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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 1 ENEGEP 2006 ABEPRO A Gestão do Risco na Terceirização de Atividades de Manutenção Mecânica e a Dicotomia entre o Real e o Prescrito: Um Estudo de Caso em uma Siderúrgica de Grande Porte Viviane Eloise Tavares (UFMG) [email protected] Eliza Helena de Oliveira Echternacht (UFMG) [email protected] Resumo Neste artigo apresentaremos alguns aspectos que envolvem a gestão do risco na relação de trabalho baseada na terceirização das atividades de manutenção mecânica desenvolvidas em contexto siderúrgico. E partindo de uma demanda social, fundamentada no alto índice de acidentes do trabalho que acometem os profissionais que desempenham tais atividades, discutir a adequação dos atuais instrumentos formais de gestão do risco, às reais condições de execução das atividades de manutenção. Palavras-chaves: Gestão do risco; Manutenção mecânica; Terceirização. 1-Introdução Este artigo busca fazer uma análise crítica aos atuais instrumentos formais de gestão do risco, utilizados na liberação de atividades terceirizadas de manutenção mecânica em processos contínuos de produção, tendo em vista seu distanciamento das reais condições de trabalho que os profissionais terceirizados vivenciam. Emoldurados por um contexto socioeconômico que dá margem à precarização das relações de trabalho, os profissionais terceirizados vêm se submetendo a baixos salários e à atividades que colocam em risco sua integridade física, refletindo nos elevados índices de acidentes do trabalho. Segundo Echternacht, “Os índices de acidentes de trabalho em tais populações terceirizadas [manutenção em processos contínuos] são assustadoramente mais altos que entre os trabalhadores próprios das empresas.”(ECHTERNACHT,2004). E em meio a fragilização dos contratos de trabalho para prestação de serviços, surge a dicotomia da gestão real e formal do risco. Sob o amparo legal, contratantes transferem responsabilidades e riscos, enquanto se resguardam por meio de documentos formais de prevenção e controle de acidentes. Assim, partindo-se de uma problemática voltada ao elevado índice de acidentes do trabalho envolvendo terceiros em sistemas contínuos de produção, desenvolveu-se um estudo de caso em uma siderúrgica de grande porte, focando-se no setor de manutenção mecânica. 2- Contexto O estudo foi desenvolvido em um complexo siderúrgico de grande porte, cujo processo vai desde a transformação da matéria-prima em ferro-gusa até o produto final comercializável. Neste complexo existem cerca de 85 empresas terceirizadas atuando em diferentes ramos de atividades, sendo que no setor de manutenção 80% dos profissionais são terceirizados. O contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas está baseado na realização de atividades de manutenção, mediante a elaboração de orçamentos pela contratada, e sua aprovação pela contratante. As solicitações das manutenções provenientes dos diversos

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A Gestão do Risco na Terceir ização de Atividades de Manutenção Mecânica e a Dicotomia entre o Real e o Prescr ito: Um Estudo de Caso

em uma Siderúrgica de Grande Porte

Viviane Eloise Tavares (UFMG) [email protected] Eliza Helena de Oliveira Echternacht (UFMG) [email protected]

Resumo

Neste artigo apresentaremos alguns aspectos que envolvem a gestão do risco na relação de trabalho baseada na terceirização das atividades de manutenção mecânica desenvolvidas em contexto siderúrgico. E partindo de uma demanda social, fundamentada no alto índice de acidentes do trabalho que acometem os profissionais que desempenham tais atividades, discutir a adequação dos atuais instrumentos formais de gestão do risco, às reais condições de execução das atividades de manutenção. Palavras-chaves: Gestão do risco; Manutenção mecânica; Terceirização.

1-Introdução

Este artigo busca fazer uma análise crítica aos atuais instrumentos formais de gestão do risco, utilizados na liberação de atividades terceirizadas de manutenção mecânica em processos contínuos de produção, tendo em vista seu distanciamento das reais condições de trabalho que os profissionais terceirizados vivenciam.

Emoldurados por um contexto socioeconômico que dá margem à precarização das relações de trabalho, os profissionais terceirizados vêm se submetendo a baixos salários e à atividades que colocam em risco sua integridade física, refletindo nos elevados índices de acidentes do trabalho. Segundo Echternacht, “Os índices de acidentes de trabalho em tais populações terceirizadas [manutenção em processos contínuos] são assustadoramente mais altos que entre os trabalhadores próprios das empresas.” (ECHTERNACHT,2004).

E em meio a fragilização dos contratos de trabalho para prestação de serviços, surge a dicotomia da gestão real e formal do risco. Sob o amparo legal, contratantes transferem responsabilidades e riscos, enquanto se resguardam por meio de documentos formais de prevenção e controle de acidentes. Assim, partindo-se de uma problemática voltada ao elevado índice de acidentes do trabalho envolvendo terceiros em sistemas contínuos de produção, desenvolveu-se um estudo de caso em uma siderúrgica de grande porte, focando-se no setor de manutenção mecânica.

2- Contexto

O estudo foi desenvolvido em um complexo siderúrgico de grande porte, cujo processo vai desde a transformação da matéria-prima em ferro-gusa até o produto final comercializável. Neste complexo existem cerca de 85 empresas terceirizadas atuando em diferentes ramos de atividades, sendo que no setor de manutenção 80% dos profissionais são terceirizados.

O contrato de prestação de serviços firmado entre as empresas está baseado na realização de atividades de manutenção, mediante a elaboração de orçamentos pela contratada, e sua aprovação pela contratante. As solicitações das manutenções provenientes dos diversos

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setores da siderúrgica são direcionadas ao Setor de Planejamento que conta tanto com profissionais efetivos, quanto terceirizados. O acerto é feito através da contabilização da quantidade de horas trabalhadas por cada operador (homem/ hora). Logo, trata-se de um contrato de compra e venda, sendo a mercadoria negociada, a força de trabalho dos operadores terceirizados.

O fato de profissionais efetivos e terceirizados atuarem juntos na manutenção faz com que contratada e contratante, desenvolvam suas tarefas de forma integrada, estando a gestão do risco na interface das empresas.

As manutenções mecânicas são desenvolvidas nos interstícios das linhas produtivas, com uma configuração diversificada de postos, exigindo dos trabalhadores terceirizados competências que estes, muitas vezes, não as possuem. Os profissionais terceirizados em sua maioria têm baixo nível de qualificação profissional, de maneira que adquirem experiência na própria siderúrgica. Tal situação além de aumentar o risco de acidentes, contribui para os baixos salários e para uma alta rotatividade desses profissionais.

Em uma relação contratual duas realidades distintas se unem. De um lado temos a siderúrgica com uma estrutura organizacional e técnica mais consolidada, fundamentada em normas e procedimentos, com profissionais mais especializados; do outro, temos a terceirizada, com uma estrutura organizacional e técnica fragilizada, sustentada por baixos investimentos técnico-operacionais.

A partir dessa temática deu-se início ao processo investigativo das condições reais de execução das manutenções mecânicas.

3-Metodologia

A metodologia adotada, a Análise Ergonômica do Trabalho (GUÉRIN et al., 1997; WISNER, 1987), baseou-se em observações das atividades de manutenção mecânica em contexto real. Tais observações foram divididas em quatro etapas, a partir da escolha de elementos, cujo aprofundamento se fez necessário.

Na primeira etapa, desenvolveu-se a pesquisa exploratória do campo a ser estudado, tendo sido realizado o reconhecimento e levantamento de dados das empresas contratada e contratante. A contratada é uma empresa especializada em serviços de manutenção em siderúrgicas que tem sua matriz no interior do Estado; por este motivo cerca de 75% de seu quadro de funcionários são do interior, ficando lotados em alojamentos. Segundo as observações, este fato interfere diretamente no alto índice de absenteísmo da população trabalhadora, que falta ao trabalho para visitar a família.

Nessa etapa partiu-se também para a escolha do ponto de partida das observações em contexto real das manutenções; tendo sido escolhido o setor de laminação. Para tal escolha, adotou-se os critérios de setor de maior incidência de acidentes, maior número de frentes de trabalho e de variedade de postos de trabalho. Nesta etapa foram constatados elementos intervenientes na gestão do risco que motivaram o recorte da segunda etapa, que teve como objetivo entender o processo de planejamento das atividades de manutenção, desde a origem dos pedidos até sua execução.

A terceira etapa foi focada sobre as atividades do encarregado, o que permitiu se verificar que é ele quem lida na prática, com as questões relacionadas à segurança e prevenção de acidentes. Nesta etapa, procurou-se trazer à tona os condicionantes que interferem nos modos operatórios deste profissional, que de alguma forma, incidem na gestão do risco em contexto real.

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Por último, a quarta etapa tratou da análise dos dados coletados nas etapas anteriores. Por meio desta verificou-se a inadequação dos atuais instrumentos de gestão formal, tendo em vista, a realidade social e técnica que permeia as reais condições de execução das atividades de manutenções.

4- Condições Reais de Execução das Manutenções Mecânicas

As condições de execução da atividade modificam-se de acordo com os postos de trabalho, os quais se concretizam entre um equipamento e outro. A cada novo equipamento com problema, nova peça a ser trocada, seja nos fossos dos fornos da laminação, ou a 20m de altura nos altos-fornos, surge um novo posto de trabalho.

a) Organização Temporal em Processos Contínuos

Em sistemas contínuos de produção a organização temporal tem caráter de suma importância para o bom andamento do processo produtivo. E paralelamente à continuidade do processo, surge a pressão temporal que demanda novos ritmos e articulações aos encarregados e operadores, impactando diretamente na gestão do risco em contexto real. “Quando a atividade da gente tá ligada com parte do processo, a pressão aumenta porque ele [o processo] não pode parar, aí a gente tem que ficar aqui até tarde pra resolver o problema” . (Operador terceirizado, 18.7.2003).

Outro elemento que contribuiu para pressão temporal é a falta de planejamento para iniciar a execução das atividades; os atrasos são comuns, seja pela dificuldade de mobilização de pessoal, ou de ferramental; “Toda atividade é assim, custa a engrenar, mas depois que engrena aí vai.” (encarregado terceirizado, 22.3.2004).

Os atrasos têm também sua origem na insuficiência da troca de informações entre as áreas técnica e organizacional, de ambas as empresas. Puderam ser observadas interrupções, ou mesmo, ausência de troca de informações, desde o processo de planejamento até a execução das manutenções. Tal problema pode ser exemplificado na escalação de trabalhadores que não estavam disponíveis, encontrando-se em férias ou afastados, bem como informação incorreta sobre a localização da frente de trabalho, direcionando os trabalhadores para outro local.

Também há a ocorrência de imprevistos levando à fragmentação de uma equipe já formada, porque um operador faltou, ou devido à necessidade de relocação de algum operador para outra atividade em caráter de urgência.

A pressão temporal, além do aumento da carga de trabalho física e cognitiva, pode levar a negligência de procedimentos de gestão do risco, inviabilizando o controle e prevenção de acidentes.

b) O Risco em Ambiente Siderúrgico

Nos processos siderúrgicos, os trabalhadores estão imersos em um ambiente agressivo, muitas vezes insalubre, onde os postos podem ser ruidosos, de difícil acesso, úmidos, confinados, iluminados de maneira deficitária, podendo ainda haver exposição ao calor e aos agentes químicos que podem levá-los a desenvolver doenças profissionais a médio e longo prazo.

Tal agressividade é retratada na verbalização a seguir: “na última manutenção o forno estava em funcionamento e a temperatura externa variava entre 60 e 70ºC. Os capacetes tinham de ser trocados porque podiam derreter e os trabalhadores tinham que ir revezando.” (supervisor da siderúrgica, 31.3.2004).

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Diante de tal realidade, os Equipamentos de Proteção Individual parecem se tornar meros ornamentos, longe de cumprir sua função de zelar pela integridade física do trabalhador. E mesmo que utilizados de forma adequada, sua qualidade muitas vezes duvidosa, delatam o abismo que separam efetivos e terceirizados. “Porque não podemos ter botinas da mesma marca do pessoal da siderúrgica?” Pergunta um trabalhador terceirizado, e acrescenta: “Essas dão bolhas e duram menos” . Como explicar a tal trabalhador que seu conforto e segurança não são prioridades e que os resultados sobrepõem-se aos meios para alcançá-los.

Em se tratando de ambiente de alto grau de risco, a variabilidade em processos contínuos é um dos fatores complicadores para o controle de acidentes; estando presente na execução das manutenções mecânicas como elemento inerente às mesmas. A variabilidade define os modos operatórios e as representações dos operadores conforme sua experiência e habilidade; concretizando-se nas manutenções de urgência, na falta de ferramental adequado ou disponível, bem como na dificuldade de acesso aos planos de ação, que variam de um equipamento para outro.

c) Acessibilidade aos Planos de Ação e Adequação dos Postos de Trabalho

A partir das observações realizadas no ambiente produtivo da siderúrgica, focadas nas relações de interdependência entre a gestão formal e real do risco, o que mais nos chama a atenção são as condições precárias de acessibilidade aos planos de ação, problemas de leiaute e a ocorrência de postos de trabalho improvisados, delatando sua inadequação.

As figuras 1 e 2 ilustram, na seqüência de uma mesma atividade, a dificuldade de acesso aos planos de ação de um operador para executar a ligação de uma tubulação. Na ocasião, o trabalhador em busca da melhor posição deita no interior da canaleta, sobre o piso repleto de óleos e graxas. Na Figura 1, impossibilitado de retirar a chapa que cobre a canaleta, o trabalhador, executa a solda em um ambiente semi-confinado, com pouca ventilação, sem iluminação, cujo acesso não fora previsto em projeto.

Figura 1- Soldador em ambiente semi-confinado Figura 2- Soldador executando ligação de tubulação

Houve também, a não preparação de postos, levando o trabalhador a improvisar seu local de trabalho. O soldador ao fazer a montagem de uma cortina de corrente, – barreira para calor irradiado –, tornou o carrinho de transporte de ferramentas sua bancada de trabalho, enquanto parte de um rolete servia de assento (ver Figura 3).

As precárias condições de trabalho observadas na siderúrgica estudada concretizam-se em um ambiente onde, para executar suas atividades, os operadores contorcem-se entre engrenagens e peças mecânicas, em acrobacias na busca da acessibilidade ao posto de trabalho, gerado em

Figura 1- Soldador em Ambiente semi-confinado. Figura 2- Soldador executando ligação de tubulação.

Placa que não pôde ser retirada

Equipamento instalado sobre as placas

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meio a disfunções e materializado no improviso, dentro de um contexto onde homem e máquina se confundem. “Tem equipamento que até assusta; a gente tem que entrar dentro do forno. As posições são complicadas, as bocas de visita são estreitas, tem ir lá ver. Tem muita ponta de ferro, todo lugar que a gente encosta machuca.” (17/7/2003, mecânico terceirizado)

Figura 3 – Soldador executando montagem em posto improvisado

d) Precariedade dos Dispositivos Técnicos

Durante as observações realizadas verificou-se a falta de ferramentas básicas desde marteletes até equipamentos de solda. De acordo com o almoxarife responsável pela reposição de ferramental e aquisição de materiais, como gás de soldas, existem muitos equipamentos na manutenção e outros esperando liberação de verba para serem reparados. Todo pedido de aquisição de materiais, ou manutenção de equipamento, passa pelo diretor geral da terceirizada, segundo o almoxarife há muita burocracia o que atrasa a entrega dos equipamentos.

Assim, na falta de equipamentos adequados parte-se para o improviso, em que cabos de martelos viram alavancas e pedaços de equipamentos se transformam em ferramentas. A verbalização a seguir reafirma o velho ditado de que os fins justificam-se os meios: “se eu for fazer só com as ferramentas que têm que ser, o serviço não sai, a gente às vezes tem que improvisar mesmo.” (Encarregado terceirizado, 28.6.2004).

O acompanhamento dos serviços de manutenção permitiu se vislumbrar parte da realidade enfrentada diariamente pelos profissionais terceirizados. E uma vez delineada tal realidade, discutiremos a seguir a estrutura dos instrumentos formais de gestão do risco utilizados pela siderúrgica, para liberação das atividades de manutenção executadas por terceiros.

5- Gestão Formal do Risco: PT e APR

A Permissão para o Trabalho-PT e a Análise Preliminar do Risco- APR são instrumentos de controle do risco, organizados sob a forma de check-lists, previstos no Sistema Integrado de Gestão - NST desenvolvido pela siderúrgica para liberação dos serviços de manutenção mecânica realizados por terceiros.

Formalmente os documentos PT e APR seguem uma seqüência de decisões para análise da necessidade de emissão de um ou outro documento (ver Figura 4).

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Documento de gestão formal do risco implementado pela siderúrgica como forma de controle e prevenção de acidentes, a PT é uma autorização para a execução de trabalhos não rotineiros. Estes, segundo a NST, são todos trabalhos de manutenção realizados em espaços confinados, em altura, com intervenção em vasos sob pressão ou em redes de gás, com exposição a temperaturas extremas, corte e soldas em tubulações de produtos combustíveis, trabalho junto

Figura 4 - Fluxograma de análise de necessidade de PT e APR. Fonte: Normas de Segurança do Trabalho da Siderúrgica.

a vigas de rolete de ponte rolante e trabalho em laminador ou outro equipamento com acionamento remoto.

Por ser emitida na hora da execução dos serviços, ao contrário da APR que necessita de pelo menos 24 horas, a PT é emitida em maior número. Assim, durante a coleta de dados procurou- se focar as observações na PT, sem no entanto, desconsiderar a APR que é emita para as atividades que excedem 7 dias de duração.

No entanto, a decisão entre a emissão da PT ou da APR, nem sempre é uma tarefa fácil, uma vez que a duração dos serviços pode variar conforme o problema do equipamento. Em entrevista semi-estruturada, obteve-se a seguinte verbalização: “ tem serviço que é para 4 dias e depois precisa de mais, porque a gente só sabe o que tem que ser trocado depois que abre, é igual doente só depois que abre que você sabe o que ele tem.” (Supervisor Terceirizado, 13.4.2004)

Na regulamentação de segurança consta que os emitentes da PT devem treinar os operadores, e que estes, depois de treinados, devem assinar o documento Registro de Treinamento que servirá de garantia legal para a siderúrgica de que os terceirizados foram treinados e que estão cientes dos riscos aos quais estão expostos. No entanto, ao perguntar a um operador que havia

S

S

N

S

S

Início

Avaliação do Grau de Risco

Risco Acentuado ?

Existe procedimento ou NST?

Há tempo para emissão de APR?

APR

Aplicável à PT?

PT

FIM

N

N

N

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assinado tal documento, qual seria o serviço a ser realizado e sobre procedimentos de segurança, obteve-se a seguinte verbalização: “ Eu ainda não sei, o encarregado ainda vai passar para gente o que deve ser feito, eu acho que é para tirar o motor aí do forno" (Mecânico Terceirizado, 28.6.2004).

Assim, embora conste no documento que regulamenta a PT e APR procedimentos e detalhamento de segurança, a pressão temporal, inviabilizada o seguimento na íntegra de práticas preventivas. Ao confrontar com profissionais da siderúrgica e terceirizados sobre o caráter de adequação dos documentos formais PT e APR foram obtidas as seguintes verbalizações:“ O problema é que já virou rotina, aí não se dá a devida importância” (Supervisor da Siderúrgica, 7.5.2004).“ Tem coisa na Permissão que não abrange o nosso setor, escavações, por exemplo. Tinha que ser específico, o risco que corre em uma área é diferente da outra” (Técnico Segurança Terceirizado, 7.5.2004). “A Permissão para o Trabalho possui a mesma estrutura desde sua implementação, baseada no modelo proveniente de uma petroquímica. Desde então, esta vem sofrendo alterações, mas que devido ao seu caráter padrão, deve atender às diversas áreas da indústria, não pode ser específica. Hoje sabemos que ela não tem mais efeito e estamos estudando uma outra forma de liberação dos serviços” (Técnico de Segurança da Siderúrgica, 7.5.2004).

Desta forma, embora check-lists permitam lembrar e antecipar providências que seriam necessárias à execução do serviço com segurança, estes não esgotam as possibilidades de risco de acidentes. Isto, embora pareça óbvio, muitas vezes, documentos formais, por mais distantes da realidade que estejam, tornam-se documentos legais que comprovam a implementação de programas de segurança.

Assim, enquanto os instrumentos formais garantem o respaldo legal de aplicação de normas e procedimentos de segurança, estes aumentam as lacunas existentes entre o prescrito e o real, que precisam ser preenchidas durante a execução das atividades.

6- Gestão Real do Risco

Durante as observações focadas na execução das manutenções mecânicas terceirizadas foram identificadas várias disfunções, que de forma indireta ou diretamente, interferem na gestão do risco, foram elas: inadequações de concepção de leiaute, resultando em solicitações posturais penosas; pressão temporal, devido ao atraso para o início das atividades, imprevistos e manutenções de urgências; não preparação dos postos; reformulações de equipes devido à falta de operadores; não disponibilidade de equipamentos adequados, conduzindo os operadores ao improviso e à uma maior exposição aos riscos de acidentes.

Verificou-se ainda a falta de projeto para execução das manutenções, simultaneidade de serviços no mesmo equipamento, política de reaproveitamento e EPI em más condições de uso, além de uma acentuada insuficiência nas interações entre as áreas técnica e organizacional de ambas empresas, fundamentadas na interrupção, ou mesmo, na falta de troca de informações.

Diante de tal contexto, como principal meio de contornar as referidas disfunções, aparece o trabalho coletivo, com a colaboração entre trabalhadores; há cooperação até mesmo entre terceirizadas. Ao precisar de um equipamento de solda, o encarregado terceirizado sabendo que sua empresa não dispunha de um disponível este solicita a outra terceirizada: “Eu peguei este emprestado com outra empreiteira (referindo-se ao equipamento de solda), o nosso está sem gás. Aqui é assim, temos que ter jogo de cintura. Tem uma política para conseguir as coisas, se a gente precisa de alguma coisa, mesmo barata, é uma burocracia danada, demora

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demais. A gente aqui na área tem que se ajudar, quem tem material sobrando passa para o outro.” (Encarregado Terceirizado, 27.5.2004).

Na falta de um equipamento adequado, o improviso é a solução. Na área, os trabalhadores se viram como podem para que o serviço saia, porque é seu emprego que está em jogo. Eles escalam os equipamentos, retiram motores, esquivam-se de pontes rolantes, e superam suas limitações profissionais, substituindo suas inseguranças pela vontade de continuar garantindo seu sustento.

Assim, as regulações horizontais intermediadas pelo coletivo de trabalho são as principais formais de gestão do risco. O encarregado é o principal agente de tais regulações. Embora, este seja destinado apenas a dar orientações sobre a execução das atividades de manutenção na área, na maior parte das vezes, é ele quem executa os serviços mais complexos, possibilitando assim uma gestão real do risco.

Em face desse conjunto de contingências, configura-se a dicotomia entre a gestão real e a gestão formal do risco. Os instrumentos formais sob a forma de check-lists são insuficientes para garantir a segurança dos operadores, não prevendo as reais condições de execução das atividades de manutenção. O que era para garantir a segurança dos trabalhadores torna-se mera comprobação legal da implementação de normas e procedimentos, protegendo as empresas e expondo os trabalhadores.

7- Conclusão

Sem dúvida, o estudo permitiu a verificação do que alguns autores já haviam abordado em seus estudos a respeito da “apendicização” do indivíduo ao processo industrial, da “ fragilização” da segurança real contrapondo-se a um comprometimento maior da segurança formal e a tendência à “precarização” das relações de trabalho, nos contratos de terceirização fundamentados na obrigação de resultados, e não de meios (JEAN, 2002).

Os instrumentos de gestão formal do risco, criados com o objetivo de zelar pela segurança dos trabalhadores, realmente têm cumprido seu papel? ou apenas garantem às empresas um respaldo legal à aplicação de normas de segurança?

Surge aqui nossa crítica a tais instrumentos de controle formal do risco utilizados atualmente, não apenas em siderúrgicas, mas também em outras indústrias de elevado grau de risco como as petroquímicas e mineradoras. Se tais documentos não podem prever as disfunções da área operacional e a realidade dos profissionais terceirizados, bem como garantir a transmissão de informação sobre os riscos da área produtiva, estes não podem ser considerados instrumentos formais de gestão do risco e muito menos documentos legais que garantam a impunidade em caso de acidentes.

Desta forma, a questão aqui, não é como as contratantes devem comprovar que vêm cumprindo com suas obrigações legais, mas sim, como melhorar as condições de trabalho dos profissionais terceirizados, buscando protegê-los e preveni-los dos riscos de acidentes em condições tão adversas como as existentes em processo contínuos de produção.

8- Referências

ECHTERNACHT, Eliza. H. – Alguns Elementos para a Reflexão sobre as Relações entre Saúde e Trabalho no Brasil. Revista Brasileira Medicina do Trabalho, Belo Horizonte, Vol 2, nº 2, abr-jun, 2004, pág 85-89.

GUÉRIN, F. et. al – Compreendendo o Trabalho para Transformá-lo – Prática da Ergonomia, Ed. Edgard Blucher Ltda, SP, 1997.

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JEAN, Rémy – La Sécurité au Travail Écartelée entre hyperprescription procédurale et déréglementation sociale. Les évolution de la prescription societé d’ergonomie de langue française XVIéme Congrés en Provence SELF 2002, setembro, 2002, França, pág 154-160.

WISNER, A. – Por dentro do trabalho, ed. FTD S.A., SP, 1987, pág. 83, Cap. 15 – A análise da Atividade em Trabalhos Complexos, pág 120