A HISTÓRIA DO JAZZ

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HISTÓRIA DO JAZZ

Nascido do blues, das work songs dos trabalhadores negros norte-

americanos, do negro spiritual protestante e do ragtime, o jazz passou

por uma extraordinária sucessão de transformações no século XX. É

notável como essa música se modificou tão profundamente durante um

período de apenas um século.

O termo jazz começa a ser usado no final dos anos 10 e início dos

anos 20, para descrever um tipo de música que surgia nessa época em

New Orleans, Chicago e New York. Seus expoentes são considerados

"oficialmente" os primeiros músicos de jazz: a Original Dixieland Jass

Band do cornetista Nick LaRocca, o pianista Jelly Roll Morton (que se

auto-denominava "criador do jazz"), o cornetista King Oliver com sua

Original Creole Jazz Band, e o clarinetista e sax-sopranista Sidney

Bechet. Em seguida, vamos encontrar em Chicago os trompetistas

Louis Armstrong e Bix Beiderbecke, e em New York o histriônico

pianista Fats Waller e o pioneiro bandleader Fletcher Henderson. Em

1930 o jazz já possui uma "massa crítica" considerável e já se acham

consolidadas várias grandes orquestras, como as de Duke Ellington,

Count Basie, Cab Calloway e Earl Hines.

A evolução histórica do jazz, assim como da literatura, das artes

plásticas e da música clássica, segue um padrão de movimento

pendular, com tendências que se alternam apontando em direções

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opostas. Em meados dos anos 30 surge o primeiro estilo maciçamente

popular do jazz, o swing, dançante e palatável, que agradava

imensamente às multidões durante a época da guerra. Em 1945 surge

um estilo muito mais radical e que fazia menos concessões ao gosto

popular, o bebop, que seria revisto, radicalizado e ampliado nos anos

50 com o hard bop. Em resposta à agressividade do bebop e do hard

bop, aparece nos anos 50 o cool jazz, com uma proposta

intelectualizada que está para o jazz assim como a música de câmara

está para a música erudita.

O cool e o bop dominam a década de 50, até a chegada do free jazz,

dando voz às perplexidades e incertezas dos anos 60. No final dos

anos 60, acontece a inevitável fusão do jazz com o rock, resultando

primeiro em obras inovadoras e vigorosas, e posteriormente em

pastiches produzidos em série e de gosto duvidoso. Hoje existe espaço

para cultivar todos os gêneros de jazz, desde o dixieland até o

experimentalismo free, desde os velhos e sempre amados standards

até as mais ambiciosas composições originais para grandes formações.

Mas qual seria o estilo de jazz próprio dos dias de hoje? Talvez o jazz

feito com instrumentos eletrônicos - samplers e sequenciadores - num

cruzamento com o tecno e o drum´n´bass. Se esse jazz possui a

consistência para não se dissolver como tantos outros modismos,

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PRINCIPAIS ESTILOS

New Orleans

O primeiro estilo bem bem definido do jazz - e bem documentado por

gravações originais - é aquele que se originou no final dos anos 10 e início

dos anos 20 na cidade famosa por seus bares, saloons e bordéis. O jeito

New Orleans de fazer jazz teve, como principais expoentes, pioneiros como

King Oliver com sua Original Creole Jazz Band, Jelly Roll Morton e Sidney

Bechet. No conjunto de King Oliver despontou Louis Armstrong. O estilo New

Orleans não se limitou à cidade na qual nasceu: em particular, foi instalar-se

também em Chicago e New York. O New Orleans pode ser considerado, em

certa medida, "moderno" - diferentemente do blues arcaico, do dixieland, do

ragtime, etc - porque nele já estão presentes os parâmetros fundamentais

que guiam uma performance moderna de jazz: o swing, a seqüência de solos

improvisados, os padrões de técnica instrumental e virtuosismo. A seção

rítmica ainda se limita a um papel de acompanhante, com exceção do piano,

que ocasionalmente já sola (principalmente se tocado por mestres como Earl

Hines).

Swing

O swing ficou indelevelmente associado às grandes orquestras, e o período

que vai aproximadamente de 1938 a 1943 ficou conhecido como era do

swing. De fato, as mais célebres formações orquestrais do jazz atuaram na

era do swing: Glenn Miller, Benny Goodman, Artie Shaw, Count Basie, Duke

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Ellington (embora a orquestra do Duke estivesse destinada a grandes vôos

também em outros estilos). O swing conta com uma audiência vasta e fiel

ainda hoje. Extrema qualidade técnica, perfeito acabamento formal, arranjos

elegantes e caráter dançante eram as marcas do estilo, que nem por isso

carecia de vigor, como provam as performances da possante máquina

instrumental dirigida por Basie.

De qualquer modo, é fato que o swing não se notabilizou pelo

experimentalismo ou pela ousadia. Existiam na época certas fórmulas muito

bem testadas que, com maior ou menor flexibilidade, eram amplamente

adotadas pelos músicos, arranjadores e bandleaders. Não por acaso, a

frenética revolução do bebop viria como uma resposta ao swing.

Uma avaliação do swing, para ser justa, precisa considerar o seu mérito

musical e também seu espírito conformista; mas também se deve atentar

para dois aspectos. Primeiro, o fato de que o próprio nome do estilo seja

também o nome de uma qualidade muito valorizada no jazz -

independentemente do gênero - indica que existe ali algo de profundamente

válido em termos jazzísticos. Em segundo lugar, o swing foi um celeiro de

talentos. Muitos músicos que depois desenvolveriam estilos próprios e viriam

mesmo a inaugurar novas correntes no jazz são oriundos das orquestras da

era do swing.

Bebop

Por volta de 1945, não se poderia imaginar um estilo mais diametralmente

oposto ao espírito convencional e comercial do swing do que o bebop. O

nome vem das onomatopéias pronunciadas pelos músicos imitando o

fraseado frenético dos seus instrumentos. O bebop privilegia os pequenos

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conjuntos e os solistas de grande virtuosismo. Talvez o elemento que sofreu

a maior modificação dentro da revolução bebop tenha sido o ritmo, com a

proliferação de síncopas e de figuras rítmicas complexas. O fraseado é

flexível, nervoso, anguloso, cheio de saltos que exigem uma técnica

instrumental muito desenvolvida. Além dos fundadores Charlie Parker e Dizzy

Gillespie, encontramos entre os expoentes do bebop os músicos que se

enontravam regularmente no "Minton´s" do Harlem e na 52nd Street, como o

pianista Thelonious Monk (apesar deste ter acabado por desenvolver um

estilo muito pessoal), os bateristas Kenny Clarke e Max Roach e o guitarrista

Charlie Christian; e também o vibrafonista Milt Jackson, o pianista Bud Powell

e o trombonista Jay Jay Johnson.

Hard Bop

O Hard Bop pode ser entendido, sob certos aspectos, como um

desenvolvimento e uma radicalização do bebop. Caracterizar e analisar este

estilo não é tarefa simples - e por isso mesmo constitui um problema

interessante - por duas razões. Primeiro, o Hard Bop nasce da ação de dois

movimentos opostos, ambos a partir do bebop: um em direção a uma maior

elaboração e complexidade, e outro em direção a uma certa simplificação.

Em segundo lugar, o fato de ser um estilo que abrange um período de tempo

relativamente longo, sofrendo transformações ao longo desse tempo,

também contribui para dificultar a captação de seus traços fundamentais.

Consideremos primeiro a natureza ao mesmo tempo simples e complexa do

Hard Bop. Por um lado, pode-se constatar que ele se vale de temas mais

simples e com menos filigranas que o bebop, delineando linhas melódicas

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menos angulosas. (Os hardboppers freqüentemente interpretam

composições próprias, reduzindo a presença do repertório standard.) Os

músicos revelam uma certa influência de estilos como o soul e o rythm &

blues, e o som ganha mais agressividade. Os acompanhamentos se valem

às vezes de repetição de acordes e de células rítmicas em ostinato. Quando

essas células são particularmente sincopadas, o jazz resultante é dito

“funky”.

Já no aspecto da complexidade, existe uma preocupação maior com a

arquitetura das composições. As estruturas passaram a ser mais complexas

do que os blocos de 32 compassos sobre os quais os solistas

tradicionalmente improvisavam. Mudanças de compasso e de andamento

também se tornam mais comuns. A estrutura harmônica, ao se tornar mais

econômica em decorrência da simplificação que se dá no plano rítmico,

paradoxalmente abre caminho para uma riqueza maior, pois impõe menos

restrições sobre os improvisos dos solistas, que podem exibir um maior arrojo

tonal. O resultado é que o Hard Bop acaba incorporando aspectos do jazz

dito modal (que se baseia mais nos acordes do que na melodia-tema, e

permanece por um tempo maior em cada acorde). O papel dos instrumentos

da seção rítmica também é redefinido: em particular, contrabaixo e bateria

ganham maior liberdade e atingem a emancipação dentro do conjunto de

jazz. Na verdade, no Hard Bop os instrumentos da seção rítmica

freqüentemente assumem o primeiro plano.

Poderíamos dizer que o Hard Bop apresenta, em relação ao bebop, uma

menor complexidade no sentido “microscópico”, isto é, no plano da melodia e

do fraseado, e uma maior complexidade “macroscópica”, ou seja, no plano da

estrutura composicional.

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O segundo grande complicador para uma análise do Hard Bop - que dificulta

a busca de uma coesão estética dentro desse estilo - é o fato de abarcar um

período de quase 50 anos da história do jazz. Nesse tempo, certamente

houve transformações - compare o jazz “funky” de Horace Silver com o jazz

dos “young lions” oriundos das formações mais recentes dos Jazz

Messengers, como Wynton Marsalis. O espectro de estilos individuais

compreendido entre um extremo e outro é muito amplo. Porém, as

transformações são suficientemente graduais para que se perceba uma certa

continuidade histórica. Na verdade, pode-se dizer que a maior parte do jazz

considerado hoje em dia como mainstream (isto é, excluindo estilos

fortemente característicos como a fusion, o free jazz e o latin jazz), nada mais

é que uma forma de Hard Bop.

Ocupam lugar de destaque no Hard Bop os conjuntos liderados pelo pianista

Horace Silver e as várias formações dos Jazz Messengers de Art Blakey.

Além de Silver e Blakey, destacam-se ainda os sax-tenoristas Sonny Rollins,

Hank Mobley, Clifford Jordan e George Coleman, os trompetistas Clifford

Brown, Art Farmer e Lee Morgan, os sax-altistas Cannonball Adderley e

Jackie McLean, o pianista Wynton Kelly e o baterista Max Roach. No estilo

mais soul ou funky, atingiram notoriedade, além de Horace Silver, os

organistas Jimmy Smith e Jack McDuff. Entre os nomes mais modernos que

reciclam o Hard Bop encontramos os trompetistas Roy Hargrove, Terence

Blanchard e Wynton Marsalis, o sax-tenorista Branford Marsalis e o organista

Joey DeFrancesco. O próprio John Coltrane também pertenceu a essa

corrente durante um certo período de sua carreira (até por volta de 1957),

porém logo desenvolveria uma linguagem totalmente pessoal, que em si

mesma constitui um estilo. Também os veteranos Freddie Hubbard e Wayne

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Shorter, em seus momentos menos fusion (principalmente durante os anos

60), estiveram ligados ao Hard Bop.

Cool

O cool jazz nasce com o disco de Miles Davis, Birth of the Cool, de 1949,

embora tenha no saxtenorista Lester Young um precursor. O cool

representou uma reação mais cerebral e camerística à tórrida sintaxe do

bebop. Entre os expoentes do cool jazz encontram-se Gerry Mulligan, com

seu famoso quarteto sem piano, Stan Getz, Chet Baker e Lennie Tristano.

Embora mais introspectivo e contido, seria equivocado generalizar e associar

o cool jazz com uma espécie de jazz "frio", sem swing ou sem alma. Pode-se

encontrar, nas gravações cool, ritmos ágeis, solos intensos e síncopas que

nada deixam a dever ao bebop. É interessante notar que o mesmo Miles que

fundou o cool jazz ainda iria impulsionar outras revoluções estéticas nas

décadas que se seguiriam. O cool gerou um estilo derivado, o West Coast

jazz.

West Coast

O baterista Shelly Manne costumava apresentar seus músicos assim: “No

sax alto, Frank Strozier, de Memphis, Tenessee. Ao piano, Russ Freeman, de

Chicago, Illinois. Nosso trompetista é Conte Candoli, de Mishawaka, Indiana.

No contrabaixo, Monte Budwig, de Pender, Nebraska. E eu sou Shelly

Manne, da cidade de Nova Iorque. Nós tocamos West Coast jazz”...

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A blague de Manne, que também foi usada por Stan Getz (registrada no

disco Line for Lyons, com Chet Baker), mostra que chamar um determinado

estilo de “jazz da costa oeste” pouco ou nada tinha a ver com a localização

geográfica. É verdade que no final dos anos 40 e nos anos 50 fazia-se muito

jazz em Los Angeles, em particular por músicos que trabalhavam para os

estúdios de Hollywood. Na melhor das hipóteses, portanto, a música que

faziam deveria se chamar “Los Angeles Jazz”... Mas será que isso basta para

definir um estilo musical? Parece muito pouco. Para caracterizar o West

Coast jazz é preciso buscar algum outro elemento comum, mais profundo.

Deixando de lado a questão da propriedade ou impropriedade do nome, o

que mais foi apontado para caracterizar o West Coast Jazz? Existem aqui

alguns equívocos persistentes e algumas verdades. É verdade que se trata

de um estilo de jazz que provém, em certa medida e em linhas muito gerais,

do cool. Mas é falso que, como já foi afirmado por muitos o West Coast seja:

(1) um “jazz de brancos” apenas; (2) um jazz sem swing; (3) um estilo coeso

e bem definido. Para desarmar a primeira afirmação, basta lembrar de

diversos músicos negros que atuaram no West Coast; a segunda afirmação

cai por terra quando se observa que muitos tinham por inspiração o estilo

vigoroso de mestres como Ben Webster, Coleman Hawkins, Dizzy Gillespie,

Charlie Parker e Bud Powell; quanto à terceira, os estilos individuais

abrangiam um espectro bastante variado, indo desde o quase cool até o

quase free, passando pelas influências bebopistas e pelas experiências

classicistas a la Third Stream.

O fato é que a melhor maneira de definir o West Coast acaba sendo mesmo

a simples enumeração de seus expoentes, mais do que a aplicação de algum

critério estético bem definido. As fileiras do West Coast incluíam, entre

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outros, os trompetistas Shorty Rogers e Conte Candoli, o contrabaixista

Eddie Safranski, o baterista Shelly Manne e o saxofonista e clarinetista

Jimmy Giuffre. Também se destaca o pianista Lennie Tristano, que se tornou

cult - efetivamente um musician's musician (músico para os músicos) - com

sua música sofisticada e experimental, que oscila entre o cool e o quase free

.

Free Jazz

Com o free, o jazz incorporou conquistas estéticas da arte de vanguarda dos

anos 60, como a música atonal e aleatória e o happening. O free jazz nasceu

"oficialmente" com o famoso disco de 1960 (intitulado precisamente Free

Jazz), onde se ouve o quarteto duplo liderado por Ornette Coleman (sax alto)

e Eric Dolphy (clarinete-baixo), no qual participaram músicos importantes:

Charlie Haden e Scott LaFaro aos contrabaixos, Don Cherry e Freddie

Hubbard aos trompetes, Ed Blackwell e Billy Higgins nas baterias. Não

obstante, podemos identificar precursores do gênero free, como Charles

Mingus, com seu conjunto nos anos 50 e 60, John Coltrane nos anos 60 e

principalmente Cecil Taylor, já em meados dos anos 50. (Na verdade, alguém

poderia sustentar que Taylor é o verdadeiro "inventor" do free jazz.) No free

jazz, a ênfase está na improvisação coletiva. Os músicos não estão presos a

temas, nem a padrões de fraseado convencionais, nem à harmonia tonal; em

vez disso, eles se valem de acordes e pequenas células combinadas de

antemão para se coordenar entre si e se orientar dentro da textura sonora.

Por ter uma estrutura extremanente livre e atonal, o free jazz é uma música

que nem sempre se deixa escutar facilmente.

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Fusion e Jazz- rock

Nascido na virada dos anos 60 para os 70, o jazz-rock acabaria por se tornar,

nos anos 70 e 80, sob o nome de fusion, um gênero de enorme sucesso

comercial, porém bastante controverso entre os apreciadores de jazz,

especialmente entre os fãs mais apegados a uma concepção estrita de jazz.

O jazz-rock nasce com o álbum duplo de Miles Davis, de 1969, intitulado

Bitches Brew. É verdade que podem ser encontrados alguns precursores do

jazz-rock, dois ou três anos antes disso, como o grupo Free Spirits de Larry

Coryell, o grupo do vibrafonista Gary Burton e também o Charles Lloyd

Quartet (que incluía Keith Jarrett e Jack DeJohnette). Porém, o álbum duplo

de Miles é a obra que cristaliza a revolução. Para essa gravação, Miles

convocou um grupo numeroso de músicos que viriam a se tornar, quase

todos, figuras de proa do jazz-rock dos anos 70 em diante, bem como líderes

dos principais conjuntos desse estilo. Encontramos ali o guitarrista John

McLaughlin, que iria formar a Mahavishnu Orchestra; o pianista Chick Corea,

que iria liderar as diversas formações do Return to Forever; o tecladista Joe

Zawinul, que iria fundar o célebre Weather Report; e diversos músicos do

primeiro time, como o saxofonista Wayne Shorter, o organista Larry Young, o

baixista Dave Holland, e o baterista Jack DeJohnette, entre outros. (O

baterista Tony Williams, que havia tocado com Miles até In a Silent Way - o

disco que é, estética e cronologicamente, um prelúdio a Bitches Brew -

formaria o grupo Lifetime. O tecladista Herbie Hancock, que tocou antes e

depois de Bitches Brew - mas não no próprio - formaria o Headhunters.)

O disco de Miles constitui uma experiência jazzística perfeitamente válida e

plenamente realizada. Existe, porém, uma diferença muito grande entre o

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jazz-rock proposto por Miles e a música que se lhe seguiu, tentando trilhar o

caminho por ele aberto. E aqui estamos falando não só de outros músicos,

mas também do próprio Miles, que se encaminhou cada vez mais na direção

do funk (embora o som de seu trompete tenha permanecido inconfundível).

Nos anos 70, o jazz-rock (então já rebatizado como fusion) começou a

efetuar um movimento de aproximação cada vez maior com o rock; depois,

nos anos 80, com a música pop de caráter mais comercial. O som acústico

cedeu quase que totalmente o lugar aos instrumentos eletrônicos. Em algum

ponto desse percurso, o jazz-rock deixou de ser um terreno de

experimentação radical e vital. Existem alguns indicadores estritamente

musicais e perfeitamente objetivos dessa perda de identidade jazzística.

Primeiro, o swing jazzístico se perdeu, dando lugar a ritmos mais “quadrados”

e óbvios. As síncopas, quando existem, são relativamente rudimentares.

Segundo, fez-se tabula rasa da grande tradição do canto jazzístico. As

atuações das vocalistas (e dos vocalistas) da fusion, com raríssimas

exceções, são pífias. Todas as nuances na exposição de um tema, todos os

matizes timbrísticos, todos os desenhos melódicos detalhados, toda a

coerência na improvisação - tudo isso desapareceu. É difícil entender como

alguns excelentes músicos da fusion, que anos antes haviam acompanhado

grandes cantoras e cantores de jazz, podem ter consentido em acompanhar

determinadas(os) vocalistas. Pior: não poucos deles resolveram cantar - sem

ter a menor noção de como fazê-lo.

Não se pode negar que existiram inúmeros músicos da mais alta

competência técnica na fusion, principalmente nos anos 70 (alguns dos quais

ainda bastante ativos). Além daqueles citados acima, que tocaram com Miles,

podemos citar ainda o guitarrista Pat Metheny, o violinista Jean-Luc Ponty, o

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baterista Billy Cobham, o tecladista George Duke, os baixistas Jaco Pastorius

e Stanley Clarke, para ficar apenas nos mais conhecidos. Também é justo

admitir que certos conjuntos eram verdadeiras máquinas instrumentais, em

termos de energia, entrosamento e sofisticação. Porém essa qualidade

técnica raramente veio acompanhada de profundidade e coerência

propriamente jazzísticas.

Já nos anos 80 é difícil evitar o diagnóstico segundo o qual a fusion entrou de

vez em uma “fase degenerativa”. Grupos como Spyro Gyra e Yellowjackets

transformaram-se em porta-vozes de um tipo de pseudo-jazz, onde se faz

uso farto de clichês, tanto melódicos como harmônicos e rítmicos. Enquanto

isso, a Elektric Band de Chick Corea ainda procurava fazer uma música com

muitos watts mas com alguma substância musical, embora já longe do jazz.

(Curiosamente, Corea sempre levou uma espécie de “vida dupla”, com um pé

na fusion e outro no mainstream.) A retomada, nessa mesma década, do

hard bop, do mainstream e do som acústico pelos chamados “young lions”

capitaneados por Wynton Marsalis, reduziu apreciavelmente o espaço da

fusion. Nos anos 90, a fusion se reacomodou dentro de um espaço mais

reduzido do que desfrutava nos anos 70, e voltou suas antenas na direção do

rap e do hip-hop. Representantes modernos incluem os DJs do acid jazz e

grupos como o trio Medeski, Martin & Wood.

A conclusão a que se chega, após uma análise do jazz-rock em termos

musicais, é que as primeiras obras de jazz-rock que possuem validade

enquanto jazz são também as últimas, a saber, as gravações de Miles na

virada dos anos 60 para os 70. Depois disso, com o advento da fusion, temos

uma fase em que se fez música de qualidade mas que foi perdendo a

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identidade jazzística e, mais tarde, uma fase em que a própria qualidade

musical sofreu uma queda pronunciada.

Certamente, levantar questões é algo em princípio muito salutar. Porém o

fato é que as perguntas colocadas pelo jazz-rock em suas origens acabaram

se avolumando e se transformando em verdadeiros dilemas para o jazz

fusion - dilemas dos quais ele não conseguiu sair, nem tampouco dar-lhes

uma resposta satisfatória. Sentimo-nos tentados a imaginar no que se

transformaria o jazz-rock se houvesse seguido uma trajetória mais

eqüidistante dos dois gêneros que lhe deram origem, ou então se tivesse

trilhado um caminho mais próximo do jazz. Mas a vida e a história não se dão

no modo subjuntivo...

Latin Jazz

Latin Jazz é o nome pelo qual é conhecida a fusão entre o jazz e a música

afro-cubana. Essa fusão pode ter suas origens rastreadas até o trompetista e

arranjador Mario Bauza. Bauza apresentou Dizzy Gillespie ao percussionista

Chano Pozo - o que deu origem a uma famosa parceria entre estes dois no

período 1947-1948 - e também incentivou o conhecido bandleader Machito a

usar solistas de jazz em suas performances. O bandelader Stan Kenton e o

baterista Gene Krupa também introduziram elementos caribenhos no jazz, o

que viria a se tornar decididamente uma moda com a ascensão das

orquestras de Tito Puente, mais tradicional, e Carl Tjader, mais jazzística,

nos anos 50. O Latin Jazz e a música dita "latina" chegaram a ser dos

gêneros mais populares naquela época. Em tempos mais recentes, o Latin

Jazz adquiriu contornos mais elaborados, deixando de se basear apenas no

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exotismo e nos ritmos dançantes, para incorporar também elementos do jazz

mais avançado. Hoje encontramos nesse estilo grandes virtuoses, como os

pianistas Gonzalo Rubalcaba e Chucho Valdés, o saxofonista e clarinetista

Paquito D'Rivera e o trompetista Arturo Sandoval, que possuem um discurso

musical sofisticado e por vezes até francamente cerebral, sem no entanto

deixar e ser vigoroso e contagiante. Os três últimos participaram do grupo

Irakere, uma super big band afro-cubana formada em 1973, pela qual

passou quase toda a intelligentsia desse estilo musical.

Um rótulo como “jazz afro-cubano” já é um tanto enganoso, uma vez que

esconde sob um único termo toda a diversidade musical daquela região do

globo. Um rótulo como “jazz latino”, então, é ainda mais genérico e menos

informativo. Não obstante, os rótulos parecem ser inevitáveis na mídia e na

crítica, e só nos resta resignarmo-nos a usá-los, ainda que seja apenas para

facilitar a comunicação. O Latin Jazz hoje não deixa nada a dever - seja em

termos de elaboração, de técnica ou de criatividade - às correntes mais

avançadas e dinâmicas do jazz moderno.

Third Stream

A Third Stream ("terceira corrente") procura realizar uma fusão entre o jazz e

a música erudita ocidental. O nome, utilizado pela primeira vez pelo

compositor Gunther Schuller em 1957, em uma conferência na Brandeis

University, sugere a idéia de canalizar duas das correntes preexistentes - a

música clássica e o jazz - em uma “terceira” corrente, que reuniria

características de ambas. Um exame das composições existentes de Third

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Stream indica que a tentativa de fusão geralmente se dá sob uma das

seguintes formas:

(1) Obras em forma de concerto grosso barroco, isto é, alternando a

orquestra clássica, que toca partes compostas, com o grupo de jazz, que

executa partes improvisadas. Nesse caso temos mais uma justaposição do

que propriamente uma aglutinação de linguagens.

(2) Peças em que músicos de jazz são acompanhados por conjuntos de

cordas, que executam um acompanhamento geralmente bastante

convencional. Charlie Parker gravou nesse formato, bem como inúmeras

cantoras e cantores de jazz. Também neste caso temos uma superposição

de linguagens, porém sem verdadeira integração. (Os críticos geralmente

consideram que a adição de cordas tem um efeito letal sobre as

características verdadeiramente jazzísticas da música, tornando-a adocicada

e comercial.)

(3) Peças escritas para conjuntos clássicos, mas que tomam emprestados

elementos característicos do jazz, como o swing, ocasionalmente

comportando partes improvisadas. Nesta categoria se incluem, por exemplo,

as composições orquestrais de George Gershwin como Rhapsody in Blue,

Um Americano em Paris e Porgy and Bess, bem como as peças de câmara

do compositor Claude Bolling.

(4) Peças compostas para grupos de jazz que se apropriam de técnicas de

composição como o contraponto, formas estruturadas (como, por exemplo, a

suíte barroca e a sonata), mudanças de compasso e politonalidade. Este

seria o caso do quarteto de Dave Brubeck, de algumas composições de Duke

Ellington e Charles Mingus e, acima de tudo, do célebre Modern Jazz Quartet

liderado por John Lewis.

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(5) Peças em que as duas linguagens - clássica e jazzística - se acham

integradas de modo orgânico, tanto ao nível da técnica composicional, como

na instrumentação e na técnica instrumental. Os elementos jazzísticos e

clássicos se acham em equilíbrio. As composições e os arranjos de Gil Evans

e George Russell são representativos desta tendência.

O crescimento da Third Stream nos anos 50 fez alguns críticos predizerem

que o futuro do jazz estaria nessa fusão com a música clássica. Porém o

surgimento de dois novos e vigorosos estilos de jazz contribuiu para frear

essa expansão. Primeiro, veio o free jazz dos anos 60, mais espontâneo e

comunicativo do que a geralmente austera Third Stream, e que agradou a um

público maior (ainda que não em grande escala). Em seguida, veio a fusion

dos anos 70, indiscutivelmente dotada de potencial comercial muito maior.

Não obstante, continuou a haver experimentos válidos em Third Stream nas

últimas décadas, produzindo resultados interessantes a uma taxa reduzida

porém constante. Por isso, essa vertente não pode ser considerada

esgotada.

Jazz Brasileiro

Hoje certamente se pode falar em um Jazz Brasileiro, e com iniciais

maiúsculas. Constatar a sua existência não é problema. Já defini-lo é algo

bem mais difícil.

O rótulo, colocado assim, sem mais, é certamente vago. Será possível torná-

lo mais preciso? E de que forma? Uma primeira maneira possível de delimitar

o que se entende por "Jazz Brasileiro" seria dizer que ele consiste

simplesmente no jazz norte-americano - desde o New Orleans e o Dixieland

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até o Hardbop, digamos - praticado por músicos brasileiros. Seria brasileiro

porque tocado com "sotaque" brasileiro. Essa definição não estaria

propriamente errada, porém é demasiado restritiva, deixa muita coisa de fora.

Outra maneira seria dizer que o Jazz Brasileiro equivale à Música

Instrumental Brasileira Contemporânea, praticada pricipalmente por grupos

instrumentais concentrados no eixo São Paulo - Rio de Janeiro - Minas

Gerais a partir dos anos 70. Ainda outro caminho seria definir o jazz brasileiro

como uma música improvisada segundo uma sintaxe jazzística mas com

inflexão e ritmos brasileiros (o que equivaleria, na prática, a uma fusão entre

o jazz e a MIBC). Mas neste ponto alguém poderia observar, com justiça, que

haveria que se levar em consideração também o chorinho, na medida em

que este é o gênero musical que desempenha dentro da cultura musical

brasileira o papel análogo ao jazz na cultura norte-americana. E assim por

diante: cada tentativa de definição se revela, não falsa, mas incompleta,

demasiado restritiva.

Uma coisa é certa: aquilo que percebemos como Jazz Brasileiro não pode

ser reduzido a apenas uma dessas linhas estéticas. Também parece

improvável que ele possa ser definido como algum tipo de "combinação"

desses gêneros em certas proporções relativas. Portanto, quando falamos

aqui em Jazz Brasileiro, não estamos falando de um estilo fechado e

definido, mas sim plural e mutável.

Provavelmente uma das razões da dificuldade em definir o Jazz Brasileiro

reside na riqueza extraordinária da matriz rítmica brasileira. O território

brasileiro pulsa de norte a sul numa miríade de ritmos diferentes. Para

mencionar apenas alguns, não necessariamente em ordem de importância: o

frevo, o maracatu, o maxixe, o xote, o baião, o coco, o martelo, a embolada,

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a moda, o samba, a bossa nova, a seresta, a rancheira, o batuque. Em

outras palavras, poderíamos dizer que não temos um swing apenas, temos

muitos.

Uma vez que o Jazz Brasileiro está na intersecção de múltiplas influências,

segue-se que podemos procurar as suas origens também em várias

direções. Podemos buscar essas origens remontando a Pixinguinha e aos

antigos chorões. Ou então podemos voltar até as orquestras de bailes, na

época da Segunda Guerra. Ou podemos nos limitar a recuar até uma época

mais recente, a do surgimento da bossa nova - que, embora não fosse

exclusivamente instrumental, colocou uma nova linguagem harmônica que

seria absorvida por muitos instrumentistas. Podemos ainda, finalmente, nos

reportar a grupos inovadores e com uma linguagem mais moderna, como o

Quarteto Novo.

A pergunta, porém, continua de pé: o que será que une músicos tão díspares

como o pianista, regente e arranjador Nelson Ayres, os saxofonistas Mané

Silveira, Teco Cardoso e Victor Assis Brasil, o trombonista Raul de Souza, os

compositores e multi-instrumentistas Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal, a

pianista Eliane Elias, os guitarristas e violonistas Heraldo do Monte, Paulo

Belinatti e Laurindo Almeida, os percussionistas Naná Vasconcelos, Dom Um

Romão, Guelo e Paulinho da Costa, os bandleaders Severino Araújo e Silvio

Mazucca, o arranjador Cyro Pereira? Sabemos de antemão que eles

possuem estilos individuais muito diferentes entre si. Com que direito, então,

os agrupamos sob um mesmo rótulo?

Talvez a solução não esteja numa definição estilística fechada, mas sim na

existência de um certo fator, uma certa "brasilidade", para cuja

caracterização precisaríamos contar com os préstimos, não de um

Page 21: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 21 - RealCursos

musicólogo, mas sim de um antropólogo ou sociólogo... Porém esse

caminho, embora seja interessante em si mesmo, não se revela de grande

valia para o caso presente, porque não temos como realizar aqui uma análise

antropológica desse tipo. Enfim, no que diz respeito à caracterização de um

Jazz Brasileiro, já se vê que estamos diante de uma tarefa difícil, mais difícil

do que caracterizar qualquer um dos estilos "canônicos" do jazz norte-

americano.

Por todas essas dificuldades, vamos optar aqui por utilizar uma noção

informal e dinâmica de Jazz Brasileiro, que emerge mais das relações de

semelhança entre músicos do que de uma definição precisa. Essa teia de

vínculos se constrói pouco a pouco com base em cadeias de influência,

essas sim algo que somos capazes de mapear. Assim, por exemplo,

podemos partir de um nome como Hermeto Pascoal... que colaborou em

diversas ocasiões com Heraldo do Monte... violonista e guitarrista como

Paulo Belinatti... que tocou e compôs no grupo Pau-Brasil... no qual tocou

também Rodolfo Stroeter... que fez parte do importante grupo de vanguarda

Grupo Um... onde tocou também Teco Cardoso... virtuose dos sopros como

Carlos Malta... que pesquisou ritmos do interior do Brasil como Paulo Freire...

que faz parte da Orquestra Popular de Câmara... e assim por diante. Infinitos

outros trajetos semelhantes a esse são possíveis. Assim, o conceito de Jazz

Brasileiro emerge, ainda que aos poucos e de maneira inevitavelmente

imprecisa, da teia de relações entre diferentes artistas. Não é um conceito

fechado, mas aberto.

Se pensarmos bem, um fenômeno parecido já ocorria com certos tipos de

jazz de fronteira, como o free e o fusion. Certos artistas e obras desses

estilos são tão diferentes daquilo que tradicionalmente se entende por "jazz"

Page 22: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 22 - RealCursos

que, para inclui-los dentro do jazz, somente se operarmos por similaridades e

inter-relações, como fizemos aqui.

É possível avançar mais um pouco na caracterização do Jazz Brasileiro

destacando alguns dos traços característicos dessa música. O primeiro diz

respeito à formação instrumental. Como se sabe, a música brasileira tem

uma boa e sólida tradição instrumental nos sopros (principalmente metais), e

também no piano, violão e percussão. Menor é a tradição de instrumentos de

arco, por exemplo (e conseqüentemente de orquestras sinfônicas, que têm

nas cordas a sua espinha dorsal). Isso condiciona, de certo modo, os efetivos

instrumentais que são empregados na música brasileira.

No plano estético, uma característica interessante seria uma certa concisão,

uma economia de meios - a despeito da imagem tradicional do Brasil como

um país exuberante, excessivo, festivo e carnavalesco. Podemos observar

que, ao contrário dessa imagem estereotipada, muitas manifestações

musicais se destacam por melodias breves, secas, cortantes, claramente

desenhadas; harmonias áridas e ásperas; ritmos simples e poderosos;

cantorias a capella desérticas e hieráticas. Isso se observa tanto na música

vinda da caatinga, como naquela do cerrado, como na do pantanal. Mesmo o

samba, este produto de exportação hoje já devidamente industrializado, é

tradicionalmente considerado como sendo da melhor fatura quanto mais

econômico e sucinto, tanto nos versos como na melodia. Para dar outro

exemplo, a bossa nova consagrou a compressão da informação, em canções

breves, com versos altamente poéticos, emoldurados por poucos e

sofisticados acordes. Menciono essas raízes para sugerir que o rebarbativo,

o ornamentado e o prolixo não são típicos da música brasileira.

Page 23: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 23 - RealCursos

Em particular, poucas coisas são mais estranhas à música brasileira do que

os acompanhamentos adocicados e filigranados, hoje em dia onipresentes

na música pop, executados com cordas - ou, mais recentemente, com

sintetizadores. Tampouco é característico da tradição brasileira, por exemplo,

o uso das pomposas, rebrilhantes e coreografadas bandas marciais, tão

populares na América do Norte: nossas retretas são diferentes. Outros

exemplos são possíveis: dificilmente surgiria aqui uma música como a de

Richard Wagner, por exemplo. Até o barroco mineiro é econômico! Neste

ponto, talvez ocorra a alguém mencionar, como contra-exemplo, a figura de

um compositor caudaloso como Heitor Villa-Lobos. Porém é importante notar

que mesmo Villa mantém permanentemente a simplicidade como um pólo

ativo na criação musical, opondo-se ao outro pólo, o da complexidade. Isso

quando ele não gera, magistralmente, a abundância a partir da simplicidade,

como faz em tantas passagens.

Dizia Ezra Pound que poesia = concisão. É essa equação que talvez

explique o caráter "poético" da música brasileira. Voltando os nossos ouvidos

para o Jazz Brasileiro, percebemos que essa "escola da concisão" produziu

frutos. O foco da música é geralmente bem definido. O fraseado é incisivo.

Os acompanhamentos são econômicos. A harmonia é concentrada, porém

de grande efeito. Mesmo o humor e a decantada "brejeirice" brasileira, que

não deixam de dar as caras, são obtidos de maneira "esperta", sempre

ligando A e B pelo caminho mais curto possível: quem piscar, perde a gag.

Dos anos 80 do século XX para cá, pudemos presenciar uma considerável

valorização do Jazz Brasileiro, embora o destaque dado pela mídia àqueles

artistas ainda esteja aquém do que seria desejável. Mas tem crescido no

público e na imprensa a percepção de que os músicos brasileiros foram e

Page 24: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 24 - RealCursos

são capazes de criar uma música elaborada, coerente, tecnicamente bem

realizada, que sem dúvida pode se equiparar ao que de melhor o jazz norte-

americano já produziu. E com uma qualidade adicional: trata-se de uma

música vital, que traduz as melhores características da civilização brasileira.

Na medida em que acreditamos que existe algo na brasilidade que é de

algum modo relevante para o restante do mundo, e para a humanidade como

um todo, o Jazz Brasileiro é um canal aberto para a difusão dessa coisa boa

que trazemos dentro de nós.

OS PRINCIPAIS INSTRUMENTOS UTILIZADOS NO JAZZ

Apresentamos nestas páginas alguns dos instrumentos utilizados no jazz. Em

cada uma destas páginas você irá encontrar um breve comentário sobre o

papel desempenhado por aquele instrumento no jazz, bem como os nomes

de seus principais executantes.

A lista, claro, está longe de ser completa. Uma enumeração completa seria

uma tarefa utópica, pois, assim como na música clássica contemporânea,

praticamente não há nenhum instrumento - poderíamos mesmo dizer:

nenhum tipo de fonte sonora - que não tenha sido utilizado musicalmente no

jazz por alguém.

Bateria, Contrabaixo, Guitarra, Piano Sax Alto | Sax Tenor | Trompete |

Voz

Page 25: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 25 - RealCursos

Bateria

A bateria sofreu uma transformação radical nos anos 40, pelas mãos de

Sidney Catlett, Kenny Clarke e Max Roach. De um papel secundário, com

uma função de simples marcadora de tempos, como acontecia no jazz

tradicional e (com raras exceções) no swing, a bateria passou a dialogar com

os outros instrumentos. O fraseado também se alterou, passando a

incorporar batidas no contratempo e figuras rítmicas irregulares inseridas

dentro do ritmo básico. A partir do hard bop, com Max Roach e Art Blakey, a

bateria se tornou solista e mesmo líder de conjuntos. Encontramos grandes

bateristas da atualidade desempenhando esse papel, como o saudoso Tony

Williams, Billly Cobham e Jack DeJohnette.

Contrabaixo

O contrabaixista é considerado, pela maior parte do público, ainda que

inconscientemente, como sendo “aquele sujeito lá no fundo do palco”.

Simpático, porém secundário. Muitos contrabaixistas já se queixaram dessa

idéia pré-concebida. E, de fato, essa imagem está bastante longe da

realidade no jazz moderno. Como veremos, o papel do contrabaixo é bem

mais complexo.

Nos primórdios do jazz a função de executar a voz grave da trama harmônica

e polifônica era executada por um instrumento de sopro: a tuba. Essa

tradição permaneceu por algum tempo, mesmo após a emergência do

Page 26: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 26 - RealCursos

contrabaixo; até meados dos anos 30 ainda havia contrabaixistas que

tocavam também a tuba.

O fato de, diferentemente do que acontece na música clássica, o contrabaixo

ser sistematicamente tocado no jazz em pizzicato (isto é, dedilhado, quando

na realidade o instrumento foi concebido originalmente para ser tocado com

arco) tem uma origem histórica documentada. Certo dia, em 1911, Bill

Johnson, que tocava contrabaixo (com arco) na Original Creole Jazz Band,

teve o arco quebrado. Não tendo outro à mão, Bill tratou de tocar dedilhando

as cordas com os dedos da mão direita. O resultado agradou tanto que

desde então (quase) nunca mais se usou o arco para tocar esse instrumento.

Na verdade, é provável que, mais cedo ou mais tarde, o contrabaixo

começasse a ser tocado com os dedos - isso por causa da função estrutural

que ele executa dentro do conjunto de jazz. E aqui, existem dois aspectos

que merecem ser discutidos.

Primeiro, e mais óbvio, o contrabaixo tem a função de fornecer a base

harmônica da música. Na harmonia tonal, é preciso que um instrumento se

encarregue de fornecer a nota fundamental dos acordes. Nesse sentido, o

contrabaixo do conjunto de jazz preenche uma função análoga à que

desempenha na orquestra ocidental clássica. Sob esse aspecto, portanto, o

contrabaixo poderia ser tocado com arco. Mas, em segundo lugar - e este é

um aspecto próprio ao jazz - o contrabaixo está incumbido de escandir, isto

é, subdividir, o ritmo básico. Isso reduz a trivialidade da batida (beat) simples,

embora seja importante que o beat continue perceptível, pelo menos

implicitamente. Para isso, em vez de simplesmente emitir as notas

fundamentais dos acordes nos momentos exatos, o contrabaixo descreve um

fraseado contínuo, caprichoso, com subidas, descidas e saltos, sempre

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- 27 - RealCursos

orbitando os centros tonais da música. Essa pulsação às vezes lembra o

caminhar relaxado de uma pessoa, daí o termo walking bass. Para executar

essa função, o contrabaixo dedilhado é infinitamente mais adequado do que

o contrabaixo tocado com arco. Na verdade, o contrabaixo tem um papel

importantíssimo no estabelecimento do swing da música, tanto quanto a

bateria. Ele contribui para a maleabilidade, a elasticidade rítmica que

caracteriza o swing.

Assim como a guitarra jazzística moderna se inicia com Charlie Christian, o

contrabaixo se inicia com Jimmy Blanton, que tocou com Duke Ellington e

faleceu aos 23 anos. A “segunda geração” de contrabaixistas (anos 40 e 50)

inclui os instrumentistas que consolidaram o lugar do instrumento entro do

jazz moderno: Oscar Pettiford, Ray Brown, Milt Hinton (apelidado “The

Judge”, o juiz) e o genial e turbulento Charles Mingus. Além da profunda

renovação estética proposta por Mingus, com ele o contrabaixo torna-se um

instrumento capaz assumir o primeiro plano, liderar conjuntos e guiar o

discurso musical de um grupo. Outros contrabaixistas importantes dessa

geração foram Percy Heath (integrante do Modern Jazz Quartet), Eddie

Safranski (associado ao jazz West Coast) e Paul Chambers (que tocou no

grupo de Miles Davis nos anos 50).

Atuando com destaque nos anos 60 temos, entre muitos outros, Jimmy

Garrison (do quarteto de John Coltrane), Reggie Workman (que também

tocou com John Coltrane), Scott LaFaro (que tocou com Bill Evans e foi

imensamente influente, apesar de ter morrido jovem), David Izenzon (que

tocou com Ornette Coleman) e Niels-Henning Orsted Pedersen. Entre os

músicos que despontaram nos anos 60 encontramos vários que ainda estão

muito ativos na cena jazzística atual: Charlie Haden (que participou da

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- 28 - RealCursos

criação do free jazz), Ron Carter (que tocou no grupo de Miles Davis de 1963

a 1968 e participou de cerca de 3000 gravações durante a carreira), Dave

Holland (descoberto por Miles Davis na época de In a Silent Way e Bitches

Brew), Gary Peacock (integrante do Standards Trio de Keith Jarrett), Eddie

Gomez (que tocou com Bill Evans e Chick Corea na fase mais mainstream

deste) e Steve Swallow (que tocou com Gary Burton e teve uma associação

estreita com Carla Bley).

Nos anos 70, despontam instrumentistas que estariam associados ao jazz

fusion, como Stanley Clarke, Alphonso Johnson e Miroslav Vitous. Na era da

fusion, começou a predominar o contrabaixo elétrico, mas isso não impediu

que houvesse músicos capazes de executar bem tanto o instrumento

acústico (chamado carinhosamente de upright, o “verticalzão”) quanto o

elétrico. Um exemplo destacado de virtuosismo a toda prova, tanto no

registro “plugado” como no “desplugado”, é John Patitucci, que surgiu nos

anos 80 e tocou na Elektric Band e na Akoustic Band de Chick Corea. Na

atualidade também estão surgindo excelentes contrabaixistas jovens, como

Christian McBride, que aderem decididamente ao acústico e não pertecem à

fusion, mas nem por isso deixam de fazer um jazz moderno.

Em entrevista a Don Williamson, no ano de 2000, para um website de jazz, o

contrabaixista Ron Carter afirma: “Penso que meu trabalho é encontrar a

nota que fará o solista não tocar o que que ele tocaria na sua sala de estar.

Ou então, eu gosto de criar um ritmo que fará a banda tomar uma direção

diferente. É isso o que eu gosto de fazer”. O entrevistador intervém: “Você já

disse que o baixo é o ponto focal de um grupo”. Ao que Carter responde:

“Sim, o baixista age como o quarterback”. Quando o entrevistador provoca:

“Porém o baixo está usualmente no background...”, Carter responde: “Sim,

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- 29 - RealCursos

mas se o baixista consegue saber como comandar, ele fica no fundo apenas

na percepção das pessoas. A música toma a direção que o baixista estipula.

Isso é que é realmente importante”. Eis aí uma verdadeira “declaração de

independência” do contrabaixo moderno no jazz, por um de seus maiores

expoentes. As coisas mudaram muito desde o “umpa-pá” da tuba no início do

século...

Guitarra

As seis cordas - celebradas por inúmeros escritores, poetas e pintores do

Ocidente; herdeiras de uma grande tradição européia que remonta aos

alaúdes da Renascença e às “guitarras” do Barroco; e, mais recentemente,

companheiras de incontáveis bluesmen famosos ou anônimos da América do

Norte - não poderiam faltar no jazz. A importância do violão e/ou da guitarra

no jazz explica-se, em parte, porque esse instrumento está situado numa

posição peculiar dentro do espectro sonoro: trata-se de um intermediário

entre os instrumentos puramente melódicos - como os sopros e os metais - e

os instrumentos harmônicos - como, por exemplo, o piano - os quais, embora

possam solar, geralmente são usados para fornecer a base para os solos.

Essa posição intermediária permite à guitarra transitar entre solo e

acompanhamento com naturalidade.

É comum distinguir duas eras da guitarra no jazz: antes e depois de Charlie

Christian. Antes de Christian, a guitarra era meramente um instrumento

acompanhador, no sentido estrito do termo: marcava o ritmo, da maneira

mais simples possível, e expunha a harmonia para o canto. Embora fosse um

instrumento tradicional, vindo do blues, não se achava, musicalmente

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- 30 - RealCursos

falando, no mesmo plano que o piano, por exemplo. O professor de Christian,

Eddie Durham, inventou a guitarra amplificada, que Christian adotou em

1937. No período de 1939 até 1941, tocando com Benny Goodman, e

fazendo jam sessions com os futuros beboppers, Christian revolucionou a

guitarra jazzística e estabeleceu um padrão que os guitarristas das décadas

seguintes se esforçariam para atingir. Embora vindo do swing, viveu

exatamente na transição para o tórrido estilo gestado no “Minton’s” e que

transformaria o jazz. A sua morte, em 1942, com tuberculose, interrompeu

uma evolução que prometia ainda maiores inovações.

Outro guitarrista dos anos 30, solista por excelência, e que misteriosamente

parece não ter absorvido quase nenhuma influência, é Django Reinhardt

(falecido em 1953, aos 43 anos). Muito querido e admirado até hoje por todos

os guitarristas, homenageado numa composição do Modern Jazz Quartet

(“Django”), ele tinha, no entanto, um estilo demasiado pessoal, desvinculado

da evolução geral do jazz, e não gerou tantos seguidores diretos quanto

Christian. Também se deve notar que a técnica desenvolvida por Christian

era mais adequada à guitarra elétrica do que a de Django, oriundo do violão

acústico e que aderiu ao som elétrico apenas tardiamente.

Todos os guitarristas posteriores a Charlie Christian foram influenciados por

ele. Entre os maiores, podemos mencionar, dos anos 40, Tiny Grimes (que

tocou no trio de Art Tatum) e, dos anos 50 em diante, Kenny Burrell (oriundo

do bebop), Jimmy Raney, Barney Kessel, Billy Bauer (associado ao cool e ao

West Coast), Herb Ellis (que tocou no trio de Oscar Peterson) e Charlie Byrd

(admirador da música brasileira). Aparecendo um pouco mais tarde, temos o

grande Joe Pass (também parceiro freqüente de Oscar Peterson), Jim Hall e

o virtuose Wes Montgomery (que flertou com o pop).

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A guitarra participou da evolução do jazz, ao longo do swing, do cool e do

bebop, às vezes desempenhando um papel musicalmente muito relevante,

porém raramente na condição de solista e líder. A passagem da guitarra para

o primeiro plano absoluto se deu com o advento do jazz-rock, mais

especialmente da fusion, e com o surgimento do mito Jimi Hendrix no rock.

Vemos então firmarem-se virtuoses como John McLaughlin (provavelmente o

maior guitarrista dessa fase), Larry Coryell, George Benson (sucessor de

Wes Montgomery, na técnica e no tipo de repertório) e Pat Metheny (que

atirou em diversas direções, além da fusion: folk, free e mainstream).

A valorização da guitarra nos anos 70 e 80, no contexto do rock e do jazz-

rock, pode ter beneficiado indiretamente também os virtuoses mais clássicos,

como Joe Pass, Hall, Byrd, Kessel e outros, que finalmente passaram a

receber a atenção merecida. Também voltou a haver espaço para os

violonistas acústicos, como Ralph Towner.

A técnica da guitarra no jazz varia: o mais das vezes ela é tocada com

palheta, o que limita sua capacidade polifônica; ela fica reduzida a um

instrumento melódico e ocasionalmente harmônico. Alguns grandes virtuoses

(como Joe Pass) tocam com os dedos, à maneira do violão clássico,

conseguindo assim tecer um verdadeiro tecido polifônico, com vozes

simultâneas. Recentemente, Stanley Jordan se tornou famoso com uma

técnica que amplia o potencial polifônico, dedilhando o braço do instrumento

com as duas mãos, como num teclado de piano; o som é emitido apenas

pelo choque dos dedos contra as cordas. Assim, desaparece a limitação de

ser obrigado a construir a polifonia no braço do instrumento usando apenas a

mão esquerda; o guitarrista passa a ser capaz de executar baixo, harmonia e

melodia simultaneamente (sem a necessidade de overdubbing).

Page 32: A HISTÓRIA DO JAZZ

- 32 - RealCursos

A constituição física do instrumento também varia. Ele pode ter o corpo

maciço, como na célebre Fender Stratocaster e suas descendentes (algumas

de design bastante bizarro), onde o sinal elétrico é gerado diretamente pelo

movimento da corda metálica dentro do campo magnético do captadores. Ou

pode ter o corpo oco, como na igualmente célebre Gibson ES-5 e suas

derivadas, acrescentando às vibrações diretas da corda também um

complexo padrão de realimentação acústica e vibração por simpatia, que

altera os modos de vibração recebidos pelo captador, e portanto o timbre

resultante. Em geral, as guitarras semi-acústicas são deixadas sem

distorção, com o timbre mais puro, e são preferidas pelos guitarristas de jazz

mais tradicionais, enquanto que as maciças têm a preferência dos guitarristas

de fusion, que lhes conectam uma variedade de distorcedores, efeitos e

pedais.

Piano

Na música clássica, o piano é um instrumento quase onipresente - para

satisfação de uns e irritação de outros. E no jazz não é diferente. Isso se dá

mais ou menos pela mesma razão que na música clássica: o piano (como os

instrumentos de teclado de modo geral) é o instrumento que possui a maior

capacidade de tocar múltiplas linhas simultaneamente. Essa onipresença do

piano se dá a despeito de o trompete e o sax estarem, no inconsciente

coletivo, talvez mais fortemente associados ao jazz do que o piano. O piano

sempre se beneficiou de um fluxo constante de novos talentos, em todos os

períodos do jazz, desde o autoproclamado "inventor" do jazz, Jelly Roll

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Morton, até os vanguardistas radicais como Cecil Taylor e os versáteis

virtuoses modernos como Chick Corea.

O uso do piano no jazz sofreu uma evolução ao longo dos anos: tornou-se

elétrico no hard bop e no jazz-rock, transformou-se em sintetizador no fusion,

e mais recentemente em sequenciador digital. Na atualidade, volta a ser

acústico, o que não impede necessariamente uma convivência pacífica com

seus parentes ligados à tomada. Uma vez que o piano esteve presente em

todas, tentar contar a história do piano no jazz seria como tentar contar a

história do próprio jazz.

Sax Alto

A história do sax alto como instrumento de destaque dentro do jazz começa

com alguns músicos que tocaram nas orquestras de swing a partir dos anos

30: Johnnny Hodges (da orquestra de Duke Ellington), Benny Carter (ele

mesmo também bandleader) e Willie Smith. Nos anos 40 a história do sax

alto (e talvez até mesmo do próprio jazz) se precipita sobre Charlie Parker. A

sua sonoridade agressiva, seu fraseado imprevisível, sua capacidade

inesgotável de improvisação, o lugar que ocupa dentro da estética do jazz

como pai do bebop, até mesmo a sua biografia trágica, tudo isso o

transforma numa figura de dimensões míticas. É difícil contabilizar o imenso

número de saxaltistas e mesmo saxtenoristas que foram influenciados por

Bird - isso não apenas nos anos 40, mas também décadas depois.

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Somente com o advento do cool jazz surgiria um estilo de tocar o alto

completamente diferente do de Parker: o de Lee Konitz (ligado à escola de

Lennie Tristano). Também merece destaque um dos mais populares

sucessores de Konitz: Paul Desmond, que integrou por longos anos o

quarteto cult de Dave Brubeck e possuía um som leve e um fraseado fluido.

No cenário hardbop e posterior, temos Sonny Stitt (inicialmente influenciado

por Charlie Parker, mas que, tocando também o tenor, veio a desenvolver ali

um estilo mais pessoal), Julian “Cannonball” Adderley (que tocou no notável

sexteto de Miles Davis na segunda metade dos anos 50), Ornette Coleman (o

pai do free jazz) e Anthony Braxton (cujo disco For Alto foi um marco na

evolução do sax alto contemporâneo).

Sax Tenor

Há quem diga que o jazz moderno está "saxtenorizado". De fato, os

instrumentistas que mais gravaram nas duas últimas décadas provavelmente

são os saxtenoristas, ocupando o lugar que já foi dos trompetistas. (Mas leia

também sobre o renascimento recente do trompete no jazz.) Essa

proeminência se deve, em grande parte, à atração que o jazz fusion tem pelo

tenor da família de instrumentos inventados pelo belga Adolphe Sax. Um

conjunto típico de jazz fusion na atualidade se compõe de sax tenor (ou

soprano) + teclados (em geral eletrônicos) + guitarra + contrabaixo

elétrico + bateria (e percussão). No entanto, o sax tenor tem uma rica

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- 35 - RealCursos

história que antecede em muito os modismos recentes, e que remonta a

mestres como Coleman Hawkins e Lester Young. O sax tenor não esteve

sempre associado, como ocorreu até recentemente, a um som "nervoso" e

áspero, a la Gato Barbieri. Ao contrário, no swing e no cool, a "voz" que os

solistas davam ao instrumento era geralmente redonda, suave, bem

colocada. Outros tempos. Felizmente, mesmo durante a fase dos "angry

tenors" (os "tenores zangados"), continuaram existindo alguns mestres que

primavam pela qualidade do som, como Sonny Rollins, e hoje em dia

voltamos a ter saxtenoristas de som extraordinariamente limpo e nítido, como

o jovem Joshua Redman.

Trompete

Embora o trompete tenha, em certo sentido, perdido, durante os anos 80 e

90, a primazia histórica de que sempre desfrutou ao longo de décadas entre

os instrumentos do jazz, ele tem experimentado um renascimento recente.

Se o domínio do sax tenor esteve associado à popularização do jazz fusion,

o renascimento do trompete tem a ver com a retomada das raízes e formas

clássicas e a emergência do latin jazz. Durante muito tempo, as vozes

principais das grandes correntes estilísticas do jazz foram os trompetistas:

basta lembrar de Louis Armstrong no estilo tradicional de Chicago e no

swing, Dizzy Gillespie no bebop, Chet Baker no cool, e Miles Davis no cool e

no jazz-rock. Depois de Miles, Freddie Hubbard permaneceu quase solitário

como o grande nome do trompete nos anos 70 e 80. Com o surgimento do

virtuose Wynton Marsalis, liderando uma releitura da tradição, e do jovem

Nicholas Payton, mais moderno, e com o sucesso do latin jazz, nicho de

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grandes virtuoses como Arturo Sandoval, o trompete pode estar caminhando

para recuperar sua antiga glória.

Voz

Como lembra Joachim Ernst Berendt, em seu livro O Jazz - Do Rag ao Rock,

o jazz nasceu da música vocal. Porém tornou-se, ao longo das décadas, uma

música instrumental por excelência, fazendo com que também a voz se

tornasse um instrumento, e que os vocalistas passassem a cantar de

maneira semelhante a um trompete, um trombone ou um saxofone. Berendt

resume a dialética do canto no jazz por meio da seguinte fórmula: todo o jazz

vem da música cantada e todo o canto vem da música instrumental.

Em que pese essa tentativa de aproximação com o instrumental, é certo que

a voz tem menos recursos do que os instrumentos construídos pelo homem -

por exemplo no que se refere à extensão, à potência sonora ou à velocidade

de articulação, para não falar na capacidade de emitir notas simultâneas,

base da harmonia e da polifonia. No entanto, ainda assim a voz humana é

sem dúvida o instrumento mais flexível e com maior potencial expressivo de

todos.

Aproximando-se da estética instrumental, e privilegiando elementos como a

expressividade, o timbre e o "swing", é claro que o canto jazzístico não

poderia seguir os mesmos padrões da música de concerto. A maioria dos

cantores de jazz não se enquadraria dentro dos critérios técnicos do canto

lírico, por exemplo. O canto no jazz admite um espectro muito amplo, quase

ilimitado, de técnicas, estilos e abordagens.