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UMA CRÔNICA OU A HISTÓRIA DAS SETE TRIBULAÇÕES DA ORDEM DOS FRADES MENORES ÃNGELO CLARENO

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UMA CRÔNICA

OU

A HISTÓRIA DAS

SETE

TRIBULAÇÕES

DA ORDEM

DOS

FRADES MENORES

ÃNGELO CLARENO

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Quatro notáveis pessoas escreveram vidas do pobre e

humilde homem de Deus, Francisco, fundador de três ordens.

Esses irmãos, notáveis por seu conhecimento e santidade, foram João e

Tomás de Celano, Irmão Boaventura, um ministro geral depois do bem-

aventurado Francisco e Irmão Leão, um homem de admirável simplicidade

e santidade e um companheiro do bem-aventurado Francisco. Qualquer um

que ler e estudar diligentemente essas quatro histórias e as coisas que eles

narram se tornarão, no mínimo em parte, cientes do chamado, da conduta,

da santidade, da inocência, da vida e a primeira e a última intenção do

seráfico homem. Eles conhecerão como Cristo o amou de um modo

singular e como se mostrou amavelmente e com familiaridade a ele,

purificando-o, iluminando-o e o informando. E eles saberão como Cristo

puxou Francisco para o próprio caminho de Cristo, de modo que Francisco

pudesse prosseguir nas pegadas da perfeição de Cristo. Cristo, aparecendo

a Francisco como alguém que tinha sido crucificado, transformou

completamente o seráfico homem de tal modo que desde então Francisco

não viveu mais para si, mas totalmente crucificado em Cristo.

Cristo era a essência de Francisco, a ação, os sentidos, a luz e a vida, estava

ardentemente gravado na memória do santo, no entendimento e no desejo.

Francisco estava unido a Cristo cruciformemente e implantado

secretamente em Cristo. Tudo o que Francisco foi, tudo o que ele queria,

pensava, falava, veio a ele de Cristo. Francisco preparou e

perseverantemente levou a cabo sua vida de acordo e por causa de Cristo,

com vigilância, humildade e santidade. Cristo Jesus o encontrou fiel,

obediente, agradecido, simples, íntegro e humilde segundo seu próprio

coração. Ele lhe revelou sua primeira e última perfeição, a vida evangélica

de sua mãe, de seus apóstolos e evangelistas. Ele abriu os ouvidos de

Francisco e o instruiu com uma sólida compreensão acerca das celestiais,

incorruptíveis e perfeitas operações. E Cristo se alojou no coração, na boca

e nos braços de Francisco.

E Cristo disse a ele:

Tome o livro da minha mão, a lei da graça, da humildade, da pobreza, da

piedade, do amor e da paz, a forma de viver a qual eu mantive com meus

discípulos, a regra que dá a vida imaculada e a plenitude da graça. Esse

livro providenciará um caminho certo para a alma alcançar e possuir a

glória, direcionando-a ativamente e inteligentemente e elevando-a as

alturas das coisas celestiais e divinas.

Eu dei a posse desse livro aos santos desde o começo e o mostrado como a

forma da perfeição. Depois de nascer nu, de uma maneira inefável da

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Virgem, fui envolvido nos panos da pobreza e colocado na manjedoura da

humildade, eu não quis ter um quarto na estalagem, de modo que eu

pudesse mostrar em mistério que a pobreza é o caminho certo para o reino

dos céus. Eu confirmei por obras e palavras que os humildes amantes e

servos da pobreza são os herdeiros e governantes daquele mesmo reino,

instituído por meu Pai da eternidade.

Eu enviei João Batista, um forte mensageiro, como Elias em espírito e

virtude, para ser o profeta do meu advento. Enviei João para preparar meu

caminho, fazer minha senda reta, pregar a penitência e dar o

conhecimento da salvação na remissão dos pecados por obras e pela

palavra. Enviei João a fim de que todos pudessem acreditar em mim

através dele e que todos que desejam vir depois de mim crendo, amando e

servindo o perfeito exemplo da minha pobre, misericordiosa e humilde

conduta e da minha diviníssima vida possam ter um piedoso e certíssimo

diretor, iniciador e patrono desde então e até mesmo até o fim do mundo.

Portanto, logo depois de ter sido batizado por esse mesmo João, fui levado

pelo Espírito Santo ao deserto, de modo que eu pudesse dar aquelas

pessoas que escolheram vir depois de mim um caminho fora das sombras

do erro e da condenação da eterna confusão e morte. Também pedi para

preparar para eles um caminho ao reino de Deus, depois de terem

renascido da água e do Espírito Santo. Em jejuns, vigílias e oração, eu

passei quarenta dias como um exemplo; ensinando por isto que a vida

inteira do batizado deveria ser consagrada inteiramente e perfeitamente ao

culto divino. E assim, ao me seguirem e pelo meu poder, meus seguidores

puderam vencer o príncipe da morte, o governante desse mundo de

sombras. Morrendo para o mundo e para tudo o que é do mundo, eles

puderam viver para Deus apenas, buscando e conhecendo aquelas coisas

que estão acima, não as coisas dessa terra.

Como um corredor levemente vestido, eu preguei a penitência e o reino dos

céus usando uma túnica e um manto desprezível, abrindo caminho o

caminho da vida aos meus discípulos, caminhando como um com eles sem

dinheiro, sapatos, bolsa ou alforje. Carecendo de abrigo, eu, que fiz os

céus, não tenho lugar onde reclinar minha cabeça, de modo que pude

mostrar aos meus imitadores que o mundo e todas as coisas que são do

mundo são para serem consideradas e rejeitadas como coisas gastas e

como estrume.

Passei noites em oração e vigília. Por dias nas sinagogas e no templo, eu

ensinei o ódio do desejo, da avareza, da hipocrisia, da mentira, do

orgulho, do mal e do mundo, a fim de que o povo pudesse reconhecer em

mim o messias prometido a seus pais, Deus encarnado, Emanuel e

pudessem receber-me para a sua salvação. Por meu próprio poder,

expulsei os demônios, purifiquei os leprosos, despertei os mortos, perdoei

os pecados e sarei a todos os fracos e os doentes.

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Aqueles que escolhi do mundo, os fiz desapegados do mundo pela graça,

pela minha palavra e pelo exemplo da minha pobreza, humildade e vida

celestial e “Eu não perdi ninguém dentre eles”, mas “eles permaneceram

comigo em minhas tentações” e eu os santifiquei. E, quando estava vivendo

no mundo, eu os recomendei ao meu Pai, porque eles eram meus e não do

mundo e, segundo o meu exemplo, eles estavam vencendo o mundo por um

caminho não mundano. E em toda a terra dos Judeus e Gentios eles foram

pregar o ódio e o desprezo do mundo por causa de meu nome e

confessaram minha fé e proclamaram a glória eterna e a honra do meu

reino, o qual não é desse mundo.

Eu confirmei o meu sermão em meu sangue, pela morte da cruz. Fui

pendurado nu, fora dos portões, entre dois ladrões, abandonado em

vergonha e no mais amargo, mais inumerável e imenso esforço, a fim de

que pelo preço do meu sangue e o poder de minha morte, eu pudesse remir

aqueles a quem o orgulho, as vaidades e as coisas carnais haviam

depravado e que haviam sido condenados a segunda morte. Fui

crucificado para que eu pudesse fazê-los os mais fervorosos amantes das

minhas tribulações, cruz e morte. Eu venci o mundo e o demônio quando

sacrifiquei minha alma para a honra e glória do Pai e para a salvação da

humanidade; assim aqueles a quem eu redimi puderam sacrificar suas

almas à honra e glória de meu nome. Eles puderam usar como seus

recursos minha cruz e morte, pelas quais o mundo, como príncipe da

morte, tem sido vencido e pelas quais a graça é possuída no presente e a

glória no futuro.

Eu os fiz parecidos comigo em minha morte e os uni por meio de minhas

dores e padecimento. Fiz isto de modo que eles pudessem entender o

caminho para dentro do livro da vida e de modo que eles pudessem

compreender naquele livro a porção inscrita do meu imenso amor. Esse

livro podia tornar-se para eles uma porta se abrindo para dentro do

esplendor de minha sabedoria, bem como uma chave que abrisse o oculto

clarão luminoso de minhas obras, palavras, ordens, conselhos, sinais e

promessas e a segura revelação de minha gloriosa beatitude. Por essa

revelação os filhos da luz e da minha graça são separados dos filhos das

sombras e do pecado, os cidadãos do reino, dos cidadãos da Babilônia e

do inferno.

Francisco, esse Benjamim, compreendeu e aceitou essas coisas que Cristo

disse, do mesmo modo que Paulo, o menor dos santos, as tinha recebido,

não dos homens nem por homens, mas através da revelação de Jesus Cristo.

Cristo apareceu para Francisco, habitou nele seraficamente e falou a ele

como se da cruz, comunicando a ele todas aquelas coisas que Francisco

escreveu na Regra, o Testamento e as Admoestações e o que Francisco

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pregava em abertos, breves e claros sermões e fiéis obras, e

completamente cumpridos.

Francisco tinha ficado tão ardentemente inflamado pelo fogo do Espírito

Santo desde que Cristo Jesus, sob o aspecto do Crucificado apareceu a ele

que, de acordo com o exemplo de Jesus Cristo, o Redentor, que tinha sido

pregado na cruz e morrido nu entre dois ladrões, Francisco firmemente se

propôs a que, nu e separado do mundo ele serviria a Cristo até a morte,

mesmo que todos o ignorassem como se lê no caso de Maria Madalena e

muitos outros santos. Francisco determinou oferecer a si mesmo para a

pregação da fé e como um testemunho de Jesus Cristo entre os Sarracenos

e outros infiéis , aceitando as duras penas do martírio. Convertido a Cristo

por sinceras orações e ardentes desejos, Francisco pediu com insistência

para ser iluminado e estar certificado pela direção de Cristo, de quem todo

o bem e todo o dom tem sido livremente dado e sem quem nada pode ser

feito que seja agradável a Deus.

Cristo Jesus, nosso Salvador, numa aparição a Francisco disse:

Francisco, me siga e te mantém fiel aos símbolos da minha vida, a pobreza

e a humildade. A meta de toda a minha promessa e a consumação da

minha graça e glória, é que você seja configurado e equiparado a mim

visivelmente, intelectualmente e efetivamente. Se você se mantiver fiel a

mim com todo o seu coração, com toda a sua alma, com toda a sua mente e

com toda a sua força, de modo que todo o seu pensamento possa estar em

mim e ao redor de mim e todas as suas palavras possam ser de mim, para

mim e na minha frente e todas as suas obras possam sempre ser feitas por

conta da honra e glória de meu nome, você será meu servo e eu estarei

com você. E falarei através de sua boca; todo aquele que escutá-lo,

escutará a mim; todo aquele que recebê-lo, receberá a mim; todo aquele

que abençoá-lo, abençoará a mim; e todo aquele que o amaldiçoar será

amaldiçoado.

De fato, você e todos os irmãos que eu lhe der, vivam como forasteiros e

peregrinos mortos para o mundo semelhantes a mim, devendo estabelecer

vocês mesmos, sua Regra e sua vida na pobreza e na nudez de minha cruz,

porque a substância transmissível de todas as minhas riquezas de graça e

glória foram edificadas e fundadas sobre a pobreza. Além disso, o infinito,

santificado deleite de todos os meus bens é possuído na verdadeira

extensão da minha humildade. A altura da humildade é imensa e nos

verdadeiros amantes e possuidores da minha pobreza e humildade, a

paixão por meu desejo e boa vontade é repouso e habitação.

Por isso, a congregação de sua irmandade será chamada a religião dos

menores, a fim de que do nome mesmo os irmãos possam entender que eles

mesmos devem ser em seus corações, mais humildes que qualquer um.

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Humildade é o pallium (manto) da minha honra e louvor e é o hábito,

vestido no qual, qualquer um que passar para o outro lado dessa vida,

encontrará os portões do meu reino abertos.

Eu pedi para o meu pai me dar nesta hora derradeira um tipo particular de

povo, isto é, pessoas pobres, humildes, gentis e pacíficas. Esse povo deve

ser em tudo como eu, em pobreza e humildade. Eles devem ficar satisfeitos

em ter somente a mim. Este será um povo no qual eu poderei repousar e

permanecer, exatamente como meu pai repousa e permanece em mim. Esse

povo deve descansar e se conservar em mim, exatamente como eu

permaneço no pai e me abrigo no seu espírito. E meu pai deu você, irmão

Francisco, para mim, junto com aquele povo que todo o coração, fé

genuína e perfeito amor, se manterão fiéis a mim através de você. E eu os

governarei e alimentarei. Eles serão meus filhos e eu serei o pai deles. E

“quem quer que receba você, receberá a mim”. Quem quer que persiga

você, perseguirá a mim. Meu juízo se erguerá contra qualquer um que o

perseguir e o desprezar, e minha benção permanecerá com qualquer um

que o receber e o abençoar.

Possa meu evangelho ser a sua regra e minha vida a sua vida. Deixe minha

cruz ser o seu descanso e meu amor sua vida. Possa minha morte ser sua

esperança e ressurreição. Possam os sarcasmos, blasfêmias e zombarias

feitos a mim serem suas honras, bênçãos e louvores. Possam a sua vida,

alegria e glória, ser para suportar a morte e os tormentos por mim.

Possam os seus dotes e suas riquezas ser para não ter nada sob o céu. .

Possam sua sublimidade, revigoramento e júbilo, ser par ser humilhado

por todos e em alegria ser afligido e desprezado por meu nome.

Os lugares onde, como forasteiros e peregrinos, os irmãos habitarem a fim

de adorar e louvar a mim devem ser vis, pobres, construídos de galhos

secos e barro, separados dos tumultos e vaidades do mundo e livre de

qualquer direito de propriedade. Como forasteiros e peregrinos deixe os

irmãos receberem esses lugares com obediência e livremente sob a boa

vontade dos bispos e clérigos. Deixe-os morarem nesses lugares somente o

tempo em que a sua residência lá seja agradável aos senhores dos lugares

e aos bispos. Deixe os irmãos sempre preparados para deixar livremente e

afavelmente aqueles lugares onde seus receptores os mandam abandonar.

Os irmãos serão parecidos comigo e em conformidade comigo quando,

atentos a minha adoração, eles habitarem em lugares como forasteiros,

pregando pelo exemplo e por ações meu nome. Os irmãos também serão

como eu quando, como estrangeiros e peregrinos, afastarem-se

bondosamente daquele que deu a eles a licença para habitarem em um

local. Eles demonstrarão mais perfeitamente por sua feliz e humilde

partida que eles mesmos não tem nada lá e não desejam possuir nada lá.

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Em seu Testamento, o qual ele ditou perto de sua morte,

Francisco disse que: Depois de o Senhor me dar irmãos e companheiros, ninguém me mostrou o

que eu deveria fazer, mas o Altíssimo revelou a mim que eu deveria viver

de acordo com a forma do santo evangelho. E eu em poucas e simples

palavras fiz esse escrito no papel e o senhor papa confirmou pra mim.

Francisco fez seu Testamento perto do fim de sua vida por conta da pura e

católica interpretação da vida evangélica. Em seu Testamento ele mostrou

ter recebido o começo, o desenvolvimento e o fim de sua conversão de

Jesus Cristo por revelação. Francisco, iluminado por Cristo, confessou que

mantinha fé e obediência à Igreja Romana. Ele tinha tal reverência por

todos os sacerdotes ordenados pela Igreja –por mais que muitos daqueles

sacerdotes pudessem ter pecado - que mesmo que ele, Francisco, tivesse

tanta sabedoria como Salomão, ele nunca pregaria nas paróquias nas quais

eles serviam sem seu consentimento ou salvo em obediência a eles. Ele

também disse que temia, amava e honrava os administradores dos

sacramentos da Igreja como seus senhores e que ele se sentia obrigado a

venerar e honrar sobretudo mais esses mesmos sacramentos e as palavras

divinas , bem como os professores e doutores da sagrada teologia. Por isto,

ele disse, nós partilhamos do ministério de espírito e vida deles. Francisco

ensinou seus irmãos a dizerem o ofício de acordo com o costume da Igreja

Romana. Ele também os ensinou que por conta da verdadeira observância

da pobreza, eles deveriam ficar contentes com uma única túnica,

remendada por dentro e por fora e que eles não deveriam querer nada

mais. De coração, eles deveriam estar sujeitos a todos, demonstrando pela

maneira de viver e pelo trabalho, a pequeneza de sua humildade,

trabalhando com suas mãos para dar um exemplo, mostrar amor à virtude,

repelir a ociosidade e obter as necessidades corporais para eles mesmos e

seus confrades evangelicamente. Francisco disse que quando o custo do

trabalho não for dado, os irmãos deveriam recorrer a mesa do Senhor e

solicitar esmolas de porta em porta, indicando que tal súplica demonstra

grande humildade, inefável dignidade e uma porção na mesa do rei da

glória.

O bem-aventurado Francisco aprendeu de Cristo que para os homens

evangélicos implorarem esmolas pelo amor do Senhor Deus era uma

grande dignidade e uma incomparável honra aos olhos de Deus e dos

homens, porque nada criado nos céus ou na terra pode ser comparado ao

amor de Deus. Todas as coisas as quais o pai celestial, por conta de seus

amados filhos, criou para o uso da humanidade depois da queda, tem sido

concedidas como esmolas para o digno e o indigno. A súplica era

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especialmente honrosa porque quando os filhos, os irmãos, pediam esmola

pelo amor do Senhor Deus, esmolas eram dadas por conta do amor de Jesus

Cristo, que tinha se feito pobre por nós, de modo que ele pudesse nos fazer

ricos em sua graça e pobreza no presente mundo e pudesse nos fazer santos

e abençoados pela sua glória no futuro. Portanto tais esmolas poderiam ser

chamadas de comida dos anjos antes que alimento do corpo.

De acordo com o que ele tinha recebido de Cristo, Francisco escreveu em

sua Regra:

Os irmãos não devem se apropriar de nada para eles mesmos, nem uma

casa, nem um lugar, nem nada; mas como peregrinos e forasteiros

servindo ao Senhor neste mundo em pobreza e humildade, eles devem sair

para esmolar com confiança. Eles não devem ficar envergonhados por

suas necessidades, porque o Senhor fez a si mesmo pobre neste mundo por

nós. Este é o peso da mais alta pobreza que fez de vocês meus mais

prezados irmãos, herdeiros e reis do reino dos céus, fez vocês pobres em

coisas e os exaltou em virtudes. Essa é a parte de vocês que os guia na

terra da vida. Aderindo completamente a tal pobreza, mais amados irmãos,

vocês não desejarão ter nada mais sob o céu em nome do Senhor Jesus

Cristo pela eternidade.

Portanto, Francisco ordenou firmemente e sem dúvida a todos os irmãos no

poder do espírito de Cristo, a fim de servir a perfeição da mais alta pobreza

evangélica, que Cristo tinha revelado a ele pura e inteiramente que:

Onde quer que os irmãos possam estar, eles não devem ousar pedir por

carta a Cúria romana diretamente ou através de um intermediário por

qualquer igreja ou lugar, nem sob a desculpa de pregação ou por

perseguição aos seus corpos. Mas onde quer que os irmãos não sejam

recebidos, eles devem fugir para outra terra a fim de fazer penitência com

a benção de Deus.

No fim, Francisco acrescentou que seu Testamento não era uma outra

Regra, mas uma exortação e recordação de seu primeiro e último objetivos

que haviam sido revelados a ele por Cristo. Francisco fez esse testamento

final para seus abençoados irmãos de modo que eles pudessem observar

mais catolicamente a Regra que ele tinha prometido ao Senhor. A Católica,

fiel e pura observância estava contida no sentido literal do Testamento e no

entendimento da Regra, os quais textos ele havia recebido de Cristo. Pelo

qual ele ordenou firmemente por obediência que na Regra e no Testamento

eles não deveriam por glosas, dizendo: “Assim isto deve ser entendido”.

Mas como o Senhor havia concedido a ele falar e escrever a Regra e o

Testamento pura e simplesmente, assim eles deveriam entendê-los pura e

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simplesmente, sem glosa, e servi-los pelo santo trabalho mesmo até a

morte.

Ninguém que possua a fé de Cristo e a verdade do amor, pode deixar de

reconhecer quão insensatos e quão impróprias são aquelas pessoas que tem

tentado enfraquecer São Francisco e tentado fazer com que Francisco ele

mesmo, sua Regra e seu Testamento sejam ineficazes, porque suas

declarações são contra Cristo, os apóstolos, os discípulos, os evangelistas,

os anacoretas, os cenobitas e os primeiros fundadores das igrejas e de todas

as ordens do perfeito e também contra a Igreja Romana mesmo.

Cristo era tão familiar a Francisco como um pai com seu amado filho.

Cristo falava a Francisco acerca dos misericordiosos propósitos de sua

vontade. Ele revelou informações úteis à época, bem como coisas que se

tornariam pertinentes e convenientes no futuro, especialmente a prevista

tribulação. Cristo esclareceu a preparação prévia necessária para alcançar

um estado de perfeição em contemplação até o fim através de Francisco, e

nele no céu da Igreja. Mas “os seus não o receberam”.

Seus companheiros, nomeadamente, Bernardo, Egídio, Ângelo, Masseo e

Irmão Leão, disseram que São Francisco uma vez falou com cinco deles em

segredo:

Irmãos, talvez eu seja o homem mais indigno e a menos virtuosa das

criaturas de Deus. Todavia, a fim de que vocês possam aumentar sua

reverência e fé em seu chamado e na prometida vida e regra que o Senhor

revelou a mim, vocês precisam saber que Cristo amavelmente e

familiarmente mostrou sua presença a mim. Especialmente, não obstante

muitas vezes eu clamasse a ele para o proveito da religião, ele me

satisfazia completa e claramente acerca de todas as coisas que eu lhe

perguntava. O Senhor mesmo disse-me em uma ocasião que extremamente

poucos dos santos, na verdade para muito poucos, ele deu tanto de sua

presença. Ele que por sua bondade e graça chamou-me só e revelou-se a

mim, também me disse que eu deveria solicitar a confirmação de sua

imaculada vida da igreja e do senhor papa. E Cristo predispôs o senhor

papa e seus irmãos, os senhores cardeais, favoravelmente e eles

entenderam que eu tinha sido enviado a eles pelo Senhor Jesus Cristo

mesmo. E o senhor papa concedeu a mim tudo o que solicitei.

Felizes são aqueles irmãos que desejam fiel e devotadamente viver de

acordo com seu chamado e que servem aquelas coisas as quais eles

prometeram ao Senhor pura e simplesmente até o fim, porque “deles é o

reino dos céus” de uma única forma. Infortúnio para aqueles irmãos que

usam sua própria inteligência para esvaziar o significado das coisas que o

Senhor se dignou revelar a mim para a glória de sua graça, para o uso

presente e futuro de toda a religião e para a salvação das almas e de todos

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os irmãos. Tais frades privam a si mesmos da graça, puxam outros para

longe da salvação e fazem a si mesmos devedores de mais agudos

sofrimentos do inferno.

Cristo não queria esconder de Francisco quais coisas eram boas e quais

eram más, quem não conseguiria e quem avançaria, os enganos e quedas,

os aborrecimentos e as tribulações, as batalhas e as revelações que viriam a

seguir e ocorrer na religião mesmo até o fim.

Depois essa miraculosa visão impactou cada coração individualmente,

enquanto Francisco estava fisicamente ausente dos irmãos, ele apareceu no

meio deles num carro de fogo. Então a consciência de cada irmão foi

exposta diante dos outros irmãos , como o santo homem, irmão João de

Celano escreveu em sua Legenda. Francisco, retornando aos irmãos, os

confortou primeiro a cerca da visão que tinha sido mostrada a eles do céu.

Em segundo lugar, Francisco, profetizando de forma ordenada as coisas

que iriam acontecer na religião, disse:

Não deixe que isso os faça desistir irmãos, que vocês são poucos em

número e ignorantes porque em breve muitos homens virão para essa

religião: eles incluem não só o ignorante, mas o sábio, o nobre, o rico e o

pobre. Não só os italianos virão, mas também franceses, espanhóis,

ingleses, irlandeses, alemães e pessoas de outras nações. Vejam!, eu posso

ouvir o som de seus pés em meus ouvidos.

Portanto, sejam agradecidos a Deus e com toda a força zelem para fazer

seu chamado e segura escolha na frente dele, com obras e santos desejos

ardentes. Deus, nesta última hora nos fez, que somos ignorantes,

desprezíveis e miseráveis, os fundadores de um humilde, empobrecido,

primeiro e último estado. Mas por causa disso devemos ser ainda mais

humildes e devemos trabalhar nossa salvação com temor e trêmulos e “dar

frutos dignos da penitência” diante de Deus, que nos chamou somente por

conta de sua bondade, para a meta celestial de sua vida.

E porque “muitos serão chamados , mas poucos serão escolhidos” mesmo

nessa religião, especialmente até o fim dos dias quando o tempo da

tribulação se aproximar, conheçam a verdade sobre os eventos futuros.

Por agora, no início da religião,o Altíssimo nos preencherá, quem já tem

experimentado os dons e as graças prevenientes, com a suavidade de sua

benção e os frutos do amor. E como pessoas que foram convidadas a sua

mesa, ele nos alimentará com o pão da vida e do entendimento; ele nos

dará alegria espiritual e felicidade para beber; e ele nos acalmará com o

inefável gosto de sua paz e sabedoria.

Mas o homem hostil tentará semear joio na religião. Muitos entrarão na

religião que começarão a viver não por Cristo, mas por eles mesmos e que

seguirão a prudência carnal mais do que a obediência à fé e a Regra. Eles

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darão muito para a carne e pouco para o espírito. Eles se justificarão

pelas fragilidades da natureza. E fechando os ouvidos de seus corações à

graça, eles se descuidarão de introduzir essa força para dentro deles

mesmos, com a qual eles poderiam se apoderar do Reino de Deus. Por

conta disso a religião será diminuída e declinará de sua perfeição e o

ardor do amor perfeito se tornará morno. Haverão alguns irmãos depois

de nós, que serão inocentes e que caminharão fielmente, mas eles serão

afligidos e oprimidos pelo pesar e a fadiga causados pela lembrança do

bom estado do começo e de como as coisas se tornaram diferentes. Então,

depois daquela má tribulação e infortúnio, a religião irá piorar e se

tornará mais amarga. Maus espíritos lutarão contra a religião e muitas

pessoas se erguerão contra isso. O número daqueles que viverão como

animais carnais na religião multiplicará e eles serão apanhados numa

armadilha e se tornarão prisioneiros dos deleites e cuidados da vida.

Eles se permitirão receber dinheiro, testamentos e até legados e

consequentemente descaradamente entrarão em litígio. Eles se afastarão

do amor a santa pobreza e humildade. Eles perseguirão e atormentarão

aqueles na religião que resistirão a eles. Por essa razão suas palavras e

obras tanto interna como externamente serão muito cruéis. Internamente

eles se distanciarão da pobreza, humildade e oração e se darão

ambiciosamente ao conhecimento e a erudição.

Eles preferirão as palavras do que as virtudes, o conhecimento do que a

santidade, a soberba e arrogância do que a humildade. Eles chamarão isso

uma obrigação para confundir e oprimir qualquer um que os censure ou

contradiga e pregarão que isto é justo para fazer guerra contra seus

críticos. Eles perturbarão os clérigos e declinarão de sua reverência por

eles em contradição a promessa dos irmãos de humildade. Eles

escandalizarão o leigo por sua cupidez pelas coisas. Eles vão servir de

exemplo por sua freqüente mudança de um lugar ao outro, por seu fausto e

curiosidade- originando edifícios e por sua leviandade e vaidade. E eles

morderão e devorarão uns aos outros. Eles aspirarão às dignidades

eclesiásticas e lutarão entre eles mesmos a cerca de quem deveria

aparecer e ser superior aos outros. Eles desprezarão como insanos aqueles

irmãos que desejam aderir à humildade e que se esforçam para conquistar

o céu pela pura observância de suas promessas. Eles olharão com

desprezo os santos irmãos como inúteis e como sem importância. Ao invés

disso eles louvarão aqueles que investigam sublimes mistérios e aqueles

que eles tem em alta conta e consideram como sábios e eles louvarão sua

prudência.

Como resultado sua conduta e vida parecerão extremamente amargas e

impermanentes aos olhos de todos. Eles perturbarão, perseguirão e

difamarão uns aos outros. O cheiro pestilento de sua conduta não será

capaz de ser escondido. Então a religião amada de Deus será tão difamada

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pelos maus exemplos que os bons irmãos ficarão envergonhados de

aparecer em público. Então todo homem mal atribuirá o mau cheiro de sua

malícia ao exemplo dos irmãos e começarão a se desculpar e diminuir seus

próprios crimes comparando com os atos dos irmãos, dizendo que “os

irmãos fazem coisas piores do que as que temos feito”.

Realmente, poucas pessoas se converterão sinceramente a Cristo e a

observância de seu chamado com as muitas tribulações e contradições. Os

noviços que entrarem na religião naquele tempo, vivendo sem qualquer

exemplo ou direção de seus superiores, ficarão estupefatos pelo que verão.

Seu entusiasmo pelos vivificantes desejos que procuram a vida eterna e por

obras que merecem graça secarão completamente e eles olharão para trás.

Alguns desses noviços, entretanto, clamarão em orações a Cristo e,

estando sem liderança dos mestres, eles serão precedidos por dádivas e

bênçãos da irresistível graça do Senhor e ascenderão as alturas da

suprema perfeição. No fim isto acontecerá àqueles maus irmãos como

geralmente acontece entre os pescadores que lançam uma rede no mar e

puxam um grande número de maus peixes entre os quais existem uns

poucos bons. O pescador arrastará a rede para a praia e procurará os

poucos peixes bons os quais eles porão em seus cestos jogando fora os

peixes maus na praia, onde os pássaros irão devorá-los.

Esse será o destino da religião no fim dos dias.

Uns poucos dias depois, quando o número de frades chegou a 12,

Cristo apareceu a Francisco e disse:

Escreva a vida que eu revelei a você e apresente isto ao meu vigário. Peça

a ele que confirme isto em meu nome para você e seus companheiros e

para todos que queiram assumi-la. Quem quer que receba isto

reverentemente e humildemente e observe com simplicidade e fielmente,

tomará parte no espírito da vida e será coberto pela luz do meu esplendor.

Quem quer que desdenhe disto será coberto pela escuridão das sombras.

Os falsos irmãos serão muito piores do que outros homens porque eles

terão caído de um estado tão sublime.

Porque as coisas que Francisco pediu pareciam excessivamente duras e

também impossíveis para o Supremo Pontífice, dado os fracos e mornos

homens daquele tempo, o papa exortou Francisco a assumir outra ordem ou

regra que já tinha sido aprovada. Mas Francisco, sabendo que tinha sido

enviado por Cristo para esta vida, permaneceu obstinado em seu pedido,

afirmando repetidamente que ele não podia pedir por qualquer outra vida.

Então o senhor cardeal João de São Paulo , bispo de Sabina e o senhor

cardeal Hugo, bispo de Óstia, foram movidos pelo espírito de Deus. Eles se

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levantaram logo depois de Francisco e apresentaram sensatos e

extremamente efetivos argumentos para a vida que Francisco solicitou na

frente do senhor papa e dos outros cardeais . Na noite seguinte o Supremo

Pontífice sonhou que um certo homem pobre , que em todos os aspectos era

parecido com São Francisco, usava seu ombro para manter erguida a igreja

do Latrão, a qual parecia estar se inclinando e ameaçando desabar. De fato

o homem com uma exibição de força reergueu a igreja. No dia seguinte São

Francisco, tendo sido instruído pelo espírito de Cristo, falou diante do papa

uma parábola a respeito de uma pobre e linda mulher que concebeu e deu à

luz filhos com grande semelhança ao rei. Ela os educou no deserto. Algum

tempo depois o rei, passando de novo pelo deserto, viu os filhos que ele

tinha gerado, os reconheceu como seus próprios e os trouxe para sua

própria mesa, fazendo deles seus herdeiros e co-governadores de seu reino.

O Supremo Pontífice, Inocêncio, entendeu que o que Francisco buscava

vinha de Cristo e não dos homens e, dando graças a Deus, ele concedeu

suas demandas. Por sua autoridade, ele fez Francisco e os irmãos

pregadores do evangelho e prometeu que no futuro, se eles fizerem novas

petições, ele lhes daria com liberalidade e com bondade.

Após a Regra ter sido confirmada, enquanto os irmãos estavam voltando

para Assis e a hora para a refeição tinha passado, os irmãos ficaram fracos

e exaustos pela dificuldade da viagem. Eles estavam numa área deserta,

longe de qualquer habitação humana, quando inesperadamente um belo

moço se juntou a eles no caminho e lhes ofereceu os pães que carregava.

Discutindo muitos temas com eles sobre a perfeição da vida evangélica de

Cristo, ele provocou neles um forte ardor de amor pela força de suas

palavras. Ele logo depois desapareceu, os deixando estupefatos pela

maravilha de suas palavras. Ele também os deixou incendiados pelo

vivificante amor de Cristo.

Todos os irmãos reconheceram igualmente que um anjo de Deus tinha

oferecido a eles os pães. Espiritualmente e fisicamente revigorados, eles

agradeceram grandemente a Deus por suas dádivas e por sua bondade.

Todos eles juntos dobraram seus joelhos em fervor espiritual e elevando

seus sentimentos e seus corações a Ele, prometeram e juraram nunca recuar

de sua promessa da santa pobreza por causa de qualquer necessidade ou por

causa de qualquer perseguição. Eles entenderam, pela providência de Deus

e pelas palavras do anjo, que Deus tinha maior cuidado pelos corpos e

almas de seus seguidores do que uma mãe por seus filhos. Realmente, Deus

tinha maior cuidado por eles do que tinha pelo céu e a terra. E, eles também

souberam, que é impossível á Deus não ouvir os votos dos pobres e não

realizar os santos desejos que ele mesmo somente havia inspirado. Deus

também disse: “Eu não os deixarei nem os abandonarei”. Ele também

disse: “Não tema, pequeno rebanho, porque agrada a meu Pai dar a vocês o

reino”. Quanto mais lhes daria as necessidades da vida?

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O próprio São Francisco disse que o onipotente Deus manifestou e mostrou

a si mesmo na fé e paciência dos santos, porque pela fé “fomos salvos”.

Francisco também disse que todas as obras feitas por Deus devem ser feitas

na fé e que “sem fé é impossível agradar a Deus” porque “quem hesita”

acerca da divina providência, de acordo com o que foi escrito: “é como

uma onda do mar que é movida e atirada de um lado para o outro pelo

vento. Tal homem não deveria pensar que ele possa receber qualquer coisa

de Deus porque semelhante alma é falsa e inconstante para seus atos.

Além disso, para uma pessoa que ama Deus e “que acredita que todas as

coisas são possíveis” todas as coisas, por mais amargas, serão doces e

suaves. Os apóstolos, mártires e os padres, nus, não viveram para si

mesmos, mas serviram a Deus fora do mundo pela fé e o amor de Cristo.

Tendo o exemplo de Cristo como testemunho, como uma nuvem de eterno

revigoramento diante de seus olhos, eles “circularam em peles de carneiro e

peles de cabra e sofreram penúria, aflições e provações dos quais o mundo

não era digno.

Todos os santos, na medida em que tenham sofrido tormentos, estão a salvo

justamente por esta medida quando eles chegam ao reino com a palma dos

mártires. Aqueles santos que participam do sofrimento de Cristo, que são

deixados no meio das tentações, das debilidades, das necessidades e da

perseguição dos demônios e dos homens e que são provados e testados

como se pelo fogo na estrada da tribulação, serão incluídos entre os santos

que reinam com Cristo no reino dos céus. As grandes e imensas dádivas do

espírito e as bondades do Senhor irão a nossa frente na hora em que nós

formos perseguidos e tentados, de modo que nós, provados pela paciência,

possamos vir a Cristo com a palma do martírio.

Devemos nos alegrar sempre que atrairmos sobre nós a escassez das coisas,

fraqueza e morte enquanto vivendo justamente em um santo caminho por

conta da observância da obediência, pobreza e castidade, “olhando em

direção a ele que, por causa da alegria que estava diante dele, sustentou a

cruz, desdenhando a vergonha”. Assim, aquelas pessoas que ganham uma

vitória sobre seus adversários se rejubilam e descobrem as coisas preciosas

que eles tem há muito tempo procurado e desejado. Tomando a pobreza,

cada um dos santos veste uma ajustada, bela e incorruptível roupa da glória

eterna. Esse mesmo santo é colocado na morada dos bons imortais, onde,

por causa da imitação e confissão da vida de Cristo, ele morre para os

vícios. Ele liberta a si mesmo dos desejos mundanos, de baixo para cima,

quem quer ser libertado do corpo e quer por meio de castigos e torturas

passar para Cristo, que deixou se perfurar com o sofrimento e a morte da

cruz por nós, quando éramos inimigos de Deus e servos do pecado, mais do

que tudo merecendo a morte eterna.

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Cristo Jesus realizou obras em seu servo Francisco parecidas com as que

ele fez em seus primeiros servos. E muitas pessoas afluíram juntas em

direção ao suave aroma da vida que Francisco e seus companheiros viviam

e essas mesmas pessoas foram levadas pelo poder do espírito de Cristo de

forma eficaz em direção aos amorosos e perfeitos atos celestiais.

No fervor do espírito de Cristo, eles pregaram o evangelho pelo exemplo e

pela palavra e converteram os corações daqueles que os viam. Cristo, por

meio de Francisco, realizou sinais e inumeráveis milagres diariamente em

ordem a confirmar a vida e o sermão dos irmãos. Tendo concebido o

espírito de Deus, eles desprezaram o mundo com suas concupiscências. E

vendendo, de acordo com o conselho de Cristo, tudo o que eles tinham e

distribuindo o lucro aos pobres, eles se uniram a pobreza de Cristo pelo

coração e pelo hábito.

Depois que o número de irmãos tinha multiplicado em pouco tempo, eles

foram colocados em distintas províncias Cristãs, submetidos a ministros e

custódios. Mas o esforço requerido para se tornar um discípulo de Cristo e

buscar aquelas coisas que são necessárias para tal profissão, não é pouca

coisa. Muitos começam a fazer o bem, mas poucos, contudo, perseveram

mesmo no objetivo da perfeição. É um dom de Deus mortificar os

sentidos, silenciar a língua e o coração de acordo com o conselho

evangélico, oferecer o corpo e a alma continuamente de um modo

cristiforme à Deus, dirigir e aperfeiçoar exterior e interiormente as obras de

acordo com a boa vontade do propósito de Deus e ter paciência nessas

coisas até o fim. Estes objetivos não são obtidos e cumpridos sem grande

agonia e, se posso falar desse modo, suor sangrento e participação nas

dores de Jesus na cruz.

Nossa fraqueza física é grande e todos nós retornamos facilmente aos

prazeres sensuais. Prudência carnal sob o manto da discrição parece o

impulso de um espírito violento que nos impele fortemente em direção aos

deleites físicos. Nem correntes de ferro nem gaiola de bronze podem

resistir ao nosso consentimento as primeiras de nossas fraquezas e nossa

busca pela segunda delas, a prudência mundana. O irmão que seguir

ambos, o caminho da fraqueza ou o impulso da prudência, não atingirá a

condição dos santos.

O primeiro homem concebeu o começo de sua ruína através dessas faltas,

tendo sido envolvido nos piores pecados, a saber, amor de si mesmo e

complacência. Alguns irmãos, sob aparência de discrição, começaram a

abrir seus olhos e aceitar como exemplo o modo de vida de outros

religiosos. Compreendendo entre eles que esses outros estilos de vida

eram mais seguros e mais úteis, os sugeriram aos mais simples frades. Os

falsos irmãos, não pesando o pecado de sua presunção, infidelidade e

desobediência, provaram coisas que eram contrárias a Cristo, ao fundador e

a prometida Regra, puxando outros irmãos depois deles pela palavra e obra.

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Esses atos chegaram aos ouvidos do pai deles, Francisco, que proferindo

duras reprimendas contra aqueles que estavam fazendo essas coisas, se

voltou a Cristo e suplicou que ele os orientasse.

E “eis que um anjo do Senhor apareceu a ele” enquanto Francisco orava. O

anjo era maravilhoso com respeito a sua forma e aparência. Sua cabeça era

de ouro, seus braços e peito de prata, seu estômago de bronze, suas pernas

de ferro, seus pés de terra e barro. Seus ombros estavam cobertos por um

reles e grosseiro pano. E o anjo indicou ao bem-aventurado Francisco que

ele, o anjo, tinha uma certa vergonha por conta de seu pano desprezível.

Vendo isso, Francisco ficou estupefato. E o anjo lhe disse:

Por que você ficou mudo de admiração? Essa forma, na qual fui enviado

para aparecer a você, significa o começo, o meio e o fim que sua religião

está prestes a experimentar até o tempo de vir à luz a reforma da vida de

Cristo e do estado eclesiástico.

Você e todos os seus companheiros que carregam Cristo e sua morte

inscritos em seus corações, que sinceramente desejam manter-se fiéis as

suas pegadas e não querem ter nada em perpetuidade sob o céu por conta

do seu amor a ele, são as cabeças de ouro. Mas como a prometida semente

de Abraão veio através de Isaac e não através de Ismael, assim a semente

de seu nome não virá através dos filhos da carne, mas através dos filhos do

espírito, do trabalho e da verdade.

Os irmãos levarão a estátua de ouro da vida de humildade e pobreza, a vida

na qual os irmãos não tem nada e não querem nada, buscando e amando

somente Cristo. Não fazendo caso da oração e devoção , eles voltarão

àquele conhecimento que infla e desejarão estudar e acumularão um grande

número de livros sob o pretexto de edificar seu próximo e de salvar almas.

E porque eles preferirão palavras a virtudes e conhecimento a santidade,

eles ficarão interiormente frios e vazios de amor. Assim o ouro se

transformará numa fria e porosa prata.

E vendo que os falsos irmãos falarão muitas coisas mas farão pouco, eles

começarão a solapar a fundação da humilde vida e de sua substância

básica, a saber, a fidelidade a pobreza. Tomando cuidados em atividades

que causam dissipação, aqueles irmãos converterão prata em bronze. Eles

não se preocuparão acerca dos bens anteriores, isto é, acerca do retorno ao

fervor pelos anseios celestiais, mas eles se fingirão religiosos, humildes e

extremamente santos, enquanto interiormente eles se vestem com

hipocrisia. Eles desejarão ser louvados e honrados, querendo ter reputação

e parecerem ser mais superiores e mais santos do que os outros enquanto

que na realidade não desejam tal santidade. Assim, os falsos irmãos

correrão para as piores coisas; e para seu grande detrimento, como maus

comerciantes, eles permutarão a prata da eloqüência e conhecimento, por

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uma falsa e hipócrita reprodução feita de bronze. Eles realizarão suas obras

na esperança de obter o louvor humano.

Mas seu engano e hipocrisia não permanecerão escondidos por muito

tempo. Quando os irmãos forem desmascarados, percebendo que eles estão

se tornando indignos aos olhos de seus louvadores e sabendo que dia a dia

sua imagem está deteriorando, eles ficarão raivosos e indignados por conta

de sua perda de reputação. Eles perseguirão aqueles que eles queriam tanto

satisfazer. Eles procurarão oportunidades para atormentar aqueles que

pararam de os reverenciar e elogiar. Desse modo eles transformarão seu

sonoro e avermelhado bronze, num sólido e duro ferro. E tendo sido

transformados em inflexíveis essências, eles ficarão ansiosos e ousados em

defender a si mesmos e rápidos em infringir maldades; mas eles ficarão

medrosos, fracos e extremamente impacientes em suportar as maldades

infringidas por outros.

E como você vê ferro misturado com terracota em meus pés, assim no final

os irmãos serão rápidos e cruéis em infringir maldades como o ferro e

impacientes e frágeis em tolerar os outros como terracota. E assim, aqueles

irmãos que eram considerados por estarem revestidos do mais puro ouro do

amor de Cristo no começo, serão considerados vasos de barro no fim dos

dias, quando a religião que você fundou der a luz.

O hábito de penitência, aliás, pelo qual estou coberto e por conta do qual

estou envergonhado, é a humildade e austeridade da pobreza, a qual os

irmãos prometeram ao Senhor que carregariam gloriosa e alegremente.

Mas depois de deixarem seu primeiro amor pelo qual estavam unidos a

Deus, eles pensavam que ter e servir a humilhação da humildade e pobreza

em tudo, seria uma antecipação da honra celestial e uma garantia da glória

eterna. Mas eles interiormente evitavam trazer os labores e inconvenientes

da pobreza, enquanto que exteriormente eles toleravam isto e verbalmente

transmitiam isto se ruborizando.

O anjo o deixou, depois de dizer essas coisas. Francisco, cheio de profundo

pesar sobre as coisas que tinha visto e ouvido, começou a lamentar

ansiosamente diante do Senhor. E Cristo apareceu a ele e disse:

Por que você está tão perturbado e triste, Francisco? Eu o chamei do

mundo, embora você fosse inculto, frágil e simples, de modo que eu

pudesse demonstrar em você minha sabedoria e virtude. E todo o bem será

atribuído a meu nome por causa das coisas que você iniciará e realizará

na igreja e na religião. Eu sou aquele que criou o homem e o tenho

livremente assumido, redimido, reparado e reconciliado. Eu tenho

chamado a penitência, orientado, protegido e zelado aqueles que eu elegi.

Ninguém pode desejar ou aperfeiçoar o bem sem mim. Eu mesmo chamei

você para fora do mundo enquanto você estava em pecado e eu iluminei

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você e o ensinei a levar o leve jugo da minha vida em cima de você e

carregá-lo humildemente. E eu mesmo protegerei e servirei você e todas as

coisas que fundei e implantei em você; eu edificarei o prostrado e

repararei o dilacerado. E substituirei os outros quando alguns tiverem

caído assim, de modo que farei alguns nascerem mesmo que eles não

tenham nascido. E mesmo que a sua religião diminua para apenas três

irmãos, ela permanecerá no mesmo lugar até o fim do mundo, por minha

dádiva.

A palavra de Deus não pereceu porque os Judeus não me receberam,

embora me perseguissem e matassem meus discípulos. Um remanescente

dos meus eleitos foi e será salvo e meu nome será louvado entre os gentios.

Portanto, o principal fruto realizado pela minha permissão e intenção, o

fruto o qual decretei ser criado por você nesta última hora, não será

impedido ou destruído por qualquer hostilidade humana ou satânica.

E o espírito de Francisco foi consolado pelas palavras de Cristo. E

Francisco cumpriu em si mesmo o que ele pregou aos irmãos e pelo

exemplo de seus feitos confirmou o que ele tinha ensinado com suas

palavras, de modo que os irmãos pudessem ficar indesculpáveis diante de

Deus. Francisco os entusiasmou a pura observância da Regra que o Senhor

havia revelado a ele. Diante dos seus olhos, Cristo multiplicou virtudes e

sinais através de Francisco, de modo que o Senhor pudesse aumentar neles

a fé interna e o amor por sua vida e a prometida Regra e consolidou neles a

aversão as coisas contrárias a sua vida e a Regra.

Enquanto Francisco estava na caverna de St.Urban chamada “Speco”, Jesus

Cristo enviou a ele um anjo com uma brilhante aparência. O anjo revelou

privilégios e graças especiais que tinham sido criadas para aqueles que

amavam e simplesmente serviam a Regra até o fim, os quais privilégios e

graças Deus tinha concedido nos céus. O anjo induziu Francisco a anunciar

aos irmãos a incomparável glória que Cristo tinha preparado no céu para

aqueles que cumprissem a vida e a Regra fielmente e devotadamente. Ele

também disse para Francisco descrever a feliz ascensão ao reino, uma

passagem sem qualquer impedimento e sem qualquer detenção nos castigos

do purgatório, onde os irmãos habitariam com os discípulos de Cristo em

resplandecentes e transparentes casas. O anjo instruiu Francisco a dizer que

os irmãos desfrutariam de uma notável defesa e proteção durante seu exílio

e peregrinação das perfídias dos demônios e da queda no pecado. Os

irmãos servindo a Regra pura e fielmente receberiam uma agradável e

“Cristiforme” morada de Cristo e seu espírito em suas almas e corpos.

Aqueles irmãos que ficaram na religião e vestiram o hábito da humildade e

da pobreza receberiam uma indulgência por todos os seus pecados de

comissão e de omissão, porque eles possuíam ambas as coisas em prova e

em verdade. Por isso, finalmente, eles encontrariam e receberiam seu fim

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misericordiosamente. Aqueles que mostram devoção aos servos de nossa

Regra e a religião, bem como aqueles que piedosamente acolheram os

irmãos e amavelmente os assistiram, receberão uma maior quantidade de

bens da graça , bem como proteção de seus inimigos e liberação de seus

pecados. No fim eles receberão misericórdia e o revigoramento do

descanso eterno, se ouvirem os irmãos e perseverarem na reverência e

afeição que eles começaram até o fim.

Aqueles que perseguem, lutam contra e odeiam os irmãos e sua religião, na

presente vida serão privados da graça, cegados em suas mentes,

embrulhados em seus pecados e receberão amargura em seus corações e

impiedade. Se eles não se arrependerem e recuperarem seu senso antes de

morrerem, a maldição de Cristo e a condenação eterna virão sobre eles.

Instruído, portanto, por Cristo e seu mensageiro celestial, Francisco, pelo

poder do Espírito Santo, anunciou aos irmãos a incomparável dignidade e a

misteriosa glória e sublimidade da imitação da humilde e pobre vida de

Cristo por meio de sinais e irresistíveis obras. Pela sua viva e poderosa

palavra, os irmãos foram incendiados com sentimentos virtuosos em

direção ao comportamento puro da vida que eles haviam aceitado e

confirmado em reverência à prometida Regra.

Além disso, Francisco compartilhou os segredos de seu coração e as coisas

que ele tinha recebido somente de Cristo com aqueles irmãos que ele sentia

serem mais perfeitos em amor. Ele disse que amor, junto com fidelidade e

completa observância da pobreza e humildade de Cristo, eram a fundação,

substância e raiz da vida evangélica e a Regra que Cristo tinha revelado a

ele. Jesus, o Filho de Deus, tinha consagrado essa vida, tendo nascido numa

gruta de uma pobre mãe, colocado numa manjedoura , coberto com fraldas,

porque não havia quarto na hospedaria. Ele foi circuncidado, ofertado,

levado em fuga para o Egito e então trazido de volta a Nazaré onde viveu.

Esse Jesus suplicou, jejuou, pregou, agonizou, foi enterrado num sepulcro

alheio e ergueu-se da morte no espaço de três dias. Imitação desse Jesus,

Francisco disse, era a raiz da obediência, a mãe da reverência, a morte da

egoísta satisfação consigo mesmo, da cupidez e da avareza. Isto era a fonte

da obediência e a operação da fé, a manifestação da esperança, a prova da

humildade e o progenitor da paz de Deus, a qual supera todo o

entendimento.

E Francisco disse aos irmãos:

Se a fundação da pobreza for retirada da religião, fui assegurado por

Cristo que a religião será indignamente e miseravelmente derrubada. A

religião inteira foi consagrada de um único modo para a manutenção da

humilde pobreza e o compromisso com as ordens de Cristo. Essa religião

foi escolhida de modo que pudesse espiritualmente conceber e dar a luz a

Jesus Cristo no estábulo da igreja no fim dos dias, como se fosse outra

Virgem Maria em espírito. Além disso, os irmãos são escolhidos de modo

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que ao promover, amar e servir a pobreza na terra, eles possam carregar

Jesus Cristo e seu espírito reverentemente e humildemente. E perseverando

até o fim, eles possam ir para longe para a vida segura e certa do reino

dos céus.

Por causa disso, Francisco queria que todos os irmãos tivessem e

soubessem a Regra e, o que é mais, serem obrigados a morrer com ela.

Obediente a esta admoestação, um santo irmão menor, que sempre

carregava uma couraça de couro junto a pele, foi sentenciado pelos

Sarracenos a execução por causa de sua pregação da fé e sua constância em

confessar a fé. Tendo nas mãos a Regra a qual ele sempre carregava e

levantando seus olhos e mãos com a Regra ao céu, ele disse: “Em suas

mãos Jesus Cristo, eu encomendo meu espírito. E se eu tiver pecado em

qualquer coisa contra essa Regra, como um homem, seja misericordioso

comigo, seu amante inteiramente”. E, depois de ter dito essas coisas, ele foi

decapitado e migrou para Cristo com a palma do martírio.

Francisco chamou sua Regra de árvore da vida, o fruto da sabedoria, a

fonte do paraíso, a arca da salvação, a escada que ascende ao céu, o pacto

de aliança eterna , o evangelho do reino e “a breve sentença que o Senhor

pronunciou na terra” com seus discípulos. Através dessa Regra Francisco

ensinou aos frades que eles podiam encontrar o verdadeiro descanso para

suas almas e corpos, experimentar a abençoada doçura do agradável fardo e

suave jugo de Cristo e encontrar um valor que pudesse levá-los aos céus.

Depois Francisco, na medida em que podia por palavras divinas e

exemplos, demonstrou, instruiu abundantemente, consolidou e confirmou

os irmãos na direção de venerar e pura e fielmente servir a vida da

prometida perfeição, Francisco, movido por vivo fervor daquele seráfico

amor pelo qual ele, posto em chamas, nasceu para Cristo, escolhendo

oferecer a si mesmo como um vivo sacrifício a Deus pelo fogo do martírio,

tentou três vezes fazer uma viagem às terras dos infiéis; mas a divina

providência proibiu duas vezes em ordem a testar a chama de seu ardor

mais plenamente.

Na terceira tentativa, depois que Francisco sofreu muitos opróbrios,

grilhões, açoites e padecimentos, ele foi conduzido ao Sultão da Babilônia

pela providência de Cristo. De pé na frente do Sultão, completamente

incendiado pelo Espírito Santo, ele pregou Cristo Jesus e a fidelidade de

seu evangelho com tal poder, vivacidade e eficácia, que o Sultão e todos

aqueles que estavam presentes ficaram atônitos. Por causa do poder das

palavras que Cristo falou através de Francisco, o Sultão, convertido em

brandura, contra o decreto de sua ímpia lei, de bom grado ouviu as palavras

de Francisco e logo convidou Francisco para permanecer em sua terra por

mais tempo. Finalmente, o Sultão determinou que Francisco e seus irmãos

podiam visitar o sepulcro de Cristo em Jerusalém sem pagar qualquer

tributo.

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A PRIMEIRA TRIBULAÇÃO

Enquanto o pastor Francisco estava longe no Egito, um lobo voraz

tentou saquear e dispersar seu rebanho e o portão foi aberto a ele por

aqueles ministros que deveriam fazer oposição a sua zombaria e que mais

que os outros se imaginava que resguardariam contra suas armadilhas.

Estes ministros que presidiam sobre os outros e pareciam ser mais

prudentes assim como mais experientes, confiaram na sua própria

presunção.

Escondendo a infidelidade morna do lobo debaixo do disfarce da discrição,

eles pregaram, sagazmente por palavras e ações, um diferente modo de vida

daquele que foi transmitido a eles do céu pelo pastor, justificando isso com

citações bíblicas e o exemplo de outros religiosos.

Eles não entenderam que confiando na prudência humana, a qual o

apóstolo chamou morte, eles cavaram para si mesmos um lago no qual

caíram e fabricaram um bezerro idólatra, depois de terem se retirado do

cume da perfeição a que eles tinham jurado.

Os ministros julgaram que seria impossível, perigoso e tolo imitar e

simplesmente e obedientemente seguir Cristo que tinha falado com eles em

Francisco e tinha aberto para eles os caminhos da vida.

Os filhos de Israel depois do êxodo do Egito e o cruzamento do Mar

Vermelho se tornaram incrédulos e complacentes sobre sua própria auto-

suficiência, abandonando como nada, tudo aquilo que eles experimentaram,

viram e ouviram, quando Deus falou com eles através de Moisés.

Similarmente, aqueles ministros, que tinham saído do mundo, renunciaram

sua própria vontade e assumiram a cruz da vida evangélica, pensaram que

era menos útil para eles e outros humildemente e obedientemente seguir

Cristo que estava pregando e atuando no homem enviado do céu,

Francisco. Então, os ministros pensaram conveniente, meritório e justo

arrastar com eles os freis que estavam caminhando pura e fielmente.

A audácia dos ministros presunçosos cresceu tanto que, enquanto

Francisco estava peregrinando pelas terras alem dos mares para visitar os

lugares santos, a fim de pregar a fé de Cristo para os infiéis e merecer uma

coroa de mártir, como eu disse, em muitas províncias eles trataram severa e

cruelmente aqueles frades que resistiram as suas tentativas e afirmações e

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que continuavam a seguir devotadamente as pegadas e ensinamentos do pai

deles. Os ministros não só impuseram injustas penitências, como também

expulsaram os freis de sua congregação e comunidade como se eles fossem

heréticos.

Por essa razão, os ministros recusaram receber muitos frades,

especialmente aqueles que eram ferventes em espírito, os julgando

desobedientes.Vários outros frades, avisados do furor, perambulavam pra lá

e pra cá, como ovelha que foi separada do rebanho. Lamentando a ausência

do seu santo pastor e diretor, eles rogaram em prantos ao Senhor com

orações contínuas para o seu retorno.

Deus no alto, ouvindo suas solicitações e votos e sendo

simpatizante das suas aflições, apareceu para São Francisco depois do

sermão que ele havia pregado ao sultão e sua corte dizendo:

Francisco, retorne, porque o rebanho de irmãos pobres que você tem

trazido unido em meu nome está tomando a estrada errada e necessitam sua

orientação para se unirem, fortalecerem e aumentarem. Já seus irmãos

começaram a deixar o caminho para a perfeição que você passou para eles

e estão perdendo o desejo ao amor, a humildade e a pobreza como também

o tipo de comportamento reto e inocência nos quais você os enraizou e

plantou.

Depois dessa visão e após visitar o sepulcro do Senhor em Jerusalém,

Francisco retornou imediatamente para as terras cristãs.

Encontrando seu rebanho, que ele havia deixado unido, dispersado como a

palavra do Senhor havia descrito, ele chamou seus irmãos para junto de si

procurando com muita dificuldade e lágrimas. Quando os irmãos

perseguidos ouviram falar do retorno de Francisco, eles se uniram depressa

a ele, motivados por forte desejo e imensa, sincera alegria; e dando graças à

Deus, lançaram-se aos seus pés e seguiram as pegadas de seu muito

desejado pastor. Ele exortou o fraco, consolou o afligido, corrigiu o

inquieto, apontou a culpa dos dispersadores e uniu dispersadores e

dispersados no amor.

Ele os inspirou e os inflamou por exortações e advertências, a observar a

Regra não só nos fáceis mas também nos casos difíceis e mesmo com

alegria suportar a morte por Cristo.Todos admiraram as palavras de graça

que fluíam de sua boca; e se maravilharam quando contemplaram a

perfeição de sua vida, a excelência de suas virtudes e os inumeráveis sinais

e milagres que o Senhor diariamente realizava através dele. E aqueles freis

que preferiram seu próprio senso de prudência não se atreveram

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abertamente a resistir as suas advertências e exortações ou responder aos

seus sermões com razões contrárias.

Então, todos mantiveram silêncio e aparentemente o seguiram e o

obedeceram com reverência. Alguns motivados por pureza de coração, boa

consciência e fé genuína, enquanto outros foram induzidos pela prudência

humana e a necessidade do voto do que por espontaneidade, temendo

incorrerem na infâmia dos homens e especialmente aos olhos dos prelados.

Dentro de si mesmos eles estavam determinados que quando viesse uma

oportunidade, eles regrariam a si mesmos e outros de acordo com seu

próprio plano e com seus seguidores, desdenhando da honra, santidade e

integridade. Eles seguiriam sua própria prudência e se afastariam da

intenção e boa vontade do seu fundador.

Eles temiam e se humilhavam na presença dele, exibindo externamente

excessiva familiaridade e devoção a ele nas suas palavras e ações. Neste

caminho, eles encobriam os conselhos de sua própria vontade debaixo da

santidade do manto dele.

Porque esses irmãos sabiam que o pai e senhor dos Cristãos, o Supremo

Pontífice, e seus irmãos, os senhores cardeais, reverenciavam Francisco,

singularmente o amando, perseguindo-o com favores generosos

considerando seus méritos e sua santidade e o venerando com sincera

afeição. Aderindo a ele em amor, reverência, fé e obediência, eles

desfrutavam de sua boa vontade e livre acesso, enquanto, se eles preferiam

o caminho contrário, desagrado e exclusão de sua intimidade seguiria.

O Senhor Cardeal, por causa de sua devoção, quis estar presente ao

capítulo geral que então era mantido cada ano em santa Maria da

Porciúncula ou Santa Maria dos Anjos. Os ministros e custódios bem

como irmão Elias e seus seguidores- a quem os ministros astutamente e

sagazmente ofereceram incentivos à descrença, irreverência e

desobediência contra o fundador- cautelosamente sugeriram ao Senhor

Cardeal que São Francisco, por causa de sua extraordinária pureza e

inocência, não queria se preocupar com os irmãos e dirigir aqueles assuntos

que eram convenientes e apropriados a religião. Além disso, eles

insinuaram que Francisco era incapaz de satisfazer e prover tal multidão de

irmãos convenientemente porque ele era iletrado. Em comparação, os

muitos irmãos que eram sábios e extremamente perfeitos em santidade e

vida honesta e conhecimento, mas a quem Francisco mantinha sobre sua

governança, eram hábeis a dirigir e ajudá-lo em muitos assuntos, enquanto

ele, Francisco, estava enfermo e fraco de corpo. Os ministros advertiram o

Senhor Cardeal que ele não deveria deixar Francisco saber que aquelas

palavras vinham deles. Mas o Senhor Cardeal haveria de recomendar

Francisco a discutir com seus irmãos a profissão que pertencia a religião e

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fazer uso dos conselhos deles e assistência, em ordem a prover uma mais

sólida e certa direção para toda a religião.

Aquelas palavras pareciam agradáveis, sensatas e muito oportunas para o

Senhor Cardeal. O Senhor Cardeal estava acostumado a discutir assuntos

espirituais frequentemente com São Francisco e após uma dessas

conversas, ele falou de improviso com ele para congratulá-lo dizendo:

-Você deveria se regozijar grandemente e agradecer imensamente a Deus,

irmão Francisco, porque Deus tem feito com que a religião se expanda e

tem dado a você muitos sábios e santos irmãos, que são hábeis não só para

regrar e governar sua religião somente, mas o igreja de Deus inteira.

Portanto, você deveria louvar a Deus grandemente por isso e você deveria

seguir o conselho deles e usar a prudência e a discrição de tais homens para

o bom governo, a continuidade e a solidez da religião inteira.

Através do Espírito de Deus, São Francisco entendeu o peso das palavras

do Senhor Cardeal e a fonte da qual elas vieram. Ele lhe disse: “Vem,

Senhor, para que eu possa falar aos irmãos em sua presença”.

O bem-aventurado Francisco falou estas palavras para os irmãos, enquanto

o Cardeal ouvia:

Cristo chamou a mim, uma ignorante e simples pessoa, a fim de que eu

seguisse a loucura de sua cruz. E ele me disse: “Eu quero que você seja

um novo louco no mundo e que pregue por obras e palavras, a loucura da

minha cruz. Meu desejo é que você e seus irmãos façam aquilo que vocês

podem ver em mim e juntem-se a mim, dispensando o exemplo das regras

de Agostinho, Bento e Bernardo. Mas vocês querem ir e me arrastar junto

de acordo com seu juízo e ciência; e a sua ciência finalmente confundirá

vocês”.

Francisco então se virou e falou para o Senhor Cardeal:

Meus sábios irmãos, a quem você elogia, pensam que podem enganar a

Deus, a você e a mim com sua prudência humana, quando enganam e

seduzem a si mesmos, opondo-se e atacando aquelas coisas que Cristo fala

e tem falado através de mim para eles para a salvação de suas almas e

para proveito de toda a religião. Eu tenho dito e nada digo de mim para

eles, exceto aquilo que tenho recebido dele em espírito por certeza se sua

graça e bondade somente. Mas esses irmãos, para grande perigo de suas

almas, preferem seu juízo do que o juízo de Cristo e sua vontade do que a

vontade de Deus. Eles regram mal a si mesmos e aos outros que acreditam

neles. Eles não edificam, mas tentam derrubar e destruir aquilo que Cristo

tem estabelecido e construído somente por sua bondade e amor em mim e

neles, para a segura salvação de nossas almas e a edificação da igreja

inteira.

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O coração do Senhor Cardeal foi mudado pela força e eficácia das palavras

de Francisco e ele soube que o que Francisco tinha dito era verdade.

Quando chamou os irmãos que o induziram a falar aquelas palavras para

São Francisco, ele lhes disse:

- Irmãos, ouçam-me e prestem atenção, de modo que vocês não possam

enganar a si mesmos e serem displicentes com a bondade de Deus, porque

Deus verdadeiramente está neste homem, e ambos Cristo e seu Espírito

falam por ele, e quem quer que o ouça , ouve não um homem, mas Deus.

Quem realmente o despreza, despreza a Deus, não um homem. Humilhem

seus corações e obedeçam-no, se vocês querem agradar a Deus e fazer

aquilo que é agradável a Cristo. Ofendendo-o e pensando e fazendo coisas

contrárias as suas ordens e conselhos, vocês privarão a si mesmos da

salvação e do fruto do seu chamado e baixarão o estado de sua religião,

encobrindo o coração dela e mostrando sua cobertura com as imperfeições

e sombras de vocês. “Em nome da palavra viva de Deus” que tem saído da

boca de Francisco “afiada como uma espada de dois gumes” segundo a

palavra do apóstolo. Esta palavra não pode ser enganada pela astúcia

humana, porque ela tem o espírito de Deus em si, a qual “escrutina lombos

e corações” e “igualmente a profundeza de Deus”.

Além disso, antes de sua partida, o Senhor Cardeal pregou a palavra de

Deus para toda a assembléia, para os irmãos que tinham vindo para o

capítulo em grande número, para o povo piedoso e para a população da

cidade de Assis. Por ser um homem de sabedoria, conduta e vida honesta,

depois de ter falado sabiamente, eficientemente e persuasivamente sobre a

instrução das almas e dos princípios morais, finalmente alterou sua

recomendação e louvor em um sermão, no comando dos irmãos. Exaltando

a vida e perfeição deles com muitos comentários elogiosos, o Senhor

Cardeal tentou atrair e inflamar por suas muitas exortações todo o povo que

estava presente a reverenciar e ter devoção pelos irmãos e sua sagrada

religião.

Depois do Senhor Cardeal ter terminado seu sermão, São Francisco

ajoelhou-se frente a ele e pediu permissão para falar algumas breves

palavras em sua presença para os irmãos e para o povo com sua benção.

Tendo recebido a benção do Cardeal, Francisco falou para todos desta

maneira:

Nosso reverendo pai e Senhor Cardeal, por conta de sua imensa bondade

e amor por nós, tem sido muito enganado, porque ele acredita e supõe que

grande santidade, perfeição sem igual e amor impecável está em nós. Mas

nós não devemos criar tão falso engano, porque vocês e ele, se vocês

acreditam que tais perfeições e excelências existem em nós como vocês nos

atribuem, estão enganados e esse engano é um ensejo para a danação e

risco perigoso para vocês e para nós. Tal engano faz-nos ingratos a Deus

por nosso chamado. Enganando a nós mesmos nesse caminho, não

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possuiríamos nem quereríamos possuir as obras e os efeitos da genuína

pobreza humilde, a qual pobreza é a virtude dos verdadeiros irmãos

menores que nós professamos ser. Por isso quero que o senhor cardeal e

todos vocês saibam que obras, palavras e desejos os verdadeiros irmãos

menores devem fazer e mostrar, de modo que vocês possam não ser

enganados sobre eles e eles na possam enganar e seduzir eles mesmos e

vocês. Quando vocês virem os irmãos menores não recomendando os

noviços a quem eles recebem a dar tudo o que possuem para os pobres do

mundo de acordo com a forma do evangelho, como eles haviam prometido,

mas sugerindo que os noviços reservem alguma coisa ou para livros, ou

para a igreja, ou alguma outra ocasião, ou para eles mesmos, ou para as

necessidades dos irmãos; ou de novo, quando vocês virem os irmãos

procurando bens temporais antes das coisas necessárias a sobrevivência

do dia-a-dia de seus corpos, para eles mesmos ou suas moradias; ou

quando virem os irmãos pedindo por dinheiro ou buscando doações e

legados em testamento para construção de igrejas de qualquer modo sob

qualquer pretexto, então vocês devem saber que esses irmãos tem sido

enganados e seduzidos. Verdadeiros irmãos menores são enviados de

Cristo para mostrar sua humildade e pobreza por ação, mais do que por

palavra.

Quando vocês virem os irmãos deixando as empobrecidas, miseráveis e

pequenas casas que estão situadas longe do mundo e comprando e

trocando casas nas cidades e fortificadas casas; ou quando vocês virem os

irmãos construindo belas e suntuosas estruturas- usando a desculpa de que

essas construções servirão para o bem do povo, aumentando a pregação-

ou quando vocês virem os irmãos omitindo a oração sagrada e a devoção e

em vez disso dando-se à leitura e aquisição de livros, possuindo

sepulturas, querendo e obtendo abundante uso de todas as coisas, e, a fim

de obter e adquirir todas essas coisas, buscando privilégios da cúria

Romana e conduzindo ações judiciais para proteger os privilégios, então

abram seus olhos e prestem atenção e não sigam eles e nem os ouçam,

porque muitos frades são só irmãos menores em nome. Por ações e

palavras eles destruirão e lutarão contra a pobreza e humildade, as quais

eles prometeram a Deus. Eles serão a causa de muitos males na religião e

na igreja.

Eu estou prevendo estas coisas para vocês antes do tempo, de modo que

vocês e os irmãos estejam prevenidos sobre as armadilhas demoníacas, os

atos pecaminosos dos homens perversos e a vinda dos malignos e de modo

que vocês não se tornem vítimas. O tempo de numerosas tribulações e

tentações está se aproximando. A deserção dos irmãos do amor e da

observância da vida de Cristo e do evangelho, será o primeiro sinal de que

essas coisas estão para acontecer. Nenhuma ciência, nem sabedoria, nem

eloqüência arrastará o mundo para Cristo, mas um puro e sagrado

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caminho de vida e a perfeita observância das ordens e conselhos de Cristo

farão isto.

E o senhor disse a ele mais tarde: - Por que, irmão Francisco, você

contradisse meu sermão e predisse tantas faltas futuras entre seus irmãos na

sua religião? E irmão Francisco respondeu a ele:

Eu honrei o seu sermão,citando modestamente as verdadeiras coisas sobre

mim e os irmãos e, a fim de poupar a mim e a eles, opondo os obstáculos

desastrosos para a palavra da verdade e lutando por meus irmãos por

razão da salvação e da necessidade de conduzir seu louvor da prece

cautelosamente, porque eles não estão ainda firmados na humildade e

pobreza.

Aquelas coisas que São Francisco falou vieram para ele de Cristo

“pareciam geralmente incômodas e insuportáveis” para aqueles que eram

prudentes de acordo com a carne. Eles fizeram com que os ministros

retirassem a primeira Regra do capítulo sobre as proibições do evangelho

sagrado, como Irmão Leão escreveu.

Embora Francisco proclamasse fervorosamente para os irmãos as coisas

que o Senhor revelou a ele e colocasse um exemplo perfeito em suas obras

das coisas que ele pregava, aqueles irmãos mundanos fecharam seus

ouvidos às palavras do santo e desviaram seus olhos das suas obras. Eles

tentaram antes arrastá-lo, contudo, relutantes para consigo mesmos, antes

acederam com sua salvação e conselhos e ordens divinos, isto é, adaptando-

se saudavelmente ao exemplo de suas obras perfeitas.

Quando Francisco retornou de além-mar, um certo ministro falou com ele –

como Irmão Leão contou – sobre o capítulo da pobreza, em ordem que ele

queria entender plenamente a vontade e a compreensão do bem-aventurado

Francisco. E o bem-aventurado Francisco disse a ele:

Eu entendo o capítulo sobre a pobreza conforme literalmente está escrito

no evangelho sagrado e na Regra. Os irmãos não podem possuir nada,

nem devem possuir nada, exceto uma peça de roupa com uma corda e

calções e, quando eles forem compelidos pela necessidade, ele podem usar

calçados, como está incluído na Regra.

E o ministro disse a ele: - O que devo fazer, vendo que tenho muitos livros,

os quais são avaliados em cerca de 50 denari ?

Ele disse isso, aliás, porque ele queria ter os livros com a permissão de

Francisco, porque sua consciência o incomodou por ter muitos livros,

quando soube que Francisco interpretava rigorosamente o capítulo sobre a

pobreza.

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O bem-aventurado Francisco disse a ele: “ Eu não posso, irmão, nem devo

fazer nada ou ir contra minha consciência e a profissão do evangelho

sagrado que nós prometemos por causa de seus livros”.

Ouvindo isso, o ministro ficou contristado. O bem-aventurado Francisco,

vendo ele perturbado, disse-lhe com grande fervor espiritual na frente de

todos os irmãos: “Vocês, irmãos menores, querem parecer e ser chamados

observadores do evangelho sagrado pelos homens, e por suas obras vocês

demonstram que querem ter tesouros”.

Eu, irmão Ângelo, vi um irmão que ouviu Francisco pregando em Bolonha.

Ele que viu isso disse que Francisco, entrando na cidade, quis ir para a casa

dos irmãos, mas viu lá uma casa em construção a qual excedia os limites da

pobreza que os irmãos haviam prometido. Retirando-se as cercanias,

Francisco foi para a casa dos pregadores, que o receberam com grande

alegria.

Um certo irmão pregador, ilustre por santidade e conhecimento, ouviu as

palavras de São Francisco devotadamente e humildemente. Conhecendo a

razão porque São Francisco estava pouco disposto a ficar com os irmãos

dele e, tendo simpatia pelo sentimento de desolação deles, o Dominicano

tentou persuadi-lo a que ele deveria ir a eles e ter piedade deles, se eles o

ofenderam em alguma coisa. E o bem-aventurado Francisco lhe disse:

Misericórdia não é bom se por meu ato eu parecer aprovar tais notórias

transgressões contra a pobreza prometida, e eu ofenderia a Deus ficando

com eles enquanto eles persistem na falta”.

E quando o frei pregador viu que não conseguiria persuadir Francisco, lhe

disse:

- Por conta de seus outros irmãos, temendo que eles incorram na infâmia

por causa de seu afastamento deles, vamos a eles e você pode admoestá-los

amorosamente acerca de suas ofensas e deste jeito você cumprirá os

deveres de seu ofício. E se, por conta de sua consciência, você não quiser

ficar em tal casa, nós podemos voltar para cá. Desse jeito a reputação de

seus irmãos será conservada e eles corrigirão seus pecados.

O bem-aventurado Francisco aceitou o conselho do Dominicano. Ele

encontrou os irmãos prontos para receber a penitência que ele desejava

impor a eles e ele os tratou com indulgência.

Francisco foi informado de que um certo irmão, que tinha sido um doutor

das leis no mundo e cujo nome era Pietro de Stacia, tinha uma teimosa e

inflexível mente. Quando o Espírito falou para Francisco de que modo a

consciência de Pietro, atos e instrução eram contrários a pureza da Regra,

ele o amaldiçoou. Pietro era famoso no mundo e muito amado pelos

ministros por conta de sua erudição. Perto do fim da vida de São Francisco,

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os irmãos pediram para Francisco ser piedoso para tal homem que ele havia

amaldiçoado e dar a ele uma benção misericordiosa, e Francisco respondeu:

“Filhos, eu não posso abençoar aquele a quem Deus amaldiçoou e que é

amaldiçoado”.

O que mais? Em breve, o sobredito irmão ficou doente e perto da morte.

Enquanto os irmãos estavam de pé ao seu redor, ele começou a falar numa

terrível e estremecida voz: “Eu sou maldito. Olhem, os demônios aos quais

eu fui entregue estão carregando a mim, que sou amaldiçoado, para os

tormentos da eterna danação e maldição”.

Depois de experimentar o assustador e doloroso espetáculo e o horrível,

terrível julgamento, todos que estavam presentes foram informados que

ele, a quem Francisco amaldiçoou, já estava amaldiçoado eternamente pelo

Senhor. Para que Francisco abençoasse ou amaldiçoasse uma pessoa, não

era por conta de um motivo ou sentido humanos, mas porque, tendo sido

feito semelhante a Cristo, ele manifestava os segredos dos divinos

julgamentos e decretos e ele via o futuro como se fosse já passado na

Palavra.

Uma vez, ouvindo sobre os enormes excessos de alguns irmãos – como

Tomas de Celano escreve – e o mau exemplo dado por eles para o mundo e

ficando afligido por esmagadora dor, Francisco entregou-se totalmente a

Cristo. E quando outras pessoas chegavam falando sobre a conduta e a vida

sagradas de alguns outros irmãos, sua edificação do mundo e a conversão

de muitos ao estado de penitência, Francisco exultava ouvindo sobre tais

bons freis. Ele entendia em espírito a virtuosidade da justiça divina,

misericordiosamente aceitando e abençoando o bom e expulsando e

maldizendo o mal com justiça.

Francisco, fortalecido pela eficácia e virtude do espírito, amaldiçoou

aqueles que renegaram a profissão de vida prometida e aqueles que

difamaram a religião por seus atos perversos. Da mesma maneira ele

abençoou aqueles que serviram e edificaram seus semelhantes pelo

exemplo da sagrada conduta e quem fez a religião perfumada pelo aroma

de sua boa fama. Todos os ouvintes souberam que a benção e a maldição

que Francisco deu e anunciou na terra, tinham procedido de Deus e tinham

sido confirmadas nos céus.

E todos os sábios irmãos, que amavam Cristo em verdade, sabiam que as

palavras e obras de Francisco procediam de Cristo e seu Espírito e que

qualquer um que recebesse e ouvisse Francisco, recebia e ouvia Cristo

falando por ele. O justo e o puro de coração não hesitavam escutar e segui-

lo.

Mas aqueles que amavam a si mesmos e eram inflados pelo conhecimento

humano, de modo que procuravam as coisas “que eram deles mesmos e não

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as coisas que pertenciam a Jesus Cristo”, “estavam amedrontados pelo

medo onde o medo não existia”, e, por isso, não o recebiam, porque não

invocavam a Deus. Como pode aquelas pessoas que buscam e perseguem a

glória humana, e não procuram unicamente a glória que vem de Deus, ter

fé? “Deus espalha os ossos daqueles que buscam agradar os homens: eles

serão confundidos porque Deus os rejeitou”. “Todo aquele que prefere o

conhecimento a santidade”, São Francisco dizia para os irmãos, “nunca

prosperarão; e ele que ama os elogios do homem serve a uma mentira.

Deus, além disso, que é verdade, destruirá aqueles que cultivarem

mentiras”. Francisco, conhecendo as coisas futuras através do Espírito

Santo, disse:

Irmãos, usando a desculpa de que eles estão pregando e edificando aos

outros, eles sairão de sua vocação, isto é, da pura e sagrada simplicidade,

sagrada oração, humildade e a sagrada pobreza de nosso Senhor. E isso

acontecerá a eles quando eles tiverem acreditado que eles mesmos estão

inflamados por sincero amor de Deus, eles ficarão frios e vazios de amor.

Assim eles serão incapazes de retornar para a sua vocação, porque eles

terão errado o tempo para viver de acordo com o seu chamado. Eles

temerão que aquilo que eles pareciam possuir seja tirado deles e eles

poderão encontrar suas mãos vazias no dia da tribulação. Aquelas pessoas

que eles pensam estar convertidas por seus sermões, serão convertidas

pelas orações de seus sagrados irmãos, que nas casas isoladas choram

pelos próprios pecados e de outros. Por isso é dado por Cristo para os

verdadeiros irmãos menores saberem “o mistério do reino de Deus, aos

outros por parábolas”. Tantos de boa vontade se elevam à sabedoria e

serão abençoados os que fizerem a si mesmos estéreis pelo amor de Deus”.

Além disso, irmãos vieram da França e falaram a Francisco, contando

como naqueles dias em Paris os irmãos hospedaram um célebre homem,

um mestre da sagrada teologia, que grandemente edificou o povo e o clero.

Quando Francisco ouviu isso, ele suspirou e respondeu:

Eu temo, filhos, que tais mestres finalmente destruam meu movimento. Os

genuínos professores são aqueles que demonstram seu modo de vida para

seus semelhantes por boas obras; e o religioso somente é um bom orador

na medida em que ele alcance executar fiel e humildemente as boas coisas

que ele conhece.

Um certo santo irmão, alias, veio neste tempo da Alemanha, um

mestre em Teologia, para ver Francisco, desejando um acurado

conhecimento da intenção e entendimento de Francisco da Regra.

Diligentemente este santo irmão aprendeu de Francisco seu completo

propósito naquela vida regular que tinha sido inspirada e revelada para

Francisco por Cristo. Então a mente desse irmão obteve paz e consolação

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pelas palavras e razões de São Francisco, como se o irmão tivesse ouvido

Jesus Cristo mesmo falando, não um homem.

E quando Francisco terminou de falar, curvando seus joelhos

humildemente diante dele, o irmão disse: - Em suas mãos eu prometo a

Deus mais uma vez a vida e sua Regra evangélica, conforme a fiel e pura

intenção a qual o Espírito Santo, através de sua boca, tem falado

claramente. Eu as servirei pura e fielmente até o fim da minha vida, tanto

quanto a graça de Cristo permitir-me. Mas eu peço uma graça de você. Se

acontecer em meus dias que os irmãos declinem muito da pura observância

da Regra – exatamente como você através do Espírito Santo tem predito

que acontecerá – que, em virtude da oposição deles eu seja incapaz de

servir livremente com eles, então de acordo com a santa e perfeita intenção

revelada a você pelo Senhor, permita que eu possa me separar daqueles

ímpios irmãos sozinho ou com alguns irmãos que desejam servir a Regra

puramente sob sua obediência e servir a vida perfeitamente.

Tendo ouvido essas palavras, o bem-aventurado Francisco ficou

extremamente deleitado e abençoando-o, colocou sua mão direita em sua

cabeça e disse:

“Você é eternamente sacerdote de acordo com a ordem de Melquisedec.

Saiba que aquilo que pediu foi concedido a você por Cristo e por mim”.

Desse modo Francisco mostrou que todas as promessas feitas por Cristo

concernentes a sua religião seriam finalmente completadas naqueles irmãos

que desejarem servir a Regra com simplicidade e ao pé da letra sem glosa,

com contentamento e toda a sua força.

Aqueles que carregam o jugo macio da vida e regra de Cristo como vilões,

são filhos carnais e sempre desviam o santo e piedoso entendimento da

Regra aos seus pensamentos carnais. E como Ismael, nascido conforme a

carne, oposto a Isaac, que nasceu de acordo com a promessa do Espírito

Santo e que viveu espiritualmente e piedosamente, assim será nessa vida e

religião, porque os filhos carnais perseguirão os filhos espirituais. Mas

Deus que separou os filhos de Israel dos egípcios “com uma mão forte e

um braço estendido”, separará os verdadeiros filhos da Regra dos filhos da

prudência carnal. Deus, despachando estes para as sombras do erro e da fria

indiferença da ambição e do amor próprio e conduzindo os primeiros ao

esplendor da luz divina e da cruciforme perfeição do amor seráfico, os

submeterá ao seu esplendor, por meio da força pela qual ele é capaz de

sujeitar tudo a ele mesmo.

Assim, durante a vida de Francisco havia aparente unidade entre os irmãos

quanto ao hábito, moradia em comum e obediência, enquanto que por baixo

havia divergência e divisão relativamente a pureza, observância, amor,

obediência e sincero seguimento da Regra e da intenção do fundador. Um

comum conhecimento, um amor compartilhado e uma única mentalidade

haviam desaparecido deles. Eles não podiam evitar a existência de

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discutidores buscando a glória vazia, pensando ser melhores do que eram,

desejando coisas que não eram deles próprios em vez de buscarem as

coisas de Cristo, as quais eram consolação, o benefício dos outros e a

edificação mútua, como o fundador deles fez.

Irmão Elias, que era fascinado pelas sutilezas da filosofia e que

atraiu atrás de si uma multidão de seguidores que tinham sido

subvertidos pelo espírito da cupidez e vaidade, cavou e encheu um lago

para si mesmo dentro do qual ele foi tentado, derrubado e derrocado. Ele

não entendeu os conselhos, astúcia e planos de Satã, a quem devido a

ignorância ele preparou rotas, facilitou as jornadas e direcionou os

caminhos, expulsando Cristo do fundador.

Cristo milagrosamente revelou este abandono de sua graça a um certo santo

e venerado sacerdote em Massa Trabaria, o reitor de uma paróquia

chamado Bartolo, a quem São Francisco tinha usado como seu

representante em muitas instâncias. Ele era um homem extremamente

discreto, um consolador das mágoas, compassivo e cheio de piedade e

amor. Irmãos aproximavam-se dele com confiança, como se para o mais

bondoso pai e professor de suas almas. Ele acolhia irmãos na religião. Ele

reconciliava os proscritos e os apóstatas. E ele demonstrou por piedosas e

claras razões e o exemplo de sua vida que os conselhos daqueles que eram

humanamente prudentes e que estavam em desacordo com o caminho da

perfeição e intenção do fundador não eram só inúteis, mas estavam

infectados por um veneno mortal. Esse homem a quem Deus aceitou, tendo

sido transportado ao estado de êxtase enquanto rezava, foi conduzido as

mais baixas regiões do inferno por ordem de Cristo, onde viu Lúcifer em pé

em seu trono de punições e a volta dele todos os chefes dos espíritos

infernais ordenados. O príncipe das sombras falou com ele formulando uma

queixosa questão e pedindo um conselho:

-Nós recentemente recebemos notícias do desolado mundo sobre aqueles

que nós nomeamos nossos representantes, não de favor, mas de desagrado

excessivo. Inesperadamente apareceram homens no mundo , desprezando e

menosprezando o mundo e sua sensualidade e vícios, tomando posse das

cortes e lugares de nosso domínio, pelos quais, se nenhuma resistência for

feita contra eles, sofreremos muitas injúrias e perdas. Portanto, pense

cuidadosamente o que nós devemos fazer contra eles. Você pode ouvir a

respeito da disposição deles daquelas pessoas que vieram de lá.

Ao comando de Lúcifer, o chefe dos espíritos começou a falar e recitar

sobre a vida e perfeição dos mais novos recém chegados. E um certo chefe

demoníaco ergueu-se , quem contra o bem-aventurado Francisco e sua

religião tinha guerreado uma luta sem igual com seus subordinados, os

espíritos malignos. E ele disse:

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-Como nosso príncipe expressou, recentemente muitos tem se levantado

contra nós de diferentes modos. No entanto um certo homem cuja posição é

extrema para ser desprezado, iletrado e ignorante, com um pequeno grupo

semelhante a ele mesmo, tem se levantado contra nós com muita força de

espírito, que parece como se não fosse só um homem, mas como se Jesus

de Nazaré pessoalmente estivesse nos atacando por eles. Por nenhuma de

nossas artes sutis ou nossas ameaças – não importa o quão veementemente

insultando- enganamos ou iludimos qualquer de seus seguidores. Somos

incapazes de apanhar qualquer um nas armadilhas que colocamos nos lados

direito e esquerdo do caminho. Mas o que é mais doloroso é, se algum dos

nossos leais servidores se aproxime deles, que o servo ou servos se tornem

nossos adversários e resultando inimigos, mas nós não temos sido capazes

de capturar nem sequer um dos seus servos.

Depois dos tentadores demoníacos terem sugerido numerosos e diferentes

caminhos envolvendo determinados vícios e terem introduzido exemplos

na discussão para mostrar como por seus caminhos propostos eles tinham,

como eles pensavam, conquistado inesperadas vitórias sobre santos

pretensamente invencíveis, o segundo de Lúcifer no comando falou:

- Todos vocês tem apresentado sutis e efetivos planos, mas nenhum de

vocês tem dito ou pensado no modo pelo qual, se vocês confiarem em mim,

nós podemos conquistar uma notável vitória sobre aqueles homens.

E quando todos os demônios estavam esperando ansiosamente escutar seu

conselho e opinião, ele começou por dizer:

- Nós só podemos ganhar um triunfo sobre aqueles irmãos se nós

direcionarmos toda a atividade, cuidado, astúcia e trabalho que nós

possuímos induzindo e implantando por todos os meios para dentro de

todos os orgulhosos, arrogantes, descansados, engenhosos, embusteiros,

ambiciosos, invejosos, presunçosos e falsos homens, que sabemos ser

nossos, o desejo de arrepender-se e servir ao Senhor nas fileiras desses

irmãos. Quando nós tivermos nosso grupo entre eles e nos esforçarmos

diariamente para aumentá-lo, seremos capazes de perturbá-los. E nós

contaminaremos a religião deles e subverteremos seus votos, palavras,

costumes e obras. Faremos sua reputação feder no mundo, de tal modo

que por causa daquela infecção fétida, eles exalarão o cheiro da morte

àqueles que aproximarem-se deles e não irradiarão um perfume estimulante

àqueles que se aproximarem deles.

O sermão com este argumento de subversão agradou Lúcifer e todos os

seus príncipes e eles decidiram seguir este último conselho com todas as

suas forças. Com a permissão de Deus e de acordo com o secreto e oculto

julgamento de seu conselheiro, os demônios motivaram os homens que

estavam dispostos a aprovar suas novidades e prontos a ir em frente com

seus objetivos maliciosos para entrar naquela religião a qual eles

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principalmente detestavam e contra a qual eles faziam muita oposição com

todas as forças.

No começo, quando somente São Francisco recebia irmãos, os

demônios não eram capazes de executar suas promessas malignas pela

trapaça, porque Francisco, instruído como um querubim pelo Espírito

Santo, podia ver na frente e atrás, interiormente e exteriormente. Depois

que o número de ministros provinciais multiplicou, aqueles ministros não

tiveram a dimensão da perfeição espiritual de Francisco, embora eles

tomassem as necessárias precauções contra as ocultas trapaças demoníacas.

Cada ministro estava impelido pelo desejo espiritual de ampliar o número

de irmãos, no sentido de alargar o ministério para a salvação das almas e

expandir a própria religião. Os ministros multiplicavam as pessoas, mas

não a felicidade. Misturando muitos homens perversos com o inocente,

aqueles irmãos, acreditando em sua própria prudência, buscavam governar

antes de estarem regrados. Eles arrogantemente interpretavam a Regra por

si mesmos e outros de acordo com sua própria maneira de pensar e seus

próprios desejos antes de humildemente observar a regra mortificando seus

desejos.

Por causa desses ministros, tépidos perigosos, deleitados na inquietação e

crentes naqueles irmãos malignos que estavam atuando mal, aumentaram a

fadiga, a dor e a aflição espiritual do fundador e dos outros irmãos que com

simplicidade o seguiam. Esses problemas aumentaram muito antes da

morte de São Francisco que ele, que era a habitação do Espírito Santo, não

pode realizar corretivo por suas palavras, seu exemplo, seus sinais e suas

curas milagrosas. Portanto, depois de súplicas proféticas, ele preferiu

devotar-se ao mais seguro dever, libertar-se para Deus, e renunciar a

liderança dos irmãos.

Depois dele ter feito isso, um de seus companheiros lhe disse: “Pai, perdoe-

me, visto que tudo o que quero dizer-lhe, muitos irmãos já consideraram”.

E o mesmo companheiro disse:

Você sabe como outrora a religião inteira crescia e se conservava em um

estado de pureza e perfeição: como todos os irmãos fervorosa e

zelosamente observavam a humildade e a pobreza, vivendo em pequenas,

pobres edificações, usando pequenos, pobres livros e vestindo desprezíveis

e empobrecidos trajes. E você sabe como nessas e em outras aparências

externas eles eram vigilantes para manter um só desejo e cuidado para

observar todas as coisas que pertenciam ao nosso chamado, profissão e

bom exemplo. Desse modo eles eram unânimes em seu amor a Deus e ao

próximo. Agora, contudo, de um tempo recente, essa pureza e perfeição

começaram a ser alteradas de diferentes modos. Na verdade, muitos irmãos

acreditam que o povo é edificado mais por essas mudanças do que pelos

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velhos modos e parece para eles mais honesto viver conforme essas

alterações. Por isso, eles já desprezam esse caminho da simplicidade e

pobreza, os quais foram o começo e fundação de nossa religião. Por causa

disso, considerando essas coisas, nós acreditamos que você deva estar

descontente; mas nós estamos imensamente admirados, porque, se essas

mudanças o desagradam, você as permitiu e não as corrigiu?

O bem-aventurado Francisco disse a ele: O Senhor o perdoe irmão, visto

que você quer ser diametralmente oposto a mim e ser meu adversário e por

você querer me enredar nestes assuntos que não pertencem ao meu ofício.

E Francisco disse:

Até agora eu mantive o ofício sobre os frades e os frades se mantiveram

firmes no seu chamado e na sua profissão. Embora desde o começo de

minha conversão a Cristo eu tenha estado enfermo, com meu pequeno

cuidado eu os satisfiz pelo exemplo e pregação. Mas eu considerei o

quanto o Senhor estava multiplicando o número de irmãos diariamente e

como isso começou a dispersar do reto e seguro caminho, ao longo do qual

eles estavam acostumados a caminhar. Eu vi como eles estavam preferindo

embarcar na estrada larga, como você mencionou, não prestando atenção

ao seu chamado, profissão e bom exemplo. Eu percebi que eles não

deixarão o caminho ao longo do qual eles já começaram por causa de

minhas pregações e exemplo, então eu recomendei a religião aos ministros

dos irmãos e ao Senhor. No momento em que renunciei e deixei o ofício

dos irmãos durante o capítulo geral, desculpei-me por conta da minha

enfermidade. Por essa razão eu fiquei incapaz de ter cuidado e solicitude

por eles. Contudo, enquanto meus irmãos caminhavam e estavam

caminhando de acordo comigo e a vontade de Deus, por conta de sua

consolação, eu relutava em ter outro ministro exceto eu mesmo, até o dia

de minha morte. Desde que o fiel e bom subordinado saiba e observe a

vontade de seu prelado, o prelado só precisa ter uma pequena solicitude

em relação a ele. Pelo contrário, eu ficaria contentíssimo e consolado por

conta da virtude dos irmãos por minha causa e pelo proveito deles.

Embora eu estivesse estirado na cama por conta da doença, isto não me

sobrecarregaria para satisfazê-los.

E ele disse:

Meu cargo é espiritual, pelo qual eu devo superar e corrigir os vícios. Se,

para esse fim, eu for incapaz de dominar os vícios e corrigi-los pela

pregação e o exemplo, a Regra pode ensiná-los. Não tenho vontade de me

tornar um carrasco que persegue e flagela, como os poderosos desse

mundo, mas eu confio no Senhor. Agora inimigos invisíveis que são as

milícias do Senhor, a fim de punir aqueles neste mundo e no próximo que

transgrediram os comandos do Senhor Deus, estão se vingando nos falsos

irmãos, fazendo-os sujeitos a correção pelos homens desse mundo. E, para

a vergonha e lástima dos irmãos, retornarão para sua profissão e seu

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chamado. Todavia, até o dia da minha morte, pelo exemplo e trabalho, eu

não cessarei de ensinar os irmãos a caminharem pelo caminho que o

Senhor mostrou para mim. Tenho mostrado para eles e tenho ensinado a

eles de tal modo que eles não possam ter desculpas diante do Senhor e por

isso eu não estaria seguro de dar qualquer outra explicação para eles ou

para mim mesmo.

Nós que estávamos com ele quando escreveu a Regra e quase todos os seus

outros escritos oferecemos testemunho que ele escreveu muitas coisas na

Regra e em seus outros ditados, os quais certos irmãos se opuseram durante

sua vida, mas que agora depois de sua morte aparecem para serem

extremamente úteis a toda a religião. Por isso ele frequentemente falava

para seus companheiros:

Eu me aflijo e sofro porque alguns irmãos querem esvaziar de sentido

aquelas coisas que eu obtive, com dura labuta na oração e meditação, da

graça de Deus para a utilidade de toda a religião no presente e no futuro.

Embora eu tenha garantido que essas coisas estão de acordo com a

vontade do Senhor, esses irmãos preferem confiar em sua sagacidade e

prudência científica. Por isso, esses irmãos se opõe a mim, dizendo:” esses

itens são para serem estudados e observados e aqueles não são”.

Esses irmãos apunhalaram e irritaram a alma de Francisco,

saboreando coisas que eram opostas a Deus e ao seu santo. Por

suas astúcias, inovações e desobediências, eles o exasperaram de tal modo

que ele renunciou no capítulo geral do ofício de ministro que Cristo e seu

vigário haviam imposto a ele. E, de acordo com seus votos e méritos, como

Samuel tinha permitido aos filhos de Israel ter Saulo, assim Francisco

concedeu a eles Elias, o alquimista, um respeitável ministro para os

respeitáveis.

Depois que fez isso, Francisco devotou-se completamente a oração, tanto

que, absorvido em Deus, ele parecia quase como um homem de outro

mundo. Os irmãos que estavam observando e ensinando coisas contrárias a

ele, afligiam-se pela retidão e pureza de seus sermões e do zelo ardente que

Francisco demonstrava em suas eloqüentes declarações contra as maldades

já disseminadas na religião. Eles não permitiam os noviços e as pessoas

devotadas a eles se aproximarem dele. Eles os impediam tanto quanto

possível de várias maneiras, mas cautelosamente porque Francisco pregava

tudo que estava vindo a religião até o fim tão claramente e abertamente que

parecia como se ele tivesse visto aquelas coisas, como se elas já tivessem

acontecido. Portanto, Francisco com jejuns, preces e indescritíveis

gemidos pleiteava incessantemente com Cristo Jesus, que é capaz de fazer

todas as coisas além do entendimento de nossas mentes e que podia prover

apropriados e convenientes corretivos contra as maldades que já tinham

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começado e aquelas que Francisco discerniu com seu olho profético que

estavam para ocorrer no futuro.

Quando, por esse motivo, Francisco incessantemente clamou à

Deus com preces humildes e sentimentos ardentes para a

preservação da sua religião que era prezada por Deus e pela salvação de

todos os seus presentes e futuros irmãos, o Altíssimo ouviu as preces do

seu servo e o Senhor disse a ele:

“Francisco, vá e retire-se durante 40 dias em um lugar deserto e de acordo

com a palavra que Eu lhe direi, você porá sua Regra em ordem. E,

conforme ao que você solicita, Eu lhe darei claros e seguros corretivos que

você pode por nela pelos quais os pecadores serão convencidos de seus

crimes em suas próprias consciências e ficarão sem qualquer desculpa

diante de mim e da minha igreja. E os puros e fiéis amantes e observadores

da Regra comprovarão testemunho no que diz respeito a pura e fiel

observância e eles serão deixados sem dúvidas de que suas intenções

agradam bem minha vontade”.

Esses eventos aconteceram antes que Francisco, querendo libertar-se a

Deus, renunciou o ofício de ministro e recomendou sua religião aos

ministros, como foi descrito anteriormente.

Obedecendo a revelação que o Senhor lhe tinha feito, Francisco logo se

retirou e se encerrou em um eremitério em Fonte Colombo, numa cela

localizada numa rocha quebrada embaixo daquele local. Somente dois

freis, Irmão Leão de Assis e Irmão Bonizio de Bolonha, os quais ele tinha

escolhido como companheiros, ousaram ir com ele. Então, com Cristo lhe

revelando o que dizer, Francisco escreveu a Regra, não pondo nada de si

próprio, mas só aquelas coisas que Jesus Cristo lhe revelou desde o céu.

Irmão Elias, seus seguidores e alguns dos ministros começaram a ficar

raivosos e perturbados, enquanto esse Moisés, Francisco, escutava Deus.

Porque eles não ousavam se opor a Francisco abertamente, eles

furtivamente e secretamente pegaram e esconderam a Regra do homem de

Deus, Irmão Leão, que a tinha guardado depois que tinha sido confiada a

ele pelo santo. Desse modo Elias e os outros esperavam impedir os planos

de Francisco, temendo que ele seguisse a palavra revelada do céu por

Cristo e apresentasse a Regra para o Supremo Pontífice e o papa a

aprovasse. Os mesmos que faziam essas coisas eram incapazes de

compreender a seriedade de seu audacioso crime, porque sombras tinham

obscurecido seus intelectos. Eles não podiam compreender como por

proferir suas próprias vontades contra as ordens inspiradas divinamente e

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não aquiescendo as palavras e comandos de seu santo preceptor, dado a

eles por Deus, eles praticavam o pecado de consultar oráculos e idolatria e

resistiram a obediência.

O homem santo entendeu que inveja demoníaca estava por baixo da

depravação do crime cometido pelos irmãos e, inspirado por Cristo, a quem

a virtude não poderia ser vencida pela malignidade dos homens, foi para o

mesmo lugar na montanha uma segunda vez. Ele consagrou outra

Quaresma a Deus, durante a qual, sendo ensinado por Cristo nas mesmas

palavras e sentenças, Francisco escreveu outra Regra similar aquela que

havia sido erroneamente aprisionada pela transgressão deles. Como outro

Moisés, Francisco uma segunda vez escreveu uma Regra, uma, realmente,

escrita pela orientação do dedo do Deus vivo.

Enquanto Francisco estava elevado a Deus por seu divino e ardente desejo

e enquanto ele pedia a Cristo pela reposição da Regra roubada, o demônio

recomendava e incitava os ministros de várias províncias. Eles, excitados

pelo espírito do norte, reuniram-se com irmão Elias. Em ordem a fazer sua

reclamação pública, atrevidamente subiram a montanha até Francisco, de

modo que ele a quem tinham sido incapazes de revogar ou confundir sua

intenção escondendo a Regra, eles pudessem conter, segurar e tirar do

rumo, por suas reprovações. Parando a uma longa distância, os ministros

gritaram, mostrando que queriam obedecer sua ordem de que ninguém

ousasse aproximar-se dele antes do fim da Quaresma. Clamando, eles

mostravam que tinham necessária e urgente causa por conta da qual,

unindo-se, eles tinham subido a fim de encontrá-lo.

O santo Francisco fez seu costumeiro sinal para irmão Leão e o ordenou a

descobrir quem eram os irmãos que estavam protestando e a razão por que

tinham vindo ali. Irmão Leão respondeu a ele: - Pai, os ministros vieram

com Irmão Elias, querendo discutir urgente assunto com você. O santo

Francisco disse-lhe: Deixe-lhes dizer o que querem e eu os ouvirei. No

entanto, eles não vão se aproximar de mim.

Os ministros e Elias ficaram em frente mas abaixo da cela, num lugar de

onde suas vozes podiam ser claramente ouvidas. E Elias falou para ele

como representante de todos:

Irmão Francisco, esses irmãos ouviram em suas províncias que você havia

se determinado a fazer adições e mudanças na Regra, em ordem a alcançar

mais completa observância da prometida vida. E eles consideraram, aliás, a

debilidade deles e dos irmãos que estão abaixo deles e o fervor de espírito

que o Senhor deu a você, pelo qual você tem sido fortalecido. Eles

consideraram como as coisas que são árduas e difíceis parecem suaves e

fáceis para você que é tão amado por Deus. Portanto eles vieram a você

tanto por eles mesmos, quanto pelos irmãos que estão abaixo deles para

dizer a você e relembrá-lo que aquelas coisas que eles já prometeram servir

supera suas fracas capacidades. Eles querem dizer que condescendência e

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desobrigação com quanto as promessas são mais necessárias a luz de suas

fraquezas, do que obrigações em relação a mais perfeita vida, por mais

meritórias que elas sejam, que estão além de suas capacidades.

Tendo ouvido esse discurso, Francisco calou-se. Movido internamente por

profundo pesar, ele não deu resposta a solicitação; mas logo voltou para

dentro da pequena cela , no lugar onde estava acostumado a rezar, estendeu

seus braços ao céu e clamou a Cristo com todo o seu coração, dizendo:

Senhor Jesus Cristo, tenho seguido você, nunca me opondo a você e tenho

sido obediente ao que você tem me mandado fazer. Eu não sou nem de um

tipo ou de tal magnitude que seja capaz de alcançar tudo o que seja

agradável a você ou proveitoso e saudável para eles sem você. Você que

me ordenou fazer e escrever essas coisas as quais eu escrevo e tenho

escrito para o seu louvor e a salvação deles, de acordo com sua vontade e

ensinamento, responda a eles por mim e mostre que essas coisas são suas e

não minhas.

Depois de Francisco ter falado a Cristo com o coração confiante, uma voz

soou no ar de um modo maravilhoso, falando na pessoa de Cristo mesmo,

do lugar onde Francisco estava orando e dizendo:

“Esse é meu servo Francisco, que eu escolhi e em quem tenho

depositado meu espírito; e o tenho ordenado fazer o que ele tem feito e

escrever a Regra a qual ele escreveu e a vida e a Regra que ele escreveu

são minhas. Isso vem de mim não dele. Todo aquele que ouvi-lo, ouve a

mim ; e quem o despreza, despreza a mim. E aqueles a quem eu

chamar que podem servir a essa vida e Regra, eu darei o espírito e a

força necessárias para servir. E eu desejo que essa Regra seja

obedecida ao pé da letra, ao pé da letra, ao pé da letra”.

Elias e os ministros, tendo escutado essas palavras, ficaram estupefatos e

cheios de admiração e retornaram para suas províncias. Depois disso eles

cessaram de tentar parar Francisco de fazer aquelas coisas que ele tinha

assumido.

O piedoso Francisco, tendo completado a Regra, seguiu a ordem

que Cristo havia lhe dado. Foi com seu companheiro, Irmão Leão, ao

Senhor Honório, então o Supremo Pontífice. Honório amava e abençoava

Francisco de um jeito único e o estimava com uma especial afeição, porque

por uma certa experiência ele sabia que o espírito de Cristo repousava

completamente em Francisco.

O Supremo Pontífice alegrou-se com a chegada de Francisco, o homem

pobre de Cristo. Honório, como um piedoso, bondoso e amoroso pai, sua

face iluminada com alegria e sua alma com felicidade, recebeu e abençoou

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sumamente atento, a tudo que Francisco propôs e solicitou a ele em nome

de Cristo. O papa acolheu e olhou a Regra que Francisco tinha escrito. Ele

a considerou cuidadosamente e a examinou diligentemente. Depois de ter

inspecionado atentamente e examinado habilmente, de acordo com o

exemplo de seu antecessor de boa memória, Papa Inocêncio, e com o

consentimento de seus cardeais, ele aprovou e afirmou a Regra.

Mas, de acordo com o testemunho de Irmão Leão que estava presente neste

momento, depois do Supremo Pontífice ter contemplado diligentemente e

atentamente tudo o que estava contido na Regra, disse ao irmão Francisco:

- Será abençoado quem tiver servido essa vida e Regra, fortalecido pela

graça de Deus, fielmente e devotadamente até o fim. Tudo o que foi

fielmente escrito nela é piedoso e perfeito. No entanto, aquelas palavras do

décimo capítulo, isto é: “Onde quer que haja irmãos que saibam e

reconheçam que eles não conseguem observar a Regra literalmente, eles

devem e podem recorrer a seus ministros. Os ministros são obrigados a dar

para esses mesmos irmãos de obediência a licença solicitada

misericordiosamente e generosamente. Ainda que os ministros recusem dá-

la, esses irmãos podem ter licença para obedecer literalmente a Regra,

porque todos os irmãos, ministros e súditos, devem estar sujeitos a Regra”.

Essas palavras poderiam ser ocasião de ruína e uma fonte de divisão dentro

da ordem, no caso de irmãos que não estão completamente fundados no

conhecimento da verdade e no amor a virtude. Por isso, eu quero as

palavras desse capítulo modificadas , de tal modo que qualquer

oportunidade para o perigo e divisão possam ser retiradas da religião e dos

irmãos.

O bem-aventurado Francisco respondeu a ele:

Eu não coloquei essas palavras na Regra, Cristo sim. Ele sabe melhor tudo

o que é útil e necessário para a salvação dos irmãos e o bom estado e

conservação da religião. Para ele tudo o que está para acontecer na igreja

e na religião é bem visível e presente. Por isso eu não devo nem posso

mudar essas palavras, porque acontecerá que ministros e aqueles outros

que dirigem a religião imporão muitas e duras tribulações naqueles que

querem observar literalmente a Regra de acordo com a santa vontade de

Cristo. Portanto, porque Cristo quer e exige obediência que essa Regra e

vida, as quais são dele próprio, sejam literalmente servidas, desse modo

sua vontade exige literal obediência.

Então o Supremo Pontífice disse a ele:

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- Irmão Francisco, eu agirei de tal modo que, o significado das palavras

sendo inteiramente servido, eu mudarei a letra da Regra nessa passagem,

de modo que os ministros possam entender que são obrigados a fazer o que

Cristo quer e a Regra ordena. Além disso, eles entenderão que os irmãos

tem liberdade para servir a Regra e nenhuma oportunidade será dada

aqueles que frequentemente buscam uma ocasião para pecar sob a proteção

da observância da Regra.

Logo o Supremo Pontífice mudou as palavras daquele capítulo dizendo:

- Onde quer que haja freis que saibam e reconheçam que são incapazes de

observar a Regra espiritualmente , eles devem ir e são autorizados a ir aos

seus ministros. Os ministros devem recebê-los com amor e piedade e ter

tanta familiaridade com eles que os irmãos possam lhes falar e ajam

como um senhor com seus servos. Porque desse modo deve ser que os

ministros são serventes de todos os irmãos.

O bem-aventurado Francisco, a fim de remover qualquer dúvida dos

corações de todos os irmãos, abertamente declarou a verdade de sua

intenção na Regra, como ele tinha recebido de Cristo, quando quase no fim

do seu Testamento Francisco ordenou todos os irmãos, clérigos e laicos,

firmemente por obediência, não colocar glosas junto a Regra, nem nas

palavras desse Testamento, dizendo que desse modo eles deveriam ser

entendidos, somente entendê-los e servi-los pura e literalmente até o fim,

exatamente como o Senhor tinha dado a ele escrevê-los pura e

simplesmente. Francisco abençoou todos aqueles que serviriam desse

modo. E pela mais rigorosa ordem ele proibiu os irmãos de pedirem cartas

ou privilégios da cúria Romana, ou pelos seus próprios esforços, ou por

meio de um agente interposto, contra a pura e literal observância da Regra

transmitida por Cristo a ele.

Conforme as ordens e as palavras do santo mesmo está claro que ele

recebeu a Regra e o Testamento por revelação de Cristo e que a própria,

verdadeira, pura, fiel e espiritual observância e entendimento da Regra é a

literal observância. Outras declarações na verdade são concessões piedosas

para o adoentado feitas por médicos piedosos, e são desobrigações úteis

necessárias para a salvação de almas incapazes ou sem vontade de ser

obrigadas à árdua e perfeita observância da Regra, a qual o fundador

ensinou e cumpriu e recebeu diretamente de Jesus Cristo.

Mas a reforma da Regra, revelada para São Francisco, a qual

acontecerá depois do mistério mostrado em seu sofrimento, será na

pura, simples e literal observância da Regra e do Testamento. O Espírito

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Santo depois do gênero dos serafins, dos querubins e dos tronos,

preencherá aqueles que ele desejar chamar e escolher para pregar a vida de

Cristo por palavras e ações.

Como serafins, eles carregarão o Cristo cruciforme no corpo e na alma,

estando certos de sua habitação, em sinal da qual, de antemão na alma,

posteriormente na carne um serafim crucificado apareceu para Francisco,

prefigurando uma condição contrária em seus adversários. Como

querubins, o Espírito Santo os preencherá, porque a inteligência incriada,

eternamente gerada do Pai, entrará no entendimento dos humildes menores

eficientemente e virtuosamente. O Espírito esclarecerá e confirmará a

autenticidade deles, fazendo deles sabedores da luz. Ele os comunicou

figurativamente na sétima Francisco figuratum, quando numa carruagem de

fogo, como outro Elias, Francisco apareceu para seus irmãos e a

consciência de um irmão foi revelada para outro. Como os Tronos, o

Espírito Santo preencherá os irmãos porque a força do onipotente Pai se

meterá dentro deles vigorosamente provendo clareza na fé e efetiva ajuda

para a vida. De tal maneira eles serão preenchidos e suas petições serão

respondidas, seus votos completados, suas ameaças e desgraças temidas e

suas bênçãos mantidas no amor e reverência. Os irmãos não seriam capazes

de sustentar o peso da perseguição final a qual o eleito incorrerá, quando a

força do dragão desatrelado estiver erguida e exaltada no homem de

perdição, que exibe a si mesmo sentado no templo de Deus, que acima de

todos é chamado e venerado como Deus, a não ser que Jesus Cristo na

maneira do serafim quiser habitar neles, iluminá-los como um querubim e

como um trono repousar e sentar com eles.

Quanto a vida, pregação, sofrimento, morte, ferimentos, sepultamento,

ressurreição e ascensão de Cristo e todo o resto de seus feitos e

ensinamentos (Latim: documenta ), passado, presente e futuro,

simultaneamente todas as coisas juntas e individualmente, humanamente e

divinamente iniciadas e perfeitas, dada e anunciada, simboliza e abre desse

modo a dignidade e majestade da sua graça e glória reveladas e seus

conselhos secretos comunicados de um modo ordenado por dispensação,

aparecerá em seus santos de modo que todas aquelas coisas de Cristo as

quais estão nos membros individuais de Cristo podem brilhar e o particular

no todo pode ser iluminado mais gloriosamente por efeito e por força.

Jesus Cristo é verdade, sabedoria eterna, incriado, gerado, criando todas as

coisas, contendo todas as coisas e completando todas as coisas. Ele

transfere a si mesmo inteiramente para dentro das pessoas e de tudo como

ele quiser, de muitos modos diferentes e várias formas, humanamente e

divinamente, de acordo com a capacidade das pessoas em recebê-lo, por

causa da consumação de seu corpo místico. Por seu espírito, por sua

glorificação, por sinais inovadores e alteração de milagres , ele deseja dar

uma única lembrança dele e de suas maravilhosas obras a todos em

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Francisco. Por isso, depois de ter dado através dele a Regra e o

ensinamento de sua vida, ele o vestiu com o sinal de sua carne e cruz, de

modo que os últimos membros deveriam reconhecer que eles devem ser

conforme a cabeça.

A altura das riquezas, a sabedoria e o conhecimento de Deus e seus

incompreensíveis julgamentos, fechados por selos, são abertos e revelados

pelo Pai através do Espírito Santo em Cristo; quando a operação da

misericórdia de Deus cria o gracioso escolhido através de Cristo e quando a

escolha predestinada é perfeita e declarada abertamente nos santos. A

retidão da justiça de Cristo e a equidade de seus julgamentos é louvada e

mostrada no réprobo e perverso quando nesta última hora Cristo pôs o

sinal da cruz no firmamento da igreja; e o qual ele desejou mostrar em

Francisco, de modo que aqueles que contemplá-lo em Francisco podem

assumi-lo e segui-lo e fugir da face do homem infernal diante de quem

conduzem uma espada e não são capturados na armadilha de seus erros e

pela operação da mentira, aderindo a falsidade, cair da verdade.

Lúcifer, louvando a si mesmo, foi derrubado do céu; e Adão, seduzido pela

mulher contou uma mentira; e os filhos de Seth pervertidos pelas filhas dos

homens, pereceram no dilúvio. Desse modo também os filhos de Noé

orgulhosamente se opondo a Deus, foram envolvidos em confusão e

lançados na idolatria. Ao tempo do pai de nossa fé, Abrão, Ismael, o

primeiro nascido de carne, perseguiu Isaac, o filho da promessa e foi

expulso pelo espírito para que ele, Ismael, não fosse o herdeiro. Esaú

perseguiu Jacó e imitou Caim, o assassino do inocente Abel; os filhos de

Jacó venderam José, que era amado por Deus e pelo pai deles Jacó. Pela

falsa palavra e ação, eles enganaram Israel que ainda podia ver. Dois de

seiscentos mil homens acreditavam em Deus; os outros tinham sido

excluídos de entrar na terra prometida. Saul perseguiu Davi e, exceto

Ezequias e Josias, todos os reis pecaram e mataram os profetas enviados do

céu. E finalmente eles cortaram a cabeça do precursor, um santo homem

desde o ventre. Os pontífices, escribas e Fariseus levantaram o messias,

Deus e Senhor dos profetas na cruz, do lado de fora da cidade entre dois

ladrões. Para a lista de todas as suas perversidades eles acrescentaram a

blasfêmia do espírito de Cristo, por conta da qual a cólera de Deus virá

sobre eles para exterminá-los até o fim.

Alguém disse:

Finalmente, quem pode dizer e quem pode compreender quão remoto foi de

Francisco ser glorificado exceto na cruz do Senhor? A ele sozinho tinha

sido permitido experimentar isto. E talvez por isso que teve que se tornar

visível na carne, o que não podia ser explicado em palavras. Somente o que

pode ser anunciado para os ouvidos humanos, o que ainda não se tornou

claramente visível. Por isso, esse sacramento apareceu no santo, como tinha

sido revelado a ele por Cristo, de modo que ele pode entender a razão dos

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acontecimentos futuros. Ele a quem a natureza, a lei e a graça serão

testemunhos, finalmente será verdadeiro e digno de fé, porque o sinal exige

um selo e quando a palavra é escassa, o silêncio fala.

Desde aqueles eventos finalizados que já passaram, os segredos começam

a se tornar claros, os quais o serafim revelou a Francisco mesmo e as coisas

ocultas começam a ser reveladas nos sinais dos ferimentos. Jesus Cristo,

Deus e o homem verdadeiro, o começo e o fim da natureza criada, da lei,

da graça e da glória, cercado e confinado na cruz da imensidão de sua

onipotência, a infinitude de sua sabedoria, a largueza de sua graça e a

inefável bondade de seu amor. Pela morte Cristo destruiu a morte e

iluminou a vida e a incorrupção pelo evangelho; do qual o professor,

Francisco, foi feito arauto, através de Cristo na Igreja, por palavras e obras.

Depois que Cristo foi crucificado, ressuscitou dentre os mortos e deu o

Espírito Santo para os apóstolos, o espírito da vida emanou da morte da

letra. A sinagoga, aderindo a letra, continuou morta e sepultada, envolvida

por um mau cheiro infernal e assediada por vermes como demônios. E

como Eva, tendo transgredido a ordem, perdeu a inocência, a dignidade, a

graça e a imortalidade da natural condição e atraiu sobre si a morte do

corpo e da alma, assim a sinagoga, por conta da morte de Cristo, ficou

despida das dádivas e boas promessas da escritura e dadas pela graça, e se

tornou a eterna vítima da morte, do inferno e dos demônios.

Cristo, tendo aceitado essa revelação da morte da parte do Pai,

ressuscitando dos mortos , transmitiu isto aos seus servos, os apóstolos e

eles entenderam e pregaram que a mãe deles, a sinagoga, estava morta; e

pela morte da carne, eles compreenderam que eles mesmos tinham recebido

vida da vivificante vida de Cristo. E pela mão direita da santificação, tendo

sido feitos santos dos santos pelo seu espírito, eles pregaram com um

debate acalorado a vivificante fé contra a mortificante e destrutiva

infidelidade.

E suas línguas foram transformadas em uma chave celestial de Deus,

abrindo para o digno e o fiel os caminhos da vida, a exterminação do

mundo e mostrando para os amantes do mundo a morte e a eterna perdição

por sinais, obras e sermões. Eles separarão o precioso do vil, a verdade da

mentira, a bondade da maldade e foram feitos a boca de Deus e o carro de

guerra da sua onipotência contra o mundo e o príncipe do mundo.

Eles evangelizaram os crucificadores de Cristo e aquelas arrogantes e

orgulhosas pessoas que, tendo desprezo por sua humildade e mostrando o

zelo deles pela lei de Deus e a honra à sinagoga, consideraram eles mesmos

terem a chave da autoridade divina e do conhecimento. E eles salvaram

aqueles que tinham caído por pecar pela inveja, em infidelidade e

desobediência em relação a Deus. E pelo amor celestial eles atraíram de

volta para a amizade, complacência, imitação e confissão de Cristo aqueles

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que por voraz avareza tinham estabelecido o ódio de Deus sob o pretexto

de servir ao culto divino e ao estado mundano da sinagoga. Deus irá

triturar e dispersar aqueles que atulharam até em cima suas orelhas como

um somador e ampliará seu nome entre as nações.

Quando, portanto, a perfeita vida evangélica for solenemente introduzida e

inovada na igreja de Cristo através de Francisco, os irmãos recusarão e se

oporão por palavra e por obra as artimanhas dos demônios e os sofismas e

erros dos precursores do anticristo. E quando aqueles que eram freis só no

nome tiverem convencido ambos os clérigos e os leigos a perseguir, odiar e

rejeitar aquela vida; e quando eles tiverem separado seus verdadeiros

amantes e servos com o acordo da autoridade eclesiástica como

desobedientes e insubordinados irmãos a fim de matá-los, então o sinal de

seus ferimentos clamará e denunciará a malignidade dos perseguidores

simbolizado nas feridas. E isto proclamará pela palavra silenciosa a

inocência, perfeição e verdadeira existência daqueles que são os que

suportam a perseguição.

Fé, quando é uma experiência indubitável de Deus, não tendo princípios

demonstráveis, como aquelas matérias que superam a mente e o intelecto, é

uma substância existente e trabalha acima da natureza no verdadeiramente

fiel. Aqueles irmãos falsos, que foram excitados por Satã e que confiam

nas razões da filosofia humana, tentarão derrubar a fé e puxar para trás

aqueles que foram edificados e enraizados sobre tal fé. Eles tentarão

mostrar artificialmente que viver fiel contraria as escrituras e os exemplos

comuns e documentos dos pais antigos. Os falsos irmãos argumentarão

que o fiel atua loucamente, ousadamente e irracionalmente segundo o falso

senso do frei, presumindo fazer voto e observar coisas impossíveis para a

natureza humana. Os falsos irmãos argumentarão que o fiel diverge

intensamente do costume comum e da tradição dos pais anteriores,

transmitido à geração seguinte nos santos e pelos santos até o tempo

presente. Pelo que os Cristãos pensarão que eles oferecem obediência a

Deus quando eles matam aqueles Cristãos que estão se esforçando com

todas as suas forças para atingir a verdadeira perfeição.

Por isso, o irmão que escreveu a primeira legenda disse que “ele será

verdadeiro e merecedor de fé a quem a natureza, a lei e a graça serão

testemunhos”, porque a inocência de Abel, a benignidade e humildade de

Moisés e a bondade e o amor de Jesus Cristo, testemunharão para aqueles

mais novos pobres, que são humildes na mente e no coração, que eles são

verdadeiramente abençoados. Como os primeiros santos, que antigamente

serviram ao Senhor sob a lei da natureza e a lei de Moisés e a lei da graça,

eles padecerão até o fim dos tempos dos gentios.

Depois da serpente antiga ter caído do apogeu do seu estado por causa de

sua própria soberba, ela seduziu o primeiro homem; lutou contra Moisés,

tentou Cristo e foi a causa dele ser crucificado. Aquela serpente será

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libertada no final da entrada da plenitude dos Gentios para atuar como uma

tentadora. Muita iniqüidade transbordará quando ela for libertada – isto é-

abundará e o amor crescerá tão frio que o orgulho, a traição, a heresia, a

esterilidade e a insensatez serão considerados como humildade, fé, pobreza,

pureza e amor de Cristo.

Também Irmão Pacífico em estado de êxtase viu e ouviu que o primeiro

assento de Lúcifer tinha sido reservado para o humilde Francisco e Irmão

Salvus viu São Francisco eleito por Deus para fazer uma incomparável luta

contra Lúcifer e que outro irmão viu que Lúcifer tinha entrado na religião

dos menores e tomado o hábito de modo que ele pudesse mais facilmente

ser capaz de lutar contra Francisco. Essas e todas as outras visões

similares, se elas indicam alguma verdade, principalmente indicam isto que

Cristo disse no evangelho: “o último será o primeiro e o primeiro será o

último”; e que “muitos serão chamados, poucos escolhidos”: e que “os

inimigos do homem”, vestiram o hábito de Cristo, mas não a ação, “são

seus servos domésticos”. Os filhos de Abraão e da circuncisão negarão

Cristo. Os sucessores de Cristo e do humilde Pedro se envergonharão da

pobreza e humildade quando o tempo da desolação se aproximar. Aqueles

que são por hábito e nome menores lutarão e perseguirão a “minoria” na

coisa em si e na ação. Eles odiarão isto imaginativamente e amargamente.

Seguindo o hostil Lúcifer, o líder da fraqueza perversa, do erro e da

incredulidade, por quem aqueles filhos da carne foram seduzidos à

irreverência, a descrença e a desobediência, eles irritaram e provocaram

Francisco, o mais humilde e mais pobre dos imitadores de Cristo, desde

que ele existiu.

A primeira guerra foi travada pela incredulidade, irreverência e

desobediência contra o fundador, Francisco, o servo de Cristo, e aqueles

que cordialmente e verdadeiramente aderiram a ele. Contra aquela guerra,

Cristo em Francisco e seus companheiros resistiram e saíram vencendo, em

ordem que eles puderam vencer pela verdadeira pobreza e humildade e

reinam em paz e amor triunfalmente.

Que assim seja, amém.

Finalmente quando a hora da travessia do humilde e pobre servo

de Deus, Francisco, se aproximou, ele fez com que todos os irmãos

que viveram naquele local fossem chamados e ele lhes falou palavras de

consolação por conta de sua morte. Ele os exortou com afeição paterna e

palavras eficazes para observarem a prometida vida e Regra, divino e

mútuo amor e reverência e obediência para a santa mãe a Igreja Romana e

todos os clérigos. Legando e deixando para eles a posse da pobreza,

humildade, paz e mútuo amor como herança, ele falou com as mais efetivas

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e fiéis palavras para inflamá-los em direção ao seguimento ardente das

pegadas de Jesus Cristo e em relação ao desprezo e aversão ao mundo.

Com os irmãos de pé ao redor dele, Francisco ordenou um breve

Testamento para ser escrito, no qual ele recordou toda a sua primeira e

última intenção para a religião, revelada a ele por Cristo, a pura e clara

verdade. Francisco fez isso para aqueles que estavam presentes, para

aqueles que estavam ausentes e para todos aqueles que viriam até o fim do

mundo. E ele ordenou na forma mais severa possível que isto seja mantido

e servido fiel e reverentemente sob a benção do mais sublime e divino Pai e

seu abençoado Filho, Jesus Cristo nosso Senhor, e sua benção. E depois de

ter estendido suas mãos em forma de cruz sobre eles, aquelas mãos que

foram imprimidas com os estigmas de Jesus Cristo e tendo seus braços

cruzados, ele abençoou todos os irmãos presentes e ausentes no poder e em

nome de Jesus Cristo, o crucificado.

E ele fez que Bernardo de Quintavalle fosse chamado até ele, quem tinha

sido o primeiro irmão e pondo sua mão direita em cima de sua cabeça na

frente de todos os irmãos, ele o abençoou com profunda e única afeição. E

tendo dado a benção, o bem-aventurado Francisco ordenou um dos seus

companheiros dizendo:

Escreva o que eu digo a você. O primeiro irmão que o Senhor me deu foi

Irmão Bernardo e ele foi o primeiro que começou a realizar mais

perfeitamente a perfeição do santo evangelho, distribuindo todas as suas

posses aos pobres. Por conta da qual e também por conta de muitas outras

prerrogativas que Deus lhe deu, eu sou obrigado a amá-lo mais do que os

outros irmãos da religião inteira. De onde eu desejo e ordeno, em tanto

quanto sou capaz, que todo aquele que for o ministro geral da religião, o

ame e o honre como fariam a mim mesmo. E também todo o ministro

provincial e os irmãos de toda a religião devem mantê-lo em meu lugar.

Francisco tinha profetizado que próximo a morte de Irmão Bernardo, a

Bernardo seriam dadas de antemão muitas graças e dádivas da parte de

Jesus Cristo, e que em maravilhosa paz e descanso para seu corpo e alma,

ele atravessaria dessa vida para Cristo. Bernardo estaria seguro e

preenchido com a unção do Espírito Santo, como depois de sua morte ficou

claro para todos os irmãos que estavam presentes .

Finalmente, os irmãos de Francisco vendo no momento de sua morte a

devoção fiel de Francisco a Cristo, extremo quase até o ponto da expiração,

eram incapazes de conter suas lágrimas, mas disseram com rara alegria e

admiração: “Realmente ele não foi reconhecido como um santo”.

Na verdade, depois de sua morte eles o olharam como um santo de Deus,

exibindo uma certa alegria e felicidade, com admirável fragrância e única

beleza, a qual beleza, enquanto ele vivia, ele não tinha. E eles se

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encantaram com sua aparência, porque um tipo de poder veio dele,

agradando aqueles que estavam ao redor olhando para ele e preenchendo-os

com uma doce e espiritual consolação.

A SEGUNDA TRIBULAÇÃO

O inimigo de todo o bem decidiu e iniciou a segunda perseguição

contra Bernardo, este homem de Deus, que era santo e ardente de

amor, e contra os outros fervorosos irmãos e filhos de São Francisco.

Aquele anjo selou com os estigmas, Francisco, um fiel profeta no espírito e

virtude de Elias, tendo sido enviado para os pobres homens, havia migrado

do mundo e a maior parte dos irmãos que tinham os espíritos ardentes o

haviam precedido a Cristo. Então uma multidão de ministros e guardiões

unanimemente concordaram sobre Irmão Elias, por causa de seu ilustre

conhecimento e notável prudência e, depois que o santo morreu, eles o

escolheram como reitor e governador.

Elias recebeu o ofício de geral pela concordância e eleição de todos os

irmãos. Estando livre – como ele erroneamente pensava – do excesso de

indiscreto fervor e do ímpeto de espírito que havia no fundador, Elias

julgou de acordo com o senso humano e a prudência carnal.

Audaciosamente ele começou a fazer e ensinar a discórdia e oposição

contra aqueles que o santo tinha amado. Elias tinha muitos falsificadores,

mais ainda promotores e numerosos invisíveis e astutos instigadores, cujas

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armadilhas e intervenções ele não somente negligenciava vigiar contra e

repelir, mas recebia espontaneamente e cumpria com satisfação.

Não admira então o que o grande doutor Gregório de Nazianzus disse:

- O depravado modo de vida de alguém que preside é e deveria ser

chamado de pestilência. Porque nada é mais eficaz para infectar e

corromper subordinados, do que um líder no qual o mal se tornou

verdadeiramente maior, quanto mais pessoas sobre as quais ele mantém

dominante autoridade. A malignidade é muito maior que atinge a maioria,

do que a que acontece só para um. Não é fácil tingir uma roupa com uma

cor que se opõe a original e num vaso que tem um odor podre é difícil fazer

uma fragrância. É muito mais fácil corromper alguém que é puro do que

perseguir o bem. A coisa mais apropriada para enganar a virtude é a

malignidade, e que, quando eu considero isto, me aborrece mais, porque o

ofício na mão é agradável, ciumento e sensual. ; e nada mais facilmente

pode tornar-se mal, ainda que isso fosse bom, do que quando nós agimos

desse modo. A posse do bem é rara e poucos são atraídos em direção ao

bem, ainda que muitas coisas causem a sua atração e a recomendem. É

uma dificuldade para a natureza humana apreender o bem, assim como para

o chão úmido pegar fogo. Em minha opinião, muitos estão tão prontos para

aceitar o mal e a má conduta, como um pedaço seco de palha queima se

uma fagulha encosta nele e é levado pelo vento. Qualquer um aceitará uma

dose moderada de malícia mais rapidamente e mais amplamente do que

uma gradual e estável probidade. Da mesma maneira, um pouquinho de

vinagre mais rapidamente azedará o mel do que o dobro de mel adoçará o

absinto. Semelhantemente um moinho de água, por menor que seja, pode

chupar um rio inteiro, o qual, porém, uma forte represa dificilmente será

capaz de deter e conter.

Assim, Irmão Elias entregou ao esquecimento muitas daquelas coisas que

ele tinha visto em Francisco, o homem de Deus. Ele as considerava tão

insignificantes quanto as imundícies que fazia para serem pisadas pelos

pés. Elias foi seduzido pelas palavras e pelo erro de seus aduladores e seus

partidários e exaltado pela reputação e obséquio do imperador e do

supremo pontífice e outras pessoas ilustres, que o consideravam acima de

todos os outros por seu conhecimento, natural prudência e da aparente

honestidade de seus costumes. Portanto Elias começou a por diante de

todos os irmãos decretos de seu próprio coração, como sendo certos e úteis

para a salvação e como possíveis e prudentes coisas a fazer.

Neste tempo, muitos dos companheiros do bem-aventurado Francisco ainda

viviam. Entre eles estava o acima mencionado Irmão Bernardo e Irmão

Cesário, um homem honrado por seu conhecimento e especialmente pela

santidade de sua vida. Os companheiros incluíam Irmão Ricério, Irmão

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Simão de Contessa, de uma nobre linhagem e de agradável santidade,

Irmão Ângelo e Masseo, e não poucos outros, entre os quais eu vi alguns.

Deles, que devotadamente mantinham-se ocupados servindo fiel e

simplesmente as promessas reveladas para o pai e líder deles e já

confirmadas pela autoridade da igreja, eu escutei o que tenho narrado. E

eles eram incapazes de conservar o silêncio sobre as obras de Elias,

decretos, desvios e dissonâncias dos mandatos e tradições do fundador.

Portanto eles sofriam por conta da ofensa dada à Deus e a danação das

almas. Com palavras simples e piedosas obras, cordialmente se mantendo

fiéis as ordens e exemplos de seu pai, eles mostraram que seguir as

relaxações e impurezas que estavam sendo lançadas envolviam um não

pequeno perigo.

Elias na companhia de seus seguidores estava agitado, mas ele dissimulou

por algum tempo a impaciência e a raiva que estava em sua mente. Ele

tramava meios para lançar trevas e astuta e enganosamente difamar por

calúnias e acusações ao supremo pontífice aqueles irmãos que estavam

progredindo simplesmente, diante de quem ele os perseguia e oprimia.

Elias queria uma desculpa aos olhos daqueles que seriam afligidos e

perturbados pela pressão sobre os santos irmãos. Portanto ele mostrou estar

fazendo tais coisas e estar perseguindo eles com justiça sob o comando do

pastor e somente para o bem daqueles que estavam sendo controlados.

Finalmente, aproveitando uma oportunidade, ele aproximou-se do

vigário de Cristo, então Papa Gregório e, como habitualmente

acontece em tais instâncias, Elias diante dele expôs um lamento fictício,

tingido de grande santidade, discrição e honestidade e na aparência

benéfico para a Igreja e para toda a religião, dizendo:

- Santo Padre, em toda esta vasta corporação, especialmente dos irmãos

pobres, muitas coisas acontecem frequentemente de indiscrição sobre o

disfarce de um bom e fervente espírito, os quais, embora possam parecer

insignificantes, a não ser que sejam prontamente corrigidos, tomando

profundas raízes enquanto o tempo passa, dá origem a grandes males.

Alguns irmãos entre nós são reverenciados pelo povo e o clero como muito

santos por conta do companheirismo que eles tiveram com São Francisco.

Esses irmãos, regrando a si mesmos de acordo com seu próprio senso, tem

desprezado a rédea da santa obediência e tem circulado de um lado pro

outro e acolá, como se eles não tivessem chefe. Eles falam e ensinam coisas

que finalmente se tornarão um escândalo para toda a religião, a não ser que

pela sua paternidade, o mal tendo já começado, um corretivo seja posto

nesta situação. Além disso, eu, impelido pela consciência, fiz esse lamento

diante de sua santidade temendo que alguns sérios e terríficos escândalos

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sejam propagados por eles, embora eu preferiria ter mantido silêncio ou tê-

los conduzido nas costas e os reprimido por minhas ternas e piedosas

exortações e correções.

O Supremo Pontífice, que tinha Irmão Elias em grande estima, firmemente

acreditou que o que ele falou era verdade. O papa, movido por sincera e

amorosa afeição e ardente zelo espiritual, os quais o moviam totalmente a

conservar e promover o bom estado da religião de uma forma única, disse a

Irmão Elias:

- Vá, e de acordo com o espírito e prudência que foram dados a você,

corrija aqueles irmãos que, sob a aparência do espírito, tendo rejeitado a

disciplina da Regra e a rédea da santa obediência, vagueiam aqui e acolá.

Assim, nenhum escândalo será capaz de germinar deles na religião, nem

um exemplo de algum tipo de contágio e divisão será dado por eles para o

mais simples, obediente e fiel dos irmãos. Frequentemente as maldades,

que tem sido consideradas insignificantes, se são negligenciadas, serão

fortificadas e reforçadas pela passagem do tempo e se tornarão

incorrigíveis.

Papa Gregório de santa memória firmemente confiou em Irmão Elias, por

conta da grande moral e honestidade que o papa discernia nele e pela rara

prudência e sabedoria as quais ele pensava ser preeminente entre todos os

irmãos da religião daquele tempo. O supremo pontífice não sabia como

Irmão Elias tinha se oposto a São Francisco e como ele tinha se dedicado a

curiosidades. Gregório também estava desapercebido de que Elias tinha

dado ao curioso uma abertura e tinha ensinado muitas coisas secretamente.

O papa não sabia que Elias tinha incitado e semeado oposição e dissensão

da perfeição da Regra e que ele tinha sido um incitador e autor das

relaxações e impudicícias. Tampouco Gregório sabia que Elias tinha

tentado com seus seguidores extinguir e sepultar o espírito e intenção do

fundador e por as coisas mundanas no lugar das divinas com suas

imaginações recentemente introduzidas.

Elias conscientemente foi o primeiro engendrador dessa fraude ante o

Supremo Pontífice. Elias acreditou mais em seu próprio senso e prudência

do que na santidade, benevolência e comando de Deus, os quais ele tinha

ouvido e recebido do perfeito Francisco, que tinha sido enviado do céu para

ele e os outros. Portanto Elias, tendo imitado a cegueira de seu próprio

senso e tendo sido algemado e capturado pela armadilha de sua

complacência, foi feito um príncipe como Nero para a perseguição dos

santos. Finalmente, Elias golpeou e matou a si mesmo e seus partidários

com a espada com a qual ele tinha golpeado os santos irmãos.

Elias foi excomungado pelo mesmo pontífice Gregório, por conta do apoio

do ministro ao imperador. Elias morreu naquele estado de excomunhão por

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causa do pecado e negligência de seu sucessor, Irmão Alberto, que

descuidou de apresentar as cartas de desculpa e de reparação que Irmão

Elias tinha enviado por ele para o papa, como Alberto tinha prometido

fazer a Elias. Finalmente, só uns poucos dias após o sucessor do Irmão

Elias, a saber Irmão Alberto de Pisa, morrer, e as cartas de reparação

enviadas ao papa foram encontradas dentro da aniagem que ele usava como

um hábito. Assim como a verdade sobre os costumes dos santos irmãos

tinha sido ocultada do Supremo Pontífice por Elias e sua persuasiva

falsidade, assim suas cartas de reparação, declarando sua intenção e

obediência, foram retidas por assim dizer e não chegaram ao Supremo

Pontífice. Mas Elias morreu como um desobediente à igreja e separado da

religião ao mesmo tempo com seus irmãos.

Mas vamos retornar às coisas que ele fez contra os primeiros

irmãos de São Francisco e outros homens espirituais. Fortalecido pela autoridade de tal pontífice, Elias fez por si mesmo uma

regra de retidão e virtude a partir de seu próprio desejo e vontade. Da

mesma fonte ele converteu santidade em insensatez e a verdade em mentira

diante do Supremo Pontífice. Da ousadia e da temeridade Elias criou

magnanimidade e fé e da impiedade e justiça cruel o rigor da equidade.

Doravante como um leão – mas não da tribo de Judá – Elias se ergueu

contra os cordeiros; e, tendo retornado para o rebanho, ele tomou para si

alguns irmãos, que em tudo eram conforme a sua vontade e “insuflou

ameaças de morte contra os discípulos humildes” do fundador.

Em nome do Supremo Pontífice e em virtude da santa obediência, Elias

ordenou os irmãos que ele tinha escolhido de levarem a cabo seu desejo de

não poupar ninguém, mas manter os discípulos que tinham sido capturados

sob guarda e castigá-los pela disciplina e grilhões e apresentá-los diante

dele despojados de seus hábitos. Aqueles irmãos espontaneamente

exageraram suas ordens no preenchimento das injunções, desejando

agradar seu preceptor. Sendo impelidos pela necessidade de satisfazer sua

inveja e raiva – as quais eles tinham livremente concebido contra os santos

irmãos por conta de sua santa conversão e vida – eles trataram

impiedosamente e afligiram cruelmente aqueles irmãos que eles odiavam.

A raiva do louco é selvagem e diabólica. Eles tentaram exterminar e

dispersar todos que discordavam de seus desejos e vontades.

Verdadeiramente, dar autoridade para tais pessoas, ou confiar a execução

de qualquer tipo de justiça para elas, é favorecer as inovações de Satanás e

perverter a retidão da justiça e derribar os limites da equidade.

Os adeptos de Elias capturaram, retiveram, fustigaram e despojaram os

inocentes de seus hábitos. Então os agrilhoados irmãos, como feiticeiros e

ladrões, eram apresentados diante de um padre, empurrados com fúria,

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diante de um juiz motivados por ódio e diante de um subversor da causa

dos pobres humildes. Elias exasperava os irmãos apresentados a ele com

ofensas, os censurava com acusações e os repreendia com maldições. Ele

os fez serem tratados tão cruel e terrivelmente que ele parecia mais como

um tirano e juiz de feiticeiros do que um ministro dos servos humildes de

Cristo ou o pai dos pobres.

Elias ordenou que Irmão Cesário de Spira, um inocente homem

que era prudente e santo em todas as coisas, fosse algemado em

correntes de ferro e conduzido a uma cela. Lá Cesário foi confiado a um

certo irmão leigo que era cruel por educação e por natureza e que odiava

Irmão Cesário e seus companheiros sinceramente. A esse irmão foi dada a

incumbência da guarda de Cesário e foi instruído a guardá-lo

vigilantemente para que não fugisse e o observasse cuidadosamente

temendo que alguém fosse capaz de se aproximar para falar com ele.

Quando o inverno chegou e a porta da cela ficou aberta, Irmão Cesário saiu

da cela. Quando aquele irmão leigo, o sentinela, o viu fora da cela,

pensando que Cesário estava fugindo, ficou furioso, agarrou uma clava e o

golpeou fortemente. No que diz respeito ao ferimento deixado por aquele

golpe, o santo homem, um pouco mais tarde, rezando disse: “Pai, perdoa-

os, porque eles não sabem o que fazem”. Dando graças e recomendando

seu espírito à Cristo, ele morreu enquanto rezava. Cesário foi o primeiro

irmão sacrificado a morte por conta de seu fraternal zelo pela regular

observância. Como o proto-mártir Estevão, Cesário rezou por seus

perseguidores, deu testemunho da verdade, derramou seu sangue e como

uma fidedigna revelação demonstrou, ele foi recompensado com a coroa do

martírio no reino dos céus.

Na mesma hora que a alma de Cesário saiu de seu corpo, o santo Papa

Gregório, arrebatado num êxtase espiritual, viu uma certa alma sendo

carregada por anjos ao céu com grande glória e a coroa do martírio.

Estando estupefato com a visão, Gregório se voltou para o anjo que tinha

lhe mostrado a visão e lhe perguntou dizendo: “Quem é esse que ascende

ao céu com tanta glória e a coroa do martírio?”

O anjo lhe respondeu:

Esta é a alma daquele inocente homem, Irmão Cesário da Alemanha, pela

qual você, no dia de sua morte, terá que dar justificação perante Deus,

porque agindo em sua autoridade ele foi morto pelos irmãos dele, depois

dos grilhões, da cela de prisão e de muitas aflições as quais ele suportou

pacientemente pela fiel e pura observância da Regra dele. E, por isso, ele

entra no céu bem guardado e feliz com a palma do martírio.

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Por conta dessa visão, o Supremo Pontífice, cheio de admiração e ansioso

pelo medo, parecia um tolo. Depois, tendo ordenado um diligente inquérito

na verdade da situação, ele descobriu que na mesma hora que ele ,

Gregório, tinha tido a visão, a alma de Irmão Cesário tinha migrado para

Cristo. E, compreendendo que ele tinha sido induzido ao erro por Irmão

Elias e seus aliados, retirou-se depois de ouvir as artimanhas deles. Não por

muito tempo ele manteve uma discussão familiar com eles e a única fé que

o tinha motivado a confiar neles estava acabada.

E tendo convocado os irmãos, que naquele momento viviam perto dele,

disse-lhes o que tinha visto e falou com profunda amargura e indignação na

sua alma, dizendo:

Como é que , declinando tão rapidamente e espontaneamente da inocência

e retidão, vocês tem se voltado uns contra os outros? Tendo abandonado o

amor e depreciando e perseguindo uns aos outros, vocês tem mutuamente

mordido e devorado vocês mesmos. Assim como vocês não se importaram

a respeito do perigo para suas próprias almas, apegando-se obstinadamente

a suas próprias vontades, assim vocês não temeram a sentença posta em

suas testas pelo sangue de um inocente homem. Vocês inverteram

injustamente a gentileza de seu amor e autoridade contra um santo homem.

Ah! Como rapidamente vocês começaram a declinar da perfeição legada a

vocês por seu pai e da piedade e humildade, as quais vocês enxergaram

nele. Olhem para vocês mesmos e busquem a perfeição do seu chamado,

cumprindo isso sinceramente, vigilantemente e perseverantemente. Não

desdenhem disto ou negligenciem por conta da ingratidão, porque o seu

chamado é o mais perfeito e santo, o pior será a sua subversão e a sua

queda e a sua condenação será pior agora e no julgamento futuro.

Mas essa é uma suficiente comemoração a Irmão Cesário por hora.

Agora de fato alguma coisa deve ser dita sobre Irmão Bernardo, a

quem o agonizante São Francisco abençoou com tanta

familiaridade, como foi mencionado anteriormente e a quem ele tinha

recomendado a todos os irmãos e ao ministro geral, que deveria ser

escolhido após sua morte. Alguma menção também deve ser feita de seus

outros companheiros.

Primeiro, Elias e seus seguidores aprisionaram Irmão Cesário, que foi mais

famoso do que os outros por sua virtude e sabedoria e que foi acorrentado

numa cela e afligido com os mais severos métodos e disciplinas a fim de

aterrorizar todos aqueles que tinham sido orientados por seu exemplo e

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iluminados por seus sermões. Em seguida, Elias e seus seguidores voltaram

a atormentar e castigar os outros irmãos.

O santo homem Irmão Bernardo ouviu acerca do tratamento de Irmão

Cesário. Bernardo, mais do que todos os outros, tinha longa e segura

experiência da teimosa e obstinada alma e endurecida mente do Irmão Elias

e assim ele pensou que seria melhor evitar sua fúria e ir embora de sua

insana cólera. Retirando-se do lugar onde estava, Bernardo se transferiu

para áreas montanhosas inabitadas e construiu uma choça empobrecida na

encosta do Monte Sefro e residiu lá, devotando-se completamente a

contemplação. Lá ele foi encontrado por um certo carpinteiro que

freqüentava a montanha a fim de cortar material necessário para seu ofício.

O carpinteiro perguntou a Bernardo quem ele era e por que estava se

escondendo em um lugar tão rude e depois que ele ouviu o objetivo e o

motivo de Bernardo, ele o assistiu por 2 anos. Bernardo, permanecendo

irreconhecível por outros homens, fez uso do vôo evangélico e da licença

do fundador, até Irmão Elias ter sido deposto de seu ofício de ministro e

excomungado pelo Papa Gregório por conta de sua adesão e lealdade ao

imperador Frederico.

Elias, realmente, não tocou no Irmão Simão de Contessa por medo de seus

parentes, mas o atormentando com abuso verbal, tempestades de injúrias e

sonoros gritos de ameaças, ele o prendeu num certo lugar longe dos outros

homens e sob certas leis e estatutos. De fato, ele isolou uns dos outros e

dispersou de um lado para outro, outros doze companheiros dos Irmãos

Cesário e Bernardo, despojando de seus hábitos e punindo-os com

disciplinas e espancamentos. Outros que partilhavam o mesmo pensamento

deles foram atormentados com diversas penitências e duras punições.

Santo Antônio, de fato, cujos restos mortais estão em Pádua, não deixou de

ser atingido por essa tribulação. Quando ele veio a Assis da Sicília para

visitar as relíquias de São Francisco, ele foi apanhado e saqueado por

agentes do Irmão Elias. Antônio foi açoitado até o sangue correr.

Pacientemente recebendo os golpes, açoites e as ameaças como uma forma

de hospitalidade, Antônio retribuiu as chibatadas com louvor e benção à

Deus, dizendo: “Deus seja bendito! Possa o Senhor poupá-los, irmãos!”.

Perturbados pela força da fúria insana, eles completaram o delírio de sua

crueldade rapidamente, de modo que saquearam e aprisionaram um irmão

peregrino de uma nação e língua estrangeira, desconhecida deles. Sem

qualquer investigação completa ou qualquer conhecimento seguro sobre a

verdade das coisas, eles o acorrentaram cruelmente, fizeram ameaças e o

torturaram com comentários insultuosos.

Trazer à mente o julgamento e recordar o fim do promotor dessa tribulação,

Elias. Ele “não estava firme na verdade” e era um mentiroso na ação e na

palavra, insolente e irreverente a seu pai. Ele foi o sedutor do vigário de

Cristo e o perseguidor de seus irmãos. Todo aquele que relembrar Elias

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obterá proveitoso conhecimento tanto quanto medo e o desejo pela

humildade. Ele também chegará a odiar o orgulho e desconfiar de seus

próprios sentimentos. Qualquer um que lembrar Elias se tornará mais

inflexível, etc. Recordar Elias o fará mais firme na pura observância da

prometida Regra e mais sincero e cheio de reverência ao fundador. Porque

Elias foi relutante em receber e imitar o poder e sabedoria de Deus como

Francisco realizou, por causa de seu orgulho e confiança em seus próprios

juízos, ele foi entregue ao falso senso de infidelidade, desobediência,

irreverência, impiedade e intolerância. Nele mesmo e na religião, ele

recebeu e semeou sementes que geraram uma amarga colheita em seus

descendentes.

Essa segunda vexação ou tribulação foi suportada até a eleição de Irmão

João Parenti como ministro geral, o qual se mantinha em conformidade

com São Francisco em obras, palavras e sentimentos em todas as coisas e

por todas as coisas. Embora Papa Gregório tenha deposto Irmão Elias do

posto de ministro e o excomungado, aquela tribulação não cessou

inteiramente porque aqueles que estavam em custódia, a saber os ministros

e guardiões, partilhavam as visões de Elias. Eles não mudaram suas mentes

por conta daquele procedimento do supremo pontífice, mas amavam Irmão

Elias da mesma forma que antes. Eles não pararam de tentar

engenhosamente e habilmente com infâmias e calúnias, atormentar e

obscurecer os imitadores daquela pobreza e humildade que São Francisco

serviu e ensinou e tinha mandado que fossem observadas na Regra e no

Testamento e em outros de seus escritos. Eles continuaram mesmo até a

chegada e eleição do anteriormente mencionado ministro geral, que era

agradável à Deus e chegou no momento mais importante para a religião

fundada por Francisco.

A inveja dele, que o derrubou, provocou aquela tribulação na ordem e

aqueles que sofreram isto, os companheiros do fundador, Irmão Egídio e

Ângelo e os outros que sobreviveram, relataram isto em meus ouvidos. Eles

queriam por suas palavras gravar nos corações dos seus ouvintes que o

príncipe do inferno abominava e odiava nada mais do que aquela pobre,

nua, humilde, piedosa e pacífica vida de Cristo, a qual o Pai das graças e

das luzes inovou por Francisco no último momento, a fim de dar o

conhecimento ideal e o ensinamento necessário para a salvação contra a

cobiça, a vaidade e o orgulho, levantados nos últimos dias pelo

exterminador de todas as coisas boas na Igreja.

Essa segunda tribulação foi provocada por um homem que presumia

muitíssimo sobre sua própria auto-suficiência e que confiava mais

completamente em sua própria prudência. Ele almejou aquelas coisas que

estavam acima dele e esqueceu-se de se estender na direção das coisas

melhores. Ele pensou irrefletidamente, aspirando aquelas coisas que eram

inferiores, pensando humanamente. Ele sentiu e ensinou coisas contrárias à

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pobreza evangélica, isto é, caminhar entre os vaidosos e grandes coisas

opostas a humildade, ao amor e a verdade de Cristo. Ele igualou e preferiu

a si mesmo do que o simples e pobre Francisco, quem desse modo causou a

ruína e exterminação dele e de seus seguidores, naquele tempo, agora e

mesmo até o fim.

A multidão desses males, semeados no princípio, germinaram e brotaram,

exatamente como a geração de filhos de Lamech fizeram contra os filhos

de Set, como os Ismaelitas e Moabitas e os filhos de Esaú contra os filhos

de Isaac e Jacó, os filhos de Israel contra Moisés e os profetas e como os

escribas e Fariseus, os sacerdotes e os líderes dos sacerdotes “vieram

juntos como um contra o Senhor e contra seu Cristo” . “Aquele que é

espiritual não vem em primeiro lugar, mas aquele que é animal”, e aquele

que é realmente espiritual, não é desse mundo, mas é do reino dos céus.

Todos nós estamos sofrendo sob a imagem e a tirania do reino animal, pelo

que devemos chegar e direcionar todo o nosso ser para os primeiros moldes

para sempre, por amor da verdade, com toda a sinceridade da humildade e a

integridade da fé. “Nem todo aquele que me diz, “Senhor, Senhor”, entrará

no reino dos céus, mas quem fizer a vontade de meu Pai que está nos céus”.

Não é aquele que ensina, mas aquele que ensina e pratica, “não é

verdadeiro judeu quem é no exterior, nem a circuncisão é a circuncisão

exterior da carne. É judeu aquele que é no interior e a circuncisão é a do

coração segundo o espírito e não segundo a letra. O louvor deste judeu não

provém dos homens, mas de Deus”.

Pois é nada mais do que o aumento da condenação de alguém que assumir

o hábito da humildade e lutar contra a humildade; professar a pobreza

publicamente e solapar os pobres e a prática da pobreza; proclamar e

recomendar em sermões a castidade, o amor e a paz e depois executar

ansiosamente e servir de conduta, ações e sentimentos, a hostilidade, o ódio

e as impurezas. “Você tem odiado todos aqueles que fazem iniqüidade e

você tem arruinado todos aqueles que falam mentiras”. Quando ele disse

“todos”, ele não excluiu ninguém. “Toda a árvore que não der bons frutos

será cortada e lançada ao fogo”. Pois,se aquele que não carrega bom fruto

será enviado para o fogo sem qualquer compaixão – sem levar em conta a

condição e o hábito do homem – então como se manifestará aquele que tem

feito o mal e negligenciado o bem?

Agora, além disso, todos nós como um grupo criamos para nós mesmos

uma larga rua e seguimos Elias e o espírito mundanos de Elias em vez do

espírito de Cristo em Francisco. Nós queremos a designação de humildes,

Cristãos não mundanos em vez da realidade; e nós amamos chamar a nós

mesmos filhos de Francisco, não de Elias. Nossas obras, contudo, se opõe

as nossas pretensões. Até os dias de hoje que aquilo é dito: “Na montanha

será visível” continua verdadeiro e será confirmado. O Senhor sabe quem é

dele. “Afastem-se da iniqüidade todos os que invocam o nome do Senhor”.

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Pois, “quem é de Deus faz o bem e quem faz o mal não conhece Deus”. E

as ações do mal não podem ser dissimuladas até o fim porque a verdade

preserva todas as coisas inalteráveis e visíveis e, quando a verdade de

Cristo aparecer, tudo será revelado. E será abençoado quem não parar de

seguir Cristo por causa dos homens e confiar na fé, pobreza e humildade no

coração dele e não tiver vergonha de professá-los por palavra e obra,

porque Cristo o reconhecerá diante de seu Pai e dos anjos.

Elias sucedeu São Francisco; Alberto, que viveu pouco, Elias. João Parenti,

um Romano, verdadeiramente glorificado na confissão da pobreza e

humildade sucedeu Alberto e João aspirou seguir ardentemente os passos

de seu pai com todo o seu ser e chamou a todos para a pura observância da

Regra por sermões e por atos. E no seu tempo aqueles que eram prudentes

segundo a carne, mantiveram-se calados. Aiman de Favershan, o inglês,

que era um homem educado, santo, prudente e humilde e que fez muitas

coisas boas, tanto quanto pode na Ordem, sucedeu João Parenti. Depois da

morte de Aiman, Irmão Crescêncio das Marcas de Ancona foi feito geral,

sob quem a terceira perseguição teve seu começo e seu fim.

A TERCEIRA TRIBULAÇÃO

Infidelidade, presunção, confiança na auto-suficiência,

complacência e irreverência em relação ao espírito e a percepção de

Cristo e desobediência ao fundador causaram a primeira perseguição.

Depois, falsidade, fraude, ira, intolerância e crueldade provocaram a

segunda perseguição. No tempo do Irmão Crescêncio, que ardentemente

seguia os sentimentos e costumes de seu predecessor, Irmão Elias, todos os

pecados anteriores deram nascimento a um certo tipo de insaciável, curioso

desejo por conhecimento, ser visto, ter, adquirir. Solitários e empobrecidos

lugares foram trocados por edifícios suntuosos. Legados e funerais foram

obtidos e os direitos clericais arrebatados. Desejo de aprender as ciências

seculares multiplicou o número de estudantes nas escolas de tal modo,

especialmente nas províncias italianas, que irmãos não se envergonhavam

de granjear e receber dinheiro abertamente e fazer solicitações e tomar

providências nos tribunais contra quaisquer pessoas que tivessem dívidas

com eles em ordem a executar suas intenções.

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Incompatibilidade com o estado de perfeição prometido e enormes

relaxamentos multiplicados a um grau tal que os irmãos que entendiam e

eram zelosos pela observância do voto regular compreenderam o perigo

para a salvação de suas almas. Eles temiam veementemente que eles

mesmos seriam considerados culpados na visão de Deus e seriam

sentenciados a morte eterna se eles mantivessem silêncio sobre o que

estava acontecendo. Eles consideravam, portanto, o perigo para a religião

inteira, a irreparável queda e a injúria e ofensa sendo dadas à Deus. Em

conformidade, os santos irmãos com angústia e espíritos ardentes,

incessantemente apresentavam diante do ministro geral e daqueles que

eram governantes dos irmãos vivificantes razões e efetivos exemplos e

argumentos contra a magnitude e enormidade das coisas que os ministros

estavam fazendo. Os piedosos irmãos também incessantemente traziam

consigo a vista e apresentavam as regras da Ordem, um eficaz corretivo

sustentado com argumentos irrefutáveis.

Naqueles tempos haviam muitos homens na religião que tinham um

incomparável domínio do conhecimento divino e cuja vida, pureza e

santidade eram celebradas, por conta das quais eles se distinguiam por

milagres durante suas vidas e depois de suas mortes. Também muitos dos

principais companheiros de São Francisco estavam ainda vivos, os quais se

angustiavam e gemiam por causa da torrente de maldades e dos enormes

relaxamentos da perfeição prometida. Além disso, todos juntos se afligiram

num mesmo grau porque o ministro e os superiores não deram ouvidos para

as admoestações e correções dos seus santos irmãos. Em vez disso, aqueles

oficiais começaram a conceber desagrado e aversão contra aqueles que

amavam aquela perfeição que preservavam; e pagando de volta detração

por amor, aqueles superiores tentaram secreta e publicamente fazer e

ensinar imediatamente e arrogantemente coisas contrárias às promessas e

votos de seus irmãos.

Os santos irmãos viram que seus esforços nada ganhavam e consideraram

que suas palavras estavam piorando as coisas. Em lugar da verdadeira e

pura observância da Regra, benefícios irregulares, trocas de casas e

edifícios dentro dos limites das cidades e casas fortificadas estavam sendo

introduzidos que escandalizavam o clero e o povo. Os santos irmãos

compreenderam que os líderes, tendo abandonado a oração, preferiam a

curiosidade intelectual e a estéril sabedoria de Aristóteles e ansiavam

avidamente escutar os mestres das ciências naturais e da dialética e

fundaram escolas nas quais pudessem obter e multiplicar o ensino dessas

ciências. E os santos irmãos sabiam que os ministros aceitavam essas

inovações e mudanças próprias deles indiferentemente, como se as

mudanças viessem de uma nova inspiração para promover um mais perfeito

e mais útil modo de vida para os maiores bem como para os menores. Eles

também sabiam que os ministros comumente pregavam estas mudanças e

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com exceção de uns poucos irmãos que tinham sido instruídos pelo espírito

de Cristo, os líderes decretaram a necessidade de apelar para a Igreja

Romana e o Supremo pontífice por privilégios.

Setenta e dois irmãos, que eram mais eminentes do que outros em

conhecimento e santidade, depois de falar antecipadamente com os

companheiros sobreviventes do abençoado Francisco e deliberado

cuidadosamente, foram eleitos para ir ao Supremo Pontífice e ao sacro

Colégio de Cardeais. Os irmãos foram escolhidos para apresentar em geral

e em particular as absurdidades que estavam sendo executadas na religião e

tornar conhecido clara e francamente a deformação e a destruição do estado

deles. Com razão eles temiam ser julgados culpados por manterem o

silêncio perante Deus e a igreja em face a tais excessos, se eles

negligenciassem, tão rápido quanto possível, denunciá-los.

Somente a denúncia poderia remediar a relaxação desenfreada e castigar a

notória transgressão.

Entrementes, o ministro geral, Crescêncio, temia a proposta e intenção

daqueles irmãos . Ele sentia que eles eram zelosos pela sincera e fiel

observância dos prometidos votos, temia que os abomináveis excessos, os

quais tinham sido executados e não podiam ser defendidos, fossem levados

à atenção da igreja e do Supremo Pontífice. Se aquilo acontecesse, os

irmãos seriam obrigados pela sé apostólica a retornar a servir os seguros e

estimulantes modos de vida de seus pais e recuar das práticas pecaminosas

que eles tinham perversamente ousado adotar.

Crescêncio chamou um grande grupo de ministros dos irmãos que sentiam

do mesmo modo que ele e que estavam corajosamente incitando as

impurezas e as relaxações acima mencionadas. Ele procurou conselho

deles, o mais silenciosamente possível, acerca do que deveria ser feito

contra a intenção proposta pelos supracitados irmãos.

Além disso, o ministro geral tinha um certo companheiro perito em

jurisprudência, cujo nome era Bonadies, que era muitíssimo respeitado,

como os irmãos Pedro de Stacia e Bonocortesio. Depois dos ministros

terem deliberado, Crescêncio, atuando com base nos conselhos de

Bonadies, escolheu seu único refúgio, o qual era repetir as ficções e

mentiras que seu predecessor tinha usado.

Irmão Bonadies engoliu fraudes e mentiras como água de modo

que pode aprovar e confirmar por lei seus desvios da honra e da

reputação da religião. Crescêncio, com seus companheiros e este Bonadies,

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rapidamente e silenciosamente procuraram o Supremo Pontífice. Na frente

do papa, Crescêncio propôs mentiras e meias-verdades em ordem a enganar

e conquistar o pontífice. Crescêncio de fato usou um raro tipo de

honestidade moral e simulou retidão e equidade em suas palavras. Desse

modo, ele afirmou que tinha em certas províncias alguns irmãos que eram

aparentemente santos em reputação e aparência aos olhos dos leigos, mas

que, se a verdade do fato for contada, eram supersticiosos, orgulhosos,

buliçosos, desobedientes, buscadores de novidades, audaciosos e

presunçosos em seus discursos:

Eu tenho hesitado em aplicar remédios salubres que poderiam corrigir tais

irmãos sem a sua licença e santa obediência. O povo é devotado a eles e

poderiam incitar um tumulto ou uma perturbação. Assim nesse ofício,

como em todos os outros nos quais possa estar envolvido, eu confiarei em

seu santo conselho e procederei de acordo com o seu comando, obediência

e autoridade.

Depois do Supremo Pontífice ter escutado essas coisas, ele acreditou

firmemente que aquilo que Crescêncio tinha dito na sua frente era

verdadeiro e fiel. Inocêncio concedeu a Crescêncio, com sua benção plena,

livre autoridade para punir e corrigir os desobedientes, importunos e

cismáticos irmãos desse tipo, para que o povo não possa ser contaminado

por eles e um cisma se espalhe dentro da Ordem a partir dessa fonte. Por

isso ele ordenou que para o resto, as oportunidades para tais cismas e

escândalos deveriam ser erradicadas completamente. Crescêncio,

fortificado, como ele pensava, pela palavra autorizada do Supremo

Pontífice, deixou o papa tão prontamente e discretamente quanto ele tinha

secreta e rapidamente vindo. Como uma impiedosa, variadamente colorida,

ágil e traiçoeira pantera, ele agiu contra os piedosos, simples irmãos que

estavam firmemente estabelecidos na verdade e fixados no amor.

Armado pela autoridade papal, Crescêncio astuta e sagazmente

fez com que os caminhos os quais os acima mencionados 72 irmãos

estavam acostumados a usar fossem tomados antecipadamente. Os irmãos

já tinham começado confiantes a sua jornada ao longo desses caminhos a

fim de se apresentarem perante o Supremo Pontífice. Eles planejavam

descrever a ele os santos, verdadeiros e apropriados assuntos que diziam

respeito a salvação das almas de todos os irmãos e do santo e sólido estado

da religião inteira. Crescêncio pensou cuidadosamente em todos os meios

pelos quais podia impedi-los e mesmo detê-los, de tal modo que nenhum

deles fosse capaz de escapar e aparecer diante do Supremo Pontífice ou

algum cardeal. Crescêncio também pensou cuidadosamente como ele

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poderia evitar a disseminação da causa pela qual eles estavam viajando ou

de divulgar suas consciências por um intermediário ou por meio de uma

carta. Assim, Crescêncio teve todos os irmãos detidos, tanto que nenhum

deles foi capaz de efetuar nada em relação as propostas que eles tinham

concebido e planejado propor para o proveito da religião e a salvação das

almas.

Os irmãos, tendo sido apanhados prisioneiros e tratados severamente,

foram oprimidos por diversas e variadas aflições e insultos. Eles foram

separados uns dos outros e em pares foram enviados para diferentes e

remotas províncias da Ordem, levando cartas difamatórias como se eles

fossem homens perniciosos, ambicionando a destruição da Ordem. As

cartas os descreviam como cismáticos e heréticos a quem todos deveriam

vigilantemente observar e sobre quem todos deveriam estar diligentemente

prevenidos. Suportando nas mãos ordens que continham claramente

especificadas as penalidades, os irmãos eram obrigados a se apresentarem

aos ministros das províncias as quais eles foram enviados , como se para

um exílio perpétuo e para uma punição digna de suas impurezas, dentro de

um certo prazo determinado. Eles também receberam cartas que os

difamavam e prescreviam penas a eles. Eles eram ordenados a dar essas

cartas aos ministros, cartas que não podiam ser destruídas, alteradas ou

corrompidas.

Depois disso ter sido feito, Crescêncio e seus companheiros puseram de

lado a piedade e se voltaram para os outros frades que aderiram aos irmãos

exilados e que partilhavam e amavam as mesmas coisas que eles. O

ministro geral os torturou e os afligiu com a mais severa fúria. Usando

arrogante e venenosa palavra, os ministros se vingaram de vários modos

injuriando inocentes irmãos. Agindo impiedosamente, eles oprimiram e

esmagaram os amantes da piedade. Confiando numa soberba mentira e na

maldade e usando fraudes e invenções, eles impuseram silêncio por um

tempo ao chefe da sua acusação, Francisco, e igualmente em Cristo, na

pessoa dos membros de Francisco e daqueles devotados a eles. Os

ministros fizeram isto a um tal nível que ninguém abertamente ousou

resistir ou atreveu-se a se opor aos seus desejos e esforços, por mais

perversos que eles fossem, por causa do medo e da pressão das ameaças.

Contudo, o Deus do céu, a quem tudo aquilo que atua tiranicamente e

excede os limites da equidade é desagradável, tornou a perseguição e

dispersão dos antes mencionados santos irmãos em bem para eles e para

toda a religião. No começo, os irmãos a quem os santos frades tinham sido

enviados com as tais cartas de horrível testemunho, os consideravam como

extremamente suspeitos e fugiam deles como contaminados pela mácula da

depravação herética. Mas a luz não pode ser oculta nas sombras e toda a

árvore é reconhecida por seus frutos e seu odor aromático que não pode ser

escondido. Com o tempo, os santos irmãos vieram a ser tão venerados por

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sua santidade e tão admirados pela perfeição de sua força e moral, que todo

o pensamento de má suspeita foi rejeitado, irmãos foram as pressas a eles

fervorosamente, como para a mais doce fragrância e como para luminares

doadores de vida. Estando convencidos de que eles tinham Jesus Cristo e

seu espírito neles, eles se regozijaram em seu companheirismo e ficaram

assombrados com suas angélicas e celestiais conversações e maravilhados

com a eficácia de suas palavras.

Os frades estavam magoados pela injúria que a inveja demoníaca tinha

feito para os santos irmãos que tinham sido condenados injustamente e

apressadamente. Os anfitriões não se entristeceram nem um pouco sobre a

pecaminosidade e a cegueira dos perseguidores. Eles foram encorajados em

direção a maior perfeição. Os frades, reconhecendo a inquebrável paciência

e a invencível perseverança dos santos irmãos, foram encorajados a maior

perfeição. Para todos, aqueles 72 irmãos inspiraram admiração. Irmão

Simão de Assis foi em todos os aspectos de sua conduta, contemplação,

palavra e outras virtudes, como o santo Irmão Bernardo. Os santos irmãos

também incluídos Irmão Mateus de Monte Rubiano, James, Manfred,

Lucidio e os outros participantes nesta terceira tribulação, que, como um

grupo, possuíam uma perfeição e excelência que estavam além da crença e

de fácil descrição verbal.

Irmão Crescêncio, o ministro geral, foi eleito bispo de Assis pela

dispensação de Deus e pelo apoio daqueles que desejavam bens

terrenos e honras. Ele aceitou a eleição de bom grado e conseguiu sua

confirmação rapidamente. Subindo ao posto de general, ele foi elevado ao

bispado por um breve período, deixando um mau odor para os santos

irmãos e para toda a religião.

Depois desses eventos os irmãos vieram juntos ao capítulo geral e todos

concordaram por unanimidade ter como ministro geral o homem de Deus,

Irmão João de Parma, que era notável tanto por sua sabedoria como por sua

santidade. João, no mesmo dia em que foi eleito, chamou um escriba e

ditou eficazes e piedosas cartas que transmitiam sua compassiva e sincera

afeição, sua reverência e seu espírito benevolente para aqueles irmãos aos

quais seu predecessor havia enviado ao exílio perpétuo em diversas

províncias como heréticos, cismáticos e irmãos empenhados em destruir a

Ordem. Ele elogiou os exilados com verdadeiras proclamações de seus

louvores para os irmãos daquelas províncias no meio dos quais eles tinham

sido difamados. E João, depois de ter louvado e aprovado o zelo por conta

do qual eles tinham padecido, os absolveu das injustas sentenças que

tinham sido decretadas e os mandou voltarem para suas próprias

províncias.

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Aqueles irmãos de quem eles estavam se despedindo se contristaram, sendo

privados do consolo e direção daqueles homens; mas a alegria logo

expulsou a tristeza, os irmãos se deleitaram mais abundantemente na

consolação dos homens aos quais eles sinceramente consideravam caros.

Os frades que estavam prestes a recebê-los, tendo sido privados por tão

longo tempo de qualquer visão ou audição deles, exultaram com todos os

seus pensamentos e deram graças à Deus, que “conduz para baixo ao Sheol

e conduz para cima de novo”, que bate e açoita, que sara e cura. Os

primeiros irmãos exilados aguardavam seu retorno e a visão deles como se

estivessem esperando receber, ver e participar de um dia de festa com

Maria e os apóstolos de Jesus Cristo erguendo-se da morte. Pelo longo

tempo que os irmãos tinham pensado no retorno dos exilados, mais ardente

se tornou o desejo deles de recebê-los e vê-los.

Esses homens de Deus, carregando Jesus Cristo em seus corpos e almas

com santidade e devotadamente, tinham sido dispersos pelo lobo, reunidos

pelo pastor e feitos um rebanho uma vez mais. O retorno deles fez a alegria

no céu nos corações de todos os santos irmãos felizes e novos, todas as

primeiras tristezas foram expulsas e eliminadas, de modo que eles não

tivessem lembrança dos primeiros fatos e possuíssem completo deleite

pacificamente.

Sob o homem parecido com o sol, Irmão João, todos se regozijavam e eram

felizes. Ele consolava o pesaroso. Ele repreendia o inquieto. Conduzia o

vacilante. Animava o fraco. Feliz e alegremente ele ensinava o simples. Ele

transformava os irmãos moderados em inimigos do vício e em amantes da

virtude. Ele estimulava os prudentes pelo exemplo de sua vida e os movia

pela força de suas palavras para terem e possuírem resistência na

humildade e amor. Ele atraiu todos os frades eficazmente para a

observância da pobreza prometida, para a sobriedade e para a continência

em suas ações. Tendo o dom do espírito da discrição, ele conhecia a falta

sob a qual uma pessoa estivesse trabalhando e administrava o remédio

verbal que curaria as feridas causadas pelos vícios.

Os companheiros de São Francisco que continuavam vivos, a saber, Irmão

Egídio e outro Egídio, Masseo e Ângelo e outro Ângelo e Irmão Leão e os

outros se alegraram e ficaram felizes porque eles pensavam que viam São

Francisco espiritualmente ressurreto em João. Esses companheiros,

recordando as raízes dos pecados na religião e o recente turbilhão da

perseguição, disseram: “Nós damos graças a vós, ó Cristo, porque tens

lembrado de nós e nos enviou um homem de luz e força que pode nos

corrigir e nos iluminar, e nos guiar nos caminhos de suas leis”.

Irmão Egídio, de fato, inspirado pelo Espírito como um vidente das coisas

futuras, disse: “Você chega bem e num tempo oportuno, mas você chega

muito tarde”. Irmão Egídio disse isso, aliás, porque ele sabia que a volta

dos irmãos para as sólidas e seguras origens do primeiro e santo modo de

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vida começada por São Francisco era impossível, apesar de que Irmão João

aspirava com toda sua força chamar de novo os irmãos para as suas

origens. Egídio viu que a maioria dos irmãos , tendo abandonado a

obediência e o fiel seguimento da Regra que eles haviam prometido,

tinham dedicado suas mentes à curiosidade e ao amor ao conhecimento,

embora amor e conhecimento de Deus são provados por atos da fé ao invés

de colocar junto palavras.

Como o primeiro homem, movido à desobediência pela

curiosidade, tinha perdido a visão de Deus, bem como a inocência,

conhecimento sobrenatural, a graça e a imortalidade, tal homem foi

conduzido de volta à graça pela fé e não pela dialética, geometria ou

astrologia. “Pela graça de Deus nós somos salvos pela fé e isso não vem de

nós mesmos; isto é um dom de Deus. Isto não é uma recompensa pelas

obras de uma pessoa, para que ninguém se glorie. Nós fomos feitos por

Deus, criados em Jesus Cristo para boas obras, de modo que podemos

caminhar no meio deles”.

A segura e verdadeira percepção e conhecimento de Deus vem da fé e das

obras da fé inspirada e não das palavras e da ciência natural. Juntos as

palavras e o desenvolvimento de argumentos baseados na sabedoria

mundana são supérfluos para qualquer um que deseja ter em sua alma o

sentido essencial e o funcionamento da fé. “ Pois, Paulo disse, “Deus fez a

sabedoria desse mundo louco” pela loucura da cruz. As obras da

consciência são mais seguras do que a fraudulenta conclusão dos sofismas.

Como o grande Antônio disse, nós Cristãos temos o mistério de nossas

vidas não depositado na sabedoria do mundo, mas na força da fé a qual é

um atributo que Deus nos deu através de Cristo. “O Reino”, disse Cristo,

“está dentro de nós”, e a força está em vós. No entanto, isto requer uma

consciência humana. Quem pode duvidar que a pureza natural da alma é a

fonte e o começo das virtudes, se ela não tiver sido poluída pela imundície?

Os gregos ansiosamente procuram estudos no além-mar e buscam

professores em outro continente que sejam exímios na vaidade das letras.

Não temos proveito em atravessar o oceano. O reino dos céus está

estabelecido em qualquer lugar terreno. Portanto, põe teu coração no

caminho reto ao Senhor, o Deus de Israel. E de novo: Dirija seu caminho

ao Senhor, siga os caminhos retos de nosso Deus.

Portanto, o teólogo Gregório, louvando o caminho da simplicidade e das

obras da fé inspirada, disse:

É o orgulho ambicioso louvável? Que cai como uma pessoa que foi

elevada pela vanglória? Que não conhece a humildade da ascensão

humana e não compreende quanto lhe falta em verdadeira altura, quem

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pensa que é supremo sobre todos? Ele, além disso, que é comum e modesto

em pensamento e deficiente em linguagem não conhece os hábeis modos de

falar. Ele não estudou os discursos do sábio, as alegorias, as objeções e

resultantes de Pyrrho, as soluções silogísticas de Chyrsippus ou a

pecaminosa atividade das artes de Aristóteles ou a doce sedução da

eloqüência de Platão, coisas que tem sido introduzidas em nossa igreja

perversamente e pervertidamente, como as pragas egípcias. Para o simples

e justo homem há um caminho para ser salvo e as palavras pelas quais ser

salvo. Opulência verbal não é graça. Isto não é apropriado, o apóstolo

disse, “quem subirá ao céu? Isto é, para fazer descer Cristo. Ou quem

descerá ao abismo? Isto é, para fazer Cristo subir dos mortos.” A mente e a

língua tem esse tesouro. A palavra, disse Gregório, está perto de você em

sua boca e em seu coração. “A justificação da fé vem do coração, a

confissão que conduz a salvação vem da boca”. “Todo aquele que acreditar

nele não será confundido”. O que pode ser mais sucinto do que esses sábios

versos? O que é mais fácil do que esta dádiva? Você procura um grande

caminho para ser salvo e para aquelas coisas que estão lá, glória e

esplendor. O mais que eu quero é ser salvo e apreciar os benefícios da

salvação e não suportar tormentos. Você parte num inacessível e incerto

percurso; eu, de mais a mais, confiando em poucas palavras e

conhecimento transmitido em simples sermões, fui salvo por esses como se

por uma estreita ponte. Entre os depravados, agindo insensatamente com

seus lábios, confiando em demonstrações lógicas e esvaziando o sofrimento

de Cristo, o argumento dialético é melhor do que a coisa em si, por causa

da força que está nas palavras, onde a fraqueza da demonstração é a

diminuição da verdade. Por que você tenta voar para o céu, você que

caminha com seus pés no solo? Por que você começou a edificar uma torre,

se você não tem recursos para finalizá-la? Pode você medir as águas com

sua mão e o céu com sua palma da mão? Por que você tenta pesar e segurar

no ato de agarrar de seus dedos a terra e os numerosos elementos , os quais

somente podem ser medidos pelo seu criador?

Conheça a si mesmo primeiro. E assim por diante.

Os santos irmãos, fortificados pelas doutrinas e os exemplos destes e de

outros santos e instruídos pelas admoestações e outros escritos do bem-

aventurado Francisco, fizeram para eles mesmos como que uma parede

contra o dilúvio de transgressões e transgressores, temendo que o sangue

das almas de seus irmãos seja exigido nas mãos deles pelo Senhor. Mas os

santos irmãos tinham sido condenados, como os profetas por aqueles

mesmos falsos irmãos para quem a salvação os santos frades foram feitos

para atender.

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São Francisco disse muitas coisas para seus companheiros e para os mais

velhos irmãos, as quais foram esquecidas. Isto aconteceu em parte porque

aquelas coisas tinham sido escritas na Legenda Prima que foi determinado

que fosse suprimida e destruída no comando do Irmão Boaventura, que

tinha editado uma nova vida. Essas declarações foram perdidas também em

parte porque aquelas coisas eles mesmos desprezavam. Elas pareciam ser

opostas ao fluxo geral, modo de vida e sensibilidade dos homens modernos

que botam as matérias humanas a frente do divino e que sonham que

podem ser salvos por uma fé morta, desprovida de obras.

São Francisco, instruído por Cristo, declarou aos irmãos que no momento

em que Adão, por comer a maçã da árvore do conhecimento do bem e do

mal, pecou contra a ordem de Deus, assim os irmãos tinham caído do poder

da verdade e do amor e da operação da humildade e pobreza por causa do

seu amor ao saber. Por conta desse amor à ciência os irmãos deixaram seu

chamado e foram incapazes de retornar a ele; mas esse amor tinha se

tornado uma ocasião de muitos males para eles mesmos e outros do mesmo

modo que as causas da presente tribulação e do supremo perigo. Eles não

tinham dado os frutos que Deus solicitou a eles, os quais mesmos frutos

eles lutaram contra nos outros, no momento em que eles não tinham

produzido eles mesmos.

A lei de Adão foi colocada e estabelecida pela ordem de Deus nos céus;

isto é, a lei que, seja qual for a razão, o amor da fé comunicada por obras e

do amante do Cristo cruciforme tem preferência sobre o amor do

conhecimento e das posses. Por seu aprendizado os irmãos destruirão a luz

da graça, a qual luz tem sido dada a eles de acordo com a medida da dádiva

de Cristo a fim de que os irmãos possam remodelar a vida dele na Igreja. E

eles não chegarão ao mais perfeito estado de graça e virtude os quais eles

deveriam ter atingido em razão da perseverança, segundo as regras da

justiça de Deus, um estado preparado para a glória de seu nome. Mas em

conseqüência da perda da graça eles serão privados de tal estado de glória

por carecer de mérito e suas coroas serão dadas a outros.

Por essa razão São Francisco e seus sucessores, por amor do espírito e da

virtude, lutaram com obras e palavras, a fim de que Cristo sozinho, sua

pobreza e sua humildade, pudessem ser amadas e servidas. Tal observância

e amor por toda a sabedoria e conhecimento necessário à salvação e vida

eterna é criativa, promovedora, governadora, conservadora e perfeita. Por

isso o espírito de Cristo disse à Francisco:

Para você é dado saber o mistério do reino de Deus. Para os outros, por

outro lado, isto tem sido dado somente em parábolas, a fim de que vendo

eles não possam ver e ouvindo eles não possam ouvir e entendendo eles

não possam entender e ser convertidos; e Eu os cure. Você, realmente,

como um arauto fiel, clama em voz alta nos quatro cantos da cidade:

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“Muitos são chamados, mas poucos, entretanto, são escolhidos”; “Todo

aquele que perseverar até o fim, será salvo”.

A julgar pelo que está dito acima, qualquer pessoa humilde e solícita pode

simultânea e claramente ver as causas e razões para essa terceira tribulação

na Ordem dos Frades Menores. A tribulação originou-se dos corações

orgulhosos, da vaidade, da curiosidade cega pelo saber, do amor pela honra

e fama e pelo desejo de ter coisas deleitosas. Amor de saber, no entanto

inconvenientemente e indignamente, foi dado preferência sobre o fruto da

pobreza, humildade e piedade- um fruto que conduz a todo o bem- e sobre

a prática da prece cruciforme. Mas tampouco a malignidade dos demônios,

as fraudes humanas e as ações do mal, foram capazes de triunfar e causar

aquelas coisas que são de Deus e pelas quais a promessa da perfeição

perece pela sufocação na religião. Verdade, tendo sido calcado debaixo do

pé e afligido por um tempo sob o inverno daquela amarga tribulação,

ornou-se de flores de novo e germinaram ternos e jovens brotos e folhas

sob o comando do homem de Deus, Irmão João de Parma, como se

verdadeiramente sucedendo.

Todas aquelas coisas que dizem respeito a direção das virtudes e da

disciplina dos santos hábitos e para a pura e fiel observância da prometida

vida e Regra foram aumentadas na religião pela ordenação e providência de

Deus. Ansiando pelas coisas celestes sem qualquer oposição ou

impedimento daqueles pensamentos e amores diferentes, os irmãos

esforçaram-se para encher a si mesmos da prometida virtuosidade das

santas ações e terna fidelidade a Deus pelo incansável exercício da oração.

A multidão de frades que desejavam e queriam viver de acordo com os

relaxamentos recentemente adotados, embora eles não pudessem ser

arrastados de volta espontaneamente para coisas melhores pelo pastor fiel,

não obstante, tendo sido efetivamente punidos pelo exemplo de suas obras

e palavras ardentes, foram contidos fortemente e se mantiveram em silêncio

sob pressão.

Durante os primeiros 3 anos de administração de João de Parma,

portanto, estando coberto com um simples hábito de tecido vil, que também o serviu até o fim de sua vida, ele visitou toda a Ordem. Ele

nunca montou um asno, um cavalo ou numa carroça. Ele ficava contente

com um companheiro , ou, no máximo, dois. Ele caminhava humildemente

com sua cabeça curvada, de modo que, saudando, como acontecia, por

acaso, pessoas ilustres indo em direção oposta, ele parecia indigno de uma

saudação de volta.

Ele nunca deixava os irmãos saberem sobre sua vinda antecipadamente,

mas ele entrava nas moradas dos irmãos como um simples frade e de jeito

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nenhum ele permitia que seu nome ou ofício fossem anunciados por seus

companheiros. Ele dizia suas horas canônicas apesar de estar fatigado por

qualquer tipo de viagem, estando deitado, sentado ou encostado a uma

parede, mantendo sua cabeça ereta e descoberta. A fim de que sempre

pudesse levar a vida comum, ele se satisfazia com somente uma porção de

comida, não obstante fraca ou insossa, qualquer que fosse a primeira

colocada diante dele. Com respeito a certas iguarias suplementares, ainda

que parecesse prová-las por conta das aparências, no entanto ele as deixava

onde elas tinham sido postas ou as doava aos outros. Ele nunca disse que a

comida era saborosa ou insípida, nem jamais expressava preferência por

isto ou aquilo.

Desse modo ele freou sua língua desde o tempo em que assumiu o hábito

da religião, de modo que nunca conscientemente permitia que uma mortal

ou ociosa palavra passasse por seus lábios. E ao tempo de sua morte, ele

disse que estava com mais medo de ter de dar conta daquelas coisas sobre

as quais ele havia se mantido calado do que a cerca de qualquer coisa que

ele tenha dito.

Tendo sido enviado pelo Supremo Pontífice como núncio para os gregos no

sétimo ano de sua administração, ele era tido em tal reverência e estima

pelo imperador por causa da santidade de sua vida e sua divina sabedoria, e

por religiosos entre eles e todos do clero e o povo, que eles pensavam que

não viam só um prudente e instruído homem, mas um dos antigos pais e

doutores, ou um dos discípulos de Cristo. Sem dúvida, o completo acordo e

unidade que tinham sido realizados primeiro com o Papa Clemente e depois

com o Papa Gregório, os quais foram mostrados e proclamados em

confissão aberta no concílio geral pelo imperador e os gregos, foi dado seu

nascimento a partir do Irmão João e seus companheiros.

O principal companheiro de João, Irmão Geraldo de Borgo San Donino,

enquanto ele estava pregando ao povo no fórum de Constantinopla, olhou

para os céus e brevemente parou o sermão e tendo voltado em direção ao

povo e derramando copiosas lágrimas clamou: “A águia foi capturada”.

Então , tendo se voltado de novo para o povo, ele explicou a si mesmo

dizendo: “Agora o Rei da França, o santo homem Luis, foi capturado.

Rezem a Deus por sua libertação e a salvação de todos que estão com ele”.

Eles tomaram nota do dia e hora e descobriram que naquele mesmo dia e

hora o Rei Luis, agora um santo, tinha sido capturado pelos sarracenos. Eu

ouvi isso uma vez, depois uma segunda e uma terceira vez, do venerável e

reverendo homem, o bispo de Bondunuzia, que estava presente no sermão

de Geraldo e anotou o dia e a hora e descobriu a verdade com outros.

Irmão João enviou esse irmão para visitar os irmãos na província da

Romania. Um navio veneziano deu a ele a passagem com o acordo de que

os venezianos deveriam pô-lo em terra firme no porto de Corinto. E quando

o barco chegou ao lugar acordado, Irmão Geraldo perguntou a guarnição se

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permitiam a ele desembarcar de acordo com a promessa no sobredito lugar.

A tripulação, entretanto, apreciando um favorável tempo, afirmou que eles

não podiam manter o acordo por causa do grande risco e perigo. Quando o

homem de Deus ouviu isso, ele se afastou deles por um curto tempo e orou.

Imediatamente por um milagre, Deus ouviu a prece de seu servo e mandou

um vento contrário, sob a força do qual a tripulação voltou para o porto

prometido e pondo ele num esquife enviou-o para a costa. Geraldo então

falou para os marinheiros que o tinham transportado para a costa:

“Retornem tão rápido quanto possam e digam aos marinheiros deste navio

que eles cumprirão sua viagem . Este vento não foi um vento natural, mas

foi enviado por Deus, a fim de que eu pudesse completar minha obediência

ao meu prelado”. Os marinheiros, ouvindo sua fala e vendo as ondas do

mar, souberam que as coisas eram como Geraldo tinha dito e alçando as

âncoras, eles recomeçaram sua viagem. Os marinheiros, aliás, e o Senhor

Rafael Natalis, quando estávamos navegando em frente aquele lugar, se

referiram ao grande milagre que tinha acontecido para aquele irmão ali.

O santo homem João desejava ter companheiros que fossem como ele, de

modo que pudesse atrair os irmãos que ele estivesse visitando para o bem

pelo exemplo do santo modo de vida deles.

João tinha feito o que devia e tinha desejado fazer tanto quanto fosse

possível por ele durante aqueles nove anos que ele tinha governado a

Ordem. Ele tentou igualmente induzir e conduzir todos os frades que ele

governou para o amor e observância da prometida perfeição. Por fim,

depois de despender muito trabalho, João reconheceu que era impossível,

pelo exemplo de sua conduta ou a força de suas palavras, levar a Ordem

inteira para a obra e a vida de perfeição evangélica que a Regra requeria e

que Cristo tinha revelado ao fundador. Por isso, desejando dar-se

inteiramente a Deus, João anunciou um capítulo geral em Roma e entregou

seu ofício, afirmando que de nenhum modo, salvo o testemunho de sua

consciência, pôde tolerar sob o estandarte de sua liderança os muitos e

sérios excessos que estavam inundando a religião e aumentando

diariamente.

João disse:

Particularmente tenho visto e tenho vindo a saber pela minha própria

experiência que, exceto por uns poucos irmãos, todos os frades estão

correndo com descaramento e corações endurecidos deliberadamente e sem

freio, em direção aos maiores excessos e os mais indisfarçados pecados. Já,

tendo transgredido contra as ordens, vocês tem espezinhado em todos os

principais capítulos da Regra. Vocês não querem corrigir sua má empresa

ou mudar seus corações e sentimentos por causa das exortações e

repreensões, mas vocês estão constantemente descendo para coisas piores,

se tornando incorrigíveis, para o perigo de suas almas.

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E quando ele enumerou em efetivos detalhes todas as coisas que tinham

sido feitas contra todos os capítulos da Regra, João acrescentou: “De mim,

por isso, com respeito ao governo e liderança, vocês não devem esperar no

futuro, mas eleger para vocês um homem que estiver de acordo com seus

sentimentos e pontos de vista”.

Todos os irmãos, vendo sua intenção e sua deliberação, perguntaram a ele

unanimemente se ao menos ele podia aconselhar a eles um competente e

apropriado homem, porque ele conhecia todos os irmãos da religião inteira.

João designou Irmão Boaventura como o frade mais conveniente e

apropriado para governá-los e todos concordaram, depois de ouvirem o

parecer de Irmão João, no Irmão Boaventura. E ele foi feito geral, sob

quem a quarta perseguição começou.

A QUARTA TRIBULAÇÃO

Uma breve explanação deve ser dada do porque líderes em toda a

Ordem se queixaram contra aquele homem de Deus, João de

Parma e seus adeptos a fim de relembrar a tribulação que ocorreu na

Ordem naquele tempo e também destacar as perfeições de João. A principal

razão para a perseguição foi que João era um homem ardente, zeloso em

observar a perfeição que tinha prometido, um fervoroso e franco pregador

que não adulava ninguém. Porque ele mostrou tudo a eles usando fortes,

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sólidos argumentos, do modo como a Ordem inteira tinha decaído, eles

desenvolveram contra ele e seus adeptos uma forte indignação unida a um

implacável ódio. Também não aceitaram o que ele disse com toda grande

equanimidade.

Na verdade, o que ele disse a eles foi que, desde que o estado de

perfeição evangélica prometido pelos irmãos era o mais alto, Deus

exigiu o mais alto grau de fé, amor e obras deles. Isto não era suficiente

unicamente para se abster do pecado. Todo Cristão no mundo deve fazer

muito isso. Os irmãos também tinham que executar obras de perfeição

apostólica conforme com o que eles tinham prometido, pois Deus solicitou

deles evidência da mais alta pobreza, a mais profunda humildade, ardente e

incessante oração e todas as outras virtudes. Deus esperava que eles

concentrassem todas as suas forças em atingir as coisas eternas e celestiais,

em seus desejos e em suas ações, de modo que não houvesse nada

mundano, carnal ou terreno ao redor deles, nem que eles desejassem tais

coisas. Em vez disso, morressem para o mundo, despidos eles suportassem

a cruz nua, olhos fixos em Cristo, vivendo evangelicamente como ele fez.

Agora, porém, agindo não como pastores que entram pelo portão, mas

como sedutores e subvertidos da pureza da Regra, os irmãos ensinavam por

palavra e ação que é lícito viver não evangelicamente, mas de uma maneira

mundana para sua própria vantagem. Agora quem vem para a Ordem, em

vez de dar seu dinheiro para o pobre e necessitado como a Regra manda,

retinham-no para comprar livros para si mesmos ou davam para os irmãos

de modo que eles pudessem gastar na construção de igrejas ou casas, ou de

outros modos. Assim, ao receber novos irmãos ilegitimamente e mostrar tal

desprezo pela ordem evangélica, os freis os perderam e realmente não os

fizeram irmãos de todo, porque eles não lhes ensinaram a pobreza

evangélica e o desprezo pelas coisas, conservando algumas coisas para si,

como Ananias e Safira.

Nem estão os irmãos satisfeitos em ter duas túnicas de material barato e

remendá-las com saco de aniagem e outro material com a benção de Deus.

Em vez disso os frades conseguem para si roupas que são caras, suaves e de

dupla grossura. Aqueles que amam a pobre e barata roupa e pregam a

observância da Regra, eles consideram estar indiscretamente se gabando

sobre sua pobreza e chamam tais pessoas hipócritas.

Os irmãos tem repetidamente abreviado o Ofício Divino, arrancando

permissão da cúria, apresentando enganosos em vez de válidos

argumentos. Desde então seus corações estão distraídos, oprimidos e

confusos por vários desejos e ocupações, eles não se esforçam a orar sem

cessar e render graças ao Senhor por tudo em todas as situações, mal

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conseguem recitar as horas e mesmo neste caso eles parecem enfadados e

distraídos.

Eles não falam e nem tem relações dóceis com todas as pessoas como os

mansos, pacíficos, modestos e humildes homens deveriam fazer e como a

Regra exorta e ensina, mas preferivelmente os frades demandam com

superiores e clérigos sobre corpos, túmulos, heranças, esquecidos de seus

votos. E por razões similares eles fazem a mesma coisa com as pessoas

seculares, procedendo todos o mais audaciosamente no nível em que eles se

sentem legitimados, desprezando o leigo porque ele sabe menos.

Quem não está espantado pelos muitos meios pelos quais, na sua súplica,

os frades ousam solicitar, pedir e receber dinheiro? Desde então eles

recebem e conseguem isto tão abertamente e de tão diversos modos, é

como se eles tivessem prometido ao Senhor conseguir e receber isto de

todas as maneiras, com essa única limitação apenas, que eles não toquem

nele com suas mãos.

Trabalhar com as próprias mãos, desejar não ter nada permanentemente sob

o sol e mostrar afeição em direção ao outro e em direção aos outros e todas

as outras coisas ordenadas na Regra e no Testamento – de que modo os

irmãos amam e observam essas coisas estarão claras às suas próprias

consciências e para aqueles que amam e escutam eles. E isto é tão claro a

partir de seus trabalhos e solicitudes, que nem um montante de sagacidade

verbal será suficiente para desculpá-los. Mas querendo encobrir tais coisas

ou ocultá-las eles simplesmente abrem a porta para o maior mal:

intencionalmente se afundam ao usar da linguagem astuta num esforço para

justificar os pecados.

Quando eles criam pretextos a fim de evitar a desonra, eles se rendem a

vaidade, dizem mentiras, maculam suas consciências e perturbam os anjos

assim como o Espírito Santo. E ao mesmo tempo, por causa de seus

pecados (os quais são abertos e óbvios), os frades são piores que os

seculares, não obstante, iludindo a si mesmos, eles se consideram santos

em comparação com tais pessoas e acreditam ser muito estimados, mesmo

venerados. Uma vez que o espírito de temor a Deus e o salutar

arrependimento foram extintos nos irmãos, eles se tornaram insensíveis e,

para o grau a que eles se extraviaram mais distante do amor da confissão e

a habilidade de reconhecer sua própria insignificância e indignidade, para

esse grau eles mais ardentemente ansiavam por ouvirem-se elogiados e

louvados.

Ou os frades não consideram a vida de Cristo, a humildade prometida, o

exemplo dos santos e o testemunho das Sagradas Escrituras no todo, ou se

curvam para as suas próprias opiniões e desejos, fazendo deles servos de

seus próprios interesses. A luz da consciência está extinta neles e eles

repousam facilmente em sua própria tibieza e depravação. Não cuidam de

lembrar de sua própria e iminente morte, eterna punição e o abismo do

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julgamento de Deus, eles entregam a si mesmos a misericórdia de Deus e a

predestinação, mas descuidam-se de cooperar com a graça divina, a maior

dádiva dada a nós nesta vida.

Cheios de orgulho e com ambição, os irmãos acham que eles são

singularmente dignos do exercício do cuidado pelas almas e eles pensam

que aspirar ao benefício eclesiástico e cargos honoríficos é um sinal de

perfeição. Eles comparam suas próprias capacidades para o que eles

consideram as menos importantes qualificações das outras pessoas e

reivindicam que estão fazendo grandes coisas. Mas desde então eles estão

sem virtudes e distraídos pelos negócios externos, quando conquistam as

posições que eles solicitam, eles apresentam a todos um exemplo de

depravação, cobiça e soberba.

Os frades gostam de sua própria tranqüilidade e trabalham duro para

protegê-la, enquanto contribuem para sua própria perdição negligenciando

vigílias, trabalhos e outros exercícios virtuosos através dos quais, purgados

por amargas penitências, nós alcançamos os divinos deleites do amor de

Cristo. Em vez disso, eles ansiosamente se dedicam a rogar por prazeres

corporais. A fim de obter mais facilmente as coisas que eles solicitam e

desejam, eles se tornam comerciantes e negociam coisas espirituais por

bens temporais, os quais eles então convertem para seu próprio uso

acreditando que é um ato de justiça fechar as entranhas da compaixão para

os outros que são necessitados.

Aqueles Franciscanos que pensam de outro modo eles consideram ser

desobedientes e destruidores da Ordem. Aqueles irmãos que são

insaciavelmente dedicados a adquirir e acumular coisas, contudo, os frades

chamam de amantes e zelosos sustentadores da Ordem. Nem aqueles que

os governam cuidam que espécie de perigosas e ilícitas práticas eles

empregam no ganho de rendimentos. Em vez disso, com voraz sagacidade,

eles simplesmente se regozijam por tudo que é oferta que eles recebem de

tudo quanto é fonte, convictos a não recusar nada, mesmo que possa ter

vindo através de extorsão.

Os frades trabalham duro para aparecerem bons e santos, mas fazem pouco

esforço para serem assim. Um coração sem temor e amor de Cristo não

pranteia sobre ofensas ou sentimento de dano resultantes para si mesmo.

Em vez disso, sepultado na ilusão criada por sua própria vaidade, ele pulula

com os vermes de seus vícios e seu mau cheiro. Assim, faz grandes

reivindicações acerca de si mesmo, exaltando seus enormes e maravilhosos

atos; contudo, é preenchido pela cobiça, malícia, inveja e pretensão. Os

irmãos não podem ouvir pacientemente a verdade sobre suas próprias

transgressões, mas antes se sentem justificados em combater as obras e

intenções daqueles que pensam diferentemente deles. Eles consideram

inimigos aqueles que lhes esclarecem os inefáveis bens que eles estão

perdendo e os inumeráveis erros que eles estão incorrendo.

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Os irmãos não podiam suportar a eloqüência ardente de João com

equanimidade, mas em vez disso se tornavam indignados; e embora quando

eles ouviam não podiam refutar (porque ele firmemente reprovava o que

tinha se transformado o curso comum das coisas), ele atraiu sobre si o ódio

da Ordem, especialmente de seus líderes.

Numa ocasião um leitor de nossa província, ao retornar de Roma, relatou

que Irmão João, pregando em Roma, tinha falado tão duramente contra

todas as categorias – especialmente os mendicantes – que os frades nas

Marcas de Ancona jamais teriam suportado tal fala de um irmão. Os outros

leitores a quem ele disse isso perguntaram “Por que os irmãos que estavam

presentes não contestaram o que ele disse?” . O leitor respondeu “Um rio

de fogo corria de sua boca”. Os mestres e todos mais ficaram espantados

por suas palavras. Parecia a eles que toda a escritura prestou testemunho ao

seu depoimento e que ele expressou através de suas palavras a sua mais

pura interpretação e intenção final.

João também disse que o Testamento e a Regra eram substancialmente os

mesmos e que os irmãos tinham que mostrar a mais alta reverência em

relação ao Testamento, por causa da benção e da ordem dadas pelo santo

mesmo e também por causa do Espírito de Cristo, que viveu ainda mais

plenamente e perfeitamente em Francisco depois que os estigmas tinham

sido impressos nele, disse no Testamento.

A pura e fiel intenção da Regra é manifestada e definida mais clara e

abertamente no Testamento e o mais alto nível de sua observância é

explanado e especificado com sólidas ordens. O Espírito Santo, que ditou a

Regra em primeiro lugar, não disse nada no Testamento diverso ou

estranho a Regra; mas antes, no Testamento, o Espírito exclui qualquer

interpretação que desvie do verdadeiro, espiritual e puro significado da

evangélica Regra. Na realidade, o Testamento colocou uma sólida muralha

de proteção e defesa ao redor da Regra.

Se ninguém despreza ou corrige o testemunho de uma pessoa humana,

quanto menos poderia alguém desprezar e corrigir as palavras do Espírito

Santo falando por Francisco, que está agora pregado na cruz com Cristo?

Desdenhar tais palavras é insultar o próprio Espírito Santo, desonrar o Pai,

incorrer no curso da lei e, através do desprezo envolvido na desobediência,

perde a herança do reino celestial prometido para aqueles que perseveram

até o fim.

Passando desta vida para Cristo, o santo fez seu Testamento. Mas ele nunca

teve uma maior plenitude do Espírito Santo do que teve na morte e é

impossível que na morte ele pudesse ter presunçosamente ordenado alguma

coisa falsa ou imprudente. Um santo não se torna mentiroso no seu leito de

morte. Se ele afirmou que tinha recebido a Regra e o Testamento de Cristo,

então seus filhos são obrigados a mostrar o maior respeito, fé, amor e

absoluta obediência para com suas palavras finais e ordens do que a

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quaisquer outros, porque naquele ponto ele teve a mais plena dádiva do

Espírito Santo.

Nós vemos que todo o fiel mostrava publicamente especial devoção para as

últimas palavras de Moisés e para todo o livro de Deuteronômio e nós

lemos que os patriarcas mais ardentemente e devotamente solicitavam as

bendições finais de seus pais. Eles sabiam que o Espírito Santo falava por

seus pais e desse modo todos eles escutavam o mais atenciosamente para o

que Deus dizia através deles no fim. Aqueles que eram abençoados pelos

patriarcas firmemente acreditavam que eles eram abençoados por Deus.

Pela mesma razão, todo o Cristão concentra sua inteira atenção e emoção

nos mistérios da Última Ceia de Cristo, seu discurso final, seu mandamento

de amor e as palavras que ele disse enquanto pendurado na cruz.

E quando todos da lei, profetas e o evangelho se apóiam no mandamento e

sacramento do amor, a inteira perfeição, intenção e a espiritual

interpretação da Regra é incluída dentro do Testamento. Tampouco isto é

possível para alguém que despreza o Testamento entender a Regra

espiritualmente ou observá-la fielmente.

E porque a vida evangélica revivificada através de Francisco (à ordem de

Cristo) deve finalmente ser reformada, o Espírito Santo ofereceu o

Testamento no fim, depois da Regra, de modo que aqueles que professam a

Regra devessem ser aclarados tanto para o que isto significa, como isto é

para ser observado espiritualmente e por isso eles podiam ter no

Testamento um seguro, inalterado, claro e católico modelo da reforma que

eles podem aceitar e firmemente observar.

E porque Irmão João lança escárnio naqueles que queriam apresentar outras

declarações do que as do Testamento e Admoestações de São Francisco,

porque tais declarações poderiam lançar dúvidas no claro e certo

entendimento da Regra e desviar o mandamento do pai de acordo com os

desejos de suas próprias vontades tépidas, os irmãos tomaram o que ele

disse de maneira ruim. Assim, aproveitando a oportunidade apresentada

por uma outra controvérsia, eles acusaram João e seus principais

companheiros como estando manchados pela mácula da depravação

herética e severamente os puniram porque eles defendiam uma certa tese.

João e seus companheiros insistiam que Joaquim tinha sustentado

uma santa e católica opinião no que diz respeito a Trindade e a

unidade de sua essência e que ele não tinha escrito nada que não fosse

de acordo com os santos irmãos, nada que contradissesse as mais recentes

intenções e ensinamentos. De acordo com João a Igreja e o decretal de

Inocente não condenaram Joaquim e seu ensinamento no assunto da

Trindade, mas em vez disso condenaram o tratado que o abade de S.

Giovanni escreveu contra Mestre Pedro (Pedro Lombardo) porque Joaquim

acreditava que Pedro estava errado acerca da Trindade, o que não era o

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caso. Esse é o motivo porque o tratado foi condenado, porque difamava o

Mestre. Assim a decisão promulgada pelo decretal em defesa do Mestre,

não foi direcionado contra Joaquim, mas antes ao que ele disse.

Em outras palavras, Mestre Pedro não acreditava em algo diferente do que

os pais acreditavam, como Joaquim afirmava. Hilário, Ambrósio,

Agostinho, Jerônimo, Gregório, Gregório Nazianzus, Basil, Dídimus,

Maximus, João de Damasco, Bede, Rabanus, Anselmo, Ricardo e outros

doutores, do mesmo modo que os decretos dos concílios, foram todos

citados por Joaquim. Ele os citou abundantemente em seu tratado a fim de

refutar a opinião a qual, ele afirmou, o Mestre e muitos outros mantinham

contrário ao correto e católico pensamento dos doutores da Igreja.

Os irmãos, ostensivamente movidos por essa segunda questão,

recomendaram com insistência ao Irmão Boaventura examinar a doutrina

religiosa de Irmão João e seus companheiros. Assim eles puseram o filho

contra o pai, o promovido contra o promotor, o ao mesmo tempo amado

discípulo e subordinado contra o amável mestre e líder. De acordo com o

relato do próprio João, Boaventura falhou grandemente naquela ocasião,

porque quando ele estava na cela posterior ele concordou com João,

mostrando que ele mantinha a mesma visão; mas depois aos irmãos em

sessão aberta ele se apresentou como acreditando o contrário. Assim, Irmão

João temeu muito que, como um homem amedrontado de desagradar os

outros, Boaventura pudesse incorrer na cólera de Deus, negando o que ele

sabia ser a verdade.

Existiu, contudo, ainda uma terceira razão para a perseguição: a

composição de dois trabalhos por dois companheiros de João. Um

louvava os ensinamentos e a pessoa de Joaquim excessivamente e, eu

poderia dizer, imprudentemente. O segundo empregou todas as principais

passagens da escritura para recomendar a Regra de São Francisco e

remontar a origem da instituição, a decadência e a renovação da vida

evangélica dentro dela. Quando Irmão Boaventura leu aquele livro, é dito

que ele tenha suspirado e derramado lágrimas, porque ele sabia que aquilo

poderia ser aplicado especialmente para ele.

Pode-se oferecer uma quarta razão, isto é a sublime, oculta no

plano divino o qual envolve todos os filhos de Adão do primeiro

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ao último sob o pecado, em ordem que Deus possa ser

misericordioso para com todos. Portanto as revelações a São Francisco no

que diz respeito a queda dos irmãos da perfeição e a reforma definitiva

deles, bem como aquelas misericordiosamente concedidas a outros entre os

primeiros irmãos – Gil, James de Ósimo, James de Massa, Irmão Hugo,

Borromeo e outros – concordam neste ponto. Pondo de lado aquelas

revelações já citadas acima, São Francisco claramente predisse os males

que aconteceriam aqueles dos seus sucessores que seguissem seu exemplo,

males vindo de dentro e de fora da Ordem, incluindo a excomunhão por um

Supremo Pontífice. Francisco acrescentou que abençoado seria aquele que,

não intimidado pelas tribulações e oposições ser visitado por demônios e

homens sobre aquele que desejasse seguir o modo de vida revelado a

Francisco pelo Senhor, rejeitasse ser escandalizado e continuasse fiel e

pacientemente naquele caminho.

Santo Gil, o terceiro irmão a entrar na Ordem, iluminado por certas e claras

revelações, disse, “O ataque está em cima e não há nem força, nem tempo,

nem sabedoria para repelir isto. Abençoado é aquele que , dando terreno a

frente do inimigo e se escondendo, pode salvar sua alma”.

Irmão Bernardo, esclarecido por muitas graças, dádivas e iluminações

divinas disse:

A religião descerá de um nível a outro até o sétimo e quem estiver no

segundo não terá fôlego para retornar ao primeiro, nem do terceiro para o

segundo, do quarto para o terceiro, do quinto para o quarto, nem do sexto

ou sétimo para o quinto, mas haverá constantemente uma queda para algo

pior ainda; por um grande e estupendo milagre, a Ordem será reparada por

aquele que a edificou e reformada por aquele que a criou e fundou.

Irmão James de Ósimo, que era frequentemente visitado por Cristo através

da contemplação e transportado para outro mundo, seguindo Cristo e

entrando no palácio da luz de Cristo, perguntou, depois de muitas coisas

dignas de admiração que tinham sido mostradas a ele, que a ele fosse

mostrado seu pai, São Francisco. O anjo o levou para dentro de uma sala

secreta na qual Francisco cuidava de um certo leproso que estava coberto

de feridas do topo da cabeça a sola dos pés. Quando viu São Francisco,

James se lançou a seus pés chorando e lamentando porque ele viu em que

miserável estado estava aquele que ele acreditava estar na glória. São

Francisco disse: “Você sabe, Irmão James, quem é o leproso, quem está

tão terrivelmente ferido e a quem eu cuido?” James respondeu, “Não, pai”.

Francisco falou de novo:

Esta é a minha Ordem a qual eu cuido ao comando de Cristo e pela qual eu

constantemente intervenho diante de Deus. Se não fosse pelo auxílio que

ela recebe através do cuidado que Cristo tem imposto a mim, ela

rapidamente decairia e produziria um intolerável mau cheiro perante Deus

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e a humanidade. Se meu cuidado fosse retirado por Deus, ela

imediatamente decairia e suas feridas cheirariam mal.

Assim Irmão James disse que, se a sinceridade e a integridade do amor

forem removidos da vida religiosa ou de qualquer outra alma humana, isto

é morte, por mais ilustre ou exuberante que a sabedoria possa ser, e isto

causará um intolerável mau cheiro perante os anjos e Deus.

Outro irmão, James da Massa, foi um homem a quem Deus abriu a porta

dos seus segredos. Irmão Gil de Perúgia e Irmão Marco de Montino

reconheciam que eles não conheciam ninguém nesse mundo que o

superasse. Irmãos Junípero e Lucido sentiam o mesmo sobre ele. Consegui

encontrá-lo enquanto eu estava sob a direção de Irmão João, um

companheiro de Irmão Egídio. Como eu estava questionando este Irmão

João acerca do desenvolvimento espiritual, ele me disse:

Se você quiser aprender sobre assuntos espirituais, fale com Irmão James

assim que puder, porque Irmão Giles (Egídio), ele mesmo, quis ser

esclarecido por ele. Nada pode ser adicionado ou subtraído de seus

eloqüentes ensinamentos, pois sua mente eleva-se a esferas ocultas e suas

palavras são aquelas do Espírito Santo. Não há um homem na terra a quem

eu gostaria tanto de ver.

Por volta do início dos tempos de Irmão João como ministro geral, esse

Irmão James uma vez ficou enlevado numa experiência visionária por três

dias, tanto que os irmãos começaram a se perguntar se ele estava morto. O

conhecimento da escritura e das coisas futuras foram dadas a ele. Eu lhe

supliquei: “Se o que eu tenho ouvido sobre você é verdade não esconda

isso de mim. Eu ouvi que durante aquele tempo em que você deitou por três

dias como se estivesse morto, Deus lhe mostrou o que estava para ocorrer

na Ordem”. Irmão Mateus, que era então ministro nas Marcas de Ancona,

convocou-o depois que seu êxtase havia terminado e exigiu sob obediência

que ele dissesse o que tinha visto. Irmão Mateus era notavelmente dócil,

santo e humilde homem e em suas conversações com os irmãos ele

frequentemente dizia: “Eu conheço o irmão a quem Deus revelou tudo que

estava para acontecer na Ordem e se as extraordinárias coisas ocultas que

ele foi informado fossem para serem relatadas, elas pareceriam, não digo

dificilmente compreensíveis, mas apenas acreditáveis”.

Entre as coisas que Irmão James me contou, havia algo absolutamente

extraordinário, isto é, que depois das muitas coisas que tinham sido

reveladas a ele sobre a situação da igreja militante, ele viu uma árvore, de

grande estatura e linda. Suas raízes eram douradas, seu tronco e galhos

prateados e suas folhas prateadas, pecado com ouro. Sua fruta era humana,

todos frades menores, e o número dos principais galhos era o mesmo que o

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número das províncias da Ordem. Cada galho tinha tanta fruta quanto havia

irmãos naquela província. Ele sabia o número de irmãos na Ordem inteira

assim como em cada província, assim como seus nomes, rostos, idades,

características, ofícios, postos, dignidades, pecados e graças. Ele viu Irmão

João di Parma no topo do galho central daquela árvore. No topo dos galhos

circundantes estavam os ministros das próprias províncias.

Depois disso ele viu São Francisco com dois anjos, enviados de Cristo, que

estava sentado num grande trono branco e o céu e a terra desapareceram de

sua presença. Um cálice cheio com o espírito de vida foi dado a Francisco e

ele disse: “Vai, visita seus irmãos e oferece a eles esse cálice do espírito da

vida para beber, porque o espírito de Satã está aumentando e tomando ação

dentro deles. Muitos cairão e não encontrarão meio para subir de novo”.

São Francisco veio para administrar o espírito de vida para seus irmãos,

como ele foi ordenado a fazer. Começando por Irmão João, ele lhe deu o

cálice cheio com o espírito de vida. João imediatamente aceitou o cálice de

São Francisco e devotamente bebeu tudo. Quando bebeu, ele tornou-se

luminoso como o sol. Então Francisco deu o cálice do espírito de vida para

todos os outros. Houve poucos que o tomaram com a reverência apropriada

e o beberam todo. Aqueles poucos que devotamente beberam tudo

assumiram uma luz solar, enquanto aqueles que derramaram tudo ficaram

escurecidos. Eles se tornaram sombrios, deformados e hediondos, horríveis

de olhar, como demônios. Alguns beberam uma parte e derramaram o resto

e cada um estava iluminado ou obscurecido de acordo com quanto de

espírito da vida ele havia bebido ou derramado do cálice.

João era o mais resplandecente com a luz do que todos os outros na árvore.

Voltado inteiramente para a contemplação do infinito abismo da verdadeira

luz, ele soube acerca da tempestade que seria lançada contra a árvore e

descendo do topo do galho de onde estava, na verdade abandonando todos

os galhos, ele se escondeu num lugar mais seguro, no tronco da árvore.

Enquanto João esperava vigilantemente lá, Irmão Boaventura –que tinha

tomado uma parte do cálice dado a ele e derramado uma parte – acendeu ao

lugar do qual João havia descido. Unhas de ferro tão afiadas quanto

navalhas tinham sido dadas a ele. Lançando-se do seu lugar, ele tentou

atacar Irmão João. João clamou ao Senhor e Cristo, escutando seu clamor,

chamou São Francisco e lhe deu uma pedra da mais afiada pirita, do gênero

de coisa que eles chamam pederneira. “Vá a Irmão Boaventura”, Cristo

disse, “e corte as unhas com as quais ele quer rasgar Irmão João, de modo

que não possa feri-lo”. São Francisco veio e cortou as unhas de ferro do

Irmão Boaventura. Irmão João permaneceu em seu lugar, incandescido

como o sol.

Então uma violenta tempestade ergueu-se e sacudiu a árvore. Os irmãos

caíram dela e os primeiros a cair foram aqueles que tinham derramado

inteiro o espírito de vida. Irmão João e os outros que tinham bebido todo o

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espírito de vida foram transferidos por uma força divina a uma região de

vida, luz e esplendor. Os irmãos que tinham ficado escurecidos caíram e

foram transportados por ministros da escuridão para lugares de escuridão e

miséria.

Ele que viu a visão entendeu que tinha visto de um jeito muito peculiar, de

modo que ele claramente discerniu os nomes, identidade, localização, idade

e ofício de todos, quer luminosos ou escuros e ele lembrava essas coisas.

Aquela feroz (mas justamente permitida) tempestade continuou até que a

árvore estivesse extirpada, caída por terra e, rasgada em pedaços pela força

da tormenta, foi completamente arrancada por ela. Quando o vento e a

tempestade desvaneceram, uma planta dourada cresceu de uma raiz

dourada. As flores e frutos produzidos por ela eram inteiramente dourados.

No que diz respeito a extensão, profundidade, peso, odor, beleza e virtude,

é melhor permanecer em silêncio do que falar.

No entanto, eu não quero omitir uma coisa dita por ele que contemplou

essa verdadeira visão, porque isso pareceu muito importante pra mim.

“Uma vez que é reformada” ele disse, “nunca será a mesma como era

quando foi fundada, mas muito diferente”. O Espírito de Cristo escolherá

jovens incultos sem um guia, simples, modestos, pessoas desprezíveis

destituídas de qualquer exemplo ou professor, pessoas de fato que são

opostas as visões e o comportamento dos instrutores. Ele os preencherá

com o santo temor e o mais puro amor de Cristo. E quando ele tiver muitas

de tais pessoas em vários lugares, ele os enviará um guia e líder,

inteiramente divino, inteiramente santo, inocente e em conformidade com

Cristo.

João Batista primeiro agiu e ensinou e então, depois de ter feito isso, ele

teve discípulos. A mesma coisa claramente aconteceu com nosso Senhor e

mestre Jesus Cristo. Ele também primeiro agiu e ensinou e então escolheu,

chamou e reuniu discípulos. Agora, contudo, nos últimos dias, em oposição

ao exemplo dado pelos trabalhos atuais e os testemunhos dados nos

ensinamentos atuais, Cristo através de seu Espírito, pôs a verdade de seu

temor e amor em humildes jovens, para a honra e glória de seu nome.

Finalmente, por uma dádiva de sua graça, ele enviará um líder e guia ao

grupo que ele criou e ele os regrará e os conduzirá mais perfeitamente para

as fontes de vida ao longo dos caminhos da pobreza, humildade e justiça.

Irmão Borromeo, que tinha perdido sua visão por muito chorar e pela idade

e a quem Irmão Boaventura ouvia de bom grado, anunciou na forma de

uma alegoria (a qual omito a fim de ser breve) que no fim a Ordem seria

dividida em três partes. A primeira, como ele disse, consistirá de poucos,

perfeitos imitadores de São Francisco. O segundo será composto daqueles

que fogem dele, voltando para as delícias terrenas e o alimento da carne e

do sangue. A terceira parte consistirá daqueles que nem lutaram nem

fugiram, mas simplesmente esperaram pela guerra acabar. Cada grupo

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alcançará um diferente fim e receberá uma diferente retribuição. O primeiro

jantará com o rei e tomará parte com ele em seu reino. O segundo vagueará

por vários caminhos e finalmente, preso numa prisão, será severamente

punido. O terceiro grupo foi também desancada uma grande parte porque

eles eram tímidos, mas Cristo não os incluiu entre os apóstatas, mas os

deixou sozinhos, considerando-os já estarem julgados e pertencentes a

nenhum dos outros dois grupos.

Irmão Hugo de Digne pensava o mesmo que Irmão João de todos os modos

em todas as questões. Enquanto ele estava viajando por Orvieto e Viterbo

ele disse para João: “Em tal e tal dia, a tal e tal hora, um anjo do Senhor

apareceu pra você em sua cela e lhe revelou tal e tal entendimento do

Salmo 43”. Naquele ponto Hugo narrou precisamente o que o anjo tinha

dito a João. E em Lyons, Hugo profeticamente anunciou o seguinte:

O papa morrerá logo e a Cruzada não acontecerá. A terra além-mar mantida

pelos Cristãos será perdida. Accon será abandonada e a Ordem dos

Templários será destruída. Irmão Boaventura ascenderá a nenhum nível

superior. A Ordem dos Frades Menores será dividida. A Ordem dos

Pregadores solicitará ter posses. Uma Ordem de irmãos acorrentados

surgirá que são de tal perfeição, que a perfeição de todos os outros perfeitos

(exceto aquela dos Pregadores e Frades Menores) parecerá desprezível e

sem valor.

Irmão João predisse três coisas em particular. Primeiro, haverá uma

reforma de acordo com o espírito do fundador, com a pura e simples

observância da Regra e Testamento. Desse modo, haverá necessariamente

uma divisão entre aqueles que desejam observar a Regra e o Testamento e

aqueles que desejam viver de acordo com os privilégios e declarações

papais as quais eles tem obtido para si mesmos. Mas antes desses

acontecimentos haverá, em segundo lugar, um conflito de línguas no qual

os toques da flauta do dogma serão anunciados, levando a uma dispersão.

Depois da dispersão haverá, em terceiro lugar, uma reunião da santa

pobreza. Deus visitará aquele grupo com sua luz e fará conhecido para eles

o que é para ser feito. A partir desse ponto no caminho da reforma estará

claro para eles. Eles todos provarão uma única coisa e pensarão do mesmo

modo. Eles por unanimidade buscarão subir para as mais perfeitas coisas.

Nenhum pedirá para si próprio, mas antes o que é para o maior louvor de

Jesus Cristo, assim como o que envolve a mais profunda humildade, a mais

alta pobreza e a maior paz. Cada um e todos buscarão e provarão aquelas

coisas que estão acima, não aquelas que são terrenas.

Irmão João não permaneceu em silêncio acerca da hipocrisia

dentro da Ordem. Ele anunciou a chegada da reforma e provou que

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Joaquim tinha dito o mesmo. Explicitamente pela terceira razão, mas

realmente por todas as três razões, Irmão Boaventura e os outros ministros,

assim como os outros a quem Boaventura consultou, decidiram conduzir

um inquérito acerca de Irmão João e seus companheiros. Eles foram

tratados como se fossem um perigo para a Ordem e em perigo de ferir,

mesmo condenar ao inferno, suas próprias almas. Eles estariam em erro a

respeito da fé católica se não renunciassem as suas visões.

Eles primeiro intimaram os dois principais companheiros de Irmão João,

Leonardo e Geraldo, ambos estavam longe de ser pobremente instruídos na

escritura. Os investigadores exigiram que eles jurassem dizer a pura e

simples verdade acerca de tudo que fosse perguntado deles. Depois de

perguntar a eles o que eles pretendiam das muitas coisas que eles tinham

dito em seus tratados e não encontrando nada que permitisse os

investigadores condená-los de depravação herética, eles lhes pediram que

respondessem a questão da divina essência, o assunto acerca do qual a obra

de Joaquim tinha sido condenada. Os dois disseram que neste assunto eles

acreditavam no que os doutores da igreja e os santos concílios tinham

determinado e que Joaquim nem acreditava e nem ensinava qualquer coisa

diferente daquelas.

Irmão Geraldo tinha uma excelente memória, grande eloqüência e um fino

intelecto. Um rio de autoridades recebido dos santos jorrou de sua boca e

eles não puderam condená-lo por meio de argumentos ou jurisdições. Além

disso, pacífica e humildemente ele lhes disse: “Mostrem-me, se vocês

podem, citando as palavras dos santos doutores ou os decretos dos

concílios, que o que vocês dizem tem alguma validez. Eu acho que essa

questão tem sido definida por todos os principais doutores e concílios. Nem

precisa ser estabelecida de novo, os modernos não excedem os antigos em

santidade e sabedoria”.

Visto que eles não conseguiram satisfazer sua solicitação (nem sabiam

como fazer isso), eles lhe falaram que ele poderia simplesmente acreditar

em tudo o que era comumente mantido pela Ordem e não deveria querer

saber mais do que fosse necessário. Geraldo respondeu: “Já que tenho

ensinado muitos outros sobre coisas divinas, sou solicitado a confessar a fé

e as coisas concernentes a isto não implicitamente, mas explicitamente”. Os

irmãos disseram a ele: “A igreja e o decretal dizem, “Nós confessamos com

Pedro (Lombardo) e condenamos o livro de Joaquim”. Geraldo respondeu:

“E eu confesso com a Igreja e com o Apóstolo Pedro tudo o que os santos

doutores e os cânones dos santos concílios tem pronunciado e definido

concernente a essa questão e todas as outras”.

Os irmãos, vendo que ele permanecia estabelecido em sua visão,

condenaram ele e seus companheiros à prisão perpétua. Tendo entrado na

prisão, Geraldo disse: “Ele me colocou num verde pasto”. Ele passou

dezoito anos lá em tanta alegria e contentamento que alguém poderia

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imaginá-lo continuamente abençoado com toda a espécie de coisas

maravilhosas, contudo ele foi privado do consolo dos livros, conversação

com outros irmãos, confissão e os sacramentos. Ele viveu lá como um

herético, excomungado e até no fim ele foi privado do sepultamento

eclesiástico.

Irmão Leonardo viveu e morreu sob a mesma sentença e com a mesma

pena. Mais tarde Irmão Pedro de Nubilis morreu na prisão de forma

semelhante porque recusou dar aos irmãos um tratado do Irmão João.

Depois dos dois companheiros de João terem sido examinados e

condenados, ele mesmo foi intimado a presença de um capítulo ou

assembléia dos discreti e principais irmãos na Cittá della Pieve. Todos

estavam chocados de ver como eles ousavam tratar tal homem tão

desrespeitosa e injustamente, causando pesar e escândalo a todos que

ouviram acerca disso, para o opróbrio e confusão da Ordem inteira. Irmão

João chegou e foi forçado a jurar como um suspeito de heresia. O sábio

homem foi questionado por aqueles menos sábios, o velho homem pelos

jovens. Alguém cheio do Espírito Santo foi examinado por aqueles que não

eram devotos e que estavam seguindo os desejos de seus próprios corações.

Então a sabedoria e santidade do Irmão Boaventura foram eclipsadas e

obscurecidas e sua suavidade tão transformada por uma mente perturbada

em fúria e raiva que ele disse: “Se eu não estivesse preocupado com a

honra da Ordem, eu o teria punido abertamente como um herético”.

Irmão João ficou de pé diante de seus verdadeiramente ingratos filhos e

porque eles não tinham nada contra ele, lhe perguntaram o que ele

acreditava a respeito da sobredita questão. Em sua resposta ele assumiu o

papel do inocente homem Cristo, afirmando que ele acreditava (na verdade,

sempre acreditou) naquela questão e todas as outras somente o que a Igreja

mantém e os santos doutores ensinam. Depois de ter respondido a um

grande número de questões e ter dado muitas pequenas respostas, tendo

agüentado pacientemente a raiva e a estúpida hostilidade daqueles que

desrespeitosamente o interrogavam, ele finalmente gritou: “Eu acredito

num único Deus, Pai todo-poderoso!”. Isto fez os irmãos ficarem ainda

mais irados com ele e –para resumir em poucas palavras- depois de muito

interrogatório e respostas, Irmão Boaventura decidiu com o parecer do

conselho dos irmãos e do consentimento do Senhor Giovanni Gaetani de

querida memória (que era então protetor da Ordem), sentenciar João a

prisão perpétua, exatamente como ele tinha aprisionado seus companheiros.

Quando aquilo chegou aos ouvidos do Senhor Cardeal Ottoboni, que foi

mais tarde papa, ele escreveu ao Senhor Giovanni, Irmão Boaventura e

aqueles a quem ele tinha consultado, dizendo a eles que repensem o assunto

diligentemente e vigilantemente, re-examinando a decisão que eles tinham

feito tão precipitadamente e com tão grande falta da devida consideração

no que diz respeito a Irmão João. Ottoboni disse que:

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Porque a fé de Irmão João é a mesma que a minha e sua pessoa o mesmo

que a minha pessoa, onde ele estiver, lá estarei com ele. E não pensem que

com suas hábeis artimanhas vocês podem facilmente apresentá-lo como um

herético, porque não somente depois que nos tornamos cardeais, mas muito

tempo antes, nós tínhamos certo conhecimento de sua santidade e

fidelidade, nem há, nós sabemos, ninguém na igreja de Deus mais fiel e

Católico do que ele. Portanto vocês deveriam parar de aborrecê-lo, porque

fazendo desse modo vocês também estão nos aborrecendo.

Logo que essas cartas foram recebidas e lidas cuidadosamente, o Senhor

Cardeal Giovanni mudou sua opinião e Irmão Boaventura, junto com seus

conselheiros, moderaram sua raiva e amavelmente (ao menos em

aparência) falaram com Irmão João. Eles chegaram a um entendimento de

acordo com o qual, com a permissão deles, ele escolheu a província de

Romania e, dentro da província de Romania, Greccio, como o melhor lugar

para o sossego espiritual. Lá ele se concentrou em si mesmo e no Senhor

por trinta anos, levando uma vida que era mais angélica do que humana.

Quando ele tinha mais de oitenta anos de idade, porém, ardendo de desejo

pela salvação das almas, ele solicitou ao Senhor Papa Nicolau IV de

bendita memória, permissão para ir à Grécia a fim de tentar conduzir os

gregos de volta a uma harmonia com a igreja, como ele já tinha tentado

uma vez antes. Uma vez no caminho, ele previu que sua partida desta vida

era iminente. Ele informou seus companheiros de viagem que tal era o caso

e lhes pediu para prosseguirem para o convento mais próximo. A cidade de

Camerino era a mais próxima para eles. Entrando lá ele disse: “Aqui é o

meu lugar de descanso, aqui eu ficarei, porque eu escolhi esse”.

Uma coisa maravilhosa aconteceu quando ele entrou na cidade. Embora

estivesse nublado, ele era desconhecido de todos e ninguém podia ter

sabido nada antecipado sobre a sua chegada, imediatamente toda a cidade

estava excitada e começaram a gritar: “Porque esse que entrou na casa dos

irmãos é um grande santo, vamos ir e escutar a palavra de Deus dele e ele

rezará por nós e nós receberemos sua benção”.

Ele não esteve doente por muitos dias antes de pagar o débito devido por

toda a humanidade, brilhando de ora em diante na morte com tantos

milagres que não somente aquela cidade, mas todas as vilas e cidades ao

redor dela estavam sacudidas pelo espanto e admiração. Mesmo os

inimigos foram convertidos por admiração e foram mudados para melhor;

aqueles que tinham falado mal dele, uma vez que viram os milagres que

Deus realizou através dele, reconheceram sua culpa e vieram com fé e

reverência, venerando suas pegadas. Eles foram forçados a confessar e

reconhecer a inveja do demônio, os artifícios do mal e as ações

condenáveis através das quais eles foram seduzidos a querer condenar

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como um herético esse apostólico homem de Deus, através de quem Deus

estava curando o mudo, o mutilado, o paralítico e aqueles sobrecarregados

com as mais variadas enfermidades, até mesmo erguendo o morto.

Essa quarta tribulação reduziu ao silêncio todos os homens santos e

tementes a Deus na religião. Isso trouxe de volta ao coração de muitos a

solidão e voltaram as mentes aos desertos. Essa reduziu a língua daqueles

que testemunharam a secura. Essa prendeu os afetos como se com uma

corrente de ferro. Essa dobrou os joelhos dos fracos até a água e

enfraqueceu as mãos dos fortes. Essa foi como se uma vara de ferro de

malícia, ódio, indignação, rancor e vingança tivesse sido colocada nas mãos

de um forte homem agitado pelo calor do vinho e levado pra cá e pra lá

num círculo, atacando de todos os lados contra aqueles dentro do seu

alcance, infringindo feridas profundas, cruéis e que eram incapazes de

serem curadas. O morto foi sem sepultamento. Aqueles que fugiram

retiraram-se por causa do medo. Eles morreram de fome. Os que tinham

ido antes foram tirados da memória da nova geração, que anunciava com

grande fanfarra que eles tinham retornado aos costumes do passado,

alcançando as coisas anteriores tendo mudado do vento sul para o vento

norte.

Nenhuma pessoa inteligente deixou de ficar assombrada e terrificada pela

magnitude da mudança e do julgamento que aconteceu. Apesar disso, o

homem carnal e tolo preferiu risada, segredo e desprezo a simplicidade. De

onde os fatos no quinto período (os quais tem diversos começos, meios e

fins, como veremos) que foram piores do que os que tinham ocorrido antes,

realmente cresceram a partir do que havia começado a brotar na Ordem

durante essa perseguição.

A QUINTA TRIBULAÇÃO

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Quando Irmão Boaventura se tornou um Cardeal (contra sua

vontade) por causa de sua reputação para a erudição, eloqüência e

santidade, Irmão Girolamo sucedeu-o no ofício de ministro geral. Quando

Girolamo se tornou papa, ele foi chamado Nicolau. Ele era um dócil

homem, modesto e lento para se irar ou para se ofender, mas descuidado e

morno quando veio a trabalhar para o aperfeiçoamento.

Enquanto Girolamo era ministro geral, o santo homem de Deus

Pedro João Olivi da província de Provença e o custódio de

Narbone, um nativo da cidade chamado Serignon, foi acusado (por

aqueles que queimavam de inveja quando viam a realização de outra

pessoa) de ter audaciosa e pretensamente escrito certas questões contendo

alguma impressionante nova visão. Quando Irmão Girolamo ouviu sobre

isso, ele chamou Irmão Pedro João a si e lhe falou para trazer junto as

questões que ele tinha escrito sobre Nossa Senhora, a Virgem Maria.

Quando rapidamente Irmão Pedro o fez, Irmão Girolamo as leu e ordenou

que fossem queimadas. Quando isso foi feito, Olivi, com expressão

inalterada e a alma tranqüila, como se tivesse recebido alguma grande

honra, lavou suas mãos e celebrou a Missa.

Quando alguns daqueles que admiravam as virtudes de Irmão Pedro João

notaram o que tinha acontecido, procuraram um momento conveniente para

questionar Olivi. “Irmão Pedro”, disseram, “depois de tal injúria feita a

você pelo ministro geral, como pode imediatamente e, sem passar pelo

sacramento da confissão, celebrar a Missa?”. Ele respondeu:

Eu aceitei aquela injúria como uma honra e desse modo não tomei aquilo

como mal, nem fiquei exasperado por isso. Absolutamente o contrário, eu

me senti jubiloso. E se vocês pensam que a destruição daquelas questões é

algo para se lamentar, não é nada. Seria fácil pra mim reproduzir as

mesmas questões ou escrever outras como aquelas, igualmente úteis, no

mesmo tema.

Quando Girolamo se tornou papa, os inimigos de Olivi, relembrando o

insulto feito a ele por Girolamo quando era ministro geral, foram ao papa e

argumentaram que Olivi deveria ser perseguido de novo. O papa

respondeu:

Possa Deus afastar de nossos corações a idéia de que nós ou outros

possamos infringir qualquer injúria ou prejuízo em tal homem, que excede

quase todos os outros em devoção, reverência e amor quando vem honrar a

Cristo e sua mãe. Tal ação poderia atrair a ira de Cristo e sua mãe sobre

nós. O que nós uma vez fizemos não se destinava a injuriá-lo, mas adverti-

lo, para seu próprio bem, de modo que através do processo nós pudéssemos

induzir sua excelente alma e agudo intelecto a conquistar maior gravidade

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e humildade. Aquelas questões não continham nada suspeito ou incorreto,

mas estavam bastante de acordo com a fé, sutil, piedoso e muito digno de

louvor.

Irmão Pedro João era suave, dócil, humilde homem, devotado a Cristo e

sua mãe e a São Francisco, com uma sabedoria divinamente inspirada bem

como adquirida. Ele era prolífico e eloqüente, além de todos os outros de

seu tempo, superior a muitos de seus contemporâneos (e talvez de todos

eles). Olivi estava cheio de sabedoria espiritual, conhecimento divino,

graça e verdade, transbordando de amor por sua Ordem. Ele era

compassivo, cuidadoso, bondoso, piedoso, discreto, prudente e

profundamente entregue a tudo o que era bom. Tendo a graça da profecia,

ele vaticinava muitas coisas e falava muito do que era útil, bem como

muito do que era necessário no tema dos perigos da evasão espiritual e a

ascensão às novas, verdadeiras, mais altas virtudes. Ele mesmo, como

Domingos e Francisco, tinha previsto e profetizado desde os primeiros

tempos por muitos testemunhos dignos de confiança.

Na verdade, o abade da Ordem Florense profetizou a respeito dele, e ele foi

profetizado também pelos antigos e por outros que tinham o espírito da

profecia. Assim, toda a primeira parte da profecia de São Cirilo, em quem o

Abade Joaquim cumulava grande louvor, tratava primeiramente de Irmão

Pedro João, seu local de nascimento, a Ordem a que ele se uniu e todas as

perseguições as quais ele, junto com seus seguidores, sofreria nas mãos de

seus inimigos. Até previa – em parte enigmaticamente e em parte

historicamente – os anos, tempos, caminhos e lugares desses eventos.

O Espírito Santo, a quem tudo é presente e nada é passado, fez isso a fim

de mais facilmente guiar o fiel, puro no coração e corpo, que era eleito a

erguer-se da prisão do tempo e da cruz da vida sensual. Eles podiam

aprender a provar e entender de forma preliminar, através de um

enigmático espelho, a predição das coisas boas que viriam. E, uma vez que

esses fiéis foram conduzidos, como foi, através de uma porta secreta, o

Espírito Santo solicitou a eles através dessas profecias a comerem e

repousarem para que eles não enfraquecessem no deserto desse mundo. O

Espírito também desejava que eles tivessem uma fé segura, porque Deus

devota o mais especial cuidado a essas pessoas, embora humildes elas

possam ser.

Quem entre os infiéis podia aceitar facilmente que, mil anos antes do

advento de Cristo, a Sibila Eritréia pudesse predizer inumeráveis eventos

futuros, bons e maus, mesmo incluindo aqueles que podiam parecer de

mínima importância para as criaturas humanas? Quem pode acreditar que

ela profetizou eventos tais como a simplicidade, inocência, pontificado,

abdicação e captura de Pedro de Marrone, mesmo o lugar de sua captura e a

identidade daqueles que o capturaram? Da mesma forma que aprouve a

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Deus predizer específicos feitos de Pedro João e muitos outros que

espiritualmente compreendem seu corpo e alma e em espírito são

considerados um com ele. Assim, o que é predito de uma pessoa é

completado em muitos e sobre um período de tempo e desse modo nós

vemos mais fácil e completamente a verdade histórica e o sentido

espiritual.

A profecia transmitida pelo anjo a São Cirilo chama Pedro João “o sol” por

causa da sublimidade de suas virtudes e sua famosa, incansável

incorruptibilidade, por causa da mais extraordinária multiformidade de sua

divindade inspirada de sabedoria e conhecimento e por causa da verdade de

seu ardente e Cristiforme amor à Deus e ao próximo. Ela descreve seus

inimigos como “escorpiões”, nascidos e reproduzidos de escorpiões,

imitadores de escorpiões. Hipócritas são comparados com escorpiões,

porque eles assumem feições encantadoras, dizem todas as coisas certas e

fingem agir por puro amor, de modo que eles possam ganhar o elogio e o

favor dos homens e levar a cabo suas intenções malignas. Eles picam com

suas caudas e injetam veneno, corrompendo aqueles que os ouvem através

da perversão de suas palavras e ações, contaminando aqueles que os

seguem com dissimulada imundície e corrupção. Eles odeiam e perseguem

terrivelmente aqueles dos seus seguidores que desaparecem, se eles tiverem

tempo e ocasião. Eles mentirosamente os difamam, ardentemente os

caluniam, agem traiçoeiramente para com eles e cruelmente se esforçam

contra todos que impedem seus esforços, quer verbalmente ou em ações, ou

se opõe a eles de qualquer modo. Eles não desistem daquilo que eles

pretendem até que possam levar a cabo suas más pretensões e castigar seu

alvo perversamente.

A quinta vexação ou tribulação decorrente da má vontade daqueles que

buscam o louvor e o favor dos homens, o hipócrita, sombrio grupo de

pessoas que odeiam e perseguem o sol e seus raios solares, começaram no

tempo do concílio de Lyon.

Quando Cristo nasceu, uma estrela no oeste apareceu aos reis, guiando e

conduzindo eles de modo que pudessem encontrar e adorar Cristo, o

verdadeiro e eterno sol. Mas quando os reis entraram em Jerusalém a

estrela desapareceu e, depois de inquirir os reis, Herodes ficou abalado e

toda a Jerusalém com ele. De uma maneira semelhante, depois de um sol

ter nascido no Governo da religião evangélica e ter estendido os raios de

seu ensinamento, a luz, a infusão da nova graça e a verdadeira e vivificante

devoção atraiu muitas das variadas classes da Igreja que procuraram

governar bem sobre os reinos de seus corpos e almas. Aquele sol também

induziu essas mesmas pessoas a procurarem, seguirem e louvarem o

conselho, exemplo e ensinamento do já citado homem e seus adeptos. O

louvor devoto e a imitação deles perturbaram as emoções e o coração

daquele bastardo, hipócrita e fraudulento pretendente a santidade e a

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virtude, que tinha usurpado tiranicamente a cátedra de ensino. Os devotos

seguidores de Olivi também encheram com inveja e maligno temor as

emoções e corações daqueles que, em seu vício e malícia, no entanto

pretendiam ter uma visão do rei e da paz. Ocultando sua impiedade e

malícia com corações maus e intenções traiçoeiras, eles trabalharam na

aparência para assemelharem-se com aquelas devotas pessoas de modo que

pudessem arruiná-las.

E porque não existe conhecimento ou sabedoria contra Deus, que governa e

protege o homem solar, os filhos da escuridão não recebem a força e ação

de seus raios, nem lhes é permitido extinguir e arruinar sua luz como eles

desejavam. Assim, eles voltaram para perseguir as emanações de seus

raios. Com a espada de uma má língua eles assassinaram os jovens que

estavam se esforçando para se adaptarem totalmente com sua vida e

ensinamentos, sujeitando eles a hostil inquérito e duvidoso e artificial

interrogatório, como se eles os estivessem marcando mortalmente através

da impiedade da herética depravação. Eles os jogaram para dentro das

tumbas - ou fosso- de suas prisões e os esconderam lá; mas, temendo os

raios dos brilhantes argumentos e o calor do amor chamejante do criador

deles, o sol, e sendo incapazes de ficarem em sua presença, eles não

ousaram os confrontar com um sério inquérito.

Pedro João de Olivi então, estando iluminado pela luz de Cristo,

considerando vergonhoso o espetáculo de crueldade que estava tomando

lugar ante seus olhos, tomou um companheiro e foram sem ser convidados

ao ministro geral, Irmão Bonagrazia que estava então em Avignon. Quando

o ministro geral e os inimigos de Irmão Pedro (que incitavam e

provocavam o ministro geral com importunas e satânicas sugestões a fim

de fortalecer a causa deles quanto as acima mencionadas perseguições)

ouviram sobre a vinda de Olivi, ficaram extremamente perturbados.

O ministro geral convocou o ministro provincial e, mais do que um pouco

raivoso, disse a ele: “Eu não lhe dei uma ordem que nenhum irmão ousasse

vir a mim a não ser que fosse explicitamente ordenado a fazer tal? Por que

então, você deu permissão ao Irmão Pedro João vir sem meu conhecimento

de nada sobre isso?” O ministro provincial respondeu: “Ele não recebeu

minha permissão e nem perguntou a qualquer outro”. “Descubra”, o

ministro geral disse, “como e porque ele veio”.

Irmão Pedro disse ao ministro provincial:

Diga ao ministro geral que vim porque fui forçado a fazer por manifesta e

urgente necessidade e vim às pressas aqui para expor meu caso perante ele

e todos vocês até o limite de minhas capacidades. Reúna alguns dos irmãos

sem demora, porque o assunto acerca do qual eu vim é de comum

importância, vital e necessário a todos.

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Querendo tratar rapidamente com Irmão Pedro e querendo repreendê-lo

severamente e impor punição por sua desobediência em vir sem permissão,

o ministro geral rapidamente convocou um capítulo. Quando eles estavam

reunidos, Pedro João propôs a radiante espada da palavra a eles como um

tema, dizendo: “O espírito de sua boca mata os ímpios”. Ele apresentou seu

caso com tal fervor de espírito e tão efetivamente, que todos ficaram

espantados pela força de suas palavras e ficaram lá, silenciosamente

abalados na mente e no coração. Ninguém ousou responder ao seu discurso.

Ferido em seu coração, o ministro geral nem respondeu por sua vinda e

nem deu a ele uma penitência. Ele escondeu qualquer hostilidade que sentia

por Pedro João. O superior, contra sua vontade, sentou e escutou seu

subordinado o corrigindo. Tendo autoridade, ele, no entanto, não se atrevia

a repreender o homem que ele odiava sem boa razão. Depois de uns poucos

dias o ministro geral, arruinado por sua própria raiva, começou a

enfraquecer e, caindo doente, morreu, assim como dois dos principais

adversários de Pedro, que, mais do que os outros, tinham inflamado o

ministro geral a fim de favorecer a loucura daquela infame perseguição.

E todos sabiam que a autoridade de Olivi para denunciar como ele fez,

aqueles que tinham agido com iniqüidade derivava do fato de que ele era

iluminado pelo espírito profético.

Esses são os milagres, Cristo, que você realizou por seu servo, coisas que

parecem desprezíveis para o tolo, mas para o sábio e o temente a Deus,

muito adorável e digno de veneração. Um simples subordinado apareceu

livre e espontaneamente perante aqueles muitos que o detestavam, tinham

autoridade e poder sobre ele e buscavam a ocasião para prejudicá-lo e

persegui-lo. Tendo vindo sem ser convocado, ele infringiu a lei. Ele não

tinha solicitado permissão para fazer tal coisa. Os superiores botaram sua

autoridade a parte, se submetendo a vontade de um subordinado que eles

consideravam execrável e rebelde. Eles não assumiram uma postura

adversária. O desejo pelo poder foi inibido ou impedido neles. Eles

ouviram uma desagradável mensagem de um homem que eles

consideravam desagradável. Eles odiaram o que ouviram, mas não

reassumiram a posição de superiores e retaliaram imediatamente. Em vez

disso, embora estivessem furiosos, eles se recusaram a impor a pena que

antecipadamente aguardavam com prazer. Na presença de um homem que

era sujeito a eles, silenciosamente ferviam. Ele era um homem que

dificilmente eles eram capazes de olhar, contudo não o repreenderam.

Esses injustos homens sábios perderam sua sabedoria e não puderam

oferecer palavras justas contra o homem justo. Em vez disso, eles se

apressaram em despedir o homem que eles não podiam suportar.

Mas uma alma depravada e maligna pode cegar os olhos da mente e induzir

insensibilidade nos homens perversos, levando-os a não considerarem o

julgamento de Deus ou serem conscientes do mal que estão fazendo.

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Assim, seus inimigos não pararam de difamar, se opor e perseguir, secreta e

publicamente, ele e seus seguidores dentro e fora da Ordem, com

engenhosas artimanhas, ardilosas mentiras, calúnias e injustas perseguições

antes e depois de sua morte.

Nem é possível explanar em poucas palavras o que foi feito e o que ainda

está sendo feito contra ele, seus imitadores e seus ensinamentos. E, embora

enquanto ele vivia, ele poderosamente e de forma clara, oralmente e por

escrito, em Paris e em toda a parte, mostrou que seus detratores eram

injustos, inverídicos e incorretos em suas visões; a perversidade das

vontades de seus perseguidores triunfou muitas vezes, de tal modo que eles

continuaram a atacar sua pessoa e doutrina. Eles desenterraram seus ossos,

furiosamente desmantelaram seu túmulo, destruíram os sinais de sua

santidade e da devoção do fiel oferecida a ele, e lançaram todas as suas

energias para extinguir a operação do espírito no fiel.

Prisão, ferro, grafite, pena, papel, raio, trovão, fogo, movimento rápido,

falso testemunho, um irmão que toma o lugar, um juiz que odeia, a divisão

da luz, a noite interrompida, terra, vento, sangue e dispersão do rebanho –

todos permanecem fixos no silêncio contudo gritam, lembram o passado e

mostram o que está por vir como se isso fosse presente. O compromisso

restringe o agitado e o rompimento dos laços; o recíproco ataca e contradiz

do fim; a conversão para a oposição e a túnica do leproso; o veneno e o

livro; a repressão dos excrementos, expansão do lodo e absorção da terra;

esses darão testemunho ao sol em seu tempo. Agora só uns poucos o dão,

quem renuncia o tempo e seus sentidos quando o espírito sopra. E eles

vêem certas coisas ainda invisíveis aos sentidos através de aberturas

momentaneamente acesas por um clarão de raio. Estes mantém um sentido

fixo do fim e assim não hesitam ou pensam em tempos longos. Tudo o que

é longo é atualmente curto, isto passa através do tempo e, quando a rotação

cessa, voa para o eterno e é unido com a cabeça, em ligação com a cruz

através da qual ele reina no céu.

A fim de reinar com ele, permita-nos aceder a ele com um coração puro e

refletir sobre as razões porque alguém que amava seus irmãos, um defensor

e expoente deles que aspirou e promoveu a honra deles e louvor, pôde ter

sido tão cruelmente atacado e odiado sem razão. Os motivos devem ser

buscados na pessoa que foi perseguida, embora aqueles que fizeram a

perseguição ofereceram outros pretextos forjados, fingidos.

As razões pelas quais demônios e homens que eram vazios de qualquer

amor pela verdade o odiassem era porque ele amava Cristo e o próximo

com perfeito amor e porque ele mais ardentemente desejou e mais

solicitamente procurou, pregou e se esforçou para iluminar todas as coisas

pela luz da sabedoria espiritual, assim como atrair outros para o amor de

Cristo e para a imitação da vida de Cristo. Ele ensinou também o fiel e

Católico entendimento daquela vida, porque ele conhecia e expôs

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(oralmente e em seus escritos) as atividades sombrias, as fraudes e as

trapaças dos demônios, enquanto elucidava para o grande e o pequeno, por

claros e compreensíveis argumentos, no nível em que era capaz, as coisas

ocultas da sabedoria Cristã.

Ele abriu a um exame minucioso as ofensas dos religiosos pseudo-profetas

e doutores carnais, os filósofos verbosos que estavam vivendo vidas

carnais, os clérigos que estavam corrompendo e maculando as coisas

sagradas e o estado eclesiástico com cobiça e simonia, corrompendo,

devorando e dispersando o rebanho de Cristo. Ele mostrou seus crimes,

proclamou os perigos, advertiu do julgamento e condenou a corrupção que

eles tinham introduzido. Ele dissolveu suas desculpas e mostrou a danação,

justa retribuição e a eterna punição que eles possuiriam como seu

patrimônio, a privação da graça e o crime que eles incorreriam ao

desonrarem e irritarem a Deus.

A prerrogativa da graça de singular sabedoria, na qual ele excedeu todos

seus contemporâneos e a qual ele recebeu do Senhor através da infusão,

inspirou inveja e ódio naqueles que amam ter a reputação de nascerem

doutos. A incrível devoção mostrada por todos os fiéis e especialmente os

devotos e os amantes da verdadeira pobreza e humildade e a imaculada

virgindade, aumentava o ódio e a inveja dele.

Acima de tudo, se deveria considerar seu ardente zelo pela honra da Ordem

e a Igreja inteira; sua extraordinária devoção e sincero amor por São

Francisco e pela Regra evangélica e a vida apostólica a qual Jesus Cristo

tinha havido por bem revelar; a pura defesa, declaração e observação as

quais, tão longo quanto ele viveu, ele incessantemente trabalhou através de

sua oração, sua conduta, sua pregação, seu debate, seu ensinamento e seus

escritos.

Ele odiava impurezas, relaxamentos, excessos e todo comportamento,

tradições ou ensinamentos que comprometessem e ofendessem a pura e fiel

observância necessária para a salvação. Ele refutava estas questões com

verdadeiros e claros argumentos, empregando a mais inquestionável

autoridade da Sagrada Escritura e os santos doutores para provar que eles

estavam errados.

Esta foi a principal e maior causa e ocasião – a causa de seu lado e a

ocasião no de seus inimigos – de todas as suas dificuldades, a questão que

os motivou a botar madeira no seu pão, ou seja, a detração apontada na sua

vida, a carga de depravação herética apontada em seus ensinamentos e a

provação da perseguição dirigida a ele, assim como aqueles que aderiram a

ele, o imitavam, o amavam e o defendiam de qualquer jeito.

Essa vexação pelos espíritos da escuridão, motivado pela inveja, foi e é

amarga, múltipla, constante e muito sutil, afetando muitos irmãos, devotos

seculares e desprezíveis e humildes penitentes. Isto é muito parecido com a

perseguição dirigida contra a vida, a moral e o ensinamento de João

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Crisóstomo, ele da boca de ouro (de acordo com seu santo nome). Naquele

tempo, santos lutavam contra um santo e mais do que uma vez um concílio

de santos levantou-se contra ele, condenando-o ao exílio. O grande doutor

Santo Cirilo é dito ter comentado: “Como Judas estava entre os apóstolos,

tal João está entre os bispos”. Tampouco ele cessou sua detração, mesmo

depois da morte de João, até que São João apareceu a ele numa visão e lhe

deu um pontapé na boca tão vigoroso que sua mandíbula ficou toda rachada

até os ouvidos. Como uma penitência por seus pecados ele permaneceu

daquele jeito até sua morte. Ainda assim, os inimigos do Irmão Pedro João

nunca cessaram sua detração e perseguição e continuarão até seu pecado e

maldade serem punidos por algum castigo óbvio que durará, uma entrega

do céu por Cristo através daquele mesmo santo homem.

Os irmãos se opunham a ele e tentavam manchar seus ensinamentos por

meio de contendas, cortando pela raiz com críticas, deformando com

calúnias, especialmente aquela parte que se relacionava com a vida

religiosa. Enquanto ele estava vivo, seus inimigos tendo chamado a

julgamento muitos artigos de seu ensinamento, ele foi intimado pelo

ministro geral a aparecer em Paris e responder aos ataques contra ele ante

os Mestres e outros irmãos reunidos lá. Ele respondeu a todas as acusações

tão sabiamente, tão eloquentemente e tão abundantemente, que aqueles que

estavam presentes ficaram espantados e maravilhados. Eles reconheceram

que suas afirmações a respeito das sobreditas matérias eram Católicas.

Aqueles inimigos que tinham feito as acusações não ousaram proferir uma

palavra.

No tempo em que Irmão Arlotto era ministro geral, Pedro João, então em

Paris, estava caminhando sozinho pelo claustro ou quarto onde o ministro

estava sentado com dois mestres (a saber Ricardo e João de Murrovale)

quando o ministro, que era um bondoso e humilde homem, chamou-o e

disse-lhe: “Irmão João, porque todos nós ouvimos que você diz algumas

coisas singulares sobre o tema da essência divina, eu gostaria de ouvir você

explicar ante esses Mestres que visão você pensa seria considerada nesta

questão”. Pedro João respondeu: “Pai, sem procurar sustentar minha visão

com referências aos santos doutores, presentemente lhe darei sete

argumentos, cada qual tem sete argumentos vinculados, defendendo minha

visão”. Começando pelo primeiro, ele continuou até o último.

Tendo ouvido tudo isso, o ministro, rindo, disse para os dois Mestres (que

eram muito opostos aquela opinião): “Irmão Ricardo e Irmão João,

respondam a ele”. Nenhum deles atreveu-se a dirigir qualquer resposta a

ele, apesar de que o ministro os tenha solicitado a fazer.

Assim era com todos os outros assuntos nos quais os irmãos se opunham a

ele. Eles eram incapazes de resistir a sabedoria e ao espírito que falava por

ele. Ele provou sua causa aos irmãos, demonstrando com os mais claros

argumentos e a autoridade de muitos santos doutores. Além disso, ele

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escreveu vários tratados nos quais ele fortemente refutava os argumentos e

autoridades que seus adversários ofereciam contra ele, mostrando que eles

não estavam no ponto. Ele afirmou que a abdicação de toda a jurisdição e o

uso restrito (usus pauper) dos bens eram substancialmente partes da vida

apostólica e da vida, Regra e profissão do Bem aventurado Francisco.

Ele descreveu usus pauper como a utilização que, todas as coisas

consideradas, deveria ser apropriadamente considerada pobre em vez de

rica, tampouco causando uma extrema necessidade que pudesse tornar o

estado de religião perigoso, nem excluindo tampouco as necessidades da

vida ou aqueles objetos necessários para a execução dos ofícios pertinentes

ao estado da mesma. Os irmãos não deveriam ter o uso de todas as coisas,

como já foi dito; nem deveria haver qualquer superfluidade ou riqueza em

seu uso, os quais depreciassem a pobreza. Nem sequer os irmãos deveriam

armazenar coisas, recebendo-as com a intenção de alienar ou vender, ou

com a desculpa que estão providenciando para o futuro ou alguma outra

circunstância especial. Ao contrário, em seu comportamento deveriam

parecer ter (na verdade, deveriam ter) completa abdicação da propriedade

(dominium) e necessidade do uso. Tudo isso, contudo, deveria estar

determinado na compreensão das necessidades individuais.

Ele ensinou e sustentou isso para resguardar das impurezas que poluem,

obscurecem e danificam a pobreza prometida pelos Franciscanos e a

perfeição da Regra como se essas práticas fossem boas, forçar tal

observância nos outros e impugnar os zelosos irmãos que falam contra as

impurezas e desejam observar a Regra puramente implica ou pecado mortal

ou o grande perigo do pecado mortal, particularmente onde as impurezas de

nossa Ordem são óbvias. Nem tampouco esse comportamento pode ser

desculpado pela crassa ignorância, muito menos pela fingida ignorância.

Pelo contrário, que o torna pior. Ele disse, também, que era muito pior

introduzir e defender as impurezas universais – que são aquelas espalhadas

por toda a multidão – do que impurezas particulares, significando aquelas

que tocam somente poucas pessoas. Similarmente, é pior introduzir ou

defender impurezas que duram um longo tempo ou para sempre do que

impurezas que duram somente um breve tempo. É pior também introduzir

impurezas que escandalizam o mundo ou obscurecem e escondem a luz e o

exemplo da vida perfeita do povo, do que outras espécies de impurezas.

Assim, ele disse que os exageros em edificações, quer isto envolva

materiais raros, modelo e decoração incomuns, exagerado tamanho ou

despesa, ou excessivo esforço dedicado a levantar o dinheiro necessário

para eles, é uma perigosa impureza, especialmente para aqueles que

defendem isto e forçam outros a participar disto, porque elas duram um

longo tempo (praticamente para sempre), afeta o grupo inteiro, dá ao

mundo um mal exemplo e obscurece o exemplo da vida de Cristo. De

forma semelhante, litígio ou contenda por sepultamento ou funeral

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apropriado, ou por qualquer outra questão temporal é uma notável

impureza, especialmente se acontece frequentemente, dura um longo tempo

e incita um grande número de irmãos a se tornarem ardentemente

envolvidos nisso. Mesmo entre os seculares esta é uma imperfeição maior

do que possuir propriedades ou envolver-se em negócios para tirar

proveito, exceto em certos casos e sob certas circunstâncias as quais

poderiam em grande parte desculpar essa imperfeição. Além disso, fazer

isso através dos seculares, instigando e dirigindo eles, pagando todas as

suas despesas, controlando e aconselhando eles, como nós geralmente

vemos isso acontecer hoje, não é simplesmente uma impureza, mas, num

sentido, uma fraude perpetrada na Regra e sua pureza.

De forma semelhante, obtendo ninharias anuais , solicitando contribuições

anuais, indo além do que é o mais necessário ser feito no presente para

prover as necessidades futuras, acumulando e preservando o que sobrou, ou

adquirindo bens de modo que os irmãos possam ganhar dinheiro deles, quer

eles recebam eles mesmos, quer através de alguém que receba para eles, é

uma notável impureza e uma enorme transgressão da Regra.

Dizer e manter que nossa Ordem pode ordinariamente usar calçados, ou

montar cavalos, ou vestir escarlate, ou igualmente roupas preciosas como

os Cânones Regulares, ou ter o uso de campos ou vinhedos ou coisa

parecida, é uma enorme blasfêmia concernente a Regra e a vida apostólica

que nós prometemos. De modo semelhante, nossa Ordem aceitar

sepultamentos em troca de pagamento de bens temporais (sepultamento que

nós de outro modo cuidaríamos pouco ou nada acerca de recebimento) ,

assegurar contratos em retribuição por eles, obrigando a outra parte a

pagamentos anuais ou doações e dizer Missas em retribuição por pequenas

quantias diárias ou anual é comprometer a sublimidade da perfeição da

nossa Regra e o estado da nosso Ordem inteira, levando-nos aos perigos

horrendos da simonia e nos apanhando numa armadilha lá.

Ele ensinou e disse que os apóstolos e bispos, que na imitação dos

apóstolos professavam a vida evangélica na medida em que é uma parte do

voto e profissão evangélicos, são requeridos para observar usus pauper,

como está claro a partir de Martin, Basil, Gregório de Cezaria, Maurilius,

Germanus, Ammonius e similares, que mostraram e ensinaram por suas

palavras e obras que eles eram ligados a isso do mesmo modo que os

apóstolos tinham sido, embora alguns deles em alguns tempos devem ser

desculpados por não terem reconhecido isso devido a ignorância comum no

que diz respeito ao direito evangélico nesse assunto. Isto é parecido com o

caso de Cipriano que, de acordo com Agostinho em seu livro sobre batismo

escrito contra os Donatistas, argumentava que heréticos convertidos a fé

Católica tinham que ser re-batizados . Cipriano poderia ser desculpado do

pecado mortal dizendo que é porque ele fez a matéria antes de ter sido

definida clara e explicitamente por um conselho geral. No entanto, na

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medida em que o direito evangélico estava em causa, este sempre foi

genericamente um pecado mortal e herético.

Pedro Olivi ensinou que nós deveríamos nos manter fiéis somente a

escritura sagrada e a fé Católica ou a fé da Igreja Romana como a

verdadeira fé, também não deveríamos aderir a qualquer opinião humana,

fosse a dele própria ou aquela de qualquer outro grande doutor, a menos

que fosse primeiro mostrada segura e fielmente que a opinião está em

conformidade com a fé da Igreja Romana. Somente essa deveria ser

mantida com fé.

Olivi afirmava que é diabólico apegar-se inabalavelmente a alguma opinião

humana como se fosse uma parte da fé e ninguém deveria ser solicitado a

concordar necessariamente com qualquer um que determine que isto ou

aquilo seja da substância da fé Católica, exceto ao pontífice Romano ou a

um conselho geral ou na medida em que a razão e a autoridade da sagrada

escritura ou da fé Católica definam a matéria e obrigue alguém.

Ele dizia que os irmãos não podiam possuir privilégios que depreciassem a

pureza da Regra, como aqueles que deixaram a Ordem para se envolver

direta ou indiretamente em demandas seculares e similares e ainda assim

preservar a pureza da Regra. Muito menos podem extorquir tais privilégios

do Supremo Pontífice através de impróprias e importunas solicitações.

Ainda menos, tendo as recebido, eles as deveriam usar.

Apelar aos procuradores ou oficiais do papa ou dos bispos ou de qualquer

outro, de modo que através de tais recursos os oficiais são levados a iniciar

disputas e litígios envolvendo legados, doações prometidas aos irmãos,

sepultamentos, funerais ou semelhantes, laivos de impurezas quanto a

Regra que nós prometemos. Uso de tais oficiais é sem dúvida uma fraude

perpetrada não somente contra a pobreza do estado evangélico através do

qual todos os irmãos deveriam se manter fora das disputas temporais e

litígios, mas também é uma fraude contra a humildade, simplicidade e

tranqüilidade as quais, além de todas as outras coisas, os irmãos estão

limitados na promessa da Regra evangélica.

Todos os assuntos mencionados acima são claros e sem dúvidas: quando

alguém faz uso de tal comportamento, o clérigo e o leigo ficam

escandalizados e a perfeição da vida evangélica é denegrida em seus olhos.

Através de tal conduta os freis naquela casa e em toda a Ordem se tornam

odiosos e pesados para todos.

O modo de vida permitido aos irmãos é expressamente dado na Regra; isto

é, aquela que nós deveríamos viver daquela que é livremente oferecida,

daquela que é humildemente obtida através da súplica, ou daquela que é

adquirida através do trabalho. É óbvio que nenhuma dessas três envolve o

ganho de coisas através de litígio ou por negociações conduzindo ao litígio

levado a cabo por outros. Como a alma realiza obras exteriores através do

controle sobre seu corpo, certos irmãos não desejam ser o corpo numa

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causa secular, mas completamente felizes de ser a alma, incitando e

dirigindo a solicitação, conseguindo o dinheiro e os advogados exigidos

para isso, etc. Ele afirmava que tal comportamento é não apenas uma

impureza de acordo com a Regra, mas também fraudulento.

Dar garantias e contrair empréstimos não é permitido ao estado evangélico

a menos que seja requerido por evidente necessidade, doações que

acabaram, e isto é recebido de pessoas piedosas sem qualquer vínculo de

obrigação. De modo semelhante, fazer arranjos para funerais ou qualquer

outra atividade secular – se “fazer arranjos” é tomado no sentido pleno –

cheira a uma certa jurisdição na pessoa que faz tais arranjos e os observa.

De outro modo o termo “fazer arranjos” seria usado inadequadamente,

porque ninguém faz arranjos acerca de uma coisa sobre a qual ele não tem

autoridade. E portanto Olivi dizia que tal comportamento não era permitido

aos homens evangélicos.

Devotar-se a tais tradições e documentos que foram dados de modo que as

pessoas pudessem continuamente servir a religião na verdade de toda a

perfeição e santidade e multiplicar o talento dado a eles por Deus e por seu

sincero amor e zelo pela salvação das almas à honra de Cristo, Olivi

suportou muitas adversidades e muita oposição e retaliação dos seus

detratores. Seu coração foi habilmente trespassado por dolorosos

aborrecimentos, várias e amargas punições e o encarceramento de seus

santos irmãos executado contra eles pelos inimigos da verdade porque eles

aderiram a sua vida e doutrina.

Mesmo enquanto ele estava vivo, os santos irmãos João do Valle, João

Julian, Francisco Lenet, Remond Auriole, João Primi e muitos outros

estavam presos. Então aquele homem de singular perfeição, Pons Bautugat,

poderoso em obras e fervorosamente eficaz na palavra, foi aprisionado.

Aqueles cães raivosos trataram-no cruel e impiedosamente porque ele não

quis entregar alguns tratados escritos pelo santo pai, Irmão Pedro. Os

perseguidores queriam recolhê-los a fim de queimá-los. A selvagem

crueldade mostrada para com Pons perturbou as almas daqueles que

ouviram falar disto, enchendo o coração dos ouvintes com assombro pela

impiedade dos perseguidores e admiração pela invencível paciência

daquele que suportava tal tratamento pelo amor a justiça.

Acorrentado com grilhões de ferro e uma corrente de ferro , Pons foi

colocado numa fétida, pequena e escura prisão. Afixando a corrente ao

tronco de uma árvore, os perseguidores o confinaram e limitaram tanto que,

prostrado pelo ferro, ele só podia satisfazer as suas necessidades

fisiológicas no lugar onde ele estava sentado. Ele jazia esticado na terra nua

que estava coberta com sua urina e fezes ao nível de seus pés, mal cheiroso

e imundo, envolvido num sórdido lodo. Enquanto jogavam com desdém

escasso pão e pouca água a ele, os carcereiros desviavam suas faces. Mais

cruéis do que bestas e mais nocivos do que serpentes, eles não

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manifestavam bondade na palavra ou ação a um homem que, eles sabiam,

era verdadeiramente santo, mesmo no momento de sua morte.

Finalmente, Pons quedou doente. Enquanto ele deitava, ou melhor, sentava

numa posição reclinada no fedor de suas fezes e urina, regozijava-se em

sua alma e aquecido pelo fogo do amor, dando infinitas graças à Deus, ele

devolveu seu espírito à Deus, deixando para todos um exemplo e modelo

de insuperável fortaleza e imperturbável paciência.

Maldito seja o porco maligno que matou esse Irmão Pons, um cordeiro em

sua bondade e inocência e verdadeiramente um pequenino cordeiro na

perfeição de todas as virtudes. Ninguém que tenha um verdadeiro senso da

luz do perfeito amor de Cristo e sabedoria e traz isto dentro de si mesmo,

de fato nenhum Católico Cristão que simples e fielmente acredita em deus

e segue Cristo, aprovaria, mas, antes condenaria aquela crueldade e

selvageria do porco. Aqueles que são aquecidos pelo consolo da caridade

de Cristo e tem um sentido de Cristo e entranhas de compaixão o

amaldiçoarão. Eles fugirão, abominarão e temerão a impiedade depravada

dos filhos da perdição, porque eles entendem que a doença do orgulho e a

imundície da impiedade tem entrado mascaradas no vestuário da santidade

e trazendo o nome de humildade. Eles sabem que a figueira da falsa

religião, com o luxuoso crescimento dos galhos, tem sido completamente

seca e privada dos frutos do Espírito através da força da palavra de Cristo,

antes da final, futura exaltação de sua cruz. Antes do tempo de seu

sofrimento, Cristo não deu aos apóstolos mais sinais evidentes do

julgamento a ser retribuído contra a sinagoga do que a dessecação da

luxuriante figueira, seca subitamente pela sua palavra de maldição. Se os

fariseus , anciãos, doutores e padres tivessem vivido a vida da fé a qual age

através do amor, eles não teriam crucificado Cristo o Senhor da glória, nem

teriam atraído sobre si o julgamento que eles mesmos seriam exterminados.

Portanto, agora, se aqueles que professam a pobreza evangélica tivessem

procurado amar e verdadeiramente cumprir a promessa da perfeição, eles

não quereriam ter, privados da graça, perseguido pessoas inocentes ou,

negando a fonte de sua perfeição, ter impugnado eles. Nem quereriam ter

preparado o caminho e aberto a porta dos males futuros; nem quereriam ter

experienciado a vingança do julgamento e exterminação serem exercitados

neles.

O carcereiro daquela cruel prisão encontrou o santo homem Irmão Pons

morto, e rapidamente anunciou a sua morte ao guardião daquela casa. O

segundo ordenou dois fortes irmãos leigos cavarem um buraco num valo do

jardim, lançar seu corpo secretamente ali e cobri-lo com sujeira. Os irmãos

vieram executar suas tarefas e, enquanto eles trabalhavam para livrar o

corpo, agora em parte mergulhado em vermes e sujeira, dos grilhões de

ferro, eles descobriram que do lombo para baixo estava em grande parte

comido por vermes. Olhando para sua face, contudo, eles ficaram

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espantados ao descobrir que estava abrasada com uma luz que excedia

qualquer coisa natural, uma luz antes angélica do que humana.

Como o corpo, mesmo coberto como estava com fezes, não emitia cheiro

desagradável, mas um odor que sobrepujava o mau cheiro, causou

assombro e encheu a mente dos irmãos leigos com não pouca admiração.

Suas mentes ficaram clareadas da cruel selvageria que tinha caracterizado

suas atitudes em relação a ele, antes de morrer e eles levaram a cabo suas

tarefas, impostas a eles com benevolentes intenções. Assim, aqueles que,

convencidos pelo que viram, estavam agora forçados a reconhecer sua

santidade, o lançaram dentro da vala, como se ele fosse um animal e

cobriram seu corpo em decomposição com imundície como um ato

humanitário e também a fim de manter as ações impiedosas empregadas

contra ele de serem divulgadas ao povo.

Essa quinta tribulação também começou na província das Marcas

de Ancona. Por aquele tempo (1274) quando o conselho geral invocado

pelo santo papa (de bendita memória) Gregório X estava sendo celebrada,

um rumor se espalhava pela Itália de que o Supremo Pontífice havia

decretado nesse Concílio que aos Frades Menores, Pregadores e outros,

deveriam ser dadas propriedades. Ouvindo isso, muitos dos frades

aceitaram, enquanto alguns – embora poucos – sentiram isso muito mal e

incapazes (de fato, não querendo) de esconder o que estava em seus

corações, revelaram seus sentimentos para seus confrades, supondo que

acontecesse do assunto ser discutido em público. Quando seus irmãos

disseram que estavam prontos a aceitar posses e rendas regulares em

obediência ao papa e ao conselho geral, eles responderam que fariam

oposição. Ambos grupos, na maneira de disputa, apresentaram argumentos

e autoridades sustentando sua posição.

Aquelas discussões tornaram evidente que havia uma diferença de opinião

dentro dos frades e um forte compromisso de cada lado por sua escolha.

Como resultado, depois do Concílio ter acabado, o grupo majoritário sentiu

que era melhor e mais seguro receber propriedades e rendas regulares. Essa

maioria pensava que o argumento enunciado pela minoria estava errado.

No primeiro capítulo realizado após o Concílio, a maioria decretou uma

investigação daqueles irmãos em minoria como se eles fossem cismáticos

ou sustentassem uma errônea opinião. Se eles não se retratassem, eles

seriam punidos severamente como se fossem heréticos. Uma vez que a

investigação foi levada a cabo, todos, exceto três confessaram sua falta

como os irmãos desejavam. Eles sentiam que , uma vez que o papa não

tinha dado propriedade aos irmãos, era inútil e um desperdício de tempo

argumentar com os superiores sobre a questão.

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Os outros três irmãos - Tramondo, Tomas de Tolentino e Pedro Macerata –

firmemente mantiveram (com autoridades e argumentos) que o papa e o

concílio geral nunca tomariam tal decisão porque isso não só seria

impróprio, mas também prejudicial, levando a apostasia e portanto não

fazem parte do poder deles. Os irmãos na maioria, por mais instruídos que

fossem, não podiam ou não sabiam como resistir a força de seus

argumentos e perderam o debate. Assim, ainda mais furiosos pelo

resultado, eles rasgaram as roupas dos três irmãos e os confinaram como

cismáticos em eremitérios.

Quando um ano havia passado eles novamente convocaram os três para um

capítulo. Quando, após três dias de discussão, os irmãos ainda não tinham

sido capazes de refutar os argumentos desenvolvidos pelos três, um certo

sábio irmão chamado Benjamin, que excedia os outros em prudência,

santidade e idade, chamou Irmão Pedro de Macerata e secretamente lhe

disse: “Filho, não é bom continuar esta resistência verbal contra os irmãos.

Quando eles chamarem vocês, diga-lhes que vocês deixaram o acordo da

questão ao meu julgamento e consciência, que vocês confiam em mim e

desejam fazer o que eu decidir, porque minha consciência não varia da de

vocês próprios”.

Assim, três anos passaram sem qualquer penitência ser prescrevida a eles;

no entanto os dois lados ainda diferiam no que eles acreditavam e

desejavam. Um grupo sentia que a estabilidade, vitalidade e sobrevivência

da Ordem dependiam da edificação de casas dentro das grandes e pequenas

cidades; atraindo seguidores entre os leigos; incentivando enterros, sendo

incluídos em testamentos e recebendo outras espécies de legados;

multiplicação de livros, estudantes e escolas; perseguição de estudos

profanos; solicitando privilégios e coisas dessa natureza.

O outro grupo sentia exatamente o oposto. Com todo o coração, mente e

força, eles queriam se manter fiéis à consciência e ensinamento do

fundador. Dentro de poucos anos o número deles aumentou tanto que os

outros irmãos começaram a sentir que o resto da Ordem poderia se

converter a visão e ao modo de vida deles. Naquele ponto a minoria

poderia se sentir encorajada a resistir as práticas correntes e isso poderia

não muito longe facilmente forçar o consentimento da parte deles.

Quando, com a permissão de Deus, esse humano ou antes farisaico temor

tinha sido estabelecido na maioria por um espírito perturbando as Ordens

da igreja e os corações humanos, cinco ministros se encontraram em

segredo e, depois de discussão, unanimemente determinaram que não havia

um efetivo remédio para a situação, exceto um processo dirigido aos líderes

do grupo. Esse processo iria puni-los, sem executar qualquer exame formal,

como cismáticos corrompidos pela mácula da heresia e como destruidores

da Ordem, desse modo aterrorizando os outros.

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O que mais pode ser dito? O que os ministros tinham impiedosamente

decidido foi executado no próximo capítulo provincial. Espezinhando todas

as leis humanas e divinas, eles determinaram que os Irmãos Tramondo,

Thomas de Tolentino (que agora, tendo recebido a palma de mártir em

Tana na Índia, passou alegremente para Cristo) e Pedro de Macerata, junto

com alguns outros – sem qualquer pecado específico sendo mencionado em

suas cartas de sentença – deveriam ser sentenciados a prisão perpétua como

heréticos e destruidores da Ordem. Eles deveriam ser privados da

confissão, de todos os sacramentos da Igreja e do uso de todos os livros

(menos um breviário). Quando eles morressem deveria lhes ser negado o

sepultamento eclesiástico apropriado. Os irmãos designados a dar a eles o

que fosse necessário para permanecerem vivos – e nada mais – estavam

obrigados por obediência a não falar com eles sobre quaisquer condições,

mas antes conferir suas prisões e seus grilhões dia e noite, temendo que

eles encontrassem um meio de escapar. A fim de aterrorizar os outros, eles

acrescentaram esta tirânica ordem: que se qualquer irmão ousasse dizer que

a sentença era cruel, injusta, imprudente ou imperfeitamente executada, ele

mesmo poderia receber uma punição similar como um defensor dos

heréticos e um destruidor da Ordem.

Aconteceu que um certo santo irmão chamado Tomás de Castello d´Emilio,

tendo escutado a impiedosa, cruel e terrível sentença – a qual era lida a

todos os irmãos todas as semanas em seus encontros capitulares – ficou

inflamado pelo fervor do espírito e zelo pela verdade. Ele replicou: “Eu não

considero minha vida mais preciosa do que a mim mesmo. Estou certo que

essa condenação é iníqua, injusta e aplicada sem temor a Deus ou amor.

Isto desagrada a Deus e todos os santos”.

Quando essa confissão foi feita diante de todos, Tomás foi imediatamente

detido de acordo com aquela lei tão parecida com a lei Islâmica. Despojado

de seu hábito e amarrado com duros grilhões de ferro, ele foi preso numa

escura prisão onde, após poucos meses de tratamento inumano, ele

adoeceu. Mas com uma crueldade como a dos Sarracenos os irmãos

cerraram seus olhos ao homem doente e, rejeitando o pedido de amor de

Cristo, eles executaram ao pé da letra aquela cruel lei.

Feliz e preenchido com Deus, dando graças apesar de seu confinamento

físico, Tomás entregou seu espírito. Como foi no caso de Irmão Pons

Bautugat, eles jogaram seu corpo numa vala e cobriram com imundície,

como se fosse o cadáver de um animal feroz.

Tais são os julgamentos que caíram sobre os humildes, pobres adeptos de

sua vida e Evangelho, doce Jesus, vós que de boa vontade entregou sua

vida para salvar aqueles que o odiavam. Esquecidos de vossa misericórdia

e de vosso grande amor, seus juízos despudoradamente pregam que tal

ação, em consciente violação da natureza, lei e graça e com crueldade e

ferocidade superando a dos Sarracenos e Tártaros, é para agir em vossa

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honra. Eles afirmam que fazendo assim, eles estão oferecendo uma grande

e especial obediência a vós.

Seus juízos consideram que é lícito inventar regras baseadas em

julgamentos pervertidos de suas próprias vontades, eles que tem prometido

seguir e cumprir o Evangelho e as santas inspirações de seus corações.

Eles fazem uma demonstração de assumir o incorruptível manto da justiça

próprio daqueles que oferecem o sacrifício eterno, de modo que através da

malícia e da perversão eles possam ganhar uma reputação de santidade e

justiça. Estabelecer mentiras no lugar da verdade, substituir o zelo pela

oração divina, pelo zelo pela oração a si mesmos, fazer leis baseadas nos

caprichos e considerações de seus próprios corações, as sustentando com

autoridades impropriamente interpretadas, é colocar o retrato do Anticristo

no templo de Deus mesmo antes dele vir, introduzir sua seita antes dele

pregar e combatê-lo antes dele chamar de novo.

Em tempo, pela disposição misericordiosa do Pai dos aflitos pobres

homens, o ministro geral morreu e seu sucessor foi Irmão Raimundo

Gaufredi , da província de Provença, um gentil, piedoso homem e um

amante de todas as boas coisas. No processo de visitar as várias províncias

da Ordem, ele afinal veio para as Marcas. De acordo com o costume, um

capítulo provincial foi reunido e depois da proclamação de várias correções

lá, ele começou a examinar e perguntar acerca dos irmãos aprisionados. Em

que erro ou seita, superstição ou depravação estavam eles envolvidos de tal

maneira que eles pudessem ser punidos com tão severa sentença? Ele leu a

sentença, mas não pode encontrar nenhum crime específico, heresia, ou

outra má ação especificada. Quando ele ouviu do ministro, definidores do

capítulo e custódios que aqueles irmãos não eram culpados de nenhum

outro crime a não ser o excesso de zelo e observância da pobreza, ele

replicou: “Se apenas a Ordem inteira fosse culpada de tal crime!

Então ele imediatamente ordenou que todos eles fossem libertados de suas

prisões e trazidos a ele. Ele os recebeu graciosamente e lhes falou com

afabilidade, os exortando a perseguir o santo desejo deles com paciência e

perseverança. Ele de bom grado os concedeu tudo o que eles pediram para

a salvação de suas almas.

E visto que aquele devotado homem de Deus, Barão Hetun, rei da Armênia,

tinha solicitado através de seus mensageiros e cartas especiais que o

ministro geral enviasse a eles irmãos cujas vidas fossem santas de modo

que ele e outros líderes principais do seu reino assim como o clero e o povo

pudessem ser edificados por suas palavras e exemplo, o ministro enviou ao

Rei Hetun os irmãos libertos da prisão, a saber, Ângelo e Tomas de

Tolentino (agora martirizado), Marco de Montelupone, Irmão Pedro de

Macerata e outro irmão chamado Pedro (obs do tradutor: este é o próprio

Ângelo Clareno). Ele acreditava sem dúvida que em fazer tal coisa ele

satisfazia a solicitação do rei. Tampouco foi equivocado o ministro geral

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em pensar tal coisa, pois ele contentou o Rei, os barões, religiosos e o clero

mais do que ele podia ter acreditado.

Aqueles na Armênia sentiram que acolheram e encontraram neste grupo

não homens comuns, mas verdadeiros discípulos de Cristo e dos apóstolos.

Quando eles estiveram na Armênia por um tempo, o rei enviou ao ministro

geral, através de mensageiros e cartas especiais, reiterados agradecimentos

por ter enviado tais pessoas a ele. Quão efusivamente ele elogiou aqueles

irmãos luminosos para todos no capítulo geral em Paris, onde a carta foi

lida a fim de refutar certos inimigos da verdade que estavam murmurando

contra o ministro por causa de sua decisão de enviá-los.

Além disso, dois grandes barões e outras pessoas importantes foram

enviados aos reis da França e Inglaterra. Era um grupo que conhecia

perfeitamente a língua francesa. Eles disseram mais coisas boas sobre os

irmãos do que as cartas haviam dito. Aquilo acabou com o murmúrio. O

ministro geral exultou, se encheu de alegria e admiração por como o

trabalho da Divina Providência fez as cartas e os embaixadores

contribuírem neste assunto. Como resultado o ministro não só foi

desculpado perante todos, mas elogiado por ter agido de tal modo santo e

com bom resultado. O rei, o clero e todo o povo louvaram o

comportamento dos irmãos.

A reputação deles para a santidade e bom comportamento se estendeu aos

irmãos na Síria. Estes, em vez de ficarem alegres por isso como deveriam

ficar, foram tomados por tal raiva (particularmente os irmãos no convento

em Accon, onde o guardião era um certo Irmão Paulo, que tinha sido o

companheiro do ministro provincial nas Marcas quando a impiedosa

sentença foi passada contra os irmãos) que o ministro provincial,

pressionado pelos irmãos, escreveu cartas difamatórias ao rei e barões,

falando não só por si mesmo, mas por todos os irmãos na Terra Santa. Eles

admoestaram que os irmãos que eles tinham recebido e dito que eram

santos (de fato, acreditavam ser assim), deveriam ser vigiados com a maior

cautela, porque eram homens perversos que tinham sido separados do resto

da Ordem, condenados como cismáticos e heréticos e sentenciados a prisão

perpétua.

O rei discutiu com seus sábios conselheiros a carta que tinha sido enviada a

ele e em seguida convocou os irmãos. Primeiro ele pediu para ver suas

ordens e as cartas comuns que eles trouxeram com eles. Então ele lhes

mostrou a carta difamatória enviada pelo ministro e irmãos da Síria.

Quando eles leram esta carta, eles honestamente narraram a ordem dos

eventos a ele. Quando o rei ouviu a explanação deles, uniu-se a eles por um

mesmo forte vínculo de amor. A raiva da comunidade de irmãos contra eles

era implacável, embora o ministro provincial, tendo encontrado e ouvido

dois irmãos que vieram a ele por causa das cartas que ele havia enviado,

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reconheceu sua culpa e prometeu que no futuro suas palavras a atos seriam

favoráveis a eles.

Mas a raiva dos outros irmãos continuamente aumentava. Irmão Pedro de

Macerata foi para Chipre e foi recebido de modo cordial e amoroso pelo

ministro na casa em Nicosia. Num certo dia de festa o ministro pediu a ele

para pregar aos irmãos, ao rei e a outros que estavam presentes. Quando

Pedro foi para a casa em Paphos, o guardião e certos irmãos com ele, em

desprezo as ordens do ministro, o detiveram como um excomungado e,

embora o tenham recebido no refeitório, não o deixaram entrar na igreja,

especialmente para celebrar a Missa.

Por isso, sentindo que os irmãos na Síria estavam continuamente

exasperados pela estada deles com o rei, os irmãos foram ao rei e

explicaram porque eles tiveram que partir (algo que o desagradava muito),

então divididos. Alguns tinham apelado ao ministro geral enquanto outros

retornaram as suas províncias. Quando o Irmão Pedro de Macerata e seu

companheiro, frágil de corpo e doente, viajaram através das Marcas de

Ancona, eles não conseguiram por nenhum meio obter do Irmão Monaldo,

vigário do ministro provincial das Marcas, permissão para demorar-se em

qualquer casa da província antes de se apresentarem ao ministro geral.

Pedro Marrone tinha a pouco se tornado papa. Portanto isso parecia bom

para o ministro geral e todos os principais irmãos nos quais Cristo e seu

Espírito habitavam em seus pensamentos , especialmente de Conrado de

Offida, Pietro de Montecchio, Jacopone de Todi, Tomaso de Trevi,

Conrado de Espoleto e outros que aspiravam observar a pureza da Regra,

que Pedro de Macerata e seu companheiro iriam ao Supremo Pontífice.

Ambos haviam estado em condições familiares com ele antes de sua

eleição e ele foi confidente de suas boas intenções. Eles lhe perguntaram se

a eles e a outros irmãos que desejavam e amavam observar a Regra pudesse

ser dada permissão para fazê-la sem aborrecimento e interferência de

outros que por sua própria escolha tinham caído da fiel e pura observância

da Regra exigida por São Francisco em seu Testamento e outros escritos.

Senhor Celestino sabia dos muitos santos irmãos do passado e era um

sincero, ardente amante e observador de toda a pobreza, humildade e

perfeição evangélica. Ele sinceramente amava e admirava cada verdadeiro

servo de Cristo e amante da perfeição. Ouvindo deles sua presente situação,

seus objetivos, as aflições que eles sofreram, seu desejo para observar a

Regra e a natureza de seus votos, ele aprovou neles o que ele mesmo

ardentemente amava e plenamente servia. Ele louvou suas metas, aceitou

seus votos e ordenou Irmão Liberato e seu companheiro tentarem observar

a Regra e o Testamento fiel e sinceramente como São Francisco desejava

que fossem observados, de fato tentar adicionar mais se eles fossem

capazes de fazer isso. Ele lhes disse que ele sempre tinha amado

semelhante pobreza e tentava observá-la com seus próprios irmãos. Mas

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pela ordem do papa e do concílio ele foi mandado a aceitar propriedade se

ele desejasse aumentar o número de irmãos.

Ele absolveu Irmão Liberato e seus companheiros de toda a obediência aos

irmãos e deu a Irmão Liberato plena autoridade para absolver os outros

irmãos ao mesmo tempo da culpa e da punição. Ele o ordenou a exercer

cuidado sobre todos aqueles que desejavam observar semelhante vida. Ele

ordenou os outros a submeterem-se ao Irmão Liberato como se eles

estivessem obedecendo ao papa mesmo. Para preservar a paz e a honra dos

Frades Menores e a Ordem eles não deveriam chamar a si mesmos Frades

Menores, mas sim seus frades e pobres eremitas. Ele os recomendou ao

Senhor Napoleone Orsini , cardeal da Santa Igreja Romana, porque ele era,

como Celestino explicou-lhes, um solícito e liberal promotor de piedosas

causas.

Quando os irmãos ouviram que o Supremo Pontífice havia absolvido o

grupo de sua obediência a Ordem, eles procuraram o lugar onde o grupo

estava parando, alugaram uma turba de homens mundanos e, mesmo

enquanto o papa ainda estava em L´Aquila, em consciente desprezo pela

ordem do Supremo Pontífice e respeito devido a ele, pondo de lado

qualquer senso de temor a Deus, bem como todo o respeito ao amor e a

honra, eles foram armados e tentaram capturá-los.

Uma vez que o Senhor Celestino tinha renunciado ao papado, parecia

conveniente e proveitoso que o grupo devesse se afastar da cólera dos

irmãos e, para a maior paz e bem estar deles, que eles devessem se retirar

para lugares afastados onde, sem causar tumulto ou escândalo, eles

pudessem livremente servir o Senhor.

Nesse meio tempo, Papa Celestino foi capturado por Standardo numa

região conhecida como Vieste (Hestia, em latim) e então levado ao Monte

Santo Ângelo pelo Senhor Patriarca e muitos outros. Os Frades Menores

pediram insistentemente que a eles fosse permitido vê-lo lá. Quando foram

levados ao local, esquecendo toda a modéstia e benignidade, eles

começaram a dirigir tantas maldições, impropriedades e blasfêmias a ele

que o senhor patriarca, que estava presente, ficou transtornado e

imediatamente mandou que eles se retirassem e fossem expulsos do lugar

sem demora.

Quando eles foram expulsos o senhor patriarca perguntou a Celestino: “O

que você fez aos Frades Menores para que eles o odiassem tanto?”

Celestino respondeu na presença do Irmão Nicolau, agora Arcebispo de

Salona, aquilo que mais tarde tantas vezes repetiu aos cardeais e outros

grandes homens da corte papal (eu escutei ele fazer isso):

“Eu nunca fiz aos Frades Menores ou sua Ordem qualquer injúria. Ao

contrário, eu os honrei e considerei como filhos. Mas embora eles

devessem me amar, eles me insultam, me odeiam sem causa e injustamente

me criticam. Havia na Ordem certos santos irmãos cujas vidas e

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comportamento eu mesmo há muito tempo sabia com certeza pela

experiência pessoal. Eu dei a esses irmãos a permissão para observarem sua

Regra perfeitamente de acordo com a intenção e a ordem de seu fundador

sob obediência a nós, sem adotar o nome de Frades Menores. Eu queria

exatamente a mesma coisa para meus próprios irmãos quando eles tiveram

um desejo semelhante e verdadeiramente aspiravam elevar-se a semelhante

perfeição”.

Uma vez que Irmão Conrado suportou o peso dessas cinco

tribulações na Itália, exatamente como Irmão Pedro fez além das

montanhas, seria frutífero e proveitoso para todos que amam servir a

Cristo perfeitamente, se nós relatarmos a paciência com que ele suportou a

adversidade e perseverou no bem. Ele juntou-se a Ordem mais cedo que

Pedro João e passou para Cristo no tempo do Papa Clemente. Depois de

sua morte (12/12/1306) ele resplandecia com milagres e enquanto vivo seu

comportamento era celestial. Chamado do mundo para um maravilhoso

caminho, instruído mediante a unção pelo espírito de Cristo, ele viveu

inteiramente em Cristo e sua fé. Assim ele firmemente seguiu nos passos de

São Francisco e adaptou-se inteiramente aos modos de Francisco, tanto que

todos os irmãos que o encontravam afirmavam que eles enxergavam outro

Francisco.

Por mais de 55 anos ele se contentou com apenas uma túnica, que era de

um velho e vil material, remendado com saco e outros pedaços de tecido.

Ele sempre andava de pés descalços. Durante toda a sua vida ele somente

quis ter uma túnica e um cordão. Sua cama era a terra nua coberta com

palha, uma esteira de junco, ou talvez um pano duro. Ele nunca deixava de

orar, vigiar e jejuar. Seguindo o exemplo de São Francisco ele jejuava

durante toda a quadragésimas , isto é, aqueles da Epifania, dos apóstolos,

da Mãe e dos anjos. Até onde podia, ele jejuava longe de todo ruído e

contato com outros.

Ele foi favorecido com a graça divina mesmo em sua infância. Muitas

vezes ele se erguia do solo enquanto rezava, como eu escutei

frequentemente daqueles que o viram de tal modo elevado e em êxtase.

Irmão João de Parma e Pedro João o mantinham em tão grande reverência

que quando ele estava presente eles preferiam ouvi-lo do que eles mesmos

falarem. Conrado mesmo, através do exemplo de sua vida e do puro, fiel

ensinamento que transmitia em suas palavras, tinha gerado em Cristo os

irmãos que estavam sujeitos a tribulação. Além disso, ele tinha feito mais

do que eles e falado mais do que eles em oposição a vida dos outros irmãos

e o estado da Ordem, contudo seus inimigos, contidos e limitados por

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alguma força ou por reverência a ele, não deixaram tocá-lo ou afligi-lo de

nenhum jeito.

Quando João de Murrovalle sucedeu Raimundo Gaufredi como ministro

geral e gravemente perseguiu os ensinamentos do Irmão Pedro de Olivi,

seus discípulos e todos que o defendiam de qualquer modo, Irmão Conrado

de Offida foi acusado perante ele de muitas sérias ofensas. Os irmãos se

opuseram a ele apresentando provas na forma de escritos e testemunhos.

Eles o acusaram de louvar e aconselhar o afastamento da Ordem a fim de

observar melhor a Regra; de dizer que nem as declarações nem a Regra

estavam atualmente sendo observadas; de dizer que os irmãos impediam

enquanto podiam aqueles que queriam observar isto; de louvar e promulgar

outra Ordem a qual ele considerava a verdadeira Ordem dos Frades

Menores, e de muitas coisas similares. O ministro geral ficou muito

perturbado.

Quando convocou Conrado, João primeiro leu tudo o que os irmãos tinham

dito e documentado em relação a ele. Então, com grande emoção,

mostrando o intenso pesar que ele sentiu sobre o que Conrado tinha feito,

ele disse: “Eu mal posso conter a mim mesmo de rasgar minhas roupas em

pedaços, exatamente como você dilacerou meu coração!” Conrado viu que

ele estava profundamente comovido e, tendo oferecido uma sincera oração

a Cristo em seu nome, de tal modo o acalmou com um pouco de palavras

humildes e simples, que ele abandonou todas as amarguras em relação a

Conrado. O amor e reverência de João por ele aumentou e desde então até

o afastamento de Conrado de sua vida, João o convocava frequentemente

por causa do conforto espiritual que ele recebia ao vê-lo e ouvir suas

palavras.

Junto com Irmão Giácomo de Monte e Tomás de Tolentino, Conrado

obteve permissão do Irmão João para irem no meio dos infiéis com doze

companheiros que esses três escolheriam e julgariam estar preparados para

a tarefa. Giácomo de Monte, um homem de admirável pureza e santidade,

seria o ministro geral do vigário no oriente. Esses irmãos tinham ouvido

acerca de várias tribulações sofridas por aqueles que tinham ido a Acaia e

Tessalônica no tempo da renúncia do Senhor Celestino. E eles pretendiam

levar o grupo das Marcas de Ancona junto na jornada as terras dos infiéis e

observar a Regra em toda sua pureza com eles, de acordo com a graça dada

a eles pelo Altíssimo. Desse modo eles poderiam libertar esses irmãos das

perseguições que eles sofriam e fortalecerem-se eles mesmos pelo auxílio e

conforto que o grupo ofereceria enquanto eles estivessem juntos entre os

povos infiéis.

Essas foram as tribulações e aborrecimentos sofridos pelo Irmão Liberato e

seus companheiros, as tribulações das quais, movidos por verdadeiro amor,

os três desejavam livrá-los. De fato, Irmão Conrado, contido por não sei

qual oráculo, permaneceu com seus companheiros e não viajou com eles.

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Irmão Liberato viveu por dois anos numa pequena ilha, bem adaptado ao

culto divino. Lá ele desfrutou mais do que uma pequena paz espiritual no

Senhor. A fama de santidade deles – a maior causa dos ataques aos servos

de Cristo – se espalhou para outros.

Quando os Frades Menores vivendo naquela região ouviram

acerca do estilo de vida do grupo pelos comerciantes, marinheiros

e daqueles que algumas vezes visitaram a ilha buscando conforto ou

para mostrar sua devoção, eles começaram a se angustiar como se a

própria reputação deles para a santidade tivesse sido tomada deles por

roubo ou violência. Eles não tiveram interesse em buscar a verdade do

assunto, mas para aquietar o pequeno povo (a quem invejavam e feriam)

eles inventaram mentiras e atormentaram de longe o grupo de irmãos com

acusações difamatórias perante os bispos e os barões da região, afirmando

que os irmãos eram Maniqueistas. Por isso, eles disseram, eles não comem

carne ou bebem vinho e porque eles vivem longe dos homens, de modo que

eles não tem que assistir a Missa. Nem acreditam no sacramento do altar

ou acreditam que o papa é o papa real ou a Igreja a verdadeira Igreja. E a

inveja, a pior e mais injusta de todas as maldades, ensinou os frades

Franciscanos a dizerem muitas outras coisas parecidas acerca deles.

Quando os bispos e príncipes ouviram os discursos difamatórios dos frades,

embora eles não acreditassem neles, começaram a ficar alarmados; e,

querendo se certificar sobre o grupo, duas vezes enviaram homens sábios a

ilha. Eles ficaram por um tempo e diligentemente examinaram o que o

grupo estava fazendo. Quando eles viram quão reverente e devotadamente

eles celebravam a Missa, como eles diariamente incluíam em suas Missas

orações para o Supremo Pontífice e a Igreja, e como solícita e

atenciosamente eles diziam as horas canônicas, eles souberam que o que os

frades disseram a cerca deles procedia da inveja e falsas suspeitas.

Retornando a seus senhores, eles relataram o que tinham visto,

brilhantemente exaltando a moral, as convicções e o comportamento dos

irmãos.

Os príncipes e bispos pediram que membros do grupo conduzissem Missas

públicas para o clero e o povo a fim de apagar a infâmia imposta a eles e

que eles pregassem a fé Católica para o povo. Além disso, os bispos

disseram aqueles que jantaram com eles que eles beberiam vinho e

comeriam carne , bem como tudo o que fosse colocado diante deles.

Quando eles reverentemente cumpriram todas as ordens dadas, os

representantes dos bispos revelaram porque eles os tinham ordenado a fazer

aquelas coisas.

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Mas os frades de Achaia estavam transtornados pelo que tinha ocorrido e

seu humor mudou da alegria e contentamento para tristeza, amargura e uma

raiva implacável. Tendo determinada a verdadeira situação do grupo, eles

decidiram ir ao papa e difamar o grupo com tão grande e tantas acusações e

acusá-los de tantos crimes que, se o papa quisesse ou não fazer isso, ele

seria forçado a passar uma sentença contra eles como contra os heréticos.

Os irmãos Franciscanos então tinham em João de Murrovale, um cardeal da

Santa Igreja Romana, que tinha sido seu ministro geral, um defensor

disposto a tudo o que eles solicitavam. Com sua ajuda eles foram capazes

de se encontrar com o Supremo Pontífice. Primeiro eles explicaram:

Certos apóstatas da Ordem vieram a província de Achaia e, devido ao

singular modo de vida que eles levam, as austeridades que eles praticam e a

permissão que o Senhor Celestino deu-lhes para fazê-lo (as quais eles agora

sustentam ter e exibir), muitos príncipes e todo o clero mostram a eles tal

devoção que nós não podemos ser bem sucedidos em administrar a justiça

neles.

O referido papa, Senhor Bonifácio, respondeu (como foi relatado pelas

pessoas que estavam presentes, pessoas dignas de fé), “Deixem eles

sozinhos para servir a Deus, eles estão fazendo melhor do que vocês”.

Então os irmãos se refugiaram numa mentira que tinham inventado de

antemão, uma com que eles estavam familiarizados. Sem temer pronunciar

tal falsa afirmação diante de tal homem, eles disseram: “Senhor Santo

Padre, essas pessoas que Sua Santidade prefere a nós são heréticos e

cismáticos. Eles pregam e argumentam por toda a terra que o senhor não é

o papa e que a Igreja não tem autoridade”. E disseram muitas outras coisas

parecidas calculando perturbar a mente do papa.

Enganado por suas mentiras, ele concordou com o pedido perverso e

ordenou que cartas fossem escritas de acordo com o que eles tinham

solicitado. Ele obrigou três prelados a executarem as punições contidas

nestas cartas: o Senhor Pedro, patriarca de Constantinopla e dois arcebispos

de Atenas e Patras.

O patriarca, demorando-se em Veneza, entregou as cartas papais aos dois

arcebispos , cada um dos quais tinha pleno poder para agir. Contudo, o

arcebispo de Tebas, que era um homem instruído, disse quando viu as

cartas enviadas para os irmãos: “Eu não acredito que tais cartas injustas

pudessem ter sido enviadas em nosso tempo da cúria Romana”.

Quando teve oportunidade, ele falou com Tomás de Sola, soberano da ilha

na qual os irmãos residiam, e, repetindo seu comentário acerca da injustiça

das cartas, ele pediu ao soberano que expulsasse os irmãos da ilha e

informasse Irmão Liberato e seus companheiros sobre o conteúdo das

cartas sem demora.

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Tendo ouvido sobre o assunto, os irmãos procuraram mais uma vez

apresentarem-se diante do arcebispo de Tebas, mas ele, levado por sua

consciência, desviou sua face deles, e através de seus familiares

secretamente informou-lhes que eles nunca deveriam ousar aparecer

perante ele. Falando de novo com o senhor de Sola, ele o ordenou sob pena

de excomunhão, expulsar os irmãos de seu território tão rápido quanto

possível.

O arcebispo de Patras, que era parente do papa, descobriu como as cartas

tinham sido obtidas e de nenhum jeito quis recebê-las. Ele desenvolveu

uma forte aversão pelos irmãos Franciscanos que as tinham obtido por tais

meios.

O que mais pode ser dito? Os irmãos de Ancona foram forçados a deixar os

territórios sob o domínio Latino num tempo de extrema escassez, na qual

mesmo os ricos estavam limitados no que eles podiam adquirir. Não tendo

nada, eles viajaram pelas proximidades e chegaram no meio das pessoas

que os evitavam como heréticos. Eles tinham ficado lá por dois anos

padecendo muitos trabalhos, muita pobreza e muitas provações, quando o

senhor patriarca retornou de Veneza a Negroponte. Imediatamente os

irmãos da Ordem Franciscana vieram a ele e – para expor brevemente –

obtiveram dele um acordo que os irmãos que tinham sido expulsos

deveriam ser excomungados mais uma vez e uma segunda vez. A carta de

excomunhão foi lida, com o ressoar dos sinos por toda a parte e os freis

eles mesmos, como os procuradores dos patriarcas, apressados aqui e ali

proclamando a sentença. Mas por divino julgamento, quanto mais eles

mostravam a profundeza de sua hostilidade em relação aos irmãos ausentes,

mais eles atraiam sobre si o desagrado daqueles senhores e outros que

tinham algum discernimento.

No fim, depois de todas as más tentativas e manipulações, os frades

ficaram constrangidos de procurar a ajuda dos irmãos mencionados no

começo – Giácomo do Monte e seus companheiros, que já estavam em

Tebas e Negroponte – solicitando que eles tentassem estabelecer a paz

entre os irmãos daquela província e que eles deviam ir aqueles cuja

expulsão e excomunhão pelo Senhor Patriarca eles tinham conseguido.

Aquele senhor, através de uma terrível punição divina, foi removido da

vida uns poucos dias depois da excomunhão (ele morreu em 23 de

dezembro de 1301 –nota do tradutor) . Eles deviam tratar com tantos

quantos deles que soubessem e encontrar algum jeito de alcançar unidade e

concórdia e desse modo parar a difamação entre o clero e os leigos e a

perseguição que tinham produzido. Assim, todos seriam edificados por sua

prudência e amor, através das quais o escândalo seria facilmente finalizado

e o bem piedosamente alcançado.

Respondendo ao pedido dos frades, Giacomo e seus companheiros vieram

aos irmãos, a quem eles há muito tempo desejavam ver, e aquele santo

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homem velho foi recebido junto com seus companheiros como se ele fosse

um anjo vindo do céu. Eles se alegraram nas refeições e acomodação - os

quais revelavam verdadeira pobreza – oferecidos a eles pelos irmãos e

proclamaram com satisfação que eles tinham companheiros cujos

propósitos eram os mesmos que os deles. Eles enviaram mensageiros a

João de Murrovalle, que governava a Ordem naquele momento, cumprindo

as funções de ministro geral pela autoridade pontifical. Eles rapidamente

enviaram as cartas de Irmão Giacomo, que era vigário de João e outras do

ministro e irmãos da Província de Romania, suplicando que a Irmão

Giacomo fosse permitido levar Irmão Liberato e seus companheiros juntos

na missão as terras dos infiéis. Tal concessão produziria grande paz entre

os irmãos daquela província. O resultado seria bom para a Ordem e

produziria não pouca edificação entre os leigos e os clérigos.

No entanto, João não seria persuadido a conceder esse pedido nem pelas

cartas enviadas a ele ou tampouco pelas solicitações de Irmão Conrado e

seu companheiro, Irmão Tadeu, a quem João amava acima de todos os

outros no mundo. Ele enviou uma carta a seu vigário ordenando justo o

oposto. Irmão Tadeu sugeriu em sua própria carta que tão grande bem não

deveria ser abandonado pela decisão do senhor cardeal.

Embora o conselho de Irmão Tadeu não ter sido atendido, não obstante

Irmão Liberato e seus companheiros decidiram ir ao papa e demonstrar sua

obediência à Igreja e ao Supremo Pontífice através de suas palavras e

ações, confiando o cuidado de seus corpos e almas a Divina Providência.

No futuro eles nunca , em nome da prudência, escolheriam a fuga da face

dos seus perseguidores como uma solução, mas doravante bravamente se

apresentariam aos seus perseguidores.

Logo, quando Irmão Gonzalvo, o ministro geral, descobriu que Irmão

Liberato tinha retornado com seus companheiros e estavam vivendo num

certo eremitério no Regno, ele foi ao ilustre Rei Carlos da Sicília armado

com as papais e patriarcais cartas de condenação e excomunhão. Ele

conseguiu cartas similares fortes contra os mencionados irmãos de Carlos.

Tommaso de Aversa, inquisidor da heresia, foi chamado por ordem do rei

(a pedido do ministro geral) para iniciar um processo inquisitorial contra

Irmão Liberato e seus companheiros. Isto começou na vila de Frosolone na

diocese de Trivento.

Na vigília de Pentecostes, Irmão Liberato e treze companheiros

voluntariamente se apresentaram ao inquisidor, prontos para apresentar

uma prestação de contas de sua adesão a fé católica. Tendo diligentemente

investigado eles, o inquisidor lhes disse: “Estou perto de deixar essa vila>

Não exigirei que vocês venham comigo, mas vocês devem saber que

passarão por grande tribulação se ficarem e menor se virem conosco”.

Dirigindo-se a Irmão Liberato ele disse: “Palavras não podem expressar o

ódio que os Frades Menores tem mostrado em relação a vocês. Se quisesse

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vender você, nunca a carne de qualquer animal em qualquer açougue

alcançaria o preço que eu poderia obter pela sua.

Alguns dias depois o inquisidor partiu com sua família e companheiro. Em

sua viagem ele passou pelo lugar deserto onde Irmão Liberato esteve

residindo com seus companheiros. E eis que subitamente o tempo mudou e

havia uma grande quantidade de trovões e raios. Um raio de luz desceu do

céu e caiu perto do cavalo do inquisidor. Ele parou onde estava e voltou-se

para Irmão Liberato, dizendo: “Irmão Liberato, estou convicto de sua fé e

da dos seus companheiros. Não estou forçando vocês a virem junto

conosco. Veja, nós estamos muito perto de sua morada. Volte para lá se é o

que você quer fazer. Eu o aconselho a vir comigo porque isso significaria

menos tribulação para vocês”. Irmão Liberato respondeu: “Eu prefiro

seguir o seu conselho”.

Quando o inquisidor chegou a Teano com eles, contudo, ele ficou exposto a

repetidas investidas dos frades que – algumas vezes com rogos, algumas

vezes com subornos e algumas vezes com ameaças – insistentemente

exigiam que ele entregasse Irmão Liberato a eles imediatamente porque ele

era o maior apóstata. Embora completamente golpeado por seus ataques, o

inquisidor se manteve em seu propósito. Querendo salvar Irmão Liberato

de suas ciladas, falou secretamente com ele num entardecer depois que o

sol tinha se posto: “Encare, disse ele, que você fique no Regno não por

muito tempo. Parta essa noite pelos mais encobertos caminhos que você

possa encontrar. Se você decidir permanecer no Regno, no entanto, tente

conseguir cartas de recomendação endereçadas a mim da cúria Romana, ou

de algum cardeal. Se você as tiver, então desde que eu seja inquisidor, eu o

defenderei”. Irmão Liberato seguiu o conselho do inquisidor e foi as

pressas com um companheiro a cúria Romana, mas adoeceu gravemente no

caminho e permaneceu incapacitado em Viterbo, na casa de Armênios, por

muitos meses, ignorado por todos. Depois de dois anos o angélico homem

morreu no eremitério de Santo Ângelo em Vena.

Outros irmãos divergiam de qual seria o mais rápido caminho para fora do

Regno a fim de informar seus companheiros que eles estavam partindo e

assim eles permaneceram por alguns dias no Regno. Nesse meio tempo, o

inquisidor retornou a Nápoles e, levado por não sei quais razões ou causas

depois de seis dias ou tanto enviou cartas de piedosa fraude por seu

mensageiro pedindo aos companheiros de Irmão Liberato que

permanecessem no Regno por uns poucos dias (se se pode descrever como

“piedosa” alguma coisa que engana o piedoso e mata de maneira suave as

pessoas). Ele confessou que não tinha feito bem quando deu a Irmão

Liberato e seus companheiros permissão para partirem. Como um pai, ele

pretendia exercitar melhor cuidado sobre o assunto no futuro. Ele

fortemente exortou aqueles companheiros de Irmão Liberato que

permaneceram a não partir, mas em vez disso para enviar a Irmão Liberato

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e aqueles que partiram com ele, suas cartas chamando-os para retornarem

tão cedo quanto possível; sua intenção era recomendá-los como fiéis e

Católicos homens ao clero e ao povo e cuidá-los de modo que desde então

eles não sofreriam dificuldades em seu serviço a Deus.

Eles obedeceram as cartas do inquisidor e, enviando mensageiros com sua

mensagem fraudulenta, mandaram voltar todos os companheiros de Irmão

Liberato, que naquele momento estavam se apressando em se afastarem do

Regno, conforme a ordem dada a eles. Então, viram que o inquisidor

retornou com um bando de homens impiedosos e uma vez que os

companheiros de Irmão Liberato os quais ele tinha primeiramente mandado

embora tinham sido mandados de volta a vila de Frossolone, no primeiro

sermão de Tomaso para o povo ele os elogiou e muitos outros que serviam

ao Senhor em vários lugares. Ele conseguiu juntar 42 irmãos lá.

Quando eles estavam reunidos e ele tinha determinado que Irmão Liberato

não poderia ser encontrado, ele pregou outro sermão ao povo mostrando o

que estava atualmente em sua alma. Com abundante fúria e trovões de

ameaça ele denunciou como heréticos todos que ele tinha reunido lá e

avisou o povo daquela vila que eles arriscavam por em perigo suas pessoas

e propriedades por serem julgados defensores e protetores de heréticos.

Então ele ordenou que eles fossem capturados e mantidos com a máxima

diligência temendo que algum escapasse. Ele também pôs penas específicas

por descumprimento. Daquele ponto, sob o pretexto de exercer sua função

inquisitorial, ele voltou com tamanha fúria e animosidade para extorquir

dinheiro descaradamente do clero, leigos e monges que ele parecia a todos

impelido por um espírito maligno antes do que regrado pelo senso ou

vontade humana. Ele prendeu o prior de Santo Onofre, o filho de um

cavaleiro, no alto de uma torre de um castelo Capuan, junto com um certo

sacerdote principal. Ele afirmou que o prior tinha murmurado contra o papa

Bonifácio e que o sacerdote principal havia concedido hospitalidade ao

Irmão Liberato e seus companheiros.

Eles fez muitas outras coisas cruéis e impiedosas parecidas, tantas que para

explaná-las, exigiria um tratado de grande tamanho. Colocando de lado

toda modéstia e retidão moral e pisando sob os pés todos os estímulos da

consciência, ele descaradamente devotou toda a autoridade e força de seu

ofício à crueldade e à extorsão de dinheiro.

Além disso, envolvendo a si mesmo em mentiras, ele enviou cartas ao

senhor rei e outros príncipes por especial mensageiro, avisando-os que

tinha capturado quarenta heréticos da seita de Dolcino, Lombardos de

nacionalidade, que recentemente tinham entrado no Regno, a fim de

espalhar o veneno de seus erros. Quando Senhor Andrea di Isernia leu essas

cartas, ele as enviou para dois dos companheiros de Irmão Liberato e

perguntou a eles: “Havia algum irmão lombardo com vocês?” Eles

responderam: “Não, Senhor, nem o inquisidor detém qualquer um nascido

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na Lombardia, exceto um certo irmão apóstolo a quem ele por acaso

encontrou vagando e prendeu”.

Então o Senhor Andrea escreveu ao inquisidor informando-lhe que pessoas

dignas de confiança tinham lhe dito que entre todos aqueles que o

inquisidor tinha capturado havia somente um lombardo. Ele o aconselhou a

cuidar da dignidade de seu ofício inquisitorial. Ele lhe recomendou como

um bom amigo a aderir a verdade ao cumprir seus deveres, porque sem isso

nem o julgamento humano nem o divino é executado com justiça. Quando

o inquisidor leu a carta do Senhor Andrea, ele ficou furioso e

vingativamente voltou toda a sua indignação e raiva aos pobres irmãos que

ele tinha prendido, aos quais o referido príncipe tinha também dado um

lugar para viverem.

E ele enviou aos homens daquela cidade, que amavam os pobres irmãos

profundamente, uma convocação para aparecerem perante ele na cidade de

Trivento depois de um certo número de dias, com uma multa fixa como

pena se eles deixassem de aparecer. Quando eles vieram no dia apontado,

ele os encerrou numa velha cisterna e os manteve lá por cinco dias, com

nenhuma ventilação a mais do que se ele os tivesse prendido num barril de

vinho, nem mesmo os deixando sair para atenderem as necessidades da

natureza. Depois de cinco dias esse novo Dacian tinha um certo lugar na

cidade rapidamente preparado de modo que eles pudessem ser torturados

pelos executores.

Mas quando ele viu que o bispo e outras pessoas importantes na cidade

acompanhavam o espetáculo de tais homens sendo torturados muito

abjetamente, ele mudou seu propósito e, passando através de Boiano, subiu

ao castelo de Maginolfi, um lugar remoto perfeitamente adaptado aos

malfeitores, com um senhor corrupto o suficiente para conspirar com seus

próprios planos malignos. Pra lá ele mandou os prisioneiros, os quais ele

tinha arrastado junto com ele atrás, acorrentados e que estavam exaustos

pela viagem, colocados sob guarda pesada. No dia seguinte ele os visitou e,

comprometendo-se com uma terrível praga disse: “A não ser que vocês

confessem a mim que são heréticos, possa Deus fazer assim e do mesmo

modo a mim se eu não matar todos vocês direito aqui com uma variedade

de torturas e tormentos. Se, como eu peço, vocês confessarem a mim que

erram ou erraram em alguma ou outra, eu os darei uma pena leve e os porei

livres imediatamente”. Os irmãos responderam que ele não deveria lhes

pedir que dissessem alguma coisa que não fosse verdadeira. Dizer uma tal

mentira pecaminosa causaria morte a suas almas e ofensa a Deus. O

inquisidor furioso escolheu um deles que parecia mais ardente do que os

outros e que era um sacerdote e ordenou que ele fosse torturado. O

torturador entrou com seus assistentes e amarrou as mãos do prisioneiro

atrás de suas costas. Então ele o ergueu para cima por meio de uma roldana

fixada no telhado da casa, que era muito alta. Depois que o prisioneiro

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tinha ficado pendurado lá por uma hora, a corda foi solta repentinamente. A

idéia era que, quebrado pela intensa dor, ele estivesse derrotado e

confessasse que ele tinha sido uma vez um herético. Depois de ter sido

levantado e subitamente baixado muitas vezes, eles perguntaram se ele

confessaria que ele era ou tinha sido um herético. Ele respondeu:

Eu sou um fiel e Católico Cristão, sempre fui e sempre serei. Se eu disser

alguma coisa além, você não deve acreditar em mim, porque somente teria

dito isso para escapar da tortura. Deixe essa ser minha confissão perpétua

para você, porque essa é a verdade. Qualquer coisa a mais seria uma

mentira arrancada por tortura.

Fora de sua consciência pela raiva, o inquisidor ordenou que, vestido com

uma curta túnica, o prisioneiro fosse posto primeiro num banho de água

quente e em seguida num frio. Então, com uma pedra amarrada a seus pés,

ele foi levantado de novo, mantido lá por um espaço de tempo e baixado de

novo e em suas canelas foram enfiados juncos tão afiados como espadas.

De novo e de novo ele foi puxado para cima até que na décima terceira

elevação a corda se rompeu e ele foi lançado por terra de uma grande altura

com a pedra ainda amarrada a seus pés. Enquanto aquele destruidor da fé

ficou em pé olhando pra ele, ele ficou deitado lá meio vivo, com seu corpo

destruído. Os serventes do homem pérfido tomaram o corpo e livraram-se

dele numa cloaca.

Aquele inquisidor, embora fosse um homem instruído e de nobre família,

estava tão demente pela fúria que começou a infligir tortura com suas

próprias mãos. Quando um dos irmãos que estava para ser torturado

devotamente recomendou a si mesmo a Cristo, ele ficou tão louco com

raiva que deu uma pancada na cabeça do homem e no pescoço. Ele golpeou

o homem tão forte que o derrubou no chão como uma bola. Dias depois o

pescoço e a cabeça do homem estavam feridos e suas orelhas zumbindo.

Outro irmão teve sua cabeça amarrada na presença do inquisidor e a

amarração foi apertada até que os torturadores ouviram os ossos de sua

cabeça estalarem, após o que eles finalizaram a tortura e o retiraram para

morrer.

O inquisidor encontrou dois meninos no grupo. Um ele levou consigo para

jantar depois de tê-lo torturado com carência de comida. Tendo feito ele

beber um vinho sem água, extraiu dele – e naquele estado ele não sabia o

que afirmava ou negava – um testemunho de que os irmãos que ele

defendia eram heréticos. Uma vez que ele tinha obtido essa declaração dos

dois, os outros disseram pra ele: “Nós lhe dissemos que somos fiéis e nós

repetimos isto agora. Escreva o que você quiser”.

Agora, saciado pelas torturas que tinha infligido neles, ele deixou Irmão

Vicente, o primeiro que ele tinha torturado, para morrer. Certos outros que

eram conhecidos de todos, pessoas das quais ele tinha sido incapaz de

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extrair qualquer espécie de confissão, ele ao açoitou publicamente e então,

tendo mutilado suas roupas, ordenou que eles retornassem a suas casas.

Para envolver ele mesmo num espetáculo e amontoar opróbrio nos servos

de Deus, ele tinha os irmãos avançando vagarosamente por toda parte atrás

dele em grilhões. Ele ordenou certas virgens e mulheres de penitência

serem levadas para Isernia como heréticas. Incapaz de induzi-las por

qualquer ameaça ou tortura a denunciar a si mesmas ou outros como

heréticos, ele as surrou em público e então as mandou para casa.

Por acaso, um dos companheiros de Irmão Liberato, um homem chamado

Tomaso, que tinha sido libertado, se reuniu a outros e, tendo escutado que

eles tinham dito ao inquisidor que escrevesse o que quisesse (protestando

no entanto que eles eram Católicos), ficou fortemente movido pelo espírito

para dizer a eles:

Vocês recusaram a Cristo e sua verdade e mataram a si mesmos junto com

todos os seus companheiros que vocês acusaram de serem heréticos,

embora eles sejam Católicos. Deus nunca terá piedade de vocês a menos

que vocês publicamente retirem o que disseram e digam ao inquisidor que,

temendo sua impiedosa vontade, vocês disseram aquilo a fim de salvar a si

mesmos da força de sua fúria, temendo que ele matasse vocês. Agora falem

com coragem e comuniquem a ele que, se ele quiser ser o assassino de seus

corpos, ele pode realizar seu desejo, porque vocês se recusam a entregar

suas almas ao demônio pela confissão.

Na próxima manhã, quando o inquisidor veio a eles, todos protestaram de

uma só vez:

Nunca em nossas mentes ou fala, nós confessamos ser heréticos. Nós

dissemos – e isso é a verdade – “Nós somos Católicos! Escreva o que você

quiser!” Desde que você tinha planejado matar nós todos num lugar

abandonado, nós tentamos adiar que fizesse isso com essas palavras, que

são mais uma indicação de sua vontade do que nossa confissão. Agora,

contudo, destrua até a extinção como lhe for agradável! Nós confessamos e

afirmamos a inteira verdade que diz respeito a nós mesmos e a todos os

nossos companheiros, a verdade como se mantém aos olhos de Deus, em

nossas consciências e, estamos certos, em sua própria consciência também,

isto é, que nós verdadeiramente fiéis, sempre fomos e sempre seremos até o

fim, além disso nós acreditamos, sempre acreditamos e sempre

acreditaremos até a morte. Escreva o que nós agora confessamos e então

estamos confessados. Retire o que lhe dissemos no começo, “Escreva o que

você quiser”.

Tendo ouvido isso, o inquisidor se voltou para Irmão Tomaso e disse:

“Essa é a sua pregação, Irmão Tomaso! Mas eu estropiarei tanto sua carne

e ossos que a sua insolente soberba não terá força para ensinar e falar de

tais assuntos”.

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Ele ordenou que Irmão Tomaso fosse afligido com várias torturas, mas o

castelão do rei, que tinha estado presente quando o inquisidor falou tão

enfurecidamente, disse pra ele: “Por cima de meu cadáver! Tal injustiça

não será perpetrada neste castelo, aqueles homens que mantém a fé católica

e confessam isto deveriam ser torturados de modo que eles negarão isto”.

E temendo que a verdade do caso pudesse chegar aos ouvidos do rei, o

inquisidor desistiu de seu plano maligno e não ousou aborrecê-los mais

adiante com tais tormentos ou conduzir uma investigação inquisitorial

adicional que dissesse respeito a eles. No entanto, da vigília de Pentecostes

a natividade de Nossa Senhora, um espaço ao redor de cinco meses, ele os

perseguiu e afligiu de várias maneiras, de modo que muitos morreram do

que tinham sofrido na prisão ou fora dela.

Durante a semana na qual estava para pronunciar a sentença final, o

inquisidor adoeceu, de maneira que outro a proclamou. Eles primeiro

seriam conduzidos nus e amarrados pelos quarteirões da cidade de Nápoles.

Então seriam açoitados, marcados com uma cruz e expulsos do Regno.

Nenhum erro específico foi atribuído a eles na sentença, nem foram

corrigidos ou admoestados pelo inquisidor no que diz respeito a qualquer

pecado ou imperfeição na palavra ou ação que eles devessem evitar no

futuro.

Deus, contudo, não deixou de espalhar os ossos daquele que tinha tratado

seus pobres fiéis tão cruelmente e de tão terrível maneira, mas quebrantou

os dentes de sua boca e quebrou suas fauces. Vendo que era chamado para

um terrível julgamento, ele mentalmente retratou o erro que tinha cometido

e ordenou que parte do dinheiro que ele tinha injustamente tomado do

prior, do arcebispo e outros com prejuízo as suas reputações e figuras, fosse

restituído a eles. Em pouco tempo ele restituiu tudo. Deitado no leito de sua

amargura, ele suspirou dizendo:

É bom que eu esteja fazendo a restituição de um pouco do dinheiro que

tomei dos outros, pelo menos tanto quanto eu possa; mas o que direi à Deus

no que diz respeito ao fato que, simplesmente pela perversão de minha

vontade, eu perversamente oprimi, mentirosamente difamei, cruelmente

tratei e injustamente passei julgamento em alguns dos melhores servos de

Deus que vi em minha vida?

E com essas palavras – não ditas muito tarde, esperemos – como se em

desespero ele se apresentasse a sentença e julgamento de Cristo, o mais

justo juiz, deixando nas mentes de todos os presentes pesar e dúvida no que

diz respeito a sua salvação. Ele se apresentou a Cristo, a quem ele tinha

aprisionado e traído em seus pobres, buscando agradar aqueles que ele não

amou – isto é, os Frades Menores – a quem ele tinha sempre combatido e

por aquela oposição que ele tinha sofrido com não pouca pressão do Papa

Nicolau III. Cristo, a quem ele tinha aprisionado, crucificado com várias

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torturas de um modo novo, desconhecido e extremamente perverso,

buscando estabelecer um ídolo de mentiras no templo dos corpos e almas

de seus servos, subvertendo seu ofício da inquisição. Portanto, o inquisidor

foi feito um corruptor de almas e genuíno pregador do Anticristo sob o

nome de Cristo. Ele que estava servindo como um legado de Cristo

procurou exterminar os servos de Cristo e assim astutamente perseguiu

Cristo neles.

A esse respeito ele excedeu os judeus e pagãos em maligna maldade,

porque (como o apóstolo diz) os judeus, se eles tivessem sabido com

certeza que Cristo era o senhor da glória, nunca o teriam crucificado. Os

reis dos pagãos, em obediência aos demônios que eles cultuavam em ídolos

como verdadeiros deuses, pensavam que estavam agindo justamente

quando combatiam os Cristãos, a quem os pagãos viam como pessoas

orgulhosas cheias de superstição mágica. Mas esse inquisidor, embora um

Católico Cristão, astutamente perseguiu e torturou pessoas inocentes num

esforço de fazer que eles negassem a fé em Cristo que eles tinham. Ele

tentou fazê-los confessar algumas heresias do demônio e que adoravam o

demônio nessas heresias. Desse modo, foi justo que seu fim fosse amargo e

inesperado, porque ele implacavelmente provocou a cólera de Deus. Assim

ele foi tirado mais dolorosa e repentinamente da vida, porque Jesus Cristo

em seu julgamento dele ofereceu uma prévia do julgamento que ele

passaria em todos os outros semelhantes a ele. Ele virá sobre eles como um

ladrão na noite, enquanto eles descansam seguros em suas falsidades e

depravações. Excluirá pela mais dolorosa morte, serão separados e seus

destinos determinados junto com os hipócritas.

A quinta tribulação da Ordem tem um fim particular na morte do santo

homem Pedro João e na deposição do ilustre homem Irmão Raimundo

Gaufride do ofício de ministro geral e na renúncia e morte do Senhor Papa

Celestino V (que foi um monge no hábito e no nome, verdadeiramente um

dos pobres evangélicos em seu comportamento e atitude e um verdadeiro

Frade Menor em sua humildade).

Contudo, na medida em que os remanescentes desta tribulação são

afetados, houve um fim comum na perseguição cruelmente lançada contra

o antes mencionado homem por João de Murrovale e todos os irmãos na

província de Provença que se opunham a Pedro João, condenando seu

pensamento pela autoridade própria do ministro e pela autoridade da

Ordem inteira, bem como nas perseguições sofridas por Irmão Liberato

com seus companheiros só por observar a Regra e a vida prometidas no

voto, uma perseguição que durou até a morte do referido corruptor da fé.

Tampouco é a visão contrária a que uma certa pessoa é dito ter recebido de

um anjo do Senhor antes da eleição do Senhor Celestino, isto é, que por

vinte e oito anos após sua renúncia uma grande tribulação perduraria. Além

disso, cada uma das três tribulações finais ambas da igreja e da Ordem é

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dito serem grandes. Então as sete tribulações da Ordem estão para serem

completadas durante a sexta tribulação da igreja. A seguir o começo da

seguinte tribulação sucede enquanto a anterior está ainda em meio-curso.

Notavelmente, a pessoa que viu aquela visão também ouviu alguns detalhes

particulares os quais ele não comunicou (nem comunicou a ninguém).

Quando perto do fim do sétimo ano do Papa Bonifácio, aquela pessoa foi

informada sobre aquele período de vinte e oito anos, disse (tendo sido

colocado no meio de muitos servos de Deus) uma extremamente notável,

específica questão esclarecendo os períodos da Ordem no sexto dia e na

sexta hora do dia.

No centro de uma certa casa de hóspedes de um monastério dedicado ao

grande nome de Nossa Senhora, onde haviam quarenta ou mais religiosos,

ele repentinamente viu que uma mesa de leitura coberta com um pano tinha

sido posta. E eis que um diácono vestido em paramentos levíticos apareceu

carregando um livro com sete selos e o colocou na mesa. E um diácono

veio para abrir o livro e abriu o sexto selo do livro a fim de ler o que estava

na sexta parte do livro.

E quando ele viu o que estava contido na sexta passagem, transformado em

mente e corpo, ele não pode conduzir a si mesmo a ler o que tinha vindo

para ler e, dissolvendo em lágrimas, em silêncio e inexprimível gemido, ele

mostrou ao vidente o que estava contido no livro. Dizia respeito

inteiramente ao que ocorreria na sexta tribulação da Ordem, coisas a serem

feitas pela Ordem mesma ou pela autoridade dos superiores, todas elas

dignas de lamentação e tristeza, como nós mesmos agora discernimos das

coisas que nós vemos acontecendo, tampouco eu penso que eles pudessem

ficar ocultos de qualquer um que tinha o espírito de Deus, mesmo se ele

pudesse desviar seus olhos deles.

Talvez seja melhor ficar calado do que dizer alguma coisa sobre os eventos

ocorridos no fim dos vinte e oito anos ou mais ou menos incidentes que

dizem respeito a sexta tribulação, eles com dificuldade poderiam ser

explicados, mesmo com muitíssimas palavras. O diácono os descreveu

melhor pelo silêncio do que pela linguagem, e melhor pela lamentação do

que pelo escrito. Assim, para relatar todas aquelas ocorrências que

pertencem a sexta tribulação e a sétima (as quais começam enquanto os

vinte e oito anos estavam além, no vigésimo nono ano e que envolveu,

expressou e manifestou a sabedoria do mais alto julgamento de Deus, bem

como seu inescrutável conselho) fatos visíveis e claros suficientes em si

mesmos, acontecimentos incluídos dentro do âmbito da sexta tribulação da

igreja – de modo que todos possam ver o modo como as sete tribulações da

Ordem são distinguidos – significará a obediência a ordem dada a mim, não

conseguindo de nenhum jeito satisfazer a expectativa dele que expediu a

ordem. Em fim, contudo, somente uns poucos eventos serão recordados dos

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muitos que tiveram lugar durante as sete revoluções pelas quais a Ordem é

revolvida em direção ao seu fim terreno.

A SEXTA TRIBULAÇÃO

Hipocrisia produz cegueira da mente e do coração e falsidade está

associada à vaidade. Quando um hipócrita busca consideração e louvor

humanos, inveja escoa dentro de seus ossos, corroendo e devorando eles

por dentro como a ferrugem faz no ferro ou uma traça na roupa. De fato,

aqueles que empregam a hipocrisia para revelar a verdade são duplamente

destruídos. Reconhecidos pelo que são, eles no entanto espalham seu

veneno como uma geração de víboras. Inveja produz todo o grande mal no

céu e na terra. Ela obscureceu a mente de Lúcifer e gerou o desejo de ser

exaltado, o que o lançou para baixo do seu lugar da mais alta dignidade.

Ser divino não foi suficiente para ele; ele não podia suportar isso a menos

que ele também fosse considerado ser Deus. Isto é o que introduziu morte e

todo o mal no mundo.

A inveja detesta a verdade e extingui a caridade. A inveja acometeu a

substância, a luz e a vida da humildade, verdade e amor nos professores da

mais nova Regra, tanto os escureceu e danificou que o clero e o povo

recebem deles incitamento, exemplo e encorajamento para o orgulho, a

falsidade e o ódio. A fim de minimizar o mal os irmãos, se alguém os

confronta a respeito disso, criam desculpas para eles mesmos sem nem

mesmo ruborizar.

O coração da pessoa invejosa é cheio de malevolência e traição. Para sua

couraça e escudo, ele põe malícia e estupidez. Quando ela tiver

insidiosamente destruído uma pessoa inocente, ela assume que, no

momento em que ela esconde o crime dos humanos, ela esconde o crime de

Deus também. Mas a pessoa invejosa carrega desespero dentro do seu

peito. Tendo sido entregue às depravações de sua própria vontade e tendo

endurecido seu coração, ela mostra desprezo pelo julgamento de Deus e

considera levemente o peso da justa retribuição. Impugnar a verdade

conscientemente e tornar isto uma mentira é, em sua opinião, proveitoso e

deleitoso para uma amante de si mesmo, alguém motivado por um aguçado,

prudente e rigoroso apetite natural. Ela segue o desejo de sua própria

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vontade perversa como se isto fosse regra da equidade. Ela persegue

impiedosamente aqueles que discordam dela e diz que é justo. Sempre que

a inveja se apodera completamente de algum homem que possui a condição

ou autoridade ou poder para perseguir aqueles que ele odeia, então nem

lança ou armadura serão suficientes para protegê-lo. Aos olhos daqueles

com entendimento, contudo, tal comportamento mais claramente mostra de

antemão a forma e a semelhança da fraude do anti-Cristão. Aquilo que

alguém executará pensando, dizendo e acreditando que é piedoso, santo e

justo, uma pessoa invejosa procura chamar de um crime contra a lei e a

majestade e pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo.

Todos os autores e promotores da sexta tribulação estavam maculados e

manchados pela lesiva, corrosiva e consumidora ferrugem do seu maligno

vício, a inveja. Isso foi especialmente verdadeiro daqueles irmãos que , no

tempo do Papa Bonifácio, após o ministro geral ter sido removido,

conseguiram o aprisionamento de muitos santos freis na província de

Provença, perversamente condenaram o pensamento daquele santo homem

Pedro João e , comportando-se como ministros das trevas, violaram seu

sepulcro, ossos e outras relíquias sob a proteção das trevas.

Então aqueles que queriam fugir da destruição pela espada dos

perseguidores ficaram silenciosos, se esconderam ou fugiram. Eles

suportaram o peso da perseguição até Deus ajudá-los através da influência

daquele amante da verdade, Mestre Arnaldo de Villanova, um médico que

falou com Carlos, o Rei da Sicília e o induziu a escrever cartas consistentes

ao ministro geral em defesa dos freis que suportavam injustamente

tribulação na província de Provença.

Naquelas cartas ele informava o ministro geral que se ele não fornecesse

um rápido corretivo para as injustas tribulações, o rei garantia que o

Supremo Pontífice forneceria um. E o mencionado Mestre Arnaldo, ansioso

pela reforma do estado evangélico, secretamente persuadiu o Papa

Clemente a chamar diante dele os freis Raimundo Gaufredi, Gui de

Mirepoix, Ubertino de Casale, Bartolomeu Siccard e o resto de seus

virtuosos companheiros, homens de santa vida e ilustre erudição, como até

mesmo seus inimigos admitiam. Eles foram ordenados, sob estrita

obediência, a informar o papa por escrito acerca de tudo o que eles estavam

cientes na Ordem que deveria ser corrigido.

Tudo isso ocorreu no cumprimento da profecia do santo frei João de Parma,

que predisse e declarou entre outras coisas: “Antes da Ordem poder ser

reformada, precisará existir uma guerra de palavras e um choque de

opiniões”. Isto foi perto do começo da sexta tribulação, a qual é estimada

ter alcançado um fim 28 anos depois da renúncia e prisão do Papa

Celestino. Isto cumpriu as palavras de São Pedro a Cristo: “Encha suas

faces com desonra e eles buscarão seu nome, Senhor”, e a resposta de

Cristo a sua mãe quando ela implorava a ele que reformasse o estado

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evangélico: “Eles não deixarão meu povo ir, a não ser que sejam forçados a

fazer por uma mão forte”. Além disso, isto completava aquela fábula do

rústico São Martin a qual São Francisco, de acordo com o testemunho de

Frei Leão, recitava frequentemente e com grande zelo. No ingrato rústico

ele viu uma ingrata Ordem e em São Martin, o Supremo Pontífice. A fábula

significava que a Ordem teria finalmente que ser humilhada e forçada a

confessar e persistir na sua original humildade.

E talvez aquele pontífice que regenerará e os tornará humildes apesar de

suas vontades, será aquele profetizado martelo de ferro que golpeará e

despedaçará o cárcere de bronze, libertando aqueles que estão dentro, de

modo que a luz oculta da lâmpada brilhará forte, iluminando todos e a

beleza do altar escondido na prisão se tornará claro. E o povo dos santos,

fechado na visão, se acercará do lugar secreto descoberto antecipadamente

e receberá a pedra branca e um novo nome de sua mão. E a águia entrará na

caverna com sua prole e governará tranqüila, de um modo desconhecido.

No começo da sexta luta um novo raio, por assim dizer, do sol da verdade e

graça originado de Cristo o sol, criando em diversos lugares muitos

verdadeiros e fiéis confessores e amantes do novo tipo de vida. Então a pior

espécie de homens e mulheres, manchados pela perversa heresia dos

“spiritus libertatis” , vieram adiante como uma turba com espada da boca

do inferno e do príncipe das trevas e entregou as almas de muitos ao

demônio.

Naquele tempo, um tempo no qual Deus enviou ilustres e

apostólicos homens ao mundo, nomeadamente Domingos e

Francisco, Amalric foi enviado pelo demônio para subverter muitos e

arrastá-los para o impuro partido do anti-Cristão “spiritus libertatis”. Eles

foram removidos e exterminados naquele tempo pelo ilustre Rei Felipe da

França com a ajuda do Mestre Raidulphus (que contribuiu com argumentos

inteligentes e autoridades). Eles vieram à vida agora outra vez, quando o

tempo para a reforma da vida de Cristo está perto, à mão, mas foram

descobertos, refutados e erradicados num curto tempo pelo Irmão Ubertino,

com a ajuda do Supremo Pontífice (ou seu legado), algo que nenhum

inquisidor até aquele ponto tinha ousado tentar.

Ubertino, pela devoção e profunda reverência que sentia em relação a

Francisco, o renovador da vida de Cristo, passou um tempo no Monte La

Verna. Foi naquela montanha que um serafim ferido a maneira de Cristo

apareceu a São Francisco e o marcou com cinco ferimentos semelhantes

aos de Cristo. Este até então inédito milagre aconteceu dentro da comunhão

dos santos. Os estigmas marcaram Francisco como um homem a ser

venerado e imitado por todos os fiéis.

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Lá, o Espírito de Jesus Cristo ungiu Ubertino e transformou-o a partir da

clareza que ele tinha precoce e livremente recebido de Cristo numa grande

claridade; e em poucos dias ele escreveu naquela montanha um curto,

devoto livro sobre o nascimento, a vida, a pregação, a morte, a ressurreição

e ascensão de Cristo, o envio do Espírito Santo, o governo da Igreja e o

reino da glória. O livro contém a sabedoria e a luz de Cristo e expõe esses

assuntos com fidelidade e pureza. É um trabalho guiado pela sabedoria de

Cristo e escrito de acordo com sua vontade, contendo assuntos necessários

aos simples e proveitosos aos cultos.

O homem que introduziu aquela seita maligna dos “spiritus libertatis” na

Itália foi Gerardo Segarelli. Presunçoso e guiado pelo demônio, ele foi o

fundador daquele grupo chamado “Apóstolos”. Ele teve como discípulo um

certo Stefano que, inspirado pelo demônio e sua própria malícia, foi

perpetrador, profissional e ardente pregador daquela pestilência. Os freis

pregadores o queimaram enquanto seu mestre ainda estava vivo.

Eles foram seguidos por Dolcino, um homem irritado e transtornado pelo

demônio, duplamente contaminado por um outro veneno. A sedução e

perigo fornecidos por ele tinham sido profetizados a muito tempo antes

dele aparecer ou foi mencionado entre os Cristãos. Um dia enquanto ele

estava pregando, um servo de Deus em uma terra além mar viu toda a sua

futura sedução, seu fim e o extermínio que cairia sobre ele e todos os seus

seguidores. Ele também ouviu o nome do anjo que o dominaria e seu

mestre. (ele e seu mestre Gerardo eram ambos possuídos, transtornados e

dirigidos a executar suas novidades pelo mesmo anjo chamado Furio).

De fato, o santo homem Frei Leão, companheiro do Bem-aventurado

Francisco, ficou aterrorizado e estupefato quando viu Dolcino pela primeira

vez. Ele disse:

Esses são aqueles apóstolos preditos por nosso santo pai Francisco, homens

que, tentados eles mesmos, seduzirão muitos outros, falarão das coisas com

orgulho e viverão como animais, atacando o espírito da obediência e

humildade de Cristo. Vivendo sem ocupação lucrativa, eles vaguearão

através das cidades e vilarejos, tendo sua própria vontade como mestre.

Eles entrarão nas casas e serão apanhados em relações familiares com as

mulheres. Ensinando, embora eles mesmos sejam incultos e destituídos da

verdade, prepararão o caminho por mentiras e aceitarão as mentiras

pensando que são a verdade. Infortúnio para o mundo agora que tais

apóstolos apareceram, maldades serão lançadas ao vento.

Um membro da seita dos Apóstolos, um homem chamado Bentivenga,

entrou nos Frades Menores e disseminou na província do Bem-aventurado

a mácula sórdida do diabólico “spiritus libertatis”. Ele aparentava ser um

homem de grande probidade moral, por sua reputação de grande santidade,

atraiu a si muitos seculares, religiosos e clérigos. Ele logrou muitas pessoas

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devotas com suas astutas palavras e, cego pelo orgulho de sua própria

reputação, ele se gabava de superar todos os outros em conhecimento no

que diz respeito as coisas ocultas de Deus. Ele não temeu de propor as

errôneas sutilezas de suas loucas idéias a Frei Ubertino, falando a ele como

se Ubertino fosse menos inteligente do que ele.

Quando ouviu o que Bentivenga dizia, Ubertino (que homem Católico!)

quis fazer público as tortuosas insinuações e falsidades daquela serpente de

modo que ele não causaria dano a ninguém mais. Prudentemente, Ubertino

ocultou seus verdadeiros sentimentos e fingiu ser um ávido ouvinte

desejoso de escutar a visão de Bentivenga e assim induzi-lo a vomitar para

fora todo o veneno que ele normalmente mantinha escondido, mas revelado

aqueles que ele considerava seus seguidores devotos. Ubertino então

mostrou a ele e a todos os outros que Bentivenga era vergonhosamente

falso. Daquele ponto em diante Bentivenga, desmentido, perdeu sua

reputação, sua ousadia e sua força todas juntas e foi constrangido a revelar

as insanidades e erros de seus seguidores.

Este Frei Ubertino,vivendo no Monte Alverne na província da Toscana, era

devotado ao fundador São Francisco. Ele foi um fiel testemunho da original

e fundamental perfeição da Regra assim como um sincero e ardente

pregador da verdade evangélica. Por seu exemplo e palavra, animou e

inspirou muitos religiosos, particularmente na província da Toscana, Vale

do Espoleto e nas Marcas de Ancona, guiando-os a pura e fiel observância

da promessa de perfeição. Do verdadeiro amor, ele concordou com os

conselhos de certas santas pessoas e abandonou o silêncio ao qual ele

chegara tão realizado – o qual o tinha capacitado a se concentrar em Deus e

nas coisas celestiais somente – a fim de auxiliar algumas pessoas

espiritualizadas e freis que estavam suportando muitas coisas de seus

inimigos na Toscana e no Vale do Espoleto. Fazendo tal coisa ele

conscientemente atraiu muitos perigos e trabalhos.

Ubertino foi difamado por seus inimigos e acusado de muitas coisas diante

do Senhor Papa Benedito de ilustre memória. Chamado a Roma por aquele

papa na insistência daqueles inimigos, Ubertino foi libertado de um jeito

miraculoso, pela proteção e auxílio de Jesus Cristo, das calúnias dirigidas a

ele e das armadilhas insidiosamente preparadas para ele. Embora ele

mesmo estivesse inconsciente do que estava ocorrendo, depois de alguns

dias os Perugianos enviaram solenes embaixadores ao referido Supremo

Pontífice. Eles vieram com dois pedidos. O primeiro era que ele se

dignasse a devolver a eles aquele luminar de sabedoria e clareza, Ubertino,

que iluminou toda a cidade deles e levou todos a Deus de um modo

especial. O segundo era que eles livremente ofereciam a si mesmos e sua

cidade ao papa como pai e senhor, implorando que ele venha e more lá com

seus senhores irmãos cardeais. Ele, sorrindo, lhes disse: “Vocês preferem

Frei Ubertino do que nós e nossos irmãos e assim mostrado quão pouco

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vocês nos amam”. Eles responderam: “Nós estamos mostrando como nós

preferimos mais o espiritual do que as coisas mundanas, porque nós

amamos ambos vocês e ele fielmente e na maneira correta”.

Porque Irmão Ubertino teve que suportar os ataques, a força e o abuso da

sexta tribulação e luta, o Senhor deu a ele conhecimento das Escrituras e

uma aguçada inteligência. Além disso, ele encheu Ubertino com as águas

da sabedoria do Salvador, Jesus Cristo, de modo que ele podia dissolver os

argumentos de seus inimigos como nuvens da face do sol. Isto tornou-se

claro antes, durante e depois do Concílio, porque ele sozinho entre os

escolhidos desviou a investida dos trinta mil, dividindo do começo ao fim

sua rede de sofismas como se fosse uma teia de aranha, refutando seus

ostensivos argumentos e seus tratados com palavras de visível verdade.

Nem foram capazes de apanhar em armadilha o inocente desde que ele

discutiu a matéria.

Os frades enfurecidos pelas respostas apresentadas por aqueles irmãos que

tinham sido convocados e ordenados pelo papa para entregar escrito as

declarações, começaram a afligi-los e caluniá-los de várias maneiras,

iniciando investigações no que diz respeito a eles e seus adeptos. Os frades

apresentaram várias recomendações no que diz respeito a eles aos auditores

e ao Supremo Pontífice, agindo contra eles com mais hostilidade do que

por qualquer motivo racional. Por essa razão o papa começou a olhar os

frades com mais desconfiança, especialmente quando ele averiguou

cuidadosamente a reputação, estado, comportamento e atividade daqueles

irmãos que ele tinha convocado e diligentemente questionou o ministro

geral e sua comitiva acerca deles em sua ausência, particularmente no caso

de Ubertino de Casale, visto que ele era um italiano.

Clemente recebeu testemunho afirmando que todos os irmãos eram pessoas

firmes em sua fidelidade aos seus votos religiosos e seu caráter moral,

homens ilustres em sua erudição, especialmente Frei Ubertino (a cerca de

quem ele tinha especialmente perguntado). Então ele decidiu que todas as

recomendações feitas pelo ministro geral e a Ordem contra aqueles que ele

tinha convocado deveriam ser consideradas como não tendo força.

Em resposta a essa decisão os frades simplesmente se tornaram ainda mais

exaltados e, em vez de obedecer como eles deveriam, trataram de insistir

que perseguir e injuriar os irmãos era “um sacrifício da manhã ao

entardecer”. Isto chegou ao ponto onde um dos mais audaciosos entre eles

não se envergonhou de anunciar publicamente que ele tinha envenenado os

Freis Raimundo Gaufreddi, Gui de Mirapoix e Bartolomeu Sicard do

mesmo modo que outros freis. Esta história se espalhou pela corte papal

inteira. O papa muitas vezes se queixou – especialmente no Concílio de

Viena – no que diz respeito a desconsideração e desobediência mostrada

pelos frades.

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Se alguém procurasse (eu não digo explicar, mas simplesmente registrar)

tudo o que procedeu no período da sexta tribulação, esse alguém teria que

preencher muito papel. Mesmo o que foi feito por Frei Ubertino ou Frei

Bonagrazia não poderia ser explicado num grande volume. Bonagrazia foi

derrotado por Ubertino em todas as batalhas verbais, mas o resultado foi

que ele simplesmente se tornou mais furioso. O Senhor Papa Clemente,

embora fosse de temperamento pacífico, um homem simples e lento para se

irar, finalmente expulsou Frei Bonagrazia da corte papal e o enclausurou de

modo que ele não pudesse por muito tempo se envolver em tal

comportamento litigioso. Uma vez que o papa estava morto, Bonagrazia

imediatamente violou a ordem dada a ele e veio para Lyon. Punido pelo

Senhor Hostiensis, de abençoada memória, no que diz respeito a sua

desobediência e modos litigiosos (nos quais ele se envolveu sob o pretexto

de defender a Ordem), ele respondeu:

Senhor, vós sabeis muito bem que, mesmo que eu devesse ser condenado

por isto, era conveniente pra mim defender a Ordem de todas as injúrias

infligidas a ela pelos frades que o papa convocou e seus adeptos e pelos

defensores das visões de Pedro João e pelos beguinos e fraticelli e todos

aqueles como eles.

Foi como se Bonagrazia pensasse que os irmãos, por obedecerem o

supremo pontífice, por dizerem a ele a verdade no que diz respeito aos

assuntos acerca dos quais ele perguntou, por levantarem-se pela verdade

através do amor e por manterem a humildade no pensamento, teriam de

algum modo proferido uma horrenda e sem precedente calúnia dirigida a

Ordem.

Se realmente a Ordem é a guardiã de seus membros e se esse papel exige

que o rebanho seja subordinado ao pastor e os membros ao chefe, então

difamar e buscar vingança contra aqueles em obediência ao pastor e chefe,

capciosa e fraudulentamente introduzir falso testemunho contra eles, matá-

los com veneno, defender a injustiça como se fosse justiça e mentiras como

se fossem verdades, é certamente – não importa quem faça isso – subverter

a estabilidade da Ordem e destruir sua própria existência. Tais ações não

podem ser consideradas qualquer coisa mais ou menos do que, como

Haman o Agagite, buscar de uma enganosa e injusta maneira, a definitiva

exterminação dos oprimidos em injúria e sofrimento.

Por conta disso o rei passará a noite de tribulação sem dormir e – a verdade

intervir – Haman atrairá para si o pesar que ele tinha preparado para

Mardoqueus. O coração do rei será convertido e ele dirigirá a dor de volta

sobre aqueles que tem causado isso injustamente. Sob o olhar atento do

justo juiz, que se descontenta por qualquer ultrapassagem dos limites de

equidade, um manancial de graças será aberto para os pobres. Depois de

Deus ter por muito tempo observado enquanto aqueles que odiavam e

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atacavam sem motivo a justiça de sua lei terem semeado suas sementes

durante seis revoluções dos tempos, na sétima ele os verá obedientemente

recebendo os frutos das sementes que eles semearam, de modo que eles

considerarão e distinguirão a mudança dos tempos na qual, por um

movimento retrógrado, eles mudarão do celeste para o mundano, do mais

alto ao mais baixo, do incorruptível ao corruptível e do eterno para as

coisas transitórias e temporais.

Os remanescentes dos humildes receberão uma benção pela qual “eles terão

descendência mesmo numa velha idade e eles serão vigorosos a fim de que

eles possam dar testemunho”. O povo justo dos santos multiplicará suas

raízes e espalharão seus galhos como um plátano, florescerão como uma

palmeira e darão frutos abundantemente como um vale cheio de trigo. Eles

cantarão um cântico de louvor.

A fim de entender como as pessoas que perseguem aqueles irmãos que se

esforçam para edificarem a si mesmos e seguirem a intenção e perfeição do

fundador, todos afastados da verdade, justiça, graça e amor, especialmente

na quinta e sexta tribulações; e entender igualmente a insignificância,

imperfeições, defeitos e ignorância daqueles que mantém a perseguição,

isso ajuda a conhecer os eventos que ocorreram. Voltar, com todas as

nossas forças, com todo o nosso coração, mente, emoção e atenção, para a

tarefa de entender o caminho no qual a humildade, o amor da verdade e a

confissão é o trabalho da perfeição Cristã, através da qual Deus é

magnificado e inclinado a clemência e ao perdão e assim ter um sentido de

humildade, amor da verdade e confissão em todas as coisas e em toda a

parte, verdadeiramente levar a habitação segura de Cristo dentro de nós; e

também levar a incontestável posse do Espírito Santo, os quais são exigidos

se nós estamos a perseverar no mantenimento de tal estado. Liberto das seis

tribulações, nós oramos que Deus nos livre do mal na sétima.

Até agora, de acordo com a sua solicitação (a qual eu sou obrigado a honrar

por várias razões) tenho relembrado, como você pediu, as passadas

tribulações na Ordem, relatando o que ouvi acerca delas daqueles que as

suportaram e também incluindo algo do que fui informado das quatro

legendas que vi e li. Não tenho feito tão ordenado e de uma maneira

adequada como elas merecem, porque não possuo nenhum conhecimento

nem habilidades retóricas (nem eu mesmo aprendi tais coisas); mas narrei a

história fielmente e intencionalmente omiti muitas coisas, de modo que

você, que sabe melhor do que eu o que você quer, possa acrescentar,

corrigir ou destruir o que eu em minha ignorância tenha relatado

imperfeitamente e incorretamente, uma vez que você recebeu de Deus uma

excelente memória, conhecimento e inteligência, bem como habilidade em

falar e escrever.

Senhor, tenho ouvido sua palavra e temido; tenho considerado suas obras e

ficado aterrorizado; tenho notado os sinais e prodígios da força inimiga e

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estado assombrado. Tenho visto o enorme nascimento do século e as dores

de parto da virgem diante da sétima que segue a sexta, a transformação da

pomba em corvo, do corvo em víbora, da víbora em salamandra, o veneno

da figueira e a fonte da água da vida, a transformação do galo em um

basilisco atolado na lama, a morte dos pássaros ao olhar rápido dele, a

impiedade da cidade, a agitação das sujas e insensíveis esculturas,

movimento, palavras e som, transmigração sem movimento, escravidão

complacente, oculta e invisível inquietação, o reino infernal se espalhando

além das fronteiras do Filho de Deus, a fortaleza em fuga e a liberdade na

servidão, o rico reduzido a penúria, o erudito feito tolo e o prudente louco e

guiado por ilusões e aqueles que eram usados para uma abundância de boas

coisas, destruídos por maldades ainda não afligidas.

Quanto tempo, Senhor, forte guerreiro, vós que enfraqueceste a morte e o

príncipe da morte, quebrou e abriu os portões da prisão e despojou o reino

dele, o abandonado gritará em seus membros e vós não escutais? Ele

chorará como se sofresse violência e vós não o salvareis? Por que vós

tendes mostrado a ele iniqüidade e fadiga, deixais ele ver rapina e injustiça

dirigidas contra ele? Por que vós tendes visto seus opressores e contudo

conservais calado, enquanto o homem profano espezinha o melhor dele sob

os pés? E vós fazeis homens como peixe do mar e como répteis sem um

guia. Um julgamento legal tem tomado lugar e o conflito tem se

demonstrado mais poderoso. Isto é porque a lei tem sido mutilada e não

tem prosseguido o julgamento, porque o ímpio tem prevalecido sobre o

justo, resultando numa sentença obstinada no erro.

Observe o povo. Olhe, maravilhe-se e fique assombrado, porque uma obra

tem sido feita em seus dias que ninguém acreditará quando for relatada. Eis

que de um rochedo no vale vem o fogo profetizado para o julgamento, as

ramificações tem sido incendiadas e o fogo tem sido dirigido contra todos

os habitantes do rochedo. Seus rostos foram queimados e suas peles

ressequidas como madeira. O fogo estendeu sua chama e queimou as

árvores da floresta. Medo e fraqueza vencem sobre a audácia e a força. A

unidade dos ímpios não sobreviverá. Justiça e julgamento são a preparação

do trono. Realmente, a honra do rei requer justiça.

Vou por em fuga, ele disse, o círculo das mentiras e a obra do erro e eles

serão findados. Eu criarei uma serpente e expandirei suas asas para o oeste,

sul e norte. Ele será erguido e humilhará muitos dos orgulhosos. Ele

seguirá a força da razão impelida pela espada e saberá como mudar tempos

e leis e os estatutos dos velhos tempos; e estragará a natureza, a lei e o

Evangelho. Ele subverterá jovens e velhos, simples e sábios, ricos e pobres,

livres e servos, líderes e seguidores, voltando-os todos à malícia e

concupiscência. Nós todos desceremos ao abismo.

E depois disso nosso Deus apiedar-se-á de nós e nós seremos salvos. Nós

oraremos a ele e a criança de Eva seguirá e amará aqueles que o imitam.

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Haverá pestilências, aborrecimentos e alucinações de Satã. O espírito de

Jesus e seus profetas, a miséria e o clamor dos pobres, as orações do

simples soarão contra ele quando a serpente se erguer e dominar, quando o

dragão ambicionar governar, junto com a besta, o tirano desavergonhado, o

homem das mentiras e o filho da perdição. Então Cristo reinará, Cristo

reinará! Amém

O grito da pomba vem do conhecimento das coisas maiores e das coisas

que se aproximam. Depois de tornar conhecido o que ocorreu, atingido o

silêncio ela diz:

A serpente foi e agora vem Fy, a rocha, Fy, a serpente, e Fy, a sabedoria, o

fim, a letra, o espírito, Fy a rocha, Fy a serpente, a conclusão da sexta luta,

morte e vida, em hábito e cinzas e sangue, a realidade da paz e a realidade

das mentiras. Maldades ocorrem ao bom e duplas maldades ao mau. Haverá

santidade e abominação. Haverá uma forte tempestade e uma grande

batalha entre os testemunhos e a besta, a qual Cristo matará através do

espírito de sua boca. Ignorância será substituída pela sabedoria, o cordeiro

nascerá do rochedo e nele ocorrerá a mudança de trono. Depois disso vem

o melhor final que já foi escrito.

Observar a segunda metade do mar, da segunda era. Isto marca o começo

da terceira roda, o começo do ar. O povo virgem está próximo e a primeira

ressurreição brilhará por diante. As coisas velhas passarão. O carro Hebreu

de guerra de Elias atravessará as eras. Na linda luz dos céus, o sopro da

palavra reinará e o emprego da letra cessará. Amor e o gosto da sabedoria

nos ensinarão todas as coisas. A palavra e o espírito nutritivo serão mestres.

Na virgem não existe fluxo mensal de ostentação. Vestida com bom gosto,

puro púrpura, ela aguardará a vinda do cordeiro no fim, como foi

prometido do céu aos santos.

Fy é um duplo gama, figurado por dois gamas, indicando o número seis.

No alfabeto grego, é a vigésima primeira letra e precede a Grega Chi (X).

No alfabeto Latino essa letra X é a vigésima primeira e é seguida pelo Y,

ao qual Fy corresponde no alfabeto Grego. Fy significa Francisco, no qual

a pobreza, humildade e obediência foram atacadas muitas vezes e de muitas

maneiras durante o sexto período da Igreja pela serpente que foi derrubada

do céu, por seus próprios e por aqueles de fora da Ordem, assim como a

Igreja, durante esse mesmo período, terá que suportar ataques da serpente e

várias guerras daqueles que consideram eles mesmos seus familiares. Eles

desejam reinar carnal e orgulhosamente, contra ela e nela, quer eles sejam

Cristãos seculares ou clérigos.

E esses são representados pelos réprobos imperadores, especialmente por

Frederico, que governou no tempo de Francisco, bem como por Saladin e

pelos Tártaros, que ocuparam a Ásia no tempo de São Domingos e

Francisco e causaram inumeráveis maldades no mundo, Saladin no reino de

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Jerusalem e Tártaros no leste. Agora, aumentando em número, eles

governam na Ásia, África e uma boa parte da Europa e eles aguardam a

corrente do Jordão em suas margens. Quando a velha serpente tiver se

erguido no filho da perdição, a fim de governar, “então haverá tribulação

como nunca havia ocorrido desde o começo do mundo”. Na letra Chi,

depois das tribulações precederem isto na letra Fy como se no sexto dia, no

qual a iniquidade inunda, especialmente naquelas coisas que trazem os

sinais da justiça, o enfraquecimento da fé e amor aparecerá em quase todos.

Um aumento do vão conhecimento terá silenciosamente substituído o

cultivo da piedade entre aqueles que praticam a penitência. O desejo de ser

considerado instruído é exibido ardente e descaradamente por aqueles que

tinham prometido sempre buscar e amar somente Cristo e ele crucificado.

Cismas e divisões nos leigos, clérigos e religiosos, multiplicação das lutas

no reino de Cristo, apostasia e afastamento de toda autoridade, abstenção

das virtudes, uma diminuição do grupo do santo, de tudo aquilo que alguém

pode ver mais claramente do que a usual liberdade de Satã, como se pode

ver do aumento do erro herético e a divisão da Ordem dos Frades Menores

fosse prevista e profetizada por São Francisco, uma divisão e ser seguida

em breve pela vexação anticristã, exatamente como o mencionado santo

profeticamente predisse. Então seguirá a restauração de todas as coisas

através de Elias, bem como o completo e perfeito aumento do estado

seráfico entre Hebreus, Gregos e Latinos no Fy e X.

Mas a fim de apreciar a estupidez, a fúria e a crueldade de Lúcifer, o

amargo e orgulhoso, certos detalhes devem ser notados, isto é, aqueles

fatos ocorrendo no santo dos santos, no reino da França e na Ordem dos

Menores, que é o humilde oposto a soberba de Lúcifer. Dos primeiros dois

nós não diremos nada, mas somente do terceiro tocando em parte o que

ainda não foi coberto.

Quando o Supremo Pontífice convocou os santos bispos, o douto na lei

canônica e muitos mestres da sagrada teologia no Concílio de Viena para

ouvir e examinar aquelas questões que tinham sido propostas para a

reforma da Ordem inteira pelos irmãos que tinham sido dispensados desta

disciplina, a saber por Ubertino e seus parceiros, de acordo com o mandato

que eles tinham recebido do mesmo papa, líderes da Ordem mostraram tal

crueldade e ódio para com o dispensado e seus adeptos na Provença,

Toscana e no Vale do Espoleto que ficou claro para todos como eles

mostravam pouca ou nenhuma reverência à obediência em relação ao

Supremo Pontífice. Eles mostraram tal ódio implacável em relação aos

irmãos que eles foram forçados por várias perseguições a retirarem-se da

comunidade dos frades e se separarem dela. Eles foram forçados cada um a

sofrer a morte nas mãos deles ou desaparecer da face e do domínio

daqueles que perseguiam eles.

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Quando os irmãos que estavam solicitando reforma foram exortados por

eminentes pessoas que amavam eles e a Ordem a por um fim a tal divisão e

conflito verbal, eles responderam com os corações puros que eles estavam

prontos para fazer qualquer coisa que não acarretasse pecado mortal a fim

de ir ao encontro do pedido dos frades e estar em paz com eles. Mas o

restante dos frades se manteve inflexível e eles não podiam ser persuadidos

nem pelos cardeais nem por outros a consentir a reforma do estado regular.

Esses frades sustentavam com persistência que eles observavam a Regra,

deveras mais do que a Regra e que nem na base da intenção do fundador

(visto que eles entendiam a Regra bem como o fundador mandou), nem na

base da declaração dos quatro mestres, nem na base das declarações papais,

nem na base das constituições do Irmão Boaventura, nem na base do que

foi dito por qualquer um mais, por maior que pudessem ser, eles

tencionavam continuar com qualquer espécie de reforma, visto que eles não

necessitavam reforma, de fato a Ordem estava no presente vivendo mais

perfeitamente do que em qualquer tempo no passado.

Assim eles prosseguiram a entrar num litígio e a quarta declaração papal

foi promulgada, uma declaração a qual pairava sobre os outros como uma

águia, de tão sufocante em relação a intenção do fundador. Os bispos e

mestres tiraram a substância dessa declaração do que Ubertino tinha

proposto em defesa de si mesmo e de seus parceiros. Aquela justificação,

embora o resto da Ordem mostrasse aceitar a declaração, em seus corações

e almas eles a odiaram. Por isso eles imediatamente conseguiram do

sucessor do Papa Clemente, Papa João, outra declaração a qual concedia a

eles adegas de vinho, celeiros de grãos e depósitos de óleo, coisas que a

outra declaração proibia inteiramente.

Nesse meio tempo, antes do afetuosamente lembrado Papa Clemente fechar

o assunto, irmãos na Toscana viram claramente que eles eram o alvo do

ódio e da raiva dos frades que não levavam as vontades do papa em

consideração e que esses frades desejavam vê-los mortos e varridos da face

da terra. Por isso esses irmãos toscanos pediram conselho de um certo

cônego regular, um santo e sábio homem chamado Martin, um Sienese, e

então decidiram fugir.

De fato Senhor Martin, tendo escutado sobre o comportamento violento dos

frades e mesmo tendo testemunhado algo disto e sabendo acerca dos irmãos

que eram os objetos desta perseguição – sabendo com certeza, isto é, que

eles eram homens de santa vida e sempre tinham sido assim – disse a eles:

Irmãos, acreditem em mim, os frades perseguem vocês até apanhá-los e não

obedecem a autoridade da Igreja. Pelo contrário, eles intencionalmente se

opõe a isto. Mesmo se existisse só três de vocês, vocês seriam capazes de

eleger um ministro geral para vocês mesmos. Estou disposto a argumentar

perante o Supremo Pontífice, todos os cardeais e qualquer doutor que a

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separação de vocês do resto é justa e sacrossanta e que a eleição que vocês

levarem a cabo é canônica e corretamente feita.

Acreditando nas palavras deste sábio e justo homem (embora ele não

soubesse todas as circunstâncias dessa questão), eles elegeram um ministro

geral e outros líderes de acordo com a Regra. Suas ações resultaram em

escândalo para eles e para todos os seus companheiros.

O Supremo Pontífice e todos os cardeais, mesmo aqueles que defendiam os

irmãos perseguidos, ficaram perturbados e facilmente capazes de acreditar

em todo o mal que tinha sido dito acerca deles por seus inimigos durante o

processo de julgamento. Embora Senhor Clemente estivesse perto de

morrer, os irmãos que tinham fugido enviaram a ele uma carta expressando

sua prontidão a obedecê-lo em todas as coisas e se submeterem a sua

correção, esta carta nunca foi entregue ao papa porque os defensores dos

irmãos não quiseram apresentá-la depois do que eles tinham feito. Nem

seus mensageiros mais tarde conseguiram entregar ao papa João, porque

naquela ocasião eles eram interceptados e aprisionados pelos freis como

excomungados e heréticos.

Entre as acusações feitas ante os auditores e outros prelados contra os

irmãos dispensados e aqueles que clamavam por reforma foi a acusação :

“Eles proclamam por reforma mas vivem mais relaxadamente do que nós”.

Os irmãos que invocavam por reforma estavam portanto movidos a se

vestirem com roupas vis e praticar a regra ao pé da letra como tinha sido

solicitado. Por causa disso os frades ficaram ainda mais exasperados e

somavam descontentamento com descontentamento, ódio com ódio. Por

outro lado, aqueles que vestiam roupas vis e praticavam pobreza

começaram a sentir tal prazer nisto que eles se regozijavam no corpo e no

espírito, louvando a Deus porque eles tinham sido conduzidos neste

caminho para a verdadeira regular observância.

O Concílio tinha acabado, mas o problema dos irmãos continuava não

resolvido e mesmo que os bispos e mestres apresentassem uma

determinação estabelecendo oito questões ou dúvidas levantadas pelo

sentido literal da Regra, não obstante o Senhor Papa reservou a decisão

final para ele mesmo. E porque os frades reagiram negativamente – de fato,

eles não podiam mesmo suportar olhar para os irmãos que tinham mudado

suas vestimentas e tinham clamado por reforma – e porque esses segundos

tinham aprendido da experiência que vivendo perto dos outros envolvia

perigo físico, os irmãos reformados fundaram uma certa igreja erma perto

de Malaucene com cavernas e água muito próximas. Com a permissão do

proprietário daquela igreja, os frades dispersados se reuniram lá, vivendo

na verdadeira e pura observância da Regra.

O inverno seguinte eles permaneceram no convento de São Lázaro no

Avignon até que o Supremo Pontífice emitiu sua decisão definitiva.

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Naquela ocasião ele enviou recado a todos, ordenando a eles tão

precisamente quanto pode que todos deveriam tomar cuidado de observar a

Regra em conformidade com a declaração publicada no Concílio pelos

bispos e mestres de acordo com seu comando. Ele ordenou os ministros e

custódios a tratar gentil e amavelmente aqueles irmãos que ele tinha

chamado, bem como seus parceiros por toda a Ordem, considerando-os

como seus verdadeiros e obedientes filhos, porque como bons filhos da

Igreja eles tinham agido em plena obediência.

Assim Clemente ordenou que esses irmãos fossem tratados com respeito

por seus líderes e por todos os outros frades e que eles fossem promovidos

ao ofício mais do que os outros e mais honrados. Reciprocamente, ele

ordenou esses irmãos a obedecerem seus líderes humildemente, tomarem

cuidado de viver em paz e harmonia com os outros e observar a declaração

devotadamente. Eles deveriam se comportar de tal modo a não causar

escândalo, contendas e divisões no futuro. E assim ele os dispensou.

Irmão Ubertino, contudo, nessa ocasião clamou ao Senhor Supremo

Pontífice em defesa de todos, apresentando as palavras do salmista:

“Recompensa seu servo, vivifica-me de acordo com a tua palavra”. Ele

lembrou o papa que, como ele sabia bem, eles tinham suportado muitas

tribulações graves a fim de obedecê-lo. Muitas, mesmo mais graves podem

ser armadas a frente, aos irmãos no futuro, Ubertino observou, a menos que

o papa desse a eles uma firme garantia de que ele iria prover medidas

seguras pelas quais aqueles que desejavam observar a Regra da maneira

necessária a salvação, o modo ordenado na declaração promulgada no

concílio pelos bispos e mestres de acordo com o seu comando, fosse dada

adequada e conveniente proteção e defesa contra as opressões e injustas

cargas as quais seriam aplicadas neles por aqueles que não querem observar

o salutar modo de observância colocado na declaração. Deixado sem

controle, esses mais tarde inteligentemente deixariam de obedecer a

declaração e perseguiriam aqueles que a obedecem. Se o papa descurasse

tomar tais precauções, Deus exigiria dele responder pelo sangue de todos

aqueles que foram injustamente perseguidos e oprimidos.

O Supremo Pontífice, mostrando sua confiança de que os frades o

obedeceriam e porque não quis ofender os frades, decidiu fazer o que Irmão

Ubertino insistentemente suplicou para ele fazer a fim de desviar os

escândalos futuros. De acordo com as ordens do papa, todos os irmãos

partiram da corte papal e obedeceram seus superiores, pacientemente

agüentando as injúrias amontoadas sobre eles contra a ordem de Deus e do

Supremo Pontífice.

(1314 – 1316)

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Uma vez morto o Papa Clemente, os frades começaram a tratar

cruelmente os irmãos, os afligindo corporal e espiritualmente com

astúcia, modos engenhosos, os forçando através de severas e impiedosas

obediências, estatutos e penitências para fazer coisas que eram contra a

Regra e a declaração, os perseguindo e aborrecendo de várias maneiras,

tanto que os perseguidos irmãos deliberadamente se renderam as suas

furiosas maldades e abandonaram o insuportável peso do tirânico e cruel

domínio deles.

Quanto os irmãos se enfastiaram e como impiedosa e cruelmente eles

foram tratados, só pode ser relatado por aqueles que gemeram sob a

implacável perseguição, isto foi experimentado por eles, então seu

testemunho é digno de fé e certo. Eles aprenderam do que eles sofreram

que o comportamento daqueles frades que os odiavam e perseguiam era

mais a ação de demônios do que seres humanos.

Por isso, separando-se das perseguições dos frades, os irmãos se reuniram

nas cidades de Narbone e Béziers. O povo daquelas cidades olhavam os

irmãos com grande reverência e devoção por causa da santidade que eles

reconheciam neles e também por causa do poder sobrenatural e sinais que

eles viam se manifestar todos os dias no túmulo daquele santo homem

Pedro de Olivi, que tinha os instruído durante sua vida com seus

ensinamentos e com o exemplo de suas boas obras.

Havia naqueles dois conventos, cerca de 120 irmãos que, de acordo com o

nível de suas habilidades, concentravam-se em observar as suas promessas

fiel e piedosamente. Seus adversários não paravam de persegui-los e de

prosseguir judicialmente contra eles, apontando várias acusações;

expedindo ordens em nome do ministro geral, ministro provincial, ou do

protetor da Ordem; mandando-os comparecer em juízo para se tornarem

visíveis; excomungando-os como insubordinados e desobedientes; e

conspirando de várias maneiras com prelados e com o Rei da França para

os capturarem como apóstatas, cismáticos e rebeldes contra a Ordem. Por

causa de seus molestamentos e aborrecimentos eles foram forçados (depois

de se consultarem com o sábio) a apelar ao futuro supremo pontífice contra

tudo o que os frades foram impondo-lhes.

Naquele tempo, o colégio dos cardeais reunido em Lyon estava

seriamente dividido em três facções pelo trabalho de um mal

espírito; mas pela vontade de Deus aquele ilustre Católico e sábio homem,

Rei Filipe da França, conseguiu persuadi-los de que eles deveriam entrar

num conclave e eleger um papa. Não muitos dias tinham decorrido antes

que eles todos estivessem de acordo no Senhor Jacques de Cahors. Eles o

elegeram no dia da festa de São Donatus e ele foi nomeado João, como se

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ele tivesse sido dado e enviado por Deus. Graças ao que ele tinha visto e

ouvido, ele estava completamente informado quanto ao que estava

passando entre os Franciscanos. A divisão o irritava muito.

Quando os Irmãos Menores se aproximaram do papa ele ordenou que o

ministro provincial mandasse os irmãos em seu nome abandonarem as

casas que eles estavam ocupando e, conforme com o restante dos irmãos

em vestimenta e comportamento, fossem para as casas as quais o ministro

provincial designasse a eles, simplesmente obedecendo todas as suas

ordens. O segundo grupo decidiu ir rapidamente ao papa, implorando que

ele permitisse a eles a pura observância da Regra. Os irmãos explicariam

porque eles estavam apelando diretamente a ele, solicitando uma decisão

dele antes da dos frades, que tinham desenvolvido um ódio mortal em

relação a eles.

Nesse meio tempo, os frades apresentaram ao papa petições contendo

calúnias e distorções sem fim. Eles disseram pouco ou nada do que era

verdade acerca de Ubertino, dos irmãos na Toscana, aqueles nas casas de

Narbone e Béziers, os Irmãos de Penitência (eles chamavam beguinos),

Irmão Liberato, Irmão Ângelo e seus companheiros.

O papa abominou os graves pecados, atividades criminais e heresias

atribuídas a todos aqueles indivíduos e grupos e especialmente aos fraticelli

e beguinos. Querendo aceitar as petições dos frades, pelo menos em parte

como se eles fossem piedosos e justos e querendo anuir a seus pedidos, ele

começou por realizar seus desejos em relação aos fraticelli e beguinos,

atacando e anulando seu estado oralmente e em escrito. A pedido dos

frades e com eles presentes (armados com suas acusações, inquéritos e

cartas todas as quais eles oferecem para provar suas acusações), aqueles

que os frades tinham acusado, a saber, Ubertino, Geoffroi e Ângelo, foram

convocados a parecer perante o papa.

E quando Ubertino de Casale refutou todas as acusações feitas pelos

frades, mostrando como tudo o que eles tinham dito procedia da malícia e

da inveja, o pontífice questionou Irmão Ubertino quanto a se ele tomava o

partido dos irmãos de Narbone e Béziers e se ele queria defender a

doutrina de Pedro João de Olivi. Ubertino respondeu:

Santo Pai, tudo o que eu outrora fiz naquele caminho foi realizado pela

obediência ao seu predecessor e nada foi feito pela minha própria

iniciativa. Assim, se esta é agora a vontade do santo Papa que pela sua

ordem eu deva falar em defesa dos irmãos de Narbone ou da doutrina do

Irmão Pedro, então veja, estou pronto a obedecer sua vontade em todas as

coisas.

Ao qual o papa respondeu: “Nós não queremos que você envolva a si

mesmo. Não queremos de modo algum!” Mais tarde ele interrogou Irmão

Geoffroi de Cournon, perguntando-lhe se ele queria defender o apelo que

os irmãos de Narbone e Bézier tinham apresentado. Irmão Geoffroi

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respondeu: “Santo Pai, eu estava e ainda estou com o Senhor Felipe; não

tenho parte no apelo deles e não estou inteiramente informado nestas

questões. Não desejo defender assuntos que não dizem respeito diretamente

a mim”. Irmão Felipe de Caux respondeu que, embora esses assuntos não

digam respeito diretamente a ele tampouco ele estava querendo defender

todas aquelas coisas que levariam a reforma do estado Franciscano.

Quando Irmão Ângelo veio à presença dele, o papa perguntou se ele era um

Franciscano e ele respondeu que era. E o papa lhe perguntou: “Por que

então você os deixou?” Irmão Ângelo respondeu: “Santo Pai, eu não os

deixei. Pergunte a eles por que eles me tem rejeitado”. O papa ficou calado,

então disse a ele: “Eu o ordeno a dizer-me se você tem mesmo ouvido

confissões”. Irmão Ângelo respondeu: “Santo Pai, eu não sou um padre e

uma das razões porque eu não quis me tornar um é porque eu não desejo

ouvir confissões. Portanto, eu não ouvi uma só confissão.”

Depois de perguntar algumas outras questões, o papa ordenou aos frades

lerem algumas cartas do Papa Bonifácio e do Senhor Patriarca de

Constantinopla. Quando elas foram lidas, ele disse ao Irmão Ângelo:

“Irmão Ângelo, você é excomungado”. Irmão Ângelo respondeu: “Santo

Pai, eu não sou excomungado e nem excomungável, porque sempre

obedeci ao Papa Bonifácio, o patriarca e outros líderes da Igreja”. E ele

começou a falar, mostrando como as cartas tinham sido obtidas e

preservadas mal intencionadamente e fraudulentamente. Mas o papa não

agüentou escutá-lo e o impediu de completar o que ele tinha começado a

dizer. Então Irmão Ângelo disse: “Santo Pai, vós tendes escutado as

mentiras dos frades, no entanto não podes suportar ouvir a verdade que

tenho falado a vós”. Mas isto era ao redor da sexta hora e o papa ordenou

que Irmão Ângelo fosse detido por conta daquela excomunhão até que a

verdade acerca disso pudesse ser ouvida mais inteiramente. Ele ordenou

que Ângelo fosse despedido e dispensado por segurança.

O papa queria que Ângelo ou retornasse aos Franciscanos, ou entrasse em

uma das outras Ordens aprovadas, enquanto Ângelo suplicava uma vez,

duas vezes e uma terceira vez, oralmente e escrevendo, que a ele e seus

irmãos fosse permitido seguir o caminho de observar a Regra, já conferido

a ele pela autoridade papal. Ângelo sabia as razões porque o papa não

concederia seu pedido, mas ele respondeu ao papa que ele já estava numa

Ordem aprovada e aquele era o caso por duas razões. Em primeiro lugar,

Papa Celestino o tinha recebido dentro de sua própria Ordem. Em segundo

lugar, pela autoridade de Celestino ele tinha assumido a vida eremítica, que

é a perfeição da vida cenobítica e, por assim dizer, seu objetivo final. Então

Papa João ordenou através do Cardeal Napoleão Orsini que Ângelo

aceitasse o hábito daqueles irmãos. Ele o fez e prometeu seguir a vida do

Papa Celestino ou São Pedro de Morone, uma vida que, pelo testemunho

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daquele mesmo São Pedro, pretendia viver e morrer na mais alta pobreza

de Cristo.

Perto da festa de Pentecostes, sessenta e quatro irmãos das casas de

Narbone e Béziers vieram ao papa. Ao invés de se hospedarem na casa

Franciscana, eles foram diretamente para o palácio papal e esperaram toda

a noite em frente aos portões do palácio. Não saíram até que o papa

concedesse a eles uma audiência.

Um deles, um homem chamado Bernard Délicieux, quis servir como porta-

voz deles. Ele era um homem muito modesto, de muito conhecimento e

eloqüente. Ele falou diante do papa e dos cardeais tão prudentemente,

cuidadosamente e convincentemente, que os seus adversários não puderam

apresentar nenhuma resposta racional. Eles estavam certos de que ele

refutaria todos os seus sofismas e dissolveria todos os seus argumentos

vazios. Enquanto ele estava defendendo os irmãos de Narbone e Béziers e

recebendo audiência, os líderes da Ordem estavam destinados a perder.

Assim, os líderes evitaram falar diretamente para o desfecho recorrendo em

vez disso à fraude, a acusação injusta e mentiras. Eles disseram:

Santo Padre, o homem que agora audaciosamente apresenta esses

argumentos perante Sua Santidade é um homem pestilento, maligno, que

tem realizado inúmeras más ações. Ele não é apropriado para ser ouvido ou

posto em julgamento numa Ordem contendo tantos homens de tão grande

santidade. De fato, ele não é apropriado para discutir com qualquer um em

qualquer assunto. Ele ousou impedir o ofício da inquisição nas regiões que

estavam decidindo assuntos da fé erradamente.

E gritando muitas outras acusações contra ele que eles tinham forjado e

planejado antes do tempo, eles injustamente o excluíram do procedimento,

um procedimento no qual eles previam que eles seriam com razão

derrotados, se Bernardo tivesse o direito de falar por justiça.

Até aquele ponto Irmão Bernardo não tinha dito nada em sua defesa eu em

defesa de outros irmãos exceto aquela a qual não podia ser negada com

justiça. Ou seja, ele tinha falado somente acerca da fiel e pura observância

da regra que eles tinham prometido e o afastamento daqueles que se

opunham a qualidade da observância necessária a salvação. No entanto,

quando ele tentou refutar as calúnias contra ele e atraiu seus oponentes de

volta para as reais questões que os tinham trazido diante do papa, seus

adversários simplesmente lançaram novas acusações contra ele até que

finalmente o papa, convertido para o lado deles, disse a Bernardo: “Nós o

prenderemos por causa das muitas coisas más que temos ouvido acerca de

você”.

Uma vez que ele tinha sido eliminado desse jeito, Irmão François Sans quis

assumir a tarefa de esclarecer a posição de seus confrades. Então os

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Franciscanos protestaram de um jeito parecido: “Senhor, este não deveria

ser ouvido tampouco, porque ele tem ousado ensinar e pregar e atacar a

Ordem com todo o seu poder, contra as ordens de seu ministro”. Por causa

disso, o papa ordenou aos irmãos que o encarcerassem.

Quando o Irmão Guillaume de Saint-Amans então quis apresentar aqueles

assuntos os quais pareciam oportunos para o caso deles, os frades o

interromperam e o acusaram, afirmando que ele tinha esbanjado e dissipado

bens concedidos a Ordem pelo papa para o uso deles e que tinha fugido do

convento de Narbonne. Na intensidade dessas acusações, o papa

imediatamente o prendeu.

Irmão Geoffroi de Cournon vendo que aqueles três tinham sido excluídos

do processo por tais meios, em seguida assumiu como porta-voz e

eficientemente argumentou pela pura observância da Regra em sua defesa e

na defesa dos outros. O papa ficou descontente que Irmão Geoffroi tivesse

inserido ele mesmo na discussão, especialmente em vista do fato de que

Irmão Geoffroi era um homem discreto, nobre, de quem os costumes e vida

estavam acima de qualquer ataque; um homem que, apesar da saúde fraca e

debilidade, sempre levava uma vida austera. Desse modo os frades não

tinham nada a dizer através da qual eles pudessem acusá-lo ou difamá-lo

como eles tinham feito com os outros.

Assim o Supremo Pontífice, a pesar do fato de que estava em relações mais

familiares com Irmão Geoffroi do que com os outros, disse a ele: “Irmão

Geoffroi, estou mais do que um pouco surpreso de que você demande

estrita observância da Regra, já que você mesmo tem cinco túnicas”.

Geoffroi respondeu: “Santo Pai, vós estais enganado neste assunto, não é

verdade que eu tenha cinco túnicas, com todo o respeito a vossa

reverência”. O papa disse: “Então, em outras palavras, nós somos

mentirosos”. Irmão Geoffroi disse: “Santo Pai, eu não disse e nem diria que

vós sois mentirosos. Eu simplesmente disse e ainda digo que não é verdade

que eu tenha cinco túnicas”. O papa disse: “Nós o prenderemos e

averiguaremos se você tem cinco túnicas”.

Os outros, vendo que não receberiam audiência, gritaram: “Justiça Santo

Padre, justiça!”. Então o papa ordenou a todos eles que retornassem a casa

dos frades e ordenou os Franciscanos manterem guarda sobre eles até que

ele tivesse pensado mais cuidadosamente acerca do que deveria ser feito

com eles.

O camarista do papa tomou os Irmãos Bernard Délicieux, Geoffroi e

Guillaume de Saint-Amans a sua custódia, enquanto os Franciscanos

colocaram Irmão François Sans numa prisão perto das latrinas. Depois de

uns poucos dias eles também aprisionaram os Irmãos Guillaume Giraud e

Felipe.

Quando, pela ordem do papa, os irmãos de Narbonne e Béziers foram

submetidos a inquisição, todos, menos vinte e cinco deles aceitaram o

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parecer e a vontade dos frades. Os frades impuseram uma penitência neles

de acordo com o rigor da justiça Franciscana, mas entregaram os vinte e

cinco para o inquisidor. Quatro deles foram queimados porque eles

afirmaram que a Regra de São Francisco era a mesma que o evangelho de

Cristo e que, uma vez solenemente prometida, a Regra entra na categoria

de preceito de tal modo que o voto tem a força de um preceito,

especialmente naqueles assuntos nos quais a Regra exige por norma ou

proibição; e que é portanto, além do poder de ninguém da dispensação.

Eles também afirmaram que o Supremo Pontífice não podia conceder

adegas, celeiros e instalações para a armazenagem de óleo para os Frades

menores, que tinham prometido observar o evangelho de Cristo; e que o

papa tinha pecado em conceder tais coisas, assim como os frades em aceitá-

las.

Porque não podiam ser persuadidos a abandonar essas opiniões, eles

receberam a sentença de morte pelo fogo. Um deles porém, foi sentenciado

a prisão perpétua porque, embora ele finalmente se retratasse, ele defendeu

sua posição obstinadamente por muitos dias. Todos os outros foram

forçados a abjurar e pregar ao povo que eles tinham defendido esses erros.

Eles receberam do inquisidor penitências em conformidade ao grau ao qual

eles tinham aderido e defendido as mencionadas heresias. Além disso, eles

foram forçados a renegar suas opiniões anteriores publicamente diante do

povo nos muitos lugares onde eles tinham outrora as pregado. Se eles

negligenciassem fazer isto, eles poderiam ser punidos como heréticos

reincidentes e mais uma vez seriam apreendidos e julgados de acordo com

as leis canônicas promulgadas concernentes a tais assuntos. Tudo isso foi

decretado pelo inquisidor, que tinha sido excepcionalmente incumbido para

essa tarefa pela autoridade da Sé Apostólica.

O acima mencionado Irmão Bernardo Delicieux foi preso em grilhões de

ferro e alimentado com água da angústia e pão da tribulação. Tudo o que

ele sofreu nas mãos de seus perseguidores ele aceitou como se não fosse

nada para ele. Eles por sua vez, dedicaram todas as suas energias para

escutar ou extorquir algum comentário dele que permitisse a eles proceder

contra ele como um herético. O príncipe dos que demandaram o litígio,

Irmão Bonagrazia, veio a ele armado com advertências e conselhos de seus

anteriores colegas mundanos. Ele realmente pensava que só ganharia a bem

aventurada glória se, pelos seus astutos e fraudulentos inquéritos, pudesse

enganar Bernardo de algum jeito. Mas o homem de Deus, preenchido pela

mansidão e sabedoria Cristã, respondia a Bonagrazia e seus auxiliares de

tal maneira para mostrar que o que Bernardo acreditava era não somente

católico, mas necessário para a salvação, bem como isto era tão consistente

e ortodoxo que não poderia ser negado sem negar e atacar a fé Cristã

também.

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Aconteceu, contudo, que os frades descobriram uma carta enviada por

Irmão Bernardo a certas pessoas devotas que continha algumas palavras as

quais os frades, de acordo com sua prática comum, deram uma má

interpretação. A fim de tornar o papa contra Bernardo, eles o apresentaram

com a carta e alimentaram suas suspeitas com a interpretação perversa

deles sobre isto. Além disso, incapazes de se conterem em sua alegria, eles

espalharam por toda a Avignon que em poucos dias Bernardo seria

queimado como os quatro em Marseilles. Todos esperavam sua

condenação, porque Bernardo tinha sido convocado a aparecer perante o

papa no consistório na sexta-feira seguinte, para responder perante todos

em relação à intenção e o conteúdo da carta.

Quando a carta foi lida na sua presença, o Supremo Pontífice perguntou a

Bernardo se ele tinha escrito aquilo. Ele disse que tinha e ele quis explicar

ao Supremo Pontífice, diante de todos, sua intenção ao escrever aquilo.

Quando o fez, o papa ficou satisfeito com sua explicação e não quis dizer

nada contra ele por causa da carta. Então três cardeais, os Senhores Vital,

Hostiensis e Guillaume Pierre, o questionaram e receberam respostas tão

satisfatórias que nenhum deles teve qualquer razão para contestar sua

resposta. Pelo contrário, todos sabiam que haviam poucos homens tão

idôneos na Ordem.

Porque, por esse motivo, os Franciscanos não encontraram meio de

proceder contra ele como eles tanto desejavam fazer, os Dominicanos

trouxeram a lembrança como, no Reino da França, Bernardo tinha

desmentido um inquisidor pertencente a Ordem deles que tinha citado o

ministro de Provença a aparecer diante dele e como Bernardo argumentou

contra o inquisidor diante do rei, provando ele ter sido culpado de fraude

no cumprimento de seus deveres. Eles sabiam que os irmãos Franciscanos,

embora liberados por Bernardo de uma grande vergonha, o tinham acusado

perante o Supremo Pontífice de por em dúvida o ofício inquisitorial e

favorecer heréticos; então eles pediram ao papa que entregasse Bernardo

pra eles.

O papa viu que os Dominicanos buscavam justiça de acordo com o ataque

já feito contra Bernardo pelos Franciscanos, e assim, entregou Bernardo a

eles. Eles mal tinham o recebido em suas mãos quando, como cães que

dilaceram com fúria a besta que eles capturam , eles o torturaram com

várias aflições e crueldades. Vendo, contudo, que nem os seus inquéritos e

nem os seus tormentos estavam atingindo o efeito positivo que eles

buscavam entre o povo, eles o cerraram numa cela estreita, o tratando mal

de tal maneira que em poucos meses, como se passando através do fogo e

da água, ele foi libertado da prisão da carne e de ambos, Franciscanos e

Dominicanos. Gloriosamente triunfando sobre o príncipe do mundo, ele

viajou ao céu.

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Ele recebeu o mal de seus próprios em retribuição a todo o bem que ele

lhes tinha feito. Pela glória e a honra que ele tinha conseguido pra eles ao

enfrentar perigos e uma grande quantidade de trabalho duro, ele foi

recompensado com um sem fim de infortúnios. Em retribuição a obediência

e testemunho a verdade que ele fielmente se entregou, a ele foram dadas

acusações e mentirosas incriminações. A ele foi dado ódio em troca de

amor e morte em troca de submissão. Como Bernardo de Quintavalle na

segunda tribulação, Bernard Délicieux no sexto ou penúltimo período foi

alimentado com absinto e cheio de mágoas, como se ungido com mirra e

aloé. Agora, colocado no sepulcro imortal da eterna quietude, ele

alegremente aguarda o grande dia do Senhor, quando aqueles que o

afligiram vão se ruborizar em pé diante dele.

A SÉTIMA TRIBULAÇÃO

Uma vez que aqueles que na Ordem tinham conquistado a vitória

que eles desejavam sobre seus próprios irmãos, eles voltaram a

descarregar sua vingança, por eles mesmos ou por outros, naqueles que

tinham amado aqueles irmãos e os mantido em devoção, quer eles fossem

seculares, beguinos ou fraticelli e quer eles fossem mulheres ou homens.

Eles estavam mais interessados em vingança do que correção, mais

interessados em extorquir dinheiro deles do que guiá-los da ignorância e

erro à luz e o conhecimento da verdade. Eles perturbaram muitos, afligiram

alguns e atormentaram outros, impondo nenhum limite na sua fúria.

Aqueles que tinham agido em total simplicidade eram acusados de ter feito

isso mal intencionadamente e aqueles que tinham obedecido eram acusados

de desobedientes. Fiéis Católicos eram marcados como infiéis cismáticos.

Os líderes agiam como cães e lobos que, consumidos pela raiva, queriam

somente perseguir e morder os animais e os homens, indiferentemente,

continuando a atacar sem medo ou pausa até eles morressem pelos seus

próprios esforços ou encontrassem alguém mais que os matassem.

Assim, uma vez que eles tivessem aprisionado alguém, cobrado dinheiro de

outros e atormentado muitos de ambos os sexos de várias maneiras, eles se

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encontraram num capítulo geral e pelo comum consentimento e vontade de

todos, eles condenaram as idéias de Irmão Pedro João como manchadas

pela mácula da heresia. Eles também disseram ter que exumar o corpo de

muitos santos irmãos que tinham sido enterrados no cemitério deles. Esses

irmãos tinham sido isentados da punição pelo Supremo Pontífice durante

uma investigação, tinham morrido como verdadeiros Católicos obedientes a

Igreja, do mesmo modo que verdadeiros filhos do Supremo Pontífice e

receberam (isto deveria ser piedosamente acreditado) um lugar entre os

santos no eterno descanso.

Depois disto, uma questão despertou – como foi dito – em Narbonne entre

os Pregadores e os Menores, se Cristo e os apóstolos mantinham

propriedade em comum, uma questão que o santo homem de Deus, Pedro

João, tinha tratado profundamente e solucionado. Pela vontade de Deus os

Frades Menores levantaram-se pela verdade, uma verdade a qual aquele

grande herético (aos seus olhos, uma vez que ele tinha sido naquele tempo

declarado anátema por eles), tinha provado mais claramente, sustentando

isto com inúmeros argumentos e citações de santos.

Jesus Cristo deu a eles a força para levantarem-se firmes e fielmente por

essa verdade na palavra e na ação, com o coração puro, boa consciência e

fé sincera, até o fim. Foi ele quem apareceu para o pai deles e o tinha

marcado com o selo de seu seráfico e cruciforme amor, iluminando-o pela

unção de seu Espírito e ensinando-o a viver cruciformemente. Além disso,

Jesus ensinou Francisco a carregar a cruz nua depois dele mesmo e nunca

desejar ter nada sob o sol, exceto a pobreza de Jesus Cristo mesmo, a

humildade e se crucificar pela humanidade.

O demônio (em pessoa, bem como através de seus sequazes e seguidores)

verdadeiramente nunca tentou com tanta força erradicar alguma coisa como

ele fez na religião fundada por Francisco, porque esta envolve a nudeza da

mais alta pobreza. Ele concentrou toda a sua astúcia maligna em inspirar o

medo, o horror e o desagrado em relação a cruciforme e evangélica pobreza

na mente e nos corações dos frades – de tal modo que eles não tinham

medo de se opor a São Francisco mesmo, nesta questão durante sua vida.

Eles asseguraram a anulação de seu Testamento e até o presente tem

afligido e amargamente perseguido seus seguidores. Essa é a máxima razão

para temer que o mesmo espírito que os impeliu a resistir ao fundador e

perseguir aqueles cujo amor os levavam a observar sua promessa de

pobreza fiel e sinceramente, agora os impele a luta e a defender a nudez da

pobreza evangélica.

No momento em que não há servidão pior do que a servidão ao pecado,

assim o amor do louvor e glória humanos e a reputação de santidade e

sabedoria criam, mais do que outros pecados e vícios, confusão e cegueira

na mente e transformam aqueles que são infectados por elas em adversários

da verdade, privando-os da vida da graça. O que os frades estavam

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perseguindo em seus pais e irmãos Cesar, Bernardo, Simão, Mateus, João

de Parma, Pedro João, Pons Bautugat, Raimundo Gauffredi e Ubertino,

exceto a fé e a confissão e o cumprimento da pobreza evangélica? Esta é

justamente a mesma coisa pela qual eles agora unanimemente e com todos

os seus corações lutam com seus adversários de modo que eles não percam

a reputação do estado evangélico, embora aquele estado esteja agora

despojado de seu conteúdo. Aqueles a quem perseguiam estavam

amedrontados com a glória vazia no nome sem possuir o significado disto,

eles sabiam que o nome não tinha valor se a realidade estava destituída.

Argumentando de amor e dando testemunho da verdade, esses fiéis irmãos

atraíram para si o ódio e o desagrado dos outros que buscavam o louvor e a

aprovação do mundano.

Esses outros temiam que no futuro Irmão Ubertino falasse contra eles,

embora ele fosse excluído pela ordem do Supremo Pontífice de envolver-se

nos assuntos deles e cuidar de seu próprio ofício depois da decisão papal,

não tomando interesse no conflito deles. Eles desenvolveram uma tão forte

animosidade em relação a ele que tudo o que ele tinha feito aos outros

parecia para eles ser nada, tanto tempo quanto ele permaneceu vivendo na

terra. Todos os dias eles importunavam o papa e incessantemente o

fatigavam com petições importunas e solicitações, pedindo que Ubertino

fosse devolvido a eles, visto que isto trouxe grande vergonha sobre a

Ordem e prejuízo porque ele vivia na corte papal.

Pela insistência dos frades, o Supremo Pontífice convocou Irmão Ubertino

e pediu a ele que ficasse uns poucos dias com os frades, então

imediatamente – uma vez que os frades tivessem ficado satisfeitos por essa

estada – o papa tomaria providências para Ubertino de modo que ajustasse

sua situação. Ubertino respondeu: “Se eu permanecer com eles por mesmo

um dia, não precisarei ter a sua ou qualquer outra providência para meu

futuro nesta vida”. E porque as palavras de Irmão Ubertino estavam

temperadas com o sal da sabedoria e apresentadas discreta e humildemente,

o coração do Supremo Pontífice foi tocado e ele por muito tempo não

procurou satisfazer o pedido dos frades.

Mas, inspirados por um desejo ardente por vingança e ódio frio, os frades

continuaram a apresentar petição ao papa em momentos convenientes e

inconvenientes, suplicando-lhe que os apóie e finalmente esperando se

livrar de seus insistentes pedidos, Papa João decidiu que Ubertino deveria

fazer uma das duas coisas: “Ou”, ele disse, “Ubertino retornará a vocês, ou

ele aceitará a regra e o hábito de outra Ordem”. Quando a Ubertino foram

apresentadas essas opções, ele escolheu a segunda, esperando que ele

pudesse conseguir uma mudança na mente do papa. O Supremo Pontífice,

esperando que a segunda opção fosse satisfazer os frades porque esta tinha

a aparência de justiça, emitiu uma carta sob seu selo permitindo a

transferência.

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Ubertino, contudo, aceitou o hábito monástico como se fosse a mais

amarga cruz. Ele foi designado a um monastério na Alemanha de modo que

ele não permanecesse em Provença ou Gaul. Os frades regozijaram-se e

celebraram com tal detração verbal e fátuo, insultos mundanos, que todos

os espectadores discretos reconheceram pelas suas ações e palavras que

eles estavam privados do sentido e do espírito Cristão.

E veja, depois de apenas alguns dias, quando os frades viram que os

cardeais e outras pessoas eminentes honravam e reverenciavam Irmão

Ubertino mais em seu hábito monástico do que anteriormente quando ele

estava em seu hábito Minorita e que eles o amavam mais sinceramente e o

ouviam com mais boa vontade, seus corações ficaram tão cheios de amargo

remorso que eles publicamente reconheceram que eles tinham agido

estupidamente. Apesar disso, isto não evitou que eles continuassem a

persegui-lo e buscar sua morte, o atacando como bestas selvagens ou

preparando emboscadas para ele na forma do dragão. Assim, eles

prepararam uma armadilha para ele e a cobriram por cima, em seguida

caíram dentro da cava que eles mesmos tinham cavado.

E ele, Ubertino, confiará na justiça do Senhor e cantará louvores ao nome

do Senhor Altíssimo. Pois esse Senhor é verdadeiramente Deus e

verdadeiramente homem, rei dos reis e senhor dos senhores, o bem maior,

que por si só é sábio, que nos últimos dias tem ensinado aos corações dos

homens humildes a mais divina e a mais alta sabedoria da pobreza

evangélica. Tomando a carne, ele desposa essa pobreza e unido com ela na

cruz, retorna ao Pai. Enterrado no sepulcro de outro, ele o consagrou e o

selou como o lugar de seu descanso e glória, através de sua bendição,

diligência, palavra e arcano silêncio, nos ensinando a seguir depois dele

enquanto estamos em nossa peregrinação corporal. Através da pobreza nós

penetramos nele que está sentado à direita de Deus, ele que despiu a si

mesmo, tomando a forma de um servo, se fazendo similar aos homens ao

assumir a forma de homem. Ele humilhou a si mesmo até morrer, morrer

numa cruz, santificando a pobreza em humildade por meio da cruz e da

morte. Morrendo, ele consumou sua obediência ao Pai, em ordem a que nós

pudéssemos santificar nossas vontades as pondo em obediência, nossos

intelectos os pondo na pobreza e nossas memórias as pondo na humildade.

Quem quer que ponha e use esse hábito até o fim, será salvo.

São Francisco, ensinado por Cristo, quis que seu hábito fosse literalmente

cruciforme. Assim, por palavra e exemplo ele ensinou qual o comprimento,

o pano, a qualidade, a vileza e a cor do seu hábito deveria ser, de acordo

com o testemunho dos Irmãos Leão, Bernardo, Gil (Egídio), Masseo e

outros de seus companheiros, que disseram que tinham tomado a forma de

seus hábitos dele e forneceram visível testemunho de como o hábito

parecia.

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Como material, ele ensinou que deveria ser feito de vil tecido, cinzento ou

desbotado, representando a mortificação do corpo de Cristo. Ele seria do

tamanho suficiente para esquentar o corpo e para um saudável irmão uma

túnica deveria bastar, remendada por dentro e por fora de tal comprimento

que quando ele for apertado firme sem qualquer excesso de material acima

do cinto, ele não tocará a grama. As mangas deveriam se alongar até o fim

dos dedos, de modo que cobrisse as mãos, mas não se estender além deles.

A largura delas deveria ser tal que as mãos possam facilmente entrar e ser

retiradas delas. O capuz deveria ser quadrado e longo o suficiente para

cobrir a face, de modo que o hábito deveria representar a forma da cruz e

por sua vileza deveria exortar ao desprezo por toda a glória mundana e

ornamentação. Ele deveria mostrar que os irmãos estão crucificados ao

mundo e mortos a ele. Ele deveria cobrir a nudeza de um enquanto servo

como um incitamento para a pobreza necessária para aqueles que amam

isto e como um sinal daqueles que professam a humildade e como uma

verdadeira marca daqueles que nasceram do opróbrio da cruz de Cristo.

Muitos eventos na vida de São Francisco aconteceram atrás de sombras ou

véus, escondidos do mundo e de pessoas mundanas e foram somente

parcialmente visíveis, mesmo para os poucos que não viam as coisas de um

jeito mundano. Esses eventos incluíam: a anteriormente prevista

reprodução das chagas de Cristo em Francisco; o aviso na cidade de sua

morte, de sua aparência e do retardamento de seu enterro; a sua fama

enquanto vivo e depois de morto; o traslado de seu corpo; o místico

testemunho de sua palavra; a colocação de vestes mundanas e a roupa

daqueles que lamentavam; sua adoção por Bento quando ele estava caído

do lado do Cristo crucificado e em seguida ele ser levado de volta ao seu

verdadeiro estado; a remoção de sua sórdida e lúgubre roupa; a sua re-

assunção em limpa e luminosa veste; e a oculta, velada abertura do sinal

recebido do céu.

Depois do sepultamento de Laurenzia, a pecadora e da vingança a ser

cumprida pelos três anjos expedida do céu naqueles que a queimaram e

depois do mundo invisível ter sido queimado, coisas ocultas começarão a

ser pregadas e reveladas por aqueles que vêem. Finalmente, depois de vinte

e oito revoluções solares de anos terem sido atribuídas aos trabalhos da

sexta roda do ciclo vivo do pobre peregrino reprovado em julgamento, com

mais nove somados a sétima revolução da mesma roda, o amanhecer de um

novo tempo será visto com uma santa mudança para melhor. Cristo, o rei

dos reis e senhor dos senhores brilhará. Ele tem poder para renovar e atrair

as afeições e os corações de seus santos para o alto em direção aos

celestiais e verdadeiros benefícios; cumprir suas promessas; dar vida por

seu santo e onipotente olhar atento voltado sobre Pedro e sobre o amado

discípulo reclinando adormecido em seu peito; apagar a culpa, criar

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esperança, dar maior virtude, revelar as coisas ocultas e abrir os mistérios;

e fazer a gente correr e voar para as coisas divinas.

Das grandes promessas e profecias feitas sob a lei, quantas foram

realizadas antes do nascimento de Cristo em comparação com o que foi

realizado por Cristo feito humano? Do mesmo modo, até agora poucas das

promessas feitas a São Francisco foram cumpridas em comparação com o

que é para ser executado por Cristo através do Espírito Santo nos últimos

dias. É como se milhares de livros tivessem sido prometidos e até agora

apenas um só uncial apareceu, uma só parte do que aparecerá no estado

evangélico iniciado no pai dos pobres, Francisco, marcado pelo selo.

Aquelas coisas que foram iniciadas por Jesus Cristo serão realizadas

através dele e nele. Elas serão cumpridas, não pelo conhecimento humano,

ou pela sabedoria humana, ou pela força, mas por Deus e o homem Cristo

com tão completa transmissão de suas dádivas e graça que todos

conhecerão que Jesus mesmo indubitavelmente é descendente diretamente

dos efeitos espirituais que ele apresentou.

Então aqueles vão corar, os que, mostrando desprezo por ele, seguiram o

que suas próprias mentes consideraram ser o caminho prudente, adoraram

os ídolos da sabedoria terrena e erigiram os altares do saber profano. Cristo

manifestará a eles as obscuras e ocultas coisas de sua sabedoria. Eles

ouvirão palavras de assuntos ocultos de sua boca, olharão para dentro das

profundezas dos mistérios e serão saciados pelas frutas do amor. Eles

agarrarão os despojos das mãos do forte e conquistarão a vitória sobre o

dragão por meio da morte e derramamento de sangue. Eles entrarão em seu

estômago e o destruirão por dentro, eles esmagarão sua cabeça. Eles

afugentarão para longe as sombras da noite final e construirão o

tabernáculo do amor em seu meio. Satã não triunfará contra eles, mas em

vez disso será espezinhado debaixo de seus pés. E o Senhor será o Deus

deles e Cristo e seu Espírito serão os seus mestres, a quem é toda honra e

glória, agora e para sempre. Amém.

Aqui termina a crônica da Ordem dos Menores .

Page 148: A HISTÓRIA DAS · 2014. 7. 24. · preparar para eles um caminho ao reino de Deus, depois de terem ... livro podia tornar-se para eles uma porta se abrindo para dentro do esplendor