a comprarem seus exemplares, política que funcionou, segundo
a autora, como aponta os quase dez anos ininterruptos nos quais foi veiculada. De forma
geral, o público-alvo era a classe média urbana, como já se procurou pontuar. Nessa
direção, sendo as representações “[...] determinadas pelos interesses de grupos que as
forjam” (CHARTIER, 2002, p. 17 apud MELO, 2011, p. 400) deve-se considerar, para a
análise dos textos do periódico, que os conhecimentos relativos ao objeto/sujeito da
representação – no caso dessa pesquisa, a mulher – vinculam-se com as perspectivas,
necessidades e valores do grupo social de onde emergem, estando aí inclusos não só os
produtores da mensagem (jornalistas, intelectuais), mas também aqueles para os quais ela se
direciona: os receptores. Isso por que eles não são passivamente influenciados pelo que
leem, se não chegam a pautar as notícias e o modo pelo qual serão veiculadas,
ressignificam-nas de acordo com seus repertórios pessoais e visões de mundo. As
representações, assim, são entrecortadas por múltiplas trajetórias de sentido. O que não
elimina o fato de serem elas “[...]construídas por meio de um discurso elaborado e exposto
a uma determinada sociedade por um grupo dominante” (MELO, 2011, p. 400).
Deve-se destacar o caráter humorístico d’A Pilhéria, que, como indica o próprio
nome, propõe-se a fazer graça, piada, zombaria, troça. Medeiros (2010) considera que o
humor é capaz de adquirir um duplo poder, pois, ao mesmo tempo em assume uma função
de controle, “[...] suaviza o conflito, amaina os ânimos e permite que se fale das coisas do
dia-a-dia com um distanciamento, como se tratássemos de um capítulo na vida de pessoas
distantes” (p. 100). Nesse sentido, o tom de anedótico, através do qual as coisas são ditas,
atenua ou disfarça o discurso humorístico enquanto produtor de significados, identidades,
representações, modelos. Afinal, sempre se pode dizer: “é só uma brincadeira”. Ainda cabe
9 Apesar do caráter intermitente das colunas, “[...] não faltava, jamais, a página ‘O qui nós vê na capitá’”
(NASCIMENTO, 1982, p. p. 128).
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sublinhar que não há tal coisa como uma ontologia do humor. Ele é um fenômeno cultural e
histórico, vincula-se a determinadas realidades e contextos e é dotado de uma significação
social (BREMMER, e ROODENBURG, 2000). Não se ri de algo quando não se entende a
mensagem.
Os discursos d’A Pilhéria localizam-se nesse universo de reflexões, os quais devem
ser levados em consideração para a realização das análises empreendidas. Finalmente, a
reflexão de Barros (2007) arremata as relações que se ensejou estabelecer entre o periódico
supracitado, o humor e a criação de representações.
Num tom jocoso e irônico, os colaboradores não perdiam oportunidade de
alfinetarem as transformações nas relações entre homens e mulheres e as
alterações na própria maneira de se vivenciar um e outro papel naquele período
de intensa remodelação urbana. Esta revista é um rico material para
acompanharmos as descrições das práticas femininas e masculinas na cidade e as
opiniões dos contemporâneos (p. 69).
As representações que figuravam nas páginas d’A Pilhéria, assim como em outras
tantas publicações que circulavam nos primórdios do século XX, não só refletiam as
transformações das práticas e dos papeis femininos, perpassadas por um movimento
conflituoso de permanências e rupturas, mas também eram geradas pela própria imprensa
através dos seus discursos e imagens. A análise dos discursos d’A Pilhéria pretende
entender quais eram as representações produzidas e reproduzidas sobre a mulher, partindo-
se do pressuposto de que não há tal coisa como uma “essência de mulher”, mas concepções
historicamente situadas.
Poder-se-ia dizer que as categorias de representação predominantemente
evidenciadas na revista constroem-se em torno das condutas desejáveis e admissíveis e
daquelas que não o são. Por sua vez subdivididas nos modos de se apresentar e nos papeis
assumidos, compreendidos através das relações com os espaços públicos e privados.
Certamente que não se configuram em categorias excludentes, nem carregam em si um
significado absoluto. Pelo contrário, interpolam-se e se sustentam umas nas outras, estando
todas elas perpassadas pelos sentidos e conflitos engendrados naquela época, materializados
nos modos de ser e agir perante no mundo.
O que se entende por “desejáveis e admissíveis” são aquelas condutas que estão na
ordem do dia de uma determinada sociedade, contextualizada no tempo e espaço. As que
não o são referem-se aos comportamentos estranhos e/ou perigosos. Na verdade, trata-se de
uma leitura de mundo tecida por alguém com poder para tal, não de uma verdade universal.
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A questão dos modos de se apresentar refere-se, principalmente, à moda: são
condenados os cabelos cortados à la garçonne e também os pintados de tinta loira
(oxigenados), o uso de maquiagem (batons vermelhos e lápis de olho) e de vestidos acima
do joelho, com ombros nus e tecidos transparentes, sendo a principal representação a da
melindrosa, personagem a quem se atribui o caráter de frívola, exibida, dissimulada,
maliciosa, perigosa, sedutora e, até mesmo, degenerada, imoral e pecadora; por sua vez,
aceitam-se vestimentas consideradas recatadas e que não indiquem um insinuar-se da
mulher, ou seja, que cubram e ocultem ao máximo o corpo feminino, desprovido de
sexualidade e cuja principal utilidade é a reprodução. Na verdade, as representações falam
de outra estética, mas não remodelam as formas de aceitar a feminilidade.
Chega-se, então, no ponto dos papeis assumidos: são, não só aceitos, mas exigidos
pela sociedade, o desempenho das funções de mãe, esposa, filha, as quais se vinculam com
a ideia de família e honra. Em oposição, têm-se aquelas mulheres que adentram no mundo
do trabalho e nos espaços de consumo capitalista. Elas próprias se tornam freguesas das
casas de chá, dos cinemas e teatros, das lojas de automóveis, indumentárias e cosméticos.
Nesse sentido, percebe-se a grande quantidade de publicidade veiculada n’A Pilhéria
voltada ao público feminino e responsável por grande parte do financiamento da revista. No
primeiro caso, o âmbito aonde as mulheres circulam é a esfera privada do lar, sendo tratadas
enquanto honradas, puras, prendadas. Essa é a representação naturalizada da figura da
mulher. Por outro lado, o segundo caso indica uma penetração no espaço público. A
ultrapassagem do cerco doméstico não quer dizer, necessariamente, um rearranjo nas
relações de poder instituídas, mas trazem em si a possibilidade de outra existência.
Essas representações parecem estruturar-se, predominantemente, de forma
dicotômica, apesar de entrecruzadas nos discursos analisados d’A Pilhéria. É inconcebível
uma mãe honrada ou boa esposa trajar um vestido curto, sair pela rua sozinha, dirigir seu
automóvel; dá-se permissividade as “vitalinas” de usarem maquiagem, mas não as moças
jovens; aceita-se o feminismo, resumido à luta por cargos públicos e o direito ao voto, pois
ele não atrapalharia o logro do casamento, já que os homens são necessários às mulheres e
por isso não seriam substituídos; associa-se a degeneração do século com os novos
costumes assumidos por ambos os sexos. Enfim, são múltiplas as representações possíveis,
a fonte investigada apontou para algumas possibilidades interpretativas, as quais,
certamente, não se encerram aqui.
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Outros tempos, novos olhares? Parece esse questionamento condicionar as reflexões
até realizadas. Nas páginas d’A Pilhéria materializaram-se representações ambíguas acerca
da imagem feminina. O despontar de outros hábitos, comportamentos e práticas, nos
primórdios do século XX, não implicaram, nem significaram, necessariamente, um
abrandamento da moral que circunscrevia a mulher. Pelo contrário, suscitaram sensações de
estranhamento e temor para alguns e algumas, sendo alvo de discursos normalizadores
calcados na ideia da preservação da família, da honra, da nação e da decência pública, tais
quais o religioso, o médico e o jurídico.
Contos, crônicas e poesias eram tomados de um saudosismo conservador atrelado a
um arquétipo ideal de mulher predominante em séculos anteriores, perpassados por um tom
condenatório dos novos costumes ou conferiam permissividade restrita a algumas
atividades. Estão em jogo as percepções e os significados socioculturais atribuídos a um
determinado objeto/sujeito da realidade através da produção e veiculação de representações
em sua referência, as quais podem materializar-se através da imprensa. Essas
representações dizem respeito, portanto, a (re)construção e o sentido dado ao mundo social,
atrelando-se a hierarquia de valores prevalentes na sociedade e nos grupos específicos com
os quais se vinculam. No caso desta pesquisa, trabalhou-se com as representações das
mulheres da classe média urbana, principais personagens femininas que figuravam nas
páginas d’A Pilhéria.
Os papeis e hábitos assumidos pela mulher, no início do século XX, são vivenciados
de forma difusa. Não obstante as mudanças no corpo feminino, sua presença cada vez mais
constante fora do âmbito doméstico e a visibilidade que ganha ao circular pelas ruas,
arquitetam-se discursos repressivos, que reafirmam lugares-comuns e as hierarquias
tradicionais de gênero instituídas, atribuindo às mulheres as funções que desempenham no
lar enquanto inerentes à sua natureza. Se não houve de fato uma quebra de fronteiras
naqueles anos iniciais do século XX, a (re)construção de subjetividades e dos modos de
perceber-se permitiram que fosse vislumbrada a possibilidade da criação e o
estabelecimento de outras relações no mundo, com as pessoas.
A melindrosa, a consumidora e a emancipada, a mãe de família e a esposa honrada,
fundamento da nação, são formas paradoxais de representar as mulheres, que se conectam
com os modos pelos quais elas se apresentam e/ou com as suas práticas. Não há um único
modelo, ecoam imagens difusas e dicotômicas que atribuem características positivadas a
algumas e classificam negativamente outras. O que está em jogo é a prática de nomeação,
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classificação, enquadramento posta em ação por esses e outros dizeres, que acaba por
aprisionar os seres em rótulos que não precisariam ser necessariamente excludentes entre si:
afinal, o que de fato impede uma mulher que gosta de ir ao cinema, frequentar casas de chá,
dirigir automóveis, passear pelas ruas, cortar os cabelos, pintar o rosto e trabalhar fora de
casa em ser uma mulher amável? A exclusão se dá porque “alguém” com poder de
enunciação assim o fez, criando universos e papéis femininos e universos e papéis
masculinos. A situação parece perseguir o gênero, perpetuando-se nos dias de hoje através
de formas por vezes imperceptíveis
A tentativa, aqui empreendida, de entender as representações produzidas vai na
direção de historicizá-las para que não sejam tomadas em essência, enquanto verdades
absolutas e imutáveis. Adversamente, revelaram-se em sua fluidez, atravessadas por
interesses que conferem à mulher múltiplos sentidos – os quais se ensejou investigar e os
quais se deseja desconstruir.
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