A Igreja e a Escravidão Dos Negros

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A Igreja e a escravidão dos negros – Cinco passos para detonar um professor mentiroso Por A Catequista em 03/08/2012 72 1585 Para-papa-papapa, papa-papá! Para-papa-papapa, papa-papá! Papará, papará, papara-pá… Tchibuuuuummm! Teremos agora o prazer de detonar as falácias de mais um professor de História vacilão e fanfarrão. A nossa leitora Lara nos enviou a seguinte mensagem: “Gente, amo os posts de vcs! Gostaria que vcs me esclarecessem sobre a seguinte frase de um prof de História da escola onde estudo: ‘A Igreja permitia a escravidão de negros, pois eles não tinham, na visão deles, alma. Porém não podia escravizar indígenas. E até tem uma Bula Papal sobre isso.’

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A Igreja e a escravidão dos negros – Cinco passos para

detonar um professor mentiroso

Por A Catequista em 03/08/2012

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Para-papa-papapa, papa-papá! Para-papa-papapa, papa-papá! Papará, papará, papara-pá… Tchibuuuuummm! Teremos agora o prazer de detonar as falácias de mais um

professor de História vacilão e fanfarrão.

A nossa leitora Lara nos enviou a seguinte mensagem:

“Gente, amo os posts de vcs! Gostaria que vcs me esclarecessem sobre a seguinte frase de um prof de História da escola onde estudo:

‘A Igreja permitia a escravidão de negros, pois eles não tinham, na visão deles, alma. Porém não podia escravizar indígenas. E até tem uma Bula Papal

sobre isso.’

“Tô até imaginando que seja a maior mentira, mas gostaria de saber mais sobre! Obg desde já!”

Lara, para deixar este professor de cara no chão na frente da turma inteira, há cinco passos, que detalhamos a seguir. Está pronta e animada? Será divertido e didático

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desmascará-lo e, acima de tudo, é uma grande caridade que você poderá fazer aos seus colegas. Afinal, só a verdade pode nos libertar.

Passo 1 – Peça que seu professor aponte o documento em que a Igreja afirmava que os negros não têm alma

Lara, peça que ele diga o nome da tal Bula Papal que diz que os negros não têm alma. É provável que o seu professor, muito levianamente, cite a bula Dum Diversas,

publicada em 1452 pelo Papa Nicolau V.

O Mercado de Escravos. Pintura de Jean Léone Gérôme, 1866. Um muçulmano verifica os dentes de uma mulher branca.

Antes de falarmos sobre o que diz este documento, imaginemos a seguinte situação: estamos na Idade Média. Os cristãos estão sendo atacados por

sarracenos (muçulmanos), que há tempos os matam, saqueiam seus bens e os escravizam. Durante as invasões, mulheres (inclusive crianças) são constantemente

estupradas; muitas são capturadas e vendidas para servirem como escravas sexuais nos haréns. E a situação tende a piorar, pois Constantinopla está sob ameaça de ataque.

Barra pesada, não?

Vale notar que este problema não era novo, nem pontual: há séculos os muçulmanos promoviam a caça e o tráfico de europeus. Tanto é que, 1198 (mais de 300 anos

antes da citada bula), São João da Mata fundou a Ordem dos Trinitários para libertar os prisioneiros e escravos cristãos do domínio dos sarracenos; alguns anos depois, São

Pedro Nolasco e São Raimundo de Penafort fundaram também a Ordem dos Mercedários, com o mesmo objetivo.

“O Islã pôs na escravidão mais de um milhão de europeus. Como muçulmanos não podem ser escravizados, era uma cristã branca que era a escrava sexual do sultão

turco.”

– Bill Warner, diretor do Centro para o Estudo do Islã Político (CSPI)

Entrevista à FrontPage Magazine, 5/02/2007

Diante dessa situação infernal, o que o líder deste povo deve fazer? Aqui se encaixa perfeitamente o conceito de “guerra justa” e o “direito de legítima defesa”,

citados no Catecismo da Igreja Católica. Por isso, o Papa autorizou o rei Afonso V de Portugal a prender os sarracenos, que constantemente atacavam e escravizavam os

cristãos na Europa:

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“(…) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar

os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão”.

Bula Dum Diversas

Então, os sarracenos e pagãos citados na bula não eram pessoas coitadinhas, que a Igreja “intolerante” mandou escravizar porque não aderiram à fé cristã. Sem o

conhecimento do contexto histórico, uma pessoa que leia este trecho da bula logo conclui que a Igreja era a vilã da história, quando, na verdade, era uma vítima acuada

tentando se defender.

Repare também, Lara, que esta bula se refere aos sarracenos (árabes), que não eram necessariamente negros. E não há nela qualquer vírgula que sugira, ainda que de leve, que qualquer indivíduo não tenha alma. Bem diferente disso, a bula deixava claro que era preciso promover a conversão dos sarracenos e pagãos escravizados. Acaso a

Igreja poderia desejar a conversão de um ser que não tem alma?

O mais triste é saber que a interpretação deturpada da Bula Dum Diversas é divulgada não só por professores mal-intencionados e pelos programas da rede Record, mas

também por gente católica. Fiquei muito surpresa ao me deparar com um artigo em um site de “Catequese Católica” defendendo essa calúnia: “Os mouros foram assim combatidos ao longo de toda a Idade Média. Eram chamados também de infiéis. Os

africanos assumem essa conformação e são vistos como escravos, assim como Cam”. Que tosqueira!

Ora, foram os mouros medievais que sempre perseguiram o povo católico! Toda vez que eles tomaram pau dos cristãos, na grande maioria das vezes, não receberam senão a justa resposta por sua violência. E a barbárie não terminou com o fim da Idade

Média: somente entre 1500 e 1800, os árabes capturaram mais de 1 milhão de escravos brancos. Estes dados são frutos de uma pesquisa recente do historiador Robert Davis, professor de história da Ohio State University.

Uma das vítimas dos muçulmanos foi São Vicente de Paulo: aos 25 anos, em 1605, ele foi capturado por piratas turcos, durante uma viagem de navio. Foi vendido como

escravo e trabalhou por dois anos na Tunísia. Por fim, teve a graça de ser libertado por seu senhor que, arrependido de ter abandonado um dia a fé católica, fugiu com ele para

a França.

Cristãos europeus condenados ao trabalho escravo nas galés de senhores árabes

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Para saber mais sobre os estudos do professor Robert Davis, acesse:

“África escravizou 1 milhão de brancos“, no site da Folha;

“New book reopens old arguments about slave raids on Europe”, jornal The Guardian (artigo original em inglês)

Passo 2 – Cite os documentos que evidenciam a posição da Igreja contra a escravidão

Pra variar, a história real, documentada, é bem diversa dos mitos espalhados nas salas de aula. A verdade é que, desde os primeiros séculos, a Igreja condenou a escravidão de

qualquer ser humano. Este ponto da doutrina não poderia jamais excluir os negros, já que existiam diversos homens negros de grande relevância desde as origens do

cristianismo, a exemplo de Simão, “o Negro”: nos Atos dos Apóstolos é considerado como profeta e doutor (Atos 13, 1).

Em 1537, o Papa Paulo III publicou uma bula condenando a escravidão não somente dos indígenas, mas de “todas as mais gentes”, mesmo os não-cristãos, ou seja, dos

negros também:

“(…) declaramos, que os ditos Índios, e todas as mais gentes que daqui em diante vierem à noticia dos Cristãos, ainda que estejam fora da Fé de Cristo, não estão

privados, nem devem sê-lo, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos à servidão.”

Bula Veritas Ipsa

Para aprofundar seus conhecimentos sobre a doutrina da Igreja em relação à escravidão (inclusive dos negros), recomendo a leitura destes artigos:

“A Igreja, o tráfico e a escravidão” , de Rafael Diehl

“A Igreja e a escravidão no Brasil” , de D. Estêvão Bettencourt

“Documentos Oficiais da Igreja contra a escravidão“, do blog Apologistas Católicos

Passo 3 – Aponte a delicada situação dos padres no Brasil colonial

É preciso esclarecer que, na época do Brasil-colônia, a Igreja estava sujeita ao poder da Coroa Portuguesa. Bem diferente do que muitos dizem, os padres não tinham

poder suficiente para fazer valer as determinações papais que pediam o fim do tráfico negreiro e da escravidão. Se saíssem por aí dando uma de “rebelados contra o sistema”,

metendo o dedo na cara dos senhores de escravos, certamente seriam expulsos da colônia.

Dentro desses limites, os sacerdotes ensinavam que os escravos não podiam ser maltratados, e insistiam especialmente para que viessem às missas e recebessem os

Sacramentos. Alguns mais ousados, como o Padre Antônio Vieira, condenavam publicamente a exploração de escravos negros (sermão XXVII).

Passo 4 – Pergunte como seria possível batizar e casar criaturas sem alma

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Batismo de um homem negro. Pintura de F. J. Stober, 1878.

Lara, peça para o seu professor explicar como os padres poderiam batizar, casar e dar a Comunhão aos negros (o que foi feito maciçamente, desde o início da vinda dos

escravos ao Brasil) e, ao mesmo tempo, afirmar que eles não tinham alma. Confuso, não?

É preciso que ele esclareça também como os negros, no período colonial, podem ter recebido a autorização da Igreja para fundar suas próprias irmandades e construir suas

próprias igrejas e capelas.

Passo 5 – Dê uma trollada no Iluminismo

Pra arrematar, Lara, dê uma alfinetada no Iluminismo que, certamente, é uma das bases intelectuais do seu professor. Pergunte se acaso ele não estaria confundindo a doutrina

da Santa Igreja com um dos seus prováveis mestres queridinhos: Voltaire. Ele, que publicamente defendia os direitos humanos, tinha uma boa vida à custa de altos lucros

com o tráfico de escravos negros, o qual financiava.

Ah! Dica final: lembre-se de levar uma máscara de gás, para não se intoxicar com a fumaça… o cérebro do seu professor corre o risco de fundir! Bem, pelo visto, não se

perderá grande coisa.

Negras novas a caminho da igreja para o batismo. Litografia Jean Baptiste Debret, 1834-1839.

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Casamento de negros de uma família rica. Desenho de Debret & Viscondessa de Portes e litografia de Thierry Frères, 1834-1839.

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